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As Mortas da Perestroika 1 · No meu tempo de redator, um dos hábitos que eu tinha era receber ... Tudo o que está aqui, ... mais justo do que listar todo mundo que faz parte da

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Se você já leu As Mortas da Perestroika 1.0, boas notícias: esta aqui é uma edição revisada. Demos um tapinha ali, outro aqui. E ainda temos uma sequência de conselhos inéditos. Está tudo no Capítulo 9. Se quiser ganhar tempo, pule direto para lá.

A sessão posts também sofreu drásticas mudanças, principalmente com novos posts, que foram escritos no intervalo entre a primeira e a se-gunda edição. Para você, que já leu o Mortas 1.0, vale dar uma olhada.

A terceira novidade é a própria revisão em si. Que me forçou a cortar muita coisa. Principalmente, as contribuições de profissionais do mer-cado. Agradeço muito e adoraria mantê-las. Mas percebi uma coisa: se a minha visão sobre comunicação mudou nesse meio tempo, a deles também poderia ter mudado.

Aqueles conselhos faziam parte de um contexto específico. E eu de-via respeitá-lo.

A solução seria consultar um a um. Como perdi contato da maioria dos profissionais, fiquei meio sem saída. Se deixasse só algumas co-laborações, daria margem para confusão. Se deixasse todos, certa-mente ouviria alguma reclamação.

Para não correr riscos, fiz o mais seguro: cortei todos dessa edição e os mantive na versão anterior, dentro do cenário apropriado. Achei o mais justo. Com eles, colaboradores. E com você, leitor.

Novamente: agradeço a colaboração de todos os profissionais que di-vidiram sua experiência com os nossos leitores. E recomendo a você, que não leu, a procurá-los.

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Olá, meu nome é Tiago.

Durante mais de uma década, fui redator publicitário. Trabalhava no departamento de criação de agências de propaganda, fazendo cam-panhas para clientes nacionais. (Se você não troca de canal na hora do intervalo, é bem possível que tenha visto algum comercial que eu fiz).

Hoje, dirijo – ao lado do meu sócio, Felipe Anghinoni – uma escola chamada Perestroika. Se você já ouviu falar da gente, legal. Se você nunca ouviu falar, não tem problema.

Para seguir a leitura, a única coisa que você tem que saber sobre a Perestroika é que nós somos uma escola de criatividade. Na verda-de, uma escola de atividades criativas. Temos, obviamente, projetos ligados à publicidade. Mas também em empreendedorismo, literatu-ra, design, moda, futebol como negócio, internet, comportamento do consumidor, arquitetura efêmera, poker profissional. E mais um monte de coisas que você não encontra em nenhum outro lugar.

Mas vamos ao que interessa:

No meu tempo de redator, um dos hábitos que eu tinha era receber candidatos a estágio. As telefonistas das agências até já sabiam: se alguém ligava querendo mostrar a pasta, passavam direto para o meu ramal.

Fazia isso por vários motivos. O primeiro é que eu me sentia em dívi-da com o mercado. Muita gente me ajudou no início da carreira, sem nem me conhecer direito. Nada mais justo do que manter a Corrente do Bem.

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Em segundo, porque eu sempre gostei de ser um caça-talentos. En-tão, quanto mais pastas eu via, maior era a chance de eu encontrar um Pelé no início de carreira. Esse meu costume se tornou tão comum que meu caderninho virou um departamento de RH informal. Quando a nossa equipe precisava de alguém, sempre me consultavam. E até quando amigos de outras agências estavam em busca de estagiário, meu telefone tocava.

Por fim, essa era uma maneira de aprender também. Quando você se força a dar opinião técnica sobre um assunto, você precisa buscar no seu banco de dados motivos para criticar ou elogiar determinada peça. Esse exercício aguçava o meu critério e melhorava o meu pró-prio trabalho.

E aí aconteceu um negócio engraçado. De tanto avaliar pastas, os candidatos a estágio começaram a me ver como uma pessoa aces-sível dentro do mercado da propaganda. Um foi indicando outro, que foi indicando um terceiro, que falou para outro amigo. E quan-do eu vi, essa rotina de ver portfolios virou uma verdadeira rotina para mim.

Mesmo saindo de agência (desde 2008 estou fulltime na Perestroika), ainda mantenho com alguns jovens publicitários – alguns nos nossos cursos, alguns pela amizade, alguns ainda do período de agência. E é interessante perceber que as dúvidas e os dilemas prossionais conti-nuam existindo – e continuam seguindo um certo padrão.

Esse foi o grande motivo de escrever esse material. A ideia é reunir aqui as principais dúvidas dos novatos da profissão que me procura-ram nos últimos anos. Sejam dúvidas sobre o mercado, sejam esco-lhas profissionais, sejam conselhos do ponto de vista técnico.

Tudo o que está aqui, neste livro, saiu da minha cabeça. Mas muita coisa que está na minha cabeça veio de outras fontes. Por isso, nada mais justo do que listar todo mundo que faz parte da ficha técnica.

Certamente, a grande inspiração para começar a organizar esses con-selhos foi o Manual do Estagiário, do Eugenio Mohallem. Um clássico da categoria. Mas além dele, também absorvi várias dicas do Criação Sem Pistolão, do Carlos Domingos. E muita coisa dos três livros do Paul Arden: It’s not how good you are, It’s how good you want to be / Whatever you think, think the opposite / God explained in a taxi cab.

Os cinco são leituras praticamente obrigatórias para quem está começando.

Também extraí bastante coisa das conversas que tenho feito por força da Perestroika. Para citar apenas alguns nomes que dividiram seu a perspectiva de vanguarda do Roberto Martini (Cubo.cc), a visão de Riqueza Social do Lucas Mello (Livead), o olhar multidisciplinar do Eduardo Camargo (Mutato), as referências incansáveis do Carlos Me-rigo (Brainstorm9), a visão inovadora de clientes como Google (Félix Ximenes), Coca-cola (Gian Martinez) e Red Bull (Cássio Côrtes). As vi-sões sobre criatividade e inovação de gente como Fred Gelli, Ronaldo Fraga, Claude Troigos, Gringo Cardia, Emicida, Sebastián Borensztein, Lobão, Jum Nakao, Oskar Metsavaht, Federico Pistono, Lala Dehein-zelin, MV Bill. Enfim, muita gente legal.

Também respingam aqui as entrevistas que fiz num passado remoto (2007, 2008 e 2009), quando ainda era professor do curso de publici-dade. Naquele momento, elas foram importantes para trazer os pon-tos de vista de profissionais relevantes do mercado offline. O próprio Eugenio Mohallem (na época, Diretor da Mohallem/Artplan), Ícaro Dó-ria (na época, Diretor de Criação da Saa- tchi&Saatchi / Nova York), Marco Loco Bezerra (na época, Diretor de Criação da TBWA Berlim), Beto Baibich (na época, Diretor de arte na Crispin, Porter + Bogusky), Fernando Perottoni (na época, Diretor de arte da TBWA/Londres), Emi-liano Trierveiller (na época, Diretor de Criação da TBWA/ Berlim), entre outros.

Mas veja bem: não quero comprometer nenhum desses profissionais. Depois de ouvi-los, tirei minhas próprias conclusões. Nunca vou usar

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aspas, e raramente vou citá-los. Sem falar que todos poder ter muda-do de opinião nesse meio tempo. O que está escrito aqui é resultado do meu filtro.

Falando em filtro: talvez este seja o grande valor deste material. A possibilidade de reunir todas essas dicas em apenas um documento, de forma (mais ou menos) organizada.

Outra coisa boa é que ele foi adaptado às mudanças que a nossa propaganda sofreu nos últimos anos. (O Manual do Estagiário, por exemplo, foi escrito em 1997. De lá para cá, muita coisa mudou. Além disso, ele sempre esteve muito focado em São Paulo. Deter-minadas situações simplesmente não fazem sentido no dia-a-dia de outros mercados.) Apesar disso, a velocidade de comunicação é tão rápida que este manual, mesmo reeditado e revisado, corre o sério risco de estar com algumas informações defasadas.

Importante: não se esqueça de considerar a seguinte equação. Por um lado, estou fora do mercado, e realmente não estou vivendo o dia-a-dia das empresas de comunicação. Por outro, convivemos nos nossos cursos com gente que está na vanguarda da comunicação do Brasil (em alguns casos, do mundo).

Para fechar, entenda que a Perestroika é uma empresa um pouco diferente nesse sentido. Ela faz sua própria comunicação. Somos mé-dico e monstro das nossas próprias teses.

Portanto, ao ler este manual, já treine uma das principais qualidades que um profissional de comunicação deve ter: leia tudo com muito critério.

Nada aqui é definitivo. São apenas opiniões, baseadas na minha ex-periência pessoal e na forma como alguns profissionais com quem conversei encaram o negócio da propaganda.

Isso aqui não é um livro de auto-ajuda. É um livro somente de ajuda. Muitas dessas dicas funcionaram comigo e talvez ainda funcionem para outras pessoas.

Espero que seja o seu caso.

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P.S.:

Esse livro é uma obra que respeita o conceito Freemium, com distribui-ção gratuita através do site da Perestroika: www.perestroika.com.br (Caso o livro tenha repercussão positiva, e caso exista interesse por uma versão impressa, faremos uma leva de poucas unidades – todas elas cobradas. Entretanto, mesmo que isso aconteça, a versão gratui-ta continuará disponível para download no nosso site.)

Se alguém quiser vendê-lo para você, não compre. É picareta na certa.

O que fizemos, para satisfazer aqueles que insistiram muito, foi abrir uma conta especificamente para receber contribuições espontâneas.

Então, se você achar o livro uma porcaria, não deposite nada. Nós já fizemos você perder o seu tempo.

Se você achar bom, mas estiver com preguiça, não deposite nada também. Não queremos que você passe trabalho.

Se você achar muito bom, mas estiver sem grana, a gente entende. Fica para a próxima.

Agora, se você achar o livro bacana, e quiser contribuir, legal. Deposite o quanto achar justo. Não existe valor sugerido. Você é quem manda.

Entre em contato pelo email [email protected] que a gente explica como fazer o depósito.

Parte do valor será revertido em outras ações Freemium da Perestroika.

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P.S. 2:

Este livro, como bom filhote da internet, é Beta. E sempre será. Estará em constante atualização e, de tempos em tempos, sofrerá as mu-danças necessárias. Todas as novas versões estarão disponíveis para download gratuitamente nosso site: www.perestroika.com.br

Lançar um Work in progress foi uma decisão difícil. Não queria que ele viesse ao mundo prematuro. Não queria que ele nascesse com cara de joelho.

Mas também não dava para esperar mais. Especialmente depois que eu me dei conta que esse job estava há exatos nove meses na minha pauta.

Se você tem sugestões, reclamações, dúvidas, pode escrever para [email protected]. Vou adorar ouvir o que você achou. E vou considerar tudo o que você disser para a próxima versão.

Por fim, é legal saber que, por ser de graça, decidimos não contratar um revisor oficial. Estamos contando com a sua boa vontade: se você encontrar qualquer errinho, nos perdoe. E nos avise.

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P.S. 3:

A ilustração da capa e todo projeto gráfico da edição 2.0 é de Vinícius Souza. Um trabalho incrível em “tempo recorde”. Muito obrigado.

Se você também gostou, entre em contato com ele e agradeça a de-dicação: facebook/vinicius.nrs. O cara merece.

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Índice

Capítulo 1

Manual Express • 18

Capítulo 2

Montando o portfólio • 40

Capítulo 3

Dentro da agência • 74

Capítulo 4

Trocando de emprego • 96

Capítulo 5

Primeiros dilemas profissionais • 110

Capítulo 6

Melhorando seu trabalho • 138

Capítulo 7

O novo criador • 156

Capítulo 8

O que aconteceu comigo • 170

Capítulo 9

As novas mortas • 224

Capítulo 10

Posts • 212

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21as mortas da perestroika capítulo 1 – MANUAL EXPRESS

Se você está sem saco de ler todo esse livro, pelo menos preste atenção nesses toques.

São pílulas. E pílulas do dia seguinte: você lê e, amanhã mesmo, pode colocar em prática.

Bem vindo ao nosso drive thru de conselhos profissionais.

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23as mortas da perestroika capítulo 1 – MANUAL EXPRESS

Vai lá e faz.Todas as pessoas do mundo têm boas ideias. Inclusive você. A gran-de diferença é que algumas conseguem executá-las. Portanto, não deixe seus planos mofando. Ideia na gaveta é a mesma coisa que ideia inexistente.

a Vida é a melhor referência.Você só consegue criar coisas legais se você for um cara legal. Isso significa viver situações inusitadas. Sair da zona de conforto. Sair do lugar comum. Lembre-se: o seu trabalho está intimamente ligado às experiências que você passou. Se você for uma pessoa com vivências únicas, o seu trabalho será único. E aí, ninguém vai conseguir copiá-lo.

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25as mortas da perestroika capítulo 1 – MANUAL EXPRESS

a quantidadefaz a qualidade.Você conhece a teoria da toalha molhada? Ela é bem simples: você pega uma toalha molhada e torce até sair toda água. Daí, você torce de novo, e vai ver que sai mais um pouco de água. E se você torcer uma terceira vez, vai sair mais um pouquinho. E mais um pouquinho. E mais um pouquinho. Insistir faz parte. As primeiras soluções são as mais fáceis, mas as mais óbvias. Não surpreendem e, pior: provavel-mente alguém já teve antes de você.

“mais ou menos” é menos.Se quando você acha que o seu trabalho está bom, muitas vezes ele é reprovado, imagine quando você acha que ele está médio. Não se acostume com a mediocridade. Estresse a sua criação até chegar no seu limite.

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27as mortas da perestroika capítulo 1 – MANUAL EXPRESS

trabalhar com criação é diVertido, mas é trabalho. e trabalho às Vezesé um saco.Quando você vai no cinema, paga o ingresso. Quando você viaja, paga o avião. Quando você trabalha em propaganda, eles é que pagam você. E não pense que é porque você é um cara legal. Não: trabalho é trabalho. Por mais apaixonado que você seja por publicidade, há momentos em que até um monge budista perde a paciência.

o melhor jeito de serpuxa-saco é com umbom trabalhoQuem decide segurar o seu emprego apenas com bajulações normal-mente se dá mal. Nem a Monica Lewinsky, que era uma estagiária extremamente dedicada ao patrão, conseguiu se manter no cargo.

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29as mortas da perestroika capítulo 1 – MANUAL EXPRESS

na maioria das Vezes,a montanha não Vema maomé.Por mais desistimulante que isso seja para alguém que está iniciando, é importante dizer: chegar lá vai dar trabalho.

Você aprende sozinho.Para sobreviver numa empresa de comunicação é preciso ter um pou-quinho de Chuck Norris no DNA. Ninguém tem tempo de pegar você pela mão e ensiná-lo a fazer as coisas. Seja observador, veja como os outros fazem, descubra o que eles gostam. E vá à luta.

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31as mortas da perestroika capítulo 1 – MANUAL EXPRESS

não encha o saco.Você tem todo direito de fazer quantas perguntas quiser. Mas por fa-vor: existe uma linha tênue que separa o cara curioso do mala sem alça. Todo mundo adora um estagiário interessado. E todo mundo abomina um estagiário chato.

quem se apega demais às ideias é porque tem poucas.Se você teve uma ideia bacana, e acredita nela, defenda até um certo limite. Se não aprovarem, parta para outra.

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aprenda a lidar coma frustração:ela é a maioriado nosso trabalho.Você já se deu conta que praticamente tudo o que criamos vai para o lixo? No final das contas, se tudo der certo, por mais que você tenha muitas ideias legais para um job, só uma vai sobreviver e veicular.

ideias para publicitários só atingem um público: os publicitários.Faz cinco anos que saí da publicidade e, todos os anos, pós-Festival de Cannes, é sempre a mesma discussão. “Temos que parar de fazer fantasmas”. A questão é: só os publicitários podem mudar isso. É uma decisão particular de cada um. Recomendo que você não entre nessa. Nem experimente, fantasma porque é como crack: parece ino-fensivo, mas vicia de primeira. Sempre prefira investir sua energia em campanhas que caem no gosto do grande público, que viram parte da cultura popular, que entram para a história da propaganda. Elas são muito diferentes daquelas ideias assépticas, comuns em festivais.

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35as mortas da perestroika capítulo 1 – MANUAL EXPRESS

é melhor ser co-autor de algo brilhante a ser autor solitário de algo comum.Acho que a frase diz tudo.

a maioria dos gênios da propaganda acorda cedo e dorme tarde.Os melhores profissionais que eu conheci na publicidade eram pes-soas bastante dedicadas. A fantasia do gênio que senta na cadeira e tem uma ideia brilhante, assim, num lampejo, só existe na cabeça de dois tipos de profissionais. Os iniciantes, ainda muito ingênuos e des-lumbrados. E a galera old school, que confunde propaganda com arte.

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37as mortas da perestroika capítulo 1 – MANUAL EXPRESS

propaganda é a sua carreira, não a sua Vida.É normal que um criador de publicidade goste de criar publicidade. Mas é bem possível que ele se divirta mais fazendo outras coisas, como ver futebol na TV, comer churrasco com os amigos ou viajar ao redor do mundo. Acredite: isso é completamente sadio.

uma ideia só é original até outra pessoal pensar a mesma coisa – e fazer antes de Você.Hoje em dia, um criador em Nova York e um na Sibéria têm acesso às mesmas referências. Então, não fique procrastinando. Ou você corre o sério risco de ver a sua linda ideia estampada na marca concorrente.

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39as mortas da perestroika capítulo 1 – MANUAL EXPRESS

câncer é um problema graVe. propaganda é só propaganda.Sempre que você se deparar com uma situação em que parece que o fim do mundo está próximo, lembre-se: isso é só propaganda.

Ninguém vai morrer.

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43as mortas da perestroika capítulo 2 – Montando o portfólio

o que é um portfólio?O mercado está cheio de bons profissionais, com trabalhos fantásti-cos e campanhas memoráveis. Mas também está cheio de enrolado-res, que só têm pose e nunca fizeram nada de relevante.

Na hora de contratar alguém, como saber se o candidato faz parte do primeiro ou do segundo grupo?

Para acabar com essa dúvida, inventaram um negócio chamado portfó-lio. O nome é chique. Mas não passa de um compilado, que reúne todo o seu histórico de trabalhos.

O objetivo do portfólio é desmascararar os metidos e provar que o seu passado justifica uma contratação.

o portfólio analógico já era.No meu tempo, o portfólio era uma pasta, com os anúncios impressos em papel fotográfico. Hoje, a grande maioria dos profissionais avalia as peças em formato digital. Porque, convenhamos: é mais fácil para ambos os lados.

Diria mais: se a pessoa que está contratando você exige um portfólio físico, preste atenção. Isso já indica alguma coisa.

Como será apresentado? Bom, aí é com você. Pode ser um portfólio on-line. Constantemente atualizado. Mas é bom ter também JPGs das suas peças. Nem muito pesados, para não atolar a caixa do cara. Nem muito leves, para a resolução não ficar baixa demais.

O ideal é ter três tipos de arquivos. Bem pesado, com a máxima reso-lução, preservando os detalhes das suas imagens. Um Tamanho inter-mediário, que preserve a qualidade, mas não atole o email de ninguém. E bem levinho, em caso de emergências.

Não existe um padrão para o portfólio on-line. Acredito que o jeito mais fácil seja fazer um blog, Flickr, Tumblr. Ou se registrar num site como Behance ou Carbonmade, as centrais de portfólios mais popu-lares da internet.

E só para não deixar passar: na edição anterior, eu disse que a pasta impressa era importante. “Talvez, daqui uns anos, ela caia em desuso. Mas hoje ainda vale ter uma.” Pois nesse meio tempo, acho que ela morreu e está enterrada a sete palmos.

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45as mortas da perestroika capítulo 2 – Montando o portfólio

portfólio sempre atualizado.Nunca me ligaram e disseram: Ouvi falar bem do seu trabalho. Que tal falarmos daqui um mês?

Em agência de propaganda, nada tem prazo. Nem entrevista. Quando estão procurando gente, é sempre para ontem.

Montar um portfólio na correria é uma dupla insanidade. Primeiro, por-que é bastante estressante correr atrás dos arquivos com pouco prazo. Segundo, porque é um suicídio profissional. Já pensou, perder aquela vaga preciosa porque você deixou o portfólio defasado?

Sempre tenha a pasta impecável. Tem gente que faz atualizações mensais. Tem gente que faz atualizações semanais. Nesse sentido, eu sempre fui bem CDF: fazia atualizações instantâneas. Se saía um anúncio legal, já separava o arquivo para mim.

