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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO LINHA DE PESQUISA: EDUCAÇÃO, ESTUDOS SÓCIO-HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS ARTHUR BESERRA DE MELO AS IDEIAS PEDAGÓGICO-HIGIENISTAS NA REVISTA PEDAGOGIUM (1921-1927) NATAL/RN 2020

AS IDEIAS PEDAGÓGICO-HIGIENISTAS NA REVISTA

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Page 1: AS IDEIAS PEDAGÓGICO-HIGIENISTAS NA REVISTA

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

LINHA DE PESQUISA: EDUCAÇÃO, ESTUDOS SÓCIO-HISTÓRICOS E

FILOSÓFICOS

ARTHUR BESERRA DE MELO

AS IDEIAS PEDAGÓGICO-HIGIENISTAS NA REVISTA

PEDAGOGIUM

(1921-1927)

NATAL/RN

2020

Page 2: AS IDEIAS PEDAGÓGICO-HIGIENISTAS NA REVISTA

ARTHUR BESERRA DE MELO

AS IDEIAS PEDAGÓGICO-HIGIENISTAS NA REVISTA PEDAGOGIUM

(1921-1927)

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programade Pós-Graduação em Educação do Centro deEducação da Universidade Federal do Rio Grandedo Norte, como parte dos requisitos para a obtençãodo título de Mestre em Educação.

Linha de Pesquisa: Educação, Estudos Sócio-Históricos e Filosóficos.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Marlúcia Menezes de Paiva.

NATAL/RN

2020

Page 3: AS IDEIAS PEDAGÓGICO-HIGIENISTAS NA REVISTA

Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial Moacyr de Góes - CE

Melo, Arthur Beserra de. As ideias pedagógico-higienistas na revista Pedagogium (1921-1927) / Arthur Beserra de Melo. - Natal, 2020. 145 f.: il.

Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Educação, Programa de Pós-graduação em Educação. Orientadora: Profa. Dra. Marlúcia Menezes de Paiva.

1. História da Educação - Dissertação. 2. Higienismo - Dissertação. 3. Civilidade - Dissertação. 4. Campo educacional - Dissertação. 5. Imprensa periódica educacional - Dissertação.6. Revista Pedagogium - Dissertação. I. Paiva, Marlúcia Menezesde. II. Título.

RN/UF/BS/CE CDU 37.035(091)

Elaborado por Rita de Cássia Pereira de Araújo - CRB-804/15

Page 4: AS IDEIAS PEDAGÓGICO-HIGIENISTAS NA REVISTA
Page 5: AS IDEIAS PEDAGÓGICO-HIGIENISTAS NA REVISTA

Dedico esta dissertação a todos(as) que acreditam na

educação e no seu poder transformador para a

sociedade; aos(às) que entendem e defendem o valor

das escolas e das universidades públicas, da História, da

Filosofia e da Sociologia. Também gostaria de dedicar

este trabalho àqueles(as) que estiveram ao meu lado

nessa caminhada da pós-graduação, dando-me apoio e

incentivo.

Page 6: AS IDEIAS PEDAGÓGICO-HIGIENISTAS NA REVISTA

AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus, por ter me dado forças para não desistir e

seguir em frente durante o mestrado.

Gostaria de registrar meu agradecimento à minha família.

À minha querida orientadora, Profª. Drª. Marlúcia Menezes de Paiva, tenho

que agradecer muitíssimo pelos inúmeros aprendizados nesses dois últimos anos,

sobretudo, pela paciência, pelas orientações valiosas, pelo incentivo ao meu

trabalho e por acreditar na minha capacidade. A professora Marlúcia é um grande

exemplo de pesquisadora, educadora, intelectual e ser humano.

Agradeço à minha grande amiga Amanda Vitória Barbosa Alves Fernandes,

a quem eu tive o enorme prazer de conhecer e conviver no curso de mestrado; uma

pessoa gentil, solidária, companheira, humana, engraçada. Sua amizade tornou o

meu percurso na pós-graduação menos solitário. Além disso, sou eternamente grato

a gentileza de Amanda por compartilhar grande parte dos documentos que usei

durante a pesquisa.

Gostaria de agradecer à Profª. Drª. Kilza Fernanda Moreira de Viveiros por

ter me incentivado a tentar o processo seletivo da pós-graduação no ano de 2017.

Sem esse empurrão, eu não estaria defendendo minha dissertação. A professora

Kilza tem grande importância e influência na minha formação como pesquisador e

pedagogo, além de ser uma grande amiga.

Agradeço ao Prof. Dr. Antônio Basílio Novaes Thomaz de Menezes pelas

valiosas considerações e sugestões para o enriquecimento do meu trabalho ao

longo do último biênio. Gostaria de agradecer os aprendizados que tive durante as

suas aulas na pós-graduação. Fico muito grato, também, por ele ter disponibilizado

parte dos documentos históricos que utilizei na pesquisa.

Gostaria de agradecer enormemente à Marlene Fernandes Ribeiro, Yuma

Ferreira e Marta Bezerra Rodrigues, pela significativa ajuda para com os

documentos históricos.

Sou muito feliz e grato pelos momentos compartilhados com meus amigos

da pós-graduação: Anna Gabriella de Souza Cordeiro; Arthur Cassio de Oliveira

Vieira; Euclides Teixeira Neto; Francisca Liliane da Cunha; Gilson Lopes da Silva;

Gislene de Araújo Alves; Isabela Cristina Santos de Morais; Jefferson Heitor

Cavalcanti Oliveira; Joilson Silva de Sousa; João Maria Freire Alves; Juan Carlo da

Page 7: AS IDEIAS PEDAGÓGICO-HIGIENISTAS NA REVISTA

Cruz Silva; Laís Paula de Medeiros Campos Azevedo; Louise Carla Siqueira da

Silva; Marcos Saiande Casado; Roberto Ribeiro da Silva; Roselia Cristina de

Oliveira; Sarah de Lima Mendes; Tainá da Silva Bandeira; Tiago Silva Medeiros; Iury

Gabriel Amorim de Araújo.

Eu não poderia me esquecer dos meus eternos e queridos amigos de

graduação e de vida: Amanda S. de Albuquerque Silva; José Ozildo dos Santos

Segundo; Cristina Ferreira Xavier Veras; Franciele Maria Marques dos Reis.

Obrigado por estarem do meu lado nesse percurso, por me apoiarem, por me

ouvirem falar de minha pesquisa incontáveis vezes. Amo muito vocês.

Sou grato aos(às) professores(as) que aceitaram fazer parte da banca de

defesa da minha dissertação e por suas considerações em relação ao meu trabalho.

Agradeço a todas(os) professoras(es) do Programa de Pós-Graduação em

Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, pela ótima formação

que tive no curso de mestrado e pela oportunidade.

Gostaria de agradecer a todas(os) funcionárias(os) do Centro de Educação e

do Programa de Pós-Graduação em Educação, pela atenção a mim dirigida.

Também registro meu agradecimento a todos os funcionários e bolsistas do

Laboratório de Imagens (LABIM) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte

(UFRN), pelo trabalho de extremo valor e importância para todos aqueles que se

dedicam a pesquisar a História do Rio Grande do Norte. Igualmente, quero

agradecer ao Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte e ao Instituto

Tavares de Lyra pela preservação dos acervos históricos potiguares e pelas

parcerias realizadas com o LABIM-UFRN.

Page 8: AS IDEIAS PEDAGÓGICO-HIGIENISTAS NA REVISTA

[...] o historiador debruça-se sobre esse passado e extrailições dele para o presente e o futuro. Junto com outrasformas de explicação da realidade, a história temcontribuído para que entendamos melhor o que o presentenos coloca como problemas: um gesto, um modo de pensar,uma maneira de se comportar, uma forma de agir...(GALVÃO; LOPES, 2010, p.12).

Page 9: AS IDEIAS PEDAGÓGICO-HIGIENISTAS NA REVISTA

RESUMO

O objetivo deste trabalho foi compreender as ideias higienistas que aparecem narevista Pedagogium e com que finalidade, durante a primeira fase de suapublicação, datada entre os anos de 1921 a 1927. Esse impresso foi idealizado pelaAssociação de Professores do Rio Grande do Norte (APRN), entidade criada em1920 e que reunia membros de destaque na educação potiguar. Procuramosinvestigar o papel desse periódico no campo educacional norte-rio-grandense naPrimeira República, período marcado pelo discurso das elites sociais, possuidorasde um desejo civilizatório e higienizador, e que, por isso, fizeram com que aeducação assumisse seus ideais e a função de formar cidadãos que contribuíssempara o progresso nacional. Para nortear a pesquisa, considerando esse contexto,partimos do seguinte questionamento: como e com que finalidade a revistaPedagogium relacionou as ideias do higienismo aos aspectos educacionais da suaépoca? A fim de responder a essa pergunta, a metodologia utilizada foi compostapor análise documental e estudo bibliográfico da historiografia referente ao objeto ea assuntos a ele relacionados. Os conceitos de Civilidade (ELIAS, 1994), de Campo(BOURDIEU, 1983; 1989; 2003; 2007) e de Ideologia (BARROS, 2015; SILVA;SILVA, 2009) foram elucidados para direcionar teoricamente o estudo. Osdocumentos históricos analisados na pesquisa constituem-se dos exemplares daPedagogium editados entre 1921 a 1927, exceto pelos números 6 (1922), 16 (1924)e 18 (1925), aos quais não tivemos acesso; das legislações educacionais do RioGrande do Norte de 1892 a 1925; e de obras norte-rio-grandenses publicadasdurante a Primeira República que abordavam temas de Higiene. Com o intuito dedirecionar a investigação das fontes, utilizamos a categoria de análise Ideiaspedagógico-higienistas, construída a partir do conceito de Ideias Pedagógicas(SAVIANI, 2013) e da definição histórica da Higiene como área da medicina. Após arealização deste estudo, podemos concluir que a referida revista, assim como a suaentidade criadora, a APRN, reuniu vários representantes do campo educacional localpreocupados com a situação do ensino daquele tempo. Esse periódico divulgouideias pedagógico-higienistas, embora parte delas já estivesse presente nalegislação educacional do Rio Grande do Norte, a exemplo da higiene escolar, daeducação feminina para o lar e da educação sanitária. Além disso, noticiou e elogiouações educacionais do Governo do estado baseadas em princípios higienistas. Oprocesso da pesquisa realizada, além de compreender o papel da Pedagogium parao campo educacional potiguar na Primeira República, nos apontou outros caminhosde investigações historiográficas futuras, tal como o aprofundamento da análise dosdiscursos educacionais do período histórico investigado.

Palavras-chave: História da Educação. Higienismo. Civilidade. Campo educacional.Imprensa periódica educacional. Revista Pedagogium.

Page 10: AS IDEIAS PEDAGÓGICO-HIGIENISTAS NA REVISTA

ABSTRACT

The objective of this work was to understand the hygienist ideas that appear in themagazine Pedagogium and for what purpose, during the first phase of its publication,dated between 1921 and 1927. This magazine was created in northeastern of Brazilby the Association of Teachers of Rio Grande do Norte (ATRN), an entity created in1920 and which brought together prominent members of education in Rio Grande doNorte. We sought to investigate the role of this journal in the educational field of theRio Grande do Norte in the First Republic, a brazilian period by marked the discourseof social elites, possessing a civilizing and sanitizing desire, which, therefore, madeeducation assume its ideals and the function of forming citizens who would contributeto national progress. To guide the research, considering this context, we start fromthe following question: how and for what purpose did the magazine Pedagogiumrelate the ideas of hygienism to the educational aspects of its time? In order toanswer this question, the methodology used was composed of documentary analysisand bibliographic study of historiography regarding the object and related subjects.The concepts of Civility (ELIAS, 1994), Field (BOURDIEU, 1983; 1989; 2003; 2007)and Ideology (BARROS, 2015; SILVA; SILVA, 2009) were elucidated to theoreticallydirect the study. The historical documents analyzed in the research consist of copiesof the Pedagogium edited between 1921 and 1927, except for the numbers 6 (1922),16 (1924) and 18 (1925), which we did not have access to; the educational laws ofRio Grande do Norte from 1892 to 1925; and works from the Rio Grande do Nortepublished during the First Republic that addressed hygiene issues. In order to directthe investigation of the ources, we used the category of analysis Pedagogical-hygienist ideas, built from the concept of Pedagogical Ideas (SAVIANI, 2013) and thehistorical definition of Hygiene as an area of medicine. After conducting this study,we can conclude that the magazine, as well as its creative entity, ATRN, broughttogether several representatives of the local educational field concerned with theteaching situation of that time. This journal disseminated pedagogical-hygienistideas, although part of them was already present in the educational legislation of RioGrande do Norte, such as school hygiene, female education for the home and healtheducation. In addition, it reported and praised educational actions by the stategovernment based on hygienist principles. The process of the research carried out, inaddition to understanding the role of Pedagogium for the educational field of RioGrande do Norte in the Brazilian First Republic, pointed out other paths for futurehistoriographic investigations, such as the deepening of the analysis of educationaldiscourses of the investigated historical period.

Keywords: History of Education. Hygienism. Civility. Educational field. Educationalperiodical press. Pedagogium Magazine.

Page 11: AS IDEIAS PEDAGÓGICO-HIGIENISTAS NA REVISTA

RESUMEN

El objetivo de este trabajo fue comprender las ideas higienistas que aparece en larevista Pedagogium y con que finalidad, durante la primera fase de su publicación,fechada entre los años de 1921 a 1927. Ese impreso fue idealizado, en el nordestede Brasil, por la Associação de Professores do Rio Grande do Norte (APRN),entidad creada en 1920 y que reunía miembros de destaque en la educaciónpotiguar. Procuramos investigar el papel de ese periódico en el campo educacionalnorte-rio-grandense en la Primera República, periodo de la historia brasileñamarcado por el discurso de las élites sociales, poseedoras de un deseo civilizatorio ehigienizador, y que, por eso, hicieron con que la educación asumiera sus ideales y lafunción de formar ciudadanos que contribuyeran para el progreso nacional. Paranortear la pesquisa, considerando ese contexto, partimos del siguientecuestionamiento: ¿cómo y con qué finalidad la revista Pedagogium relacionó lasideas del higienismo a los aspectos educacionales de su época? A fin de respondera esa pregunta, la metodología utilizada fue compuesta por análisis documental yestudio bibliográfico de la historiografía referente al objeto y a asuntos a élrelacionados. Los conceptos de Civilidad (ELIAS, 1994), de Campo (BOURDIEU,1983; 1989; 2003; 2007) y de Ideología (BARROS, 2015; SILVA; SILVA, 2009)fueron dilucidados para direccionar teóricamente el estudio. Los documentoshistóricos analizados en la pesquisa se constituyen de los ejemplares de laPedagogium editados entre 1921 a 1927, excepto por los números 6 (1922), 16(1924) y 18 (1925), a los cuales no tuvimos acceso; de las legislacioneseducacionales del Rio Grande del Norte de 1892 a 1925; y de obras norte-rio-grandenses publicadas durante la Primera República que abordaban temas deHigiene. Con el intuito de direccionar la investigación de las fuentes, utilizamos lacategoría de análisis Ideas pedagógico higienistas, construida a partir del conceptode Ideas Pedagógicas (SAVIANI, 2013) y de la definición histórica de la Higienecomo área de la medicina. Tras la realización de este estudio, pudimos concluir quela referida revista, así como su entidad creadora, la APRN, reunió variosrepresentantes del campo educacional local preocupados con la situación de laenseñanza de aquel tiempo. Ese periódico divulgó ideas pedagógico higienistas,aunque parte de ellas ya estuviera presente en la legislación educacional del RioGrande del Norte, a ejemplo de la higiene escolar, de la educación femenina para elhogar y de la educación sanitaria. Además de eso, notició y elogió accioneseducacionales del Gobierno del estado basadas en principios higienistas. El procesode la pesquisa realizada, además de comprender el papel de la Pedagogium para elcampo educacional potiguar en la Primera República, nos presentó otros caminos deinvestigaciones historiográficas futuras, tal como la profundización del análisis de losdiscursos educacionales del período histórico investigado.

Palabras-llave: Historia de la educación. Higienismo. Civilidad. Campo educacional.prensa periódica educacional. Revista Pedagogium.

Page 12: AS IDEIAS PEDAGÓGICO-HIGIENISTAS NA REVISTA

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Grupo Escolar Augusto Severo..................................................................58

Figura 2 - Grupo escolar Antônio de Sousa................................................................80

Figura 3 - Nestor dos Santos Lima..............................................................................84

Figura 4 - Henrique Castriciano..................................................................................85

Figura 5 - Alfredo Lyra.................................................................................................86

Figura 6 - Januário Cicco............................................................................................88

Figura 7 - Capa da primeira edição da Pedagogium de 1921....................................91

Figura 8 - Sumário da primeira edição da Pedagogium.............................................92

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Etapas da primeira parte da pesquisa......................................................34

Quadro 2 - Elementos da Análise documental............................................................36

Quadro 3 - Regimentos e regulamentos aprovados no ano de 1925.........................74

Quadro 4 - Periodicidade, média de páginas e textos de cada volume da

Pedagogium................................................................................................................94

Quadro 5 - Diretorias e Secretarias de Redação da Pedagogium entre 1921 e 1927

.....................................................................................................................................95

Quadro 6 - Textos da Pedagogium que focam em assuntos pedagógico-higienistas

.....................................................................................................................................98

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Números de estabelecimentos de ensino primário e de matrículas nessa

modalidade no Rio Grande do Norte de 1872 a 1930................................................59

Tabela 2 - Índices de alfabetização no Rio Grande do Norte de 1872 a 1940...........60

Page 13: AS IDEIAS PEDAGÓGICO-HIGIENISTAS NA REVISTA

LISTA DE SIGLAS

APRN Associação de Professores do Rio Grande do NorteHCJB Hospital de Caridade Juvino BarretoHUOL Hospital Universitário Onofre Lopes

IHGRN Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do NorteLABIM Laboratório de Imagens (UFRN)LERN Liga de Ensino do Rio Grande do Norte

SINTE/RN Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Rio Grande do NorteSISBI Sistema de Bibliotecas (UFRN)TCC Trabalho de Conclusão de Curso

Page 14: AS IDEIAS PEDAGÓGICO-HIGIENISTAS NA REVISTA

SUMÁRIO

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS..................................................................................15

2 O PERCURSO ACADÊMICO-CIENTÍFICO REALIZADO: A PESQUISA E SUA

ESTRUTURAÇÃO......................................................................................................20

2.1 A ESTRUTURA DA PESQUISA DESENVOLVIDA...........................................25

2.2 REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO.................................................30

3 EDUCAÇÃO E HIGIENE NO RIO GRANDE DO NORTE DURANTE A PRIMEIRA

REPÚBLICA................................................................................................................47

3.1 A CIVILIDADE E EDUCAÇÃO NO RIO GRANDE DO NORTE........................55

3.2 ASPECTOS PEDAGÓGICOS-HIGIENISTAS NA LEGISLAÇÃO

EDUCACIONAL.......................................................................................................62

3.3 O CAMPO EDUCACIONAL POTIGUAR, ASSOCIAÇÃO DE PROFESSORES

DO RIO GRANDE DO NORTE E A REVISTA PEDAGOGIUM..............................78

3.4 O CAMPO EDUCACIONAL POTIGUAR E IDEIAS HIGIENISTAS...................83

4 CATEGORIZANDO AS IDEIAS HIGIENISTAS NA REVISTA PEDIAGOGIUM....90

4.1 HIGIENE ESCOLAR E A INSPEÇÃO MÉDICO-ESCOLAR.............................99

4.2 EDUCAÇÃO SANITÁRIA E PROFILAXIA DE MOLÉSTIAS...........................106

4.3 EDUCAÇÃO FEMININA..................................................................................114

4.4 SOCIEDADE E COSTUMES...........................................................................122

4.5 EDUCAÇÃO E HIGIENE.................................................................................127

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................133

6 REFERÊNCIAS......................................................................................................137

Page 15: AS IDEIAS PEDAGÓGICO-HIGIENISTAS NA REVISTA

15

1 CONSIDERAÇÕES INICIAISINICIAIS

Friso: o ofício dos historiadores é lembrar o que os outros esquecem. [...]Pelo trabalho historiográfico, cabe-nos lembrar aos educadores e a toda asociedade do país aquilo que, embora presente em sua prática cotidiana,tende a ser sistematicamente esquecido: que a situação na qual o trabalhoeducativo se processa, os avanços e recuos, os problemas que oseducadores enfrentam são produtos de construções históricas. (SAVIANI,2008, p. 152).

A presente dissertação, intitulada As ideias pedagógico-higienistas na

revista Pedagogium (1921-1927), situa-se no campo da História da Educação e

utiliza o referencial teórico da História Cultural, tendo como referência, neste

trabalho, o historiador Jacques Le Goff (1998; 2013). O tema da pesquisa foi a ação

de impressos de educação e ensino na divulgação de ideias higienistas na Primeira

República no Brasil. Seu objeto de estudo são as ideias da higiene na primeira fase

da revista Pedagogium, evidenciadas nos anos de 1921 a 19271.

O objetivo geral deste trabalho consiste, assim, em compreender as ideias

higienistas que aparecem na Pedagogium e a finalidade que permeia tais ideias.

Dessa forma, a pesquisa procurou entender esse impresso como um dos elementos

que compunham a educação norte-rio-grandense no contexto histórico da Primeira

República no Brasil. Em outras palavras, o nosso intuito foi investigar a importância

dessa revista na divulgação de ideias de higiene e como ele se relacionava com

outros elementos educacionais da época: professores, instituições educativas,

legislação educacional, políticos, cultura.

A dissertação justifica-se, principalmente, por empreender uma discussão

sobre um periódico educacional, ou seja, um tipo de meio de comunicação capaz de

divulgar ideias, fortalecer uma instituição ou exercer um papel educativo (NÓVOA,

1997). A imprensa da educação, por ser um elemento que reúne uma diversidade

temática, de autores e de tipos textuais, consegue fornecer elementos importantes

1 O referido periódico era editado e publicado pela Associação deProfessores do Rio Grande do Norte (APRN), com intervalos que denominamos conforme a seguintedivisão: a primeira fase, a qual teve início em 1921 e durou até 1927, com vinte e três edições; asegunda, ocorrida no ano de 1940, com apenas dois volumes; e a terceira, nos anos de 1948 a 1952,com doze números. Contudo, não tivemos registros explicando os motivos que causaram essaslacunas entre uma fase e outra.

Page 16: AS IDEIAS PEDAGÓGICO-HIGIENISTAS NA REVISTA

16

para que o historiador da educação possa compreender o campo educacional, como

afirmam Catani e Bastos (1997):

De fato, as revistas especializadas em educação constituem uma instânciaprivilegiada para a apreensão dos modos de funcionamento do campoeducacional, pois fazem circular informações sobre o trabalho pedagógico, oaperfeiçoamento das práticas docentes, o ensino específico das disciplinas,a organização dos sistemas, as reivindicações da categoria do magistério eoutros temas que emergem do espaço profissional. (CATANI; BASTOS,1997, p. 7).

Essa essência da imprensa periódica educacional também esteve presente

em nosso objeto de pesquisa, pois a Pedagogium possuía um potencial de inserção

entre os profissionais do magistério do Rio Grande do Norte, reunindo os sujeitos do

campo educacional potiguar e temas de mais destaque em seu contexto histórico

(CAVALCANTE, 1999). Além disso, os seus textos eram voltados para professores

potiguares, visto que a revista procurava trazer artigos e outros tipos de escritos

para orientar a atuação educacional de seus leitores (RIBEIRO, 2003).

O período de sua publicação foi marcado por intensos debates educacionais

em jornais, livros e nos mais diversos espaços, imbuídos de um desejo das elites

brasileiras pela modernidade à imagem da Europa, por padrões de civilidade por

elas defendidas, por sujeitos que fossem patriotas e higienizados (HERSCHMANN;

KROPF; NUNES, 1996).

Em outras palavras, durante a Primeira República no Brasil, existia entre as

elites nacionais a ânsia por um país moderno. Em suas visões, o regime de governo

instaurado para substituir a monarquia imperial deveria contribuir para o progresso

nacional e o seu desenvolvimento econômico, adotando padrões civilizados, aos

moldes europeus.

A implantação da República do Brasil foi marcada pela legenda ‘Ordem eProgresso’. Para concretização do lema, os republicanos apontavam anecessidade de mudanças no País, capazes de construir a imagem do novoregime. Este deveria ser identificado com a modernidade. Em consequênciadisso, costumes e práticas sociais deveriam ser não somente controladas,mas, sobretudo, transformadas. (AZEVEDO; STAMATTO, 2012, p. 13; grifodos autores).

Page 17: AS IDEIAS PEDAGÓGICO-HIGIENISTAS NA REVISTA

17

Nesse contexto, a educação ganhou considerável destaque, pois ela deveria

formar o cidadão republicano portador de práticas civilizadas no sentido de contribuir

com o progresso do Brasil no futuro. Muitos desses costumes visavam à melhoria da

condição de saúde da população, de modo que os sujeitos deveriam adotar

maneiras higiênicas (HERSCHMANN; KROPF; NUNES, 1996).

Devido às características desse contexto histórico, direcionamos o presente

trabalho partindo do seguinte questionamento geral: Como e com que finalidade a

revista Pedagogium relacionou as ideias do higienismo aos aspectos educacionais?

A fim de respondermos a essa questão, a metodologia adotada na investigação foi

constituída de análise documental e de pesquisa bibliográfica.

Para traçar o caminho do estudo, lançamos mão do conceito de Campo

proposto por Bourdieu (1983; 1989; 2003; 2007), o qual nos permitiu discutir e

investigar o papel da Pedagogium no campo educacional potiguar da Primeira

República; também da noção de Civilidade de Norbert Elias (1994), que nos

forneceu direcionamento para entendermos a atuação desse periódico educacional

na divulgação de costumes e comportamentos defendidos pelas elites sociais no

período histórico de sua editoração; e de Ideologia (BARROS, 2015; SILVA; SILVA,

2009), objetivando compreender a atuação desse impresso na divulgação de um

ideário defendido pelos membros da APRN.

Para encaminhar a exploração das fontes, utilizamos a categoria de análise

Ideias-pedagógico-higienistas, construída a partir das definições de Ideias

Pedagógicas de Saviani (2013) e de Higiene, proposta por autores da época. Trata-

se, pois, de ideias voltadas para a organização da educação e execução das

atividades educacionais baseadas em princípios da Higiene.

A presente dissertação acha-se dividida da seguinte forma: 1.

Considerações Iniciais, primeira seção; 2. O percurso acadêmico-científico realizado:

a pesquisa e sua estruturação, segunda seção; 3. Educação e Higiene no Rio

Grande do Norte durante a Primeira República, terceira seção; 4. Categorizando as

ideias pedagógico-higienistas na revista Pedagogium, quarta seção; 5.

Considerações Finais, seção de encerramento; e Referências.

Nesta primeira seção, apresentamos o objeto de estudo e sua

contextualização, apontando sucintamente a pertinência histórica do tema, as

categorias de análise e a questão norteadora da pesquisa. Na segunda seção,

Page 18: AS IDEIAS PEDAGÓGICO-HIGIENISTAS NA REVISTA

18

abordamos os mais diversos aspectos do trabalho realizado, elucidando um pouco

da nossa trajetória acadêmica, nossa aproximação com o tema higienismo e,

também, o percurso que nos conduziu à construção do projeto desta dissertação.

Em 2.1 A estrutura da pesquisa desenvolvida, descrevemos o objeto de

estudo escolhido, os recortes temporal e espacial utilizados, a justificativa da

realização da pesquisa, os objetivos traçados, a pergunta norteadora do processo de

investigação, as fontes utilizadas e a metodologia adotada.

Na subdivisão da segunda seção, 2.2 Referencial teórico-metodológico,

aprofundamos as questões conceituais e as relacionadas à prática investigativa

deste trabalho. Apontamos em que campo de pesquisa o estudo se situa e a

abordagem histórica utilizada, apresentando simultaneamente os autores e as obras

de referência. Também, discutimos nesse tópico os conceitos e as categorias de

análise, além de aspectos metodológicos históricos em relação às fontes

documentais.

Na terceira seção, nomeada de Educação e Higiene no Rio Grande do Norte

durante a Primeira República, fazemos duas ações de forma simultânea. Nessa

parte da dissertação, debatemos o contexto sócio-histórico do Rio Grande do Norte

(RN) no tocante à primeira fase de publicação da revista Pedagogium, expondo as

ideias que eram divulgadas no estado. Em seguida, utilizamos esses elementos para

analisarmos o nosso objeto de estudo.

Em 3.1 A civilidade e educação no Rio Grande do Norte, discutimos o

contexto educacional potiguar na Primeira República. Dessa forma, tratamos acerca

das características históricas da economia, da cultura e da política do estado, e

como elas se relacionavam com a educação local. Para esse momento, é central o

debate sobre a civilidade defendida e que se pretendia construída no período

investigado.

Em 3.2 Aspectos pedagógico-higienistas na legislação educacional,

expomos criticamente a forma como os documentos legais influenciavam a formação

das ideias higienistas. Esse ponto é importante no sentido de entendermos as

intenções do governo do RN e suas propostas para a educação, entre elas, as

normatizações que visavam à civilidade a partir da adoção de medidas de higiene.

Em 3.3 O campo educacional potiguar, Associação de Professores do Rio

Grande do Norte e a revista Pedagogium, debatemos a respeito da APRN e de seus

Page 19: AS IDEIAS PEDAGÓGICO-HIGIENISTAS NA REVISTA

19

objetivos como entidade que buscou orientar e coordenar os sujeitos do campo

educacional potiguar.

Em 3.4 O campo educacional potiguar e ideias higienistas, evocamos os

principais nomes envolvidos com a educação local que mais se aproximaram do

higienismo, pavimentando o terreno para discutirmos o campo educacional potiguar

da época.

Na quarta seção, intitulada Categorizando as ideias pedagógico-higienistas

na revista Pedagogium, investigamos o papel desse impresso à luz do seu contexto

histórico-social de circulação, levando em consideração outros aspectos do campo

educacional local na Primeira República. Exploramos as ideias higienistas que foram

divulgadas pelo periódico, e se elas estavam alinhadas com o pensamento dos

educadores e com o Governo do período de sua publicação e editoração.

Na análise realizada, as ideias pedagógico-higienistas divulgadas pelo

impresso estudado foram agrupadas e discutidas nesta dissertação conforme os

seguintes eixos: 4.1 Higiene escolar e a Inspeção médico-escolar; 4.2 Educação

sanitária e profilaxia de moléstias; 4.3 Educação feminina; 4.4 Sociedade e

costumes; 4.5 Educação e Higiene.

Nas Considerações Finais, retomamos o que foi discutido nas seções

anteriores, priorizando a da análise. Ademais, fazemos uma retrospectiva dos

apontamentos necessários e apresentamos as perspectivas futuras de pesquisa.

Nas Referências, listamos todas as fontes e obras utilizadas na dissertação.

Page 20: AS IDEIAS PEDAGÓGICO-HIGIENISTAS NA REVISTA

20

2 O PERCURSO ACADÊMICO-CIENTÍFICO REALIZADO: A PESQUISA E

SUA ESTRUTURAÇÃO

Para compreender a concepção do estudo realizado, faz-se necessário

apresentarmos o processo que envolve a nossa condição de pesquisadores, além

de situarmos nossa relação com a História da Educação e com a temática do

Higienismo. Trata-se de algo que pode ser entendido como um exercício

autorreflexivo do pesquisador, na tentativa de compreender sua prática e o processo

de construção de sua obra acadêmica.

Os trabalhos finais de qualquer curso, sejam de graduação, sejam de pós-

graduação, não são apenas etapas avaliativas de uma formação, visto que também

existem registros de percursos na constituição de um profissional. Se pensarmos as

monografias, dissertações e teses a partir da obra de Le Goff (2013), podemos

afirmar que essas obras se configuram como documentos/monumentos de fases

permeadas de aprendizagens que marcam o desenvolvimento de alunos(as) das

mais diversas áreas de conhecimento.

O curso de mestrado não é somente a dissertação finalizada; porém, ela

registra parte da construção do pós-graduando, o que não foi diferente em nosso

caso. Foram dois anos de reflexões, constatações, discussões, leituras, trocas de

experiências e crescimento. Nesse período, até mesmo as incertezas, dúvidas,

angústias e erros serviram para contribuir com a nossa formação no curso de Pós-

graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

Ao longo do curso, podemos afirmar que a constituição de um pesquisador e

de suas obras são processos marcados por descobertas advindas do estudo dos

fenômenos, de acontecimentos, de objetos, de seres e/ou sujeitos escolhidos como

focos de seus interesses na investigação. Contudo, existem outros momentos de

aprendizagem relacionados a esse tipo de percurso: a delimitação da pesquisa, a

construção do roteiro de investigação, as dificuldades imprevistas que aparecem, os

reajustes feitos, entre outros.

Para ilustrar esse ponto, se tomarmos, por exemplo, a estruturação de um

planejamento de estudo científico, podemos notar os conhecimentos e habilidades

que ele pode proporcionar, os quais vão muito além da incorporação de normas

acadêmicas. A respeito disso, vale trazer os apontamentos feitos por Galvão e

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21

Lopes (2010) sobre essa etapa que integra o fazer de qualquer estudioso da

academia:

Não se trata de mera formalidade: é o primeiro momento em que opesquisador sistematiza o que já sabe e anuncia o que ainda quer saber.Ambas as operações fazem parte do trabalho de construção doconhecimento. No próprio ato de escrever um projeto, ele amadurece suasreflexões, tornando mais claras as próprias ideias e as ideias dos autores(GALVÃO; LOPES, 2010, p. 83).

Ao destacarem as várias funções que caracterizam a construção de um

projeto, as autoras nos permitem pensar que as aprendizagens de um cientista

acontecem antes, durante e após a execução de qualquer processo de pesquisa. Ao

refletir sobre suas escolhas e interesses de análise, ou avaliando os seus percursos

de exploração e resultados obtidos, o investigador pensa suas práticas e os

conhecimentos por ele produzidos. Devido a essas ações, ele aprende e dá

prosseguimento ao seu desenvolvimento acadêmico.

Em nosso caso, esses aprendizados acadêmico-científicos se iniciaram com

o primeiro contato que tivemos com atividades de pesquisa em História da

Educação, no ano de 2015, quando começamos a discutir as relações dos

processos relativos à educação com o fenômeno da pobreza.

Cada vez mais, queríamos compreender de que maneiras os valores, as

ideias, os discursos e as mentalidades contemporâneas foram sendo construídas.

Por isso, a perspectiva histórica foi nos atraindo, uma vez que, através dela,

poderíamos investigar quais são os sujeitos e as relações socioculturais

responsáveis por contribuírem para a estruturação e a reprodução simbólica da

pobreza, focando no papel desempenhado pela educação nesse processo.

No segundo semestre de 2016, vinculamo-nos ao projeto de iniciação

científica intitulado "Educação e Medicina Social no início do século XX no Rio

Grande do Norte: o Serviço Sanitário em Natal e suas práticas socioeducativas",

coordenado pela professora doutora Kilza Fernanda Moreira de Viveiros. Nesse

momento, iniciamos a delimitação de nosso tema de Trabalho de Conclusão de

Curso (TCC) da Graduação em Pedagogia.

Na produção da monografia, sob o título-tema “A infância pobre e o ideário

republicano em Natal – de 1920 a 1930”, tivemos como objetivo principal estudar as

ações políticas e socioeducacionais destinadas à criança pobre em Natal no período

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de 1920 a 1930. Nesse trabalho, focamos em aspectos relativos à vida da infância

pobre em Natal no recorte temporal escolhido, incluindo hábitos de saúde, higiene e

educação.

A experiência da iniciação científica e a construção do TCC nos despertou o

interesse pelo tema do higienismo, motivando-nos, assim, a continuar nossa

caminhada como pesquisadores e a tentar o curso de mestrado. No ano de 2017,

submetemo-nos à seleção do curso de Pós-Graduação em Educação da UFRN, e,

uma vez aprovados, iniciamos os estudos em 2018.

O projeto inicial que culminaria na dissertação para o curso de mestrado

tinha como objeto de estudo o Hospital da Caridade Juvino Barreto (HCJB) e suas

práticas socioeducativas no início da República na cidade de Natal. A eleição desse

tema se deu no decorrer da produção do TCC, pois o HCJB foi uma das instituições

do período que assistia à população pobre da cidade. Todavia, devido ao caráter

exploratório do trabalho e por atender a uma exigência de término de graduação,

logo, de abrangência menor, não foi possível abordarmos as práticas da citada

instituição hospitalar.

No primeiro semestre do mestrado, no ano de 2018, ocupamo-nos do

levantamento bibliográfico, parte importante do plano inicial, pois forneceu

referenciais teóricos, metodológicos e historiográficos para a investigação do tema.

As obras levantadas incluíam desde dissertações e teses, até livros raros, artigos

em periódicos, livros acadêmicos, entre outros.

