As literaturas africanas e o jornalismo no período colonial

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  • 7/22/2019 As literaturas africanas e o jornalismo no perodo colonial

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    AS LITERATURAS AFRICANAS E O JORNALISMO NO PERODO COLONIAL

    Jurema Jos de OliveiraUniversidade Federal Fluminense (UFF)

    [email protected]

    Resumo:

    As literaturas africanas encontram nos jornais do perodo colonial espao profcuo de divulgao

    ficcional, potica, da cultura em geral e de resistncia aos mandos e desmandos de um sistema

    colonialista que ignora o saber, as manifestaes culturais, as formas de expresso dos povos subjugados.

    Palavras-chave: jornalismo, histria, literatura

    Abstract:

    The African literature find in newspapers from the colonial period a rich space for the diffusion of

    fiction, poetry, culture in general and the resistance to the ordering and disordering of a colonialist system

    which disregards the knowledge, the cultural manifestations, the forms of expression of subjugated

    peoples.

    Key words: journalism, history, literature

    O momento em que se verifica o incio de regularidade na atividade literria e, nos moldes

    ocidentais, cultural na frica est intimamente ligado implantao, ao desenvolvimento e ampliao

    do ensino privado ou sancionado pelo Governo da Metrpole.

    As primeiras iniciativas governamentais relacionadas com a educao na frica datam de 1740,

    mas s a partir da segunda metade do sculo XIX foram tomadas as medidas cabveis para desenvolver o

    ensino em Cabo Verde, primeira colnia portuguesa a ser beneficiada pelo projeto de "instruo pblica

    no Ultramar".

    Nos documentos oficiais (boletins) de Cabo Verde, verificam-se algumas das providncias acerca

    da instruo pblica ultramarina, como: "escolas principais, materiais de ensino, provimento,

    vencimentos, jubilao e aposentadoria dos professores, criao dos conselhos inspetores de instruo

    primria, sua composio e deveres" (FERREIRA, 1987, p.9). Cabe ressaltar que o prelo foi instalado

    nas colnias portuguesas nas seguintes datas: Cabo Verde, 1842; Angola, 1845; Moambique, 1854; So

    Tom e Prncipe, 1857; Guin- Bissau, 1879.

    A instalao do prelo em Angola abre espao para a publicao de Espontaneidades da minha

    alma (1849), de Jos da Silva Maia Ferreira, primeira obra impressa na "frica Lusfona", mas no a

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    primeira produo literria de autor africano. Segundo Manuel Ferreira, Tratado breve dos reinos (ou

    rios) da Guin, de autoria do cabo-verdiano Andr lvares de Almada, foi escrito em 1594.

    A produo literria nos pases africanos divide-se em duas fases: a da literatura colonial e a das

    literaturas africanas. A primeira exalta o homem europeu como o heri mtico, desbravador das terras

    inspitas, portador de uma cultura superior. A segunda constitui-se inversamente, pois nela o mundo

    africano passa a ser narrado por outra tica. O negro privilegiado e tratado com solidariedade no espao

    material e lingstico do texto, embora no sejam excludas as personagens europias (de caractersticas

    negativas ou positivas). o africano que normalmente preenche os apelos da enunciao e ele quase

    exclusivamente, enquanto personagem ficcional ou potico, o sujeito do enunciado.

    Os cuidados e os esmeros do sujeito enunciador so os de organicamente moldar oenunciado com os ingredientes significativos e representativos da especificidadeafricana. Se colocados lado a lado dois textos, um de literatura colonial e outro de

    literatura africana, como se procedssemos a uma justaposio de brusco contraste(FERREIRA, 1987, p. 13-14).

    Diante disso, pode-se dizer que o universo literrio e cultural dos naturais da terra, nas literaturas

    africanas, valorizado e explorado significativamente, pois, quando os autores negam a legitimidade do

    colonialismo no discurso literrio, fazem da revelao e valorizao do mundo africano a raiz primordial

    tanto na fico quanto na poesia, que, inicialmente, foram registradas em jornais ou folhetins.

    As literaturas africanas de lngua portuguesa, do ponto de vista lingstico, contam com

    numerosos termos, expresses, provrbios oriundos das lnguas faladas nos vrios grupos tnicos emAngola e Moambique, enquanto em Cabo Verde, So Tom e Prncipe e Guin-Bissau se usam duas

    lnguas: a portuguesa e a crioula.

