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AS FOLIAS DE REIS NO ESPAÇO URBANO DE TRINDADE: CULTURA POPULAR E MEMÓRIA THE FOLIATION OF KINGS IN URBAN TRINITY: POPULAR CULTURE AND MEMORY Dóris de Fatima Reis Mendes 1 Lizandro Polletto 2 , Patrícia Adília dos Reis 3 , GeraldoLopes de Lima Junior 4 ; Almerio Freitas Prado Junior 6 . RESUMO O presente artigo tem por finalidade fazer uma análise das Folias de Reis no espaço urbano do Município de Trindade. O município de Trindade é um dos municípios da Região Metropolitana de Goiânia que tem papel significativo no contexto sociocultural da região, especialmente pela realização da tradicional festa do Divino Pai Eterno. A Folia de Reis é uma pratica da tradição da religião católica. O município de Trindade tem origem na fé católica. As folias são manifestações da Cultura Popular que em um país iminentemente agrário tem suas origens no meio rural e que migrou para as cidades de acordo com a necessidade dos sujeitos se adequarem aos modelos econômicos e sociais que se apresentaram ao longo do tempo. Palavras-chaves: Cultura. Fé. Município. Tradição. ABSTRACT The purpose of this article is to analyze Folias de Reis in the urban space of the Municipality of Trindade. The municipality of Trindade is one of the municipalities of the Metropolitan Region of Goiânia that plays a significant role in the socio-cultural context of the region, especially for the traditional feast of the Divine Eternal Father. The Folia de Reis is a practice of the tradition of the Catholic religion. The municipality of Trindade originates in the Catholic faith. The folias are manifestations of the Popular Culture that in an imminently agrarian country has its origins in the rural environment and that migrated to the cities according to the necessity of the subjects to adapt to the economic and social models that have appeared through the time. Keywords: Culture. Faith. Municipality. Tradition. 1 Professora M.Sc. Dóris de Fatima Reis Mendes. [email protected] 2 Professor da FacUNICAMPS, Licenciado em Pedagogia e Mestre em Ciencias da Religião 3 Acadêmica do Curso de Pedagogia da FacUNICAMPS 4 Professor da FacUNICAMPS, Mestre em Ciências da Religião 5 Coordenadora do Curso de Administração da FacUNICAMPS, mestre em Educação.

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AS FOLIAS DE REIS NO ESPAÇO URBANO DE TRINDADE: CULTURA

POPULAR E MEMÓRIA

THE FOLIATION OF KINGS IN URBAN TRINITY: POPULAR CULTURE AND

MEMORY

Dóris de Fatima Reis Mendes 1 Lizandro Polletto2, Patrícia Adília dos Reis3, GeraldoLopes de Lima Junior4; Almerio Freitas Prado Junior6.

RESUMO O presente artigo tem por finalidade fazer uma análise das Folias de Reis no espaço urbano do Município de Trindade. O município de Trindade é um dos municípios da Região Metropolitana de Goiânia que tem papel significativo no contexto sociocultural da região, especialmente pela realização da tradicional festa do Divino Pai Eterno. A Folia de Reis é uma pratica da tradição da religião católica. O município de Trindade tem origem na fé católica. As folias são manifestações da Cultura Popular que em um país iminentemente agrário tem suas origens no meio rural e que migrou para as cidades de acordo com a necessidade dos sujeitos se adequarem aos modelos econômicos e sociais que se apresentaram ao longo do tempo. Palavras-chaves: Cultura. Fé. Município. Tradição. ABSTRACT The purpose of this article is to analyze Folias de Reis in the urban space of the Municipality of Trindade. The municipality of Trindade is one of the municipalities of the Metropolitan Region of Goiânia that plays a significant role in the socio-cultural context of the region, especially for the traditional feast of the Divine Eternal Father. The Folia de Reis is a practice of the tradition of the Catholic religion. The municipality of Trindade originates in the Catholic faith. The folias are manifestations of the Popular Culture that in an imminently agrarian country has its origins in the rural environment and that migrated to the cities according to the necessity of the subjects to adapt to the economic and social models that have appeared through the time. Keywords: Culture. Faith. Municipality. Tradition.

1 Professora M.Sc. Dóris de Fatima Reis Mendes. [email protected] 2 Professor da FacUNICAMPS, Licenciado em Pedagogia e Mestre em Ciencias da Religião 3 Acadêmica do Curso de Pedagogia da FacUNICAMPS

4 Professor da FacUNICAMPS, Mestre em Ciências da Religião 5 Coordenadora do Curso de Administração da FacUNICAMPS, mestre em Educação.