No levantamento bibliográfico, pudemos investigar como o higienismo estava

sendo estudado na historiografia da educação do Rio Grande do Norte e os

possíveis objetos que ainda não tinham sido explorados em sua totalidade. Uma

dessas possibilidades aventadas acabou se transformando no projeto final que deu

origem à presente dissertação.

Com base nesse levantamento, fizemos o estudo dessas obras de

referência. Esse momento foi relevante para a apropriação e o aprofundamento do

método histórico, para a definição dos autores que seriam utilizados, além de

favorecer a eleição de conceitos e a formação de categorias de análise que fariam

parte da pesquisa. Esses aportes nos permitiram compreender que o projeto inicial

sobre as práticas socioeducativas do Hospital de Caridade poderia ser muito

complexo para ser realizado apenas no curso de mestrado. Além da complexidade

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23

do tema, havia a questão do tempo disponível para a realização do trabalho de

pesquisa e as prováveis fontes disponíveis.

Até a realização dessa etapa, não cogitamos a mudança de projeto, tendo

em vista que, no levantamento das fontes históricas, poderíamos achar uma

perspectiva ou um registro documental que superasse essa dificuldade.

O procedimento seguinte dizia respeito ao levantamento de documentos

históricos. Essa etapa constitui uma das partes mais críticas para o historiador da

educação, pois ela pode definir a viabilidade ou não da continuação de uma

pesquisa historiográfica, o que acabou acontecendo em nosso caso.

As fontes disponibilizadas no percurso desta investigação encontravam-se,

em sua maior parte, em repositórios virtuais ou no Arquivo Público do estado do Rio

Grande do Norte, visto que a biblioteca Câmara Cascudo e o Instituto Histórico-

Geográfico do RN estavam fechados para consulta aos seus respectivos acervos.

Além dos poucos lugares disponíveis para a pesquisa, o acervo do Arquivo Público

achava-se em uma situação crítica, cujos documentos estavam ameaçados e,

alguns deles, inacessíveis para consulta.

Em busca de fontes, também fomos à instituição onde funcionou o antigo

Hospital de Caridade, o atual Hospital Universitário Onofre Lopes (HUOL), porém,

não recebemos qualquer garantia da existência dos documentos que precisaríamos

para a efetivação do estudo, devido ao tempo e ao possível estado de conservação

desses materiais. Sob essas condições, pareceu-nos arriscado e imprudente,

levando em consideração a duração do curso de mestrado, darmos continuidade a

esse projeto sem a plena certeza de que uma possível documentação necessária

para a realização da pesquisa ainda poderia ser encontrada.

Nesse contexto, decidimos pensar um novo plano de dissertação devido aos

motivos ora elencados: alta complexidade do objeto para o curso de mestrado;

pouco tempo disponível do curso de pós-graduação em andamento; falta de fontes

históricas disponíveis; precariedade dos acervos.

Para entender essa problemática, devemos refletir o que é esse tipo de

material para o fazer do historiador. Sobre isso, Saviani (2013) enfatiza que, em

relação à história,

As fontes estão na origem, constituem o ponto de partida, a base, o pontode apoio da construção historiográfica que é a reconstrução, no plano doconhecimento, do objeto histórico estudado. Assim, as fontes históricas não

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são fontes da história, ou seja, não é delas que brota e flui a história. Elas,enquanto registros, enquanto testemunhos dos atos históricos, são fontesdo nosso conhecimento histórico, isto é, é delas que brota, é nelas que seapoia o conhecimento que produzimos a respeito da história. (SAVIANI,2013, p.13).

Seguindo esse entendimento, a prática do historiador depende das pistas do

passado às quais ele consegue ter acesso. Esses materiais são o combustível para

a pesquisador. A história se faz através de registros do já acontecido, sejam eles

escritos, iconográficos ou materiais. Sem fontes disponíveis e pertinentes à

pergunta- -problema construída, o processo da escrita da história fica inviabilizado,

ou corre-se o risco de cair em erros metodológicos e em conclusões falsas ou rasas

(LE GOFF, 1998; 2013).

Essas eventualidades não são coisas estranhas quando pensamos em

projetos de pesquisa, pois a parte da investigação constitui um guia para o

estudioso, algo que facilita seu percurso. Não se trata de um roteiro imutável do qual

o pesquisador não pode fugir. Sobre isso, Barros (2015) esclarece:

Ao se deparar com novas fontes, ao reformular hipóteses, ao se confrontarcom inevitáveis dificuldades, ao produzir novos vislumbres de caminhospossíveis, ao amadurecer durante o próprio processo de pesquisa, oinvestigador deverá estar preparado para lidar com mudanças, paraabandonar roteiros, para antecipar ou retardar etapas, para se desfazer deum instrumento de pesquisa em favor de outro, para repensar asesquematizações teóricas que ali haviam orientado seu pensamento.(BARROS, 2015, p. 10).

Esse saber lidar com os imprevistos e mudanças é uma das capacidades

originadas dos aprendizados que envolvem o fazer científico. O pesquisador não

aprende somente com os resultados e as descobertas do seu estudo; ele aprende,

também, com a sua prática.

Graças a essa reflexão, às orientações da professora Marlúcia Menezes de

Paiva e ao levantamento bibliográfico realizado, tivemos condições de estruturar um

outro projeto, que deu origem a esta dissertação, intitulado “As ideias pedagógico-

higienistas na Revista Pedagogium (1921-1927)”. O referido projeto foi definido após

avaliarmos sua estrutura, a viabilidade de execução e a relevância do tema para a

Historiografia da educação do Rio Grande do Norte, e, também, a possibilidade de

acesso às fontes necessárias para a sua execução.

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2.1 A ESTRUTURA DA PESQUISA DESENVOLVIDA

O tema deste trabalho é o papel desempenhado pela imprensa periódica

educacional na divulgação de ideias voltadas para a educação no contexto da

Primeira República do Brasil, período compreendido entre os anos de 1889 a 1930.

Dessa forma, o trabalho se insere no campo da História da Educação, devido a sua

preocupação com fenômenos educacionais ao longo do tempo. Para a realização da

pesquisa, optamos pelos princípios teórico-metodológicos da História Cultural,

principalmente a partir da corrente denominada História Nova (LE GOFF, 1998).

O objeto de estudo desta dissertação são as ideias de higiene divulgadas na

primeira fase da revista intitulada Pedagogium, durante os anos de 1921 a 1927.

Esse periódico foi idealizado e publicado pela Associação de Professores do Rio

Grande do Norte (APRN).

A APRN foi uma instituição de educadores criada no Rio Grande do Norte,

cuja fundação data de 04 de dezembro de 1920. Sua existência perdurou até o ano

de 1989, quando então se transformou no atual Sindicato dos Trabalhadores em

Educação (SINTE/RN). Segundo Lima (1921), a entidade teria sido criada com o

intuito de fortalecer a educação potiguar, além de buscar unir e defender os

profissionais do magistério.

De acordo com Cavalcante (1999), Ribeiro (2003) e Alves (2016), a APRN

reunia professores de renome local desde sua criação, congregando sujeitos

pertencentes à elite intelectual da época, nomes de mais destaque na educação do

Rio Grande do Norte. Entre esses nomes, estavam pessoas que haviam atuado

como professores, políticos, escritores, poetas, intelectuais. Cavalcante (1999)

destaca que essa associação é uma das mais antigas entidades de professores no

Brasil, denotando uma preocupação de natureza educativa e que, através de suas

práticas,

[...] procurou a educação a serviço de uma educação moral e cívica dosindivíduos, da construção da nacionalidade e de uma transformação social epolítica, mostrando ser esse o caminho que conduziria ao advento de umanova ordem e progresso no país. [...] Tornaram-se porta-vozes dessanação, como se a eles coubesse a responsabilidade de lhe dar forma.Colocando-se na posição de elite dirigente, expressaram sua conversão aação política e pregaram supremacia dos valores nacionais.(CAVALCANTE, 1999, p. 91).

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Com base nos estudos citados anteriormente e nessa asserção da autora,

podemos afirmar que a APRN delegou para si e seus membros a função de pensar

uma educação para o Brasil republicano, à maneira de uma vocação/missão moral e

nacionalista a ser cumprida pelos seus integrantes. Para alcançarem os seus

objetivos, os membros da Associação executaram diversas estratégias, sendo uma

delas a criação de um impresso periódico, a Pedagogium (RIBEIRO, 2003).

O impresso da APRN, intitulado Pedagogium: Revista Official da

“Associação de Professores”, tinha como principal intuito divulgar as ideias e as

ações promovidas pela entidade. Ribeiro (2003, p. 38) afirma que os textos

publicados nas páginas dessa revista também “[...] exercem, entre outros aspectos

formativos, a função de orientar o trabalho docente a fim de transmitir os melhores

modos de conduzir o ensino”.

O periódico teve três fases de publicação: a primeira, entre 1921 e 1927,

começando com três edições anuais, depois passando para seis; a segunda, no ano

de 1940, com apenas duas edições; e a terceira, nos anos de 1948 a 1952, com

periodicidade trimestral (ALVES, 2016). Porém, não encontramos indícios dos

motivos que levaram à constituição e à finalização de cada um desses períodos em

seu processo de editoração.

Conforme já elucidamos, a objetivo geral desta dissertação foi compreender

que ideias higienistas aparecem na revista Pedagogium e com qual finalidade.

Nesse sentido, trata-se de investigar que princípios higienistas eram difundidos por

esse impresso, o qual tinha como público-alvo principal professores e sujeitos

vinculados ao segmento da educação, além de pesquisar quais eram os objetivos

explícitos e implícitos da divulgação de princípios higienistas nesse periódico da

área da educação. Cumpre salientar que a defesa desse tipo de conhecimento era

comum no âmbito nacional brasileiro no contexto da Primeira República.

Quanto aos objetivos específicos deste trabalho, elegemos os seguintes:

entender como foi a apropriação das ideias que eram propagadas em âmbito

nacional e local pelos autores do periódico estudado; explorar quais eram os

aspectos educacionais relacionados com as ideias de higiene na Pedagogium;

analisar a aproximação do impresso com a legislação da instrução pública do Rio

Grande do Norte; e investigar as semelhanças dos princípios de higiene difundidos

no cenário potiguar da Primeira República com os contidos na revista. O estudo

Page 27: AS IDEIAS PEDAGÓGICO-HIGIENISTAS NA REVISTA

27

realizado teve como premissa a necessidade de olhar a Pedagogium e pensar no

seu papel dentro do campo educacional, considerando a época de sua publicação.

A primeira justificativa da pesquisa deve-se ao tipo de lócus que compõe o

objeto da dissertação: um impresso, tipo de meio de comunicação capaz de divulgar

ideias, informar leitores, fortalecer uma instituição ou exercer um papel educativo,

além de outras funções.

Em um contexto histórico educacional, podem existir vários elementos,

como, por exemplo: educadores, instituições, legislação educacional, métodos e

manuais de ensino, entre outros (GALVÃO; LOPES, 2010, p. 83). As revistas

pedagógicas constituem um desses componentes que conseguem, com facilidade,

devido a seu caráter comunicativo, relacionar-se com várias outros “componentes”

do contexto estudado. Catani e Bastos (1997) ressaltam a importância das

publicações periódicas em pesquisas educacionais e apontam um outro ponto:

Acompanhar o aparecimento e o ciclo de vida da imprensa periódicaeducacional permite conhecer as lutas por legitimidade que se travamdentro do campo e também analisar a participação dos agentes produtoresdo periódico na organização do ensino e na elaboração dos discursos quevisam instaurar práticas exemplares. (CATANI; BASTOS, 1997, p. 7).

Esse viés investigativo que leva em conta as disputas de forças nos permite

analisar a Pedagogium abordando sua dimensão comunicativa e, ainda, como

instrumento de poder da instituição que a criou, a APRN. Esse direcionamento

enfatiza a relevância da presente dissertação: destacar o potencial de inserção que

o impresso estudado teve entre os profissionais do magistério potiguar.

Outro motivo da importância desta pesquisa advém do recorte temático do

estudo: o Higienismo. Apesar de a Pedagogium propagar várias ideias, como o

civismo e a educação moral, optamos apenas pelas concepções higienistas, a fim de

fazer uma análise mais aprofundada acerca do tema. Ademais, não seria possível,

em um texto dissertativo, abordar todos os diversos temas difundidos no periódico

escolhido, cabendo-nos, dessa forma, focalizar a apropriação das ideias nacionais

do Higienismo pelo professorado potiguar.

A escolha do recorte temático do Higienismo e de suas ideias deve-se ao

fato de ter sido um movimento muito presente na educação brasileira, principalmente

no período da Primeira República. Suas influências estiveram presentes em manuais

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didáticos, políticas educacionais, currículos, arquitetura escolar e em vários outros

contextos (STEPHANOU, 1997).

Os cuidados com as saúdes física, mental e intelectual da população eram

preocupações norteadoras das ações dos médicos higienistas, influenciando outras

áreas para além da educação e da saúde, a exemplo da engenharia, da arquitetura

e da advocacia (HERSCHMANN; KROPF; NUNES, 1996).

Já a opção pelo recorte temporal da investigação – a época da primeira fase

da Pedagogium, entre os anos de 1921 e 1927 – justifica-se por três motivos

principais: em primeiro lugar, o período disponível para a realização deste trabalho,

que, por se tratar de uma produção de mestrado, seria curto para a execução de

uma prática de pesquisa que evidentemente demandava uma temporalidade maior;

depois, a complexidade e a quantidade de textos disponíveis, o que poderia dificultar

a análise, caso fossem exploradas as edições das outras fases de publicação do

impresso estudado; e, finalmente, o fato de a década de 1920 ter sido o auge do

Higienismo no Brasil, observada a constatação de que, a partir dos anos 1930, esse

movimento começa a perder força (HERSCHMANN; KROPF; NUNES, 1996). Outra

justificativa desse estudo tem a ver com o fato de não existirem obras que

focalizaram e aprofundaram a discussão da temática do higienismo nesse periódico

criado pela APRN.

Como pergunta norteadora da pesquisa, elegemos o seguinte

questionamento: Como e com que finalidade a revista Pedagogium relacionou as

ideias do higienismo aos aspectos educacionais? Em outras palavras, interessou-

nos saber como os princípios higienistas apareciam nos seus textos e quais eram as

intenções dos autores ao se utilizarem desse conhecimento para pensar e orientar a

educação.

Tendo em vista esse questionamento, construímos a seguinte hipótese: a

revista Pedagogium empregava ideais da higiene como parâmetros relevantes para

pensar uma educação potiguar mais civilizada para os padrões da época. Além

disso, esse ideário estava alinhado com as ações do Governo para o segmento da

educação no estado do Rio Grande do Norte.

Essa hipótese permitiu discutir a publicação, analisada neste trabalho, como

porta-voz da APRN nas suas relações com as noções de campo (BOURDIEU, 1983;

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1989; 2003; 2007) da educação norte-rio-grandense, e de civilidade (ELIAS, 1994)

que se pregava e almejava-se construída no Brasil durante a Primeira República.

Outras questões que nos auxiliaram na problematização do estudo foram:

que ideias de higiene foram abordadas nesse periódico? Que conteúdos

educacionais eram abordados na revista? Quais eram as aproximações da

Pedagogium com a legislação escolar da época em relação às ideias higienistas?

Esses questionamentos foram perseguidos e discutidos ao longo de toda

dissertação.

Para alcançar os objetivos e responder aos questionamentos norteadores da

pesquisa, devido ao caráter do objeto de investigação, utilizamos a metodologia da

ciência histórica, lançando mão dos procedimentos de estudo bibliográfico e de

análise documental, baseados na taxionomia das fontes (BARROS, 2012).

Não obstante essa perspectiva, selecionamos autores, fontes históricas,

conceitos e categorias de análise que tivessem relevância para o objeto escolhido e

para o questionamento realizado, dado o intuito de investigá-lo.

Quanto aos documentos históricos analisados na investigação,

selecionamos as edições da Pedagogium, por se tratarem do lócus e por comporem

o objeto da dissertação; o regimento de instituições escolares locais, por fornecerem

elementos de como os preceitos higienistas estavam sendo absorvidos por esses

espaços; a legislação educacional da época, devido à possibilidade de entender

medidas higiênicas propostas pelo Governo do estado para a educação local; os

escritos de profissionais que divulgaram a Higiene no contexto da primeira república

no RN, possibilitando entender que ideias estavam presentes nos espaços nos quais

a revista circulava. Além disso, conforme a necessidade, utilizamos outras fontes

auxiliares para enriquecer a pesquisa, como as mensagens dos presidentes de

província e os registros fotográficos.

Esse conjunto de registros históricos foram encontrados nos seguintes

acervos: no Repositório do Laboratório de Imagens (LABIM) da Universidade

Federal do Rio Grande do Norte; no Repositório Institucional e do Sistema de

Bibliotecas (SISBI) da UFRN; na Hemeroteca Digital da Fundação Biblioteca

Nacional; e nos acervos particulares de pesquisadores.

Para direcionar o trabalho realizado, selecionamos três conceitos. O primeiro

diz respeito à noção de Civilidade, do sociólogo alemão Norbert Elias (1994), que

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permite entender o contexto da época, período marcado por uma intenção nacional

de modernizar e civilizar o Brasil. O segundo é o conceito de Campo proposto pelo

sociólogo francês Pierre Bourdieu (1983; 1989; 2003; 2007), por proporcionar a

compreensão do papel da Pedagogium em relação ao seu contexto histórico-social,

aos aspectos culturais de sua época, aos sujeitos e a outros espaços sociais. O

terceiro é o de Ideologia, a partir de Barros (2015), Silva e Silva (2009).

Para analisar o objeto de estudo, foram constituídas as categorias de Ideais

Pedagógico-higiênicas: Ideias Pedagógicas de Dermeval Saviani (2013) e de

Higiene, pensada a partir da concepção vigente nos autores do período analisado.

Explicitados esses elementos da pesquisa, faz-se necessário aprofundar os seus

aspectos teórico-metodológicos.

2.2 REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO

O primeiro ponto a se abordar, na discussão dos aspectos teórico-

metodológicos deste trabalho, é a História da Educação, haja vista que esse é o

campo de pesquisa no qual o estudo se inscreve. Para tanto, os autores escolhidos

como referências foram Saviani (2013) e Galvão e Lopes (2010), estudiosos de

renome nessa área.

A História da Educação pode ser compreendida como um campo científico

que se preocupa com os fenômenos educativos dentro do tempo. Ou seja, trata-se

de uma área que lida com os diversos elementos, manifestações, sujeitos, materiais,

ideias educacionais, dentre outros, procurando analisar suas mudanças e

permanências ao longo do tempo (GALVÃO; LOPES, 2010).

Nessa perspectiva, é possível entender a História da Educação como uma

abordagem da Educação que se utiliza de métodos e princípios da ciência histórica

(SAVIANI, 2013). Dessa forma, é uma seara que pode ser definida como uma das

áreas que busca compreender e construir conhecimentos científicos sobre os

processos educacionais, da mesma maneira, por exemplo, que a Sociologia da

Educação, a Filosofia da Educação e a Antropologia da Educação.

Isso se deve à trajetória da História da Educação no Brasil, sempre muito

ligada ao campo da pedagogia e à formação de professores (GALVÃO; LOPES,

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2010), e, ainda, ao fato de os historiadores não terem se dedicado muito aos

fenômenos educacionais em suas obras (SAVIANI, 2008; 2013).

Tal entendimento possibilita ao pesquisador apropriar-se da noção da

relevância de se construir um trabalho na História da Educação, favorecendo a

compreensão de como os seres humanos aprendem, ensinam, pensam, se

emocionam e se relacionam em sociedade ao longo do tempo. Além disso, permite

compreender que o historiador da educação está em um espaço acadêmico que

transita entre duas áreas: a da Educação e a da História. Isso o auxilia sobremodo

na execução de uma pesquisa, como, por exemplo, na escolha de objetos de

estudo, nos métodos de investigação, na seleção das referências bibliográficas e

nos conceitos a serem utilizados no trabalho acadêmico desenvolvido.

Ao voltarmos o nosso olhar para a Pedagogium, percebemos que a História

da Educação nos fornece obras e discussões fundamentais para a exploração desse

objeto de estudo. Trata- se de uma base teórica construída por pesquisadores que

se dedicam a pensar os processos educativos ao longo do tempo, considerando e

discutindo elementos próprios da educação consideradas importantes para esse tipo

de pesquisa (SAVIANI, 2008; 2013; GALVÃO; LOPES, 2010).

Esse debate sobre o que é a História da Educação demanda um outro que

permita entender seus métodos de investigação, ou seja, como a história é escrita.

Refletir sobre aspectos historiográficos é de extrema relevância para o historiador da

educação, pois requer pensar sobre sua própria prática científica. Saviani (2013)

afirma que essa discussão é relevante devido à essência histórica das

manifestações educativas. A esse respeito, o autor argumenta:

[...] dada a historicidade do fenômeno educativo cujas origens coincidemcom a origem do próprio homem, o debate historiográfico tem profundasimplicações para a pesquisa educacional, vez que o significado daeducação está intimamente entrelaçado ao significado da História. E noâmbito da investigação histórico-educativa essa implicação é duplamentereforçada: do ponto de vista do objeto, em razão da determinação históricaque se exerce sobre o fenômeno educativo; e do ponto de vista do enfoque,dado que pesquisar em história da educação é investigar o objeto‘educação’ sobre a perspectiva histórica. (SAVIANI, 2013, p. 7; grifo doautor).

Por isso, concluímos que, para entender o desenvolvimento desta

dissertação e da análise dos processos educacionais estudados, deve-se saber qual

a dimensão historiográfica adotada, como seus autores enxergam a construção do

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conhecimento histórico e quais são as fontes por ela aceitas. Neste estudo, os

autores escolhidos para referenciar esse ponto foram Barros (2013) e Le Goff

(1998).

Nesses termos, a dissertação parte dos pressupostos teóricos e

metodológicos da História Cultural, tendo como referência o historiador francês

Jacques Le Goff (1998) e sua definição de História Nova. Existem outras dimensões

históricas além dessa, como, por exemplo a História Política, a História Social, a

História Econômica (Barros, 2013). Neste trabalho, porém, será abordada somente a

corrente adotada, pois não é o seu objetivo fazer um debate sobre os ramos da

História na condição de ciência.

A abordagem historiográfica utilizada na presente investigação é bastante

consolidada no meio cientifico e demarca interesse em uma vasta gama de

temáticas. Segundo Barros (2013):

A História Cultural, o campo historiográfico que se torna mais preciso eevidente a partir das últimas décadas do século XX, mas que tem clarosantecedentes desde o início do século, é particularmente rica no sentido deabrigar no seu seio diferentes possibilidades de tratamento por vezesantagônicas. [...] Ela abre-se a estudos os mais variados, como a ‘culturapopular’, as práticas discursivas partilhadas por diversos grupos sociais, ossistemas educativos, a medicação cultural através de intelectuais, ou aquaisquer outros campos temáticos atravessados pela polissêmica noçãode ‘cultura’. (BARROS, 2013, p. 55; grifos do autor).

Essa diversidade de temas da História Cultural reflete a predisposição da

chamada História Nova defendida e discutida por Jacques Le Goff (1998). Ao

contrário da História Tradicional, que se voltava apenas para narrativas lineares dos

grandes feitos e personagens, essa corrente historiográfica surgiu do “desejo de se

interessar por todos os homens” (LE GOFF, 1998, p. 49), seja ele rei ou súdito,

idoso ou criança, rico ou pobre, extraordinário ou ordinário.

No século XX, a História Cultural imbuída desse interesse por todos os

homens e aproximando-se de outras ciências como a Geografia, a Antropologia e a

Sociologia, entre outras áreas do conhecimento, ampliou suas temáticas, métodos

de investigação e a variedade de documentos passíveis de serem utilizados pelos

historiadores (LE GOFF, 1998).

Segundo Barros (2003), ao se voltar para a cultura, essa corrente detém

inúmeras possibilidades de estudo que podem ser agrupadas nos seguintes eixos:

objetos culturais de todos os tipos, sejam eles materiais, simbólicos ou mentais;

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sujeitos produtores e consumidores desses objetos, além das agências produtoras e

disseminadoras culturais; práticas, processos e padrões da cultura.

Tomando como base essas postulações, a História Cultural nos permite

olhar para a revista Pedagogium como um meio produtor e difusor de cultura, como

instrumento de divulgação ideológica da Associação de Professores do Rio Grande

do Norte. Além disso, partindo da perspectiva historiográfica, podemos relacionar

esse impresso com outros objetos e sujeitos culturais, tais como: jornais, livros,

discursos, intelectuais, políticos e instituições.

Dentro dessa imensidão de possibilidades, Le Goff (1998) lembra que a

escrita da história concebida de uma nova perspectiva depende de mudanças

teóricas, que implicam ajustes e alterações metodológicas. A primeira mudança a se

mencionar é a de fato histórico, o qual passa a se referir a qualquer acontecimento

relativo à vida humana, já apontada pela diversificação de temas pertinentes à

pesquisa histórica.

A segunda mudança é a definição do que é documento para a História.

Documento é a fonte do trabalho do historiador, pois é a partir desses registros que

o pesquisador tem contato com aquilo que existiu ou ocorreu. Assim, uma vez que a

noção de fato histórico é ampliada, os elementos que servem como seus

vestígios/registros também são aumentados em quantidade, forma, suporte e

linguagem. Logo, o que será considerada ou não como fonte histórica dependerá do

pesquisador e das perguntas que ele formula em relação ao objeto pesquisado.

A mudança da concepção de tempo também se faz necessária. Essa noção

passa a ser plural: o tempo de cada fato histórico, como, por exemplo, a cronologia

das gerações humanas, difere daquela pertencente às instituições sociais. No

tocante a esse aspecto, Le Goff (1998, p. 54) afirmou que é necessário “demolir a

ideia de um tempo único, homogêneo e linear”. Ainda segundo esse autor, a História

deve constantemente buscar o aperfeiçoamento de seus métodos, ter uma

preocupação rigorosa na discussão de ideias, e possuir, além disso, cautela com o

desenvolvimento e o uso de teorias (LE GOFF, 1998).

Essa abrangência temática, a diversidade de objetos, a flexibilidade teórico-

metodológica, bem como a preocupação e o rigor na produção do conhecimento

histórico foram fundamentais para a adoção da História Cultural como eixo teórico

nesta dissertação. Essa perspectiva historiográfica nos permitiu analisar a

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Pedagogium não de uma forma isolada, mas, antes, como sendo um dos elementos

culturais existentes no contexto sócio-histórico em que foi publicada.

Tal período foi marcado pelo desejo civilizador, pelo higienismo e suas

ideias, recorte temático desta dissertação. Devemos destacar, também, que o

movimento higienista esteve ligado a vários aspectos e espaços da cultura brasileira

no fim da segunda metade do século XIX e nas primeiras décadas do século XX,

razão por que reiteramos a relevância e a pertinência da escolha da História Cultural

para este estudo.

O presente trabalho, que partiu dos princípios da perspectiva historiográfica,

constitui-se de duas etapas. A primeira foi composta por estudo bibliográfico,

estruturação da pesquisa e execução do projeto de investigação. A fim de

apresentarmos todos os elementos que fizeram parte dessa fase do estudo,

elaboramos o Quadro 1, exposto a seguir:

Quadro 1 - Etapas da primeira parte da pesquisa

Estruturação dapesquisa

Estudo bibliográfico Execução do projeto

Escolha do temaEstudo das referências

de metodologia históricaDefinição de um

cronograma contendo asetapas da pesquisa

Definição do objeto deestudo

Estudo das obras sobreo tema escolhido

Ida a arquivos físicos evirtuais a fim de encontrar

as fontes almejadasDefinição dos objetivos,perguntas norteadoras e

hipótesesEstudo da produção

historiográfica sobre oobjeto de estudo e seu

contexto

Avaliação do andamentodo projeto de pesquisa

Seleção dos autores eobras de referência

Reestruturação do projeto,caso fosse necessário

Definição das possíveisfontes a serem buscadas

e investigadas

Planejamento para análisedas fontes e escrita da

dissertaçãoEscrita do projeto de

pesquisaEstruturação da escrita da

dissertaçãoFonte: Elaboração do autor com base em Galvão e Lopes (2010) e Barros (2015).

Essas etapas apresentadas marcam seu início por aquelas ações listadas na

primeira coluna, seguindo em direção à terceira coluna. Elas sintetizam a construção

e a execução do projeto de pesquisa, e também um dos dois procedimentos de

investigação que compõe a metodologia adotada: o estudo bibliográfico.

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O conjunto bibliográfico explorado foi encontrado nas bibliotecas e

repositórios institucionais da UFRN, em acervos virtuais de universidades e

instituições públicas, e no acervo do Laboratório de Imagens (LABIM-UFRN). Ainda,

algumas das obras foram adquiridas em sebos de livros usados e em livrarias.

As obras estudadas abordavam as seguintes temáticas e campos de

interesse: história da educação e história referente à Primeira República, ao Rio

Grande do Norte e ao Higienismo; pesquisa histórica geral e da educação; e

sociólogos e filósofos que poderiam advogar conceitos relevantes para a definição

das categorias de análise utilizadas neste trabalho.

Esse procedimento não visou somente à apropriação de elementos da prática

historiográfica ou a compreensão de conceitos orientadores e de categorias de

análise. Também serviu para entender o contexto histórico-social de produção e de

circulação do objeto estudado na dissertação, contribuindo, assim, para a análise

das fontes e para a obtenção de elementos históricos que, devido à condição das

fontes e arquivos, estavam impossibilitados de acesso.

A segunda parte da pesquisa contemplou a classificação e a análise das

fontes encontradas, bem como a escrita da dissertação. Essa fase da investigação

engloba o segundo e o mais importante procedimento de investigação: a análise

documental. Todo historiador se debruça sobre essa prática, pois ela lida com o

material basilar de sua escrita científica: as fontes históricas. São os registros,

vestígios, documentos/monumentos do passado e do já acontecido, que permitem

ao investigador que se preocupa com o homem no tempo responder seus

questionamentos e inquietações acadêmicas (LE GOFF, 1998; 2010).

Para a análise dos registros históricos, tomamos como base o entendimento

de Jacques Le Goff (1998) sobre documento, e a Taxonomia das Fontes discutida

por Barros (2012) a partir do historiador Júlio Aróstegui. Segundo Barros (2012, p.

132), “[...] uma taxonomia é uma classificação, uma maneira de entender melhor

este vasto e complexo universo que constitui o conjunto de todas as fontes históricas

possíveis”.

Ao utilizar esse procedimento de investigação, o historiador pode conhecer

melhor seu material de trabalho, analisando com mais profundidade e respondendo

às questões de pesquisa de forma mais coesa e sensata. Afinal, através dessa

classificação, o pesquisador pode fazer perguntas relevantes para sua fonte,

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favorecendo uma melhor compreensão de seu objeto (BARROS; 2012). No Quadro

2, a seguir, estão reunidos os elementos da análise documental:

Quadro 2 - Elementos da Análise documental

Seleção das fontes utilizadas com base no objeto e nos objetivos da pesquisaDescrição da fonte (tipo, autor, suporte, se houver etc.)

Classificação das fontes conforme:

a) Posição em relação ao objeto

estudado

B) Intencionalidade

C) Qualidade da sua mensagem e de

seu suporte (tipo e forma)

D) Serialidade

Análise das fontes conforme:

Fonte: Elaboração do autor com base em Barros (2012) e Le Goff (1998; 2010).

Durante a pesquisa, a taxionomia das fontes encerrou um procedimento

fundamental para a exploração e o estudo dos registros históricos utilizados. Assim

sendo, todo o conjunto documental utilizado foi explorado levando em consideração

os elementos apresentados no Quadro 2. Cada documento foi utilizado

considerando suas características específicas, permitindo-nos fazer perguntas mais

assertivas a cada registro histórico. Tomemos como exemplo a legislação do

período republicano, que foi entendida e explorada de maneira distinta daquela

utilizada para analisar os exemplares da Pedagogium, dado o fato de esses dois

tipos de escritos possuírem suportes, serialidade e intencionalidades diferentes.

Uma vez que o estudo teve como foco as ideias higienistas divulgadas por

uma revista, a Pedagogium, fez-se necessário entender as características desse tipo

de publicação, um impresso periódico. Para compor esse entendimento, tomamos

como base as discussões de Nóvoa (1997), Catani e Bastos (1997) e Luca (2018).

A imprensa periódica de educação e ensino apresenta-se como um

elemento relevante para a pesquisa em História da Educação. Diz respeito às fontes

que eram impressas, as quais possuíam períodos de publicação que atendiam aos

seguintes intervalos: diários, semanais, bimestrais ou semestrais.

Além disso, também poderiam alcançar um público-alvo diverso, podendo

ser composto por profissionais do magistério, alunos, membros da comunidade

escolar e até leigos na área da educação interessados no assunto. Constituem

exemplos desse tipo de documento as revistas de associações de professores; os

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jornais produzidos por alunos; os boletins de intuições ligadas à educação; os anais

de eventos (CATANI; BASTOS, 1997).

Esse meio de comunicação pode servir como parte dos materiais históricos

utilizados em um processo de estudo, ou, ainda, ser pensado como um objeto de

pesquisa investigando seu papel diante de questões e processos históricos

educacionais (LUCA, 2018). Na presente dissertação, a Pedagogium foi pensada

principalmente como objeto de pesquisa, muito embora, em alguns momentos, tenha

sido utilizada como fonte para discutir a sua instituição criadora, a APRN.

A imprensa educacional pode nos fornecer uma visão ampla acerca de uma

determinada época, visto tratar-se de um tipo de objeto que, em função de sua

estrutura, apresenta vários elementos da educação e da cultura do recorte temporal

estudado. Sobre esse aspecto, Nóvoa (1997) faz a seguinte reflexão:

A imprensa é, provavelmente, o local que facilita um melhor conhecimentodas realidades educativas, uma vez que aqui se manifesta, de um ou deoutro modo, o conjunto de problemas desta área. É difícil imaginar um meiomais útil para compreender as relações entre a teoria e a prática, entre osprojetos e as realidades, entre a tradição e a inovação... São ascaracterísticas próprias da imprensa (a proximidade em relação aoacontecimento, o caráter fugaz e polêmico, a vontade de intervir narealidade) que lhe conferem este estatuto único e insubstituível como fontepara o estudo histórico e sociológico da educação e da pedagogia.(NÓVOA, 1997, p. 31).

Não raro, esse tipo de material traz vários temas, autores, gêneros textuais,

elementos gráficos; pode fazer uso de uma linguagem mais simples e menos formal,

dependendo de quem a produziu; é compreensível que possa representar de forma

mais direta as visões e ideias de uma instituição ou grupo de pessoas; pode citar ou

fazer referência a outras fontes, como leis, textos, estatísticas, livros, discursos,

fotografias, atas, mobiliários, mapas etc. Para o historiador, esse tipo de documento

[...] Torna-se um guia prático do cotidiano educacional e escolar, permitindoao pesquisador estudar o pensamento pedagógico de um determinado setorou de um grupo social a partir da análise do discurso veiculado e daressonância dos temas debatidos, dentro e fora do universo escolar.(CATANI; BASTOS, 1997, p. 5).

Devido a essas características, a presente pesquisa ganha relevância, ao

assumir a pretensão de compreender o papel da Pedagogium como um dos

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elementos do campo educacional, voltado à construção da civilidade desejada pelas

elites sociais no contexto potiguar no período da Primeira República.

Da mesma forma que outros materiais históricos utilizados na dissertação,

as leituras de elementos internos e externos da Pedagogium foram feitas de maneira

rigorosa, tendo como base a taxionomia das fontes. A imprensa periódica de

educação e ensino, assim como qualquer outro registro submetido a um processo

historiográfico, precisa ser observada como um elemento complexo que revela, de

maneira abundante, dada realidade social estudada, demandando cautela do

historiador ao analisá-la (LUCA, 2018).

Visando à interpretação das fontes e à orientação das perguntas levantadas

sobre o objeto de estudo, a pesquisa utilizou-se de três conceitos. O primeiro

conceito é o de Civilidade elaborada pelo sociólogo alemão Norbert Elias (1994).

Esse conceito foi desenvolvido pelo autor mais particularmente na obra O

processo Civilizador, volumes 1 e 2. Nesses livros, o sociólogo desenvolve o que ele

denomina de História dos Costumes, procurando entender, em uma perspectiva de

longa duração, as mudanças de hábitos e costumes na Europa durante os séculos

XIII e XIX, processos identitários e culturais da Inglaterra, França e Alemanha

(ELIAS, 1994).

Em sua obra, Elias (1994) estuda as mudanças nos perfis de

comportamento e suas relações com as grandes transformações estruturais nas

organizações políticas. O autor analisa o contexto sócio-histórico europeu desde a

Idade Média até a formação dos Estados Nacionais modernos e da popularização do

termo Civilidade.

Nesse estudo, para compreender as alterações dos perfis comportamentais,

o sociólogo analisa principalmente os manuais de etiqueta, buscando investigar

como os costumes foram se alterando, que as estratégias sociais ocasionaram essa

mudança e os motivos dessas trajetórias (ELIAS, 1994). Ao longo de sua obra, o

autor cria o entendimento de processos civilizatórios para explicar as dinâmicas e

alterações dos valores, costumes e conhecimentos que são aceitos em relação de

outros.