    Cabe ressaltar que o crioulo falado em Cabo Verde muito similar ao da Guin-Bissau, e

    denominado crioulo pelo povo da terra; j em So Tom e Prncipe era e chamado de forro -

    denominao dada tanto lngua quanto aos naturais da terra - por ser usado primeiramente pelas

    camadas mais pobres, e iletradas, j que a lngua portuguesa era falada apenas pela burguesia mestia ou

    negra que l se formava. Aps a independncia, o criouloadquiriu autonomia e passou a ser valorizado e

    falado em todas as camadas sociais das ex-colnias cabo-verdiana, guineense e so-tomense.

    Em 1846, um ano aps a instalao do prelo em Angola, publicaram-se no Boletim Oficial dessa

    colnia alguns textos literrios. Por volta de 1874, verifica-se o aparecimento da Imprensa Livre

    angolana, publicao de registros de experincias literrias e artigos, e cujo mrito era levantar a bandeira

    da democracia republicana almejada pelos intelectuais africanos e portugueses engajados na busca de uma

    imprensa propagadora das realidades africanas.

    Os estilos narrativos mais produtivos foram a crnica e o panfleto, este de carter doutrinrio e

    poltico. Outro gnero literrio valorizado nessa fase foi o folhetim, que agradava tanto aos africanos

    como aos portugueses. Eram publicados na colnia e algumas vezes reeditados na Metrpole.

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    Africanos, portugueses e brasileiros publicavam nos espaos comuns dos almanaques,boletins, jornais, revistas e folhetos. No tinham surgido ainda as designaes deliteratura angolana, moambicana ou so-tomense com carter de sistema nacional,mas a escrita j deixara de ser espao de europeidade absoluta para se tornarcontaminao relativa de lnguas. De facto, poetas portugueses e angolanosintercalavam no texto em portugus, mais extenso, frases, dilogos, versos, lexemasem lngua banta, quase que exclusivamente o quimbundo. A integrao perfeita, nacoerncia do sentido e da sonoridade e na coeso dos segmentos e dos ritmos

    (LARANJEIRA,1992, p. 11-12).

    Sendo assim, o trabalho literrio aproxima os intelectuais que buscavam um caminho para fazer

    circular seus textos ficcionais, poticos e de cunho poltico-ideolgico. Destaca-se neste estgio de

    despertar cultural Alfredo Troni escritor, jornalista e advogado , precursor da prosa moderna

    angolana com a criao deNga Mutri, bem como Pedro Flix Machado, tambm jornalista, que cultivou

    a prosa de fico, publicando em folhetim na Gazeta de Portugal a primeira edio do romance Scenas

    dfrica, reeditado em 1882.No final do sculo XIX, floresceram nas colnias africanas de lngua portuguesa vrias

    associaes recreativas, grmios literrios, diversos jornais, alguns de curta durao, mas geradores de

    motivao criadora bastante significativa. Cabo Verde, por exemplo, viu nascer em Praia,

    desde 1858 treze associaes recreativas e culturais, como a Sociedade de Gabinete deLiteratura(1860) e a Associao Literria Grmio Cabo-verdiano (1880). Assinala,ainda, que por essa altura, se cria a imprensa de Angola e Moambique e que a se dum notvel surto de jornalismo. Aparecem os primeiros peridicos, como A Aurora

    (1856), A Civilizao da frica Portuguesa (1866), O Eco de Angola (1881), OFuturo de Angola(1882), O farol do Povo(1883), O Sero(1886), O Arauto Africano(1889), Ensaios Literrios (1891), Luz e Crena (1902 - 1903) (SANTILLI, 1985,p.10).

    V-se, portanto, que surgiram muitos jornais entre o final do sculo XIX e incio do XX, e, apesar

    da maior parte ter tido curta durao, at o final do sculo XIX enumeraram-se "46 deles, os quais

    contaram com a participao de europeus e africanos" (SANTILLI, 1985, p.10).

    Da mesma forma como ocorreu em Angola e Cabo Verde, a imprensa moambicana instalada

    em 1854, quando nasce oBoletim Oficial.

    Em 1869 surge o primeiro peridico moambicano, O Progresso, e despontampginas ou sees literrias e de artes na imprensa. Precursores de periodicidadesemanal foram O Africano (1877), O Vigilante (1882), Clamor Africano (1892),(SANTILLI, 1985, p.11).