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1 INTRODUÇÃO

A Folia de Reis é uma prática da tradição católica que se constitui pela

manifestação da expressão da religiosidade popular coletiva de origem rural,

que na atualidade tem sido realizada também em regiões urbanas.

De acordo com Brandão (1981)

as folias, enquanto manifestação de fé consiste em um ritual praticado num contexto camponês pode ser modificado substancialmente quando os seus praticantes migram para a periferia da cidade e saem do trabalho com a terra para um trabalho operário.

As folias são também fortes manifestações da Cultura Popular que em

um país iminentemente agrário tem suas origens no meio rural e que migrou

para as cidades de acordo com a necessidade dos sujeitos se adequarem aos

modelos econômicos e sociais que se apresentaram ao longo do tempo.

Pessoa (2005) afirma que:

O que chamamos de cultura popular nasce em grande medida de vivência prática ou de lembranças ou ainda de imagens recebidas, ligadas ao cultivo da terra. A revolução industrial deixou como herança a subjugação absoluta do campo pela cidade. (...) Grande parte das cidades brasileiras (talvez, todas) tem alguma festa baseada nas coisas do mundo rural, embora não seja mais possível falar de rural como especificidade, como modos de vida e de trabalho, que só existem em um determinado lugar. Por isso falamos de ruralidades. Temos uma intersecção entre campo e cidade, em diversas manifestações e formas.

O estudo das Folias de Reis, sua prática e a preservação da tradição

nas regiões urbanas ajuda a compreender a territorialidade tendo como

princípio o que nos afirma Almeida (2011),

(...) no território festivo das folias a afetividade e a memória coletiva estão intensamente presentes nas ações, no rito e na territorialidade produzida pelos foliões. Territorialidade na qual perpassam “ tanto as questões de ordem simbólico-cultural como também o sentimento de pertencimento a um dado território”(...) Nos territórios festivos o sentido de pertencimento está intimamente ligado a identidade do sujeito com o território.

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Assim, muitos pesquisadores têm se dedicado ao estudo e resgate da

cultura popular por meio do estudo das folias de Reis como Almeida (2011)

Brandão (1977) Pessoa (2005) entre outros. De acordo com os estudos de

Almeida (2011), “as Folias de Reis estão presentes em praticamente todas as

microrregiões do Estado de Goiás. ” O município de Trindade é um dos

municípios da Região Metropolita de Goiânia que tem papel significativo no

contexto sociocultural da região, especialmente pela realização da tradicional

festa do Divino Pai Eterno.

O município de Trindade tem origem na fé católica. Sua história teve

início após ter sido encontrado o medalhão com a imagem do Divino Pai

Eterno, e daí em diante o casal Ana Rosa e Constantino Xavier passaram a

realizar em sua casa rezas de terço em louvor a Santíssima Trindade. Esta

reza começou a atrair pessoas da região e com o tempo e a narração de

muitos milagres atribuídos ao Divino Pai eterno, esta devoção cresceu e se

difundiu pelas imediações desta região.

Atualmente o município de Trindade é conhecido não só na região

centro oeste do Brasil como internacionalmente por esta devoção e se constitui

em um polo de turismo religioso em plena expansão, especialmente pelo

investimento da própria igreja na difusão da devoção.

Porém, apesar da Festa do Divino ser considerada a maior festa

religiosa do município, outras festas populares acontecem no decorrer do ano

que movimentam o cenário religioso da cidade, como a quermesse de Santa

Luzia (mais de 50 anos de tradição), as “desobrigas” de São Sebastião (festa

de características rurais) e as folias do Espírito Santo e de Santos Reis.

Como foco da presente investigação foi o de compreender como se dá

na atualidade a manifestação da tradição popular da folia de Reis no âmbito

urbano, quais as características desta realização, como acontecem os giros

urbanos e o que trazem da origem desta tradição. Almeida (2011) afirma que

“no território festivo das folias a afetividade e a memória coletiva estão

intensamente presentes nas ações, no rito e na territorialidade produzida pelos

foliões. ” Segundo a mesma autora nos territórios festivos o sentido de

pertencimento está intimamente ligado a identidade do sujeito como território. ”

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Em um estudo preliminar buscando informações junto à comunidade

católica local e algumas pessoas do meu conhecimento, encontramos um dos

membros e coordenador de uma folia (Magos do Oriente) cheguei a informação

de que no município de Trindade existem em torno de 5 (cinco) Grupos de

Folia de Reis em atividade na zona urbana e 1 (um) na região Leste do

município, denominada de Trindade Leste, mas que faz parte também da zona

urbana da cidade.