Esses processos demandam, em si, um convencimento da população por

meio de leis, manuais, livros, orientações e pelo ensino; em outras palavras, devido

à intenção civilizatória das elites sociais, a educação dos sujeitos na sociedade

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ganha papel importante nesses processos de mudança de costumes. No presente

trabalho, lançamos o foco sobre o conceito de Civilidade, o qual se desdobra no

entendimento de Homem civilizado.

Segundo Elias (1994), a Civilidade como sendo o conjunto de costumes

substituiu a Cortesia medieval. Na Idade Média, existia, nos grandes núcleos

feudais, um padrão de comportamento difundido e praticado pela Nobreza e pelos

Cavaleiros, sendo denominado de Cortesia; eram condutas aprendidas de forma

sutil, no convívio dos sujeitos pertencentes a essas camadas sociais, e aceitas por

uma questão de respeito e prestigio social.

Já o termo Civilidade surgiu a partir do século XVIII, firmando-se ao longo da

formação dos Estados Modernos e sua monopolização do uso da força, do

desenvolvimento industrial, das mudanças econômicas e da acessão das classes

burguesas. Diferentemente da Cortesia, a Civilidade não estava restrita à prática de

uma classe social: antes, ela é imposta a toda sociedade por grupos que controlam

o poder Estatal.

Conceitualmente, a Civilidade diz respeito a um conjunto de padrões,

costumes, hábitos, valores e condutas socialmente aceitas por grupos hegemônicos

como sendo as mais avançadas ou superiores em comparação a outras por eles

consideradas menos desejáveis, sendo essas últimas pertencentes a outras

camadas sociais com menos poder, em um determinado espaço geográfico e

político (ELIAS, 1994).

Os costumes de uma determinada sociedade vão se alterando ao longo do

tempo e do desenvolvimento das relações sociais e políticas. Segundo Elias (1994),

uma Nação que passa por um processo civilizatório constituirá ações e medidas

para divulgar e impor aos seus sujeitos transformações em seus costumes, além de

desenvolver nas pessoas um autocontrole das próprias emoções. O homem

civilizado é aquele que acata, pratica e valoriza os padrões de comportamento

aceitos como válidos e desejáveis pela sociedade onde ele está inserido, a fim de

evitar punições do Estado ou sofrer desprestígio social (ELIAS, 1994).

Esse conceito é fundamental para analisarmos o período da Primeira

República, quando havia, em vários espaços, discursos de diversos agentes sociais

envolvidos por um desejo e uma defesa de valores e padrões julgados por eles

como modernos; em outras palavras, esses sujeitos ansiavam por um Brasil

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civilizado, tomando como referência as nações europeias. Nesse contexto histórico,

existiram vários movimentos que objetivavam uma modernização civilizatória,

visando à construção do cidadão que construiria a República Brasileira. Exemplos

desses movimentos foram o arquitetônico, o jurídico, o nacionalista e o higienista.

Como enfatiza Medeiros (2012, p. 17), o higienismo foi

um movimento que, respaldado pelas elites, preconizou a ordem socialatravés das ações de controle, nos aspectos urbanos, médico sanitário oueducacional, a fim de subsidiar o plano de modernidade que veio a seespraiar pelo mundo Ocidental, por meio de um conjunto de manifestaçõespolíticas, artísticas e literárias. Especificamente, no Brasil, os movimentospela modernização significaram o empenho civil em romper com asheranças do Velho Regime e a superação do sentimento em quepredominava o país em relação ao modelo europeu.

Ao entender a civilidade, é possível compreender o Movimento Higienista,

suas ideias e preceitos em seu caráter civilizador de mudanças de hábitos da

população, no tocante à adoção daqueles julgados mais modernos e avançados

para o cuidado da saúde mental, intelectual e moral.

Baseados nesse conceito, pretendemos discutir a revista Pedagogium como

um dos veículos comunicativos produzidos por sujeitos interessados na defesa e na

divulgação de ideias consideradas civilizadas para os padrões da época. Isso

porque um dos objetivos de sua criação era propagar ideias educacionais para o

professorado potiguar. Nesse sentido, podemos investigar a intenção civilizatória

que perpassa esse periódico, ao divulgar conteúdos de disciplinas escolares,

notícias educacionais, discussões sobre temas da Higiene, Educação Moral e Cívica

(RIBEIRO, 2003).

O segundo conceito de que nos valemos é o de Campo, definido e

desenvolvido pelo sociólogo francês Pierre Bourdieu (1983; 1989; 2003; 2007). Na

concepção desse autor, Campo é um espaço social de disputa de poder pela

autoridade de legitimar conhecimentos e valores de uma cultura específica. Dentro

dele, estão os sujeitos que são reconhecidos em sua área de atuação e que se

consolidaram como uma elite. Fora dele, estão aqueles que são alvos de suas ações

ou consomem suas produções, e também os que almejam inserir-se no campo e,

ainda, os que negam sua autoridade.

Bourdieu (1983; 1989; 2003; 2007) discute, em suas obras, escritos sobre

diversos campos, entre eles, o científico, o intelectual e o religioso. Cada um desses

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campos apresenta interesses específicos, organização própria e regras internas que

dependem das condições históricas, materiais e sociais de sua produção. Em outras

palavras, os Campos não são espaços isolados ou fechados em si mesmos, haja

vista que podem ser influenciados por acontecimentos, condições e fatores externos

ou por outros Campos. Essa é uma característica presente na temática de nosso

estudo, já que, no caso desta dissertação, investiga-se o campo educacional em

relação aos conhecimentos produzidos pelo campo médico-higienista brasileiro.

Em sua tese doutoral, Denice Catani (1989), ao analisar uma revista

vinculada a uma entidade de professores do estado de São Paulo, apresenta a

seguinte definição de Campo e destaca os elementos de sua estrutura interna e

relações de poder:

Para Bourdieu, campos são espaços nos quais as posições ocupadas pelosagentes definem-se em função dos objetivos que estão em disputa e dosinteresses envolvidos, acabando por gerar modalidades específicas deorganização e de sobrevivência internas, que funcionam como reguladorasda produção das relações do próprio campo. Nesse sentido, o sistemaescolar constitui um campo no qual a produção e a divulgação dosconhecimentos participam como instauradoras. (CATANI, 1989, p. 22).

Com base nesse conceito, é possível investigar a Pedagogium como

elemento do campo educacional potiguar, visando explorar o papel desse periódico

como uma das ações da APRN para orientar a atuação dos professores potiguares.

Assim, ao longo da dissertação, discutimos a Pedagogium como um

artifício/instrumento criado por uma entidade de professores, que reuniu os sujeitos

mais reconhecidos socialmente como autoridades do conhecimento e métodos

educacionais no Rio Grande do Norte, na fase final da Primeira República.

Para entendermos um pouco mais como cada campo faz suas escolhas de

ações, ideias, relações de seus sujeitos, tomemos como exemplo o campo científico

analisado por Bourdieu (1983):

É o campo científico, enquanto lugar de luta política pela dominaçãocientífica, que designa a cada pesquisador, em função da posição que eleocupa, seus problemas, indissociavelmente políticos e científicos, e seusmétodos, estratégias científicas que, pelo fato de se definirem expressa ouobjetivamente pela referência ao sistema de posições políticas e científicasconstitutivas do campo científico, são ao mesmo tempo estratégias políticas.Não há "escolha" científica − do campo da pesquisa, dos métodosempregados, do lugar de publicação; ou, ainda, escolha entre umapublicação imediata de resultados parcialmente verificados e uma

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publicação tardia de resultados plenamente controlados − que não seja umaestratégia política de investimento objetivamente orientada para amaximização do lucro propriamente científico, isto é, a obtenção doreconhecimento dos pares-concorrentes (BOURDIEU, 1983, p. 126; grifosdo autor).

Nesse exemplo, vemos que tudo dentro do campo científico se move em

torno da disputa de posições de poder internas ao campo, assim como acontece em

outros. Se tomarmos essa lógica de estruturação de campos para o âmbito da

educação, podemos chegar a um direcionamento conceitual que permita

compreender que as ações de pensadores da educação, professores, diretores de

instituições educacionais, a produção de materiais didáticos, entre outros elementos,

estariam impactadas pela configuração estrutural do campo educacional, ou seja,

sofreriam influência dos conflitos de seus membros pelo reconhecimento, poder e

posições de autoridade sobre assuntos educacionais.

Os conceitos de Civilidade e de Campo conseguem se articular de forma

satisfatória, pois ambos lidam com a produção de culturas, conhecimentos, valores e

ideais julgados como mais avançados por um grupo seleto de pessoas, aqueles que

possuem grande status social. Essa produção de um grupo está voltada para

aqueles que não fazem parte dessa elite social, procurando convencê-los de sua

superioridade e utilizando os mais diversos meios para alcançar esse objetivo, entre

eles, a educação.

O terceiro conceito é o de Ideologia, que, segundo afirma Barros (2015, p.

208), é algo que “apresenta atualmente inúmeros sentidos em uso nas Ciências

Humanas”. Daí por que é necessário definirmos com precisão qual dos sentidos

possíveis utilizaremos neste trabalho. Silva e Silva (2009, p. 205), ao concordarem

com a polissemia apontada por Barros (2009), nos fornece a seguinte definição de

Ideologia: trata-se de “[...] um sistema de ‘ideias’ ou, mais exatamente, de crenças

mais ou menos coerente. [...] As ideologias são formas de se entender o mundo e de

se posicionar nele” (SILVA; SILVA, 2009, p. 205; grifo dos autores).

Por ser encerrar um sentido amplo do conceito, permite uma análise de

várias maneiras de ver o mundo pertencentes a diferentes grupos sociais, campos

ou instituições, ou até mesmo aspectos como interação, aproximação ou conflito

entre diversas visões da realidade. Barros (2013) apresenta uma definição

semelhante e cita alguns exemplos de ideologias no seguinte trecho:

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A ideologia pode ser vista por exemplo como um conjunto de crenças ou deconcepções referentes a sociedade, ou ao lugar do indivíduo na sociedade,à organização da comunidade e ao controle político da mesma. Pode serassociada a uma classe ou grupo social específico, surgindo conceitoscomo ‘ideologia burguesa’ ou ‘ideologia proletária’. Conforme seja ideologiaimposta, ou conscientemente ou por processos de difusão mediante o qualnão se dão conta nem mesmo os seus principais interessados, pudessefalar em ‘ideologia dominante’. (BARROS, 2013, p. 208; grifos do autor).

Ao partimos da concepção de que existem várias ideologias, podemos

discutir bem a interação entre os diversos grupos hegemônicos ou campos

existentes durante a Primeira República no Brasil, levando em consideração a

civilidade que se tentava consolidar em território nacional. Será possível pensar as

interações, por exemplo, entre as visões do campo educacional e do médico-

higienista e, também, entre o pensamento do Estado e dos sujeitos desses campos.

Silva e Silva (2009) reforçam essa possibilidade de pesquisa quando defendem que

em uma mesma sociedade podem estar presentes várias ideologias, como afirmado

no fragmento a seguir:

Em uma dada sociedade, não há uma “verdadeira” ideologia, mas várias.Os estudos culturais consideram que, mesmo na indústria cultural, os meiosde comunicação de massa não expressão um único universo ideológico,mais sim uma pluralidade de ideologias e discursos. Muitos estudiososdefendem que não apenas classes sociais diferentes possuem ideologiasespecificas, mas que também frações de classe, etnias, grupos profissionaissão portadores de ideologias particulares. Não negam a existência de umaideologia dominante ou hegemônica, mas cada vez acreditam que, se nãohá ideologias que se opõem à ideologia hegemônica, existem pelo menosformas adaptativas e criativas elaboradas pelos diferentes grupos sociaispara interpretar e se relacionar com tal ideologia dominante. (SILVA; SILVA,2009, p. 206; grifo dos autores).

O conceito de Ideologia permite a análise da revista Pedagogium como

veículo da APRN voltado à divulgação de suas ideias ao campo educacional

potiguar, ou, dito de outra forma, na condição de instrumento ideológico dessa

instituição. Isto é, como esse periódico pretendia divulgar ideias e práticas civilizadas

aos sujeitos da educação local.

Respaldados nos conceitos de Civilidade (ELIAS, 1993), Campo

(BOURDIEU, 1983; 2003; 2010) e Ideologia (BARROS, 2015; SILVA; SILVA, 2009),

a fim de cumprir os objetivos da pesquisa, confrontar a sua hipótese e responder às

perguntas norteadoras, construímos a categoria de análise Ideias pedagógico-

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higienistas. Para tanto, tivemos como base o conceito de Ideias Pedagógicas de

Saviani (2003) e a definição do que significava a Higiene para os autores da época

estudada.

A Higiene2 pode ser entendida como uma das áreas da medicina, a qual foi

basilar para o Movimento Higienista. Segundo o médico Chernoviz (1890)3, na sexta

edição de sua obra intitulada Diccionario de medicina popular e das sciencias

accessarios para uso das famílias, a higiene pode ser definida nos seguintes termos:

[...] é a parte da sciencia medica que ensina a conservar a saúde; dá aosdoentes e aos homens sãos os preceitos necessários para a escolha dosalimentos e bebidas, as regras que se devem seguir no exercício, banhos,somno, paixões, trabalhos intellectuaes, etc; ensina e evitar as cousasnocivas e a fazer bom uso das úteis. [...] A hygiene está ao alcance de todosos homens, com tanto que se queirão submetter ás suas prescripções. Comeffeito, observar a sobriedade, a temperança; exercer igualmente e e mjustos limites o corpo e o espirito, conservar quanto seja possível aserenidade e a tranquillidade da alma, eis em resumo todas as regras dahygiene. (CHERNOVIZ, 1890, p. 162).

Essa descrição dá uma ideia da vastidão de assuntos e preceitos relativos à

Higiene como área da medicina. Se, a partir do conceito de campo de Bourdieu

(1983; 1989; 2003; 2007), pensarmos o Movimento Higienista como algo

heterogêneo, teremos um indício do volume das ideias e suas possíveis variações

pertencentes a essa área do saber médico que foram divulgadas no Brasil, oriundas

das disputas e divergências internas entre os higienistas na produção desse tipo de

conhecimento.

Outra coisa que se pode perceber é o teor civilizatório dessa definição: a

Higiene, por causa da sua preocupação com a saúde da população, acaba por impor

costumes e valores, como os mais corretos e benéficos para a sociedade. Por isso,

procuramos, neste trabalho, direcionar a investigação da Pedagogium de modo a

2 Para entendermos o que era a Higiene, convém apresentar umadefinição geral. Isso por se tratar de uma área que abarca uma grande variedade de ideias, o queimplicaria uma exposição extensa demais para ser contida neste capítulo. Em 3 Educação e aHigiene na Primeira República no Rio Grande do Norte, apresentamos com detalhes as ideias e ospreceitos que estavam contidos nessa área de conhecimento médico.3 Segundo Guimarães (2016), Pedro Luís Napoleão Chernoviz foium médico polonês nascido em 1812. Se diplomou em medicina no ano de 1837 em Montpellier,França. Devido a questões pessoais, esse médico decidiu viajar para o Brasil, aportando em 1940, nacidade do Rio de Janeiro. Ainda nesse ano, a Faculdade de medicina do Rio de Janeiro reconheceu oseu diploma. A primeira edição do Dicionário de medicina popular foi impressa no ano de 1942, emdois volumes, sendo essa obra constantemente reeditada ao longo dos anos. Em 1955, Chernovizretornou para França e permaneceu nesse país até o ano de sua morte, 1881.

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compreender que preceitos, valores, orientações e conhecimentos, originários da

Higiene, estavam presentes nessa revista para pensar a educação da época.

O segundo elemento escolhido para a construção da categoria de análise é

o conceito de Ideias pedagógicas proposto por Dermeval Saviani (2003). Para o

entendermos, devemos, antes, levar em consideração outro termo descrito por esse

autor, o de Ideias educacionais. Segundo ele, estas seriam

[...] as ideias referidas à educação, quer sejam elas decorrentes da análisedo fenômeno educativo visando a explicá-lo, quer sejam elas derivadas dedeterminada concepção de homem, mundo ou sociedade sob cuja luz seinterpreta o fenômeno educativo. (SAVIANI, 2013, p. 6).

Essa concepção possibilita que as mais diversas ideias sejam pesquisadas.

Desse modo, seria possível considerar tanto aquelas surgidas de áreas que

possuem os fenômenos educativos como objetos de estudos, quanto as ideias que

surgem a partir de conceitos de outras áreas, tais como filosofia, sociologia,

psicologia etc., visando interpretar a educação (SAVIANI, 2013).

A partir dessa concepção, Saviani (2013) procura investigar as ideias

educacionais de outra forma. Para isso, ele faz a opção de pensar a História da

Educação Brasileira tendo como fundamento o conceito de Ideias pedagógicas. O

autor as entende sob a seguinte ótica:

as ideias educacionais, não em si mesmas, mas na forma como seencarnam no movimento real da educação, orientando e, mais do que isso,constituindo a própria substância da prática educativa. Com efeito, a palavra‘pedagogia’ e, mais particularmente, o adjetivo ‘pedagógico’ têmmarcadamente ressonância metodológica denotando o modo de operar, derealizar o ato educativo. (SAVIANI, 2013, p. 6; grifos do autor).

Essa perspectiva permite analisar as ideias voltadas para a educação não

de forma isolada, ou de uma discussão desligada dos processos educacionais, mas,

sim, da maneira sobre como elas definem ou orientam, por exemplo, a atuação do

professor, a organização das aulas e os métodos de aprendizagem, a definição do

que deve ser ensinado e como deve ocorrer a organização da escola.

Depois de definirmos o conceito de Ideias pedagógicas e a área da Higiene,

construímos a categoria de análise intitulada Ideias pedagógico-higienistas. Esse

grupo específico do ideário educacional é composto pelas ideias que, tendo como

Page 46: AS IDEIAS PEDAGÓGICO-HIGIENISTAS NA REVISTA

46

base princípios higienistas, visavam definir e orientar: a) a organização da educação

e de seus objetivos; b) a aplicação de atividades pedagógicas e dos conteúdos a

serem aprendidos; c) a atuação do profissional do magistério; d) o perfil do aluno a

ser formado; e) a construção e a organização de espaços educacionais e materiais

didáticos; entre outros aspectos relativos aos processos do fenômeno educativo.

Entendemos, baseados nos conceitos escolhidos e apresentados na atual

seção, que esse ideário pedagógico-higienista seria uma aproximação dos

professores e da Pedagogia com os médicos e com a Higiene; em outras palavras,

um encontro entre as ideologias pertencentes ao campo educacional e ao campo

médico. Isso favorece a investigação sobre de que forma e com que objetivo as

discussões e as orientações de cunho higienista foram divulgadas na revista

Pedagogium de 1921 a 1927.

Com essa categoria, norteada pelos conceitos escolhidos na pesquisa,

podemos focar em elementos específicos no propósito de responder aos seguintes

questionamentos: que ideias pedagógico-higienistas eram difundidas na

Pedagogium? Que indicações para o trabalho do magistério eram transmitidas para

seus leitores? Sendo uma revista da área da educação, publicada por uma entidade

de professores, de que maneira os processos educacionais eram pensados e

orientados por esse impresso, levando em consideração princípios da Higiene?

Esses questionamentos refletem muito bem o objetivo da investigação que deu

origem a este trabalho.

Realizada a discussão do referencial teórico-metodológico, abordamos a

contextualização do período histórico estudado na seção seguinte, a qual tem como

objetivo fornecer bases para a discussão realizada na análise, vez que apresenta as

concepções, princípios e valores higienistas divulgados no Rio Grande do Norte.

Page 47: AS IDEIAS PEDAGÓGICO-HIGIENISTAS NA REVISTA

47

3 EDUCAÇÃO E HIGIENE NO RIO GRANDE DO NORTE DURANTE A

PRIMEIRA REPÚBLICA

A minha alma infantil, minha alma pequeninaHoje, ao ver-te nação, entre as nações primeira,

Ante o teu Pavilhao auri verde se inclinaSaudando-te, feliz, ó Patria Brazileira!

(Carolina Wanderley, “Ave, Brazil!”, Pedagogium, nº. 5, 1922, p. 33)

Para entender o contexto local e as tentativas de modernização do estado

do Rio Grande do Norte e de sua capital na Primeira República (1889-1930), faz-se

necessário discutir os aspectos históricos e sociais no âmbito nacional, já que os

atos, as obras e os discursos que aconteceram nas terras potiguares eram reflexos

das discussões que aconteciam em todo o Brasil (MONTEIRO, 2015).

No citado período, as ações da alta sociedade e políticas estatais que

ocorreram não foram homogêneas em todo o território brasileiro; elas dependiam

das condições econômicas, geográficas e culturais de cada localidade

(HERSCHMANN; KROPF; NUNES, 1996; AZEVEDO; STAMATTO, 2012).

O ideário republicano chega em terras brasileiras alinhado com os interesses

das elites econômicas e sociais locais, que almejavam um país detentor de um grau

de civilidade e de desenvolvimento econômico semelhante aos países europeus,

principalmente a França. Para esses grupos hegemônicos, eram necessárias

mudanças não somente políticas, econômicas e urbanas, mas também culturais

(HERSCHMANN; KROPF; NUNES, 1996). Desse modo, a população deveria

desenvolver novos hábitos e valores em relação aos diversos aspectos da vida,

entre eles, alimentação e saúde, formas de lazer, uso dos espaços urbanos,

educação, relações pessoais e familiares (STHEPHANOU, 1997).

Na visão das elites, para a modernização do Brasil era preciso haver uma

série de reformas que também objetivassem a modificação de mentalidade do povo

brasileiro. Nos seus discursos e do governo, o país encontrava-se em um patamar

atrasado, com costumes ultrapassados. Em seus julgamentos, parte da sociedade

possuía hábitos viciosos; as cidades eram sujas e precariamente estruturadas; os

espaços eram mal utilizados pela população; havia um grande risco de epidemias e

de mortalidade infantil.

Page 48: AS IDEIAS PEDAGÓGICO-HIGIENISTAS NA REVISTA

48

As ações voltadas para transformação nos espaços sociais e de mentalidade

foram marcadas por basicamente três campos: médico, da engenharia e o

educacional. Apesar de esses campos terem desenvolvido ações em conjunto, e

possuírem um desejo civilizatório e modernizador em comum para nação, cada um

deles disputavam com outros campos e possuíam divergências internas próprias

(HERSCHMANN; KROPF; NUNES, 1996, p. 9). O campo médico, por exemplo,

ganharia destaque se comparado aos outros, devido à sua importância, relevância

social da área de conhecimento e de um dos seus ramos: a Higiene.

O campo médico lideraria o que vários historiadores denominam de

movimento higienista (GONDRA, 2004; AZEVEDO; STAMATTO, 2012;

STEPHANOU, 1997). O fortalecimento desse campo teve início no século XIX,

sendo importantes, nesse processo, as fundações de instituições ligadas à medicina,

a saber, a Escola de Cirurgia no Hospital Real na cidade de Salvador, e a Escola de

Anatomia, Medicina e Cirurgia no Hospital Militar no Rio de Janeiro, ambas criadas

no ano de 1808 e que, no ano de 1832, tornar-se-iam, respectivamente, a Faculdade

de Medicina da Bahia e a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Isso possibilitou

a formação de médicos em território brasileiro; além do mais, a produção de obras

nacionais de medicina e a difusão das ideias higienistas voltadas para os problemas

do país começaram a se aprofundar (GONDRA, 2004, p. 31; p. 65).

Segundo Gondra (2004), Schwarcz (1993) e Stephanou (1997), somente na

segunda metade do século XIX foi que o movimento higienista começou a ganhar

forma e prestígio social. Seus integrantes demonstravam, de forma geral,

preocupações relativas à saúde da sociedade como um todo, de forma individual e

coletiva. Suas ações e discursos visavam, por exemplo, à prevenção de doenças e

epidemias; ao combate aos maus hábitos de higiene e vícios dos indivíduos; ao

desenvolvimento e à manutenção do vigor físico, saúde mental e da moralidade; à

melhoria da qualidade de vida. Para isso, suas atuações não visavam somente

diagnosticar, tratar e medicar; fazia-se fundamental a mudança de comportamento

dos sujeitos em sociedade para a prevenção de problemas de saúde.

Essa intenção de transformação cultural por parte dos higienistas, ou seja, a

adoção, pelos cidadãos brasileiros, de certos hábitos reconhecidos como benéficos

por esse movimento, demandava a divulgação e a defesa de seus conhecimentos,

além do aumento de reconhecimento e status social do campo médico. Devido às

Page 49: AS IDEIAS PEDAGÓGICO-HIGIENISTAS NA REVISTA

49

suas necessidades e objetivos, esses profissionais procuraram desenvolver diversas

atividades. Em relação ao Higienismo, a historiadora da Educação Maria Stephanou

(1997) afirma:

Reformar, regenerar, reeducar, eram ideias que inflacionavam os discursos.[...] A proliferação desse discurso é evidente: os médicos ocuparam osmeios de comunicação da época com seus artigos, demonstrações,conferências, livros. [...] A incisiva circulação da produção dos médicospossibilitou a penetração desse campo de saber junto a outros. Asmetáforas médicas contaminaram práticas discursivas de outros grupossociais, como por exemplo os juristas e criminalistas. Os médicos puderamse constituir como educadores e até mesmo planejadores urbanos, ou,inversamente, buscaram atuar como educadores ou planejadores paraassegurar uma legitimidade. Puderam, enfim, atribuir-se a responsabilidadepor todos e cada um, a orientação da vida privada dos indivíduos e da vidapública das coletividades. (STEPHANOU, 1997, p.154-155).

Isso permitiu a estruturação desse campo e o fortalecimento da sua posição

social, aumentando sua capacidade de atuação; através das relações internas a ele

e com outros campos da sociedade brasileira, pode se reorganizar e se solidificar

nos mais diversos espaços brasileiros. Consequentemente, ganharam

reconhecimento como um grupo de sujeitos detentores dos métodos e de

conhecimentos de sua profissão, como representantes da ciência (GONDRA, 2004;

HERSCHMANN, 1996; SCHWARCZ, 1993), podendo, assim, orientar os costumes

sociais. Dito de outra forma, os médicos higienistas do Brasil propagaram sua

ideologia para ocupar lugares de destaque em sua sociedade, ou seja, para poder

transforma-la de acordo com suas as concepções políticas e cientificas.

Um dos meios mais importantes para a divulgação das ideias higienistas

foram os impressos: jornais, manuais, dicionários, revistas. Muitos deles pretendiam

divulgar o pensamento médico e a adoção de costumes mais saudáveis sejam nos

espaços urbanos ou rurais, entrando nos cotidianos das famílias ricas.

Esse tipo de ação voltado à divulgação de ideias também foi estudado por

Norbert Elias (1994), cujo sociólogo, ao investigar as mudanças de comportamentos

ao longo do tempo em nações europeias, enfatizou a intenção educativa da

publicação de manuais, entre eles, especialmente, os de etiqueta, para as

transformações dos costumes das sociedades, disseminando um discurso

civilizatório.

No caso brasileiro, podemos citar o impresso Diccionario de medicina

popular e das sciencias accessorios para uso das famílias, foi um material que tinha

Page 50: AS IDEIAS PEDAGÓGICO-HIGIENISTAS NA REVISTA

50

como intuito servir de consulta no âmbito privado familiar, sendo utilizado, também,

como obra auxiliar para os médicos. Teve sua primeira edição editada no ano de

1942, com tiragem foi de 3.000 exemplares, um número elevado para época, sendo

esse dicionário constantemente reeditado e reimpresso, por isso, é considerado por

historiadores um sucesso de vendas para o período de seu lançamento

(GUIMARÃES, 2016). A sexta edição dessa obra, em 1890, que circulou já no

período republicano, foi dividida em 2 volumes, totalizando mais de 2.400 páginas, o

que exemplifica o papel civilizador e modernizador que os médicos brasileiros se

propunham a desempenhar na sociedade desde a segunda metade do século XIX.

Esse dicionário contém não só informações sobre anatomia, doenças etc.,

mas, também, direcionamento do manejo de alimentos, orientações de tratamentos

de moléstias, entre outros, trazendo indicações de hábitos que deveriam ser

seguidos com base na ciência médica e na higiene. Como exemplo, vejamos parte

do verbete sobre água:

AGUA. A água pura, ou misturada com substancias que alteram pouco assuas propriedades, é a bedida cujo uso habitual é o mais próprio paraentreter o livre exercicio dás funeções. A água, para ser boa, deve serfresca, límpida, sem côr, nem cheiro, sem sabor desagradável, salgado ouadocicado. Deve ser arejada, dissolver o sabão sem formar grumos, e cozeros legumes seccos, como, por exemplo, os feijões. A água deve o seu saborá presença do ar; e por isso quando pela ebullição ou distillição se fazdesapparecer este gaz, torna-se a água insipida e pesada ao estômago.[…]Purificação da aqua. Diversos meios se empregam para corrigir asalterações da água, taes são: o filtro para clarifical-a, o carvão paradesinfectal-a, a agitação para arejal-a, a evaporação e a condensação paraseparar d'ella as substancias mineraes. (CHERNOVIZ, 1890a, p. 55-57).

Nesse exemplo, vemos uma indicação voltada para a mudança de

comportamento, podemos dizer, de natureza educativa. De acordo com esse trecho,

não deveria ser usada qualquer água; ela deveria ser pura ou submetida a um

processo de purificação. Toda a obra e seus verbetes possuem esse caráter.

Os verbetes relacionados à Higiene enfatizam sua importância na orientação

das práticas sociais em relação às seguintes ações: preparação, seleção e

conservação dos alimentos; cuidados na criação dos animais; precauções com o

clima; prevenção de doenças; ginástica; cuidados de higiene desde a idade adulta

até a velhice, entre outros. A partir do exemplo expresso nesse dicionário, podemos

ter uma ideia da abrangência das preocupações do campo médico higienista com a

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orientação dos comportamentos sociais, fortalecendo padrões de civilidade

baseados em seus conhecimentos.

Devido a essa intenção, desde a segunda metade do século XIX e até a

década de 1930, o campo médico buscou ocupar diferentes espaços à medida que

se aproximava do poder estatal, alcançando seu auge no período da Primeira

República. Durante as primeiras décadas do regime republicano, os higienistas

procuraram utilizar-se de todos os meios para atingir seus objetivos, nas funções

profissionais por eles exercidas e no relacionamento com outros campos. Desse

modo, nos mais diversos espaços sociais eles procuravam defender e divulgar seus

conhecimentos, sempre se autoafirmando (STEPHANOU, 1997). Sobre esse

contexto, Schwarcz (1993) ao estudar cientistas e a questão racial no Brasil, entre

1870 e 1930, aponta que o pensamento médico esteve presente e influenciou

discussões em diversas instituições que se dedicavam a ciência ao longo do

território nacional, a exemplo de museus, Faculdades de direito, Institutos Históricos

e Geográficos.

Em razão dessas características do Higienismo e por causa da importância

do campo educacional para o projeto republicano brasileiro, esse movimento se

aproximou dos educadores e instituições escolares, bem como influenciou desde a

formação de professores, programas curriculares, regimentos e legislações

escolares à organização das instituições do sistema de ensino, além de outros

aspectos da educação republicana. Muitos médicos brasileiros atuaram como

professores, diretores de instrução pública e escreveram sobre a educação,

obtendo, dessa forma, reconhecimento tanto no campo médico higienista, quanto no

educacional.

Para a República brasileira, a educação teria o papel-chave na construção

do cidadão republicano portador de valores e costumes civilizados (NUNES, 1996),

dignos da mais alta sociedade europeia, a fim de contribuir para a consolidação e o

progresso da nação brasileira. Nesse entendimento, a educação seria responsável

por:

[...] disciplinar os indivíduos, tornando-os saudáveis e produtivos, por meioda introjeção de novos hábitos e pela vigilância em suas ações. A disciplinados comportamentos sob a forma de vigilância escolar desembocava,assim, na proibição de determinados comportamentos, os quais setornavam repudiáveis, aos olhos da sociedade, a ponto do indivíduodesenvolver em si vergonha diante de certas circunstâncias sociais, o que

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faria com que sofresse um processo civilizador individual, que consistiamem uma das funções do processo civilizador com o qual a escola laica muitocontribuiu. (AZEVEDO; STAMATTO, 2012, p. 100).

Para a consolidação desse projeto nacional, durante o período republicano,

o campo educacional passou a valorizar métodos de ensino mais científicos para a

época, apelando para um caráter formativo que valorizou conhecimentos com base

nas áreas do Nacionalismo, Higiene, Civismo e Educação Moral, entre outros

(AZEVEDO; ROSA, 2018).

A influência das ideias higienistas era abrangente na educação, passando

por diversos aspectos desse fenômeno na sociedade brasileira. A exemplo disso,

trazemos a variedade de temas discutidos na obra Noções de Hygiene para uso das

escolas: livro de leitura para as escolas, publicada em 1914 pelos médicos Afrânio

Peixoto e Graça Couto.

O livro é tido como um dos primeiros manuais de cunho higienista voltados

inteiramente para o âmbito escolar (AZEVEDO; STAMATTO, 2012). Seus autores

pretendiam fornecer um material que orientasse as aulas e fornecesse

conhecimentos relevantes para a atuação do magistério. Em seu prefácio, Peixoto e

Couto (1914) definiram o que seria a Higiene como área de conhecimento, e

defenderam sua importância para a educação:

A Hygiene, estudo da saude e dos meios de lhe obter a conservação,constitue, de há muito, e cada vez mais, uma preoccupação dos governos,das corporações docentes, dos pedagôgos. Todos estão convencidos deque, em tempo, se obtem facilmente da educação popular o que, as máshoras, não se consegue mesmo da medicina, ainda tão deficiente e, porvezes, incapaz. Já passou o proverbio que é melhor prevenir do queremediar. [...]É por isso que em todos os cursos primarios, secundarios e normaes, daEuropa e da America do Norte, noções de hygiene são dadas aos alumnos,como sequência lógica do estudo das sciencias physicas e naturaes. É umcomplemento necessario dos livros de ensino dessas disciplinas.(PEIXOTO, COUTO, 1914, p. 5).

A justificativa dos autores utilizada para a realização desse manual escolar

ilustra, de certa forma, como a Higiene era considerada importante não somente

para médicos, mas para o governo e para os educadores, inclusive em outros países

que, na época, simbolizavam o avanço e um elevado nível elevado de civilidade. A

função principal dessa área de conhecimento, segundo seus autores, era a

conservação da saúde dos indivíduos através da prevenção (ou profilaxia) de

doenças e moléstias causadas por contaminações, epidemias, condições ruins de

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higiene, vícios, maus comportamentos; em resumo, tópicos que foram tratados ao

longo dessa obra.

Ao longo das 660 páginas do livro Noções de Hygiene, Peixoto e Couto

(1914) abordaram os seguintes temas: partes do corpo humano e suas funções;

condições gerais de saúde através de temas relativos ao solo, à água, ao ar, ao

clima, à alimentação, à roupa e à casa; condições especiais de saúde, entre elas, a

criação infantil, a educação, os exercícios físicos, o trabalho, o asseio e aspectos da

vida urbana e rural; danos à saúde e como evitá-los, como os acidentes, doenças

evitáveis e as comuns (PEIXOTO; COUTO, 1914).

Essa obra, assim como a de Chernoviz (1890), mostra a vastidão das

preocupações pertencentes à Higiene, cuja difusão os médicos e educadores da

época defendiam através da educação. O livro Noções de Hygiene e o Diccionario

de medicina popular, ilustram a constatação, já apontada pelas discussões

presentes nos trabalhos de Gondra (2005), Schwarcz (1993), Stephanou (1997) e

Guimarães (2006), de que o a ideologia higienista, para os médicos da segunda

metade do século XIX e das primeiras décadas do século XX, não deveria se

resumir as instituições hospitalares e aos consultórios, devia penetrar em outros

diversos espaços sociais.

A escola republicana foi um desses lugares, pois também se preocupou com

aspectos higiênicos, na perspectiva de que os estabelecimentos de ensino se

tornassem um lugar que não contribuísse para a proliferação de enfermidades e no

adoecimento dos sujeitos que o frequentavam. Os prédios escolares deveriam

possuir condições de higiene, como iluminação solar e ventilação (NUNES, 1996;

AZEVEDO; STAMATTO, 2012). Além disso, as instituições escolares deveriam

provocar a mudança de hábitos na sociedade, conduzindo seus alunos a

simpatizarem e adotarem padrões comportamentais mais civilizados e higiênicos.

Os conteúdos precisariam ter orientações práticas de comportamento para

os alunos, fazendo com que eles incorporassem esses ensinamentos em suas

vidas. Exemplos disso eram os assuntos relacionados a: educação física, que

visavam a construção de práticas corporais saudáveis; e a educação cívica e moral,

que tinham o intuito de formar cidadãos que conhecessem e respeitassem os

símbolos nacionais, que se inspirassem nas vidas das grandes figuras nacionais, as

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quais foram escolhidos pelos autores de livros escolares para refletirem a identidade

brasileira idealizada durante a Primeira República (AZEVEDO; ROSA, 2018).