Para não ficar empurrando com a barriga, o jeito mais fácil é já deixar no seu desktop um folder Portfólio. Fez coisa bacana? Arrasta para lá.

Se você for redator, encha o saco do seu dupla. É fundamental estar com as peças ao seu alcance.

como selecionaras peças da sua pasta.A regra básica é: o que joga a sua pasta para baixo, sai. O que joga a sua pasta para cima, fica.

O problema é que, se você mostrar a sua pasta para dez criadores diferentes, cada um vai dizer uma coisa. A única pista que você vai ter é sobre o que é muito ruim e o que é muito bom. Nisso, os caras experientes costumam concordar.

Em geral, os critérios são muito subjetivos. Por isso, não existe certo e errado. Existe o certo e errado para cada situação.

Não adianta chegar com um monte de ideias bundonas numa agência que faz só faz anúncios fora da casinha. E vice-versa.

Você tem que se adequar ao seu público-alvo. Até na hora da entrevista.

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47as mortas da perestroika capítulo 2 – Montando o portfólio

na matemática da pasta, 1 + 1 = 1.Antes de sair da minha última agência, vivi uma situação inusitada. Um candidato a estágio me ligou pedindo para mostrar a sua pasta, que tinha três anúncios. Sugeri que ele me procurasse novamente quando tivesse, no mínimo, dez peças.

No dia seguinte ele me ligou. Fiquei um pouco intrigado. Mas marquei a entrevista mesmo assim.

Como combinado, ele chegou com as dez peças. Mas elas faziam parte da mesma campanha. Dez anúncios, todos bem parecidos, com pequenas alterações de cor entre um e outro.

Não sabia nem por onde começar.

Esse episódio me ajudou a criar a Matemática da Pasta. Ela é simples e evita que você pague esse tipo de mico.

Cada peça vale um. Um anúncio, um outdoor, uma embalagem, um logo, um jingle, uma ação. Tudo isso vale um.

Até aí, fácil.

Se você tem uma campanha com três anúncios, e cada um deles tem uma ideia diferente, contam três peças. Agora, se você tem uma cam-panha com três anúncios, e os três anúncios são razoavelmente pare-cidos, conta apenas um.

Para complicar ainda mais: se essa campanha de três anúncios dife-rentes tiver um desdobramento (por exemplo, um outdoor), ele conta como uma nova peça. A não ser que ele seja apenas uma reprodução de um dos anúncios. Aí não vale nada.

Só por favor: não leve ao pé da letra. A Matemática da Pasta é bem flexí-vel e pode sofrer adaptações caso a caso. O objetivo principal é ser um guia para não deixar o seu portfólio nem muito curto, nem longo demais.

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49as mortas da perestroika capítulo 2 – Montando o portfólio

ordem.O Manual do Estagiário consagrou uma maneira de montar as pastas que funciona muito bem. Você pega as suas dez peças e coloca em ordem. Começando pela pior até a melhor.

10 (a pior), 9, 8, 7, 6, 5, 4, 3, 2, 1 (a melhor).

Aí, você joga a melhor lá para o início:

1 (a melhor), 10 (a pior), 9, 8, 7, 6, 5, 4, 3, 2 (a segunda melhor).

Assim, você começa dando um chute no saco. E termina a pasta sem fazer feio, deixando uma boa impressão.

Eu sou um defensor desse sistema. Mas para falar a verdade, nunca segui esse método fielmente. Sempre usei como ponto de partida. Depois, mudava a partir de outras variáveis que considero igualmen-te importantes.

Nunca contei esse meu método para ninguém. Me sentia meio he-rege de contrariar as dicas do Mohallem. Só fiquei mais tranquilo no dia em que tive a oportunidade de entrevistar o próprio Eugenio. Ele comentou que ficava chocado ao ver algumas pessoas seguindo a ordem cegamente.

Aí eu relaxei.

Então, aí vai a minha sugestão: faça o 1, 10, 9, 8, 7, 6, 5, 4, 3, 2.

Em seguida, avalie a relação de títulos vs. ideias visuais. Você não pode ter os cinco primeiros anúncios de um grupo e os cinco últimos de outro. Fica muito previsível. Seu objetivo é justamente surpreender quem está vendo a pasta, não é?

O mesmo vale para design gráfico vs. design 3D ou propaganda off-line vs. on-line. Monte de um jeito que fique interessante.

Outra coisa importante é a relação de clientes. Se você tem no seu portfólio um total de nove campanhas, sendo três para cada cliente, não deixe elas juntinhas.

Cliente 1, Cliente 1, Cliente 1, Cliente 2, Cliente 2, Cliente 2, Cliente 3, Cliente 3, Cliente 3.

Misture. Não pode parecer uma pasta com três blocos. Deve parecer uma pasta com nove campanhas.

Cliente 1, Cliente 2, Cliente 3, Cliente 2, Cliente 1, Cliente 2, Cliente 3, Cliente 3, Cliente 1.

E por último: cuide das cores das suas peças. Umas são mais averme-lhadas. Outras têm fundo branco. Outras são escuras. Não deixe ela monótona. Crie estímulos visuais para quem estiver vendo.

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51as mortas da perestroika capítulo 2 – Montando o portfólio

redator Vs. diretor de arte, offline Vs. online.Por mais que muitas agências já tenham migrado para um modelo híbrido, em que não há mais divisão de papeis, a verdade é que a grande maioria do mercado ainda funciona de forma segmentada.

Redator é redator, DA é DA. Existe um departamento para off e um para on.

Na teoria, sabemos que não deveria ser assim. Mas, verdade seja dita: é bem complicado fazer essa migração.

Enquanto ela não acontece, algumas sugestão para você.

pequeno cuidado para se ter com os exercÍcios de fora da propaganda.Se o portfólio publicitário não estiver agradando, não ultrapasse o limi-te do bom senso. Os exercícios fora da propaganda devem ser o tiro de misericórdia, não um tiro no próprio pé.

Vamos supor que a sua pasta seja fraca. Alguém teve paciência para criticar vários títulos, textos e conceitos. Ficou lá, explicando por A+B porque você deveria refazer seus anúncios.

Aí, no final da entrevista, você insiste para que ele leia algumas crôni-cas que você imprimiu do seu blog. Parece um pouco Joselito, não?

Além disso, saiba que se o portfólio em si não estiver lá essas coisas, dificilmente uma parede que você grafitou ou uma letra da sua banda vai salvar a sua pasta. (Minha sincera opinião? Isso deveria contar mais do que os próprios anúncios. Mas não é o que o mercado cos-tuma achar.)

Os exercícios fora da propaganda costumam ser a cerejinha. Por isso, capriche no bolo.

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modernices.

O perfil do portfólio muda na mesma velocidade que a propaganda. Então, ter ideias mais contemporâneas podem chamar a atenção. Al-gumas possibilidades:

1. Um vídeo “viral” (muito cuidado com esse termo)2. Um prédio como solução de ambient media3. Estratégias de relacionamento on-line4. Um aplicativo para Iphone5. Um jogo de videogame

Só não esqueça que esse tipo de solução criativa está em fase expe-rimental nas maioria das agências. Não é o job do dia-a-dia. Portanto, serve mais para mostrar o seu potencial criativo do que para demons-trar uma expertise que será aplicada na agência.

Pelo menos, que será aplicada por você, que, no início, pegará só craca.

por melhor que sejao seu currÍculo, ele sóVai atrapalhar Você.Durante a entrevista, vão perguntar se você está estudando, onde você trabalhou, que programas domina, e tudo mais que julgarem necessário.

Em outras palavras: não existe muita necessidade de um currículo im-presso. Para falar a verdade, até pega mal. É até uma piada entre os cria-dores: Veio um estagiário só com currículo querendo emprego, pode?

Gaste tempo na sua pasta que vale mais a pena.

Só não esqueça de deixar o seu contato. Pode ser um cartão de visi-tas ou seu nome e e-mail/celular na capa.

Perder a vaga com um portfólio ruim, vá lá. Agora, perder a vaga por sumiço, aí já é demais.

Se você quer que dê namoro, tem que deixar pelo menos o telefone, né?

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o melhor jeito de fazer uma pasta é trabalhando numa agência. mas para entrar numa agência, Você precisa de uma pasta. e aÍ?Aí você senta na frente do computador, pensa num briefing que renda uma boa campanha e começa a trabalhar.

Mas eu nunca trabalhei, como vou saber o que é um bom briefing?

Ora, um bom briefing é aquele que você gostaria de ter em mãos. Nor-malmente, são assuntos nos quais você já se interessa. Quem gosta de futebol provavelmente vai curtir criar para a Nike. Quem é viciado em videogame vai adorar pensar em ideias para Playstation.

Só não perca muito tempo nessa parte do processo. Pensar num briefing é infinitamente mais fácil do que pensar num anúncio para esse briefing.

Outra boa maneira de iniciar a pasta é acionar o seu Banco de ideias. Todo criador tem um arquivo de Word chamado Banco_de_ideias.doc. Alguns preferem um caderninho de anotações (especialmente os dire-tores de arte) porque dá para rabiscar.

Se você ainda não tem nenhum dos dois, comece hoje mesmo.

Agora, se nada disso fez você se mexer, ainda existe uma última espe-rança. O Criação Sem Pistolão sugere o Método da Revista Veja. Você abre a revista em qualquer página que tenha pelo menos um anúncio. Aí, você identifica o briefing e tenta criar uma ideia melhor para o mes-mo problema do anúncio.

É difícil. Mas se você conseguir fazer anúncios melhores que os da Veja, eu tenho certeza que você consegue uma vaga.

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seja o seu próprio atendimento.É legal você se colocar um prazo. Ou vai ficar empurrando com a barriga eternamente. O anúncio de amanhã sempre pode ficar para depois de amanhã.

Então, caso você esteja com tempo livre, sugiro que você coloque a seguinte meta: produzir uma pasta com dez peças em um mês.

É bem razoável. Você terá 2,5 dias para criar e executar cada anúncio. O que, numa agência de verdade, é um luxo. E ainda terá todos os finais de semana livres para não pensar em propaganda.

Se você já tem uma pasta, mas quer trocar algumas peças que foram criticadas, dá para manter a média de 2,5 dias por peça.

Eu mesmo já utilizei esse sistema. E como garoto-propaganda da mi-nha própria ideia, afirmo com um sorriso no rosto: funciona!

a hora da Verdade:quando a pasta está boa para fazer uma entreVista?Assim como o surfista, que morre em busca da onda perfeita, você vai morrer e não vai ter o portfólio ideal.

A moral da pasta é justamente essa: estar sempre melhorando o seu conjunto de peças. Então, não adianta ficar pedalando a entrevista. Uma hora você tem que cair no mar.

Para ser um pouco mais prático: pense num mínimo de dez peças. Menos que isso é perda de tempo. Para você, que terá pouca coisa para ser avaliada. E para quem entrevista, que vai criar um buraco na agenda para analisar o seu trabalho.

Acima de vinte peças também não precisa. Sinal de que você filtrou mal. Corre o sério risco de aborrecer o cara. E aborrecer também es-posa do cara, que odeia jantar sozinha.

Entre quinze e dezoito peças está na medida.

Outra coisa importante: assim que você tiver um portfólio, não enrole. Marque logo as entrevistas, mesmo que dê um medo. Imagine que o objetivo da conversa não é ser contratado. É ouvir críticas e melhorar a sua pasta. Para, numa próxima vez, aí sim disputar a vaga.

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não precisa existir Vaga para marcar uma entreVista.Você está em casa e de repente toca o telefone. Fiquei sabendo que você gostaria de estagiar aqui na nossa agência. Estamos com uma vaga. Quer vir mostrar a pasta?

Parece bizarro, mas é assim que alguns estudantes agem. Ficam es-perando a oportunidade, em vez de criá-la.

O jeito mais fácil de conseguir uma entrevista é usando os seus con-tatos. Se você tem algum conhecido que trabalha em agência, peça para ele ver o seu trabalho. Dificilmente vão recusar.

Se esse seu amigo for muito novato, peça para ele agilizar com outra pessoa mais experiente. Quase sempre dá certo. Ou simplesmente pegue o telefone e ligue para as agências. Pergunte se tem vaga para estágio. Se não houver, pergunte se alguém da Criação pode ver a sua pasta.

O pior que pode acontecer é dizerem não. E você ficar na mesma.

Não caia no truque do Fale conosco. Você provavelmente será ignora-do. Por sinal, e-mail é uma ótima ferramenta para ignorar candidatos a estágio. Ligar sempre é mais garantido.

lugares legais para trabalhar. lugares ruins para trabalhar.Toda empresa tem a cara do dono. E como cada dono pensa de um jeito, as personalidades das empresas também são muito diferentes.

Não é difícil descobrir o estilo de cada agência. Umas trabalham mais, outras trabalham menos. Umas pagam melhor, outras pagam pior. Umas têm mais benefícios, outras têm menos. Umas fazem mais fes-tas, outras menos.

É importante lembrar, também, que não é só o dono que faz o perfil da empresa. Existem fatores externos e internos que influenciam. Como um novo Diretor de Criação ou uma mudança no cenário econômico. Pense na crise que tivemos há alguns anos (aquela que o Lula chamou de “marolinha”). Algumas empresas mais soltinhas ficaram assusta-das puxaram o freio de mão. E vice-versa.

No meu tempo de estagiário, a F/Nazca era a agência com as ideias mais ousadas. A DM9 era a agência mais sintonizada com o novo padrão internacional. A Almap tinha a direção de arte e os títulos mais inteligentes.

Evidente que, de lá para cá, houve mudanças. Analise o que as agên-cias estão fazendo, se informe com profissionais experientes. Vai ficar mais fácil para você entender a personalidade atual dessas agências.

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entretanto.Não existe empresa perfeita. E como a grama do vizinho é sempre mais verde, você costuma perceber apenas os defeitos do lugar onde você trabalha. E não valorizar o que ele tem de legal.

Olhe a metade cheia do copo.

por fim.Vem o mais importante: você quer trabalhar nesse lugar?

Sim, porque se convidarem você, mas você não estiver a fim, ou achar que o lugar não contribui para o seu crescimento, não vá.

Não conheço nenhum departamento de RH que prenda as pessoas na agência. (Apesar de imaginar que muitos adorariam.) Você é livre para ir e vir.

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pasta para quem quer ser um criatiVo. mas não no departamento de criação.Muita gente me procura porque quer trabalhar com criação, mas não da forma tradicional. Uns se identificam mais com a área de Planeja-mento. Outros querem ter boas ideias para cliente, dentro do marke-ting da empresa.

Fico bem feliz em ver estudantes pensando assim. Acredito até que a filosofia da Perestroika (Você sempre pode ser criativo, em qual-quer área, em qualquer profissão) tenha uma importante participa-ção nesse processo.

Não conheço nenhum modelo de portfólio para Planejamento ou Marketing. Eu, se estivesse concorrendo a uma vaga nessas áreas, pensaria em projetos criativos. Apenas para mostrar meu potencial.

Vamos pegar Nike como exemplo.

Se eu quisesse trabalhar no Planejamento da agência que atende essa conta, ou no próprio cliente, eu faria o seguinte. Criaria várias ações envolvendo a marca. Novos produtos, eventos, hotsites, sugestões de crossmedia, ideias baseadas em tendências que ainda não se popu-larizaram. E por aí vai.

É claro que só boas ideias não bastam. Esses três departamentos exigem de você outras qualidades bem específicas e diferentes da Criação.

Mas mostrar que você tem ambições além do Excel também não atrapalha.

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pasta para quem quer trabalhar no lado mais business ou no operacional.Existem outras três áreas fundamentais dentro de uma agência, que também exigem criatividade, mas de uma forma diferente: o Atendi-mento, a Produção e a Mídia.

São áreas em que o dia-a-dia exige respostas mais rápidas. Então, a rotina é comprometida muito pelo lado operacional.

O currículo nessas áreas ainda pesa. Mas o que realmente pesa é a sua capacidade de convencer o entrevistador. E até faz sentido. Se você não for bom em se vender, como vai negociar com clientes, for-necedores e veículos?

Acho que aqui, mais do que qualquer outro lugar, vale demonstrar vontade pela vaga. Não tenha medo de dizer: Eu sei pouco, mas que-ro aprender e não arrepio.

pasta para quem quer trabalhar no lado mais business ou no operacional, e já é um pouquinho mais rodado.Se você está buscando vaga na Produção, pode montar tranquila-mente um portfólio com seus melhores trabalhos. É legal, de alguma forma, explicar que interferência a Produção teve no processo de exe-cução. Esse é o motivo pelo qual estão contratando você.

Já na Mídia e no Atendimento, talvez você consiga reunir alguns cases onde sua participação foi fundamental.

E quando eu digo fundamental, não é Eu fui lá e aprovei a campanha, ou Eu que fiz o plano de mídia.

É: Eu percebi uma oportunidade de negócio entre o meu cliente e uma outra marca. Fizemos uma promoção conjunta e vendemos que nem água. Ou: Eu sugeri um novo formato de anúncio. Mas ele fez tanto sucesso que entrou na grade de formatos-padrão do jornal X.

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engula o choro.Se você quer elogios, não vá mostrar a pasta. Ninguém está lá para bajular você. As pessoas vão dizer o que pensam, goste você ou não.

A verdade é que as chances de você ser duramente criticado são altíssimas.

Lembre-se: você não é nem estagiário. É aspirante a estagiário. Nada mais normal do que você ter uma pasta com erros de principiante.

cada cabeça, uma sentença. mas nunca uma sentença de morte.Sinto que muitos estagiários vão para a entrevista esperando uma opi-nião definitiva. Um oito ou oitenta. Se ele gostar, é porque eu nasci para a coisa. Se ele não gostar, é sinal de que sou um fracassado.

O cara que vê a sua pasta não é um Imperador Romano, que levanta ou baixa o polegar e decide a sua vida. Ele está ali apenas para julgar o trabalho que você quiser mostrar, e que reflete aquele momento es-pecífico da sua carreira. Só.

Agora, se o entrevistador tiver um ataque de megalomania e resolver encerrar a sua carreira ali mesmo (dizendo algo como Troque de pro-fissão, você não serve para a coisa), agradeça a oportunidade educa-damente. E depois delete a entrevista do seu banco de dados.

Primeiro, porque ninguém tem poder para adivinhar o futuro. Segundo, porque quem faz isso é muito idiota. E você não tem por que ouvir conselhos de um idiota.

Não são poucas as histórias folclóricas de profissionais de sucesso que ouviram esse tipo de conselho (Largue a propaganda!). E hoje são chefes dos idiotas.

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cuidado: tem entreVistador quesó quer se liVrar de Você.A primeira coisa que eu sempre disse, mesmo antes de abrir a pasta, é: Vou ser brutalmente honesto. Quer continuar?

Tome cuidado com quem vê a sua pasta. É muito mais fácil para o entrevistador passar os olhos rapidinho, dizer Legal, qualquer coisa eu mando um e-mail e chegar cedo em casa, do que dizer A sua pasta está muito ruim, eu sugiro que você mude isso, isso, isso, isso, isso, isso, isso, isso por causa disso, disso, disso, disso, disso, disso.

Quando se é mais crítico, a entrevista costuma durar no mínimo meia hora. E o cara vai se incomodar com a patroa, que vai jantar mais uma vez sozinha.

Eu sempre prefiri o caminho mais difícil: ver a pasta de verdade. Ou fazia assim ou nem marcava. Comentava peça a peça, entrava nos de-talhes e fazia várias críticas. Todas, é claro, pensando em contribuir.

E a janta eu aquecia no microondas.

(Obs: hoje eu não vejo mais portfolios. Não me sinto à vontade por estar há um tempo fora do mercado. Se essa era a sua ideia, por favor: não insista. Se ainda assim estiver tentado, releia a página 30.)

portfólio Visto.No início da carreira, são pequenas as chances de qualquer entrevista se transformar em vaga. Aí, é natural ficar aquela impressão de que o esforço não valeu a pena.

Mas valeu. Na pior das hipóteses, você vai ter ouvido várias dicas para melhorar a pasta. Vai ter feito contato com pessoas importantes. Vai ter aguçado o seu critério, entendendo o que os mais experientes julgam ser bom e ser ruim.

E se for a sua primeira entrevista, vai ter o que eu considero o mais importante: um choque de realidade. No mundo profissional, não há lugar para paternalismos.

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tic-tac-tic-tac.o tempo passae ninguém responde.Particularmente, eu acho legal se você mandar um e-mail depois da entrevista sinalizando que está a fim da vaga. Outros podem achar meio malice. E não duvido que alguns considerem forçação da sua parte e o eliminem da disputa.