    No entanto, no sculo XX que a imprensa se estabelece com maior autonomia. Em Angola, o

    primeiro livro, marco histrico-literrio da fico, foi O segredo da morta, de Assis Junior, uma obra de

    costumes angolanos publicada nos folhetins do jornal A vanguarda de Luandaem 1929, com reediodatada de 1935 pela tipografia A Lusitana, em Luanda. Escrito, ento, no perodo que vai de 1910 a 1940,

    de 'quase no-literatura' em Angola, como diz Henrique Guerra no prefcio da ltima edio, O segredo

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    da mortaocupa todo um vazio literrio, como ponte entre duas geraes de escritores preocupados com a

    revitalizao angolana, duas geraes que se representam anteriormente por Cordeiro da Mata e

    posteriormente por Castro Soromenho (SANTILLI,1985, p.12-13). Assis Junior inaugura a moderna

    fico angolana, e Castro Soromenho dar continuidade a ela com seus contos e romances inspirados na

    prpria vivncia no serto angolano, mais precisamente na regio da Lunda:

    Dessa convivncia e aprendizagem no serto angolano, surgem as primeiras narraesde Castro Soromenho, Lendas negras, Nhri; O drama da gente negra,Rajada eoutras e Calenga. Aos contos e novelas seguem-se os romances, Noite de angstia,

    Homens sem caminho, Terra morta, Viragem,A chaga, Quem nos percorre atravessauma terra em transe(SANTILLI, 1985, p.14).

    O projeto de investigao das realidades nacionais foi impulsionado por volta de 1940, quando os

    escritores africanos de lngua portuguesa criaram canais mais regulares de divulgao, como as revistas.

    A experincia angolana no mbito cultural contou com dois grupos significativos o "Movimento dosJovens Intelectuais" e a gerao de autores cujo lema era "Vamos descobrir Angola" para instituir as

    novas perspectivas que iriam redimensionar e "mapear [inicialmente] a fisionomia multifacetada do

    cenrio cultural angolano" (CHAVES, 1999, p.21).

    Em 1950, surge a Antologia dos novos poetas de Angolae, posteriormente, a revista Mensagem

    (1951-1952), com a participao de escritores que se tornaram basilares da literatura angolana: Agostinho

    Neto, Alda Lara, Antero Abreu, Antnio Cardoso, Antnio Jacinto, Mrio Antnio, Mrio de Andrade,

    Oscar Ribas, Viriato da Cruz e o moambicano Jos Craveirinha. Essa revista, para alm da divulgao daproduo literria, tinha um perfil pedaggico, pois segundo Santilli:

    Os objetivos da revista centravam-se na busca da redefinio e valorizao dos dadosbsicos de caracterizao nacional. Os escritores propunham-se alfabetizao emelhoria das condies culturais do operrio, as diversificadas atividades no setor dacultura nacional (SANTILLI, 1985, p.15).

    A veiculao de Mensagem foi curta, mas abriu espao para que novas iniciativas de cunho

    ideolgico-cultural fossem criadas em Angola. Sendo assim, surge Cultura II (1957-1961), com a

    participao de alguns militantes de Mensagem e outros intelectuais interessados em encontrar uma

    estratgia capaz de suprir as falhas do projeto cultural que vislumbrava a luta pela construo da

    identidade nacional:

    Em Cultura IIlevantava-se a questo cultural em suas vinculaes com os problemasscio-econmicos de Angola, de forma que se considerava a ao cultural "defeituosa"enquanto tais problemas no se resolvessem. A se agruparam Agostinho Neto, AnteroAbreu, Mrio Lopes Guerra (Bendia), Carlos Ervedosa, Costa Andrade (AngolanoAndrade ou Africano Paiva), Luandino Vieira, Oscar Ribas (SANTILLI, 1985, p.15).

    A imprensa representa a mola mestra na formao do primeiro reduto capaz de criar umaatmosfera capaz de romper o silncio imposto pela mquina colonial. O jornalismo estabelece, desde o

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    final do sculo XIX, um papel importante no cenrio da vida luandense. Os ttulos publicados em Luanda

    so diversificados:

    (...) vo de um jornalismo que cultua o gosto [pela] polmica at a marca maisconseqente de uma opo voltada preferencialmente para os interesses de umapequena burguesia j insatisfeita com os princpios e as prticas da administrao

    portuguesa (CHAVES, 1999, p.33).