Nesse contexto histórico, o método intuitivo ou lições de coisas, passa ser

referência para prática pedagógica. Essa metodologia de ensino se baseava em

principalmente em: o professor seria responsável por orientar precisamente os

alunos nas atividades, se utilizando de manuais; as atividades deveriam ser

baseadas em experiências sensoriais que fariam com que os alunos através da

observação intuitivamente aprendessem; a utilização em sala de aula de materiais

concretos, como por exemplo: mapas, globos e gravuras (SAVIANI, 2013),

ampliando as possibilidades de recursos didáticos que poderiam ser utilizados pelos

professores.

Nesse período, surgiu a instituição denominada grupo escolar. Antes desse

modelo existiam no Brasil as escolas isoladas, que compreendiam uma sala e um

professor dedicado ao ensino primário, a turma não era seriada, ou seja, composta

por alunos de níveis de aprendizado diferentes (SAVIANI, 2013; AZEVEDO;

STAMATTO, 2012). Uma ou mais dessas escolas funcionado em mesmo espaço

passavam a compor uma escola reunida. Esses modelos de instituições

educacionais, deram origem aos Grupos Escolares, que eram a junção de várias

escolas isoladas em um mesmo prédio, as principais suas principais características

eram: o ensino seriado, ou seja, as salas organizavam-se por séries ou graus, os

alunos poderiam progredir ou não de uma série para outra a cada ano; os conteúdos

eram ministrados seguindo a ordem dos mais fáceis para os mais complexos; o

ensino se baseava na dedução, memorização, intuição; o professor era autoridade

na sala de aula sobre o aluno; (SAVIANI, 2013) valorização da ideia de que o

espaço escolar deveria ser uma construção adequada para o ensino (NUNES, 1996;

AZEVEDO; ROSA, 2018).

Esse estabelecimento educacional, dedicado ao ensino primário,

simbolizaria o avanço almejado pelo regime republicano, devendo possuir uma

arquitetura ao mesmo tempo higiênica e imponente, refletindo uma modernidade

pedagógica para a época. Segundo Azevedo e Stamatto (2012, p. 31), para a

educação republicana,

exemplos de exigências dessa modernidade pedagógica nas instituições deensino são: a existência de bibliotecas, oficinas, pátio para recreio, prática

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de ensino com base no método intuitivo, bem como o uso de novosmateriais, mobiliário escolar e existência de corpo docente qualificado.(AZEVEDO; STAMATTO, 2012, p. 100).

Essas exigências representavam uma ruptura com o modelo educacional do

antigo regime, o Império, marcado pela figura do mestre escolar e pelos

estabelecimentos de ensino em casas, as quais, muitas vezes, eram as próprias

residências de seus professores. Esses elementos, ideias e transformações

pedagógicas do período república também estiveram presentes na legislação e na

discussão educacional no Rio Grande do Norte e na revista Pedagogium.

3.1 A CIVILIDADE E EDUCAÇÃO NO RIO GRANDE DO NORTE

As elites que estavam no poder, tanto no Rio Grande do Grande como no

restante do país, desejavam a modernização do Estado. Nas terras potiguares,

especificamente, existia por parte do Governo e da elite local um desejo pela adoção

de padrões civilizados e de progresso que contribuiriam para o crescimento local e,

também, para o desenvolvimento da república brasileira.

O contexto histórico-social e econômico do Estado cooperou para o

desenvolvimento tímido de políticas e ações orientados por essas intenções, valores

e ideais da alta sociedade, os quais eram trazidos por filhos da elite potiguar que se

formavam nos cursos de Medicina e de Direito no Rio de Janeiro, Bahia e Recife,

centros das principais discussões aventadas nos mais variados campos (médico,

educacional, judicial, arquitetônico, entre outros).

Esse ideário republicano que se articulava em um espaço geográfico em

direção ao território potiguar, iniciou-se antes da proclamação do regime republicano

no Brasil, sendo predominante até as décadas de 1940 e 1950, quando então foi

criada a maioria das instituições de ensino superior no estado (MONTEIRO, 2015;

SUASSUNA; MARIZ, 2005).

No início da Primeira República, o Rio Grande do Norte passava por uma

crise econômica, da mesma forma que os outros estados do Nordeste (MONTEIRO,

2015, p. 117). Era uma pequena parte do Brasil, essencialmente rural, dependente

de culturas agrárias tradicionais (algodão e açúcar) e cera de carnaúba, distante do

Eixo Sudeste do país e com uma economia menos expressiva se comparada até

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mesmo com outras unidades federativas próximas (SUASSUNA; MARIZ, 2005, p.

205), como, por exemplo, a de Pernambuco.

Além da crise e da pouca expressão econômica do Estado potiguar, havia

outros problemas, como as secas cíclicas, as pragas que atacavam as lavouras, o

banditismo rural e o êxodo do campo massivo em direção ao litoral (MONTEIRO,

2015, p. 124). Ao longo de todo o período da Primeira república, o Rio Grande do

Norte permaneceu essencialmente agrário, marcado por um desenvolvimento

industrial e fabril lento, ganhando aos poucos destaque pela produção de algodão e

sal.

Mesmo sua capital, a cidade de Natal, só começou a se desenvolver com o

regime republicano. Até o ano de 1880, esse município não tinha muitas relações

com o interior da província, iniciando no citado ano a construção de uma ferrovia que

o ligava ao município de Nova Cruz. Posteriormente, nas primeiras décadas do

século XX, foram construídos outros trechos ferroviários, e, no ano de 1915,

começou a se expandir o sistema rodoviário, dinamizando, assim, as relações

comerciais e o tráfego de passageiros (SUASSUNA; MARIZ, 2005, p. 211).

Natal teve um desenvolvimento diferenciado do resto do Rio Grande do

Norte. Sua expansão ocorreu de forma mais acelerada, pois possuía um porto

importante para a economia potiguar, mantendo contato com outros estados e até

com empresas estrangeiras. Além disso, concentrava a maior parte das estruturas

do poder administrativo, legislativo e judiciário, e, não menos importante, foi local da

fundação do Partido Republicano, em 27 de janeiro de 1889, o qual era liderado pela

principal oligarquia do Estado durante a primeira república, os Albuquerque

Maranhão, assumindo lugar de destaque na transição do regime monárquico para o

republicano (SUASSUNA; MARIZ, 2005, p. 215; MONTEIRO, 2015, p. 120).

O principal nome do Partido Republicano e também seu primeiro diretor foi

o médico Pedro Velho de Albuquerque Maranhão. Formado na Faculdade de

Medicina do Rio de Janeiro, atuou também como professor de História Natural do

Atheneu Norte-rio-grandense. Teve um destaque importante para o início da

República em terras potiguares, já que conseguiu consolidar no poder uma

oligarquia que perduraria até 1920 (SUASSUNA; MARIZ, 2005, p. 193), muito tempo

depois de sua morte, ocorrida no ano de 1907. Pedro Velho foi governador do

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Estado entre 15 de novembro a 02 de dezembro de 1889, e entre os anos de 1892 e

1896. Depois, atuou entre os anos de 1897 e 1907 como senador.

Naquele contexto, Pedro Velho foi um divulgador e defensor das ideias

republicanas, tendo sido um dos idealizadores e editor do jornal a República, que

era o órgão oficial de comunicação do governo do Estado, mesmo após a mudança

de governo nacional em 1930. Embora tenha consolidado as estruturas

organizacionais do estado, não executou muitas obras físicas. Mais tarde, seu irmão

Alberto Maranhão daria continuidade ao seu projeto político, durante os mandatos

de 1900 a 1904 e entre os anos de 1908 a 1913 (MARINHO, 2008, p. 26).

Com o mandato de Alberto Maranhão, o Rio Grande do Norte e,

principalmente, sua capital, passam por uma série de mudanças visando à

modernização e à implementação de hábitos mais civilizados. Assim, várias áreas

da sociedade da época sofrem mudanças e é realizada uma ampliação e

diversificação dos serviços públicos.

As mudanças podiam ser lentas, se comparadas ao que ocorria em estados

como Rio de Janeiro e São Paulo, mas as transformações realizadas no espaço

geográfico da capital potiguar simbolizavam, para a sociedade local, certo avanço

para o Estado como um todo:

Entre os melhoramentos feitos na cidade estavam a construção de novosbairros como, por exemplo, a criação da Cidade Nova, entre os anos de1901-1904 e a oficialização em 1911 do já existente bairro do Alecrim. Achegada do bonde movido a tração animal em 1908, a expansão do sistemade águas e esgotos, a introdução da energia elétrica em 1911 e, comoconsequência, a chegada do bonde elétrico. A construção de escolas nacidade também foi fruto das intervenções do governo de Alberto Maranhão,que as defendiam veementemente, atribuindo à escola o papel exclusivo deeducar a infância natalense e de propiciar a obtenção da civilidade tãoalmejada. A escola se insere, portanto, nesse momento, como sendotambém um dos principais e indispensáveis melhoramentos urbanos. Era aescola um símbolo de modernização cultural, a morada de um dos maiscaros valores urbanos a cultura escrita. (FERREIRA, 2009, p. 19).

A educação deveria, primordialmente, cumprir seu papel na construção de

um cidadão civilizado, que se apropriasse de costumes e valores os mais

avançados, proporcionando orientações de hábitos saudáveis fisicamente,

moralmente e intelectualmente.

Esses padrões sociais deveriam ser aqueles defendidos nos grandes

centros do país e que se espelhavam nos modelos europeus, principalmente

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franceses, sendo considerados, pela elite, fundamentais para o fortalecimento da

república brasileira. Porém, ela deveria ser também uma construção imponente que

simbolizasse os ideais de progresso e higiene da República. Logo, não é de se

estranhar que o Grupo Escolar modelo “Augusto Severo” fosse fundado no ano de

1908, em frente à praça de mesmo nome, e ao lado do teatro Carlos Gomes

(posteriormente, chamado de Teatro Alberto Maranhão) (AZEVEDO; STAMATTO,

2012). Na figura 1 podemos ver a fachada desse grupo escolar:

Fonte: Departamento de Instrução Pública do Rio Grande do Norte, 1927

Notasse na fachada desse prédio colunas na entrada principal, inúmeros

detalhes na frente da construção próximo ao teto, estatuas em cima da entrada,

janelas grandes, algumas árvores ao redor da escola. Elementos que apontam para

um cuidado/esmero na construção desse grupo escolar, um prédio que atendesse

não só as exigências educacionais, mas que harmonizasse com outras construções

do centro da cidade, ou seja, que não fosse apenas funcional, mas demonstrasse

beleza.

Figura 1 - Grupo Escolar Augusto Severo

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59

O Rio Grande do Norte, no início do período republicano, já contava com o

Atheneu Norte-rio-grandense ofertando o ensino secundário, com a Escola Normal

de Natal, a qual funcionava no mesmo prédio que o Grupo Escolar Augusto Severo,

reaberta em 1908 com a função de formar professores para a escola primária do

estado (FERREIRA, 2009, p. 99), e também, com a Escola Normal de Mossoró

criada em 1922 (ARAÙJO, 1979, p. 169). Em 1914, foi fundada a Escola Doméstica

de Natal. No decorrer da Primeira República, foram criados 39 grupos escolares no

Estado (AZEVEDO, STAMATTO, 2012, p. 43, 44). No final da década de 1920, o

Estado contava com escolas rudimentares, federais, isoladas, reunidas,

subvencionadas, noturnas, não-subvencionadas, municipais e profissionais.

Durante a Primeira República, houve um aumento no número de

estabelecimentos de ensino e de matrículas no território potiguar. Se tomarmos

apenas o ensino primário, por exemplo, teremos um indício desse crescimento do

sistema educacional norte-rio-grandense, conforme demonstrado na Tabela 1:

Tabela 1 - Números de estabelecimentos de ensino primário e de matrículas nessamodalidade no Rio Grande do Norte de 1872 a 1930

Ano Estabelecimentos deensino primário

Matrículas

1872 91 2.9281907 174 8.5361925 454 18.9761930 524 31.0811937 600 44.492

Fontes: IBGE, 1986, p. 108; RIO GRANDE DO NORTE, 1925, p. 23, 24; RIO GRANDE DO NORTE,1930, p. 58, 59.

Apesar do desejo de modernidade e civilidade, durante as primeiras três

décadas do século XX, a maior parte da população não era atendida pelo sistema de

instrução local. A educação no Rio Grande do Norte da Primeira República refletia a

condição econômica do Estado. Uma das evidências desse contexto histórico-social

diz respeito ao índice local de alfabetização. A Tabela 2 mostra a gravidade da

educação norte-rio-grandense, computada entre os anos de 1872 e 1940:

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Tabela 2 - Índices de alfabetização no Rio Grande do Norte de 1872 a 1940

Ano População total Habitantesanalfabetos

Porcentagem deanalfabetismo na população

1872 233.979 194.150 83%1890 268.273 227.025 84,6%1900 274.317 218.393 79,6%1920 541.240 440.720 82,1%1940 641.320 467.237 72.8%

Fontes: IBGE, 1986, p. 5, 13; IBGE, 1950, p. 71, 122.

A Tabela 2 mostra que a maior parte da população potiguar continuou

analfabeta durante a Primeira República, visto que as ações do governo local não

conseguiram acompanhar o ritmo de crescimento populacional. A maioria da

sociedade potiguar, a qual pertencia às camadas com menos recursos financeiros,

continuaram sem saber ler e escrever mesmo em uma sociedade que almejava se

tornar civilizada.

Para tentar atender às camadas populares, foram criados os Caixas

Escolares pela Lei n.º 405 de 29 de novembro de 1916 (RIO GRANDE DO NORTE,

1917, p. 97). Os Caixas eram órgãos anexos aos grupos escolares, responsáveis

por prestar assistência aos alunos pobres que tinham dificuldade de acesso a essas

instituições, uma vez que não possuíam dinheiro para transporte, alimentação,

materiais escolares, exames médicos.

Esse contexto de fragilidade econômica, desigualdade social e elevado

índice de analfabetismo no território norte-rio-grandense, nos fornece indicativos do

distanciamento entre aquilo que era almejado pelos discursos republicanos dos

grupos hegemônicos e as ações realizadas no espaço potiguar. A intenção

modernizadora e a preocupação com uma construção de uma população civilizada

eram, muitas vezes, limitadas aos discursos proferidos pelas elites locais:

Apesar de muitos ideais das elites se projetarem em possíveis açõesfuturas, pequenas mudanças já se mostravam significativas, assim comoera significativo para as elites vigentes o contínuo investimento em açõespúblicas e privadas sobre o espaço da cidade. Transformar a cidadeconforme o ideal de civilidade buscado pelas elites locais implicava emmudanças estruturais que exigiam altos recursos do Estado, que muitasvezes não podia arcar com os custos. Mas a entrada da cidade do Natal nopadrão de civilização exigido pelas elites não envolvia apenas questõesmateriais. A população não poderia estar presa a hábitos vistos pelas elitescomo arcaicos, anti-higiênicos ou imorais. Portanto, era preciso enquadrar a

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população natalense dentro dos padrões de civilidade adotados pelosgrupos de elite. (MARINHO, 2008, p. 57).

Devido à falta de acesso de parte da população à educação, outras

instituições acabavam por ocupar essa função, através de tentativas diversas das

elites de civilizar a sociedade (FERREIRA, 2009, 2019; MARINHO, 2008). Muitas

vezes, essas instituições não escolares prestavam serviços de saúde, assistência ou

de fiscalização para o governo. De alguma forma, elas acabavam por tentar orientar

ou corrigir a população sobre os hábitos que esta deveria adotar, de que forma

poderia usar os espaços da cidade e como a sociedade deveria se relacionar com a

saúde.

Entre as instituições de saúde e assistência em atuação nas primeiras

décadas do século XX, podemos citar o Hospital de Caridade Juvino Barreto,

inaugurado no ano de 1909; o Asilo da Piedade de Natal, reestruturado em 1911; o

Instituto de Proteção e Assistência à Infância do Rio Grande do Norte, fundado no

ano de 1917; o Orfanato Padre João Maria, criado em 1920; além da reestruturação

dos serviços de Higiene e Saúde Pública (FERREIRA, 2009; 2019).

Um exemplo de uma iniciativa de divulgação de costumes baseados pela

Higiene no período estudado foi a publicação do pequeno manual intitulado

“Cinquenta pequenos conselhos de hygiene infantil para uso das mães pobres”.

Essa obra foi publicada em 1920 pelo Instituto de Proteção e Assistência à Infância

do Rio Grande do Norte e trazia diversas orientações para o recém-nascido, entre

elas:

Alimentar a a criança apenas doze ou vinte e quatro horas após onascimento; a exclusividade do leite materno como único alimento do bebênos primeiros meses de vida; toda mãe tem o dever moral de amamentar ofilho; o leite materno faz não só aumentar depressa o peso da criança, comopermite que, mais tarde, o estomago dela possa digerir sem sacrifício asfarinhas alimentares; as crianças alimentadas a horas determinadas sãomais sadias do que as que não tem “regimen alimentar”, menino só devecomer quando tem fome e não toda vez que chora; a mãe que amamentanão deve passar a noite inteira amamentando o filho, mesmo que este sejafraco e de pouca idade; a primeira refeição diária da criança de peito deveser depois das quatro da madrugada e a última, antes das dez da noite; asmães que amamentam devem ter, pelo menos, seis horas de descanso nocorrer da noite; na primeira semana, a alimentação do recém-nascido deveser muito espaçada (de 4 em 4 horas), do fim da primeira semana ao fim do3º mês, a criança fará 8 refeições ao dia (de 2 em 2 horas), do fim do 3ºmês ao fim do 6º, 7 refeições (2¹/² em 2¹/²horas), do fim do 6º ao fim do 1ºano, 6 refeições (de 3 em 3 horas); na falta do leite materno, as mães nãodevem dar as crianças, de poucos meses, o leite da vaca puro, por ser

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muito pesado; menino só pode tomar leite de vaca puro, depois do 4º mêsde vida, caso não sofra de nenhum problema intestinal, etc. (FERREIRA,2019, p. 97).

Pode-se notar nesses conselhos a preocupação dos profissionais dessa

instituição em orientar o comportamento das mães com o intuito de melhorar a

saúde das crianças pobres. Porém, como a própria historiadora Yuma Ferreira

(2009) discute e argumenta, esse tipo de ação teria tido pouco impacto devido à

grande quantidade de analfabetos e a dificuldade de acesso à educação dessa

camada da população.

O contexto norte-rio-grandense, no final do século XIX e nas três primeiras

décadas do século XX, nos aponta dois lados das ações adotadas pelo governo e

pela elite local para tentar alcançar a civilidade por eles desejada.

O primeiro lado foi o da elite, a qual teve acesso à educação e a bens

culturais onde as ideias civilizatórias e higienistas estiveram mais presentes. O outro

é o lado das classes mais pobres, que detinham pouco acesso à educação nesse

período, tendo contato com as ideias defendidas pela camada dominante da

sociedade muito mais através de serviços de saúde, pelas transformações do

espaço urbano e por ações de caridade, do que pelas instituições educacionais.

Contraditoriamente, não obstante os discursos animados em defesa do refinamento

social, as medidas educacionais voltadas para esse objetivo não ocorreram na

mesma intensidade.

A partir da discussão desse contexto social, político e econômico, podemos

ter mais elementos para analisar com assertividade a legislação educacional criada

no Rio Grande do Norte durante a Primeira República, investigando que ideias

pedagógico-higienistas estiveram presentes nas leis e decretos, e quais as suas

finalidades.

3.2 ASPECTOS PEDAGÓGICOS-HIGIENISTAS NA LEGISLAÇÃO

EDUCACIONAL

Baseados na taxonomia da fonte descrita por Barros (2012), podemos

analisar a legislação educacional potiguar da Primeira República em sua

especificidade. Trata-se de um documento legal, criado pelo Estado, com a intenção

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de regulamentar a educação de acordo com a visão dos governantes e dos seus

agentes aliados; um texto oficial que visa normatizar as práticas educacionais, não

sendo criado originalmente para ter a função de fonte histórica, ou seja, um tipo de

determinação pública que visa fazer com que os sujeitos e as instituições adotem

certas práticas, estruturas, comportamentos, conteúdos e materiais escolares.

Ao analisar a legislação educacional do Rio Grande do Norte, precisamente

entre 1892 a 1925, auxiliados pela metodologia da taxionomia dos registros

históricos (BARROS, 2012), e baseados no entendimento de documento postulado

por Le Goff, podemos pensar as leis, decretos e regimentos não como um registro

autossuficiente do que aconteceu no passado. Ademais, fundamentados no conceito

de civilidade de Elias (1994), procuramos debater a legislação como instrumento

governamental de implantar seu modelo educacional. Assim, a proposta é entender

como leis, decretos, regimentos escolares, entre outros, tentaram fazer com que os

indivíduos adotassem práticas e valores civilizados e higiênicos.

O ensino do norte-rio-grandense começou a ser reorganizado no período

republicano, durante o primeiro ano de governo de Pedro Velho de Albuquerque

Maranhão, no ano de 1892. A Lei n.º 6, tornada pública em maio daquele ano,

autorizou o governador a reformar o ensino, permitindo a constituição de uma

“Directoria da instrucção publica” e de sua secretaria, a reforma do Atheneu e a

criação de um curso profissional anexo a essa instituição (RIO GRANDE DO

NORTE, 1896a, p. 13).

A partir dessa lei, a instrução pública potiguar pode ser remodelada aos

interesses do regime republicano e de seus governantes. Apesar de ser uma lei

com uma redação de menos de duas páginas, podemos perceber a preocupação

com a qualidade dos professores e com aspectos de civilidade, pois sua redação

indicava que os profissionais deveriam possuir “necessária preparação litteraria,

uma boa educação moral e cívica” para atuar no curso profissional.

Nesse mesmo ano, foi criada também uma Repartição Sanitária do Estado

pela Lei n.º 14 do 11 de junho de 1892. Por mais que essa lei não fosse voltada para

a área da educação, ela teve impactos nas instituições escolares, haja vista que,

além de pensar, executar e avaliar medidas de higiene e saneamento pública, esse

órgão do estado era também responsável por:

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g) A inspecção das escolas, repartições publicas fabricas, estabelecimentosde emprezas, officinas, hospitaes, lazaretos, hospícios, prisões, quartéis,estabelecimentos de caridade beneficencia, arseanes,azilos e quaesquerhabitações copectivas, publicas ou particulares; [...] k) A fiscalisação dos trabalhos de utilidade publica, dos cemiteiios, e cietodas as construcções publicas e particulares que possam comprometter osinteresses da saiíde publica. (RIO GRANDE DO NORTE, 1896, p. 26).

Nesse sentido, podemos perceber uma preocupação com o espaço escolar

em relação aos princípios da higiene, mesmo que advinda de uma lei que não era

educacional. Ainda no ano de 1892, foi instituído o Regulamento Geral da Instrução

Pública pelo Decreto n.º 18 de 30 de setembro (MARANHÃO; CAMARA, 2010).

Essa norma teve como base legal a Lei n.º 6 efetivada em de 30 de maio do mesmo

ano. O ensino era dividido em primário, secundário e normal (que compreendia o

curso profissional, voltado para a atuação no magistério e ofertado pelo Atheneu

Norte-Rio-Grandense)

Nesse regulamento, as condições higiênicas dos espaços escolares

passaram a ser um dos critérios da criação e do posterior funcionamento das

instituições de ensino. Segundo o Decreto n.º 18 de 30 de setembro de 1892, para a

criação de estabelecimentos de ensino particular, seria necessária a apresentação

de vários documentos, entre eles, o “certificado das boas condições higiênicas do

edifício, passando pelo respectivo delegado escolar” (MARANHÃO; CAMARA, 2010,

p. 269).

Por meio desse decreto, foi criado o cargo de Delegado Escolar, cujas

principais atribuições eram: fiscalizar as condições das instituições de ensino;

orientar os professores; aplicar punições sobre irregularidades encontradas; e

informar a Diretoria Geral de Instrução Pública das condições de ensino encontradas

e melhoramentos que seriam necessários.

De acordo com o Artigo 31, segundo parágrafo, os delegados escolares

deveriam “inspecionar rigorosamente os estabelecimentos de ensino público

primário, secundário ou outros, abrangendo na sua inspeção, a parte material e

técnica e as condições higiênicas do local” (MARANHÃO; CAMARA, 2010, p. 275).

Essas informações deveriam ser registradas em termos de visita; todavia, não são

especificadas quais eram as condições de higiene a serem observadas. Essa

indicação sobre a higiene escolar também é notada no artigo 112:

Page 65: AS IDEIAS PEDAGÓGICO-HIGIENISTAS NA REVISTA

65

Nos municípios em que o Estado não possuir casas próprias para asescolas, funcionarão estas em casas alugadas, devendo ser antesexaminadas pelos delegados escolares que verificarão se elas oferecem ascondições higiênicas indispensáveis, se tem lugar próprio para o recreio dosalunos e outros requisitos exigidos para instalação escolar. (MARANHÃO;CAMARA, 2010, p. 289).

Dessa forma, o Estado Potiguar normatizou o prédio escolar como um lugar

que deveria ser adequado para o ensino; portanto, não poderia ser um espaço

qualquer. Este deveria ser limpo, organizado e permitir a realização de atividades

fora dos ambientes internos do prédio, já que um dos componentes do ensino

primário era a Ginástica (MARANHÃO; CAMARA, 2010, p. 277). Essa era uma

disciplina que ganhou força no período republicano, sendo defendida por

educadores e higienistas como elemento importante para o desenvolvimento

humano de forma saudável.

A intenção do Governo estadual em relação ao espaço escolar também

esteve presente na função do professor. Esses profissionais, além de ensinar,

deveriam cuidar para que a escola estivesse em estado de asseio. Para que isso

fosse possível e para a aquisição de água, receberiam auxílio anual junto de seus

vencimentos (MARANHÃO; CAMARA, 2010, p. 281, 289).

Os professores, ao assumirem seus cargos no magistério, deveriam ter

titulação do curso profissional oferecido pelo Atheneu ou serem aprovados em

concursos. Porém, não poderiam exercer o magistério aqueles que sofriam com

doenças contagiosas ou que não haviam sido vacinados (MARANHÃO; CAMARA,

2010, p. 279). Tal requisito profissional vinculou a atuação pedagógica desses

sujeitos com as suas condições de saúde. Dessa maneira, o Governo deu a

atribuição para que os espaços escolares contribuíssem com a não propagação de

doenças, ou seja, para auxiliarem nas medidas profiláticas em terras potiguares.

A recusa de matrícula de alunos poderia ser feita pelo mesmo motivo, já que

os candidatos deveriam apresentar aos professores um boletim assinado pelo

responsável, declarando, entre outras informações, um “certificado médico

atestando que não sofre doenças que possam prejudicar aos outros alunos e que é

vacinado” (MARANHÃO; CAMARA, 2010, p. 288). No contexto da época, isso

poderia ter significado a exclusão de alunos por não possuírem recursos materiais

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66

para acesso a serviços de saúde, ou pelo sistema de assistência médica, que era

pequeno no Estado.

O Regulamento da Secretaria de Instrução Pública do Rio Grande do Norte

só foi aprovado em 1984. Em seu texto aparecem, de forma discreta, duas normas

referentes a procedimentos de higiene. A primeira, no Artigo n.º 5 (DIRECTORIA

GERAL DA INSTRUCÇÃO PUBLICA, 1894, p. 5), atestando que uma das

atribuições do “porteiro-arquivista” era cuidar do asseio interno da secretaria, sendo

uma indicação que o espaço deveria ser limpo. A segunda, no Artigo n.º 14

(DIRECTORIA GERAL DA INSTRUCÇÃO PUBLICA, 1894, p. 7), estava relacionada

à justificativa de faltas, pois elas poderiam ser feitas pelo motivo de doença do

empregado ou de algum de seus familiares, evitando, assim, a propagação de

moléstias.

A preocupação do Estado em relação à limpeza dos espaços escolares

durante o governo de Pedro Velho também estava presente nas leis orçamentárias.

Parte do orçamento foi destinado para o “Ensino primário, inclusive água e asseio

das escolas”, nas seguintes leis: Lei n.º 30 de 13 de setembro de 1893 para o

orçamento do ano de 1894; Lei n.º 54 de 12 do fevereiro de 1895 para esse mesmo

ano; e Lei n.º 75 do 9 do setembro de 1895, orçando os recursos para 1896 (RIO

GRANDE DO NORTE, 1896a, p. 61, 79, 98).

No final do governo de Pedro Velho de Albuquerque Maranhão, foi instituído

um novo Regulamento Geral da Instrução Pública pelo Decreto n.º 60 de 14 de

fevereiro de 1896. O citado documento foi construído a partir das atribuições

concedidas pela Lei de 30 de agosto de 1895, “comtanto que das alterações feitas

não advenha maior onus para os cofres do Estado” (RIO GRANDE DO NORTE,

1896a, p. 89).

As diretrizes para Instrução Pública instituídas por esse documento eram

semelhantes às indicações da organização anterior, estabelecida pelo Decreto n.º 18

de 30 de setembro de 1892. Uma das poucas mudanças foi a maior exigência para

os professores possuírem cursos profissionalizantes para o magistério e a realização

de concursos (RIO GRANDE DO NORTE, 1896b, p. 14-16).

Também se percebe que, em relação às exigências pedagógico-higienistas,

não houve muitas alterações entre os textos oficiais para instrução publicados em

1892 e 1896. A única mudança significativa foi a retirada da Ginástica como

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67

componente do Ensino Primário. Outro ponto que podemos notar é uma descrição

mais clara da atribuição dos delegados escolares: inspecionar as escolas,

observando, entre outros pontos, “condições hygienicas e pedagogicas da sala de

trabalhos e dependencias, estado de conservação e asseio” (RIO GRANDE DO

NORTE, 1896b, p. 29). Além disso, eles poderiam, com a autorização da Diretoria

Geral de Instrução, alugar casas para o funcionamento de escolas, desde que elas

atendessem a essas condições (RIO GRANDE DO NORTE, 1896b, p. 13).

Apesar da normatização de aspectos educacionais baseados na higiene, os

regulamentos da instrução pública de 1892 e 1896 não possuíam um capítulo

específico para essa finalidade. As exigências de higiene eram apresentadas ao

longo de seus tópicos, além de que não foram descritas de forma detalhada. Um

exemplo é a questão do prédio escolar, que, segundo a instrução, deveria

apresentar condições adequadas, embora não sejam listadas nos textos e normas

oficiais quais seriam essas obrigações. Mais que isso, não constava em seus artigos

o local onde deveria ser construído o prédio e que estrutura ele deveria possuir; se

os delegados escolares observariam somente a limpeza do estabelecimento e

estrutura, ou se levariam em conta também, por exemplo, o acesso à água potável,

entre outros eixos possíveis de serem avaliados.

No começo do século XX, devido à municipalização do ensino, o Estado do

Rio Grande do Norte se distanciou da organização e da fiscalização do ensino, em

decorrência da municipalização do sistema de instrução pública, o que acarretou a

dissolução de sua Diretoria Geral (ARAÚJO, 1979, p. 186). Esse contexto culminou

em uma nova reforma da instrução pública potiguar, autorizada pela Lei n.º 249 de

22 de novembro de 1907, durante o Governos de Antônio José de Mello e Souza

(RIO GRANDE DO NORTE, 1908, p. 5).

A reforma começou no segundo mandato do Governador Alberto Maranhão,

através do Decreto n.º 178 de 29 de abril de 1908, que reestabeleceu a Diretoria

Geral da Instrução Pública, criou os grupos escolares, escolas mistas e a Escola

Normal (RIO GRANDE DO NORTE, 1909, p. 46). Isso representou uma grande

mudança na proposta das instituições locais de ensino primário e para formação dos

profissionais do magistério da época, seguindo a tendência das mudanças

educacionais que estavam sendo implementadas em vários estados do Brasil

durante a Primeira República.

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A Lei n.º 284 de 30 de novembro de 1909 prosseguiu nessa reforma da

instrução potiguar iniciada em 1908 (RIO GRANDE DO NORTE, 1910, p. 20). Nesse

documento, foram mantidas as condições de higiene como critérios a serem

observados na criação e na manutenção de estabelecimentos escolares. As

mudanças em relação às reformas anteriores foram as seguintes: os grupos

escolares; a Escola Normal; a Escola de Música; a criação da figura do inspetor

escolar, que dividiria as funções da inspeção oficial do ensino junto com os

delegados escolares; e a preferência para contratação de professores no ensino

primário seria daqueles titulados pela Escola Normal.

Posteriormente, o Código de Ensino foi aprovado pelo Decreto n.º 239 de 15

de dezembro de 1910, passando o ensino a ser dividido nas seguintes modalidades:

Curso Primário (infantil e elementar); Curso Normal; Curso Geral; e Ensino

Profissional (RIO GRANDE DO NORTE, 1911, p. 119). No Título II desse decreto, o

qual tratava do Ensino Primário, o texto também manteve as exigências higiênicas

para o espaço escolar que eram indicadas nos regulamentos anteriores de 1892 e

1896; dessa vez, porém, com um tópico específico para esse tema, trazendo uma

descrição mais detalhada de como os estabelecimentos deveriam ser estruturados:

7º Da edificação e mobilha Art. 44º Os edifícios das escolas serão situados em terreno elevado esecco, isolados de outros prédios, afastados dos centros de grandeactividade industrial, de pantanos e logares suspeitos. Art. 45º Os prédios, elegantes, modestos, bem arejados e banhados pelosol, terão salas de aula, para quarenta alumnos no máximo, sob a formarectangular, medindo, pelo menos, seis metros .de largura por sete decomprimento, com um pé direito de quatro metros, ou sejam de mais dequatro metros cúbicos para cada alumno. Art. 46º Haverá no edifício as aberturas necessarias para que as classesrecebam a luz da maneira mais conveniente. [...] Art. 48º Cada sala de aula terá como dependencia um vestuário guarnecidode cabides. Art. 49º Os prédios terão compartimento para directoria e archivo e umaarea descoberta para recreio, com divisões para cada sexo. Art. 50° Em falta de esgottos públicos, as latrinas constarao de uma fóssaséptica ou reservatório estanque, onde as matérias organicas purifiquem-sepelos _ proprios microbios. Na falta destas, serão contruídas fóssasordinárias, com paredes impenetráveis aos liquidos, os quaes se deveesvasiar e desenfectar frequentemente. Art. 51º Todas as carteiras e bancas de elevação facultativa, serãoproporcionadas á estatura dos educandos e construídas de maneira agarantir a saude, facilitando a vigilância do professor e a responsabilidadeindividual do alumno. [...]

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Art. 53º Nenhum estabelecimento de instrucção poderá ser inaugurado semo parecer do respectivo inspector de ensino, depois de rigorosa verificação.(RIO GRANDE DO NORTE, 1911, p. 125, 126).

Nesse fragmento, podemos notar uma descrição minuciosa da estrutura

higiênica que a escola deveria possuir. O espaço físico era idealizado para evitar a

exposição dos alunos a substâncias e atividades prejudiciais, prevenir doenças pela

contaminação de água e dejetos das necessidades fisiológicas, além de dificultar a

propagação de moléstias pelo ar; um espaço que contribuísse para a manutenção e

o desenvolvimento da saúde e do aprendizado do aluno, no qual todos os seus

elementos, inclusive a mobília escolar, deveria ser adequada para essa finalidade. A

inspeção desses aspectos e outros descritos no código de ensino seriam feitas

através de visitas do Diretor Geral, de Inspetores e dos delegados escolares.

Para esse Código de Ensino, a instrução primária deveria ser proporcionada

de acordo com as “condições phsyo-psycoogicas do educando com o triplice fim

intellectual, moral e physico, consoante a pedagogia experimental e processos da

pedagogia” (RIO GRANDE DO NORTE, 1911, p. 121). Percebe-se que o ensino

primário foi concebido para uma formação não somente acadêmica dos alunos, mas

também deveria contribuir para sua civilidade e saúde física.

O ensino primário público ficaria sob o encargo dos Grupos Escolares,

Escolas Isoladas e Noturnas. Esses estabelecimentos deveriam adotar o regime da

Escola Modelo – o Grupo Escolar Augusto Severo – criado pelo Decreto n.º 174 de 5

de março de 1908 (RIO GRANDE DO NORTE, 1909, p. 31). Em seu regimento

interno, estavam contidas orientações pedagógico-higienistas na descrição geral de

como deveria ser o ensino:

Art. 13º Com o triplice fim intellectual, moral e physico, a instrucção seráproporcionada ao desenvolvimento espontâneo das faculdades doeducando. Art. 14º As licções serão concretas, variadas, concisas e accessiveis áintelligencia dos meninos, terminando antes de se manifestarem signaes defadiga. […] Art. 16º A instrucção moral, destinada á formação do caracter, deveráobjectivar-se nos actos ordinarios da vida escolar e social, sob a fórma deprelecções e nos trechos destinados á leitura e escripta. Art. 17º A educação physica terá apenas em vista auxiliar odesenvolvimento physiologico em livres jogos recreativos e hygienicos e emexercícios de gymnastica sem apparelhos. (RIO GRANDE DO NORTE,1909, p. 33, 34).