Então, use o feeling para saber até onde dá para ir.

O tempo da resposta é muito variável. Geralmente a contratação é rápida. Mas em alguns casos, o processo pode demorar semanas. Fique sempre atento para saber se a vaga já foi preenchida ou se você ainda está no páreo.

na traaaaaaaaaaaVe.Se no final das contas você não conseguir nada, não faz mal. Ouça com atenção tudo o que disseram e refaça a sua pasta. Uma nova entrevista só se justifica se você tiver mais da metade do portfólio remodelado.

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73as mortas da perestroika capítulo 2 – Montando o portfólio

tá no filó.Mais cedo ou mais tarde, você vai conseguir um estágio. Talvez, não seja a vaga dos seus sonhos. Mas não dá nada: o importante é que você mudou de status. Antes, você era candidato a estagiário. Agora, você já é um estagiário. E está apto a ler o próximo capítulo.

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capÍtulo 3

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77as mortas da perestroika capítulo 3 – Dentro Da agência

round one: fight.O primeiro dia de um estagiário costuma ser parecido. O pessoal faz um tour rápido e apresenta você para o resto da agência. Depois, os caras da TI dão um jeito no seu computador, para que você tenha e-mail e aprenda a salvar na rede.

A partir daí, você ganha um tapinha nas costas e um monte de pepi-nos para descascar.

dois pontos.Para se dar bem dentro de uma agência, você precisa ser competente em duas frentes:

1. A questão técnica, do trabalho propriamente dito. 2. As regras de convivência, a etiqueta profissional, o seu com-portamento no dia-a-dia.

Em geral, os profissionais orientam você no que diz respeito ao ponto um. Mas não dão praticamente nenhuma ajuda no ponto dois.

Portanto, se você quer uma mãozinha, leia com atenção as próximas páginas. São dicas que aprendi quando ainda era estagiário. Fruto de muita observação, muito jogo de cintura e algumas cabeçadas na parede.

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79as mortas da perestroika capítulo 3 – Dentro Da agência

malandro não é malandro. é mané.Estagiários são jovens. Aproveitam a vida como jovens. Saem, en-chem a cara, dormem duas horas e chegam na agência transpirando Whisky com Redbull.

Eu entendo perfeitamente isso. E acho justo. O Early 20’s é a melhor época para fazer todas as coisas irresponsáveis que se espera de um moleque.

A única coisa que você não pode esquecer é que a sua pauta social não pode comprometer a sua pauta no trabalho. Administrar isso é problema seu. Só seu.

Se você bebeu mais do que devia, se dormiu mais do que devia, não faça o que não deve. Não minta.

O seu chefe já teve a sua idade. Já passou pela mesma situação. E sabe exatamente o que passa pela cabeça numa hora dessas. Invento uma desculpa e tento sair limpo? Ou falo a verdade e corro o risco de me queimar?

Assuma o seu vacilo. Ouça o xixi com o rabo entre as pernas. Sente a bunda na cadeira. E trabalhe, trabalhe muito.

Pior do que o estagiário que chega de ressaca é o estagiário não ren-de por causa da ressaca.

cuidado com o efeito soneca do celular.Brasileiro nunca respeita horário. Você marca 9h30, o cara chega 9h45. Você marca 9h45, o cara chega às 10h. Você marca às 10h, o cara liga 10h15 para dizer que está chegando.

Eu acredito que estagiário tem que chegar na hora. Se a agência co-meça a funcionar 9h, acho que todo estagiário deveria estar lá, às 9h, de prontidão. Por um simples motivo: estagiário é o soldado prepara-do para resolver qualquer problema. E problema não tem hora para aparecer.

Como dizia o Ron Seichrist, Reitor da Miami Ad School: If you’re on time, you’re already late.

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81as mortas da perestroika capítulo 3 – Dentro Da agência

dress code.Dentro dos ambientes criativos, é comum ver muita gente com o estilo moderninho. O primeiro conselho que eu dou a você é: não se intimi-de. Se você é emo, mauricinho ou surfista, não precisa trocar todo o guarda-roupa só para fazer parte da turma.

Agora, não dá para patifar também. Não dá para chegar de Havaianas, calção do Inter e camiseta de regata furada.

Para não errar, é só fazer o óbvio. Os homens devem usar o clássico jeans com tênis e uma camiseta arrumadinha. Já as meninas só de-vem evitar as roupas minúsculas. Apesar de fazer sucesso nos corre-dores, os trajes micro viram assunto também na reunião de diretoria.

missão dadaé missão cumprida.Não tem nada mais chato que o estagiário que não resolve problemas. Aquele cara que conjuga todos os verbos no gerúndio.

— Já montou as peças que eu pedi há duas horas? — Estou só resolvendo uma coisa aqui e já vou pegar. — Você corrigiu aquele título que pediram para trocar? — Estou só vendo uma coisa e já faço.

Se derem uma tarefa para você fazer, ou você diz alguma coisa na hora, ou a batata quente acabou de passar para a sua mão. É melhor não ficar cozinhando em banho-maria. Resolva rápido o que passa-rem, ou a chapa esquenta para o seu lado.

Então, se você está cheio de trabalho, e não vai dar conta do recado, avise. Mas não avise quando o prazo estiver estourando. Lembre-se: estourando também está no gerúndio.

Um estagiário é medido por produtividade: pela criatividade nos jobs, não pela criatividade nas desculpas.

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83as mortas da perestroika capítulo 3 – Dentro Da agência

não deu tempo.Não deu tempo é uma frase que não existe. Ou melhor, existe, mas em outro tempo verbal: Gente, não vai dar tempo.

De novo: se você se deu conta que o prazo está apertado demais, não deixe para avisar em cima da hora. Ou nada poderá ser feito.

Assim que você receber o job, grite. Ou quem vai ouvir no final é você.

inteligência emocional.Os EUA não ganharam a Segunda Guerra sozinhos. Formaram um bloco com os chamados Países Aliados e, aí sim: destruíram com Hitler e companhia.

Pense comigo: se até a maior superpotência do planeta precisa de ajuda, não vai ser você que vai resolver tudo sozinho, né?

O dia-a-dia de uma agência é uma guerra. Vem bomba daqui, rajada dali, granada pelo alto. Se você não tiver amigos, morre antes mesmo de desembarcar na Normandia.

Então, já de cara, exercite a fina arte da diplomacia. Depois, com o tempo, evolua e comece a formar o seu grupo de parceiros estratégi-cos. E aí vá expandindo seus territórios. Igualzinho ao War.

Na hora que você precisar – e, acredite, um dia você vai precisar – é para essas pessoas que você vai ter que pedir água.

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aprofundando o assunto: conta corrente subjetiVa.Sabe quando dizem Depois dessa, fico devendo uma? Essa Uma é a moeda da Conta Corrente Subjetiva.

No momento em que você quebra um galho para alguém, você ganha pontos. Quando você pede auxílio, é justamente o contrário: entra no vermelho. Quanto maior o favor, maior o valor.

A grande maneira de ser respeitado dentro do ambiente de trabalho é estar sempre no positivo. Com todo mundo. Assim, ninguém pode falar nada de você. E quando você precisar de uma mão, não vão poder recusar.

Então, siga o conselho dos religiosos: dê sem esperar nada em troca.

Ou, se preferir, siga a filosofia de Dom Corleone, o personagem célebre de O Poderoso Chefão, que dizia para quem vinha lhe pedir favores.

Eu não quero o seu dinheiro. Quero a sua amizade.

Capisce?

pergunte.insista uma Vez.e era isso.Você está autorizado a perguntar. Inclusive, o porquê costuma ser o melhor amigo das pessoas inteligentes.

Mas se você é realmente inteligente, vai saber a hora em que a curio-sidade vira pentelhação. Em que a contestação vira desrespeito à hie-rarquia. E aí, mesmo não concordando com a justificativa que deram a você, o jeito é sentar na frente do computador e fazer mais.

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87as mortas da perestroika capítulo 3 – Dentro Da agência

facebook, twitter, Youtube e e-mail. não fique coma fama de Vagal.Em todas as agências, sempre tem um estagiário que fica com o estig-ma do cara que passa o dia na internet. Fuja desse rótulo. Ou sua vida dentro da empresa vai durar menos que 140 caracteres.

Minha sugestão é que você aproveite os horários extra-pauta (antes das 9h, depois das 19h e o intervalo para o almoço) para fazer o seu tour virtual.

De novo: essa não é a minha opinião. Mas é o que percebo do mercado.

Imagine a seguinte situação. O seu chefe está estressado, precisando que você termine um layout até as 16h. Faltando duas horas para a apresentação, ele passa pelo seu monitor e vê, abertas no seu e-mail, as últimas fotos da Carolina Dieckmann. Chega no final do trabalho, a montagem não fica como ele esperava.

Vai sobrar para você. E para a Carol também.

Sempre que você estiver mandando fotinhos de putaria, ou dando um like no post do Alemão, ou visitando o Twitter do Neymar, você está correndo o risco de que alguém chegue e pergunte: E aí, já limpou a pauta?

Lembre-se: até conquistar o seu espaço, você não é o que você é. Você é o que os outros perceberem o que você é.

Obs.: se o seu monitor estiver estrategicamente virado para a en-trada da Criação, onde todo mundo passa e vê o que está na tela (esses monitores sempre caem para os estagiários), o cuidado deve ser redobrado.

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ei, eu posso estar no Youtube Vendo referências para um trabalho.eu posso estar no facebook pesquisando um grupode consumidores.Claro, cada caso é um caso. Inclusive, racionalmente, todo mundo en-tende que essas coisas (o Neymar, a Carolina Dieckmann e o Alemão) são referências da vida e que fazem de você um criador melhor.

Ao mesmo tempo, o seu chefe tem uma pauta represada, esperando que você diga Acabei! para passar o próximo job.

E outra: não pense que o seu chefe não nota. Ele sabe exatamente a diferença entre um trabalho sério e alguém que está matando. Até porque, ele também tem um chefe, e também dá uma matadinha de vez em quando.

estágio de seis horas.Há pouco tempo, entrou em vigor uma lei que determina que os esta-giários não trabalhem mais que seis horas.

Acho, sinceramente, a típica lei onde todo mundo sai perdendo. Prin-cipalmente o estagiário.

Você está lá, cercado de um monte de gente melhor do que você. Profissionais que estão dando dicas, conselhos e oportunidades para você mostrar o seu trabalho. Cada hora, cada minuto, cada segundo num ambiente assim é valioso.

Por que ficar apenas seis horas? Onde você aprende mais: dentro de uma agência ou em casa, coçando o saco?

Se você for contratado para trabalhar seis horas, já se coloque à dis-posição para trabalhar mais, bem mais. No final das contas, é bom para você.

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bem mais é beeeeeeem mais.Quando você decide trabalhar com publicidade, tenha em mente o seguinte: a sua jornada de trabalho vai longe. Muitas vezes, entra final de semana e só termina quando o Tadeu Schimidt está mostrando os gols do Fantástico.

Não fui eu que inventei isso. É a forma como o mercado da propagan-da se organizou (ou se desorganizou).

Essa é a regra do jogo. Se você não concorda, beleza. Não precisa entrar em campo. Mas se entrar em campo, não pode reclamar de carrinho no tornozelo.

Moral da história: não seja um desses estagiários chatos que reclama dos horários malucos. Isso é um absurdo, é desumano. Não está sa-tisfeito? Peça demissão. Ou você acha que uma empresa inteira vai se adequar ao seus horários?

Conheço um monte de agência pequena que termina o expediente diariamente às 18h30. Mas só faz trabalhos de menor visibilidade. É o que você quer? Então vá lá.

Aí, você pode dizer que tem gente que ganha bem, só faz trabalhos grandiosos e trabalha pouco.

Claro, esses empregos existem, sim. Mas são pouquíssimos. E dispu-tados pelo melhores dos melhores. Você, que recém começou, ainda está muito longe dessa cadeira.

dica de sobreViVênciana selVa: não coloque tudo a perder nas baladasda empresa.Existem agências e agências. Mas todas elas fazem algum tipo de comemoração. Ou quando conquistam uma conta nova, ou quando ganham um grande prêmio, ou – se o ano for magro – a festa de final de ano.

De novo: existem agências e agências. Em algumas, ninguém se im-porta se você tomar um porre, vomitar no meio da pista e chegar so-lando na mulher do VP. Em outras, todo mundo vai ficar de olho quan-do você pedir o segundo whisky.

Já pensou? Você demora anos para construir uma reputação e duas tequilas colocam tudo a perder?

Em geral, chega uma hora na festa em que o álcool pega. Quem não quer incomodação, vai embora. Quem está para a maldade fica.

A partir daí, está liberado.

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93as mortas da perestroika capítulo 3 – Dentro Da agência

antes de chegarnos finalmentes:três coisas que todo mundo acha que tem.Propaganda é um meio extremamente subjetivo. Isso dá margem para muita discussão e opiniões controversas.

No início da carreira, é legal fugir do fogo cruzado. Então, já ligue o seu radar para os três pontos a seguir:

1. Bom senso

Você já ouviu alguém dizer Eu não tenho bom senso?

Eu nunca vi. Mas já vi muita reunião discutindo se fulano teve bom senso ou não. Quando isso acontecia, era um saco. Nunca se chega-va a uma conclusão.

2. Critério

Certa vez, uma menina, que estava quase se formando, foi pedir es-tágio. Quando perguntaram se ela queria Redação ou Direção de Arte, a garota disse Direção de Criação. Eu não sou muito boa fazendo pro-paganda, mas sou ótima avaliando peças.

Essa história é real e ajuda a reforçar um ponto de vista que tenho: qualquer um se acha um bom avaliador de propaganda.

Pense comigo: cada pessoa tem um critério diferente. E como não existe uma Lei Universal, que determine o que é certo e o que é errado na publicidade, toda a pessoa tem a sensação de que o seu critério é melhor que o dos outros.

Por isso que, se você não cuidar, sua peça vai receber pitaco de todo mundo. Até da tia do café.

3. Caráter

Você tem um amigo que é apaixonado por uma mulher gostosíssima. Mas ela não quer nada com o cara, e sim com você. Dar em cima da gatinha é sacanagem?

Uns vão dizer que sim, outros vão dizer que não. Depende do grau de amizade, da gostosa, e principalmente: dos conceitos que vocês têm sobre o assunto.

Eu já vi muito filho da puta fazer filhadaputice. E na maioria das vezes, eles não se achavam filhos da puta por isso. Sempre tinham uma justi-ficativa – que para mim não fazia sentido, mas para os caras era mais do que suficiente.

De novo: é tudo uma questão de bom senso e critério.

Por isso, sempre que você fizer alguma coisa, e o pessoal olhar torto, avalie a situação. De repente, na sua cabeça, está tudo bem. Mas os outros podem estar tirando você para mau caráter.

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95as mortas da perestroika capítulo 3 – Dentro Da agência

e finalmente: aproVeite.O estágio teria tudo para ser uma etapa de merda na sua carreira. Você trabalha um monte. Pega só craqueira. E sempre que alguma coisa dá errado, sobra para você.

Mas o estágio é uma das épocas mais legais da vida profissional. E a última dica desse capítulo é justamente essa: aproveite. Curta. Tem um lado muito legal de ser estagiário.

P.S.: Apesar de ser uma fase legal, eu não vou enrolar você. Uma hora, a coisa perde o encanto. E aí, quando o leite começa a azedar, é hora de pular para o capítulo quatro.

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capÍtulo 4

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99as mortas da perestroika capítulo 4 – Trocando de emprego

antes de qualquer coisa: planeje a sua carreira.É fácil planejar o seu dia. Hoje eu vou acordar, trabalhar durante a ma-nhã, ao meio-dia vou na academia, volto para agência, depois vou para a aula e quando voltar, durmo na minha namorada.

Também não é difícil planejar o seu mês. Até o dia 15 eu vou economi-zar, no terceiro final de semana eu vou para a praia, perto do dia 30 eu faço uma puta balada com a grana que sobrar.

Agora, você consegue planejar os próximos seis meses? Os próximos dois anos? Os próximos cinco anos?

Infelizmente, é um mal necessário. Porque você só vai saber se uma decisão na sua carreira é certa ou errada se souber qual é o final da história.

E saiba que todo plano foi feito para ser mudado. O plano é um guia, não um cão-guia. Você não precisa seguir cegamente.

mudar é importantepara a sua formação.Se você trabalhar durante anos em apenas uma agência, com um mesmo time de criadores, você vai aprender tudo o que eles têm de bom. Mas também vai aprender tudo o que eles têm de ruim.

Ou você acha que os grandes profissionais não têm defeitos?

Têm sim. E depois de consagrados, aí sim é que eles não mudam mais.

O complicado de trabalhar num lugar só é que você fica com uma visão viciada e limitada. Dois defeitos que um criador não pode ter.

E, não por acaso, a melhor época para trocar de agência é quando você é estagiário. Os compromissos são menores. As consequências são menores. Até o interesse em segurar você vai ser menor.

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101as mortas da perestroika capítulo 4 – Trocando de emprego

para saber se é horade mudar, preste atenção nessas duas coisas.1. a pasta estagnada.

Não é regra, mas um bom indicativo para saber se o seu atual empre-go está legal é analisar a sua pasta. Se faz horas que você não coloca nenhuma peça nova no portfólio, das duas, uma:

Ou você só está pegando trabalhos que não estão contribuindo para o seu crescimento. Craqueiras que não ensinam nada. E que também não dão oportunidade de você mostrar o seu potencial;

Ou você está desmotivado e não está rendendo o melhor que pode. O que também é um sinal de que talvez seja a hora de sair.

2. o Copo enCheu.

Existem também aqueles momentos em que você simplesmente en-che o saco. Por mais que esteja crescendo, por mais que a sua pasta ganhe uma peça nova por semana.

Via de regra, todo emprego tem um prazo de validade.

Os criadores são pessoas que gostam de mudança, do novo. A rotina, para esse tipo de gente, é um vilão ainda mais malvado.

mudar é importante para a sua formação. e sua formaçãoé importante paratoda a sua carreira.Um jogador de futebol, enquanto está nas categorias de base, rece-be constante orientação. Tem sempre alguém por perto ensinando os fundamentos básicos, como o cabeceio, o passe e o chute. Tolerando os erros e indicando os atalhos do campo.

O período de formação é muito importante e não pode ser atropelado. Quando o jogador sobe para os profissionais, ele precisa estar pronto. Porque nos profissionais, ninguém vai pegar o jogador pela mão e dizer Não, filho, é assim que se chuta.

Se você não der resultado, vai para o banco. Ou pode até ser dispensado.

Craques como o Ronaldinho Gaúcho ou o Alexandre Pato poderiam subir para os profissionais antes do tempo. Eles eram tão bons que, já com 15 anos, teriam condições de disputar de igual para igual com os grandalhões.

O problema é que esse período é precioso na formação. E se for tirado do jogador, nunca mais será recuperado.

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103as mortas da perestroika capítulo 4 – Trocando de emprego

O mesmo acontece com o estagiário de publicidade. Porque depois que você é contratado, a exigência muda. Antes você tinha alguém para orientá-lo, agora você vai ter alguém para cobrá-lo.

Se você não aprender o que precisa aprender na hora certa, não apren-de mais. Então, por favor: não atalhe a sua formação. Não se deixe se-duzir por uma proposta de contratação antes que você esteja pronto. Essa é a maior burrice que você pode fazer com a sua carreira.

Conheço vários caras que queriam o cargo de Redator ou de Diretor de Arte. Queriam deixar o posto de estagiário a qualquer custo. Que-riam subir para os profissionais antes da hora. Mas ainda não sabiam chutar nem cabecear.

Resultado? Hoje estão jogando no Bragantino.

Você não precisacrescer rápido.precisa crescer sempre.Um redator demora no mínimo três anos para se formar. Dois como es-tagiário e mais um como Redator Júnior (que é um estagiário com grife).

Isso quer dizer que, se você conseguir um estágio no primeiro se-mestre da faculdade, e fizer tudo certo, só vai conseguir um contrato pouco antes de se formar.

No início, você vai fazer bons títulos, boas ideias visuais e bons tex-tos. Esse é o mínimo que se exige de alguém que queira trabalhar com Redação.

Depois, você tem que ser capaz de criar campanhas. Conceitos fortes que se desdobrem em várias mídias.

Em seguida, você tem que criar boas peças de rádio e, talvez, comerciais baratos de TV. Tem que saber brifar um produtora. Mais: você tem que conseguir analisar a produção e dizer se ela está boa ou não. Você tem que detectar os problemas e pedir alterações, até que ela fique boa.

Achou muito?