Estas folias realizam o giro em datas flutuantes, predominando o período

do Ciclo Natalino, entre dezembro e janeiro. Segundo Brandão (1977) em seu

estudo sobre as Folias de Mossâmedes - GO, “a missão da Folia de Reis é

cumprir uma jornada”. Durante sete dias ela viaja da casa do folião do ano,

para a casa do festeiro. Em Trindade já foi observado alguma variação neste

trajeto.

2 FOLIA DE REIS NO MUNICÍPIO DE TRINDADE

Estudar a manifestação cultural da Folia de Reis no município de

Trindade tem para mim um significado muito próprio e singular, já que a minha

origem do nome de família se deu por uma promessa2 de minha avó paterna

aos três Reis Santos, na intenção de salvar a vida de meu pai, nascido no mês

de dezembro, época em que as folias estavam em pleno giro nas imediações

do município de Pontalina, onde meu pai nasceu.

Ele foi acometido de um “berne” no umbigo e minha avó prometeu dar a

ele o nome dos santos, caso viesse a se salvasse. Na promessa também

estava o compromisso de que meu pai “tiraria uma folia de Reis” quando adulto

que sairia de sua residência e encerraria também na sua casa em

agradecimento a sua cura.

E assim, tendo sido atendida a graça minha avó deu ao meu pai o nome

de José “dos Reis” e este ficou sendo, a partir de então, nosso nome de

família, pois meu pai honrou esta promessa dando aos filhos este sobrenome,

abandonando a sua família, que era “Mendes”.

2 Compromisso de realizar alguma ação em agradecimento a algum benefício recebido. Ação comum na

tradição católica.

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Assim desde criança acompanhei diversos giros de folia até que meu pai

veio a cumprir a última parte da promessa que era tirar a folia de sua casa. Isso

aconteceu quando ele adquiriu a sua casa própria, e eu suspeito que ele

acrescentou a promessa de minha avó esta outra questão, que só tiraria a folia

quando fosse em sua própria casa. Assim, para nossa família acompanhar os

Giros de folia e receber foliões em casa sempre foi uma constante. Crescendo

com esta crença e tradição, os estudos sobre esta questão sempre me

atraíram.

No ano de 2015 fui convidada a participar de um projeto de pesquisa,

coordenado pelo Prof. Dr. Wilson de Paiva, intitulado “Cultura Popular e

Memória” cujo o foco é o estudo das Folias de Reis em Trindade. O

envolvimento neste projeto me despertou então o desejo de aprofundar ainda

mais nos estudos sobre esta expressão da religiosidade popular no município

em que vivi por quase toda a minha vida.

Motivada por esta relação familiar e tendo sido convidada a participar do

projeto “Cultura Popular e Memória: um estudo de caso dos “causos” e das

Folias de reis em Trindade-Go”, busquei na bibliografia estudos a respeito

desta manifestação cultural em embora tenha encontrado um referencial rico e

pesquisas relevantes observei que não existe um estudo específico sobre as

folias urbanas do município de Trindade. Assim iniciei uma investigação

empírica no sentido de compreender como na atualidade as folias têm se

manifestado neste município.

Em seguida a este estudo preliminar, organizamos grupos de

investigação e registro de dados que possibilitassem uma análise mais

criteriosa da manifestação desta prática da cultura popular e tradição religiosa

se dá no contexto urbano de Trindade.

3 CARACTERIZAÇÃO E ESPECIFICAÇÃO DAS FOLIAS URBANAS DE

TRINDADE

Como mencionado, anteriormente, a área urbana do município de

Trindade conta atualmente com 5 (cinco) grupos de folias atuantes. Para fechar

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o escopo da pesquisa nos concentramos em pesquisar apenas estas

encontradas. Embora depois, no decorrer da investigação tenhamos

encontrados outros grupos, que tem ação esporádica e não tão sistemática

quanto essas. Essas folias têm em comum a flexibilidade na época de fazerem

seus giros, portanto, não saem em épocas fixas como era comum acontecer na

zona rural ser sempre no ciclo Natalino (prevalecendo a época de

comemoração festiva de Santos Reis). Aliás, esta flexibilidade é uma das

características que muito nítidas observadas entre os grupos estudados.