    Assim, se Angola avanou significativamente no plano ideolgico e cultural por meio dos textos

    literrios publicados a princpio em jornais e peridicos, Moambique tambm viu nascer um projeto

    semelhante, embora um pouco mais tarde, devido ao alto ndice de analfabetos.

    A imprensa s se torna mais assdua em Moambique por volta de 1908, com a circulao do

    peridico O Africano (1908-1920), e ter continuidade com o surgimento em 1918 de um segundo

    peridico intitulado O Brado Africano. Nesses novos espaos, colaboradores publicam crnicas e poesias

    de caracterstica ainda romntica.

    Para abranger o campo social e cultural, entra em circulao em 1941 o Itinerrio, que busca

    ampliar as pesquisas acerca das realidades moambicanas. Nesse jornal, no entanto, a literatura no ocupa

    lugar de destaque, pois a linha editorial valoriza matrias de cunho social ou cultural. O projeto colonial

    portugus em Moambique s avana no final de 1940, quando a empreitada colonialista abre espao para

    um sistema educacional mais efetivo, o que proporcionar o aparecimento de um pblico leitor e um

    maior nmero de intelectuais engajados com a causa moambicana.

    O peridico O Brado Africanoabre espao para os jovens africanos ou descendentes de colonos.Nesse estgio do jornalismo em Moambique comeam a ser valorizados artigos que apresentam

    "manifestaes nacionais, suporte da resistncia cultural e dos ideais de independncia poltica que se

    expandiriam progressivamente at a luta de libertao nacional" (SANTILLI, 1985, p.28).

    No perodo entre 1955 e 1958, h uma efervescncia cultural que foi coberta pelo jornal O Brado

    Africano rgo da Associao Africana , mas devido s dissidncias entre duas correntes opostas,

    esse peridico perdeu espao em 1958. Tal conflito deveu-se ao choque de idias que havia nos textos

    publicados no jornal. "De um lado, estimulava-se a tendncia da atividade provocada por umaconscincia cultural e poltica nacionais e, de outro, fomentava-se a assimilao da cultura estrangeira"

    (SANTILLI, 1985, p.28).

    O jornalismo e a literatura africana nascem juntos. da dinmica entre ambos que surge em

    Moambique uma obra pioneira na rea da prosa de fico: O livro da dor, de 1925, composto por

    crnicas e contos do jornalista Joo Albasini. Em 1943 aparecem os primeiros textos poticos, os

    Sonetos, de Rui de Noronha, e numa produo coletiva da CEI Casa dos Estudantes do Imprio

    nasce a coletneaPoesia em Moambique, datada de 1951. Alm dessas produes, encontra-se o registrodas revistas Itinerrio, de 1941, e Msaho, de 1952, "que recolhem uma produo heterognea, portanto

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    [sem] caracterstica de determinada fase no processo de nacionalizao da literatura moambicana"

    (SANTILLI, 1985, p.28).

    Nesse perodo de formao da literatura moambicana, destacam-se poetas colaboradores de

    peridicos e revistas como Nomia de Sousa, Marcelino dos Santos (Kalungano), Jos Craveirinha, Rui

    Nogar, Orlando Mendes; aparece tambm a literatura em prosa, a partir de 1949. O Itinerrio publica

    contos de Sobral de Campos, Ruy Guerra, Augusto dos Santos Abranches, Vieira Simes, Verglio de

    Lemos, Ildio Rocha.

    Em 1952, a CEI lana Godido, de Joo Dias. A surpresa dessa estria est na conscincia "que

    Godido tem da engrenagem social que o condiciona e na resistncia em manter-se nas grades dela"

    (SANTILLI, 1985, p.28). Essa obra marca o processo transitrio entre o nascimento de um sentimento

    nacionalista e o movimento anticolonialista insurgente, em 1950.

    O marco dessa nova fase literria a obra Ns matamos o Co Tinhoso, de Lus Bernardo

    Honwana, cuja publicao data de 1964. Com este texto e outros contos do mesmo autor, a ficomoambicana atinge a maturidade.