Pois um diretor de arte demora o dobro. Se você for assistente de alguém bom, você precisa de no mínimo dois anos de estágio. Se for você um cara mais ou menos, o ideal é ficar três anos.

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105as mortas da perestroika capítulo 4 – Trocando de emprego

Isso para aprender só o básico, como diagramação, combinação de cor, escolha de fonte e montagens fotográficas.

Depois do estágio, você precisa de mais dois anos como Diretor de Arte Júnior. Só então você vai aprender os processos mais complexos, como produção de foto e ilustração.

O que já dá uma dica.

se for preciso,pedale a faculdade.Fique esperto com a relação Estágio vs. Formatura. Se você não es-tiver com perspectivas de contratação, não adianta se formar. Muitas vezes, vale a pena prorrogar alguns semestres para não sair da facul-dade com uma mão na frente e outra atrás.

Alguns pais incomodam, porque querem que os filhos se formem nos quatro anos. Mas o mais importante é o seu bem. Então, se for neces-sário, e se for possível fazer esse esforço financeiro (todo novo semes-tre existem taxas de matrícula), converse com eles e tome a decisão que for melhor para a sua carreira.

Se ajudar, mostre esse capítulo para os seus pais e diga que a culpa é minha.

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107as mortas da perestroika capítulo 4 – Trocando de emprego

Voltando ao ponto principal deste capÍtulo:Você chegou à conclusão que é hora de trocar de agência. Então, pre-pare-se para o seu tour.

Agende entrevistas nos principais lugares. Se você é estagiário, pro-vavelmente ninguém conhece você e o seu trabalho. É hora de se apresentar para o mercado.

Faça isso de forma discreta. É chato quando descobrem que você está mostrando pasta por aí. Até porque, quando a entrevista é du-rante o expediente, você vai ter que inventar uma desculpa (Vou ao médico). E toda vez que você sai, deixa a pauta pendurada para outro resolver.

Lembre-se também que a chance de rolar alguma coisa imediatamen-te é baixa. Então, assim que você sentir que é hora de mudar, faça o tour o quanto antes.

Você pode contrataro seu noVo chefe.Pintou uma oportunidade em outra agência. Será que vale a pena?

A melhor maneira de saber quem é quem no mercado são os Anuários. Lá está a ficha corrida de todo mundo. Inclusive daquele cara que chamou você para uma entrevista.

Não esqueça: antes de saber se ele quer contratar você, você deve saber se quer ser contratado por ele. Isso vai determinar o tom da entrevista, as suas respostas e a sua postura.

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109as mortas da perestroika capítulo 4 – Trocando de emprego

abrindo parênteses:o que é um anuário.A maioria dos festivais de propaganda geram, ao final do evento, um livro/DVD que reúne as peças vencedoras e suas respectivas fichas técnicas. Assim, você sabem quem fez o que.

Em outras palavras: é um registro do que de melhor foi feito naquele ano.

O CCSP (Clube de Criação de São Paulo) é o mais famoso do Brasil, com trabalhos das principais agências do país. Visite www.ccsp.com.br e encomende o seu.

Existem também os Anuários gringos, como o AD&D, o Art Directors e o The One Show.

Uma maneira barata é encomendar pela Amazon. Demora mais que via os revendedores locais, e é chatinho de achar. Mas sai mais em conta e compromete menos o seu salário.

Especialmente se o seu salário ainda é uma bolsa-estágio.

a partir daÍ,Vão surgir coisas.E você começa a viver os seus primeiros dilemas profissionais.

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capÍtulo 5

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113as mortas da perestroika capítulo 5 – Primeiros dilemas Profissionais

quando chamam Vocêpara uma entreVista.Durante a entrevista, você tem que saber o seu objetivo. Você quer trabalhar com essa pessoa? Você quer trabalhar nessa agência? Você quer trabalhar com essas contas?

Essas são algumas perguntas básicas que você tem que considerar an-tes da conversa, e não durante a conversa. Porque aí, você será capaz de tirar as informações que você precisa para tomar a sua decisão.

Acho esse um erro bem comum cometido pelos estagiários. Eles di-zem: Vou lá só ouvir. E levam isso ao pé da letra. Vão lá só para ouvir mesmo. Em vez de aproveitarem a oportunidade para perguntar.

Já dizia Guillaume D’Orange: Não há vento favorável para quem não a que porto se dirige.

Só depois de pensar bastante sobre os pontos positivos e negativos de trocar de emprego você vai estar preparado para a entrevista.

primeira parte da entreVista: Você Vai ouVir exatamente o que quer.por isso, ouça com atenção.Primeiro ouça. Se o entrevistador for um cara esperto, ele vai dizer exatamente o que você quer ouvir. Lave bem os ouvidos. Mas sempre deixe uma pulga atrás da orelha.

Tenha em mente que o entrevistador não mente. Mas sempre conta uma versão conveniente da verdade.

Conveniente para ele, não para você.

A pessoa que estiver entrevistando você vai falar só maravilhas. Como a agência é interessante, das oportunidades que você vai ter, as pes-soas legais que vai conhecer. Sempre com aquele leve exagero, natu-ral das tentativas de persuasão.

Da mesma forma, sempre vai usar eufemismos para as coisas ruins. Em vez de dizer que o seu dupla é vagabundo, por exemplo, ele vai dizer que o seu dupla é um cara mais low profile.

Fique atento a esses detalhezinhos.

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115as mortas da perestroika capítulo 5 – Primeiros dilemas Profissionais

use o feitiçocontra o feiticeiro.A primeira coisa importante é não se expor. Não entre em terrenos perigosos. Evite polêmicas. Evite opiniões muito fortes. Dê respos-tas convenientes.

Eles não estão procurando um Prêmio Nobel. Estão procurando um estagiário.

Evite falar dos seus defeitos. Se por acaso você tiver que abrir o jogo, use eufemismos também. E sempre que houver oportunidade, valori-ze os seus pontos fortes. Mas de forma natural.

faça o tema de casa.Entre no site da agência. Veja os trabalhos que foram feitos. Entenda a filosofia da empresa. Tente identificar a visão de propaganda que essa pessoa tem.

E fale exatamente o que ele quer ouvir. Se você fizer isso, e fizer bem feito, estará ali, ali para chegar lá.

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117as mortas da perestroika capítulo 5 – Primeiros dilemas Profissionais

bom humor é maisdo que bom.Pessoas contratam pessoas. Se você é um cara legal e interessante, aja naturalmente. Se você não é, tente ser. Pelo menos durante a entrevista.

Bom humor é uma coisa que pega muito bem na entrevista. Rir na medida certa e fazer rir na medida certa é uma grande dica.

Às vezes, para descontrair o clima, o entrevistador faz uma ou outra piadinha. Não veja isso como um sinal verde para você lançar o seu arsenal de tiradas geniais. Vá com calma.

Conheço um estagiário que passou por todas as etapas da triagem de uma grande agência. Então, foi falar com o Diretor de Criação, que co-meçou a entrevista com uma piada de gaúcho. O estagiário devolveu, fazendo uma piada de catarinense.

Ele só esqueceu de um detalhe: o Diretor de Criação era de Santa Catarina.

segunda parte da entreVista: as perguntas certas são mais importantes queas respostas certas.A partir daí, vão aparecer oportunidades para você questionar. Per-gunte, dentro do limite do bom senso, tudo o que você deseja saber.

Fique atento aos sinais corporais. Se você perguntar alguma coisa, e o entrevistador cruzar os braços, ou se encostar para trás, é sinal de uma postura defensiva. Você deve ter tocado num ponto delicado.

Também atente para os atos falhos. Por mais experiente que seja o entrevistador, ele pode muito bem cometer um deslize.

E nunca esqueça desses dois pontos.

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119as mortas da perestroika capítulo 5 – Primeiros dilemas Profissionais

ponto um: Você sempre está satisfeito com o seu atual emprego. mesmo que Você não esteja.Quando perguntarem se você está feliz, não titubeie. Diga que você está feliz, sim. É uma questão de sobrevivência.

1. Detonar o seu atual emprego soa, no mínimo, arrogante. Já pen-sou se ele é amigo do seu chefe? É queimação na hora. O mercado é muito pequeno e todo mundo se conhece.

2. Se você demonstrar desinteresse pelo atual emprego, talvez passe uma certa desmotivação. E tudo o que ele não quer é um estagiário sem energia.

3. E o mais importante: abrindo totalmente o jogo (Aceito qualquer proposta!), você parece meio desesperado e se desvaloriza.

Então, lembre-se: você está feliz no seu emprego, no matter what.

Mas não assuste o entrevistado ao ponto dele pensar Pô, esse cara está tão feliz que eu nunca vou conseguir contratá-lo.

É fundamental verbalizar uma possível troca de ares. Se você fizer muitas juras de amor ao seu atual emprego, talvez ele nem faça uma proposta.

É como no jogo de sedução. Você não pode sair disparando logo de cara (Vamos para um motel?). Por outro lado, tem que dar alguma dica. Então, quer uma carona?

O melhor a dizer é algo assim: Feliz eu estou, mas também sempre penso em crescer. Um novo desafio pode ser bom a minha carreira. Por que não?

Mais um detalhe: tome cuidado ao afirmar que adora trabalhar com Fulano, que Fulano sabe muito, que Fulano é muito bom. Não super-valorize o seu atual chefe – ainda mais, se você estiver vindo de uma agência menor.

Talvez ele não seja tão bom assim e você já demonstre uma falta de critério.

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121as mortas da perestroika capítulo 5 – Primeiros dilemas Profissionais

ponto dois: Você sempre deVe demonstrar interesse. mesmo se não tiVer interesse nenhum.Vai chegar um momento da entrevista que vão perguntar: E aí, você está a fim?

Você sempre deve demonstrar interesse. Mesmo que você já saiba que vá recusar a proposta.

Por quê? Bom, analise bem a situação sob o ponto de vista do cara que quer contratar você:

Alguém, que é mais experiente que você, está fazendo um convite. Dizer não, assim, na lata, pode soar ofensivo. Por mais convincentes que sejam os seus motivos. Ninguém gosta de ser renegado. Espe-cialmente por um estagiário. Ora, quem esse moleque pensa que é para recusar minha oferta?

Sou partidário de sempre acenar positivamente, mas sem se compro-meter. Algo como: Olha, achei a proposta bem legal, bem interessante, mas eu preciso falar com o pessoal lá da agência para ver direitinho como ficam as coisas. Posso dar uma resposta definitiva até 19h?

É hora de ganhar tempo. É hora de ganhar o máximo que a situação per-mitir. Uma proposta na mão é a única e principal arma de um estagiário.

cenários.Com a proposta na mão, você tem vários cenários. Escolha o que me-lhor combina com o seu momento e tente sair no lucro. Agora, nada de ser malandrinho e nem de ficar se achando. Todo cuidado é pouco.

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123as mortas da perestroika capítulo 5 – Primeiros dilemas Profissionais

segundo cenário: Você não quer trocar de agência. mas quer aproVeitara oportunidade para tentar alguma Valorização.A resposta continua a mesma. O que muda é a conversa entre você e o seu chefe. Nesse caso, você tem que convocar o bate-papo o quan-to antes. E colocar a situação, sempre com muita humildade:

Recebi uma proposta para trabalhar na agência Tal. Eu gosto muito daqui, não quero sair, mas eles sinalizaram algumas coisas bem interessantes, oportunidades que eu não tenho hoje. Eu estou bem dividido. Então, queria saber se existe alguma possibilidade das coisas mudarem aqui na agência. Se existe a chance de eu receber um aumento ou ser contratado. Isso certamente me faria ficar. Eu quero muito continuar aqui, mas estou bem na dúvida.

Assim, você mete uma pressão de leve, sem botar o seu chefe na pa-rede. E não cria um clima ruim para depois dizer: É, realmente, pensei bem e decidi ficar.

Seja porque foi contratado. Seja porque recebeu um aumento. Ou não.

primeiro cenário: Você não quer trocar de agência. quer deixar tudo exatamente como está.Essa é a mais fácil de todas. Basta ligar, ou mandar um e-mail (depen-dendo do que ficar combinado):

Conversei com o pessoal aqui e eles me prometeram algumas mu-danças que vão ser bem legais para mim. Fiquei muito balançado, porque as duas propostas são ótimas. Mas dicidi ficar. Muito obri-gado pelo convite, fiquei muito feliz pelo interesse. Espero ainda trabalhar com vocês um dia.

Se existem realmente mudanças, se houve realmente uma conversa, isso é irrelevante. O importante é você demonstrar que realmente con-siderou a proposta. E que só não aceitou porque a situação que pro- puseram na sua atual agência foi realmente muito boa.

O cara não pode pensar: Que estagiário FDP, se queimou comigo! Tem que pensar: Puxa, que pena. Quase deu. Fica para a próxima.

Ah: não deixe de falar para o seu atual chefe que você recebeu a pro-posta. Ele precisa saber que você está sendo sondado.

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125as mortas da perestroika capítulo 5 – Primeiros dilemas Profissionais

terceiro cenário: Vocênem quer ouVir uma contra-proposta. quer sair de qualquer jeito.Teoricamente, essa aqui também é barbada. É só comunicar a sua saída. Se ninguém oferecer resistência, está resolvido.

O problema é que, às vezes, o pessoal da sua atual agência se ofende com a decisão. Ou discorda da sua posição. E fica enchendo o saco.

Para evitar qualquer constrangimento, para se esquivar de qualquer tipo de contra-proposta supostamente irrecusável, o jeito é arranjar um argumento que o seu futuro empregador possa oferecer, e o seu atual não. Só assim você sai ileso.

Entendeu? Você tem que dizer que, na nova agência, vai receber uma coisa que o seu atual chefe não possa oferecer.

Certa vez, eu recebi uma oferta muito boa. Por outro lado, eu sabia que meu Diretor de Criação faria todo e qualquer esforço financeiro para me manter. Como eu queria ir de qualquer jeito, já comecei a conversa sem dar muita chance:

As nossas principais contas são de Indústria e Varejo. Adoro atender esses clientes. Mas eu não serei um Redator completo se eu não aprender a criar para Moda. Eu ainda não tive oportu-

nidade de trabalhar nesse ramo. E lá, eu vou cuidar de uma das maiores contas de Moda do Brasil. Não tem dinheiro que pague essa experiência.

Ele ficou mudo por alguns instantes, deu um sorriso meio amarelo e fez aquela cara de Bom, o que eu vou fazer? Depois emendou: Quan-do é o seu ultimo dia?

O papo não durou nem cinco minutos.

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127as mortas da perestroika capítulo 5 – Primeiros dilemas Profissionais

quarto cenário: Você está inclinado a sair. mas dependendo da contra-proposta, até pode mudar de ideia e ficar.Esse é uma mistura do segundo com o terceiro cenário. A diferença é que, aqui, a pressão é maior. Você já tem que chegar mais decidido. Mas sempre na humildade:

Recebi uma proposta para trabalhar na agência Tal. Eu gosto muito daqui, não quero sair, mas eles sinalizaram algumas coisas bem in-teressantes, oportunidades que eu não tenho hoje. Então, botando a minha situação atual na balança, decidi ir. Ainda não respondi para os caras. Preferi falar primeiro com vocês, até para saber se existe alguma possibilidade de mudança na minha posição. Se existe, por exemplo, alguma chance de eu receber um aumento ou ser contra-tado. Isso poderia tranquilamente me fazer trocar de ideia.

Quando perguntarem os motivos que fizeram você ir, arranje sempre argumentos que não possam ser oferecidos pela sua agência atual. Como no cenário três.

Aí, é ver como as coisas se desenrolam.

quinto cenário: Você está completamente indeciso.Antes de qualquer outra dica duvidosa, eu tenho uma dica infalível. Quando você está passando por um dilema (no caso, um dilema profis-sional), preste muita atenção e avalie muito bem os seus conselheiros.

A coisa mais importante que eu aprendi fazendo terapia foi que, em geral, as pessoas dão opiniões completamente irresponsáveis. Nor-malmente, elas não conseguem se colocar na sua pele. Julgam a si-tuação a partir do próprio ponto de vista, sem considerar o que você está sentido, os seus valores e os seus interesses.

Cansei de ver vários profissionais experientes dando dicas muito ruins. Cansei de ouvir vários conselhos muito ruins. Inclusive de amigos bem próximos. Pessoas inteligentes, mas com dificuldade de se colocar na minha posição.

Então, aí vai um conselho: cuidado com os conselhos. Especialmente quando você estiver totalmente dividido.

(Como você pode notar, esse tópico coloca em xeque todos os meus conselhos anteriores. Por isso eu não coloquei lá no início do livro. Agora é tarde.)

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129as mortas da perestroika capítulo 5 – Primeiros dilemas Profissionais

sexto cenário: Você consultou as pessoas certas. mas continua indeciso.Eu ainda não li o Blink: A Decisão Num Piscar de Olhos. Mas, assim como o Silvio Santos, recomendo.

Na verdade, achei tão interessante o assunto do livro que tratei de procurar resenhas e críticas na Internet, além de me informar com pessoas que já leram.

O livro fala, entre outras coisas, da importância da intuição. Ele explica que uma parte do nosso cérebro, chamada de inconsciente adaptável, é capaz de realizar associações em frações de segundo. Assim, ele chega a conclusões antes que a gente racionalize, antes que se tome consciência do que está acontecendo.

Eu sempre acreditei no meu feeling. E até hoje continuo ouvindo com atenção o anjinho e o diabinho que ficam do lado da minha cabeça.

Bom, tudo isso para dizer que: quando você está vivendo um dilema, você provavelmente já tomou a decisão. E tomou no exato instante que comparou A com B.

Depois, você fica ali, enrolando, tentando encontrar argumentos ra-cionais para justificar a sua escolha. Mas ela, lá dentro da sua cabeça, já está feita.

como colocar em práticao método blink.Responda de bate-pronto: você quer A ou B? Não pense, simples-mente responda.

Talvez o seu lado racional não consiga explicar o porquê. Mas é, sem dúvida, um bom jeito de chegar a uma decisão. Especialmente se o jogo continua empatado depois do tempo normal, da prorrogação e dos pênaltis.

Outro jeito simples é fazer um cara ou coroa. Quando você jogar a moeda para o alto, vai naturalmente torcer para uma das alternativas.

Só não abuse. Eu confio no meu feeling. Mas não usaria, por exemplo, o Método Blink na pergunta final do Show do Milhão.

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131as mortas da perestroika capítulo 5 – Primeiros dilemas Profissionais

sétimo cenário: para quem não confia no método blink, o método tabelinha.Outro método consagrado é a Tabelinha.

Você faz quatro colunas. Nas duas primeiras, coloca os prós e os con-tras do seu atual emprego. Nas outras, coloca as vantagens e desvan-tagens do novo. Depois compara tudo e tenta tirar alguma conclusão.

Para muita gente, funciona. Mas para mim, ele parece muito racional e só complica.

não se acaba namoropor sms.Você é um comunicador. Use o meio certo para mandar a sua mensagem.

Se você vai recusar uma proposta de emprego, pense bem. Algumas coisas você pode mandar por e-mail. Outras, justificam uma ligação. E quando o papo é mais delicado, a conversa tem que ser olho no olho.

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133as mortas da perestroika capítulo 5 – Primeiros dilemas Profissionais

nunca feche portas.A maioria das portas de agência são giratórias: ela leva você para den-tro. Mas rapidinho, pode estar levando você para fora.

Seja lá qual for a sua decisão, nunca se queime com ninguém. Mesmo que seja uma agência pequena ou um profissional que você não ad-mire. Trate todo mundo com o mesmo respeito que você teria com o Diretor de Criação da sua agência favorita.

Se não for por amor ao próximo (é legal tratar todo mundo bem, você não acha?), pelo menos por amor próprio.

eu preciso da grana.Se você depende do dinheiro que ganha, a sua situação é um pouco mais complicada. E exige um planejamento muito maior, já que você precisa encontrar uma oportunidade que seja mais interessante para você. Seja ganhando mais. Seja ganhando o mesmo, mas num lugar mais legal. Seja ganhando mais – e num lugar mais legal.

O único conselho que eu dou para você é tomar cuidado com a es-tagnação. Quem depende do dinheiro geralmente corre menos riscos. Esse tipo de gente costuma tomar decisões seguras demais para um criador. E, muitas vezes, esse conservadorismo é justamente uma boa causa para darem um belo pé na sua bunda.

A melhor maneira de não virar um refém dessa situação é o Fundo Foda-se.

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135as mortas da perestroika capítulo 5 – Primeiros dilemas Profissionais

fundo foda-seEu acredito que todo profissional, de todo e qualquer nível, deveria ter um fundo, onde estejam acumulados seis salários.

