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7/22/2019 As literaturas africanas e o jornalismo no perodo colonial
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AS LITERATURAS AFRICANAS E O JORNALISMO NO PERODO COLONIAL
Jurema Jos de OliveiraUniversidade Federal Fluminense (UFF)
Resumo:
As literaturas africanas encontram nos jornais do perodo colonial espao profcuo de divulgao
ficcional, potica, da cultura em geral e de resistncia aos mandos e desmandos de um sistema
colonialista que ignora o saber, as manifestaes culturais, as formas de expresso dos povos subjugados.
Palavras-chave: jornalismo, histria, literatura
Abstract:
The African literature find in newspapers from the colonial period a rich space for the diffusion of
fiction, poetry, culture in general and the resistance to the ordering and disordering of a colonialist system
which disregards the knowledge, the cultural manifestations, the forms of expression of subjugated
peoples.
Key words: journalism, history, literature
O momento em que se verifica o incio de regularidade na atividade literria e, nos moldes
ocidentais, cultural na frica est intimamente ligado implantao, ao desenvolvimento e ampliao
do ensino privado ou sancionado pelo Governo da Metrpole.
As primeiras iniciativas governamentais relacionadas com a educao na frica datam de 1740,
mas s a partir da segunda metade do sculo XIX foram tomadas as medidas cabveis para desenvolver o
ensino em Cabo Verde, primeira colnia portuguesa a ser beneficiada pelo projeto de "instruo pblica
no Ultramar".
Nos documentos oficiais (boletins) de Cabo Verde, verificam-se algumas das providncias acerca
da instruo pblica ultramarina, como: "escolas principais, materiais de ensino, provimento,
vencimentos, jubilao e aposentadoria dos professores, criao dos conselhos inspetores de instruo
primria, sua composio e deveres" (FERREIRA, 1987, p.9). Cabe ressaltar que o prelo foi instalado
nas colnias portuguesas nas seguintes datas: Cabo Verde, 1842; Angola, 1845; Moambique, 1854; So
Tom e Prncipe, 1857; Guin- Bissau, 1879.
A instalao do prelo em Angola abre espao para a publicao de Espontaneidades da minha
alma (1849), de Jos da Silva Maia Ferreira, primeira obra impressa na "frica Lusfona", mas no a
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primeira produo literria de autor africano. Segundo Manuel Ferreira, Tratado breve dos reinos (ou
rios) da Guin, de autoria do cabo-verdiano Andr lvares de Almada, foi escrito em 1594.
A produo literria nos pases africanos divide-se em duas fases: a da literatura colonial e a das
literaturas africanas. A primeira exalta o homem europeu como o heri mtico, desbravador das terras
inspitas, portador de uma cultura superior. A segunda constitui-se inversamente, pois nela o mundo
africano passa a ser narrado por outra tica. O negro privilegiado e tratado com solidariedade no espao
material e lingstico do texto, embora no sejam excludas as personagens europias (de caractersticas
negativas ou positivas). o africano que normalmente preenche os apelos da enunciao e ele quase
exclusivamente, enquanto personagem ficcional ou potico, o sujeito do enunciado.
Os cuidados e os esmeros do sujeito enunciador so os de organicamente moldar oenunciado com os ingredientes significativos e representativos da especificidadeafricana. Se colocados lado a lado dois textos, um de literatura colonial e outro de
literatura africana, como se procedssemos a uma justaposio de brusco contraste(FERREIRA, 1987, p. 13-14).
Diante disso, pode-se dizer que o universo literrio e cultural dos naturais da terra, nas literaturas
africanas, valorizado e explorado significativamente, pois, quando os autores negam a legitimidade do
colonialismo no discurso literrio, fazem da revelao e valorizao do mundo africano a raiz primordial
tanto na fico quanto na poesia, que, inicialmente, foram registradas em jornais ou folhetins.
As literaturas africanas de lngua portuguesa, do ponto de vista lingstico, contam com
numerosos termos, expresses, provrbios oriundos das lnguas faladas nos vrios grupos tnicos emAngola e Moambique, enquanto em Cabo Verde, So Tom e Prncipe e Guin-Bissau se usam duas
lnguas: a portuguesa e a crioula.