    Se, desde o final do sc. XIX, floresceu uma literatura angolana veiculada por meio dos jornais,

    processo que s se desenvolveu no sc. XX na literatura moambicana, em Cabo Verde ele j se registra

    na segunda metade do sc. XIX, pois a maior miscigenao entre portugueses e africanos gerou um

    bilingismo; falava-se o crioulo instrumento de comunicao do cabo-verdiano em todas as relaes

    sociais mas tambm o portugus: j no , portanto, o homem europeu ou o homem africano que

    representa essa sociedade, mas o homem crioulo, em cuja maneira de ser as culturas convergentesteceram mais cedo a unidade cultural cabo-verdiana (SANTILLI, 1985, p.28).

    De acordo com Manuel Ferreira, Cabo Verde conheceu no plano literrio e cultural, no final do

    sc. XIX, um desenvolvimento significativo, mas como o grupo mais atuante era de descendentes de

    portugueses, esses foram buscar em Portugal o espao mais promissor para suas carreiras intelectuais. A

    experincia lisboeta abriu espao para a formao de muitos escritores cabo-verdianos, desenraizados da

    terra natal, mas produtores de obras de prestgio na histria literria de Cabo Verde. Destacam-se

    "Antnio Gertrudes Pusich (1875-1924) e Henrique de Vasconcelos (1875-1924) Flores cinzentas

    (poesia, 1893),A mentira vital (contos, 1895) , ambos com vasta obra publicada" (FERREIRA, 1987,

    p.25).

    Assim, como Angola e Moambique, Cabo Verde tambm contou com o impulso dos jornais para

    dinamizar sua criao ficcional e potica. Seu primeiro peridico de destaque foi o Almanach Luso-

    Africano(1894 e 1899), que registrou colaboraes literrias tanto em portugus como em crioulo, lngua

    usada pelo idealizador do almanaque, o cnego Antnio Manuel Teixeira.

    Segundo Manuel Ferreira, ao contrrio de Angola e Moambique, Cabo Verde no viu florescer

    uma literatura colonial nos moldes j explicitados anteriormente. A colnia adquire, a partir da segunda

    metade do sc. XIX, feio prpria, pois a posse da terra ia, pouco a pouco, sendo transferida para as

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    mos de uma burguesia cabo-verdiana mestia, fosse branca ou negra. Nesse processo, no ocorre ali uma

    relao tradicional visvel nas demais colnias, isto , colonizado versus colonizador, mas, sim, explorado

    versus explorador, semelhante quela presente no sistema capitalista, guardadas as devidas propores, j

    que no podemos negar a especificidade colonial estabelecida entre o poder poltico e as comunidades.

    Ainda de acordo com Manuel Ferreira, uma narrativa que explicita a dinmica diferenciada nas

    relaes sociais e de poder em Cabo Verde a obra O escravo(1856), de Jos Evaristo de Almeida:

    Uma das virtudes desse texto est em que a quase totalidade das personagensso cabo-verdianas (negros, mestios, mulatos). E o espao o da escravido,abrindo-se a ns hoje para a compreenso de um mundo longnquo no tempo, apermitir uma perspectiva social diacrnica de largo alcance. Assim, e em termosda escrita, ficamos a saber, ao vivo, que havia senhores de escravos entre osprprios africanos: pelo menos, mulatos (FERREIRA, 1987, p.25).

    O escravoaparece no cenrio cabo-verdiano como exemplo de um projeto literrio que se formava

    no sc. XIX e comeos do XX. Outras produes foram escritas nesse perodo como "Amores de uma

    crioula (1911) e Vinte anos depois (1911), de Antnio de Arteaga (sc. XIX-XX); Bosquejos d`um

    passeio ao interior da ilha de S. Thiago(1912), 11 contos singelos - Nh Jos Pedro ou scenas da ilha

    Brava" (FERREIRA, 1987, p.27), entre outros. Esses autores tiveram seus textos publicados emA Voz

    de Cabo Verde(1911-1919), peridico importante na divulgao da literatura cabo-verdiana.

    A voz de Cabo Verde acolheu os intelectuais mais importantes daquela poca. O sc. XX viu

    nascer um projeto nacional cabo-verdiano, que ser bem representado pela gerao de Claridade(1936),

    de Certeza (1944) e do Suplemento Cultural (1958), sendo este ltimo o marco para se consolidar

    definitivamente o projeto literrio cabo-verdiano.

    Paralelamente s atividades dos intelectuais engajados com a criao de um suporte para as

    publicaes literrias e culturais em geral em Portugal, e nos pases africanos com maior liberdade de

    expresso, registra-se tambm a contribuio do Grupo Sul no Brasil.

    Atendendo, pois, a essa necessidade, em janeiro de 1948 lana-se a revista Sul.