Isso é uma garantia dupla. Primeiro, porque se você for demitido, não precisa se sujeitar a qualquer proposta.

A segunda é que, assim, você pode ter a liberdade de trabalhar nas condições ideais. Pode dar opiniões sinceras, sem medos de retalia-ções. Pode criar sem um peso desnecessário nas costas.

Em suma: assim, você não precisa vira nem um puxa-saco, nem um burocrata.

o dilema mais comum: Viagem ou trampo?A pergunta que a maioria dos estagiários que me procurava era: eu tenho muita vontade de viajar, fazer um intercâmbio. Será que devo?

Claro que deve. Não conheço ninguém, absolutamente ninguém, que se arrependeu de passar um tempo fora.

Eu garanto que uma viagem vai ensinar muito mais do que você pode aprender dentro de uma empresa. E, na maioria dos casos, você ainda volta falando uma outra língua, que é um puta diferencial competitivo.

Um amigo meu sempre dizia que comer e viajar são as quatro melho-res coisas da vida. Não sei se são. O que eu sei é que, quando se é novo, e dependendo do roteiro, uma viagem dá bastante oportunida-de para fazer as outras três.

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137as mortas da perestroika capítulo 5 – Primeiros dilemas Profissionais

a pergunta deum milhão de dólares.Às vezes, a gente pede conselhos. Mas são perguntas que apenas nós mesmos podemos responder.

Você já deve ter se deparado com a famosa pergunta de um milhão de dólares. O que eu quero para a minha vida?

Se você tiver dificuldade para respondê-la, simplifique. O que eu que-ro para a minha vida AGORA?

Quero ficar na minha cidade ou viajar? Quero investir no meu atual emprego ou dar uma espairecida? Quero trocar de profissão ou con-tinuar na mesma?

Se você pensar num período de dez anos, vai ver que essa pergunta ganha um peso desproporcional. Às vezes, tudo o que a gente precisa saber é o que vai fazer pelos próximos três meses.

tudo termina bem.Você pode simplesmente ignorar para todas as sugestões que eu dei aqui. E ainda assim, eu tenho certeza que tudo vai dar certo para você.

As coisas sempre terminam bem. Sempre.

O único erro que eu tenho certeza que você não pode cometer é o da enrolação. Não fique esperando as coisas acontecerem. Não fique aí parado. O mundo está lá fora esperando por você.

Vai lá e faz.

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capÍtulo 6

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141as mortas da perestroika capítulo 6 – melh0rando o seu trabalho

a nossa maior matéria-prima: informação.Um pedreiro precisa de tijolos para levantar a sua parede. Um marce-neiro precisa de madeira para desenvolver suas peças.

E um criador publicitário, o que precisa?

Antes de tudo, de conhecimento, informação, referências, bagagem. O motivo é muito simples. Uma peça publicitária nada mais é do que a reorganização de informações que já existem. O papel do criador é tornar essa informação mais interessante – com humor, emoção ou racionalidade.

Um exemplo.

Se você me pedir para definir a Dercy Gonçalves, eu poderia tirar da Wikipedia: Dolores Gonçalves Costa, conhecida pelo nome artístico Dercy Gonçalves, foi uma atriz brasileira, oriunda do teatro de revista, notória por suas participações na produção cinematográfica brasileira das décadas de 1950 e 1960.

Tudo é verdade. Mas se pegarmos o segundo parágrafo, ela parece muito mais interessante.

Celebrada por suas entrevistas irreverentes, bom humor e emprego constante de palavras de baixo calão, foi uma das maiores expoentes do teatro de improviso no Brasil.

Fica mais legal. Mas não daria para dizer isso de uma forma ainda mais bacana?

A Dercy não morria nunca porque, toda vez que a morte chegava para levá-la, a veia mandava ela tomar no cu.

Viu?

E por que foi possível evoluir da primeira para a segunda forma? Por-que tivemos mais informação, e com mais informação, pudemos es-colher aquilo que torna a Dercy mais simpática para quem está lendo.

Em seguida, fizemos um trabalho de processamento da informação: pegamos parte do primeiro parágrafo e parte do segundo e demos uma forma.

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143as mortas da perestroika capítulo 6 – melh0rando o seu trabalho

conclusão óbVia.Quanto mais informação você tem, maior a sua capacidade de encontrar o lado mais simpático do produto/marca que você quer vender.

informação: faça uma suruba na sua cabeça.Quando um homem e uma mulher se conhecem na noite, ninguém quer se comprometer muito. Ninguém quer queimar o filme logo de cara. Então os dois ficam se estudando, com perguntas clichê e respostas evasivas.

Por exemplo: quando um pergunta sobre o gosto musical do outro, vem a resposta. Eu sou bem eclético, curto de tudo.

Ser eclético não é só bom em papo de balada. Ser eclético é funda-mental para quem quer ser um bom publicitário. Inclusive dizem que Na propaganda, você tem que ler tudo, ver tudo, ouvir tudo.

Apesar de ser meio batido, é mais ou menos por aí mesmo. Porque quando o cara tem uma formação muito popular, acaba não conseguin-do sofisticar de terminadas peças que precisam de um polimento espe-cial. Ao mesmo tempo, quando o cara é muito erudito, não sabe quem é o personagem central da novela das oito. Também não funciona.

O legal é quando você realmente gosta de tudo. Quando você conse-gue transitar com tranquilidade por esses mundos.

Se você é fã de BBB, mas também fica amarradão com os documen-tários do History Channel, tem tudo para se dar bem.

E quem não curte?

Bom, quem não curte se ferrou. Vai ter que ser na marra. Cultura geral é ferramenta de trabalho.

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crÍtica também é matéria-prima. e uma das melhores.A maioria das pessoas, quando mostra o trabalho para os colegas de agência, pedindo uma opinião, mostra para ouvir elogio. Se você critica, sugere uma mudança, coloca um ponto de vista diferente, nor-malmente ouve uma resposta defensiva.

É, mas isso aí veio no briefing.

É, mas isso aí foi um pedido do cliente.

É, mas isso aí foi ordem do meu Diretor de Criação.

A crítica não pode ser levada como uma coisa ruim. Pelo contrário: crítica é uma coisa maravilhosa.

Se crítica também é informação, crítica também é matéria-prima. En-xergue ela como mais um dado que você pode usar a seu favor para deixar o trabalho melhor.

as ideias mais simples são as que dão mais trabalho.O Marcello Serpa diz, no livro As 22 Consagradas Leis da Propaganda e Marketing, uma coisa que eu levei para o resto da vida:

O simples só é sofisticado, só é valorizado quando é descober-to antes de se tornar óbvio. (...) Foi preciso que alguém pensasse primeiro, que descobrisse a idéia, para que outro alguém pudes-se então dizer ‘uau, por que não pensei nisso antes?’ E, apenas depois desta frase, repetida por muitos, é que uma idéia simples transforma-se no óbvio.

Quando você vir uma ideia muito simples (não confunda ideias sim-ples com ideia simplória), não pense que ela foi concebida rapidamen-te. Ao que tudo indica, foi fruto de muito trabalho.

Observe as ideias simples e tente encontrar o que existe de genial por trás do seu raciocínio. Toda ideia simples é uma aula de propaganda.

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147as mortas da perestroika capítulo 6 – melh0rando o seu trabalho

Você não é um gênio incompreendido.Aqui na Perestroika, eu tive oportunidade de ter contato muitos caras bons. Em alguns casos, com os melhores dos melhores, nas mais diversas áreas. E engraçado: todos os caras realmente geniais que eu conheci não se achavam gênios. Se consideravam pessoas comuns, com algum talento e muita sorte.

Imagine você, no início da carreira, já se achando o fodão. Você acha que isso vai ajudá-lo? Provavelmente não, né?

Com o nariz empinado, você não vê direito o que tem pela frente. A chance de você tomar um tomar um tombo mais cedo ou mais tarde é grande.

Então, seja humilde. Por mais que você olhe para os profissionais mais experientes e veja mediocridade, você nunca pode pensar que é melhor que os caras do topo da pirâmide.

Nessa etapa da vida, você provavelmente não é.

talento é algo discutÍVel.Quando você olha uma pessoa fazendo um desenho à mão, pode pensar: Nossa, esse cara tem muito talento.

Mas e se esse cara treina, desde os cinco anos, doze horas por dia? Isso é talento? O que é talento? É facilidade em desenvolver deter-minada tarefa? É uma habilidade natural? É treino? É ser eficiente numa função?

Eu não gosto de entrar muito nesse terreno, porque acho ele quase irrelevante. Para mim, se um cara com talento e um sem talento che-gam no mesmo lugar, eles são igualmente bons.

Acredito que o importante não é o meio. O importante é atingir a meta. Se foi graças a um dom divino, horas de suor, macumba ou um pedido para o gênio da lâmpada, que diferença faz?

No final, é melhor quem tem um resultado melhor. Simples assim.

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149as mortas da perestroika capítulo 6 – melh0rando o seu trabalho

quando pedirem, faça. quando não pedirem, surpreenda.A expectativa é a mãe da merda. Portanto, quando pedirem para que você faça algo bem feito, faça no mínimo bem feito. Ou vão achar uma porcaria.

Agora, quando você propõe alguma coisa, você pega todo mundo pelo contrapé. Mesmo uma ideia não muito brilhante ganha outra di-mensão. E você ainda faz o filme por demonstrar proatividade.

aos 45 do segundo tempo.Nas última semana, acompanhei uma aula da Keka Morelle cheia de dicas bacanas. O livro já estava selado, lacrado, dependendo apenas da revisão. Teoricamente, essas manhas deveriam entrar só na ver-são 2.0. Mas eu achei elas tão úteis que resolvi fazer um puxadinho no capítulo.

Fale tudo antes

A hora de discutir tudo, absolutamente tudo, é antes do trabalho co-meçar. Tirar dúvidas sobre como vai ser realizado o trabalho, entender bem o briefing, brifar bem o fornecedor. Depois que o processo come-çou, tudo fica muito mais difícil.

saiBa dizer não

Não fique constrangido. Se o fornecedor não fez como você queria, diga não. Pior é dizer sim e ter que dizer não logo ali na frente. O não é um bom amigo do trabalho de excelência.

resigniFique as reFerênCias

Referência, como o próprio nome diz, é uma referência. Não é uma solução. O papel do criador é entender a referência, mas acrescentar em cima dela. Se é para simplesmente reproduzir algo que já foi feito por outra pessoa, a agência não precisa de você.

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\tenha sua própria voz

Você não é um artista, que cria tudo de um jeito e enfia goela abaixo dos outros. Mas você pode ter um estilo, uma personalidade, um jeito de trabalhar que ninguém mais tem. E é essa voz que você deve buscar.

mantenha o entusiasmo

O trabalho brilhante é aquele em que a gente consegue manter o en-tusiasmo do início ao fim. Quando os problemas nos fazem perder o tesão, isso naturalmente se reflete na peça. Não são raras as campa-nhas que começam lindas e vão murchando, murchando, até ficarem mornas e sem graça.

dicas bem práticas.1. a Folha em BranCo é sua inimiga.aCaBe Com ela o mais rápido possível.

Costuma funcionar comigo. Logo que eu começo um brain, trato de escrever a primeira ideia que me vem à cabeça. Normalmente, esse é um gatilho para que o meu cérebro entenda: OK, agora entramos no trabalho.

2. FiCar Conversando numa salinha não é Brain.

Brainstorming é um processo de solução de problemas de insight. Por ser o mais popular dentro das agências de propaganda, parece ser o único. Mas não é: existem outros, como o Seis Chapéus, o Release Thinking, o Matrix Game (criado pela Cubo.cc), entre muito outros.

Brainstorming não é passar o dia numa salinha, conversando sobre a vida. Brainstorm não é ficar só falando coisas sem sentido. Brainstorm ingdá trabalho.

Por mais contraditório que pareça, Brainstorming exige uma certa dis-ciplina. Quer ter bons brains? Estude o processo.

3. na hora de Criar, ligue o Foda-se. na hora de eXeCutar, nunCa ligue o Foda-se.

Uma coisa é certa: no brain, o seu filtro deve ser muito permissivo. Nada de criticar o seu dupla. Nada de fazer avaliações instantâneas. Sua mente tem que estar relaxada.

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153as mortas da perestroika capítulo 6 – melh0rando o seu trabalho

Portanto, durante o brain, ligue o foda-se.

Agora, na hora de executar a ideia, e encontrar a melhor forma para concretizá-la, não relaxe. Leve o acabamento ao limite. Se você esti-ver cansado, louco para ir para casa, mas ainda não está totalmente satisfeito com o resultado, pegue um café e volte ao computador.

Durante a execução, nunca ligue o foda-se.

4. registre as ideias.

Primeiro, porque se você não anotar, pode esquecer.

Segundo, porque verbalizar/desenhar/rafear/documentar a sua ideia é a senha para que o seu cérebro pense: Beleza, posso partir para a próxima.

5. leia muito soBre o assunto antesde Começar a Criar: inCuBação.

Eu tenho um monte de ideias tomando banho. Eu tenho um monte de ideias dirigindo.

Ou, melhor: Eu sou aquela pessoa que está pensando na vida e, de repente, dá um estalo.

Vou contar um segredo para você: todo mundo tem ideias tomando banho, dirigindo. Todo mundo tem estalos. Esse é um processo na-tural na resolução dos problemas de insight (se eu não falei até agora, anotem: peças publicitárias normalmente são problemas de insight).

Uma etapa natural, que vem antes do estalo, é a incubação. Quanto mais informação você tiver, maiores as chances de você encontrar um evento precipitador que cruze A com B – e resulte na sua ideia genial.

6. não insista demais em determinado tema.

Não quero parecer chato com esse papinho de problemas de insight, mas a maioria deles se resolve através desse estalo. É uma coisa meio assim: pá-pum.

Então, quando você insiste demais em determinado tema (Acho que tem alguma coisa com dinossauro...Tô com um cutuco que dinossauro rende alguma coisa... Desculpa insistir, mas e se fosse um lance com dinossauro?), você está reduzindo drasticamente a sua chance de ter uma boa ideia.

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155as mortas da perestroika capítulo 6 – melh0rando o seu trabalho

por fim, a dica mais importante de todas: trabalhe com gente boa.Isso sim faz diferença na sua vida. Se aproxime dos bons, ouça o que eles dizem e, por um tempo, siga os conselhos dos caras. Normal-mente dá certo.

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pequena introdução.Um bom criador, há quinze anos, não precisava nem ter e-mail. Hoje em dia, a maioria das entrevistas para trabalhar numa agência são marcadas por e-mail.

Talvez você, que é de outra geração, não entenda bem isso. Mas a propaganda está se reinventando nesses últimos anos. E você é quem vai fazer essa mudança.

tenha uma Vida digital atiVa.Nativo ou imigrante, você tem que ter que se relacionar bem com as mídias sociais. E aí, não importa se você não gosta muito de fuçar no Facebook, de trocar DM no Twitter ou de ficar stalkeando o Google+ daquela gostosa.

Não tem jeito: é trabalho.

E não adianta você usar uma, duas vezes e achar que Já entendi como funciona. É um pouco mais complicado que isso. Internet é relaciona-mento, e isso significa entender os códigos, a conduta e o compor-tamento do usuário nessas plataformas. Porque cada uma tem uma lógica, uma estética e as suas consequentes piadas internas.

Além disso, tudo muda muito rápido. O que é novo hoje, fica velho amanhã, e pode voltar a ser novo na semana seguinte.

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use o seu trabalhoautoral como laboratório.Um bom jeito de se familiarizar com as novas mídias é desenvolver um trabalho autoral, em paralelo ao seu trabalho do dia-a-dia. Dessa maneira, você tem menos responsabilidades. Se der errado, ninguém vai ser demitido.

E se der certo, bom: aí você tem um grande case no portfólio.

Em 2007, o Felipe anghinoni criou junto com outros amigos o Bron-ze Brasil, Blog que sacaneava o desempenho dos atletas brasileiros no Pan.

Essa brincadeira já seria uma ótima maneira de aprender a administrar um Blog com vários colaboradores e diversas postagens diárias. Mas o Bronze Brasil estourou, saiu na grande mídia e virou um webhit.

No meu caso, já experimentei várias ideias para Youtube. Pelo menos quatro tiveram algum potencial viral, ultrapassando os 50 mil views. O último, lançado há quinze dias, bateu hoje nos 45 mil.

E o keko? É que, na hora de levarmos isso para nossos conteúdos de marca, os aprendizados dos vídeos ajudaram muito. O nosso primei-ro movimento no Youtube ultrapassou os 190 mil views. No segundo (uma série de seis episódios), pelo menos três ultrapassaram 100 mil views.

Claro: esses números estão longe de um Pôneis Malditos. E, fazendo uma análise crítica, a gente acha que poderia melhorar muita coisa.

Mas também não dá para dizer que não houve algum tipo de mérito.

manje um mÍnimode tecnologia.Você não precisa ser um geek. Você não precisa saber a última novida-de do blog mais espertinho das coisas mais tecnológicas do mundo.

Agora, você também não pode ser o último a saber das novidades.

O motivo é bem lógico: sempre que surge uma nova tecnologia, o simples fato de colocar essa tecnologia numa ideia publicitária já tem impacto suficiente para chamar a atenção.

Se a tecnologia vinga e começa a se popularizar, é natural que outras marcas também comecem a criar ideias para essa plataforma. E é aí que complica: se aumenta concorrência, não basta mais ter uma ideia-zinha qualquer. Você vai ter que caprichar para chamar a atenção.

Veja o exemplo do comercial da Toshiba. Eles apresentaram, pela pri-meira vez num filme de televisão, a tecnologia Timesculpture (algo pa-recido com o efeito bullet time do Matrix, procure no Youtube).

Tem ideia? Tem. Mas ela é um pouco diferente das ideias publicitá-rias tradicionais. Ela impressiona mais pelo visual, pela apresentação da tecnologia em si, do que por um raciocínio conceitual, com início, meio e fim.

Moral da história: quando a tecnologia ainda é incipiente, você nem precisa ter uma grande ideia. A tecnologia já é a ideia.

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163as mortas da perestroika capítulo 7 – o novo criador

fique esperto no queestá bombando.De alguma forma, você tem que sacar o que está sendo comentado na internet. E aí, não estamos falando necessariamente de tecnologias. Mas das novas celebridades, das piadas internas, dos últimos webhits.

Lembra quando começaram a aparecer os primeiros Literal Videos (vi-deoclipes que literalizavam as imagens nas suas letras)? A linguagem era um prato cheio para qualquer marca, de qualquer segmento, de qualquer parte do mundo. Quem estivesse ligado, poderia se apropriar dessa estética e sugar todo o recall que ela tinha na web.

aprenda coisas quepouca gente sabe.Muitos criadores da velha geração falam, de forma até um pouco de-sinformada, que é impossível planejar um “viral”.

Evidente que existe técnica por trás de um “viral”, que aumenta con-sideravelmente a sua margem de sucesso. Agora, um profissional consagrado, com uma penca de prêmios de propaganda offline, tal-vez não tenha paciência para sentar, ouvir e aprender. Se reciclar não é fácil.

É aí, é nessas brechas que você pode criar boas oportunidades. E se tornar uma figura importante dentro da agência.

Assim como o “viral”, existem muitas outras estratégias de comunica-ção e relacionamento digital que ainda estão engatinhando no Brasil. Você pode sair na frente.

E só para explicar as aspas: “viral” é um adjetivo, não um subs-tantivo. Portanto, não existe “crie um viral”. É como dizer: “crie um jingle chiclete”.

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165as mortas da perestroika capítulo 7 – o novo criador

multidisciplinaridade.Na agência de propaganda antigas, os profissionais tinha que ser grandes especialistas nas suas áreas. O redator tinha que escrever muito bem, e só. O Layoutman tinha que fazer uma bela arte, e só. E tanto é verdade que os dois nem sentavam juntos: cada um ficava numa sala diferente.

Não existia troca, não existiam vasos comunicantes. Era cada um por si.

Esse perfil foi sendo transformado, mas a herança do especialista ain-da existe em algumas agências mais old school.

Acho que o perfil do profissional multidisciplinar vai, aos pouquinhos, substituir o especialista-mega-especializado.

Se você também pensa assim, tem tudo para se dar bem.

na dúVida, siga a bússola.Se antigamente quem ditava a propaganda mundial era o Grand Prix de Film e de Press & Poster, ultimamente se criaram novas categorias que são muito mais badaladas.

Exemplo? o Titanium Lions.

O Titanium nasceu a partir do BMW Films, série com vários curtas me-tragens, dirigidos por nomes consagrados de Hollywood. Um projeto que chacoalhou e rediscutiu toda indústria da propaganda. O prêmio era só uma formalidade.