Cabe ressaltar que o crioulo falado em Cabo Verde muito similar ao da Guin-Bissau, e
denominado crioulo pelo povo da terra; j em So Tom e Prncipe era e chamado de forro -
denominao dada tanto lngua quanto aos naturais da terra - por ser usado primeiramente pelas
camadas mais pobres, e iletradas, j que a lngua portuguesa era falada apenas pela burguesia mestia ou
negra que l se formava. Aps a independncia, o criouloadquiriu autonomia e passou a ser valorizado e
falado em todas as camadas sociais das ex-colnias cabo-verdiana, guineense e so-tomense.
Em 1846, um ano aps a instalao do prelo em Angola, publicaram-se no Boletim Oficial dessa
colnia alguns textos literrios. Por volta de 1874, verifica-se o aparecimento da Imprensa Livre
angolana, publicao de registros de experincias literrias e artigos, e cujo mrito era levantar a bandeira
da democracia republicana almejada pelos intelectuais africanos e portugueses engajados na busca de uma
imprensa propagadora das realidades africanas.
Os estilos narrativos mais produtivos foram a crnica e o panfleto, este de carter doutrinrio e
poltico. Outro gnero literrio valorizado nessa fase foi o folhetim, que agradava tanto aos africanos
como aos portugueses. Eram publicados na colnia e algumas vezes reeditados na Metrpole.
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Africanos, portugueses e brasileiros publicavam nos espaos comuns dos almanaques,boletins, jornais, revistas e folhetos. No tinham surgido ainda as designaes deliteratura angolana, moambicana ou so-tomense com carter de sistema nacional,mas a escrita j deixara de ser espao de europeidade absoluta para se tornarcontaminao relativa de lnguas. De facto, poetas portugueses e angolanosintercalavam no texto em portugus, mais extenso, frases, dilogos, versos, lexemasem lngua banta, quase que exclusivamente o quimbundo. A integrao perfeita, nacoerncia do sentido e da sonoridade e na coeso dos segmentos e dos ritmos
(LARANJEIRA,1992, p. 11-12).
Sendo assim, o trabalho literrio aproxima os intelectuais que buscavam um caminho para fazer
circular seus textos ficcionais, poticos e de cunho poltico-ideolgico. Destaca-se neste estgio de
despertar cultural Alfredo Troni escritor, jornalista e advogado , precursor da prosa moderna
angolana com a criao deNga Mutri, bem como Pedro Flix Machado, tambm jornalista, que cultivou
a prosa de fico, publicando em folhetim na Gazeta de Portugal a primeira edio do romance Scenas
dfrica, reeditado em 1882.No final do sculo XIX, floresceram nas colnias africanas de lngua portuguesa vrias
associaes recreativas, grmios literrios, diversos jornais, alguns de curta durao, mas geradores de
motivao criadora bastante significativa. Cabo Verde, por exemplo, viu nascer em Praia,
desde 1858 treze associaes recreativas e culturais, como a Sociedade de Gabinete deLiteratura(1860) e a Associao Literria Grmio Cabo-verdiano (1880). Assinala,ainda, que por essa altura, se cria a imprensa de Angola e Moambique e que a se dum notvel surto de jornalismo. Aparecem os primeiros peridicos, como A Aurora
(1856), A Civilizao da frica Portuguesa (1866), O Eco de Angola (1881), OFuturo de Angola(1882), O farol do Povo(1883), O Sero(1886), O Arauto Africano(1889), Ensaios Literrios (1891), Luz e Crena (1902 - 1903) (SANTILLI, 1985,p.10).
V-se, portanto, que surgiram muitos jornais entre o final do sculo XIX e incio do XX, e, apesar
da maior parte ter tido curta durao, at o final do sculo XIX enumeraram-se "46 deles, os quais
contaram com a participao de europeus e africanos" (SANTILLI, 1985, p.10).
Da mesma forma como ocorreu em Angola e Cabo Verde, a imprensa moambicana instalada
em 1854, quando nasce oBoletim Oficial.
Em 1869 surge o primeiro peridico moambicano, O Progresso, e despontampginas ou sees literrias e de artes na imprensa. Precursores de periodicidadesemanal foram O Africano (1877), O Vigilante (1882), Clamor Africano (1892),(SANTILLI, 1985, p.11).