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70

Esse trecho indica que o desenvolvimento no ensino primário não deveria

passar somente pelo aprendizado das primeiras letras ou da matemática. Podemos

perceber que a Instrução Pública potiguar, nas primeiras décadas do século XX,

pretendeu civilizar o corpo e a mente dos alunos, ou seja, estabelecer um tipo de

cidadão que pudesse contribuir para o país. Dessa forma, o Governo local estava

alinhado com as discussões educacionais que ocorriam em âmbito nacional.

No ano de 1914, um regimento foi aprovado para os grupos escolares e

escolas isoladas (DIRECTORIA GERAL DA INSTRUCÇÃO PUBLICA, 1914),

portando uma estrutura parecida com o regulamento interno do Grupo Escolar

Augusto Severo do ano de 1908. Esse regimento possuía uma descrição mais

detalhada acerca das obrigações dos professores e alunos.

Os professores continuavam sendo responsáveis pela limpeza do espaço

escolar, e eles próprios deveriam apresentar-se com asseio (DIRECTORIA GERAL

DA INSTRUCÇÃO PUBLICA, 1914, p. 19, 20). Além dessas obrigações, nesse

Regimento de 1914 foram acrescentados os seguintes deveres aos professores:

Art. 20 – Ao entrar em classe, após o cântico e a chamada, o professorpassará revista de asseio aos alumnos, verificando si estão banhados, deunhas e cabellos aparados, olhos, ouvidos, nariz, bocca, dentes, mãos eroupas asseiados. No caso de encontrar um alumno que careça destalimpeza, mandal-o-á fazel-a na escola, (si fôr possivel), ou em sua propriacasa, sem todavia o expôr ao ridiculo, mas recommendando sempre ditoscuidados aos alumnos e a seus paes e responsáveis. (DIRECTORIAGERAL DA INSTRUCÇÃO PUBLICA, 1914, p. 10).

Dessa forma, os profissionais do magistério tornam-se sujeitos responsáveis

pela limpeza do seu local de trabalho, pelo cuidado de sua saúde e higiene. Além

disso, configuram-se agentes encarregados de fiscalizar os hábitos higiênicos de

seus alunos, orientando, caso fosse necessário, aqueles alunos que ainda não

tinham adotado esses padrões de comportamento, considerados civilizados para a

época. Notemos que até a família desses alunos deveria ser alvo dessas

recomendações dos professores. Essa constatação nos fornece, assim, indícios

para percebermos que, na visão do Estado, até o âmbito privado também deveria

ser influenciado pela educação escolar.

No Regimento para os grupos escolares e escolas isoladas do ano de 1914,

perpetuou como condição para matrícula a exigência de que os alunos fossem

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71

vacinados ou já tivessem sofrido varíola, e não sofressem de moléstias contagiosas.

Além disso, os educandos deveriam apresentar-se com asseio (DIRECTORIA

GERAL DA INSTRUCÇÃO PUBLICA, 1914, p. 12-14). Com isso, o aluno era

obrigado a adotar hábitos de higiene e saúde para ter acesso e permanecer

frequentando as aulas.

Além do Código de Ensino aprovado pelo Decreto n.º 239 de 15 de

dezembro de 1910, foram criados outros dois, que possuíam estruturas muito

semelhantes entre si, a saber: o Código criado pelo Decreto n.º 261 de 28 dezembro

de 1911 (RIO GRANDE DO NORTE, 1912, p. 90); e aquele instituído pela Lei n.º

359 de dezembro de 1913 (RIO GRANDE DO NORTE, 1914, p. 101).

Em relação às normatizações pedagógico-higienistas, não houve mudanças

entre esses três documentos. Foram realizadas apenas algumas mudanças gerais:

por exemplo, a partir de 1911, o ensino passou a ser dividido em Curso Primário

(infantil e elementar; isolado), Curso Normal, Curso Geral e Cursos profissionais

(RIO GRANDE DO NORTE, 1911, p. 119).

Em 1916, no governo de Joaquim Ferreira Chaves, foi instituído um novo

Código de Ensino pela Lei n.º 405 de 29 de novembro de 1916. O ensino público

sofreu a seguinte divisão: o ensino primário, correspondente aos cursos graduados

(infantil, elementar e complementar), ofertados pelos grupos escolares e escolas

isoladas (poderiam ser masculinas, femininas, mistas, diurnas ou noturnas); o ensino

profissional, que seria oferecido pela Escola Normal; e o ensino secundário, a ser

ofertado pelo Atheneu Norte-Rio-Grandense (RIO GRANDE DO NORTE, 1917, p.

29-31).

Esse texto oficial era mais extenso que os códigos anteriores, possuindo 233

artigos, os quais normatizavam, também, os aspectos pedagógico-higienistas que

estavam em vigor antes de sua aprovação, porém, reservando mais tópicos e

capítulos específicos para elementos higienistas.

O capítulo III do “Título 1º” deste código tratou sobre a criação de

estabelecimentos de ensino, indicando que um dos aspectos de criação e

manutenção dessas instituições era o cumprimento das condições de higiene

adequadas (RIO GRANDE DO NORTE, 1917, p. 31). O capítulo V desse mesmo

título faz uma descrição de como deveriam ser os prédios escolares, muito

semelhante àquela realizada no decreto n.º 239 de 15 de dezembro de 1910.

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72

Outra seção dedicada a orientações pedagógico-higienistas é o “Título 9º”, o

qual versou sobre a higiene escolar. O “Título 9º” foi organizado em duas partes

principais. Uma delas descreve alguns procedimentos de higiene que deveriam ser

seguidos pelos estabelecimentos e escolas de modo geral:

I. A agua potável deve ser filtrada ou fervida; [...] IV. Durante o recreio e após a retirada dos alumnos, deverão ser abertastodas as janellas, afim de serem arejadas as aulas; V. A limpeza do assoalho ou pavimento será feita diariamente ; VI. O pavimento deverá ser lavado semanalmente com o liquido antisépticomais apropriado e as paredes caiadas, pelo menos, uma vez por anno, naepoca das ferias; VII. A desinfeção das latrinas será feita diariamente, sendo tambémdesinfectados semanalmente os bancos, carteiras e paredes das salas deaulas ; VIII. O asseio dos alumnos deve ser verificado á chegada da Escola ; IX. O uso do fumo deve ser francamente combatido ; X. A gymnastica educativa é obrigatória, sendo, porém, evitados osrespectivos exercícios, em seguida ás refeições ; Art. 202.—A vacinação e a revacinação, como meio preventivo da variola,devem merecer toda a attenção e ser aconselhadas pelos professores edirectores. Art. 203.-O s alumnos que contrahirem moléstia transmissível ourepugnante serão afastados da escola ou estabelecimento quefrequentarem, até que desappareçam as causas que motivaram tal medida. § 1º—Occorrendo um caso de moléstia suspeita, será o facto levadoimmediatamente ao conhecimento da autoridade sanitaria ou do presidenteda Intendência. § 2º—Esta notificação é obrigatória ; e incorre na multa de 10S000 a20$000 o professor ou director do estabelecimento que a não fizer. § 3º—Nos casos de apparecimento de sarampo ou de coqueluche, as aulasdeverão continuar a funcionar com qualquer numero de alumnos, sendoafastados da escola os acommettidos dessas moléstias e desinfectados osmoveis e salas de aula, como medida preventiva, fazendo-se logo a devidaparticipação ao director geral da Instrucção Publica. (RIO GRANDE DONORTE, 1917, p. 86, 87).

Com a inserção desses procedimentos no regulamento de ensino, as

instituições escolares começaram a conter normas legais que as orientaram de

forma mais clara e minuciosa. As instituições passaram a ser obrigadas, por lei, a

adotarem uma organização e hábitos voltados à manutenção da higiene e à

preservação da saúde, sob a pena de serem punidas em caso de descumprimento.

O “Título 9º” da Lei de n.º 405 de 29 de novembro de 1916 também instituiu

a Inspeção Médico-Sanitária. Ela seria voltada tanto para estabelecimentos públicos

quanto particulares de ensino, e seria feita pelos delegados da Inspetoria de Higiene

do Estado. Essa fiscalização teve como finalidades:

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73

a) a indicação das medidas hygienicas e administrativas quanto á situação econstrucção dos edifícios escolares; b) a escolha, de accordo com a directoria geral da Instrucção Publica, domobilario escolar, das posições e attitudes escolares, bem como adisposição das matérias de estudo, das horas de aula, dos recreios eexercicios physicos; c) a prophilaxia das moléstias transmissíveis; d) o exame individual dos doentes, alumnos e empregados. e) a vaccinação e revaccinação do pessoal das escolas. (RIO GRANDE DONORTE, 1917, p. 88).

Essa inspeção específica para higiene e saúde de instituições escolar

indicou que esses aspectos deveriam ser avaliados por profissionais que não

pertenciam à Diretoria Geral da Instrução pública, com formação específica, algo

que já tinha sido indicado pela Lei n.º 14 do 11 de junho de 1892 (MARANHÃO;

CAMARA, 2010), mas de forma muito aberta.

A partir do ano de 1916, a Inspetoria de Higiene do Estado poderia adentrar

no espaço escolar, podendo interferir e orientar em sua organização espacial e nas

ações dos sujeitos que a frequentavam. Dessa forma, o campo educacional e

médico--higienista se aproximavam dentro do âmbito legal.

A Lei de n.º 405 de 29 de novembro de 1916 demonstrou a tentativa do

Estado do Rio Grande do Norte de impor a mudança de comportamento dos sujeitos

em âmbito escolar. Se levarmos em consideração as legislações do ensino

anteriores a 1916, o acréscimo do “Título 9º” representou um aumento significativo

nas normatizações governamentais voltadas para a adoção da higiene pelo sistema

educacional. Seguindo essa recomendação, tanto a maneira como a escola deveria

estar organizada, quanto a forma como os sujeitos deveriam agir, bem como a

fiscalização quanto ao cumprimento das condições pedagógico-higienistas, foram

descritas de forma mais minuciosa e específica.

Além dessa Lei Orgânica do Ensino de 1916, no ano de 1925 ocorreram

outras mudanças gerais no ensino, sendo aprovada uma série de regimentos

baseados nas atribuições dos seguintes documentos legais: Lei n.º 405 de 1916;

Decreto n.º 238 de 30 de Junho de 1924, que criou o Departamento de educação do

Estado para substituir a Diretoria da Instrução Pública (DEPARTAMENTO DE

EDUCAÇÃO, 1925, p. 5); e Lei n.º 595 de 5 de Dezembro de 1924, que criou o

conselho de educação (RIO GRANDE DO NORTE, 1927, p. 78). Os regimentos

aprovados em 1925 podem ser vistos no Quadro 3:

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74

Quadro 3 - Regimentos e regulamentos aprovados no ano de 1925

Nome do Documento Lei, decreto ou ato de aprovação

Regulamento do Departamento de

Educação do Estado

Decreto n.º 265 de 24 de março 1925

Regimento Interno do Conselho de

Educação

Ato de 10 de março de 1925 do

Governo do Estado do Rio Grande do

NorteRegimento interno dos grupos escolares Ato n.º 51 de 15 de maio de 1925 do

Departamento de Educação do Estado

Regimento interno da Escolas

Rudimentares

Ato de 3 de abril de 1925 do

Departamento de Educação do Estado

Regimento interno da Escolas isoladas Ato n.º 46 de 18 de abril de 1925 do

Departamento de Educação do Estado

Fonte: Rio Grande do Norte, 1925; Departamento de Educação do Estado, 1925.

Após a análise desses regimentos, podemos constatar que não foram

empreendidas grandes mudanças em relação às orientações pedagógico-higienistas

que já estavam aprovadas pela legislação anterior a 1925. Continuaram presentes

as relativas aos prédios escolares (criação, manutenção, estrutura e organização),

exigências à saúde e comportamentos de higiene nesses espaços.

Em relação aos serviços médico-escolares, três documentos legais foram

importantes: o Decreto n.º 121 de 5 de dezembro de 1923, que estabeleceu a

assistência dentária aos alunos pobres das escolas públicas (RIO GRANDE DO

NORTE, 1924, p. 129); o Decreto n.º 209 de 8 de maio de 1923 (RIO GRANDE DO

NORTE, 1924, p. 107), o qual tornou obrigatória a Inspeção Médico Escolar (antes,

era chamada de inspeção médico-sanitária); e o Decreto n.º 210 de 16 de maio de

1923, que aprovou a estrutura do serviço de Inspeção Médico Sanitária (RIO

GRANDE DO NORTE, 1924, p. 110).

O regulamento da Inspeção Médico Escolar ampliou o que era previsto na

seção “Hygiene escolar” (“Título 9º”), da Lei n.º 405 de 29 de novembro de 1916

(RIO GRANDE DO NORTE, 1917, p. 88). O texto legal desse serviço possuía trinta

artigos e era dividido em sete capítulos, sob a seguinte ordem: “da organização e

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75

fins do serviço”, e apresentava os objetivos pretendidos e aspectos do espaço

escolar a serem observados e registrados; na seção “da inspeção dos alunos”,

aparece descrita uma série de elementos a serem observados, desde aspectos de

higiene, condições de saúde física a aspectos psicológicos a serem registrados em

um boletim sanitário, além de que os empregados e os professores também

deveriam passar pelo mesmo procedimento; no capítulo “Da educação Sanitária” foi

descrita uma série de “preceitos e conhecimentos de hygiene escolar” para

professores e alunos, os quais seriam divulgados durante a inspeção médico escolar

(RIO GRANDE DO NORTE, 1924, p. 114); a seção “da profilaxia escolar” abordava

uma série de procedimento para evitar as propagações de doenças contagiosas (por

exemplo: sarampo, varíola, tuberculose, entre outras); por último, nos capítulos “da

direção do serviço médico”, “dos médicos inspectores” e “disposições gerais” foram

tratadas questões mais administrativas relativas a esse serviço.

A Inspeção Médico-Escolar ampliou o entendimento, no âmbito legal local,

do que seriam as “condições de higiene adequadas” para os estabelecimentos de

ensino no Rio Grande do Norte durante a Primeira República. Ao reunir todas as

intenções pedagógico-higienistas das legislações anteriores, as diretrizes para esse

serviço reafirmaram a preocupação estatal com o asseio e a estrutura escolar, mas,

também, determinou de forma mais detalhada as orientações de adoção de hábitos

saudáveis pelos professores e alunos, além indicar o papel da escola para profilaxia

em território potiguar.

Durante a Primeira República, além dos aspectos pedagógico-higienistas

relativos à estrutura e organização escolar, comportamento de alunos, professores e

empregados, existiam aqueles presentes nos conteúdos escolares. As legislações

de ensino potiguares não procuraram a adoção de hábitos higiênicos somente por

meio de exigências, punições ou procedimentos administrativos, visto que indicaram,

também, para essa finalidade as cadeiras dos cursos como elementos importantes

desse tipo de aprendizado.

No ensino primário, principalmente, havia aulas cujos programas continham

conhecimentos relativos à higiene. No caso do ensino primário, as cadeiras

encontradas na legislação analisada, e já supracitada, foram: Ginastica, Lições de

Coisas, Educação Moral e Cívica, e Educação Doméstica para o sexo feminino.

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76

A cadeira de ginástica esteve presente no Regulamento Geral da Instrução

Pública, aprovado pelo Decreto n.º 18 de 30 de setembro (MARANHÃO; CAMARA,

2010, p. 2010). Visava à manutenção da saúde dos alunos, bem como ao aumento

do vigor físico, porém sem exageros e vetando a exaustão dos alunos; além disso,

não existia a intenção de formar atletas. A partir de 1910, essa cadeira passa a ser

chamada de “Exercicios físicos” (RIO GRANDE DO NORTE, 1911, p. 121);

As aulas relativas ao componente “Lição de coisas” também estiveram

presentes no ensino primário desde 1982 (MARANHÃO; CAMARA, 2010, p. 277). A

ementa da disciplina contemplava como objetivos: o desenvolvimento dos cinco

sentidos humanos; conhecimentos sobre animais; a identificação das funções dos

objetos, fossem eles escolares, domésticos ou urbanos; “Exercícios e noções

praticas de hygiene pessoal e do vestuário”; “conselhos práticos sobre verminoses e

impaludismo” (DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO, 1925, p. 54). Após o ano de

1916, essa cadeira aparecia, às vezes, nos documentos com a seguinte

nomenclatura: “Noções de sciencias physicas e naturaes, nas suas mais simples

applicações, especialmente á hygiene, á agricultura e á zootechnia” (RIO GRANDE

DO NORTE, 1917, p. 44) (DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO, 1925, p. 7).

Outra cadeira frequente no ensino primário foi a “Educação Moral e Cívica”,

desde Decreto nº 18 de 1982 (MARANHÃO; CAMARA, 2010, p. 277).

Diferentemente das “Lições de coisas” e “Exercicios Físicos”, as aulas voltadas à

moralidade e ao civismo tinham um caráter mais teórico.

Em suas atividades, os alunos aprendiam sobre aspectos políticos e do

governo Brasileiro; direitos e deveres do cidadão; o que deveria ser considerado

para época como respeito, bom comportamento, gratidão e obediência; “Cuidados

com o corpo: asseio e banho diário”; sobre o trabalho; “a verdade e a mentira”; “a

temperança o a intemperança na comida e bebida; “maneiras boas ou más na

escola, na rua e em casa” (DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO, 1925, p. 56).

Através desses conhecimentos, pretendia-se formar um cidadão republicano que

fosse civilizado e tivesse comportamentos moralmente aceitos pela sociedade da

época. Em 1910, essa cadeira passou a se chamar “Instrução moral e civica” (RIO

GRANDE DO NORTE, 1911, p. 121).

Uma cadeira exclusiva para as alunas do sexo feminino era a “Economia

domestica”, a qual foi criada pelo Código de Ensino de 1910 (RIO GRANDE DO

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77

NORTE, 1911, p. 121). Essa cadeira estava baseada nos principais papéis

femininos de acordo com a cultura e os valores sociais da época: as funções de mãe

e de dona de casa.

O programa de suas aulas era composto pelos seguintes eixos temáticos:

cuidados de higiene corporal, com vestuários e roupas da casa; asseio e

conservação do espaço e elementos domésticos; compras da casa e etiqueta

alimentar; medicina caseira e cuidados higiênicos; despesa doméstica

(DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO, 1925, p. 64, 65). Dessa forma, percebemos a

visão social que prevalecia nesse contexto histórico, quando a mulher era vista

como responsável por manter a higiene e a organização da casa, e, como

consequência, da família, praticando hábitos saudáveis e transmitindo-os a seus

familiares.

Ao longo da análise da legislação voltada para o ensino em terras potiguares

durante a Primeira República, podemos concluir que o Estado procurou inserir

preceitos de cunho pedagógico-higienistas em suas leis e decretos. Após essa

análise sobre a legislação educacional e respectivas normatizações escolares,

concordamos com Azevedo e Santos (2018) quando argumentam que essas

determinações oficiais no contexto da Primeira República em terras potiguares eram

[...] responsáveis pela criação de normas e convenções capazes de dar oritmo ao cotidiano escolar, transformando-o em uma espécie de ritual.Neste, saberes e valores são convertidos em matéria de estudo quejustamente com a observação da disciplina e da conduta dos alunos,compõem a formação de uma cultura que ainda canaliza seus rituais paraconstrução de um cotidiano racionalizado e marcado por hábitos decivilidade. (AZEVEDO; SANTOS, 2018, p. 179).

Por isso, no decorrer desse período, as regulamentações legais foram

ficando cada vez mais presentes, cada vez mais detalhadas e explícitas. As

exigências e as orientações pedagógico-higienistas visavam à construção e

organização de um espaço escolar cada vez mais limpo e saudável; à adesão dos

professores, alunos e empregados escolares, de hábitos e cuidados com a saúde e

a higiene; à construção de um ensino que divulgasse, através dos seus programas e

aulas, conhecimentos que pudessem higienizar, curar, civilizar e moralizar seus

alunos; ao controle e à fiscalização do asseio e higiene escolar; à construção de

instituições de ensino que pudessem contribuir com a profilaxia da população local.

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Ao longo do tempo, houve, também, um aumento das iniciativas de

formação de professores no âmbito local, fortalecendo o campo educacional potiguar

(MORAIS; SILVA, 2009) e fazendo com que ele se tornasse um agente propagador

da Higiene. Além disso, nessas legislações o campo médico-higienista se aproximou

do campo educacional através do serviço de inspeção médico-escolar.

3.3 O CAMPO EDUCACIONAL POTIGUAR, ASSOCIAÇÃO DE PROFESSORES

DO RIO GRANDE DO NORTE E A REVISTA PEDAGOGIUM

No contexto da Primeira República, o campo educacional potiguar começa a

se estruturar e a ganhar força. Apesar do contexto local abarcar uma economia que

dificultava o desejo civilizatório e modernizador, conforme já discutido, vários setores

cresceram ao compartilharem interesses em comum com a elite local e disporem de

uma função estratégica nas ações do Governo, como foi o caso das áreas da saúde

e da educação.

Vimos que no período republicano, principalmente após o início do governo

de Alberto Maranhão, as ações estatais voltadas para a educação começaram a se

intensificar, dado que foram feitas reestruturações nos setores do governo

responsáveis pela instrução pública e realizadas reformas educacionais. Nesse

sentido, o Rio Grande do Norte procurou republicanizar o seu sistema educacional,

currículos, instituições e seus professores.

A criação de leis e decretos mostram a visão do Estado potiguar republicano

em relação à função que o campo educacional deveria assumir, fazendo que ele

ganhasse destaque, recursos e status (MORAIS; SILVA, 2009).

Nesse período, a oferta dos serviços educacionais começou a ser ampliada,

tanto na esfera pública, quanto na privada. O aumento de instituições e do número

de alunos aumentou significativamente, nas suas diversas modalidades existentes

na época. Isso significou um crescimento do espaço de atuação para os

professores, demandando um aumento desses profissionais.

À exigência desse setor de trabalho aliou-se a necessidade de formação

específica qualificada para o magistério, algo discutido, também, em todo o âmbito

nacional (AZEVEDO; STAMATTO, 2012, p. 31), permitindo no contexto local a

consolidação da Escola Normal de Natal em 1908 (MORAIS; SILVA, 2009). O

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79

sistema educacional norte-rio-grandense, a partir do ano de 1908, A Escola Normal

de Natal, passou a operar em um local específico, com funcionamento regular,

visando à formação voltada ao magistério. Esse tipo de formação foi ainda mais

reforçado com a criação da Escola Normal de Mossoró em 1922 (ARAÚJO, 1979, p.

169) Esse contexto viabilizou o aparecimento de sujeitos que se dedicaram a pensar

a educação local e como deveria ser a atuação de professores, a exemplo de Nestor

dos Santos Lima, Antônio Fagundes, Júlia Medeiros, Amphyloquio Camara, Luis

Antônio, entre outros (LIMA, 1921a; CAVALCANTE, 1999).

Outro importante elemento da época, e que contribuiu para a estruturação

do campo educacional potiguar na Primeira República, foram as associações de

intelectuais. Para a educação, uma das mais importantes foi o Instituto Histórico e

Geográfico do Rio Grande do Norte (IHGRN), fundado em 1902 (MARIZ, 2004).

Nessa entidade, se reuniram sujeitos pertencentes a elite social da época com as

mais diversas formações e atuações profissionais, inclusive professores.

O IHGRN permitiu a articulação de profissionais do magistério a se reunirem

e começarem a divulgar notícias e ideias, sobre diversos temas, alguns deles

relacionados a educação, através de reuniões e do impresso Revista do Instituto

Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte (MARIZ, 2004).

Nesse contexto histórico, político e social, o campo potiguar da educação

começou a se institucionalizar. Ou seja, o ensino estruturou-se, transformando,

desse modo, as relações de poder existentes naquela época, além de principiar a

produção de um conhecimento especializado por aqueles considerados pela

sociedade como detentores dos métodos e conteúdos relativos aos processos de

ensino.

Porém, é somente com a fundação da Associação de Professores do Rio

Grande do Norte (APRN) que o campo educacional local conseguiu se estruturar

melhor e intensificar sua produção e a divulgação de ideias (CAVALCANTE, 1999;

RIBEIRO, 2003; ALVES, 2016). A APRN reuniu, assim como IHGRN, pessoas

pertencentes à elite social. Faziam parte dessa entidade professores, políticos,

escritores e intelectuais. Sujeitos que estavam preocupados com a situação do

ensino e com os profissionais do magistério.

Os membros dessa instituição estavam divididos nas seguintes categorias

de sócios: a) fundadores, sendo os (as) professores (as) diplomados (as) na Escola

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Normal de Natal entre 1910 e 1920; b) efetivos, faziam parte dessa categoria

professores que atuavam em território potiguar tanto da rede pública ou privada; c)

benfeitores, seriam aqueles que fizeram doações de valores de duzentos mil reis ou

mais à APRN; d) beneméritos, seriam os sujeitos que prestaram serviços a

Associação de Professores ou a área educacional; e) correspondentes, categoria

composta por professores de doutros estados brasileiros; f) honorários, poderiam ser

esse tipo de associado aqueles que prestaram serviços ou contribuíram para a

educação, ao professorado, as artes ou as letras (CAVALCANTE, 1999; ALVES,

2016).

A Associação foi fundada em 4 de dezembro de 1920, em ocasião da

comemoração de 10 anos de formatura da primeira turma da Escola Normal, e teve

como primeira sede o prédio dessa instituição de ensino normal, a qual também

abrigava o Grupo escolar Augusto Severo (CAVALCANTE, 1999; RIBEIRO, 2003;

ALVES, 2016). Em 1923, a APRN cria o Grupo escolar Antônio de Souza, e muda

sua sede para esse prédio. Na figura 2 vemos sua fachada:

Fonte: Departamento de Instrução Pública do Rio Grande do Norte, 1927

Figura 2 - Grupo escolar Antônio de Sousa

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81

Na parte superior da fachada desse grupo escolar, acima da entrada

principal está escrito “Associação de Professores” mostrando a vinculação dessa

instituição de ensino com sua organização idealizadora. Percebemos crianças

uniformizadas, meninos e meninas vestidos de roupa clara, um indicio de

valorização da disciplina e de que a instituição atendia ambos os sexos. Na entrada,

percebesse duas bandeiras, símbolos civis e do nacionalismo, elementos de

destaque para educação moral e cívica, comum para o contexto da época. Outros

pontos que chamam atenção é a escadaria ornamentada, e as grandes janelas que

possivelmente forneceriam ventilação e iluminação para o interior da construção, de

acordo com os preceitos pedagógicos-higienistas previstos na legislação

educacional local. Essa análise da figura 2 fornece indícios de algumas possíveis

ideais e valores educacionais que os membros da APRN defendiam, por isso

procuraram aplica-los nessa escola.

Segundo Cavalcante (1999), esses educadores tomaram para si a função de

refletir e afirmar como a educação local deveria ser para o avanço do Brasil

republicano. Seus objetivos principais foram: a criação de estabelecimentos de

ensino; o fortalecimento da classe de profissionais do magistério; a defesa e a

melhoria do ensino; a organização e a coordenação das ações dos professores

potiguares.

No primeiro estatuto dessa Associação, publicado em 1924, esteve listada

uma série de medidas a serem executadas por essa entidade, a fim de alcançar

seus objetivos:

a) Pela publicação de um órgão de publicidade e feição pedagógica; b) pelaorganização de uma biblioteca escolar; c) pelo auxílio moral e material,prestados aos seus associados; d) pela instituição de festas cívicas econferências sobre o ensino; e) pelo auxílio recíproco que todos os sóciossão obrigados a prestar uns aos outros; f) pela sua interferência perante asautoridades e aos estabelecimentos de ensino no sentido de melhorar ascondições do mesmo e a execução dos programas escolares; g) pelafundação de escolas e cooperativas; h) pela convocação de congressospedagógicos, nos quais sejam apresentados e discutidos teses e questõestécnicas relativas ao ensino em geral; i) pela criação de uma caixa de auxíliomútuo e pela beneficência do ensino e do professorado. (PEDAGOGIUM,1924, 47-48).

Podemos ver que a primeira ação descrita foi a criação de um impresso

pedagógico. Esse órgão tinha como principal intuito difundir as ideias e anunciar

ações da entidade, sendo intitulado “Pedagogium: Revista Official da ‘Associação de

Page 82: AS IDEIAS PEDAGÓGICO-HIGIENISTAS NA REVISTA

82

Professores’”. Sobre esse periódico, Ribeiro (2003, p. 38) entende tratar-se de “uma

revista que, de fato, vem pôr em público o pensamento dos educadores, instruindo

com suas colaborações e indicando os melhores métodos a serem cultivados nos

meios educativos”.

Se tomarmos como base o conceito de campo de Bourdieu (1983; 2003;

2010), perceberemos que a APRN procurou ocupar uma posição dominante no

campo educacional local, orientando os profissionais do magistério através da

difusão das ideias pedagógicas que essa entidade julgava serem as mais relevantes

para a educação.

A partir dessa intencionalidade da Associação de Professores, esse

periódico configurou-se como um instrumento de disputa de poder, na tentativa de

que essa entidade tomasse para si um status de agente de autoridade no meio

educacional potiguar. Segundo Catani e Bastos (1997), concordando com a

perspectiva de Bourdieu (1983; 2003; 2010), as publicações pedagógicas, além de

informar seus leitores, registrar eventos, disseminar conteúdos de ensino, também

podem exercer essa função de instrumento nas relações de poder entre os sujeitos

dentro do campo educacional.

Durante os anos de 1921 a 1927, foram editados vinte e três volumes da

revista Pedagogium. Mediante a diversidade de artigos por ela divulgados,

identificamos textos temáticos sobre higiene, civismo, instituições escolares etc.;

lições de conteúdos escolares; transcrições de entrevistas; estatutos da Associação

de Professores e propagação das ações por ela realizadas, entre outros

(PEDAGOGIUM, 1921-1927).

Antes de nos aprofundarmos no conteúdo do impresso da APRN,

abordaremos nomes de pessoas importantes, no intuito de contextualizarmos as

ideias pedagógico-higienistas no território potiguar durante a Primeira República.

Escolhemos aqueles de mais destaque no campo educacional potiguar e que

discutiram temas de higiene, sendo eles: Nestor Lima, Alfredo Lyra, Januário Cicco,

Henrique Castriciano.

Page 83: AS IDEIAS PEDAGÓGICO-HIGIENISTAS NA REVISTA

83

3.4 O CAMPO EDUCACIONAL POTIGUAR E IDEIAS HIGIENISTAS

O bacharel em direito Nestor dos Santos Lima (1887-1959) foi um educador

que teve uma atuação em diversas instâncias (PREFEITURA DO NATAL, 2000, p.

575). Ocupou os seguintes cargos: professor e diretor da Escola Normal de Natal

1911-1924; Diretor do Departamento de ensino do estado entre 1924 a 1930;

membro da APRN e primeiro diretor da Pedagogium, durante 1921 a 1924. Também

foi membro da diretoria de honra dessa instituição como representante da Escola

Normal. Participou, ainda, do Instituto Histórico do Rio Grande do Norte e foi um dos

membros fundadores da Academia Norte-Rio-Grandense de Letras.

Além das publicações de Nestor Lima nessa revista, esse educador

escreveu várias matérias no jornal “A República”, órgão de comunicação oficial do

Governo do Estado. Lima também foi autor de livros de história, entre eles, “Um

século de Ensino Primário (PREFEITURA DO NATAL, 2000, p. 576). Segundo

Menezes (2015),

Psicologia, medicina e Pedologia são alguns dos saberes que se encontramdisseminados nas publicações de Nestor Lima, reunidos em uma rede demúltiplos entrelaçamentos os quais descrevem o campo pedagógico-educacional pressupostos higienistas. (MENEZES, 2015, p. 128).

Se levarmos isso em consideração, compreendemos os interesses de

Nestor Lima que nortearam seus escritos educacionais, entre eles, os textos que

analisamos na próxima seção. Esse sujeito pensava a educação a partir de diversas

matrizes, e ao atuar em diversas funções profissionais, conseguia ter visibilidade e

relevância para sociedade da época. A figura 3 mostra esse intelectual em 1927,

enquanto ocupava o cargo de diretor do departamento de ensino:

Page 84: AS IDEIAS PEDAGÓGICO-HIGIENISTAS NA REVISTA

84

Fonte: PEDAGOGIUM, 1927

Quando esse registro fotográfico foi feito, Nestor Lima já tinha ocupado

vários cargos relevantes para educação e frequentava espaços aonde a elite

intelectual circulava. A revista Pedagogium ao divulgar esse retrato ao lado de um

texto de autoria desse educador, pretende apresenta-lo enquanto um uma

autoridade, enquanto um grande conhecedor das questões educacionais.

Outro bacharel em direito que discutiu a higiene baseado em princípios

higienistas foi Henrique Castriciano de Souza (1874-1947) (PREFEITURA DO

NATAL, 2000, p. 307). Atuou como político, poeta, jornalista e foi um dos criadores

da Liga de Ensino do Rio Grande do Norte, da Escola Normal e do Grupo de

Escoteiros do Alecrim. Foi o primeiro presidente da Academia Norte-Rio-Grandense

de Letras e, assim como Nestor Lima, escreveu vários textos para o jornal “A

República”. A figura quatro mostra esse sujeito na década de 1920, quando já era

reconhecido pela sociedade potiguar:

Figura 3 - Nestor dos SantosLima

Page 85: AS IDEIAS PEDAGÓGICO-HIGIENISTAS NA REVISTA

85

Fonte: REVISTA DO CENTRO POLYMATHICO DO RIO GRANDE DO NORTE0, 1920:

Sua obra educacional mais conhecida também abordou sua principal

preocupação educacional, sendo ela a conferência intitulada “A educação da

Mulher”. Castriciano (1993) defendeu que para o avanço do Brasil e o combate aos

maus hábitos, seria necessário educar as mulheres para se tornarem donas de

casa. Na visão desse autor, as condições de vida na sociedade brasileira estavam

“sem conforto e hygiene” (CASTRICIANO, 1993, p. 295). Por essa razão, defendeu

que os costumes causadores dessa situação só poderiam

ser eliminados lentamente, por meio da educação; e esta deve começarpela mulher, a organizadora da casa, guia natural dos filhos na primeirainfância, aos quaes acompanha dia-a-dia, popdendo em tempo corrigi-lhescertas falhas Moraes e physicas e aperfeiçoar-lhes as boas qualidadesnativas. (CASTRICIANO, 1993, p. 295).

Sob essa intenção civilizatória e de formação feminina, foi criada a Escola

Doméstica de Natal no ano de 1914 pela Liga de Ensino do Rio Grande do Norte

(LERN). Rodrigues (2006), no seguinte fragmento de seu estudo, explica o tipo de

formação almejada pela criação da Escola Doméstica:

Figura 4 - HenriqueCastriciano

Page 86: AS IDEIAS PEDAGÓGICO-HIGIENISTAS NA REVISTA

86

Para esses intelectuais da LERN imbuídos do ideário renovador daeducação nas primeiras décadas do século XX, seria necessário a formaçãode um sujeito, particularmente um feminino, para ser signatários de umasociedade advinda de um sistema capitalista e da forma de governorepublicana que se organizava. O objetivo era a formação de uma mulherque através de um aprendizado doméstico e de outros saberes baseados naciência, pudesse dar contribuições para a solidificação dos laços familiares,no sentido da formação educacional de sua prole e consolidação dainstituição familiar. (RODRIGUES, 2006, p. 58).

Apesar de Henrique Castriciano não ter publicado na Pedagogium artigos

abordando esse objetivo formativo para as mulheres, a Escola Doméstica de Natal

foi discutida nesse impresso por Manuel Dantas (1922). Já a educação feminina

voltada para o lar foi tema de discussão nessa revista por Christovam Dantas (1922;

1923).

Outro agente do campo educacional potiguar foi Alfredo Lyra. Esse médico

formado no Rio de Janeiro atuou como professor de Higiene na Escola Normal de

Natal. Foi membro da APRN e, na década de 1940, foi diretor dessa instituição

(DUARTE, 1985). Também publicou na Pedagogium em duas ocasiões, uma no ano

de 1922 e outra em 1923, abordando temas que já havia debatido em outras de

suas obras. Na figura 5 temos um registro fotográfico desse médico, na década de

1940:

Fonte: PEDAGOGIUM, 1940

Figura 5 - Alfredo Lyra

Page 87: AS IDEIAS PEDAGÓGICO-HIGIENISTAS NA REVISTA

87

Quando essa fotografia foi divulgada, Alfredo Lyra já tinha escrito vários

trabalhos sobre educação e higiene, pois abordou processos escolares, focando

principalmente no debate das condições de higiene escolar e inspeção médico-

escolar. Suas obras mais conhecidas são: “Inspeção Médico-Escolar” (1922); “A

higiene escolar na saúde pública” (1924); “Doenças escolares” (1925); “Higiene:

Falando e Escrevendo” (1929) (DUARTE, 1985).