Geralmente o início dos giros eram em dezembro, por ocasião do Natal, com

encerramento no dia 06 (seis) de janeiro, dia de Santos Reis.

Já nos meios urbanos devido às adaptações de tempo, obrigações de

trabalho etc, percebe-se que as folias são convidadas por moradores de

regiões diversas do município, na maioria devotos pagando promessas, e

assim, estes giros não acontecem necessariamente na época de comemoração

dos Santos. Outro indicativo é que muitas vezes são realizados apenas os

“tridos”3 (geralmente ocorridos nos finais de semana), ou apenas

apresentações isoladas (muitas vezes apensa de cunho artístico), sem

acontecer necessariamente o giro de muitos dias. Isso também para adaptar a

vida moderna e suas novas dimensões, sociais, culturais e econômicas. Isso

pode ser comprovado pela fala de um dos foliões entrevistados:

4L. – Lá na fazenda ainda existe a folia na Pedra Preta? 5Z. – Não. Quando eu vim pra cá a folia me acompanhou. Então, hoje a folia tá aqui em Trindade, mas o nome dela é Folia Pedra Preta. Porque nós veio... os folião veio tudo de Pedra Preta pra cá. L. – Ah mudou tudo junto? Então veio o Pedro Carro, o Benedito Roberto, o João Vieira Sobrinho, veio tudo? Z. – Veio tudo! Esse João Vieira Sobrinho mora em Goiânia. Agora os outros mora aqui em Trindade, os que é vivo, né? (...) L. – E quando o senhor chegou em Trindade desde o primeiro ano teve folia, né? Como foi? Você chamou quem tinha ficado?

3 Três dias de preparação para a festa.

4 Pesquisadora

5 Zé Neguinho

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Z. – Já tava todo mundo aqui. Inclusive nós saímos com uma folia daqui e foi lá pra essa fazenda Pedra Preta porque a festeira era de lá. L. – Ainda é assim? Entrega lá? Z. – Não, hoje tá tudo aqui. Lá ela começava dia 25 [dezembro] e terminava dia 5 de janeiro, mas por causa de todo mundo ter mudado pra cidade, todo mundo trabalha, todo mundo na correria, nós pois ela pra três dias. Então não tem data certa do mês, porque todo mundo trabalha, né?

Outra característica forte que nos chamou atenção é o fato de

encontrarmos entre os grupos muitas crianças e adolescentes como

integrantes. Este fato chama atenção por evidenciar a importância dada a

manutenção da cultura e da renovação das práticas populares, que por sua

vez, se renovam, se modificam e ainda assim perpetuam a memória afetiva dos

participantes.

L. – Tem jovem na sua folia? Z. – Tem. L. – Tem criança? Z. – Não, mais tem jovem... 6V. – Eu era pequena, menina, morava perto de Anicuns ... essa folia, eu escondia do palhaço, medo de palhaço (risos) Z. – Eu sempre encomendo esses menino, ‘da minha geração os folião tá restando só eu. Então vocês é mais novo, não deixa essa tradição acabar não. Vai passando de geração em geração’, né? L. – E o senhor tá conseguindo passar na sua folia?

6 Esposa de Zé Neguinho

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Z. – Não, vai continuar se Deus quiser! Esse Pedro Carro é da minha geração, Benedito Roberto é mais novo que eu, esse João Sobrinho é mais novo que eu, esses é da geração dos meus filhos.

Um fato extremamente importante que pôde ser observado por meio do

acompanhamento às folias é o fato de que a Igreja Católica por meio de padres

ou missionários, não interferir nos rituais. Assim, cada um dos grupos

observados tem uma dinâmica própria, não prevalecendo nenhuma regra ou

dogma pré-estabelecido pela igreja. Uma curiosidade revelada por uma das

integrantes do Grupo do Trindade Leste é que os Reis Magos são os únicos

Santos da Igreja Católica, não canonizados. Isso reforça ainda mais a tradição

e a não interferência da Igreja, enquanto instituição nas práticas desta tradição.

A reza do terço, pelo que nos foi relatado por um dos componentes da

Folia “Os Magos do Oriente”, não segue a tradição rígida da contemplação dos

mistérios, que segundo a orientação do catecismo da Igreja deve ser seguido.