O único problema é que ele não se encaixava em nenhuma das catego-rias vigentes no Festival de Cannes. Tiveram que criar uma só para isso.

Aí nasceu o Titanium.

Logo depois do Titanium, nasceram muitas categorias. Algumas, na minha opinião, até um pouco contraditórias.

O importante não é se ligar nos detalhes, mas no espectro geral. Para os caras de Cannes, só vale a pena lançar uma categoria quando já há trabalho relevante na categoria.

Portanto, fique atento. Se amanhã surgir a categoria “Google Glass Ad”, é porque já tem bastante gente anunciando nessa plataforma.

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big idea.Os novos formatos de Cannes valorizam a chamada Big Ideia: um conceito que se desdobre para várias mídias. A Crispin+Porter, Bo-gusky é uma agência famosa por criar dentro desse formato. Você pode procurar na internet os cases do Whopper Freakout, por exem-plo. Nessa ação, um restaurante da rede Burger King simplesmente tirou de circulação o seu sanduíche mais famoso, o Whopper. Quan-do os clientes chegavam, recebiam a notícia de que o clássico havia sido descontinuado.

Bizarro, né?

Pois foi justamente essa estranheza que gerou um grande bafafá, valorizou o produto e se transformou num grande case da propa-ganda moderna.

Outro case interessantíssimo é Tap Project desenvolvido pela Droga5. É legal justamente pela simplicidade e pelos resultados contundentes.

Os dois são ótimas referências. Não só do que é bom, mas do que é considerado o norte da propaganda mundial.

jj + pk + st.Esses dias, o Carlos Merigo (que é mais conhecido pelo seu blog, o #Brainstorm9) veio falar com a gente e apresentou um raciocínio muito bacana.

Ele acredita que o criador do futuro é uma mistura de J.J. Abrams, Philip Kotler e Star Trek. Ou seja: temos que fundir, cada vez mais, o lado entretenimento, com o marketing, com a tecnologia.

Eu adorei essa visão. Acho que é bem por aí: a propaganda vai ter cada vez menos cara de propaganda, mas isso não significa que ela vai deixar de ser propaganda. No final das contas, tem que vender.

O conhecimento tecnológico, como já falei há algumas páginas atrás, vai ser uma expertise Sine Qua Non para a boa criação. No momento em que o consumidor está (por exemplo) procurando restaurante via um aplicativo de Iphone, como que a gente faz? Se mete no meio, como fazia antigamente? Ou tenta ser tão útil, interativo e divertido?

O cara esperto tem que estar muito esperto para essas as novas espertices.

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169as mortas da perestroika capítulo 7 – o novo criador

para fechar, um boa notÍcia: Você está ViVendo o momento mais legal da história da propaganda.Esse é um raciocínio que o Vinícius Malinoski apresentou numa aula da Perestroika – e eu concordo totalmente.

As possibilidades hoje são praticamente infinitas, e só vão ficar ainda mais divertidas daqui para frente.

Pense comigo: o celular, os games, a TV digital, o cinema 3D, o GPS, a realidade aumentada. Tudo isso ainda vai evoluir e impactar direta-mente no trabalho dos publicitários.

o portfólio donoVo criador.Como falamos antes: agora, o novo padrão do mercado são as cha-madas Big Ideas.

Na verdade, esse é um conceito antigo – muitas grandes campanhas do passado eram Big Ideas, só não tinham esse nome – que foi reci-clado e agora é o objetivo de todo criador de agência de propaganda.

Pois bem: um portfólio de Big Ideas é difícil de se conceber. A melhor maneira de apresentar isso é através de cases. Então, se você quer montar uma pasta mais moderninha, leve pelo menos um case de uma Big Idea.

Você pode apresentar através de um vídeo, com uma lâmina que expli-que todas as ações ou simplesmente inventar um jeito novo. Não exis-te padrão. E se a ideia for boa, isso se torna menos relevante ainda.

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173as mortas da perestroika capítulo 8 – o que aconteceu comigo

existe um ditado que diz.Pessoas espertas aprendem com os próprios erros. Pessoas muito es-pertas aprendem com os erros dos outros.

Por isso, resolvi contar com mais de detalhes o meu início de carreira.

Não serve para seguir à risca. Serve muito mais para você evitar (e rir) das cagadas que eu fiz.

o plano.Sempre quis ser redator, desde o primeiro dia de propaganda. E ten-tando alcançar esse objetivo, tive uma estratégia diferente da maioria dos meus contemporâneos.

Não tentei uma vaga como assistente de Redação logo de cara. Achei que o melhor seria aprender outras coisas ligadas à criação.

Áreas afins, que me fariam um redator melhor no futuro.

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175as mortas da perestroika capítulo 8 – o que aconteceu comigo

o primeiro estágio.Meu primeiro emprego foi aos 17 anos, num jornal-piloto. Eu escrevia matérias, participava da diagramação e criava os anúncios que iam nos rodapés das páginas.

Aí, você vai me perguntar: Como que um estagiário de publicidade escrevia matérias para um jornal? Isso não é proibido?

Pois é: eu demorei um mês para me dar conta desse pequeno detalhe. Estava tão empolgado com o primeiro estágio que nem perguntei mui-ta coisa. Já saí escrevendo.

O jornal era picaretagem pura. O dono não dizia nada com nada e só mandava eu escrever. Quando eu comecei a desconfiar, ele veio com um papo de me transferir para a Europa com salário de US$ 3.000,00.

Aproveitei que a história estava ficando nebulosa e desapareci no meio da fumaça. Nunca vi essa grana. Por sinal, nunca vi grana nenhuma. Mas eles também nunca mais ouviram falar de mim.

rompendo o hÍmen.Sou da teoria que, se você ainda não trabalha, deve aceitar qualquer proposta de emprego. O primeiro trampo é apenas uma boa forma de perder a virgindade profissional. Você começa a entender como o mun-do real é. E percebe que ele é bem diferente das relações que você tem com seus pais, com seus amigos, com seus colegas e professores.

Arranje logo um primeiro emprego. Você não quer ser um virgem de 40 anos, quer?

Por sinal, não crie muitas expectativas sobre o seu primeiro emprego. É mais ou menos como imaginar que a sua primeira vez vai ser a me-lhor transa da sua vida.

Se o seu primeiro emprego for ruim, ainda assim será ótimo.

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177as mortas da perestroika capítulo 8 – o que aconteceu comigo

o segundo estágio.Antes mesmo do meu primeiro estágio, eu descobri que um amigo do meu pai era sócio de uma gráfica. Pedi um estágio na cara-dura. Deu a coincidência dos caras me chamarem em janeiro, alguns dias depois de eu desistir do jornal.

Meu contrato era de apenas dois meses. As aulas começavam em março e, como o trabalho era em turno integral, e eu estudava de manhã, não tinha escolha.

Naquela época, não me dava conta que estudar de manhã era um atraso profissional. (Se você estuda de manhã, peça transferência o quanto antes. Você está diminuindo em mais de 50% as suas chances de conseguir uma vaga num lugar legal.)

Imaginei que, passando um tempo numa gráfica, eu poderia aprender mais sobre o processo de impressão. Só que a gráfica não fazia mui-tos trabalhos publicitários. Ela imprimia, basicamente, livros. Sempre com o mesmo papel, sempre PB, sempre nos mesmos formatos.

Meu objetivo foi para o beleléu. Mas, sem querer querendo, aprendi naqueles dois meses uma coisa ainda mais interessante.

um estudo antropológico.Ao contrário do que você pode imaginar, eu não ia para a parte admi-nistrativa da gráfica. Eu não ficava num escritório, com ar-condiciona-do, ajudando em tarefas burocráticas.

Eu fui para o chão da fábrica.

Só que as tarefas eram absolutamente mecânicas e fáceis de resolver, mesmo para uma pessoa recém chegada. Com isso, tive bastante tempo livre para conhecer melhor meus colegas de setor.

Depois de algumas semanas, eu já estava bem entrosado com a gale-ra. Cumprimentava todo mundo pelo nome, trocava uma ideia na hora do almoço. Até jogar bola com os caras eu joguei.

Mas não foi sempre assim.

No início, eu senti na pele o preconceito racial. Eu era um dos poucos funcionários brancos. E certamente o único de classe média (mesmo usando uniforme, dava para perceber que eu era filhinho de papai). Um alvo fácil para piadas, sacanagens e apelidos semitas.

Nos primeiros dias, eu me senti tão mal que estacionava o carro bem longe, para ninguém ver que eu tinha um Gol zero.

Foi bom ver o outro lado da moeda. Me ensinou a ser mais humilde e mais humano. Um choque de realidade que estourou a bolha onde eu vivi durante anos e anos.

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Mas o mais legal foi conhecer os gostos, os interesses, os valores de um grupo de pessoas com o qual eu nunca conviveria se não tivesse trabalhado lá.

Só para citar um dos milhares de exemplos marcantes: logo que fui apresentado, um dos funcionários me perguntou.

— Colorado ou gremista?— Colorado.— Imperadores ou Bambas?

Carnaval para mim era apenas um feriado onde eu viajava, enchia a cara e tentava marcar muitos pontos. Imperadores, Bambas, Sal-gueiro ou Viradouro, isso não tinha a menor importância. Carnaval era gandaia.

Para eles, Carnaval era coisa séria.

entretanto.A minha família tinha programado uma puta viagem para o Exterior para a mesma época. Daquelas grandes e inesquecíveis.

Eu, obviamente, estava convidado. Mas na época, eu era um legítimo Abobadinho da Propaganda. Tão abobadinho que não podia perder a chance de conhecer mais sobre o processo gráfico.

Por mais legal e recompensador que essa experiência profissional te-nha sido para a minha vida e para a minha carreira, a viagem com a minha família era algo especial.

Abrir mão disso foi uma burrice sem tamanho. E também me ensinou uma lição.

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lição.Nunca deixe de fazer algo que vai ficar marcado pelo resto da sua vida por causa de trabalho.

Não deixe de acompanhar o nascimento do seu filho. Não falte ao ca-samento do seu melhor amigo. Não perca a formatura do seu irmão.

Nenhum emprego, nenhuma agência, ninguém paga tão bem para que você abra mão das coisas que não têm preço.

o terceiro estágio.No jornal-picareta-piloto, fiz amizade com uma estudante de RP. Ela trabalhava numa agência minúscula, que era dividida em duas áreas. De um lado, o departamento de Relações Públicas, onde ela assistia à RP Sênior, sócia do negócio. Do outro lado, era o departamento de propaganda. Onde ficava o outro sócio e um estagiário.

Eu.

Me interessei pela vaga justamente porque era uma legítima Eugência. Eu fazia tudo. Ia no banco. Atendia o telefone. Preparava o cafezinho. Mandava fax com os comprovantes de veiculação. Criava os títulos, os textos, layoutava e finalizava os anúncios.

Neste caso específico, o que mais me interessava era aprender a mexer nos programas de Direção de Arte. Sempre acreditei que um criador só seria completo se ele fosse capaz de criar e executar as suas ideias.

E aí vai a primeira dica do terceiro estágio.

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primeira dica doterceiro estágio.Se você é redator, você não pode depender do seu diretor de arte. Esse é um vício muito comum. Tem redator que não sabe as funções básicas do Photoshop. Tem redator que nem sabe abrir o Photoshop.

Dominar as ferramentas de manipulação e diagramação fazem com que você crie melhor. Só praticando direção de arte é que você enten-de conceitos importantes de alinhamento, agrupamento e hierarquia.

Em suma, você só consegue criticar com mais autoridade o layout do seu dupla se tiver futricado, pelo menos um pouquinho, nos programas.

Do ponto de vista prático, tem mais uma vantagem. Você não pre-cisa ficar mendigando para que o seu diretor de arte faça JPGs das suas peças, ou grave um DVD com o seu portfólio. Se você dominar o básico do Photoshop e do Illustrator (ou um similar), vai ser um criador independente.

Para finalizar, eu acredito que um criador tem que ser capaz de colocar em prática as suas ideias.

Durante o período que estive na Miami Ad School (chegaremos lá), não foram poucas vezes que eu sentei no computador e criei tudo sozinho.

É evidente que você não precisa se sofisticar ao ponto de virar um Diretor de Arte de verdade. Eu, por exemplo, investi apenas dois anos da minha carreira, e decidi parar quando atingi o meu objetivo.

O inverso também é verdadeiro. Diretor de Arte que não sabe escrever, que não sabe fazer título, que não sabe roteirizar um spot, fica total-mente dependente do dupla.

O Rafa Bohrer, meu dupla por muitos anos, é um bom exemplo do criador completo. Além de ser um fenômeno como Diretor de Arte, ele sempre escreveu títulos e conceitos tão bons quanto qualquer redator experiente. Já vi ele criar textos invejáveis. Mais de uma vez.

A moral é que você tem que ser um especialista, mas também tem que ser um generalista. Por mais contraditório que isso possa parecer.

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segunda dica doterceiro estágio.Construir uma network sólida é um talento. E usar esses contatos com sabedoria é um talento ainda maior.

A maioria absoluta dos estagiários entra na agência a partir de uma indicação. Os profissionais mais experientes, com poder de contra-tação, não têm contato com os estudantes dos primeiros semestres. Alguém precisa fazer esse meio campo.

Boa parte das vezes, as indicações são feitas diretamente para a pes-soa que está contratando. Tenho um amigo que se interessa pela vaga. Vou pedir para ele mandar a pasta.

Mas existe também uma rede de indicações muito mais poderosa, que circula por listas de e-mail, invade os Twitters, vira postagem no Facebook.

Fulano me contou que Ciclano ouviu falar que estão procurando al-guém na agência Tal.

Nesse caso, nem sempre vence o mais forte. Às vezes, vence o mais rápido.

Dependendo do caso, a agência precisa de um estagiário para ontem. Se você tiver uma ótima pasta, mas só ficar sabendo da oportunidade depois de amanhã, pode ser tarde.

o quarto estágio.A vantagem de uma Eugência é que você aprende a ser meio Homem-banda: faz de tudo um pouco. Participa de todas áreas e descobre qual é a sua preferida. Você suja as mãos, perde eventuais frescuras e endurece o couro.

A desvantagem de uma Eugência é que você faz tudo. E chega uma hora que enche o saco.

Outra coisa ruim da Eugência é que, normalmente, os criadores não são lá caras muito competentes. São uns faça-você-mesmo, que aprenderam aos trancos e barrancos. Cheios de vícios e com olhares pouco profissionais do negócio.

No início, você até aprende a fazer propaganda. Mas depois de um tempo, você aprende a como não fazer propaganda.

Passados alguns meses, pedi demissão. Eu não tinha nada em vista. Só achei que o meu prazo de validade tinha expirado.

E hoje, passados muitos anos, eu diria que existe um tática infalível para pedir demissão, desde que você tenha envergadura para enfren-tar a situação.

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transparência absoluta.Passados alguns meses, pedi demissão. Eu não tinha nada em vista. Só achei que o meu prazo de validade tinha expirado. Pedi para con-versar com o meu chefe.

Recebi uma proposta de uma agência chamada ACS. É uma agência nova, pequena, que vai ser lançada por uns amigos do meu pai até o final do mês. Acho que vai ser uma boa para mim.

Se você procurar na internet, não vai encontrar uma agência chamada ACS. Ela não existe. Ela nunca existiu. Ela só existiu durante aquela rápida conversa.

Eu precisava dê um motivo para não haver resistência por parte do meu chefe. Do outro lado, ele precisava de um motivo para não se sentir rejeitado. No final, todos saíram felizes.

Não sinto muito orgulho dessa minha atitude. Não me sinto bem fazen-do essa recomendação. Mas também não posso ignorar: funcionou.

Portanto, se você quer uma dica da Propaganda das ruas de “como pedir demissão, sem ter nenhuma proposta, e não se queimar”, essa é uma boa estratégia

***

Há pouco tempo, eu tive uma estagiária que pediu as contas.

Estou abrindo um negócio com umas amigas. A coisa está ficando séria e eu preciso dedicar mais tempo. Infelizmente, ainda não posso

revelar o que é. Por mim, eu até falava, mas as minhas sócias pediram sigilo. Assim que a gente lançar, eu conto.

A primeira coisa que eu pensei foi: Eu conheço esse golpe.

Quando você quiser sair de um lugar, para ficar coçando em casa, a grande malandragem é criar uma historinha. Capriche no roteiro. Você tem que criar um cenário onde exista alguma informação que o seu chefe não possa ter acesso.

No meu caso, eu tinha como trunfo o fato de ser uma empresa dos amigos do meu pai. Se ele pesquisasse sobre o assunto, nunca acha-ria nada.

No caso da estagiária, ela tinha que manter o sigilo profissional do próprio negócio.

Ambas histórias são duvidosas. Mas fazem sentido. E se você for um estagiário sério, com credibilidade, e não gaguejar na hora de pedir demissão, ninguém vai fazer uma sabatina para saber os detalhes.

Mesmo que alguém desconfie, sua saída vai ser aceita. E aceita com tranquilidade.

É como a clássica cena do marido chegando em casa de madrugada. Ele diz que estava numa reunião extraordinária e põe a credibilidade à prova. Se o cara for um bom moço, não estiver com bafo de cerveja, perfume de mulher ou batom na gola, por que não acreditar?

Você pode usar sua imaginação de criador.

Agora, sinceramente, eu olho hoje para essa minha atitude e não acho legal. Diria mais: sinto vergonha. A minha recomendação é justamente o contrário.

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Se você realmente tiver tranquilidade e envergadura para enfrentar o seu chefe, e ele for um cara legal, a melhor maneira de sair é sendo transparente.

Como diz o Felipe: a verdade liberta.

O grande problema é que as pessoas não estão preparadas para a transparência. E que a maioria dos chefes são autoritários e egocêntri-cos. Aí, você tem que enfrentar o sistema. E talvez uma “verdade com açúcar” não seja tão questionável.

Mas não há nada melhor do que simplesmente dizer a verdade, botar a cabeça no travesseiro e dormir tranquilo.

o quinto estágio.Fiquei alguns dias parado, descansando, mas me entediei rapidinho. Queria um novo estágio, e não sabia como.

Então, peguei o guia telefônico (naquela época, a internet estava en-gatinhando, não existia nenhum tipo de cadastro de agências) e co-mecei a ligar uma a uma.

Fui por ordem alfabética. Alô? Eu gostaria de saber: vocês estão pro-curando estagiário na área de redação?

Já na primeira tentativa eu dei pé quente. Os caras queriam justamen-te um estagiário para criação. No mesmo dia, fui lá, mostrei alguns trabalhos, fiz uma espécie de teste vocacional (completamente sem sentido, diga-se de passagem) e fui selecionado.

Era uma típica agência familiar, onde trabalhavam pai (atendimento), mãe (espécie de faz-tudo) e os dois filhos (um atendimento e outro diretor de criação).

Apesar de também ser pequena – devia ter uma dez pessoas –, era uma evolução para mim. Lá, comecei a entender um pouco da dinâ-mica de departamentos.

Eles tinham vários estagiários, todos fazendo um misto de direção de arte e produção. Por causa disso, o nível do trabalho era muito baixo. Também tinha uma redatora contratada. Mas ela não elevava muito o padrão: era desinteressada, acomodada e não fazia quase nada legal.

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Como vocês devem ter notado, a minha vaga era muito mais de Di-reção de Arte do que de Redação. Passava o dia layoutando cartões, folhetos, tags, placas de esquina e anúncios rodapé. Mas como eu não me satisfazia muito com os títulos da redatora, comecei a sugerir opções em paralelo. Queria mostrar para eles que eu era capaz de fazer as duas coisas.

E aí, eu naturalmente comecei a me destacar no meio dos outros es-tagiários. Enquanto todo mundo só fazia o que era pedido, eu ia além. Layoutava o que me mandavam – sempre muitas e muitas opções – e depois ficava lá, sugerindo títulos e outras ideias.

Virei o queridinho do diretor de criação – o que não chegava a ser uma grande façanha, já que o resto do pessoal fazia um trabalho muito burocrático. Mas antes mesmo de colher os frutos desse reconheci-mento, pedi as contas e fui embora.

O lugar tinha um vibe estranha. A matrona tratava os estagiário como filhos, mas pelo lado ruim. Estava sempre xingando alguém, e sempre além do limite profissional. O atendimento tinha um jeito meio estra-nho. E o diretor de criação, segundo boatos, tinha um rolo que eu prefiro nem relatar aqui.

Foram apenas três meses. Mas foram bem proveitosos. Como eu pas-sava o dia layoutando, aprendi na marra a mexer nas ferramentas de layout. Posso até dizer que foi ali que eu aprendi a layoutar.