No entanto, no sculo XX que a imprensa se estabelece com maior autonomia. Em Angola, o
primeiro livro, marco histrico-literrio da fico, foi O segredo da morta, de Assis Junior, uma obra de
costumes angolanos publicada nos folhetins do jornal A vanguarda de Luandaem 1929, com reediodatada de 1935 pela tipografia A Lusitana, em Luanda. Escrito, ento, no perodo que vai de 1910 a 1940,
de 'quase no-literatura' em Angola, como diz Henrique Guerra no prefcio da ltima edio, O segredo
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da mortaocupa todo um vazio literrio, como ponte entre duas geraes de escritores preocupados com a
revitalizao angolana, duas geraes que se representam anteriormente por Cordeiro da Mata e
posteriormente por Castro Soromenho (SANTILLI,1985, p.12-13). Assis Junior inaugura a moderna
fico angolana, e Castro Soromenho dar continuidade a ela com seus contos e romances inspirados na
prpria vivncia no serto angolano, mais precisamente na regio da Lunda:
Dessa convivncia e aprendizagem no serto angolano, surgem as primeiras narraesde Castro Soromenho, Lendas negras, Nhri; O drama da gente negra,Rajada eoutras e Calenga. Aos contos e novelas seguem-se os romances, Noite de angstia,
Homens sem caminho, Terra morta, Viragem,A chaga, Quem nos percorre atravessauma terra em transe(SANTILLI, 1985, p.14).
O projeto de investigao das realidades nacionais foi impulsionado por volta de 1940, quando os
escritores africanos de lngua portuguesa criaram canais mais regulares de divulgao, como as revistas.
A experincia angolana no mbito cultural contou com dois grupos significativos o "Movimento dosJovens Intelectuais" e a gerao de autores cujo lema era "Vamos descobrir Angola" para instituir as
novas perspectivas que iriam redimensionar e "mapear [inicialmente] a fisionomia multifacetada do
cenrio cultural angolano" (CHAVES, 1999, p.21).
Em 1950, surge a Antologia dos novos poetas de Angolae, posteriormente, a revista Mensagem
(1951-1952), com a participao de escritores que se tornaram basilares da literatura angolana: Agostinho
Neto, Alda Lara, Antero Abreu, Antnio Cardoso, Antnio Jacinto, Mrio Antnio, Mrio de Andrade,
Oscar Ribas, Viriato da Cruz e o moambicano Jos Craveirinha. Essa revista, para alm da divulgao daproduo literria, tinha um perfil pedaggico, pois segundo Santilli:
Os objetivos da revista centravam-se na busca da redefinio e valorizao dos dadosbsicos de caracterizao nacional. Os escritores propunham-se alfabetizao emelhoria das condies culturais do operrio, as diversificadas atividades no setor dacultura nacional (SANTILLI, 1985, p.15).
A veiculao de Mensagem foi curta, mas abriu espao para que novas iniciativas de cunho
ideolgico-cultural fossem criadas em Angola. Sendo assim, surge Cultura II (1957-1961), com a
participao de alguns militantes de Mensagem e outros intelectuais interessados em encontrar uma
estratgia capaz de suprir as falhas do projeto cultural que vislumbrava a luta pela construo da
identidade nacional:
Em Cultura IIlevantava-se a questo cultural em suas vinculaes com os problemasscio-econmicos de Angola, de forma que se considerava a ao cultural "defeituosa"enquanto tais problemas no se resolvessem. A se agruparam Agostinho Neto, AnteroAbreu, Mrio Lopes Guerra (Bendia), Carlos Ervedosa, Costa Andrade (AngolanoAndrade ou Africano Paiva), Luandino Vieira, Oscar Ribas (SANTILLI, 1985, p.15).
A imprensa representa a mola mestra na formao do primeiro reduto capaz de criar umaatmosfera capaz de romper o silncio imposto pela mquina colonial. O jornalismo estabelece, desde o
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final do sculo XIX, um papel importante no cenrio da vida luandense. Os ttulos publicados em Luanda
so diversificados:
(...) vo de um jornalismo que cultua o gosto [pela] polmica at a marca maisconseqente de uma opo voltada preferencialmente para os interesses de umapequena burguesia j insatisfeita com os princpios e as prticas da administrao
portuguesa (CHAVES, 1999, p.33).