    (...) Nesse momento inicia-se um dilogo com autores e crticos literrios dos

    pases africanos de lngua portuguesa (...) entre os listados encontramos os

    nomes de Antnio Jacinto, poeta e prosador de Angola, Francisco Jos

    Tenreiro, poeta de So Tom e Prncipe, Nomia de Sousa e Orlando Mendes,

    autores moambicanos, e Viriato da Cruz, de Angola (MACDO, 2002, p.47-

    49).

    Na Guin-Bissau, as condies necessrias para o florescimento da literatura africana s se

    definiram de fato no sc. XX, com o surgimento do jornal Pr-Guin, fundado em 1924. Cabe, no

    entanto, destacar a atuao do cnego Marcelino Marques de Barros (1843-1929), que na rea

    etnogrfica, com "Literatura dos negros, 1900" (FERREIRA, 1987, p.37), produziu um material de

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    qualidade e de grande importncia histrica. Foi colaborador doAlmanach Luso-Africanoem 1899 (Cabo

    Verde), da Revista Lusitana, A Tribuna, Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa, Anais das

    Misses Ultramarinas eVoz da Ptria, no qual contribuiu com canes e contos.

    Em So Tom e Prncipe, o processo evolutivo da literatura ocorre de modo similar ao de Cabo

    Verde por vrios aspectos, j que a composio social vigente nas duas colnias era semelhante. A

    monocultura foi a base da colonizao so-tomense. Em meados do sc. XIX, esse sistema se consolida e

    destri violentamente a estrutura burguesa instaurada pela comunidade negra e mestia ali estabelecida

    desde o incio da dominao portuguesa.

    Com a estrutura social do Arquiplago modificada, aumenta a miscigenao tnica e cultural. Isso

    repercute na literatura, pois todo contato entre culturas distintas apresenta resultados novos, mas mesmo

    assim os textos produzidos ali so em sua essncia africanos. Segundo Manuel Ferreira, "a primeira obra

    literria de que se tem conhecimento relacionada com So Tom e Prncipe o modesto livrinho de

    poemasEquatoriaes(1896), do portugus Antnio Almada Negreiros (1868-1939), que ali viveu muitosanos e veio a falecer na Frana" (FERREIRA, 1987, p.38).

    As condies precrias de divulgao da literatura em So Tom e Prncipe abrem espao para a

    formao de um quadro de literatos fora do Arquiplago, em Portugal, mas apesar dessa falta de incentivo

    o primeiro peridico so-tomense data de 1869, intitulado O Equador.

    O diferencial dessa colnia foi o teatro, de cunho popular, por exaltar as caractersticas do

    Arquiplago. As peas tm origem fora de So Tom, mas em especial O Tchiloli "levado por um

    dramaturgo de sculo XVI, oriundo da Ilha da Madeira, Baltazar Dias" (FERREIRA, 1987, p.40) adquiriu feies locais, devido ao interesse de vrios grupos teatrais em dar-lhe carter nacional. Outra

    obra teatral famosa em So Tom oAuto de Florides, que tem origem na tradio popular portuguesa.

    As literaturas africanas encontram nos jornais do perodo colonial espao profcuo de divulgao

    ficcional, potica, da cultura em geral e de resistncia aos mandos e desmandos de um sistema

    colonialista que ignora o saber, as manifestaes culturais, as formas de expresso dos povos subjugados.

    Inicialmente, essas literaturas nascem como meio valorativo das regies a que pertencem os intelectuais,

    ou que eles conhecem, mas, pouco a pouco, o regional evolui e d lugar a um sentimento nacional que

    vislumbra um projeto coletivo capaz de redimensionar os chamados valores culturais africanos, to bem

    representados na literatura.

    Referncias:

    CHAVES, Rita.A formao do romance angolano. So Paulo: Via Atlntica, 1999.

    FERREIRA, Manuel.Literaturas africanas de expresso portuguesa. So Paulo: tica, 1987.

    LARANJEIRA, Pires.De letra em riste. Porto: Afrontamento, 1992.

    MACDO, Tania.Angola e Brasil: estudos comparados. So Paulo: Arte & cincia, 2002.

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  • 7/22/2019 As literaturas africanas e o jornalismo no perodo colonial

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    SANTILLI, Maria Aparecida.Estrias africanas: histria e antologia. So Paulo: tica, 1985.

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