No livro “Inspeção Médico-Escolar”, Lyra (1922) faz uma descrição de

elementos que os inspetores deveriam observar nas escolas em relação à higiene.

São eles: os aspectos físicos e arquitetônicos dos estabelecimentos escolares (por

exemplo: janelas, assoalho, telhado, vestuário, paredes); as características da sala

de aula (entre elas, ventilação, iluminação, comprimento, mobília escolar, gabinete

sanitário, bebedouros, asseio da escola); o exame escolar observando aspectos

físicos e mentais, além de sintomas de doenças; a classificação dos alunos por

aptidão; as doenças, seus sintomas e profilaxia (como evitar o contágio). Saliente-se

que esse livro resume grande parte das preocupações pedagógico-higienistas de

Alfredo Lyra.

Também o médico Januário Cicco (1881-1952) pertenceu à APRN como

membro honorário devido às suas contribuições para o segmento da educação

(PEDAGOGIUM, 1922). Atuou como o primeiro diretor da Escola de Farmácia do Rio

Grande do Norte, onde também foi professor da Faculdade de Farmácia. Ao longo

de sua trajetória, manteve vínculo com outras entidades, tais como: Academia Norte-

Rio-Grandense de Letras, Sociedade de Assistência Hospitalar, Sociedade de

Medicina e Cirurgia do Rio Grande do Norte. A figura 6 é um registro fotografico de

sua formatura do curso de medicina, que ocorreu no ano de 1906:

Page 88: AS IDEIAS PEDAGÓGICO-HIGIENISTAS NA REVISTA

88

Fonte: DAVIM, 1999; PREFEITURA MUNICIPAL DO NATAL, 2000; FERREIRA, 2018.

Suas principais obras foram “O destino de Cadáveres” (1906); “Como se

higienizaria Natal” (1920); “Notas de um médico de Província” (1928); “Euthanásia”

(1937). Em grande parte de suas obras, segundo Araújo (2015) e Ferreira (2009), ao

fazer críticas sociais, percebe-se uma grande preocupação com a sociedade e sua

organização, a higiene, os cuidados com a infância e a profilaxia de doenças e

verminoses, como as verminoses e a sífilis.

Se tomarmos, por exemplo, a obra “Como se higienizaria Natal”, teremos

uma ideia das preocupações que norteavam a escrita de Januário Cicco (1920). O

livro ocupa-se de uma crítica à organização humana, aos investimentos locais e

federais para a saúde, aos costumes dos habitantes da cidade de Natal. Na segunda

parte do livro, o autor fez uma série de sugestões para o melhoramento da cidade.

Na visão de Januário Cicco (1920), de nada adiantaria a execução de

serviços de saúde se o povo não fosse educado e alfabetizado. Dessa forma, ele era

favorável à ideia de que o povo recebesse orientações em relação aos hábitos de

higiene e profilaxia, ou seja, de uma educação sanitária. Ao abordar a prevenção

das verminoses, podemos notar essa preocupação do autor:

Figura 6 - Januário Cicco

Page 89: AS IDEIAS PEDAGÓGICO-HIGIENISTAS NA REVISTA

89

De modo que o Governo, entregando se à prophylaxia da verminose prestarelevantes serviços à defesa dos seus cidadãos, mas não pode estarconvencido efficacia das medidas em prática, porque do modo por que sefazem as casas do nosso operário, por piso desprotegido e por onde searrasta a filharada amarellenta e nua, mesclando o chão com as própriasdejecções, misturando à sujidade do local a côdea de pão que lhe cae dasmãos, não há remédio contra as reifecções, tonicos que reorganizem asdecadências, nem fossas que eduquem um povo de analphabetos. (CICCO,1920, p. 17).

Apesar de Januário Cicco não ter publicado na Pedagogium, suas

preocupações com a educação do povo e a adoção de hábitos de higiene estiveram

presentes nos artigos desse impresso escritos por Demosthenes de Carvalho (1925)

e Mario Lyra (1925).

Esses sujeitos apresentados, Nestor Lima, Henrique Castriciano, Alfredo

Lyra e Januário Cicco, possuíram características em comum. A primeira é que todos

eles se diplomaram no ensino superior, dois eram bacharéis em direito e os outro

eram médicos, ilustrando que as ideias higienistas eram de fácil acesso para

pessoas com essa formação na época. Segundo aspecto é que esse tipo de ideário

não era somente valorizado por eles para pensar questões de saúde, mas questões

sociais e morais também, a ideologia médico-higienista não se limitava aos

consultórios médicos, tanto que esses membros do campo educacional potiguar

divulgaram essas ideias nos jornais, livros, conferências.

Outro aspecto é que esses sujeitos ou foram funcionários públicos, ou

ocuparam cargos no governo estadual, ou foram políticos, tendo possibilidade de

influenciar políticas públicas tendo em vista suas próprias ideias. Além disso, eles

participaram de instituições intelectuais compartilhando e difundindo as ideologias

oriundas de suas formações acadêmicas e dos campos em que transitavam: o

político, o educacional, o jurídico, o médico, o cientifico e o literário.

Dessa forma, ao apresentar esses sujeitos do campo educacional, podemos

ter indícios de que esse veículo comunicativo da APRN reuniu os principais autores

locais e temas por eles abordados, visando à difusão de ideias de higiene aos seus

leitores, constituídos majoritariamente de professores.

Page 90: AS IDEIAS PEDAGÓGICO-HIGIENISTAS NA REVISTA

90

4 CATEGORIZANDO AS IDEIAS HIGIENISTAS NA REVISTA PEDIAGOGIUM

“Pensai na educação, Brasileiros!”(Miguel Couto, “No Brasil só há um problema nacional: A Educação do Povo”,

Pedagogium, 1927, p. 34)

Segundo Nóvoa (1997, p. 13), “a imprensa é o lugar de afirmação de um

grupo e de uma permanente regulação coletiva”. Conforme discutimos na seção

anterior, a Pedagogium, material que compõe o nosso objeto, refletiu essa lógica ao

ser criada como órgão de comunicação oficial da Associação de Professores do Rio

Grande do Norte, divulgando as ideias pedagógicas defendidas pelos membros

dessa entidade, além de registrar suas ações e eventos.

Cavalcante (1999, p. 8), em seu estudo sobre os treze primeiros anos de

existência da APRN, afirma que através desse periódico é possível compreender as

ações desse grupo de educadores e suas relações políticas, principalmente com o

Estado. Segundo a autora, a memória da instituição se confunde com a existência

de sua revista, pois o impresso em questão é o principal registro do início dessa

entidade (CALVALCANTE, 1999, p. 38).

Concordando com essa pesquisadora, Ribeiro (2003) frisa a importância

desse veículo de comunicação como instrumento para a organização dos

professores potiguares na década de 1920, na divulgação de ideias sobre educação,

almejando uma modernidade do sistema de ensino potiguar. Para isso, seus

idealizadores procuraram levar em consideração os padrões educacionais nacionais

e internacionais mais avançados para época.

Para a compreensão dessa revista, concebida como um dos elementos

educacionais do Rio Grande do Norte mais expressivos da década de 1920,

devemos, primeiramente, analisar seus aspectos mais externos. Essa exploração

nos permitiu ter acesso a informações que os leitores em potencial dessa publicação

se deparariam.

Nessa análise, a taxonomia das fontes descrita por Barros (2012) fez com

que pensássemos a Pedagogium na condição de uma fonte com características

muito específicas. Sua principal intenção é servir como órgão oficial de comunicação

da APRN. Tal suporte propiciou a vinculação de diversos tipos de texto e sua

Page 91: AS IDEIAS PEDAGÓGICO-HIGIENISTAS NA REVISTA

91

periodicidade dá indícios de seu ciclo de existência, tempo de produção e divulgação

de cada volume. Esses elementos iniciais nos permitiram pensar os seus aspectos

em termos de conteúdo e de materiais. A Figura 7 traz a capa do primeiro volume

editado em 1921, que contém elementos básicos de identificação dessa publicação,

sua vinculação institucional, o local de editoração e o espaço de circulação alvo:

Fonte: PEDAGOGIUM, 1921.

Na Figura 7, podemos localizar na capa o título, Pedagogium, logo abaixo o

seguinte subtítulo: “Revista Oficial da ‘Associação de Professores’”. Dessa forma, o

periódico se apresentou ao seu público-alvo como uma das realizações da APRN e

seu principal meio de comunicação. Em uma posição logo abaixo, encontra-se a

ilustração de dois livros fazendo referência a um dos materiais escolares de mais

destaque para época, símbolo de conhecimento e que remetia a umas das

Figura 7 - Capa da primeira edição daPedagogium de 1921

Page 92: AS IDEIAS PEDAGÓGICO-HIGIENISTAS NA REVISTA

92

atividades de ensino, a leitura. Esse elemento da capa dessa revista revela uma das

possíveis ideias que os seus idealizadores pretendiam passar para os seus leitores.

Ademais, mostrou-se como uma publicação voltada para a educação do Rio

Grande do Norte e que era impressa localmente pela “Empreza Typhográfica

Natalense, LTD”. Essa tipografia realizou a confecção dos seus volumes editados

entre os anos de 1921 a 1926. Entretanto, durante a pesquisa e a análise de fontes,

não foi possível localizar mais informações acerca da tipografia.

Dessa forma, esse impresso se apresentava próximo ao contexto local,

indicando que os textos, em sua maioria, eram de pessoas que conheciam de perto

a realidade educacional potiguar da época. Além disso, o fato de ser editada,

publicada e veiculada no Estado do Rio Grande do Norte poderia ter significado uma

maior rapidez entre a concepção de cada volume até a sua distribuição. Na

contracapa, podemos encontrar outros elementos:

Fonte: PEDAGOGIUM, 1921.

Figura 8 - Sumário da primeira edição daPedagogium

Page 93: AS IDEIAS PEDAGÓGICO-HIGIENISTAS NA REVISTA

93

O início da página dedica-se a expor os objetivos do periódico e a quem se

destinava: “Revista dedicada aos interesses do professorado público e particular do

estado” (PEDAGOGIUM, 1921). Isso reforça a sua relação com a educação local, e,

consequentemente, as motivações de sua instituição mantenedora. Na contracapa

também são vistas informações sobre a periodicidade de publicações, valendo

ressaltar que essa regularidade variou com o passar dos anos. No ano de 1921, era

indicado que haveria três edições; entretanto, houve somente dois volumes.

Logo abaixo, encontram-se as informações editoriais. A Secretaria de

Redação desse número ficou sob a responsabilidade da professora Júlia Alves

Barbosa, a qual fazia parte dos membros sócio-fundadores da Associação, e foi

também professora da Escola Normal. Como foi apresentado na seção “Educação e

Higiene na Primeira República no Rio Grande no Norte”, a APRN foi fundada no

aniversário de dez anos da formatura da primeira turma da Escola Normal de Natal,

e, até a edição de n.º 7 publicada em 1923, essa instituição também foi sede da

Pedagogium.

A partir dessas informações, percebe-se que a sua apresentação, logo nas

primeiras páginas, indicou as duas instituições com quem mantinha relações

estreitas. Em seguida, vinham o valor da edição, os títulos dos textos que seriam

apresentados nesse volume e os respectivos autores. A partir do número 8 de 1923,

a sede social da Pedagogium passou a se localizar na Rua Jundiaí, no Grupo

Escolar Antônio de Souza, que também era Sede da Associação de Professores. Já

na edição de n.º 11, é informado que poderiam ser enviadas correspondências para

essa revista na Praça Padre João Maria, n.º 5, sede da “Empreza Typhográfica

Natalense, LTD”, local onde eram confeccionados seus exemplares.

No recorte temporal estudado nesta dissertação, compreendido entre os

anos de 1921 e 1927, foram editados 22 números desse impresso e um volume

especial comemorativo do centenário da instrução pública no Brasil em 1927. Ao

longo da pesquisa, tivemos acesso a quase todos os números, exceto ao n.º 6 de

1922, n.º 16 de 1924 e n.º 18 de 1925. Mediante a análise dos elementos externos,

podemos entender aspectos materiais da publicação, sendo o primeiro deles a sua

regularidade e o tamanho de cada edição, conforme podemos verificar no Quadro 4:

Page 94: AS IDEIAS PEDAGÓGICO-HIGIENISTAS NA REVISTA

94

Quadro 4 - Periodicidade, média de páginas e textos de cada volume daPedagogium

Ano Quantidadede edições

por ano

Nº das edições Média detextos por

edição

Média depáginas por

edição

1921 2 1 e 2 8

50

1922 4 3, 4, 5, 6 10

1923 4 7, 8, 9, 10 8

1924 6 11, 12, 13, 14, 15,16

10

1925 5 17, 18, 19, 20, 21 81926 1 22 2 341927 1 Edição especial 15 100

Fonte: Elaborado pelo autor a partir dos volumes da Pedagogium (1921 a 1927, excluídos osnúmeros 6, 16 e 18), 2019.

Podemos ver que, entre os anos de 1921 e 1925, houve um aumento do

número de edições, podendo significar um crescimento do investimento da APRN no

seu meio de comunicação. No geral, as edições se mantiveram nesse período com

um quantitativo regular de páginas, em torno de cinquenta, e de textos. Os dois

últimos volumes fogem a esse padrão.

O único volume que circulou no ano de 1926 abordou temas referentes ao

ano de 1925; porém, não foram encontradas informações que explicassem esse

motivo, nem o porquê de o periódico vir com menos páginas e textos se comparado

às publicações anteriores. Além disso, também não foi registrado o motivo do fim da

editoração da Pedagogium em 1926, voltando somente no ano de 1927 para uma

edição especial. Esse impresso só voltaria a ser editado em 1940, com apenas dois

números, e entre 1948 a 1952, com mais doze.

Durante a primeira fase, entre 1921 e 1927, o corpo diretor da revista foi se

modificando. Entretanto, os sujeitos que a compunham geralmente faziam parte de

cargos na Diretoria Geral da Associação de Professores, evidenciando que essa

entidade acompanhava de perto a construção e a evolução desse seu órgão de

comunicação. As diretorias e as respectivas secretarias de Redação podem ser

vistas no Quadro 5:

Page 95: AS IDEIAS PEDAGÓGICO-HIGIENISTAS NA REVISTA

95

Quadro 5 - Diretorias e Secretarias de Redação da Pedagogium entre 1921 e 1927

Edições Ano Diretor Secretaria daRedação

n.º 1 ao 8 1921 a 1923 Nestor Lima Julia Alves Barbosa

n.º 9 e 10 1923 Nestor Lima Julia Alves Barbosa eOscar Wanderley

n.º 11 a 15 1924 Amphiloquio CamaraOscar Wanderley,

Adaucto da Camara eAntônio Fagundes

n.º 17 1925 Luiz SoaresOscar Wanderley,Israel Nazareno eAntônio Estevam

n.º 19 a 22 1925 e 1926 Luiz SoaresCarolina Wanderley,

Israel Nazareno eAntônio Estevam

Ediçãoespecial

1927 Francisco Veras (Não informado naedição)

Fonte: Elaborado pelo autor a partir dos volumes da Pedagogium (1921 a 1927, excluídos osnúmeros 6, 16 e 18), 2019.

Somente as ocupações profissionais dos membros das Diretorias e

Secretarias de Redação da Pedagogium permitem compreender as relações da

APRN com outras instituições de Ensino e com o Estado. Por exemplo: o primeiro

diretor foi Nestor Lima, bacharel em Direito, professor e diretor da Escola Normal de

Natal. Ele também ocupou o cargo de Diretor Geral da Instrução Pública do Estado

entre 1924 a 1929 e foi um dos membros fundadores da Academia Norte-rio-

grandense de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte

(CALVALCANTE, 1999, p. 80).

O segundo diretor foi Amphiloquio Camara, também bacharel em Direito

como Nestor Lima. Diplomou-se na primeira turma da Escola Normal de Natal e

ocupou o cargo de presidente da Associação de Professores entre 1921 a 1933; em

1928, ocupou o cago de Inspetor Federal do Ensino (CALVALCANTE, 1999, p. 79).

Luiz Soares foi o terceiro diretor. Assim como Amphiloquio Camara, foi

normalista, trabalhou no Grupo Escolar Frei Miguelinho; assim como Nestor Lima,

também foi membro da Academia Norte Rio Grande de Letras e do Instituto Histórico

Geográfico do Rio Grande do Norte (CALVALCANTE, 1999, p. 79).

Esses três primeiros diretores são exemplos de como a APRN e seu órgão

oficial de comunicação reuniram sujeitos pertencentes aos mais diversos espaços do

Page 96: AS IDEIAS PEDAGÓGICO-HIGIENISTAS NA REVISTA

96

campo educacional potiguar durante a Primeira República, inclusive, ocupando

cargos públicos e contribuindo para o governo estadual.

A secretaria desse impresso apresentou padrão semelhante, apenas a título

de exemplificação: Adaucto da Câmara foi professor de História do Brasil no Ateneu

Norte-rio-grandense; trabalhou no jornal “A República”; Carolina Wanderley,

normalista, atuou nos Grupos Escolares “Tenente Coronel Ferreira” e “Frei

Miguelinho”; foi poetisa e contribuiu com vários periódicos; Antônio Fagundes atuou

em grupos escolares, na Escola Normal de Mossoró e ocupou o cargo de Diretor do

Departamento de Educação (CALVALCANTE, 1999, p. 79-81).

Esses exemplos ilustram os campos de atuação dos profissionais da

educação que essa instituição reuniu. Nos textos que circulavam na revista, esse

padrão se repete com mais diversidade ainda. Para seus exemplares, contribuíram

diversos profissionais, entre os quais podemos citar: Diretores do Departamento de

Ensino: Manuel Dantas e Nestor Lima (PEDAGOGIUM 1921, 1925); Professores do

Atheneu Norte-rio-grandense: Israel Nazareno (PEDAGOGIUM 1922);

Governadores do Estado: Antônio de Souza (PEDAGOGIUM 1922); Educadores de

outros Estados: Carneiro Leão e Miguel Couto (PEDAGOGIUM 1923, 1927);

Professores do ensino primário do interior do estado: Paulo Nobre (PEDAGOGIUM

1921); Médicos locais: Aluisio da Câmara e Mario Lyra (PEDAGOGIUM 1925, 1926);

entre outros.

Os textos difundidos nesse periódico compreendiam, também, uma incrível

variedade. Entre os gêneros textuais publicados, podemos listar: escritos temáticos

sobre higiene, civismo, modalidades de educação, instituições escolares etc.;

poesias; discursos; hinos cívicos; lições de conteúdos escolares (Educação Moral e

Cívica, Matemática, Português, Geografia, História etc.); textos biográficos sobre

professores falecidos; noticiários sobre acontecimentos do campo educacional local;

traduções de poesias; transcrições de entrevistas (com professores, diretores do

Departamento de Educação etc.); estatutos da Associação de Professores

divulgando suas ações; músicas (PEDAGOGIUM, 1921-1927).

Segundo Cavalcante (1999) e Ribeiro (2003), e considerando o presente

levantamento analítico dos textos, podemos afirmar que a Pedagogium refletia as

ideias pedagógicas locais e que elas abordavam temas educacionais que estavam

sendo discutidos no Brasil desde o início da República, intensificando-se nas

Page 97: AS IDEIAS PEDAGÓGICO-HIGIENISTAS NA REVISTA

97

décadas de 1920. O ideário pedagógico que aparecia em suas páginas e artigos

possuía um grande teor nacionalista, e conhecimentos modernos eram valorizados.

O civismo, a moral e a Higiene influenciavam o modo como o ensino deveria ser

organizado e quais deveriam ser seus procedimentos pedagógicos.

Para a Associação de Professores, a educação tinha o dever de contribuir

para o progresso da nação, formando cidadãos capazes de colaborar com o regime

republicano, o qual representava, para seus integrantes, um avanço para o Brasil,

substituindo o regime imperial. Como Cavalcante (1999) afirma, essa intenção

estava presente no Brasil desde a década de 1910:

Esse ideal já se fazia presente nas discussões, debates e realizaçõeseducacionais no meio intelectual brasileiro desde os anos 10. Na décadaseguinte, a intelectualidade reforçou o desenvolvimento de um programanacionalista via educação, com o objetivo de remodelar as instituiçõesrepublicanas, implementar uma reforma moral e social, na tentativa demoldar os indivíduos aos novos critérios de uma sociedade urbana industrialemergente. (CAVALCANTE, 1999, p. 3).

Em sintonia com o ideário presente no contexto brasileiro, essa revista,

sendo um órgão de comunicação da APRN, segundo Cavalcante (1999) e Ribeiro

(2003), procurou divulgar aos seus professores leitores debates e direcionamentos

sobre o papel da escola, conteúdos escolares, notícias do sistema educacional local,

além de propor discussões sobre a situação do ensino em outros estados e países.

Nesse sentido, ideias pedagógico-higienistas visando à orientação do ensino

estiveram presentes em diversos textos desse impresso. Para a análise de como

essas ideias pedagógico-higienistas foram divulgadas e com que finalidade,

selecionamos os seguintes textos listados no Quadro 6:

Page 98: AS IDEIAS PEDAGÓGICO-HIGIENISTAS NA REVISTA

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Quadro 6 - Textos da Pedagogium que focam em assuntos pedagógico-higienistas

Autor Título do texto Edição depublicação

Páginas

Nestor Lima As modas e aeducação

n.º 2, 1921 15-20

Manuel Dantas A ação social eeducativa da Escola

domestica

n.º 2, 1921 21-32

Oscar Wanderley Educação moral n.º 4, 1922 10-17

Alfredo Lyra Hygiene Escolar n.º 4, 1922 26-29

Christovam Dantas Escolas para mães n.º 5, 1922 44-48

Alfredo Lyra A hygiene escolar nomexico

n.º 7, 1923 23-27

Christovam Dantas A moça americana eas universidades

n.º 8, 1923 30-33

Nestor Lima Sursum corda! n.º 10, 1923 3-6

Demosthenes deCarvalho

Sobre as verminoseshumanas

n.º 17, 1925 20-36

Mario Lyra A influência da luz navida humana

n.º 17, 1925 37-46

Miguel Couto No Brasil só existeum problema

nacional: a educaçãodo povo

Edição especial, 1927 16-35

Fonte: Elaborado pelo autor a partir dos volumes da Pedagogium (1921 a 1927, excluídos osnúmeros 6, 16 e 18), 2019.

Em face do Quadro 6, é possível perceber uma considerável quantidade de

textos portando uma expressiva variedade de temas neles abordados. Após a

primeira leitura desses materiais, estruturamos a exposição e a análise dos assuntos

em cinco eixos, levando em conta a sua importância para a implantação do ideário

da nova educação e a frequência com que apareciam na revista, a saber: Higiene

escolar e a Inspeção médico-escolar; Educação sanitária e profilaxia de moléstias;

Sociedade e Costumes; Educação feminina; Educação e Higiene. Esses eixos foram

pensados com o intuito de facilitar a abordagem das ideias pedagógico-higienistas

presentes nas publicações do órgão oficial da APRN.

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99

Muitos dos artigos encontrados serão abordados em mais de um eixo de

discussão, haja vista que os assuntos principais por eles debatidos acabam por citar

outros temas. Para ilustrar essa proposição, tomemos como exemplo o tópico

“Higiene escolar e a Inspeção médico escolar”, cujos escritos que focam nesse tema

também abarcam ideias e argumentos que foram explorados em outros eixos de

discussão.

No decorrer da análise das ideias pedagógico-higienistas presentes nos

textos listados no Quadro 6, utilizamos outras publicações a fim de enriquecer nossa

exposição.

4.1 HIGIENE ESCOLAR E A INSPEÇÃO MÉDICO-ESCOLAR

A higiene do ambiente escolar foi tema principalmente nos dois textos de

Alfredo Lyra, intitulados, respectivamente, “Hygiene escolar: Inspeção medico-

escolar”, publicado na edição de n.º 4 de 1922, e “Hygiene escolar no México”, que

integrou o n.º 7 de 1923. Como discutimos na seção anterior, o autor desses textos

detinha um conhecimento específico sobre esse tema, já que tinha formação

médica, atuou como professor da cadeira de Higiene da Escola Normal e escreveu

um livro que também versava acerca do tema: “Inspecção Médico escolar”,

publicado em 1922.

Nos artigos produzidos para a Pedagogium, Alfredo Lyra assinou os textos

somente com as iniciais “A. L.”. Só foi possível confirmar a autoria desses artigos,

porque eles foram republicados em 1929 em outro livro de Alfredo Lyra, intitulado

“Hygiene: Falando e Escrevendo” (LYRA, 1929).

Lyra (1922), em “Hygiene escolar: Inspeção medico-escolar”, abordou os

principais temas que faziam parte dessa discussão. Para esse médico e professor,

tais temas constituíam saberes de extrema relevância, importantes para a educação

e seus diversos elementos, como podemos exemplificar a partir do seguinte trecho:

[...] A escola deve obedecer aos preceitos sanitários, desde a situação até ométodo pedagogico instituido; que aos escolares sãos, se proporcione aconservação de sua saúde e que o escolar doente não produz o que sechama a resultante das suas energias, em virtude da forte percentagem quelhe absorvem as moléstias que sacrificam sua vitalidade. (LYRA, 1922, p.26).

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As justificativas utilizadas pelo autor para a necessidade de adoção de

medidas relacionadas à Higiene escolar eram de que os espaços de ensino

deveriam contribuir para a saúde dos alunos, para a profilaxia de doenças e para o

combate de maus hábitos e vícios (LYRA, 1922).

Os espaços escolares deveriam, na visão de Lyra (1922), ser adequados,

possuindo ventilação e iluminação, cujos elementos seriam a base da higiene

desses edifícios. No texto “Hygiene escolar: Inspeção medico-escolar”, ele afirma

que os estabelecimentos de ensino, o mobiliário e o material escolar deveriam ser

apropriados, evitando danos aos alunos (LYRA, 1922, p. 7). Esses pontos já tinham

sido indicados pela legislação estadual desde o código de ensino de 1910, na seção

“Da edificação escolar e mobília” (RIO GRANDE DO NORTE, 1911, p. 125).

Esse é o primeiro indício que identificamos da sintonia entre as ideias

pedagógico-higienistas do autor e as indicações legais realizadas pelo Governo, e,

por consequência do impresso que as divulgou, a Pedagogium. Lyra (1922) também

destacou que os alunos deveriam ter um desenvolvimento físico através da

ginástica, desde que sua prática não causasse exaustão ao aluno. Outro elemento

citado foi o exame médico que auxiliaria no diagnóstico de doenças dos alunos e a

classificação deles pelas suas aptidões e capacidades fisiológicas, permitindo a

distinção entre “o escolar normal, débil ou anormal” (LYRA, 1922, p. 25).

No entendimento de Alfredo Lyra (1922), o ensino deveria adequar-se ao

que a criança era capaz de aprender, aproveitando e desenvolvendo de suas

aptidões naturais e condições físicas e, também, suas condições de saúde. Para o

autor, as aulas deveriam sempre começar por atividades mentais, indo, depois, para

as de caráter prático. Também deveria prevalecer o respeito aos aspectos

fisiológicos dos alunos, havendo necessidade das atividades escolares intercaladas

com momentos de repouso, evitando-se o esgotamento e o cansaço do escolar.

A preocupação com a fadiga do aluno já havia sido mencionada em

documentos anteriores, a exemplo do Regimento interno do Grupo Escolar Augusto

Severo 1908 (RIO GRANDE DO NORTE, 1909, p. 9). Posteriormente, também seria

citada através do momento de recreio no Regimentos dos Grupos Escolares de

1925, já com Nestor Lima na direção do Departamento do Estado (RIO GRANDE

DO NORTE, 1917, p. 83).

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Outras preocupações citadas por Lyra (1922) no texto “Hygiene escolar:

Inspeção medico-escolar” incluíam o combate a vícios, pois, para ele, a educação

deveria combater maus hábitos sociais, como o fumo e o álcool; a profilaxia de

doenças, citando como exemplos a tuberculose, as verminoses e a miopia; e a

inspeção médico-escolar e suas funções como garantia dos elementos supracitados.

Segundo Herschmann (1996), essas preocupações eram recorrentes dos médicos

higienistas brasileiros, um dos indícios que nos mostra que os textos selecionados e

publicados pela APRN traziam debates que ocorriam em âmbito nacional.

Todos esses itens apareceram em legislações anteriores e já foram

discutidos no subtópico “3.2 Aspectos pedagógico-higienistas na legislação

educacional”, evidenciando um alinhamento entre as preocupações pedagógico-

higienistas que orientavam os escritos da Pedagogium e as normatizações do

ensino difundidas no estado potiguar.

No segundo artigo escrito por Alfredo Lyra (1923) para a revista, sob o título

“A Hygiene escolar no Mexico”, foram mencionados autores mexicanos e suas obras

sobre higiene voltadas para o âmbito escolar. O autor relata ter tido contato com

médicos oriundos do México durante congressos internacionais de Higiene nos anos

de 1913 e 1915.

Em seu primeiro parágrafo, Lyra (1923) já mostrava indícios da função do

texto, como podemos observar nesse fragmento: “A proporção que me perquiro

novos conhecimentos no domínio da Hygiene, mais me certifico do grau de

adeantamento a quem attingiu este grande paiz que é o México” (LYRA, 1922, p.

23).

Ao longo do texto, o autor procurou afirmar que o México possuía um grau

de avanço porque seus médicos se aprofundaram na discussão da higiene escolar.

Esse argumento pode ser notado em trechos como esse: “Com o mais vivo interesse

leio, assimilo e procuro diffundir os ensinamentos que me vêm do méxico, porque

têm valor, porque representam a evolução scientifica de seus autores” (LYRA, 1922,

p. 23).

Alfredo Lyra (1923), ao relatar as obras e autores mexicanos, enumera

temas de interesse da higiene escolar já citados no texto escrito por ele em 1922,

como inspeção médico-escolar, o espaço físico da escola e o diagnóstico de

“crianças anormais”. Ademais, elencou outros temas não citados diretamente na

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publicação anterior, como, por exemplo, vacinação, educação higiênica, educação

sexual e higiene moral.

A partir da análise de “A Hygiene escolar no Mexico”, percebemos que Lyra

(1923) procurou mostrar que a higiene era um assunto que não interessava somente

aos educadores brasileiros, tentando, com isso, enfatizar sua importância. Esse

recurso de argumentação esteve presente em outros escritos da Pedagogium.

Cumpre lembrar que a revista buscou veicular discussões educacionais de

outros estados brasileiros e até mesmo de outros países, como forma de fortalecer

seus pontos de vista, já que publicava aqueles que julgava relevantes. Quando a

obra era uma transcrição de outro veículo de comunicação, antecedendo o início do

texto, havia uma frase de elogio à obra feita pela Secretária de redação desse

periódico.

Exemplos disso são os artigos que tratavam de outras realidades

educacionais diferentes daquelas presentes no Rio Grande do Norte, a saber: a

entrevista com o educador Carneiro Leão sobre a reforma do ensino federal no n.º 8

de 1923; a conferência realizada por Miguel Couto presente da edição comemorativa

de 1927; os textos de Christovam Dantas sobre a educação norte-americana nos

números 7, 8 e 9 de 1923; resumo e comentário do relatório do diretor da Instrução

pública da Paraíba , Álvaro de Carvalho, feita pelo membro da APRN Luís Soares,

na edição n.º 20 de 1925.

O impresso da APRN, a partir dos textos de Alfredo Lyra (1922; 1923), pode

difundir a ideia de que a higiene escolar era um conjunto amplo de elementos a

serem observados pelo campo educacional, os quais poderiam contribuir, em grande

medida, para os processos da educação. Vejamos o que afirma o autor:

Unindo-se a Hygiene com a Pedagogia, se aplicarão estes preceitos aoestudo da classe, e, em particular do alumno e de sua classificação,concluindo sobre o valor dos regimens de exercícios estabelecidos, dasprescripções de estudos aconselhadas e dos methodos pedagogicosinstituidos. (LYRA, 1922, p. 29)

A higiene também aparece em outras matérias dessa revista como um tema

importante para se pensar a educação. No discurso de Nestor Lima (1921a)

proferido na fundação da Associação dos Professores do Rio Grande do Norte, ao

analisar a situação da educação potiguar, afirmou que a educação do estado só

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obteve mudanças e avanços significativos a partir da Lei n.º 249 de 22 de novembro

de 1907 (RIO GRANDE DO NORTE, 1908, p. 5). Essa lei autorizou a criação dos

grupos escolares e da Escola Normal de Natal em 1908 (RIO GRANDE DO NORTE,

1909, p. 46), a reforma da instrução pública em 1909 (RIO GRANDE DO NORTE,

1910, p. 20) e o código de Ensino de 1910 (RIO GRANDE DO NORTE, 1910, p.

119).

A partir dessa Lei, conforme a visão de Lima (1921a, p. 18-19), a instrução

pública potiguar teria alcançado um avanço devido à criação de grupos escolares e

da formação de profissionais do magistério na Escola Normal. Em seu texto, Lima

(1921a) elogiou o antigo Governador Alberto Maranhão e afirmou que essa reforma

“[...] foi o golpe de morte no medieval e carcomido systhema de ensino ainda

praticado pelo velho mestre-escola do Campestre, carente de methodos e de

hygiene, de normas de pedagogia e de preceitos de logica.” (LIMA, 1921a, p. 19).

Esse pensamento reflete o apoio de Lima (1921a) às ações do Estado

potiguar voltadas para um projeto de modernização nos moldes republicanos e mais

avançados para a época. Isso por que, naquele período, para os simpatizantes do

regime republicano, o “mestre-escola” era o símbolo de uma herança do antigo

regime brasileiro, o Império (AZEVEDO; STAMATTO, 2012, p. 33, 54).

Vale ressaltar que quando proferiu esse discurso, Nestor Lima era diretor da

Escolar Normal de Natal, tendo alguma proximidade com o estado, uma vez que

estava ocupando esse cargo.

Outro exemplo do uso da higiene escolar como elemento para a existência

de boas condições educacionais pode ser visto na edição de n.º 2 de 1921. Ao falar

sobre a importância dos Caixas escolares, o professor da Vila de Pedro Velho, Paulo

Nobre, analisa as condições do grupo escolar da localidade:

Haja vista o edificio onde funciona a nossa escola – um pŕedio inteiramenteinadaptado aos seu fim e em cuja construcção não foram observados osindespensaveis preceitos da pedagogia e da higiene escolar; um prediosituados à margem da linha ferrea e contiguo á respectiva estação local,sem isolamento de qualquer espécie, sem luz, sem ar, com disposiçãointerna feita arbitrariamente, afinal, com um prédio que não foi construidopara o funcionamento de escolas, pode-se facilmente imaginar quaesdififculdades que nos deparam no decurso dos misteres profissionais.(NOBRE, 1921, p. 40).

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Todos os motivos citados por Nobre (1921) para que o prédio fosse

inadequado para o ensino são relativos à higiene, e que já apareciam como

exigências na legislação desde o código de ensino de 1910. Isso mostra as

dificuldades no sistema de Instrução da época em manter essas normativas para os

estabelecimentos de ensino.

Tanto para a legislação potiguar a partir do Código de Ensino de 1916,

instituído pela Lei n.º 405 de 29 de novembro desse mesmo ano, quanto para

Alfredo Lyra (1922), a inspeção feita por médicos das condições higiênicas dos

estabelecimentos de ensino foi considerada fundamental.

A Lei n.º 405 instituiu o serviço de “inspeção medico-sanitaria”, permitindo

que médicos orientassem parte das atividades escolares, além de vistoriar suas

condições arquitetônicas e de asseio; realizassem exames de saúde em alunos e

professores; fizessem a profilaxia de doenças; efetuassem a vacinação e a

revacinação das pessoas que frequentavam as escolas.

Algo que foi defendido na Pedagogium por Alfredo Lyra (1922, 1923), porém

com uma denominação diferente, segundo esse autor: “a inspecção medico-escolar

é um corolario da exigência imperiosa da instrucção, fazendo desapparecer a velha

dualidade do corpo e do espirito” (LYRA, 1922, p. 26).

Sua definição do que esse serviço deveria abranger sintetiza as

preocupações pedagógico-higienistas regulamentadas na seção “Hygiene escolar”

da Lei n.º 405 de 29 de novembro de 1916. A esse respeito, Lyra (1922) afirmou: “a

inspecção medico escolar indicará os meios de preservar-se das doenças, pela

educação hygienica, com noções prophylaticas exactas, mostrando a superioridade

dos physicamente mental e socialmente sãos.” (LYRA, 1922, p. 28).

Para Alfredo Lyra (1922; 1923), à inspeção médico-escolar caberia as

seguintes funções: indicar melhorias na organização e na construção de

estabelecimentos de ensino; orientar a realização dos exercícios físicos escolares;

fazer exames médicos para preservação da saúde dos estudantes; fazer a profilaxia

das doenças contagiosas ou evitáveis; classificar as aptidões mentais e físicas dos

escolares; além de promover a “educação hygiênica” dos sujeitos no ambiente

escolar (LYRA, 1922, p. 26-29).