Assim, se Angola avanou significativamente no plano ideolgico e cultural por meio dos textos
literrios publicados a princpio em jornais e peridicos, Moambique tambm viu nascer um projeto
semelhante, embora um pouco mais tarde, devido ao alto ndice de analfabetos.
A imprensa s se torna mais assdua em Moambique por volta de 1908, com a circulao do
peridico O Africano (1908-1920), e ter continuidade com o surgimento em 1918 de um segundo
peridico intitulado O Brado Africano. Nesses novos espaos, colaboradores publicam crnicas e poesias
de caracterstica ainda romntica.
Para abranger o campo social e cultural, entra em circulao em 1941 o Itinerrio, que busca
ampliar as pesquisas acerca das realidades moambicanas. Nesse jornal, no entanto, a literatura no ocupa
lugar de destaque, pois a linha editorial valoriza matrias de cunho social ou cultural. O projeto colonial
portugus em Moambique s avana no final de 1940, quando a empreitada colonialista abre espao para
um sistema educacional mais efetivo, o que proporcionar o aparecimento de um pblico leitor e um
maior nmero de intelectuais engajados com a causa moambicana.
O peridico O Brado Africanoabre espao para os jovens africanos ou descendentes de colonos.Nesse estgio do jornalismo em Moambique comeam a ser valorizados artigos que apresentam
"manifestaes nacionais, suporte da resistncia cultural e dos ideais de independncia poltica que se
expandiriam progressivamente at a luta de libertao nacional" (SANTILLI, 1985, p.28).
No perodo entre 1955 e 1958, h uma efervescncia cultural que foi coberta pelo jornal O Brado
Africano rgo da Associao Africana , mas devido s dissidncias entre duas correntes opostas,
esse peridico perdeu espao em 1958. Tal conflito deveu-se ao choque de idias que havia nos textos
publicados no jornal. "De um lado, estimulava-se a tendncia da atividade provocada por umaconscincia cultural e poltica nacionais e, de outro, fomentava-se a assimilao da cultura estrangeira"
(SANTILLI, 1985, p.28).
O jornalismo e a literatura africana nascem juntos. da dinmica entre ambos que surge em
Moambique uma obra pioneira na rea da prosa de fico: O livro da dor, de 1925, composto por
crnicas e contos do jornalista Joo Albasini. Em 1943 aparecem os primeiros textos poticos, os
Sonetos, de Rui de Noronha, e numa produo coletiva da CEI Casa dos Estudantes do Imprio
nasce a coletneaPoesia em Moambique, datada de 1951. Alm dessas produes, encontra-se o registrodas revistas Itinerrio, de 1941, e Msaho, de 1952, "que recolhem uma produo heterognea, portanto
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[sem] caracterstica de determinada fase no processo de nacionalizao da literatura moambicana"
(SANTILLI, 1985, p.28).
Nesse perodo de formao da literatura moambicana, destacam-se poetas colaboradores de
peridicos e revistas como Nomia de Sousa, Marcelino dos Santos (Kalungano), Jos Craveirinha, Rui
Nogar, Orlando Mendes; aparece tambm a literatura em prosa, a partir de 1949. O Itinerrio publica
contos de Sobral de Campos, Ruy Guerra, Augusto dos Santos Abranches, Vieira Simes, Verglio de
Lemos, Ildio Rocha.
Em 1952, a CEI lana Godido, de Joo Dias. A surpresa dessa estria est na conscincia "que
Godido tem da engrenagem social que o condiciona e na resistncia em manter-se nas grades dela"
(SANTILLI, 1985, p.28). Essa obra marca o processo transitrio entre o nascimento de um sentimento
nacionalista e o movimento anticolonialista insurgente, em 1950.
O marco dessa nova fase literria a obra Ns matamos o Co Tinhoso, de Lus Bernardo
Honwana, cuja publicao data de 1964. Com este texto e outros contos do mesmo autor, a ficomoambicana atinge a maturidade.