A layoutar mal, mas aprendi.

mãe dinah.Quando avisei que estava indo embora, falei para a publicitária-mãe. Estou indo trabalhar na Zeppelin. O que acabou sendo uma previsão de fazer inveja a qualquer jogador de búzios.

Pouco tempo depois, eu realmente consegui um estágio na Zeppelin. Não por coincidência: eu tinha muitos amigos da faculdade por lá. Amigo indica amigo, que indica amigo, que me indicou.

Como a tarefa que eu iria realizar não tinha nenhum pré-requisito, além de um teleencéfalo minimamente desenvolvido e de um polegar opo-sitor, minha pasta não serviu para nada.

Repare: o que me colocou lá dentro foi apenas o network, já falado neste guia.

Este foi – disparado – o melhor estágio que eu poderia desejar para a minha formação como criador. E tudo o que eu precisei foi só um pouco de sorte, alguns bons contatos e perceber uma grande oportu-nidade onde pouca gente percebeu.

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o sexto estágio.A Zeppelin é uma das maiores produtoras de comerciais do Brasil. Na época, ela já era respeitada no mercado local, e estava começando a trabalhar de maneira mais constante com agências de São Paulo.

Como toda produtora que se preze, ela tinha um arquivo, onde fica-vam todas as fitas VHS e Betas. Esse departamento era gerenciado por uma menina chamada Gabriela, que sabia de cor onde estavam todos os filmes.

– Gabi, onde está o comercial Bolada Pepsi? – Naquela beta grande, que fica na última prateleira, atrás de uma pilha de fitas virgens.

Só que um dia a Gabriela pediu as contas, e todo o arquivo da produ-tora teve que ser catalogado. Alguém teria que ver fita a fita, filme a filme, cadastrar um a um, com a secundagem exata e breve descrição do comercial.

E esse alguém era eu.

Em outras palavras: eu tive oportunidade de ver todo o acervo da produtora. Desde os comerciais mais antigos aos mais modernos. Vi as fitas brutas, com as imagens não montadas. Vi as matrizes, com os comerciais editados. Vi uma coleção inteira de Shots e Latin Spots, com comerciais estrangeiros premiados no mundo inteiro. Vi anima-ções. Vi curtas metragens. Vi longas. Vi a história da Zeppelin. Vi a história da propaganda gaúcha.

Tive acesso a referências que nenhum estagiário na minha idade po-deria ter. Eu estava no lugar certo, na hora certa.

Além de catalogar as fitas, também tinha que fazer todas as cópias da produtora. Era meio chato, especialmente porque eu tinha que pedir licença para o pessoal da finalização (a dupla da época nunca me tratou com, digamos, muita consideração).

Mas eu não estava nem aí. Fazer as cópias e aturar o mau humor alheio era um preço pequeno para tudo o que eu estava absorvendo.

Pude perceber a evolução da fotografia, do tratamento da imagem, da montagem. Lá nos primórdios da Zeppelin, era tudo muito simples. Mas à medida que a produtora ia crescendo, a sofisticação e o acaba-mento dos filmes iam ficando absolutamente nítidos.

Eu era um bom estagiário. Apesar de alguns erros crassos – como enviar para a Globo um comercial errado, que felizmente foi trocado a tempo –, eu era um bom estagiário. Era voluntarioso e não afrouxava nunca.

Por exemplo: uma vez, precisaram de alguém para dar uma força na produção de um comercial de cerveja. Não tinham quem convocar, e lá fui eu. Virei duas noites seguidas (isso não é figura de linguagem) mesmo não sendo minha função. E no outro dia, eu estava de pé, na produtora, fazendo as cópias e catalogando os comerciais. Por essas e outras, foram soltando a corda. Comecei a digitalizar alguns materiais para montagem. Comecei a ser melhor recebido pelo pessoal da finali-zação. Começaram a pintar oportunidades para que eu crescesse por lá.

Mas você devem lembrar:

Meu objetivo era ser redator. Então, nenhuma dessas possibilidades me comoveu muito. Pelo contrário: antes de assumir um compromisso lá dentro, saltei fora. Eu tinha um outro compromisso, comigo mesmo.

Começava a última etapa do meu plano.

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perÍodo de reclusão.Sabe quando o vilão perde para o mocinho, desaparece por um tem-po e, depois, ele volta muito mais poderoso? Aqueles trailers que di-zem: He’s back!

Pois eu queria fazer meio isso. Sair de circuito por um tempo e fortale-cer a minha pasta. Para, quando voltasse a apresentá-la nas agências, tivesse um material mais maduro.

Sentei a bunda na cadeira e, ao longo de dois meses, montei a me-lhor pasta que eu poderia produzir dentro das minhas limitações. Eu praticamente dava expediente, só que em casa. Trabalhava todas as tardes religiosamente. (À noite, eu saía com meus amigos. De manhã, curava a ressaca. Ninguém é de ferro.)

Foi um dos períodos mais produtivos, talvez o mais produtivo, do meu início de vida profissional. Eu era uma máquina. Ou melhor: uma ma-quininha, já que tinha um critério muito ingênuo na época.

Produzia anúncios em série, praticamente um por dia. Fazia tudo. A direção de arte, a redação. Se tinha que tirar fotos, eu mesmo tirava. Se tinha que tratar imagem, lá ia eu. Viram por que é tão importante saber se virar sozinho?

Em determinado momento, achei que estava bem servido. Eu tinha algo como 30 peças. Gravei tudo num Zip Drive – se você não sabe o que é isso, não se preocupe: você nunca vai precisar saber – e mandei imprimir na faculdade.

Mas eu olhei para a minha pasta e achei que estava meio careta. En-tão, juntei todo o meu material autoral e coloquei junto. Crônicas, poe-sias, letras de música, ilustrações, charges. Na época, não sabia se ia dar certo. Hoje eu sei que pesou bastante a meu favor.

Para ajudar, tive sucesso em três premiações universitárias, que con-firmaram que o trabalho produzido nesse período de reclusão tinha al-gum valor. Numa delas, ganhei uma viagem para Porto Seguro. O que só facilitou as coisas: eu ia para a Bahia, tirava umas pequenas férias dentro das minhas férias e, na volta, procurava um emprego.

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o primeiro estágiocomo redator.Uma das agências mais tradicionais do mercado do RS tinha um pro-grama de contratações muito legal, chamado Estagiário do Futuro.

Funcionava assim: você mandava o seu portfólio e indicava se queria vaga para Direção de Arte ou Redação. Também havia vagas para os outros departamentos, mas a Criação era infinitamente mais concorri-da. Muitas pastas entravam na disputa (não lembro exatamente, mas chutaria umas 100). Eles selecionavam três duplas. A melhor, trabalha-ria de janeiro a abril. A segunda melhor ficava de maio a agosto. E a terceira ia de outubro até o final do ano.

Achei que essa era uma boa oportunidade para testar o meu trabalho. E pelo visto, foi mesmo: minha pasta acabou sendo selecionada como a melhor de Redação.

Só isso bastaria para me deixar feliz por muitos e muitos dias. Mas tinha mais.

Chegando na entrevista, a primeira coisa que perguntaram foi sobre o meu dupla. Estavam curiosos para saber quem tinha feito os layouts dos meus anúncios.

Quando descobriram que era eu, veio a segunda grande notícia: eles haviam me selecionado também como melhor portfólio de Direção de Arte. Eu literalmente podia escolher com qual das vagas ficar.

Falando hoje, parece pouco. Mas para um estagiário cheio de dúvidas, foi um suspiro de alívio. Lembrem-se: eu tinha um plano de carrei-ra nada comum. Enquanto eu estava lá, escrevendo no jornal piloto, layoutando cartões de visita, catalogando comerciais, meus colegas de faculdade redatores já estavam em agências legais.

Eu sempre me perguntava se estava fazendo a coisa certa. Nesse dia, eu tive certeza que sim.

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o último estágiocomo redator.Logo na minha chegada, percebi que aquele era um ótimo ambiente para eu me firmar.

A Redatora do Ano estava lá e poderia me dar boas dicas. Por sinal, a agência tinha uma cultura de redação, especialmente nos trabalhos de rádio.

A criação tinha apenas duas duplas, além dos estagiários. Numa es-trutura assim, os brains coletivos são mais comuns. Para mim, era uma grande chance para conferir de perto o processo criativo dos caras mais experientes.

A pauta era organizada e os prazos bem razoáveis. Para um iniciante, um sonho.

Mas apesar de trabalhar quase na CNTP, o que realmente acelerou minha carreira foi (mais) um festival universitário. Para minha sorte, o júri era forma do só por profissionais do mercado. Entre eles, estavam a Keka Morelle e o Gustavo Diehl (duas pessoas especiais que já nos prestigiaram com aulas na Perestroika).

A minha campanha era totalmente all type, diferente dos outros ca-ras, que fizeram ideias visuais rebuscadíssimas. Por sinal, vale a pena contextualizar: na época, as ideias visuais eram uma febre nas com-petições de propaganda.

O Guga e a Keka gostaram do meu trabalho, pediram para a comissão organizadora o meu e-mail e marcamos uma entrevista. O papo foi ba-cana e me indicaram para o Diretor de Criação. O cara também gostou e, ao final da conversa, fez uma quase-proposta. Só pediu para eu es-perar uma nova ligação, pois ele precisava resolver mínimos detalhes.

Estava a um passo de trabalhar numa agência incrível. O sonho de consumo de todo estagiário da época. Tinha um perfil bastante criati-vo e recém havia criado uma das campanhas mais criativas da história da propaganda brasileira.

A agência que eu estava era muito legal. Mas uma possível proposta seria irrecusável.

Mesmo sem a confirmação, eu tinha motivos de sobra para acreditar que a vaga era minha. O principal deles foi uma extrema empolgação que virou afobação. Nunca se conta com o ovo no cu da galinha.

Voltei para a agência, chamei os meus superiores e já fui avisando que estava de saída. Isso causou um corre-corre. E por um bom motivo (pelo menos, bom para mim): os caras não queriam me perder de jeito nenhum. Então, me fizeram um pedido.

Espere até amanhã para dar a resposta. Vamos fazer uma proposta para te contratar.

Justo.

Mas vejam só como é a vida. No dia seguinte, antes mesmo de rece-ber a proposta da agência que estava, recebi uma ligação do Gustavo. Achei que era apenas para confirmar a vaga. Só que era justamente o contrário: ele me contou que os planos tinham mudado. Um aten-dimento da agência iria receber uma oportunidade na criação. A vaga tinha se fechado para mim. (Curiosidade: tempos depois, descobri que o cara em questão era o Felipe Anghinoni, hoje meu sócio.)

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201as mortas da perestroika capítulo 8 – o que aconteceu comigo

apêndice: miami ad school.Muita gente pergunta sobre a minha experiência na Miami Ad School. Então, acho que valem algumas palavrinhas.

Na época em que eu fui, os Portfolio Programs só existiam no exterior. Por isso, rolava uma curiosidade maior.

Hoje em dia, com a proliferação desse modelo no país (só para citar algumas: Cuca, Lemon School, Escola de Criação da ESPM, além da própria Miami Ad School de SP), essa curiosidade diminuiu. Por isso, não vou gastar o seu tempo explicando tintim por tintim.

Confesso para vocês que eu me frustei um pouco. Claro que aprendi muito. Claro que tive ótimos professores. Mas o modelo, na minha opinião, era previsível. E ser previsível é tudo o que eu não espero de uma escola de criação.

A MAS ensinava pela tentativa e erro, e não pela instrumentalização. É um método válido, mas que não me satisfazia.

Eu pensava: Se essa é considerada a melhor escola de criação do mundo, tem alguma coisa errada.

Que fique claro: não estou colocando todas as portfolio school no mesmo saco. Acredito que muitas das citadas acima sejam excelen-tes. A questão não era a qualidade do ensino, mas a diferente entre a minha expectativa e o que eles tinham para me oferecer. Sonhava com uma escola com aulas realmente diferentes. Que conseguissem ser subversivas, técnicas e inspiradoras ao mesmo tempo.

Esse foi um dos embriões fundamentais para o nascimento da Peres-troika.

No final das contas, a proposta para me segurar na agência veio. Mes-mo sem confirmação da concorrente. Mesmo com apenas quatro me-ses de agência. Fui efetivado, ganhei carteira assinada, ticket, vale-refeição e um belo aumento.

E aí, deixei de ser estagiário.

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capÍtulo 9

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205as mortas da perestroika capítulo 9 – as novas mortas

se Você chegou até aqui.Parabéns. Ou resistiu bravamente aos oito capítulos anteriores. Ou você é leitor de segunda viagem, e veio só conferir o que há de novo.

Seja qual for o seu caso, muito obrigado. Fico, sinceramente, agrade-cido com o prestígio.

E pretendo retribuir à altura. Estou neste momento na Singularity, fa-zendo meu programa de Futurismo. Um nome cheio de pompa para

“leitura de cenários”.

Então, separei aqui o que julgo ser uma visão um pouco mais futurista da propaganda. Talvez, para você, iniciante, algumas das coisas nem façam muito sentido. Para você, que é desconfiado, talvez pareça fic-ção científica.

Mas, a verdade é que eu realmente acredito nisso.

Peço desculpas se alguns dos meus pensamentos aqui parecerem contraditórios com o que foi dito antes. Corro esse risco. O conheci-mento exponencial nos prega peças.

Também não quero bancar o sabe-tudo. São apenas tentativas de de-senhos de cenários futuros. O objetivo não é acertar. Mas tentar pen-sar qual é o próximo passo.

Um futurista trabalha no mesmo terreno dos criativos: a imaginação. Então, como você bem sabe, as coisas não são fáceis.

Estamos no mesmo lado.

qual é o futuroda propaganda?Obviamente, ninguém sabe. Nem o maior futurista do mundo é capaz de prever, com 100% de certeza, o que vem pela frente.

Mas algumas tendências parecem nos ajudar a entender qual são os desafios da nova comunicação.

A primeira delas é a compreensão dos avanços tecnológicos. Hoje, a inteligência artificial e o processamento de grandes capacidades de dados é muito diferente de dez anos atrás.

As máquinas do presente são capazes de reproduzir (leia-se: copiar por conta própria, a partir de uma programação prévia), com muita fa-cilidade, qualquer peça de design gráfico. São, inclusive, capazes de produzir arte. Nem mesmo os críticos profissionais são capazes de di-ferenciar o que é realizado por humanos e o que é feito por máquinas.

A mesma coisa para texto. Bots coletam informações de um evento esportivo e escrevem um artigo sobre a partida. Com piadas, sarcas-mo e referências externas. Impossível dizer que foi feito por um monte de silício. Só a Forbes, no ano passado, publicou milhares de artigos usando esse tipo de recurso. E quase ninguém notou.

É fácil encontrar na internet artigos falando de computadores que criam música ou que editam vídeos sozinhos. Já existem algorítmos que identificam, com uma precisão de cerca de 60%, se uma música vai para as paradas da Billboard ou não.

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207as mortas da perestroika capítulo 9 – as novas mortas

peraÍ que agora fiquei nerVoso: como assim?Calma, calma. Vale lembrar que os grandes avanços tecnológicos de-moram a chegar no mercado. Às vezes trinta anos. Ultimamente, tem sido mais rápido. Mas não será amanhã que você chegará na agência e encontrará um computador trabalhando sozinho.

O mais importante, na minha opinião, é você entender o contexto.

Obviamente, já existem robôs produzindo propaganda. você preen-che algumas informações (como clientes, o principal diferencial com-petitivo e qual é o objetivo da comunicação) e ele entrega, prontinho: uma foto (retirada de um banco de dados), um conceito (criado pela máquina) e a assinatura. Está muito longe de ser bom. Mas não é difí-cil imaginar uma drástica evolução nos próximos anos.

Esses exemplos não são futuro. São presente. Ou melhor: são passa-do, porque já existem há algum tempo.

Quando percebemos isso, nos damos conta de uma verdade cruel: as máquinas serão – se já não são – criativas.

Essa é uma verdade dura. Porque nós, do ramo criativo, sempre imagi-namos que não seríamos substituídos por esse monte de parafusos.

Achávamos que nós, criativos, estaríamos ilesos aos avanços tecno-lógicos. Essa preocupação que deveria ter aquele cara que aperta pa-rafuso na fábrica de carros e que, claramente, seria vencido por um braço mecânico. Muito mais preciso, muito mais rápido, muito mais barato, e que trabalha 24h por dia, sem férias e décimo terceiro.

Minha impressão? Não dá para ter certeza quando isso acontecerá. Mas, provavelemnte, vai sobrar para os criativos publicitários também.

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209as mortas da perestroika capítulo 9 – as novas mortas

ok, essa é a má notÍcia.e qual é a boa?Na verdade, essa é a boa notícia. A outra grande mudança que a comunicação enfrentará em breve é isso associado aos serviços de geolocalização.

Imagine o seguinte: você está perto de um restaurante. O dono ven-deu apenas dez pratos do dia, quando previu vinte. Se ficar encalha-do com dez, terá um belo prejuízo. Melhor oferecer uma promoção de última hora e garantir um lucro, mesmo que seja menor do que o esperado.

Legal. Mas como se faz isso?

Simples: o nosso celular terá um imenso banco de dados das duas compras. Terá o nosso perfil, os nossos gostos, o nosso ticket médio, o nosso prato predileto.

Do outro lado, a rede do restaurante emite uma mensagem para todos os mobiles num raio de 5 km. E, vejo só: capta você, baseado nas suas informações.

“Só hoje: prato do dia com 50% de desconto”.

Você gosta da ideia, vai lá, enche a pança e economiza uns trocados.

Nada, ou muito pouco disso, será feito por humanos. A informação que o restaurante está encalhado será gerada automaticamente por

um sistema de inteligência artificial, que criará o anúncio sozinho (como faz com os artigos jornalístico hoje em dia) e enviará por wire-less. O seu celular cruza esse dado com o seu perfil automaticamente e, ao perceber que pode ser interessante, pula na tela um anúncio.

Não entro no mérito se isso é criativo ou não. Mas acredito que esse formato é bastante viável, efetivo e não está muito longe de acontecer.

Portanto, fica aí a minha dica.

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dica.Muita gente fala que o futuro da propaganda é o mobile. E quando se fala em mobile, normalmente se pensa em celular.

Mobile, se formos analisar de forma literal, significa “móvel”.

Você já deve ter visto o Google Glass. As informações que aparecem ali não vêm do seu celular, mas de um aparelho móvel.

E aí está o grande pulo do gato.

Pense que, quando você olhar para o céu, enxergará a temperatura, sem ter que entrar no Weather Channel para conferir se fará sol ou se vai cair um toró.

A lógica interruptiva da propaganda, que vê tudo como mídia, seria: “já sei, vamos botar um anúncio do Weather Channel ao lado da pre-visão do tempo. Assim, quando ele olhar para o céu, teremos nossa marca associada ao serviço prestado”.

A questão não é essa. A questão é: se ele já tem a informação da temperatura (oferecida por sensores, não pelo site), por que a gente precisa do Weather Channel?

E se a gente não precisa do Weather Channel, qual é o sentido do Weather Channel existir?

E se ele não existir, como vai anunciar?

por outro lado.Por outro lado, você pode dizer. É, mas em vez de ter o anúncio do Weather Channel, pode ter um da Coca-cola. Aproveite que hoje está calor.

Verdade. Até que o Google mude o seu modelo de negócio (em breve).

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nem tudo está perdido.A verdadeiro boa notícia é que muitas das empresas líderes no ramo de tecnologia ainda baseiam seu modelo de negócio em anúncios. Google e Facebook, só para citar dois, ainda não encontraram um modelo sustentável sem depender disso.

Portanto: talvez o Google realmente precise botar algum tipo de anúncio para pagar as contas do sensor que informará você da temperatura.

Se pensarmos assim, certamente por um bom tempo, ainda haverá espaço para a publicidade.

O que você deve ter em mente é que o futuro nos reserva mudanças. Seja qual for o sistema, provavelmente a informação será gerada auto-maticamente, com pouca (ou nenhuma) interferência humana.

Será puro processamento de dados.

mudança na remuneraçãoO próprio Google pode estar migrando para um modelo de remunera-ção através dos devices (o Google Glass não é grátis, certo?). Veja o tablet recém lançado. Ou o Google Car. Isso pode ser, tranquilamente, um indicativo de que propaganda não é quem paga a conta.

Será que o Google não está mudando o seu sistema de remuneração? E se o business model do Google mudar, será que a indústria inteira não muda junto?