Em 1923, foram aprovados o decreto n.º 209 de 8 de maio e o decreto n.º

210 do dia 16 do mesmo mês, instituindo a permanência e a regularidade desse tipo

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de inspeção. Nesses decretos, abordou-se grande parte dos pontos divulgados por

Alfredo Lyra em seu livro “Inspeção Médico Escolar” e em seu artigo para

Pedagogium ambos publicados em 1922, inclusive detalhando a educação higiênica,

mas sob a denominação de “educação sanitária” (RIO GRANDE DO NORTE, 1924,

p. 14).

No mês de junho de 1923, um mês depois da aprovação dos decretos n.º

209 e 210, era veiculado no periódico da APRN o texto “Hygiene escolar no México”.

No mesmo ano, na edição de número 10, impressa em dezembro, Nestor Lima, em

“Sursum corda!”, elogiou esses decretos do Governo, conforme os seguintes

dizeres:

Já começa a produzir resultados a inspecção medico-escolar, decretada a 8de maio deste anno, pelo honrado dr, Antonio de Souza, governador doEstado. De facto, o decreto complementar que agora instituiu a assitenciadentaria é um dos fructos dos exames medico-pedagogicos, pelos quaes sedescobriu o grande coefficiente de crianças ameaçadas de ruina dentária e,consequentemente, dos males do estomago e do intestino quase sempreresultantes de uns maos dentes. (LIMA, 1923, p. 3)

Outro aspecto apontado por Lima (1923, p. 4) diz respeito ao fato de que

esses exames diagnosticaram uma porcentagem pequena de míopes dentro da

população escolar. Assim, vemos que o autor reforça o lado positivo dessa

informação.

Na segunda parte de “Sursum corda!”, ele discute a miopia no contexto

escolar, afirmando que, caso a escola apresentasse péssimas condições de higiene,

poderia até contribuir para o aumento de casos de miopia (LIMA, 1923, p. 3-4).

Ao utilizar o exemplo desse problema de visão, o autor parece ter tido a

intenção de afirmar a importância da inspeção médico-escolar como meio de

garantir que os princípios higienistas atendessem aos “[...] requisitos da construcção

dos predios, na sua illuminação e mobiliarios segundo os mais aperfeiçoados

systhemas, na disposição material das classes, na composição technica dos

processos de ensino” (LIMA, 1923, p. 4).

Os elogios ao estado potiguar também estiveram presentes nesse impresso

em 1924, ano em que Nestor Lima assumiu o cargo de Diretor do Departamento de

Educação, passando a direção da revista para Amphiloquio Camara.

Na edição n.º 15, no escrito intitulado “A organização do ensino publico: a

preuccupação máxima dos ultimos governos”, Camara (1924), diretor da APRN e de

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seu órgão oficial de comunicação, faz um resumo da organização da educação no

Rio Grande do Norte. Ao tecer vários elogios ao Governo estadual, descreve os

tipos de estabelecimentos de ensino e seus programas, até chegar nos aspectos

higiênicos do sistema de ensino local. Segundo Camara (1924):

Todos os estabelecimentos educacionais no Rio Grande do Norte sãoprovidos de material pedagógico sufficiente, de modo a dar ao ensino umafeição pratica e concreta, e os predios escolares, serão adoptados, quandonão for possivel construil-los especialmente, com a observância exacta detodos os preceitos de hygiene e conforto, havendo nelles aberturasnecessárias para que as classes recebam luz e ar da maneira maishygienica. (CAMARA, 1924, p. 14).

Esse trecho possui um tom generalizante quando o autor afirmou “com a

observancia exacta de todos os preceitos de hygiene e conforto” (CAMARA, 1924, p.

14), o que contradiz a afirmação de Paulo Nobre (1921, p. 40), pois, segundo a

correspondência desse professor, o grupo escolar da Vila de Pedro Velho não

cumpria nenhum desses requisitos. Além disso, Nobre (1921) frisou que não havia

recursos públicos destinados à construção de um outro grupo escolar na mesma

localidade.

Se levarmos em consideração os contextos histórico e econômico locais,

vemos que esse texto de 1921 nos fornece pistas de que, em 1924, havia

estabelecimentos escolares que não conseguiam adotar todas as condições de

higiene adequadas, ano em que Câmara (1924) publicou sua matéria sobre a

situação da instrução local na Pedagogium. Isso demonstra certa sintonia desse

periódico, e, por conseguinte, dos membros da sua instituição mantenedora, a

Associação de Professores, com o poder estatal, sobretudo no tocante à divulgação

de medidas legais do governo e na abordagem das mesmas questões de higiene.

4.2 EDUCAÇÃO SANITÁRIA E PROFILAXIA DE MOLÉSTIAS

A preocupação com a saúde aparecia nas justificativas para a adoção da

higiene escolar nos textos da Pedagogium, sendo sinal de avanço para a época.

Assim, a inspeção médico-escolar foi defendida como meio de aprimorar as

condições higiênicas dos estabelecimentos de ensino. Para alcançar a

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implementação desses princípios de higiene, também foi discutida nos artigos da

revista da APRN a necessidade da educação sanitária.

Esse tipo de educação foi citado na por Alfredo Lyra (1923, p. 24), que

afirmou que “a prevenção de doenças transmissíveis, o cuidado aos suppostos

doentes e predispostos são praticados com proficiencia e critério pela educação

hygienica, pelas lições conferencias, e por conselhos elucidativos.”

Os conteúdos relativos à educação sanitária já apareciam diluídos nos

programas escolares desde o primeiro código de ensino republicano em 1892

(MARANHÃO; CAMARA, 2010), através das disciplinas de Ginástica, Lições de

Coisas, Educação Moral e Cívica e Educação Sanitária, como foi discutido nesta

dissertação em “3.2 Aspectos pedagógico-higienistas na legislação educacional”.

Entretanto, foi na instituição do serviço de inspeção médico-escolar que a

educação sanitária foi descrita de forma mais clara e detalhada. Apesar de sua

descrição fazer parte da inspeção, ela fornece ideias gerais do que, na visão do

Governo Estadual, deveria ser orientado para os alunos e professores, cuja medida

teve implicações não somente em procedimentos administrativos e disciplinares,

mas também em conteúdos escolares. O Decreto n.º 210 do dia 16 de maio de 1923

rezava que:

Art. 16 - A educação sanitaria dos alumnos e professores consistirá nadivulgação de preceitos e conhecimentos de hygiene escolar: I - Para o professor: a) conhecimento de preceitos relativos à hygiene das habitações eespecialmente das escolas; b) da atitude normal e symetrica do escolar em pé e assentado; c) dos meios de evitar a fadiga mental de escolar, fixando a duração dotrabalho, do repouso e do somno, e a qualidade e quantidade dealimentação; d) a correção dos maus habitos dos escolares, adquiridos na rua ou emcasa, mediante conselhos e instrucções aos pais e aos próprios alumnos; e) a collocação apropriada nas classes, dos alumnos que tenham alteraçõesvisuaes ou auditivas; f) meios praticos tendentes a pôr o pessoal, que frequenta a escola aoabrigo das moléstias evitaveis; g) o conhecimento dos prodromos e symptomas da invasão das molestiasinfecto-contagiosas. II Para os alumnos deve se ter em vista: a) o amor ao asseio e conhecimento das vantagens que delle decorrem; b) o combate aos vicios e indicação dos seus inconvenientes; c) o horror ao alcool e o perigo a que se expõem os intemperantes; d) a vantagem dos habitos regulares quanto à alimentação, ao somno, aosexercicios, aos banhos, etc. Art. 17o A inspeção medico-escolar aconselhará a educação physicaeffetiva e de acordo com os princípios scientificos, no sentido deproporcionar o desenvolvimento methodico e harmonico do escolar,

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favorecendo-lhe as aptidões physicas. (RIO GRANDE DO NORTE, 1924, p.114, 115).

Como podemos ver, a educação sanitária tem o intuito de conservar a

saúde. A partir de conselhos e indicações de higiene, esperava-se acabar com

hábitos não saudáveis, combater vícios e fazer profilaxia não somente dos alunos,

mas também dos professores.

Essas orientações pedagógico-higienistas teriam implicação também no

conteúdo das aulas, já que muitos dos pontos referenciados estavam contidos nos

programas escolares. Constituem exemplos desse conteúdo o “combate aos vicios”

e o “horror ao alcool”, que eram tópicos da cadeira de Educação Moral e Cívica no

ensino primário ofertado, por exemplo, pelos grupos escolares e escolas isoladas

(DIRECTORIA GERAL DA INSTRUCÇÃO PUBLICA, 1914, p. 39, 45;

DEPATARMENTO DE EDUCAÇÃO, 1925, p. 55, 62).

A Pedagogium, por se tratar de uma revista mantida por uma entidade de

professores, procurou discutir a educação sanitária relacionada com a atuação de

profissionais do magistério. Esse tema apareceu com mais ênfase na transcrição

das palestras realizadas no “Curso de Férias” de 1925, realizado pelo Departamento

de Educação do Rio Grande do Norte sob a direção de Nestor Lima.

Dessa forma, a revista, além de divulgar assuntos que julgava relevantes

para a educação, fazia a propaganda e elogios às ações executadas pelo Estado

voltadas para a formação de professores:

Reunimos no presente numero, alguns dos mais interessantes trabalhosofferecidos ao professorado do Rio Grande do Norte por ocasião do “Cursode Férias” levado a effeito nesta capital graças ao lovavel esforço e a boainiciativa do Depatamento de Educação. [...] Sentimo-nos satisfeitos emdivulgal-os nas paginas da Pedagogium não só como homenagem aos seusauctores,como tambem pela relevancia educativa de queinconstestavelmente se revestem. (PEDAGOGIUM, 1925, p. 17).

Os artigos divulgados pelo volume 17 de 1925 foram: “Sobre as Verminoses

humanas”, palestra realizada em 13 de janeiro de 1925 pelo Dr. Demosthenes de

Carvalho, membro do Serviço de Saneamento Rural do Estado (CARVALHO, 1925,

p. 18); e “A influência da luz na vida do homem”, conferência proferida pelo Dr. Mario

Lyra, o qual foi professor de Física e Química na Escola Normal (LYRA, 1925, p. 37).

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O texto do Dr. Demosthenes de Carvalho (1925) teve como objetivo fornecer

informações relativas às verminoses mais comuns encontradas em pacientes no Rio

Grande do Norte, oferecendo aos professores da plateia as seguintes orientações:

conhecimentos básicos sobre a proliferação desses seres parasitas; os sintomas

que as crianças contaminadas manifestam; e orientações básicas para profilaxia das

verminoses.

Com a palestra “Sobre as Verminoses humanas”, Carvalho (1925) pretendia

que sua fala fosse útil para o público ouvinte e sua prática no magistério:

O nosso fim não é precisamente a erudição. Queremos dar a palestra umabsolutamente objectivo prático. E assim sendo, è claro que só passaremosem revista aquillo que vos for possivel aprehender e reter no brevetranscurso de nossa exposição. [...] Daremos desses agentes uma noticiasuccinta, uma descrição eschematica, dizendo de sua maneira de proliferar,do modo por que se introduzem no organismo humano, para dahi concluiros meios de evital-os. Entrementes, procuraremos focalizar em algunssymptomas capitaes, mediante os quaes uma pessoa que não sejatechnico, mas simplesmente uma pessoa intelligente, possa suspeitar combons fundamentos, e descobrir por mesmo, o mal da Verminose.(CARVALHO, 1925, p. 20-21).

Na passagem transcrita anteriormente, percebemos a preocupação do autor

com relação à aplicação dos conhecimentos proferidos, contribuindo para a

profilaxia das verminoses no meio escolar. Na primeira parte da conferência,

Carvalho (1925, p. 20) define verminose como “um conjunto de manifestações

clinicas, que têm por causa da presença nos organismos dos chamados Vermes

Intestinais”. Em seguida, descreve a situação do território potiguar em relação à

contaminação por meio desses seres vivos e os tipos mais comuns de vermes

encontrados no estado.

Na segunda parte, Carvalho (1925) apresentou o ciclo de vida, meios de

infestação e outras características fisiológicas dos seguintes vermes:

“Ancylostomum Duodenale” e “Necator Americanus” (CARVALHO, 1925, p. 22-25),

ambos causadores da ancilostomose; “Oxyurus Vermicularis” (CARVALHO, 1925, p.

26), responsável pela Oxiuríase; “Trichocephalus trichiurus” (CARVALHO, 1925, p.

27-28), causador da Tricuríase; “Ascaris Lumbricoides”, popularmente conhecido

como lombriga (CARVALHO, 1925, p. 28-29); e, por último, abordou “Vermes

solitarios – tenias" (CARVALHO, 1925, p. 30). A maioria das infestações, segundo o

autor, ocorriam pela ingestão de alimentos e água contaminada, no contato com o

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solo contaminado através dos pés descalços ou da mão suja quando levada à boca.

Essas informações já apontavam para algumas medidas de profilaxia.

Em seguida, Carvalho (1925) apresentou sintomas comuns aos sujeitos,

principalmente crianças, que contraíam verminoses, para que os professores

pudessem reconhecê-los e tomarem as medidas cabíveis, como encaminhar o aluno

a um posto de profilaxia (CARVALHO, 1925, p. 32). Alguns dos sintomas citados

foram: cansaço, emagrecimento, convulsões, barriga inchada, anemia e

amarelamento.

O autor conclui sua argumentação abordando medidas referentes à

profilaxia das verminoses. Para Carvalho (1925), o ensino de práticas higiênicas era

algo relevante, sugerindo o uso de latrinas e os costumes, o uso de calçados e o

hábito de lavar frutas achadas no chão com água limpa. Esses cuidados com a

saúde já eram descritos nos programas do ensino primário potiguar disciplinas de

“Economia Doméstica” e “Lições de coisas” (DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO,

1925, p. 54, 64).

O palestrante defendia que, para a adoção de hábitos higiênicos, a

educação deveria desde o ensino primário orientar cada sujeito nessa perspectiva,

no sentido de “incutir em seu espirito o amor à limpeza, o culto à hygiene e o horror

as infecções” (CARVALHO, 1925, p. 35). Esse viés fica claro no seguinte trecho,

através da convocação feita pelo autor para sua plateia e para os leitores da

Pedagogium:

Vamos desde cedo fazendo-o sympathisar com essas indispensaveisprovidencias hygienicas, para que, quando saia da escola, vá com o seuespírito minado por essas salutares idéas de conforto e de limpeza, e paraque mais tarde, quando homem feito, resolver construir um lar, saiba fazel-otemendo os infinitamente pequenos, que são infinitamente perigosos einfinitamente degradantes. Snrs. Professores, a campanha pro-saneamento deve começar na escola. Oprofessor e o medico tem que se dar a mãos e trabalhar simultaneamente.(CARVALHO, 1925, p. 35).

Na visão de Carvalho (1925), os médicos e os professores deveriam

trabalhar juntos para alcançar esse objetivo, deixando clara a ideia de que a

educação tinha, em sua concepção, papel importante na educação sanitária e na

profilaxia dos seus alunos e, consequentemente, da sociedade. Dessa forma, as

escolas deveriam transformar seus educandos em sujeitos praticantes de hábitos de

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higiene, fato que, futuramente, auxiliaria na adesão a esses costumes por suas

famílias, atingindo, assim, o âmbito privado da sociedade, contribuindo para a

prevenção de verminoses.

A preocupação com a prevenção de doenças esteve presente em outros

textos, sendo mencionada a educação sanitária como um fator importante. Oscar

Wanderley (1922), em seu texto “Educação moral”, abordou o alcoolismo e como o

ato de combatê-lo seria importante para diminuir a incidência de tuberculosos.

Nesse texto, elaborado com a intenção de ser utilizado como material para

lições na cadeira de Educação Moral e Cívica, Wanderley (1922. p.10) declara:

“costuma-se repetir como um dogma ‘que o alcollismo faz a cama da tuberculose’,

chegando-se mesmo a afirmar: ‘mais vale combatel-o para prevernir a tuberculose

do que para diminuir ou suprimir seu contagio’”.

Alfredo Lyra (1922) concorda com Oscar Wanderley (1922), ao afirmar que a

educação de hábitos e cuidados higiênicos seria uma medida a ser praticada. Essa

assertiva pode ser vista no seguinte fragmento:

Quanto a tuberculose, de propagação rapida e influencia nefasta, oscuidados devem ser voltados para os que vivem na promiscuidade, para osdebeis e enfraquecidos, sejam os tuberculisaveis, enfim, educando-os pelaordem e disciplina, de modo a encontrarem na escola um meio favoravel derejuvenescimento e melhoria. (LYRA, 1922, p. 28).

Além disso, podemos observar a importância da escola para a saúde do

aluno, como também Carvalho (1925) defendeu. Da mesma forma, a segunda

transcrição do “Curso de Férias” de 1925, realizada por Mario Lyra, intitulada “A

influência da luz na vida do homem”, concorda com o papel dos estabelecimentos de

ensino para a saúde.

Assim como o Dr. Demosthenes de Carvalho (1925), Lyra (1925) pretendeu

ser didático em suas colocações, esperando que os conhecimentos de sua palestra

fossem utilizados pelos professores da plateia, e, uma vez publicados na

Pedagogium, que fossem adotados pelos leitores dessa revista.

Lyra (1925), no início da sua conferência, afirmou: “quero collaborar neste

congresso, onde são trocadas ideias scientificas, onde professores fallam a

professores, onde procuramos discutir, não assumptos transcendentaes, mas

elementos praticos e aproveitaveis à vida do magistério” (LYRA, 1925, p. 37).

Page 112: AS IDEIAS PEDAGÓGICO-HIGIENISTAS NA REVISTA

112

No início do seu discurso, o autor aborda as características astrofísicas do

Sol, sua relação com o clima do Planeta Terra, sua importância para a vida de

plantas, animais e seres humanos. Ele destaca que a luz natural é importante para a

nutrição e saúde do ser humano, porém, sem excesso, pois poderia provocar

problemas de saúde (LYRA, 1925, p. 40-41).

Nessa perspectiva, Mario Lyra (1925, p.40) procurou explorar e afirmar a

“aplicação da luz para bôa conservação da saúde e como meio prophylatico” (LYRA,

1925, p. 40). Uma de suas justificativas para o texto é que, segundo ele, “por toda a

parte a hygiene exige a iluminação do Sol para todo compartimento habitado, desde

a sala de visitas ao banheiro” (LYRA, 1925, p. 40).

Cumpre lembrar que Alfredo Lyra (1922; 1923) já tinha citado em seus textos

da Pedagogium e em seu livro sobre inspeção médico-escolar, que tanto a

iluminação quanto a ventilação seriam as bases da higiene do ambiente escolar. As

leis estaduais de ensino, desde o ano de 1910 (RIO GRANDE DO NORTE, 1911, p.

125), faziam referência à necessidade de janelas com vistas a prover iluminação das

repartições do prédio. No desenvolvimento de sua apresentação, Lyra (1925)

afirmou: “onde não há bastante claridade não há asseio” (LYRA, 1925, p. 42). A

importância que ele atribuía à luz natural para a higiene pode ser notada no seguinte

trecho:

bem é certo o velho alphorismo que diz: aonde não entra Sol, entra omedico. Sem irradiações solares, não há atimosfera pura: a humidade não éexpellida, o anhdryco carbonico da respiração animal e das combustõesdiversas, não se aquecendo com o calor do sol uma camada inferior noaposento, sem renovação, o oxygenio rarefeito, insufficiente, nenhumaozona. (LYRA, 1925, p. 41).

Podemos perceber, em sua argumentação, a defesa de que a limpeza dos

espaços está relacionada à saúde humana. Um ambiente impuro, escuro e fechado

seria um espaço que não contribuiria para a profilaxia de moléstias e problemas de

saúde, podendo acarretar, como citados por Mario Lyra (1925), os seguintes

problemas de ordem sanitária: o aparecimento de mofo; a proliferação de vários

tipos de insetos, muitos deles hematófagos e causadores de doenças como “febre

amarella, a monestia do somno, o impaludismo, o mal de chagas, a filariose” (LYRA,

1925, p. 41); e, também, uma maior quantidade de micróbios.

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113

O autor enfatizou que “o poder bactericida da luz solar é notavel” (LYRA,

1925, p. 42), e que ela seria importante para o desenvolvimento da criança, de sua

saúde e da “nutrição cellular”, além de corrigir “defeitos physicos” (LYRA, 1925, p.

41).

Logo, a escola deveria contribuir para a exposição do aluno aos raios

solares. Além de possuir salas iluminadas, nos estabelecimentos escolares, os

professores deveriam realizar com seus alunos atividades sob o sol e ao ar livre,

com moderação. Os exercícios físicos seriam um desses momentos (LYRA, 1925, p.

41-43).

Mario Lyra (1925), ao reforçar que o professor, em suas atividades, deveria

levar em consideração essa questão de saúde e o papel dos exercícios físicos,

também forneceu orientações para a plateia em relação aos alunos com problemas

de visão. O mestre deveria posicionar o discente em um lugar mais iluminado e

perto do quadro, para que não forçasse sua visão.

Antes do texto “A importância da luz na vida homem”, a questão dos

problemas de visão já tinha sido alvo de discussão no escrito intitulado “Sursum

corda!”, no qual Lima (1923) trata a respeito da miopia.

O autor afirmou que esse mal da visão poderia ser causado por força das

“applicações da visão, como por causa das más condições hygienicas dos ‘meios’,

como enfim pelos vicios da posição e uso de materiaes imperfeitos” (LIMA, 1923, p.

5). Segundo Nestor Lima, a miopia era uma questão que deveria ser observada, já

que ela era considerada, na época, “O grande, o pavoroso duende da escolaridade,

em todo mundo” (LIMA, 1923, p. 4).

Em seu texto, o Dr. Mario Lyra (1925), assim como Dr. Demosthenes de

Carvalho (1925), defendia o papel da escola na educação sanitária visando à

adoção de hábitos higiênicos. Em sua concepção, o sistema educacional deveria

cultivar

o amor da terra, do ar livre, do pleno sol, do exercicio natural, da vidalaboriosa, do espirito do respeito das hierachias intelectuaes e moraes àcreança em futuro de progresso […], deverão ser pregados à todas ascreanças pelas escolas, de maneira a regenerar o corpo e exaltar asvitalidades e elevar o nivel moral. (LYRA, 1925, p. 43).

Nesse fragmento, vemos que o cidadão que a escola deveria formar para a

época, não é somente um aluno saudável, mas também simpatizante de parâmetros

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114

de saúde e de moralidade correspondentes a um “futuro de progresso”. Essa

intenção segue a lógica descrita para a educação sanitária que seria realizada na

inspeção médico-escolar, descrita no Artigo 16 do Decreto n.º 210 do dia 16 de maio

de 1923 (RIO GRANDE DO NORTE, 1924, p. 114, 115).

Depois da análise dos textos de Dr. Mario Lyra (1925) e Dr. Demosthenes de

Carvalho (1925), entre os demais citados, notamos que a Pedagogium difundiu a

ideia pedagógico-higienista de que os professores deveriam contribuir como agentes

da educação sanitária e na profilaxia, ao estarem atentos à higiene escolar; à saúde

dos alunos; aos sinais físicos que estes demonstravam para a suspeita de possíveis

doenças; e, finalmente, ao orientarem seus alunos na aquisição de hábitos

saudáveis.

4.3 EDUCAÇÃO FEMININA

A Pedagogium também divulgou escritos com base em ideias higienistas

sobre a educação das mulheres. O primeiro artigo foi publicado na edição de n.º 2

de 1921, intitulado “A acção social e educativa da Escola Domestica”, de autoria de

Manuel Dantas (1921).

Quando esse autor publicou a citada matéria, ainda ocupava o cargo de

Diretor da Instrução Pública e era Membro da Liga de Ensino (RODRIGUES, 2006,

p. 54), entidade que criou a Escola Doméstica de Natal, escola de ensino particular e

que recebia subvenção do governo (RODRIGRES, 2006, p. 88). Esse

estabelecimento escolar foi idealizado principalmente por Henrique Castriciano

(RODRIGUES, 2006), conforme discutimos em “3.4 O campo educacional potiguar e

ideias higienistas”, divulgando ideias pedagógico-higienistas voltadas, inclusive, para

a educação feminina.

Ao difundir esse tipo de artigo, a revista, além de propagar ideias de

educação feminina julgadas relevantes para serem divulgadas, nos forneceu mais

indícios das relações mantidas por esse impresso e a APRN, tanto com o Estado,

quanto com a Escola Doméstica, estabelecimento de ensino de visibilidade na

sociedade da época (RODRIGUES, 2006), e, ainda, com os sujeitos do campo

educacional que criaram essa instituição escolar.

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115

Ao publicar “A acção social e educativa da Escola Domestica”, o periódico

da Associação de Professores disseminou aos seus leitores a opinião do Diretor de

Instrução Pública do Estado, e membro da Liga de Ensino, sobre a relevância dessa

escola para a sociedade da época e da formação feminina por ela realizada.

No texto, Manuel Dantas (1921) afirmou que a Escola Doméstica, no seu

entendimento, teria alcançado resultados além dos esperados em sua fundação.

Essa instituição foi defendida pelo autor como “cadinho onde, em nosso meio, se

estão aparando as qualidades superiores da mulher norte-rio-grandense, que dizer,

da mulher brasileira (DANTAS, 1921, p. 22).

Dantas (1921, p. 31) defendeu que “no principio moderno de dona de casa”

seria necessária uma formação que fornecesse conhecimentos adequados ao

exercício dessa função. Para apoiar seu ponto de vista, Dantas (1921) transcreve

dois trabalhos de alunas formadas na Escola Doméstica de Natal e que abordam o

papel social da dona de casa: “A dona de casa como cidadã”, escrito por Alzina

Azevedo, e “As rendas de nossa terra”, de autoria de Ignez Dantas.

Além desses trabalhos, Manoel Dantas (1921, p. 31) abordou o modelo

francês adotado em 1918, que valorizava a importância da mulher nas fazendas.

Segundo a descrição feita por esse autor, seria oferecido na França um ensino

doméstico em escolas fixas e ambulantes para as moças, uma formação prática e

teórica que contemplaria atividades da casa e de trabalhos do meio agrícola. Esse

pensamento pode ser percebido na seguinte passagem:

A instrução, ao mesmo tempo theorica e pratica comprehende geralmentecursos e trabalhos adaptados às condições economicas da região. Oprogramma prevê a economia domestica (papel da mulher: habitação,alimentação, puericultura); - a cosinha (provisões, preparações culinaria,concervas, confeitos); - o corte e costura, lavagem e engommado; acontabilidade agricola; os trabalhos de leitaria, queijaria, apicultura,arboricultura fructifera; a horta e o jardim; o galinheito; criação de gado; asobras de mutualidade agricola. (DANTAS, 1921, p. 31).

Esses conteúdos revelam que, ainda que essa formação fosse voltada à

formação de mulheres para serem donas de casa, também eram contempladas

funções de cunho mais profissional e extra doméstico, mesmo que fossem ligadas

às atividades familiares rurais, como, por exemplo “contabilidade agricola”. Se

compararmos esses conteúdos com o programa da cadeira “Economia doméstica”

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116

de 1914, exclusiva para o público feminino do ensino primário potiguar, podemos

perceber semelhanças:

Cuidados corporaes. Banhos,- dentes, mãos, cabellos, olhos e ouvidos. Roupa da casa. [...]. Lavagem da roupa. [...] Modo de passar a ferro eengommar a roupa. Hygiene do vestuário. [...] Conservação das peças do vestuário.Conservação e limpeza do calçado. Distribuição e arranjo - da casa. [...] Utensílios da cosinha. Conservação dosmoveis. Ordem e asseio. Compras diarias. Compras semanaes: [...]. Compras do mez: [...] Como se põe a meza familiar. Como se tira a meza. [...]. Medicina caseira: Queimaduras ligeiras. Contusões. Dôres de estomago,cólicas. Dôres de ouvidos. Embaraço gástrico. Indigestão. Feridas, golpes.Resfriamentos. Defluxo. Sangue pelo nariz. Excitação nervosa. Syncope,desfallecimento. Desinfecção. Preparação e applicação de alguns medicamentos:[...] Banhosa pés. Sinapismos, ventosas, cáusticos. Infusões. Necessidade de proporcionar as receitas ás despezas. Livros decontabilidade domestica. O caderno da venda. Economia domestica, importância e necessidade de seu estudo.(DIRETORIA GERAL DA INSTRUCÇÂO, 1914, p. 51).

Podemos perceber que o modelo francês de 1918, citado por Dantas (1921),

e o programa de “Economia Doméstica” para Grupos escolares e Escolas Isoladas

de 1914, possuem elementos em comum. Porém, na cadeira de Economia

Doméstica, podemos notar uma grande preocupação com hábitos de higiene,

indicando que a mulher deveria ser a responsável no lar pelas boas condições de

saúde e limpeza. Vale salientar que, quando o regulamento de 1914 foi aprovado, o

diretor da Instrução Pública era o próprio Manuel Dantas (RIO GRANDE DO

NORTE, 1914).

Essas preocupações higiênicas na formação feminina presentes na

legislação do ensino primário potiguar também estiveram em um dos trabalhos

citados por Dantas (1921), no seu artigo publicado pela Pedagogium, aquele de

autoria da aluna formada pela Escola Doméstica, Alzina Azêvedo.

Azevêdo (apud DANTAS, 1921), em seu trabalho intitulado “A dona de casa

como cidadã”, defendeu a ideia de que a mulher deveria compreender que sua

função como dona de casa fazia parte de seu dever como cidadã brasileira.

O trabalho da autora aborda principalmente questões relativas à

alimentação. Segundo Alzina Azevêdo (apud DANTAS, 1921, p. 22), a alimentação

brasileira deveria ser alvo de preocupação da sociedade, principalmente das

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117

mulheres. Em sua argumentação, ela afirmou que os hábitos alimentares não

estavam adequados ao clima, à necessidade nutricional e às atividades laborais das

pessoas.

O clima do Nordeste é quente, e de acordo com Azevêdo (apud DANTAS,

1921, p. 22), as classes com mais poder aquisitivo tinham uma alimentação

inadequada (consumiam muitos alimentos proteicos e poucos de origem vegetal),

“productora de calor e tecido muscular”, a qual seria mais apropriada para climas

frios ou para quem fazia grande esforço físico. Já os pobres (AZÊVEDO apud

DANTAS, 1921, p.23), devido a sua condição financeira, não possuíam recursos

para se alimentar direito, além disso, por causa da falta de instrução, não faziam

alimentação apropriada para sua nutrição.

No entendimento da autora, cabia às donas de casa o papel de se

preocuparem com a alimentação e a higiene dos produtos que entrariam nas casas,

sendo essa uma obrigação cívica como cidadã brasileira. Esse dever pode ser

notado no seguinte trecho:

Cabe à dona de casa, que sempre é mais interessada e deve ser maisentendida neste assunto começar o esforço afim de melhorar as condiçõesatuaes. O que ella precisa compreender é que a dona de casa é cidadãdesta republica, tanto quanto o homem é cidadão e tem suasresponsabilidades para com a Patria e seus deveres civicos que cumprir.Nunca os encargos foram collocados tão pesadamente sobre os hombrosda mulher como agora. É que ella tem de passar de simples consumidora àprodutora. Hontem, a dona de casa precisava ocupar-se fatigantemente noslabores domesticos. Hoje, devido ao progressodo mundo, já esses laboresdiminuiram um pouco. (AZÊVEDO apud DANTAS, 1921, p. 23, 24).

Podemos notar que o discurso cívico republicano nesse fragmento não

procurou alterar a importância da função feminina na sociedade como dona de casa,

mas, sim, reforçá-la, dando-lhe novas atribuições e atrelando-a à identidade cidadã

feminina. Azevêdo (apud DANTAS, 1921, p. 22) defendia que as donas de casa

deveriam ser agentes da higiene no lar, tendo cuidados com todas as coisas

relacionadas ao ambiente domiciliar:

Quanto a roupa, os alimentos e outros artigos feitos em casa, a mulherdetermina, por fiscalização pessoal, que sejma do melhor materialdisponivel. Da mesma maneira, ella hoje pessoal ou colletivamente,assegurar-se dos melhores padrões de pureza e hygiene nos artigoscomprados. Noutras palavras, uma parte do tempo que se economiza,comprando-se artigos já promptos, deve a dona de casa empregar em

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118

esforços prontos para melhorar as condições do operario, executandoplanos práticos nesse sentido. (AZÊVEDO apud DANTAS, 1921, p. 23, 24).

Nesse fragmento do trabalho produzido por uma aluna da Escola Doméstica

de Natal, podemos notar muitos dos conteúdos e do tipo de formação feminina que

também integrava a cadeira de “Economia Doméstica” no ensino primário potiguar

da época. Tratava-se, nesses termos, de uma dona de casa detentora dos

conhecimentos e métodos voltados para os afazeres do lar e com preocupações

higiênicas.

Azevêdo (apud DANTAS, 1921) sugeriu três outras medidas que permitiriam

às mulheres desempenharem contribuições para a sociedade, só que fora do

ambiente privado do lar, a saber: a criação de clubes de agricultura, que se

dedicariam a questões de higiene voltadas para os mercados e no comércio de

produtos da localidade (AZÊVEDO apud DANTAS, 1921, p. 24); a constituição de

cooperativas de consumidores e vendedores, para que ambos pudessem adquirir

conhecimentos higiênicos sobre mercadorias (AZÊVEDO apud DANTAS, 1921, p.

25); a formação de “Liga Civica Feminina que teria por fim estudar as condições

locaes tendo reuniões regulares para discutir os problemas e determinar os modos

de agir” (AZÊVEDO apud DANTAS, 1921, p. 24).

Por meio dessa discussão, a autora defendeu, através da Pedagogium, uma

formação feminina para donas de casa que, conscientes do seu papel como

cidadãs, atuariam como agentes na melhoria das condições de higiene fora e dentro

de seu lar.

Outro autor que se dedicou a discutir a educação feminina foi Christovam

Dantas (1922; 1923), professor titular de Higiene do Atheneu Norte-Rio-Grandense

(MENEZES, 2015, p. 127).

O citado autor, assim como Manoel Dantas e Alzina Azevêdo (1921),

concorda com a importância do ensino para mulheres voltado para os afazeres do

lar. Para discutir e defender esse tipo de educação, Christovam Dantas (1922; 1923)

relatou e fez elogios ao modelo formativo empregado nos Estados Unidos da

América. Sua admiração pelo sistema educacional norte-americano fica claro no

seguinte trecho: “não podemos, todavia, ficar ignorantes desta extraordinaria victoria

americana no terreno educativo, victoria que bem pode falar muito perto ao povir de

sua própria nação, de sua cultura, de sua civilização [...]” (DANTAS, 1923, p. 22).

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119

No texto “Escola para mães”, contido no volume n.º 5 do impresso,

Christovam Dantas (1922) abordou a iniciativa norte-americana de criar cursos

voltados para a maternidade, haja vista que, na época em que o artigo foi escrito,

esse modelo de educação ainda estava em fase inicial de implementação. O autor

defendeu em seu relato que as escolas para as mães eram algo relevante para os

Estados Unidos da América, pois, segundo Dantas (1922, p. 45), contribuiriam para

a “robustez da raça actual e para seu futuro”.

Em sua argumentação, no mundo civilizado para os padrões da época, as

mulheres deveriam ser preparadas com conhecimentos necessários para a

maternidade, pois seriam “as creanças representivas das possibilidades actuaes e

latentes de cada povo”. Por isso, segundo esse escritor, as mães ganharam cada

vez mais importância naquele contexto histórico.

Esse tipo de educação feminina foi apresentado como uma medida que

simbolizava o avanço, impulsionando o progresso de um país e a formação de seus

futuros cidadãos. Conforme Dantas (1922, p. 45), esses sujeitos contribuiriam para

cada nação e seriam portadores de “altos principios conductores à perfeição

sonhada”. O autor demonstrou, por meio da sua escrita, um desejo de civilidade e de

avanço, baseado em padrões estrangeiros, cuja opinião, mediada pelo órgão de

comunicação da APRN, chegaria aos professores leitores em solo potiguar.

Dantas (1922, p. 45, 46) relatou que seriam criados dez centros nos Estados

Unidos, cada um com dez cursos diferentes, compostos por 10 lições ministradas

por médicos para as mães. Esses cursos seriam divididos de acordo com cada fase

de desenvolvimento infantil, desde o pré-natal. As alunas poderiam receber

certificados, e, depois de receberem cinco desses documentos, receberiam o grau

(DANTAS, 1922, p. 46). Os conteúdos dos cursos seriam:

Cuidados com a vestimenta hygienica das crianças, o treinamento das mãesquanto à quanidade e qualidade das roupas em todas as estações e nasdiversas idades, as instrucções praticas quanto a confecção dos vestuariosinfantis; os problemas salientes da alimentação abrangendo as raçõesdiarias, a organização dos <<menus>>, o valor do leite na economiaorganica, horas de diversão e de exercicios, seja seja do ponto de vista domais conveniente, seja quanto a escolha daquelles de mais accentuadocaracter educaciona; a escolha de jogos infantis antes da epoca escolar, osquais possam aliar o lado hygienico com ensinamentos elementares degeometria, historia, geographia, sciencias praticas, etc, afinal odesenvolvimento normal dos orgãos contribuido ao desenvolvimento mental– [...] (DANTAS, 1922, p. 46).