Se, desde o final do sc. XIX, floresceu uma literatura angolana veiculada por meio dos jornais,
processo que s se desenvolveu no sc. XX na literatura moambicana, em Cabo Verde ele j se registra
na segunda metade do sc. XIX, pois a maior miscigenao entre portugueses e africanos gerou um
bilingismo; falava-se o crioulo instrumento de comunicao do cabo-verdiano em todas as relaes
sociais mas tambm o portugus: j no , portanto, o homem europeu ou o homem africano que
representa essa sociedade, mas o homem crioulo, em cuja maneira de ser as culturas convergentesteceram mais cedo a unidade cultural cabo-verdiana (SANTILLI, 1985, p.28).
De acordo com Manuel Ferreira, Cabo Verde conheceu no plano literrio e cultural, no final do
sc. XIX, um desenvolvimento significativo, mas como o grupo mais atuante era de descendentes de
portugueses, esses foram buscar em Portugal o espao mais promissor para suas carreiras intelectuais. A
experincia lisboeta abriu espao para a formao de muitos escritores cabo-verdianos, desenraizados da
terra natal, mas produtores de obras de prestgio na histria literria de Cabo Verde. Destacam-se
"Antnio Gertrudes Pusich (1875-1924) e Henrique de Vasconcelos (1875-1924) Flores cinzentas
(poesia, 1893),A mentira vital (contos, 1895) , ambos com vasta obra publicada" (FERREIRA, 1987,
p.25).
Assim, como Angola e Moambique, Cabo Verde tambm contou com o impulso dos jornais para
dinamizar sua criao ficcional e potica. Seu primeiro peridico de destaque foi o Almanach Luso-
Africano(1894 e 1899), que registrou colaboraes literrias tanto em portugus como em crioulo, lngua
usada pelo idealizador do almanaque, o cnego Antnio Manuel Teixeira.
Segundo Manuel Ferreira, ao contrrio de Angola e Moambique, Cabo Verde no viu florescer
uma literatura colonial nos moldes j explicitados anteriormente. A colnia adquire, a partir da segunda
metade do sc. XIX, feio prpria, pois a posse da terra ia, pouco a pouco, sendo transferida para as
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mos de uma burguesia cabo-verdiana mestia, fosse branca ou negra. Nesse processo, no ocorre ali uma
relao tradicional visvel nas demais colnias, isto , colonizado versus colonizador, mas, sim, explorado
versus explorador, semelhante quela presente no sistema capitalista, guardadas as devidas propores, j
que no podemos negar a especificidade colonial estabelecida entre o poder poltico e as comunidades.
Ainda de acordo com Manuel Ferreira, uma narrativa que explicita a dinmica diferenciada nas
relaes sociais e de poder em Cabo Verde a obra O escravo(1856), de Jos Evaristo de Almeida:
Uma das virtudes desse texto est em que a quase totalidade das personagensso cabo-verdianas (negros, mestios, mulatos). E o espao o da escravido,abrindo-se a ns hoje para a compreenso de um mundo longnquo no tempo, apermitir uma perspectiva social diacrnica de largo alcance. Assim, e em termosda escrita, ficamos a saber, ao vivo, que havia senhores de escravos entre osprprios africanos: pelo menos, mulatos (FERREIRA, 1987, p.25).
O escravoaparece no cenrio cabo-verdiano como exemplo de um projeto literrio que se formava
no sc. XIX e comeos do XX. Outras produes foram escritas nesse perodo como "Amores de uma
crioula (1911) e Vinte anos depois (1911), de Antnio de Arteaga (sc. XIX-XX); Bosquejos d`um
passeio ao interior da ilha de S. Thiago(1912), 11 contos singelos - Nh Jos Pedro ou scenas da ilha
Brava" (FERREIRA, 1987, p.27), entre outros. Esses autores tiveram seus textos publicados emA Voz
de Cabo Verde(1911-1919), peridico importante na divulgao da literatura cabo-verdiana.
A voz de Cabo Verde acolheu os intelectuais mais importantes daquela poca. O sc. XX viu
nascer um projeto nacional cabo-verdiano, que ser bem representado pela gerao de Claridade(1936),
de Certeza (1944) e do Suplemento Cultural (1958), sendo este ltimo o marco para se consolidar
definitivamente o projeto literrio cabo-verdiano.
Paralelamente s atividades dos intelectuais engajados com a criao de um suporte para as
publicaes literrias e culturais em geral em Portugal, e nos pases africanos com maior liberdade de
expresso, registra-se tambm a contribuio do Grupo Sul no Brasil.