Pela orientação da Igreja Católica a contemplação dos mistérios, que

representam passagens da vida de Jesus, desde a anunciação do Anjo Gabriel

à Maria até a Paixão e Ressurreição, são rezados da seguinte forma: Nos dias

de segunda feira e sábados são contemplados os mistérios gososos; às terças

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e sextas feiras, os mistérios dolorosos; às quartas e domingos, os mistérios

gloriosos e às quintas feiras, os mistérios luminosos.

Concluímos, portanto, que esta orientação não é levada à risca, sendo

que há grupos que não se preocupam com os dias certos para cada

contemplação. Eles afirmam que “rezam qualquer um mesmo”.

A constatação de tantas peculiaridades nos encanta como

pesquisadores da cultura popular, pois revela na prática que a cultura se faz e

refaz na realização do povo (fazer popular) que com a vivência vai se

transformando em uma manifestação totalmente nova, porém, conservando a

essência da reunião festiva, da prática religiosa tradicional e em especial

reforça o sentimento de pertença do indivíduo a uma determinada região e

grupo ou comunidade. Esse sentimento de pertença é o que constrói o que se

entende por territorialidade, ou seja, como os sujeitos estabelecem suas

identidades junto ao território.

Identificação das Folias Urbana de Trindade que fizeram parte da investigação.

1- Magos do Oriente (Carlos Cesar)

2- Mensageiros de Maria (João Guarrucha)

3- Foliões da Pedra Preta (Natália Pinto)

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4- Grupo Pais e Filhos (João Alves- Zé Neguinho)

5- Os Monarcas do Oriente (Mariano e Purica)

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao finalizar esta investigação um emaranhado de sentimentos se

confundem. Entre a percepção do científico e da memória afetiva, entre os

relatos e vivências, experiências e comprovações. Assim, se percebe como o

fazer popular ainda tem impressionante influência na cultura de um povo e

como é transmitido naturalmente entre as gerações.

Pode-se perceber também como a prática da tradição religiosa popular

se refaz e com este refazer, se perpetua nas mais diversas demonstrações de

festas, celebrações e rituais.

Cada enfeite produzido, cada altar ornamentado de maneira simples e

amorosa, cada reza, cada verso cantado e inventado, cada giro com café da

manhã, almoço, pouso; ou mesmo apenas a recepção calorosa e

aconchegante da bandeira nas residências que acolhem os foliões. Tudo isso

revela a força da cultura popular que com ou sem registros não deixa de existir.

Percebe-se enfim como o povo simples oriundo das regiões rurais

reportam suas crenças, valores e tradições para o meio urbano, que apesar de

modificadas continuam a fazer parte do calendário festivo das regiões. Desta

forma, continuam ocupando espaço na memória afetiva do seu lugar e

perpetuam as manifestações que são ao mesmo tempo culturais, religiosas,

afetivas e garantem o sentimento de pertencimento a determinado espaço.

Ainda que este não seja o seu de origem, o fato de se inserir em rituais

conhecidos e de recriá-los garante ao indivíduo a convicção de uma identidade

com seu espaço e ao grupo ao qual se filia.

Continuar a cantar versos falando de uma manjedoura onde teria

nascido um menino, que foi visitado primeiro pelos anjos pastores, depois por

reis, mesmo sem nenhum determinismo, pode significar primeiro a reprodução

de uma sociabilidade religiosa que, para isso, necessita ser produtora e

reprodutora de diversos saberes; mas, também, que enquanto se reproduzem

como sociabilidade religiosa, expressam e transmitem uma compreensão das

contradições das deformações do mundo que a envolve.

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Esta prática espontânea e natural garante também a transferência de

costumes e crenças aos mais jovens, que de certo modo revelam a origem e a

afetividade de cada cidadão que se envolve. Reportam também aos estudos

sobre educação baseada na transferência de conhecimentos com base na

observação e nas práticas da oralidade entre as gerações e resgata as

discussões sobre a educação formal, não formal e informal. Mas isso é outra

conversa!

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, Maria Geralda de. Diversidades paisagísticas e identidades territoriais e culturais no Brasil sertanejo. In: Almeida, Maria Geralda de; CHAVEIRO, Eguimar Felício; BRAGA, Helaine da Costa (Org.) Geografia e Cultura: a vida dos lugares da vida. Goiânia: Vieira, 2008.

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HALL; STUART. A Identidade Cultural na Pós Modernidade. Tradução: Tomaz Tadeu da Silva e Guacira Lopes Lobo. Rio de Janeiro: DP&A, 1997.

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2007.

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