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120

Esses conteúdos mencionados por Dantas (1922) demonstram uma grande

preocupação com aspectos higiênicos, alguns deles já referidos por Manoel Dantas

(1921, p. 31) e, também, presentes no programa da cadeira de “Economia

Doméstica” (DIRETORIA GERAL DA INSTRUCÇÃO, 1914, p. 51), como o cuidado

com a alimentação e com o vestuário.

Além disso, a indicação para as mães sobre exercícios físicos infantis e de

ensino elementares nos fornece indícios de que a educação para a maternidade

visava permitir que o ambiente familiar fosse preparatório para o espaço escolar.

Sobre essa preocupação com a infância, Azevedo e Santos (2012) afirmam que ela

fazia parte do projeto republicano para formar as gerações futuras:

A nação precisava investir na infância cujos representantes, as crianças,não poderiam perecer. Do desenvolvimento delas dependeria o futuro e oprogresso do País. [...] era preciso ir além: regenerar a nação sob valoresrepublicanos e pelo desenvolvimento do País. Nesse projeto as criançasforam alvo constante, tendo em vista a transformação destas em cidadãosrepublicanos, fortes, saudáveis, trabalhadores. Buscava-se a prevenção dedoenças na população por meio da construção de costumes de higiene aserem adotados desde a infância. (AZEVEDO; SANTOS, 2018, p. 205).

A preocupação com as futuras gerações esteve bastante presente em outro

texto de autoria de Christovam Dantas (1923), “A moça americana e as

universidades: a educação e o problema da raça”, no qual o autor reforça seu

entendimento da função feminina na sociedade, o papel social da maternidade, que,

em seu escrito, deveria ser primordial. Essa asserção pode ser notada na seguinte

passagem: “os esforços para prender a mulher ao lar, libertando-a do magnestimo

malefico da vida urbana comteporanea, devem merecer o applauso o mais

incondicional parta elle dos governos ou da philantropia particular” (DANTAS, 1923,

p. 31).

O autor, em sua argumentação, relatou que a mulher norte-americana

estava inserida nas universidades daquele país, e que elas obtinham ótimos

resultados e demonstravam sua capacidade intelectual, sendo, muitas vezes, mais

hábil que os homens. Porém, na visão de Christovam Dantas (1923), as mulheres

não deveriam perder de vista sua obrigação social, pois, segundo ele:

É preciso que a mulher possua a conciencia de que ella representa o capitalmais precioso da raça. Uma civilização que força suas mulheres à

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121

escravidão dos escriptorios e da machinas de escrever e dos empregospublicos, em vez de encaminharl-as para o exercicio da maternidade, semtodavia implicar no abandono de seus direitos politicos e sociaes comocellula vital no tecido da sociedade, é capaz de provocar a ruina da raça.(DANTAS, 1923, p. 32).

Nesse fragmento, vemos mais uma vez o desejo de civilidade do autor, que

defendeu sua concepção sobre o dever social da mulher, uma obrigação biológica,

um dever cívico e nacionalista para sua “raça” (DANTAS, 1923, p. 32, 33). Durante

todo o texto, o termo “raça” parece ter sido usado como sinônimo de população de

um país ou nação, ao olharmos para o teor da discussão e outros elementos textuais

apresentados. Um indício disso é que o artigo não continha menções a outros temas

relativos à eugenia e ao racismo, como cor de pele, tipos de raças, ou superioridade

de um povo específico.

Nessa matéria, Dantas (1923) argumentou que o acesso das mulheres ao

ensino superior não deveria prejudicar seu dever da maternidade. Christovam

Dantas (1923, p. 33) defendeu o seguinte pensamento: “Educar não é separar a

mulher do lar, mas sim torná-la ainda mais mulher e rainha pelo exercício intelligente

e civilizador das faculdades que a natureza lhe ortogou”.

Essa posição de exclusividade do papel da mulher como mãe não era algo

unânime, se atentarmos para outros textos que abordam o papel feminino na

sociedade. Por exemplo, Manoel Dantas e Alzina Azêvedo (1921) enfatizam a

relevância social das donas de casa, mas não indicam que elas não poderiam

exercer outras atividades, sendo esse um ponto em aberto nesse escrito.

Nestor Lima (1921c), em sua obra o “Celibato Pedagógico”, não discutiu que

a função primordial da mulher deveria ser a maternidade e os afazeres domésticos.

Contudo, o autor interroga se as mulheres que atuavam no magistério também

poderiam ou não casar, devido ao acúmulo de atividades do lar e da escola, e da

exigência de cada um desses ambientes. Esse posicionamento dá a entender que o

autor acreditava que as mulheres poderiam atuar em outras funções na sociedade,

no caso específico discutido por ele, como professoras, divergindo, nesse ponto, de

Christovam Dantas (1923).

Dessa forma, podemos concluir que a Pedagogium divulgou a discussão da

educação feminina para o ser dona de casa, uma preocupação pedagógico-

higienista que visava formar um agente na sociedade responsável por educar desde

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122

o seio familiar as crianças, ou seja, os futuros cidadãos republicanos. Todavia,

devemos salientar que não houve, entre os autores, consenso se essa seria a única

função da mulher na sociedade.

4.4 SOCIEDADE E COSTUMES

Como já discutido na seção anterior, a mudança de padrões de

comportamento era uma das intenções do movimento higienista no Brasil, conforme

demonstrado nas obras de Gondra (2004), Azevedo e Stamatto (2010),

Herschmann, Kroff e Nunes (1996). Na Primeira República, a educação e as escolas

deveriam garantir

o objetivo do Estado republicano recém-nascido: o de formar cidadãosrepublicanos e civilizados, ou seja, detentores de boas maneiras e gestosdóceis, disciplinados, fortes, sadios e trabalhadores, para que, dessa forma,o Brasil progredisse social e institucionalmente (AZEVEDO; STAMATTO,2012, p. 106).

Para alcançar esse objetivo, foram feitas reformas educacionais, ajustes em

conteúdos escolares e criação de materiais didáticos, na tentativa de formar um

cidadão idealizado pelas elites nacionais.

Essas intenções também estiveram presentes na legislação educacional

potiguar durante a Primeira República. No regimento dos grupos escolares e escolas

isoladas de 1914, na parte do curso elementar, dentro dos conteúdos das cadeiras

de “Educação moral” e de “Lições de coisas”, podemos ver alguns temas claramente

voltados para o propósito de civilizar e higienizar os alunos:

Moral [...] Deveres de asseio, pontualidade e zêlo na escola. A preguiça, o descuido e as maneiras desastradas. O jogo. O fumo. As bebidas. As más companhias. A mentira. A delação(enredos). Deveres do alumno para comsigo mesmo: asseio corporal, veracidade,cumprimento de palavra, independencia e energia da vontade, temperança.Prohibição do suicidio: obrigação de conservar a vida e defendel-a. Adignidade pessoal. O egoismo. [...] Lições de coisas [...] A alimentação. Os alimentos: agua, leite, queijo, manteiga, pão, café,chá, sal, carne e peixe, arroz, faírinha/fructas, legumes, vinhos,dôces. .Cuidados hygienicos com a bocca e os sentidos.

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123

[...] O homem: partes do corpo humano. Principaes funçções da nutrição.Hygiene da alimentação e da respiração. O asseio. (DIRETORIA GERALDE INSTRUÇÃO, 1914, p. 44-50).

Esses eram conteúdos que visavam orientar, desde a infância, como os

indivíduos deveriam portar-se à mesa e em sociedade, possuindo etiqueta e

moralidade, bem como a forma como deveriam cuidar do próprio corpo e de seus

objetos, mantendo um estado de limpeza e higiene. Em síntese, refletiam que tipo

de cidadão o governo do Rio Grande do Norte pretendia formar.

Nos contextos nacional e local, a revista da APRN também teve a mesma

intenção pedagógica-higiênica, quando divulgou temas relativos à Higiene escolar e

à educação sanitária. Em alguns artigos desse periódico, o tema é mais perceptível,

como, por exemplo, na seguinte passagem escrita por Alfredo Lyra (1922):

É necessario combater os habitos e as praticas viciosas, mostrando o perigoda corrupção e da immoralidade, porque a formação do homem dependedos ensinamentos recebidos quando creança e, ainda, porque a a primitivatende a perpertua-se. (LYRA, 1922, p. 27).

Em “Hygiene Escolar: Inspeção medico-escolar", o médico citou duas

práticas viciosas que deveriam ser combatidas: o uso do álcool e do fumo.

Deveriam, na visão do autor, ser explicados os malefícios desses hábitos “por meio

de lições rudimentares e conselhos elucidativos” (LYRA, 1922, p. 28).

Dentro das transcrições do curso de férias, podemos ver exemplos de

costumes sociais específicos criticados pelos autores presentes na Pedagogium. No

texto “Sobre as verminoses humanas”, ao falar da infestação humana por parasitas,

o médico Demosthenes de Carvalho (1925) aponta costumes que levariam à

contaminação por via oral:

[...] por via gastrica é facil de perceber como o facto se passa: a larva doverme é levada a bocca por alimentos contaminados, como sejam fructasque se apanhem no chao; ou pelas mãos sujas de terra infeccionadas delarvas; ou ainda pelo cachimbo que cae por accaso no chão, ou que o Jeca,enquanto dormi a sesta, deixa guardado num cantinho sombrio e humido deao pé de uma arvore, aonde os embryões pupulam (CARVALHO, 1925, p.24).

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124

Hábitos relativos à alimentação e ao lidar do indivíduo com o ambiente em

que se vive eram desestimulados pelos conteúdos da disciplina de “Lições de

coisas”. Esses aspectos sugerem que havia uma sintonia entre os conteúdos

escolares normatizados legalmente e as ideias pedagógico-higienistas veiculadas

pela Pedagogium para professores potiguares.

O artigo de Mario Lyra (1925) também cita hábitos combatidos pelos

conteúdos escolares previstos no ensino primário. Essa prerrogativa pode ser

notada na seguinte passagem: “Onde não há bastante claridade, não pode haver

asseio: tudo parece que está limpo e tudo está sujo. As pessoas pouco escrupulosas

cospem à vontade pelo chão e até pelas paredes; o que dificilmente fariam em um

quarto bem iluminado” (LYRA, 1925, p. 42).

Elias (1994), ao discutir o processo civilizatório de nações europeias,

mostrou que as mudanças de hábitos em uma sociedade abordam os mais diversos

âmbitos da vida pública e privada. Assim, na busca da construção de um homem

civilizado, aquele que, em um contexto social e histórico possui hábitos

considerados superiores em relação a outros, costumes que antes eram aceitos,

passam a ser mal vistos, depreciados, não reconhecidos como válidos.

Tais questões podem ser percebidas nos trechos das matérias da

Pedagogium que analisamos. Nesse impresso, a crítica de práticas sociais foram

foco de dois textos: um no volume n.º 2 de 1921, escrito por Nestor Lima (1921b),

com o título de “As modas e a educação”, discutindo a questão do vestuário; o outro,

na edição n.º 4 de 1922, escrito por Oscar Wanderley (1922) e intitulado Educação

Moral, no qual ele aborda o tema do alcoolismo.

Em “As modas e a Educação”, Nestor Lima (1921b) realizou uma crítica aos

costumes de vestuário da época, principalmente os femininos, segundo ele,

influenciados por modismos franceses ou cariocas, os quais, em seu entendimento,

muitas vezes não respeitavam princípios morais e higiênicos, razão por que não

eram adequados. Logo no início de sua discussão, o autor afirmou que esse assunto

seria relevante para a educação, apresentando dois motivos para justificá-lo:

Primeiramente, porque é norma sediça de hygiene, e, pois, de educaçãophysica, a necessidade de preservar o organismo por meio das inteperiespor meio do vestuario, em segundo logar, porque é um preceito daeducação moral, exige o resquardo ao pudor individual. (LIMA, 1921b, p.15).

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125

Podemos notar a menção a duas disciplinas escolares, a Educação Física e

a Educação Moral, para sustentar a opinião do autor, além da articulação de

princípios higiênicos e morais para justificar um ponto de vista educacional.

Nestor Lima (1921b) argumentou que as vestimentas deveriam proteger do

clima o corpo da pessoa, variando de acordo com as estações do ano, o clima de

cada localidade e, ao mesmo tempo, não ser reveladora, respeitando os padrões

morais da época (LIMA, 1921b, p. 16). A vestimenta defendida pelo autor também

deveria refletir o país, podendo existir até um “traje brasileiro”, que mostrasse traços

estéticos e patrióticos nacionais (LIMA, 1921b, p.18).

Ao fazer uma crítica à moda, Nestor Lima (1921b) descreve o que, em seu

entendimento, configurava alguns dos exageros praticados na sociedade em relação

ao vestuário naquela época:

A moda dos figurinos, assim que chega, é logo imitada por alguem: estalançada. Seguil-a é uma necessidade. Não tratam as imitações grotescas emais geraes, e eis que, em pleno inverno, aqui, as senhoras e senhoritasexhibem trajes leves, de fazendas finas, sem qualquer abrigo, porque émoda, é chic e devem ser usados. Outras vezes, no vigor do verão, veem-se vestimentas grossas, de fazendas pesadas e modelos reforçados, comfito de preservarem do frio athmospherico, aliás, inexistente. (LIMA, 1921b,p.16).

Nesse trecho, percebemos um tom civilizatório, pois o autor critica costumes

da população baseados em padrões considerados por ele como superiores. Nessa

busca pela civilidade, ele defende a relevância da educação para a mudança dos

hábitos sociais vigentes por outros mais adequados.

Nestor Lima (1921b, p. 19) afirmou, também, que essa mudança aconteceria

através da “[...] formação, pela escola primária dos novos espíritos verdadeiramente

amantes do que a natureza lhes concedeu na terra, nos costumes, nas virtudes e

nos hábitos característicos da nossa nacionalidade”. Dessa maneira, através da

Pedagogium, o autor divulgou a representação de civilidade, que circulou localmente

em terras potiguares e nacionalmente no Brasil.

No texto “Educação Moral”, Oscar Wanderley (1922) faz uma crítica aos

impactos do alcoolismo para a sociedade. Esse artigo foi escrito da mesma forma

que outros de autoria de Wanderley (1922), ou seja, com o intuito de serem

pequenas lições sobre educação moral e civismo para servirem de base para as

Page 126: AS IDEIAS PEDAGÓGICO-HIGIENISTAS NA REVISTA

126

aulas realizadas por professores leitores dessa revista. Dessa maneira, pretendia ter

impacto na atuação de profissionais do magistério, e, por consequência, nos

estabelecimentos de ensino e no aprendizado de seus alunos.

Em sua discussão, Wanderley (1922) visava contribuir no combate de vícios

sociais da mesma forma que a existência de aulas de educação moral no ensino

primário potiguar. O autor começa afirmando que o abuso do álcool acarreta vários

malefícios, entre eles, os fatores degenerativos para a saúde, contribuindo para a

proliferação da tuberculose, doença temível (WANDERLEY, 1922, p. 10).

De acordo com Wanderley (1922, p. 10), era comum afirmar que seria mais

efetivo para a profilaxia da tuberculose combater o alcoolismo do que prevenir e

combater somente a doença. Em seguida, faz um elogio às pessoas que pensam

assim, como se esses sujeitos fossem mais racionais por possuírem conhecimentos

de higiene, ou seja, detentores de um nível de civilidade desejável para toda a

sociedade: “Os que assim pensam, escudados, talvez, nas leis da hygiene, se

baseiam, certamente, em factos e observações concretas, porquanto lições de todos

os dias ahi estão a se repitirem como favoraveis a essas categoricas afirmações”

(WANDERLEY, 1922, p. 11).

O autor compara o vício em álcool a uma úlcera que, em seu entendimento,

degradaria a sociedade, sendo necessário combatê-lo para evitar a tuberculose e a

degradação moral social (WANDERLEY, 1922, p. 12). O autor enfatizou que o

alcoolismo estaria ligado a outros problemas da sociedade, o que pode ser

percebido na seguinte passagem:

Convém assinalar igualmente que, para as bebidas alcoolicas poderematcuar de maneira directa nos meios sociaes, conseguindo dominar oorganismo são, necessario se torna, com certeza, encontrar condiçõesfavoraveis, de má reparação aos seus effeitos, condições ante-hygienicas,em que constumam viver os que explicam o desenvolvimento da terrivelendemia. (WANDERLEY, 1922, p. 11).

Dessa forma, o autor salientava a necessidade de combater não só a um

vício, mas sim, a um conjunto de costumes sociais que o sustentam. Segundo Oscar

Wanderley (1922, p.13, 14), contribuíam para a manutenção do alcoolismo o grande

número de propagandas desse produto; a proliferação de lugares como bares,

tavernas, botequins e “cabarets”, que, em sua visão, eram estabelecimentos

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“corruptores de todos os estímulos morares” (WANDERLEY, 1922, p. 14); a música

desses lugares; o jogo e o tabagismo.

No artigo, foram defendidas medidas voltadas para acabar com esse vício: o

combate às condições econômicas que sustentam o comércio do álcool

(WANDELEY, 1922, p. 13); e a orientação de bons comportamentos pela educação

para os alunos. Wanderley (1922, p. 17) postulava que “o alcoolismo, como o jogo e

o tabagismo, são vicios. E, como tal, bem como sabemos, não tem causas physicas:

são meras creações naturaes, mdecorrentes das proprias bases da nossa rachitica

educação” (WANDERLEY, 1922, p. 13).

Ao criticar a situação educacional da época e, ao mesmo tempo, enfatizar a

importância da educação para a adoção de hábitos que contribuíram para a higiene

e a saúde da sociedade, Oscar Wanderley (1922) se aproxima das ideias

propagadas pelo Estado, em suas legislações e programas escolares; pela elite, nos

jornais e outros meios de comunicação (FERREIRA, 2009, 2019); e de críticos

sociais, como Januário Cicco (1922; 1928).

Cicco (1920), ao analisar a situação das condições de higiene do município

de Natal, defendeu que não adiantaria estruturar os serviços médicos e de profilaxia

se o povo não fosse educado para adotar costumes higiênicos.

No final de seu texto, Wanderley (1923, p. 17) cita exemplos de iniciativas de

educação “anti-alcoolica" de países europeus e dos Estados Unidos, afirmando que

tais iniciativas tiveram resultados consideráveis. Nessa concepção, o autor julgou

que essas medidas educativas teriam resultados para o combate desse vício.

Os textos e as menções relativas a transformações de costumes sociais na

Pedagogium nos fornecem indícios de que esse impresso procurou fortalecer o coro

de uma camada social, a qual possuía mais escolaridade e recursos financeiros, na

tentativa de instituir hábitos considerados por eles mais civilizados.

4.5 EDUCAÇÃO E HIGIENE

O último texto pertencente à nossa análise é a obra “No Brasil só há um

problema nacional: a educação do povo”, escrito pelo médico Miguel Couto em 1927

e transcrito na íntegra na edição do mesmo ano da revista investigada. Logo antes

do texto, os membros da Associação de Professores do Rio Grande do Norte

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128

demonstraram suas admirações com a obra de Couto (1927), afirmando ser

relevante a sua divulgação:

É uma peça digna de leitura e meditação essa que passamos para nossascolunas. O conferencista, que é o mais sábio dos médicos brasileiros, versaum thema antigo com criterio e solida argumentação. (PEDAGOGIUM,1927, p. 16).

Se pensarmos a partir do conceito de campo de Bourdieu (1983; 2003;

2010), como um espaço social de disputa pelo poder de afirmar a superioridade de

uma cultura sobre outra, além de deixar patente sua identificação com Miguel Couto

(1927), a Pedagogium apresentou o autor do artigo como uma autoridade do campo

educacional brasileiro, alguém conhecedor dos assuntos educacionais e que poderia

orientar os leitores desse periódico.

Dessa forma, utilizando a posição de autoridade desse médico, o órgão

oficial da APRN poderia valorizar seus outros conteúdos e textos publicados, já que

muitos deles concordavam em vários pontos com a perspectiva de Couto (1927).

Nessa obra, Miguel Couto (1927) defendeu a importância do investimento

público para a educação, pois ela seria, em sua visão, o elemento mais importante

para o avanço do Brasil, no desenvolvimento dos seus aspectos econômicos e

sociais.

O escrito fomentou um discurso baseado em um desejo do progresso

nacional, tendo objetivo principal mobilizar os brasileiros, principalmente os

educadores, a valorizar a importância da educação. Através da máxima “Pensai na

educação, patricios!” “Pensai na educação, Brasileiros!”, Couto (1927, p. 16, 34)

demonstrou o propósito de mobilizar a sociedade e o campo educacional como um

todo.

Essa intenção de mobilização do campo educacional esteve presente em

outros escritos do ano de 1927 veiculados pelo impresso da APRN, volume especial

de comemoração do Bicentenário da Instrução Pública no Brasil, referente à

aprovação da Lei de 15 de outubro de 1827 (PEDAGOGIUM, 1927). Constitui um

exemplo o escrito por Nestor Lima (1927), intitulado “As razões desse centenário”.

No artigo que introduziu a edição especial dessa edição, o escritor defendeu

a importância dessa data para a educação do Brasil, pois, em sua visão, apesar da

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129

situação precária do ensino no final da Primeira República, essa lei havia trazido

avanços para a educação. Lima (1927) afirma:

Tendo partido deste Estado, cujos dirigentes sempre timbravam em prezaras tradições nacionaes e se estão devotando pela ampliação, progresso edisseminação do ensino primário, que consideram a condição precipua dodesenvolvimento do nosso povo, a commemoração da lei centenária, hojelevada efeito a todo paiz, jamaiz teve por mira deprimir dos brios da nossagente, antes, porém, visa exautal-os, erguel-os bem autos e sobreranos, emostrar que, só por esses movimentos verdadeiramente generalizados epatrioticamente fecundos, havemos de conseguir interessar a nação pelomaior de todos os problemas nacionaes, cuja solução urgente e definitiva,em futuro não muito remoto, temos que realizar, custe o que custar. (LIMA,1927, p. 7).

Nessa passagem, vemos essa preocupação de Lima (1927), assim como em

Couto (1927), quanto a incentivar uma mobilização do campo educacional e, quem

sabe, da população em geral para a situação do ensino. A revista seria um dos

instrumentos para alcançar esse objetivo, junto com as festas e os eventos

realizados no Rio Grande do Norte, como as comemorações cívicas

(PEDAGOGIUM, 1927). Além disso, podemos perceber um elogio de Lima (1927) ao

Estado republicano e a suas ações educacionais.

Em “No Brasil só há um problema nacional: a educação do povo”, Miguel

Couto (1927) começou seu debate tratando sobre os impactos que a educação

deveria ter no Brasil, mostrando o exemplo do Japão. Segundo o autor, esse país do

extremo oriente seria um exemplo a ser seguido, um modelo de civilização a ser

admirado, pois, ao investir na educação do seu povo, o Estado nipônico teria

avançado em ritmo acelerado em cinquenta anos, tornando-se uma potência

econômica e elevando seus padrões sociais.

Para Miguel Couto (1927, p. 20), “a ignorancia representa atrazo, pobreza e

inferioridade de uma nação”. Em sua visão, para que o Brasil avançasse, seria

necessário o avanço da Educação. Esse médico defendeu o lema “O Brasil espera

que cada um cumpra seu dever” (COUTO, 1927, p. 24), o que significava, para o

autor, que a escola deveria formar o cidadão civilizado e higienizado, pois era papel

da instituição escolar; quanto ao Estado, deveria investir na educação, uma vez que

essa era sua obrigação. Segundo Cavalcante (1999) e Ribeiro (2003), esses

posicionamentos foram também defendidos pelos membros da APRN e articulados

em vários textos do periódico.

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130

As duas medidas sugeridas por Couto (1927, p. 24-28) para o aumento de

investimento estatal para a educação seria o direcionamento da verba arrecadada

pelo imposto de renda e a criação de um imposto sobre bebidas alcoólicas, pois,

para esse médico, o consumo desse produto era prejudicial fisicamente e

moralmente para os indivíduos da sociedade.

Na sua argumentação, o consumo de álcool deveria ser desestimulado e a

criação desse imposto seria uma das medidas para essa finalidade; a outra, seria o

uso desse dinheiro arrecadado em ações de educação para o combate ao vício do

alcoolismo. Para ele, o uso de bebidas alcoólicas era o maior fator de “degeneração

da raça”, algo também defendido por Oscar Wanderley (1922), em seu texto

divulgado pela Pedagogium, intitulado “Educação Moral”. O tema também foi

debatido por Luiz Antônio do Santos Lima (1929), em sua tese “Hygiene Mental”.

Essa justificativa do “problema da raça” para justificar afirmações e ideias

pedagógicas apareceu em vários textos nesse impresso. Geralmente, esse tipo de

argumentação aparecia no fim dos textos, não sendo um tema muito explorado

pelos autores. Na maioria dos casos, era um elemento muito mais ligado a uma

preocupação com o desenvolvimento da população e da nação, do que uma

afirmação da superioridade de um grupo ou etnia sobre outro.

Um exemplo disso reside na afirmação de Alfredo Lyra (1923), em “A

Hygiene Escolar no méxico”. Após o autor elogiar os livros e os médicos mexicanos

pelos debates sobre as condições de higiene na educação, vemos, no fim de sua

redação, o seguinte fragmento, em que Lyra (1923, p. 27) afirma que, para ele, os

conhecimentos mexicanos “[...] contribuem de maneira brilhante com suggestões

valiosas, para o fortalecimento da raça e engradecimento do Paiz” [...], “trabalhos de

indiscutivel valor, foi mais uma demostração do grau de andiantamento a que

attingiu este grande paiz que é o México.” Esse argumento demonstra uma

preocupação muito mais com as futuras gerações e com a nação, do que com uma

disputa racial.

Miguel Couto (1927), após seu debate, sugeriu três medidas que deveriam

ser enviadas para o Congresso Nacional, a fim de melhorar a situação educacional

do país. Seriam elas:

I - A união levará o ensino primário e a hygiene a todo interior do Brasil. II - É destinado exclusivamente ao ensino e à hygiene o producto integral doimposto sobre a renda e o imposto de consumo de bebidas alcoolicas.

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131

III - Criado o Ministerio da Educação, com dous departamentos: o do ensinoe o da hygiene. (COUTO, 1927, p. 23).

Nessas medidas, podemos ver uma clara intenção da vinculação dos

princípios da higiene com as funções da educação na sociedade. Algo que, como

vimos ao longo da presente seção, também foi uma das preocupações pedagógico-

higienistas dos artigos que analisamos da Pedagogium. Sobre a sugestão I, relativa

ao ensino, Couto (1927), em outro trecho, definiu como ele deveria ser feito

institucionalmente. Desse modo, além da criação de escolas em todo o território

brasileiro, seria necessário:

Estabelecer em cada estado, no numero convinhavel, grandes Institutos deEnsino Primário, sob rigorosa direcção de pedagogos e hygienistas, eprovidos de laboratorio e oficinas; para elles viriam todas as criançasdomiciliadas no insterior do paiz, em lugares não servidos por escolas. Oestado passaria a exercer com respeito a essas crianças durante oitoannos, verdadeira tutella e lhes daria, além de manutenção e indumentaria,a instrucção ntellectual, physica e profissional. (COUTO, 1927, p. 32).

Nesse fragmento, observamos uma indicação de que os médicos e

professores deveriam trabalhar juntos, algo que Alfredo Lyra (1922; 1923), Mario

Lyra (1925) e Demosthenes de Carvalho (1925) defenderam em seus textos nessa

revista. Além disso, o autor indica que a educação deveria formar as futuras

gerações desde a infância, formando um cidadão fisicamente e mentalmente

desenvolvido, algo apontado como parte das ideias pedagógico-higienistas

divulgadas na Pedagogium.

A transcrição da conferência de Miguel Couto (1927) e a edição especial de

1927 evidenciam o que está posto em outros escritos investigados: essa revista

procurou orientar o campo educacional local, mostrando ter relações com o campo

educacional em um nível mais macro. Ademais, a defesa das práticas e de valores

civilizados era relevante, pois outras autoridades da educação de diversas

realidades do país e do exterior se preocupavam com os mesmos temas.

Finalmente, convém salientar que o número especial desse periódico de

1927 teve o objetivo de reunir todos os pensamentos difundidos ao longo dos seus

primeiros sete anos de existência, além de afirmar os membros de sua entidade

Page 132: AS IDEIAS PEDAGÓGICO-HIGIENISTAS NA REVISTA

132

criadora, a Associação de Professores do Rio Grande do Norte, como agentes

orientadores do campo educacional potiguar.

Page 133: AS IDEIAS PEDAGÓGICO-HIGIENISTAS NA REVISTA

133

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O passado é uma construção e uma reinterpretação constante e tem umfuturo que é parte integrante e significativa da história. [...] Novas leituras dedocumentos, frutos de um presente que nascerá no futuro, devem tambémassegurar ao passado uma sobrevivência – ou melhor, uma vida –, quedeixa de ser “definitivamente passado”. (LE GOFF, 2013, p. 28).

Ao longo desta dissertação, discutimos que o ideário republicano em terras

brasileiras esteve alinhado com os interesses de sua elite econômica e social. Para

tanto, esse grupo social idealizou e executou uma série de reformas políticas,

urbanas e sociais, que visavam não somente à modernização do país, mas,

também, à mudança de mentalidade do povo brasileiro.

Foi nesse contexto que o movimento higienista ganhou destaque, sobretudo

ao procurar aproximar-se do Estado e de diversos outros campos profissionais

detentores da mesma intenção modernizadora, entre eles, o Campo Educacional.

Durante a Primeira República, para os médicos, as elites, o governo e sujeitos

ligados a instituições de ensino, a educação deveria formar o cidadão republicano

possuidor de um desejo nacionalista de contribuir para o desenvolvimento da nação,

e que fosse praticante de hábitos civilizados e saudáveis.

As elites do Rio Grande do Grande do Norte, semelhantemente ao que

acontecia no restante do país, almejavam a modernização do estado. Havia no

território potiguar, por parte dos políticos e da elite local, um anseio pela adesão de

paradigmas civilizados e de progresso que colaborariam para o desenvolvimento do

próprio estado e do avanço da República brasileira.

Para alcançar esse objetivo, o estado potiguar passou a incluir, no período

da Primeira República, normas pedagógico-higienistas em suas leis e decretos

educacionais, procurando, dessa forma, incentivar por vias legais de poder os

sujeitos a adotarem costumes higienizados e civilizados. Ao longo desse período, as

normatizações relativas a princípios de higiene foram se tornando cada vez mais

explícitas e detalhadas.

Na legislação educacional local, as exigências e as orientações higienistas

tinham as seguintes pretensões: promover a manutenção das condições de higiene

dos estabelecimentos de ensino; adotar os comportamentos higiênicos e cuidados

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134

voltados à saúde dos sujeitos escolares; inserir conteúdos nos programas escolares

com a intenção de higienizar, civilizar e moralizar seus alunos; avaliar e inspecionar

a higiene escolar.

Nesse contexto histórico-social, foi fundada, em 04 de dezembro de 1920, a

Associação de Professores do Rio Grande do Norte (APRN), cuja entidade reuniu

professores de renome local, sujeitos oriundos das elites da época. Esses

educadores, políticos, escritores e intelectuais tinham como objetivo principal

fortalecer e auxiliar a educação potiguar.

Mais que isso, o grupo tencionava assumir a responsabilidade de coordenar

e orientar os profissionais do magistério norte-rio-grandense. Se pensarmos a partir

do conceito de Bourdieu (1983; 2003; 2010), observaremos que a APRN buscou

ocupar uma posição dominante no campo educacional do Rio Grande do Norte,

orientando os profissionais do magistério através da difusão das ideias pedagógicas

que essa entidade julgava como sendo as mais relevantes para o segmento da

educação.

Assim, para atingir esse objetivo, uma das realizações da APRN foi a criação

de um periódico voltado para os assuntos relativos à educação. A “Pedagogium:

Revista Official da ‘Associação de Professores’” foi projetada para ser o órgão oficial

de comunicação da APRN e de seus membros diretores.

A partir da intencionalidade da Associação de Professores de ocupar uma

posição de destaque no campo educacional potiguar, seu veículo oficial de

comunicação configurou-se como um instrumento de disputa de poder, um

instrumento ideológico, na tentativa de que essa entidade tomasse para si um status

de agente de autoridade no meio educacional do estado. Nesse periódico, foi

publicada uma grande variedade de textos tendo como público-alvo professores do

sistema educacional potiguar republicano. Em suas páginas estiveram presentes

artigos, poesias, hinos, entrevistas, noticiários, entre outros gêneros de texto.

Mediante essa constatação, procuramos compreender que ideias higienistas

aparecem na revista investigada e que objetivos permeiam o impresso ao difundir

esses debates, no período de sua publicação demarcado entre os anos de 1921 a

1927. Realizado este estudo, podemos confirmar que a nossa hipótese inicial estava

correta. A Pedagogium empregou ideais da higiene como parâmetros relevantes

para pensar uma educação potiguar mais civilizada para os padrões da época.

Page 135: AS IDEIAS PEDAGÓGICO-HIGIENISTAS NA REVISTA

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As ideias propagadas em suas páginas e as discussões propostas também

estavam alinhadas com as ações do Governo, que pretendia modernizar o sistema

educacional do Rio Grande do Norte. Não somente isso, o periódico elogiou e fez

propaganda de ações educacionais estatais, demonstrando seu alinhamento com o

estado potiguar.

Outro indício encontrado dessa sintonia, e por consequência da APRN, com

o Governo do Estado, é a presença de discussões pedagógico-higienistas que

abordavam aspectos educacionais normatizados pela legislação educacional local. A

exemplo disso, tem-se a higiene escolar e a educação sanitária. Esse periódico

relacionou as ideias do higienismo à atuação do professor, à organização do espaço

escolar, a discussões de disciplinas escolares, à função da educação na sociedade

e ao tipo de aluno que a escola deveria formar.

As ideias pedagógico-higienistas na Pedagogium visavam ao propósito de

que seus leitores tivessem conhecimentos de limpeza e de hábitos saudáveis, para,

assim, adotá-los em suas vidas, bem como divulgá-los em sua atuação no

magistério com os alunos. As orientações pedagógico-higienistas nos textos

analisados focaram nos seguintes temas: na higiene escolar como fator para o

desenvolvimento do aluno e de um espaço que contribuísse para a profilaxia da

população; na importância da Inspeção Médico-Escolar, a fim de garantir condições

de limpeza, asseio e higiene dos estabelecimentos de ensino, e também dos alunos

e professores; na educação sanitária como meio de construir uma futura geração de

cidadãos simpatizantes e praticantes de costumes higiênicos; na necessidade da

profilaxia de moléstias dentro do espaço escolar, para garantia da saúde dos alunos;

no combate aos maus padrões comportamentais presentes na sociedade da época;

na educação feminina voltada para atividades no espaço familiar, a qual seria um

agente na formação das crianças civilizadas.

Após a finalização desta pesquisa, ainda persistem questões investigativas

passíveis de serem abordadas. Ressaltamos, como exemplo, o estudo das outras

duas fases desse periódico, cabendo investigar se essa preocupação com aspectos

da higiene se manteve ou não. Outra questão diz respeito ao interesse de pesquisar

com mais profundidade o pensamento pedagógico de outros sujeitos pertencentes

ao campo educacional ou ao campo médico-higienista do Rio Grande do Norte. Uma

terceira possibilidade de investigação poderia contemplar um estudo comparativo

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136

entre a Pedagogium e outros impressos educacionais que foram editados no mesmo

período, mas em diferentes estados brasileiros, proporcionando uma linha de

discussão em uma perspectiva macro.

Esta dissertação, sem dúvida, representou uma fase muito importante para

nosso crescimento profissional e acadêmico. Tivemos a oportunidade de executar

procedimentos importantes para a prática de qualquer pesquisador: compreender e

aplicar metodologias investigativas, articular ideias diferentes de autores diversos,

ler criticamente e com profundidade, fazer perguntas e pensar a realidade.

Ao pesquisarmos em História da Educação, tivemos não somente um

crescimento intelectual, mas, também, um encontro com o passado. Este, embora

muitas vezes esquecido, continua sendo capaz de fornecer elementos para

pensarmos a educação na atualidade, a fim de refletirmos e transformarmos nossa

prática docente.

Page 137: AS IDEIAS PEDAGÓGICO-HIGIENISTAS NA REVISTA

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6 REFERÊNCIAS

PEDAGOGIUM: ORGÃO OFFICIAL DA ASSOCIAÇÃO DE PROFESSORES DO RIO GRANDE DO NORTE. Natal, RN: Artes Graficas Natal, 1940. Ano XX, Vol. 2.

PEDAGOGIUM: REVISTA OFFICIAL DA "ASSOCIAÇÃO DE PROFESSORES". Natal, Rn: Empreza Tipographica Natalense, Ltd, 1921-1927.

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