Atendendo, pois, a essa necessidade, em janeiro de 1948 lana-se a revista Sul.
(...) Nesse momento inicia-se um dilogo com autores e crticos literrios dos
pases africanos de lngua portuguesa (...) entre os listados encontramos os
nomes de Antnio Jacinto, poeta e prosador de Angola, Francisco Jos
Tenreiro, poeta de So Tom e Prncipe, Nomia de Sousa e Orlando Mendes,
autores moambicanos, e Viriato da Cruz, de Angola (MACDO, 2002, p.47-
49).
Na Guin-Bissau, as condies necessrias para o florescimento da literatura africana s se
definiram de fato no sc. XX, com o surgimento do jornal Pr-Guin, fundado em 1924. Cabe, no
entanto, destacar a atuao do cnego Marcelino Marques de Barros (1843-1929), que na rea
etnogrfica, com "Literatura dos negros, 1900" (FERREIRA, 1987, p.37), produziu um material de
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qualidade e de grande importncia histrica. Foi colaborador doAlmanach Luso-Africanoem 1899 (Cabo
Verde), da Revista Lusitana, A Tribuna, Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa, Anais das
Misses Ultramarinas eVoz da Ptria, no qual contribuiu com canes e contos.
Em So Tom e Prncipe, o processo evolutivo da literatura ocorre de modo similar ao de Cabo
Verde por vrios aspectos, j que a composio social vigente nas duas colnias era semelhante. A
monocultura foi a base da colonizao so-tomense. Em meados do sc. XIX, esse sistema se consolida e
destri violentamente a estrutura burguesa instaurada pela comunidade negra e mestia ali estabelecida
desde o incio da dominao portuguesa.
Com a estrutura social do Arquiplago modificada, aumenta a miscigenao tnica e cultural. Isso
repercute na literatura, pois todo contato entre culturas distintas apresenta resultados novos, mas mesmo
assim os textos produzidos ali so em sua essncia africanos. Segundo Manuel Ferreira, "a primeira obra
literria de que se tem conhecimento relacionada com So Tom e Prncipe o modesto livrinho de
poemasEquatoriaes(1896), do portugus Antnio Almada Negreiros (1868-1939), que ali viveu muitosanos e veio a falecer na Frana" (FERREIRA, 1987, p.38).
As condies precrias de divulgao da literatura em So Tom e Prncipe abrem espao para a
formao de um quadro de literatos fora do Arquiplago, em Portugal, mas apesar dessa falta de incentivo
o primeiro peridico so-tomense data de 1869, intitulado O Equador.
O diferencial dessa colnia foi o teatro, de cunho popular, por exaltar as caractersticas do
Arquiplago. As peas tm origem fora de So Tom, mas em especial O Tchiloli "levado por um
dramaturgo de sculo XVI, oriundo da Ilha da Madeira, Baltazar Dias" (FERREIRA, 1987, p.40) adquiriu feies locais, devido ao interesse de vrios grupos teatrais em dar-lhe carter nacional. Outra
obra teatral famosa em So Tom oAuto de Florides, que tem origem na tradio popular portuguesa.
As literaturas africanas encontram nos jornais do perodo colonial espao profcuo de divulgao
ficcional, potica, da cultura em geral e de resistncia aos mandos e desmandos de um sistema
colonialista que ignora o saber, as manifestaes culturais, as formas de expresso dos povos subjugados.
Inicialmente, essas literaturas nascem como meio valorativo das regies a que pertencem os intelectuais,
ou que eles conhecem, mas, pouco a pouco, o regional evolui e d lugar a um sentimento nacional que
vislumbra um projeto coletivo capaz de redimensionar os chamados valores culturais africanos, to bem
representados na literatura.
Referncias:
CHAVES, Rita.A formao do romance angolano. So Paulo: Via Atlntica, 1999.
FERREIRA, Manuel.Literaturas africanas de expresso portuguesa. So Paulo: tica, 1987.
LARANJEIRA, Pires.De letra em riste. Porto: Afrontamento, 1992.
MACDO, Tania.Angola e Brasil: estudos comparados. So Paulo: Arte & cincia, 2002.
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SANTILLI, Maria Aparecida.Estrias africanas: histria e antologia. So Paulo: tica, 1985.
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