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215as mortas da perestroika capítulo 9 – as novas mortas

importante:a propaganda está mudando exponencialmente.Nós, seres humanos, temos uma mania de pensar de forma linear. Não nos damos conta que o avanço tecnológico acontece de forma expo-nencial. Pense no caminho que as mídias percorreram. O jornal existia há muito tempo, quando chegou o rádio. Algum tempo depois, veio a TV. Algum tempo, começaram a pipocar novas mídias. Até que surgiu a internet e acelerou o processo de forma muito intensa.

Para os mais desatentos, pode parecer que a internet é a grande res-ponsável pela mudança. Quando, ao analisar o cenário de mídia como um todo, não é difícil perceber a curva que está subindo abruptamen-te. E a internet é só mais um ator dessa peça.

Portanto, fique atento. As mídias serão substituídas numa velocidade muito diferente do que estamos acostumados a pensar.

Pense nisso.

mas isso Vaiacontecer quando?Não faço a menor ideia. Se você quer um chute, assim, sem respon-sabilidade? Diria que em cinco anos estará no mercado. O que não significa que estará em TODO o mercado. Como comentei antes: as tecnologias, depois de desenvolvidas, demoram um bom tempo até se popularizarem.

E se pensarmos no Brasil, um país que está crescendo, mas que ainda tem muito a evoluir, pode ser que ser que demore muito mais. E se pensarmos que todo o nosso mercado ainda se remunera dentro de uma comissão de mídia, talvez seja ainda mais complicado.

Entretanto, acho que você entendeu meu recado.

Se não entendeu, eu peço ajuda de um robozinho para escrever pra mim.

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reflexão.Se você entrou na publicidade para fazer a publicidade que você co-nhece hoje, eu tenho um conselho. Pense bem.

É provável que os modelos sejam revistos nos próximos anos, e que tenhamos uma transformação muito maior do que a que está aconte-ceu pela internet.

Esteja preparado para a mudança, porque ela vai acontecer.

depois de tantos conselhos, só me faça um faVor: pense com carinho.Sei que você não disse nada aí do outro lado. Mas se você me pedis-se um único conselho, eu diria, da maneira mais carinhosa possível: pense com carinho.

Pense com carinho se você realmente quer trabalhar com propaganda.

E quando disso isso, peço que você não interprete meu comentário como uma desaprovação. Quem sou eu para ir contra a sua vocação. Se você gosta de publicidade, e está decidido, me coloco justamente do outro lado. Dou o maior apoio.

Também não estou dizendo que a propaganda vai morrer. Se você fez essa interpretação, peço que volte até a primeira casa, e revise todo o texto. Você vai ver que não é por aí.

Meu ponto é: lembre-se que ninguém é OBRIGADO a trabalhar com propaganda.

Digo isso porque, na minha época, as pessoas que queriam expres-sar a sua criatividade não tinham muito para onde ir. Hoje, existem muitas alternativas. Na internet, elas são quase infinitas. Não é legal ver um monte de gente produzindo suas próprias séries no Youtube e ganhando dinheiro com isso?

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Eu acho o máximo.

Antigamente, esses talentos seriam obrigado a trabalhar numa agên-cia. Uma das poucas alternativas viáveis para se envolver com criati-vidade e pagar as contas no final do mês.

Portanto, só pense com carinho.

Repito: entenda bem o que estou dizendo. Não estou falando que a solução é largar a faculdade para produzir vídeos engraçadinhos no Youtube. Essa é só UMA das alternativas.

Também vale lembrar que fugir do tradicional é um caminho duro. Para cada Porta dos Fundos que emplaca, temos milhares de anônimos que não chegam nem aos 100 views.

O que estou fazendo é provocando você. Se você é realmente criativo, você deve, antes de qualquer movimento, sair da caixinha. Existem possibilidades incríveis fora do sistema tradicional. Especialmente para, nós, brasileiros, que demos o maior pé quente. O país decidiu crescer justamente quando a internet ofereceu oportunidades nunca existentes em termos de criatividade.

Empreender (no caso, uma empresa ligada à criatividade, que não trabalhe necessariamente com propaganda) não é fácil. Mas pode ser muito mais recompensador.

Vi centenas de amigos optarem pela carreira publicitária por falta de opções. Não é o seu caso.

Portanto, pense com carinho.

O mundo é tão grande quanto a sua criatividade.

o noVo publicitárioé um comunicador.Uma vez, twittei: “O maior erro da publicidade é tentar ser publicidade antes de ser comunicação”.

Por isso, antes de virar um publicitário, que fala publicitês, aprenda outra língua. A língua mãe de todos os seres humanos. Que está na essência das relações humanas.

Na medida que a comunicação um-para-muitos perde espaço para a um-para-um, que trabalhamos com plataforma, que emergem concei-tos como Riqueza Social, fica claro: temos que ser mais RPs do PPs.

Vou repetir: temos que ser mais RPs do que PPs. Se você me pergun-tar qual é o futuro da profissão, antes de falar em robôs criativos, eu certamente apostaria por aí.

Isso não significa fazer um curso de RP, mas pensar que engajamento acontece muito mais pela profundidade com poucos do que pela su-perficialidade com muitos.

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221as mortas da perestroika capítulo 9 – as novas mortas

último recado. Na Perestroika, temos alguns cursos de comunicação contemporâ-nea. A tese que apresentamos é que, hoje, em termos contemporâne-os, Fazer é maior Dizer.

Ou, para ficar mais icônico: Fazer > Dizer.

Muita gente confunde. Muita gente acha que estamos reforçando o conceito Vai lá e faz. “Ah, entendi: Fazer > Dizer é para a gente não ficar esperando muito e botar logo a mão na massa, né?”.

Apesar do conselho acima também ser válido, não é bem isso.

Fazer > Dizer significa que temos que procurar movimentos de comu-nição baseados menos no discurso e mais na ação. Uma propaganda realizacional. Um evento. Uma coisa que aconteça.

Para comunicar essa coisa, usamos as mídias tradicionais - que pas-sam, dessa forma, a ser periféricas.

Essa ação deve criar relacionamento com a sua audiência, criando Ri-queza Social. Uma moeda invisível - mas que, ali na frente, vira dinheiro.

De preferência, deve ter utilidade (Ad Utility, termo que ouvi pela pri-meira vez pela Livead), e ser um serviço para a sociedade.

Deve deixar um legado, e fazer com que esse serviço se perpetue para muito além da ação de comunicação.

E, para ser completa, deve ser auto-sustentável. É uma start-up comm: ela gera receita e se paga. Talvez, até dê lucro.

O novo comunicador é um empreendedor.

Realização, prestação de serviço, legado, riqueza social e lucro. Essas coisas não são excludentes. Já é presente. E será, na minha opinião, o futuro próximo de toda a comunicação.

Minha dica final é essa: antes de ser publicitário, seja uma mistura de RP e empreendedor.

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223as mortas da perestroika capítulo 9 – as novas mortas

último recado. juro.Quando convidei outros criadores para que contribuíssem com seus conselhos, percebi que não era uma situação muito confortável.

Na verdade, era um puta injustiça.

Eu tinha escrito páginas e páginas com o que eu julgava ser interes-sante. Não tive a difícil missão de filtrar, entre todas as dicas que dei, a mais importante.

Já com eles foi bem diferente. Pedi para que dessem um único con-selho. Um conselho.

O conselho.

E ainda dei um briefing cheio de polices. Limite de linhas, prazo aper-tado e um foco não muito camarada.

Por isso, para fechar, resolvi me colocar na mesma panela de pressão, para ver se eu conseguia me virar tão bem quanto eles se saíram.

Pois a minha dica é: tenha um projeto que lhe dê orgulho.

O seu projeto pode ser autoral, como está sendo este livro. Pode ser empresarial, como foi a Perestroika para mim. Pode ser filantrópico, como foi o Clube dos Jovens Criativos, do qual eu fiz parte desde a primeira reunião.

O seu projeto pode ser o roteiro de um longa metragem. Pode ser a sua festa de casamento. Pode ser uma viagem de barco ao redor do mundo.

Pode ser uma coisa despretensiosa. Pode ser uma busca espiritual. Pode ser o projeto da sua vida.

Não importa. Tenha um projeto.

Não viva no piloto automático. Tenha um projeto que lhe dê orgulho. Saiba o que você está fazendo e por que está fazendo.

E quando você acabar, encontre um novo. E comece tudo de novo. E de novo. E de novo.

Essa é a melhor forma de se sentir vivo.

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capÍtulo 10

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227as mortas da perestroika capítulo 10 – posts

introdução.A Perestroika tem um blog (perestroika.com.br) com atualizações diárias. Ou quase diárias. Lá, a gente discute tudo o que acha inte-ressante. E um dos temas mais requisitados por quem nos lê são os conselhos profissionais.

Pensei em colocar aqui todos os posts legais. Mas quando fiz o meu primeiro short-list, percebi que teria um grande problema. Gostava de muitos.

Então, tive que tomar uma decisão drástica. Primeiro, fiz um filtro com 50. Sim: o Top 50 do Blog da Perestroika.

Reuni aqueles que, na minha opinião, valem a pena ser lidos por al-guém que está procurando ajuda no início da carreira.

Depois, fiz um novo corte, só com os posts que foram escritos por mim e pelo Felipe, para preservar as opiniões de quem ainda continua na empresa. Achei educado.

Então, fiz um corte radical. Escolhi os top 15 que mais fazem para o público leitor desse manual.

Foi quando lembrei que, da primeira edição para cá, rolaram posts legais. Fiz um novo filtro e fiquei com 20. E pronto.

Vale lembrar algumas coisas:

Eles não estão organizados por ordem cronológica ou de preferência.

Foi absolutamente randômico.

Alguns posts sofreram pequenos ajustes em virtude das imagens e vídeos que não puderam ser reproduzidos aqui.

Sempre tente imaginar o post dentro do seu contexto. Vários são anti-gos e, hoje, talvez sejam menos impactantes do que na época em que foram escritos.

Muitos posts foram escritos antes da reforma ortográfica.

Não são necessariametne os melhores posts, na minha opinião. São os mais apropriados para este manual.

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229as mortas da perestroika capítulo 10 – posts

1. foi lá e fez.Eu tenho a impressão que quanto mais tempo a gente leva pensando, menos tempo a gente se envolve fazendo. Claro, pensar e planejar é importante, nem vou entrar muito nesse mérito. O que diferencia o ser humano de todos os outros animais é justamente a capacidade de ra-ciocinar. Mas, talvez, o que diferencie uma pessoa de todos os outros seres humanos seja a capacidade de realizar.

Já vi muito departamento de planejamento de agência, e às vezes a agência como um todo, gostar de ficar intelectualizando, questionan-do, ruminando, pensando e repensando. Uma punheta mental que às vezes até gera um trabalho bem esclarecido, bem defendido. Mas que nunca funciona muito quando colocado em prática.

Se até as regras da física que a gente aprende no colégio são para abstrair e não funcionam na prática como nos livros, imagina no uni-verso da imaginação e criatividade, onde as bases são bem mais sub-jetivas e abstratas.

Acho que se o Ronaldinho pensasse muito, não tentaria fazer os dri-bles maravilhosos que ele faz. Quem pensa muito, não pula na piscina porque a água tá fria. Quem fica pensando muito, sempre pede mais uma cerveja antes de chegar na mulher que já tá encarando há mais de 10 minutos. Só pra ver um outro filho da puta chegar e levar a mina (é só um exemplo, não que tenha acontecido comigo). Se tu parar pra pensar em todas as conseqüências possíveis, provavelmente tu não vai entrar vestido de vaca numa sala de aula. Se tu parar pra pensar, já tem tanta faculdade de comunicação e publicidade, ninguém vai querer fazer a Perestroika.

Se tu parar pra pensar, vai ver que todos os teus projetos geniais fi-cam guardados na gaveta porque no fundo tu tem medo do que pode dar errado. De tentar fintar e perder a bola. De tomar um fora. De os alunos te tirarem pra trouxa. Mas a grande verdade, a grande verdade que eu acredito, pelo menos, é que a linha que separa a genialidade do fiasco é muito fina. Muito tênue. E que as poucas pessoas que se arriscam a andar em cima dessa linha, podem cair pros dois lados.

Mas passar um pouco de vergonha ou de frio não é nada perto da recompensa de ser realmente genial.

Lembrem-se que até mesmo os grandes pensadores também tinham que ser grandes escritores. Pense nisso. Mas só um pouquinho, tá?

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231as mortas da perestroika capítulo 10 – posts

2. pessoas apaixonadassão pessoas apaixonantes.Eu sou um cara megasensível. E muito passional. Talvez, na Peres-troika, o mais passional de todos. O que tem o lado bom e o ruim, como tudo na vida. O lado ruim é que fica mais difícil lidar com críticas. Muitas vezes já quero brigar com comentários no nosso blog, com twitadas e com outros percalços naturais do processo de se ter uma empresa, administrar uma marca e lidar com pessoas. Graças a Deus tem o Tiago aqui que sempre faz o contraponto e me faz pensar sobre essas coisas antes de sair tomando atitudes.

O lado bom é que fico emocionado com as coisas, com as oportuni-dades, com os elogios, com as coisas que dão certo e tal. Fico feliz mesmo, arrepiado, com vontade de sair pulando às vezes, chorando outras e, algumas vezes, de sair pela Perestroika andando de cueca

– o que de fato já aconteceu algumas vezes. Talvez por isso, tenha me emocionado tanto com o surfe do Romeu no Dilúvio.

Sou um cara que se leva pelas paixões. E embora isso tenha também o seu lado bom e o ruim, ser extremamente racional também tem. E sou feliz assim, mesmo que momentos de tristeza também acompa-nhem essa jeito apaixonado de viver.

Para mim, viver sem paixão não faz o menor sentido. Trabalhar sem paixão também não. E o resumo do que quero dizer para vocês é esse: persigam a paixão. Na vida, no trabalho e em tudo o que fizerem.

Posso dar essa sugestão com a tranquilidade de quem arriscou muita coisa em nome disso. Vejam bem: eu comecei minha carreira na pu-blicidade como atendimento na Dez Propaganda, em 98. E não foi um estagiozinho de 3 meses, como acontece com muita gente. Fiz está-gio, em pouco tempo, fui contratado como assistente. Passei 3 anos e meio no atendimento. Era uma jovem promessa, que cresceu rápido na agência. Eu tinha 22 anos e era o segundo atendimento da agência na época. Mas eu não estava feliz. Pedi demissão e decidi que ia para a criação. Fui absorvido na própria Dez, como estagiário de redação, ganhando 8 vezes menos do que ganhava como atendimento.

Na criação, fui contratado com apenas 3 meses. 9 meses depois, fui o Redator do Ano do Prêmio Colunistas. Depois saí e fui trabalhar na Paim como redator. Em 2005, logo depois da conta da Renner ter ido para a Escala, assumi a área de Novos Negócios da Paim, deixando a trajetória de redator publicitário para trás e assumindo uma rotina ligada a prospecção, gestão de projetos e planejamento.

Um ano depois, nova guinada: virei Diretor de Criação da Paim. Tinha 28 anos. Era uma coisa bem fora do normal uma pessoa dessa idade estar numa posição dessas numa das 5 maiores agências do estado. Uma situação bem confortável, digamos assim. Bom, eu não tinha nem 4 meses como DC e fui convidado para trabalhar na LiveAD, uma empresa que eu nem sabia o que fazia. Mas segui totalmente meus instintos – porque a razão talvez mandasse eu ficar.Menos de 2 anos depois de assumir a Criação da LiveAD, larguei tudo para me dedicar exclusivamente à Perestroika, que ainda estava engatinhando, sem nenhuma garantia que daria certo, e ganhando si-gnificativamente menos do que lá.

Em todas essas mudanças, eu sempre tive medo. Foi um trabalho árduo dos meus sentimentos tentando convencer minha razão de que era a coisa certa a fazer, o que é mais difícil que o contrário (a razão convencendo os sentimentos). Mas nunca consegui jogar para debai-xo do tapete o que o meu coração (ui, que gay) dizia para fazer. E em

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233as mortas da perestroika capítulo 10 – posts

todas, absolutamente TODAS as mudanças, eu nunca me arrependi. Sempre fiquei mais feliz. Que na real é o que importa.

Tá: para não parecer que tudo foi tão perfeito, teve uma vez que eu fiquei um tempão numa empresa sem amá-la mais. Tipo todas as cé-lulas do meu corpo diziam que eu não tinha mais que estar lá. Menos o meu cérebro. “O que tu vai fazer?” “Tu vai arregar?” “Se tu sair, tu vai assumir o teu fracasso.”

Na real, eu queria racionalmente vencer aquela situação. Não que-ria pecar por omissão, por falta de tentativa. E fiquei um bom tem-po (mesmo) nessa empresa. Claro, no final o fato de eu ter ficado lá me gerou muito aprendizado. Mas quando finalmente eu saí, tive uma puta sensação de alívio, de libertação, de felicidade. E fiquei me per-guntando por que não tinha saído antes. Isso também foi aprendizado.

Hoje, eu sei que dá para ser feliz fazendo o que se quer fazer. Vivo isso na Perestroika todos os dias. Cada trabalho, cada novo projeto, cada novo curso é um puta tesão. Muita vontade de se envolver, de mergu-lhar, de se entregar. E quando a gente se entrega, não tem problema ter que trabalhar todos os sábados, não tem nada de errado acordar às 8 da manhã de domingo para fazer reunião. O amor é cego.

E o mais legal é que a recompensa é o próprio processo de trabalho.

Muita gente não se dá conta disso e fica se focando no trabalho fi-nal, na execução final, no filme pronto na formatura. Mas o processo criativo – uma das poucas coisas que absorvi do curso do Charles Watson – deve ser um processo autotélico, onde encontramos e foca-mos o prazer no processo, e não no ponto final. Em outras palavras, o caminho é a viagem, não o lugar de chegada.

A gente vê que os alunos que mais se puxam, mais se empenham, mais nos impressionam, são os mais apaixonados. Pela Perestroika. Pelo projeto que estão fazendo. Pela vida, como é o caso do Romeu.

O Tiago já escreveu um post muito legal nesse blog sobre as recom-pensas que se obtém no trabalho. Eu acho que a paixão é uma das recompensas da vida.

Tem outra coisa que eu acho que torna todo esse discurso mais rele-vante ainda que é o seguinte: a gente trabalha com criação. Ou pelo menos com o processamento de um monte de informação, conteúdo e estímulos que recebemos para a formatação de um produto criativo. Seja ele comercial, experimental ou autoral.

Eu particularmente acredito que a sensibilidade necessária para iden-tificar esses estímulos, essas vibrações vêm da paixão.

Uma vez li em algum lugar uma história do Lupicínio Rodrigues so-bre as várias mulheres que ele teve, e o sofrimento que a paixão não correspondida ou traumática que algumas desses romances geraram nele. E ele disse algo, que não foi bem isso, mas que é mais ou menos por aqui: ele não se arrependia de ter se apaixonado e ter se entrega-do em todos esses casos, mesmo para as mulheres que mais fizeram ele sofrer. Porque as que mais fizeram ele sofrer foram as responsá-veis pelas melhores obras dele.

Felicidade, tristeza, emoções fortes são combustível criativo.

Vejam o Vinícius de Moraes. O cara foi foda na produção cultural e ar-tística brasileira. Foi um cara que se apaixonou muitas vezes. Casou 9, só para a gente ter noção. Porra, era um cara que acreditava no amor. E provavelmente, na paixão.

A razão é muito importante, é claro. Pensem, racionalizem. Mas lem-brem-se que a razão nos deixa seguros, e nos deixa brabos. O que nos deixa feliz ou triste é emoção.

Planejar, projetar, pensar é bem racional. Mas a paixão é que vai a gente ir lá e fazer.

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235as mortas da perestroika capítulo 10 – posts

Vão lá e faça. Se apaixonem. E, de vez em quando, deixem se levar pelas paixões. Acho que vocês vão concordar comigo que vale a pena.

Beijos, Felipe 3. não olhe para o lado. olhe para frente.Há um tempo, eu ouvi falar de um estudo sobre felicidade que eu achei fantástico. Inclusive, sugiro que você faça o teste antes de ler o resto do post.

O entrevistador conversava com os funcionários de uma determinada empresa, um a um, separadamente. E pedia que eles apontassem qual situação faria deles pessoas mais felizes.

1. Você prefere ganhar um salário de 100,sendo que todos os seus colegas ganham 50.

2. Você prefere ganhar um salário de 150,sendo que todos os seus colegas ganham 200.

Segundo o estudo, a maioria optou pelo primeiro cenário. Mesmo que no segundo, a pessoa tivesse uma renda maior.

A tese do cara é que a nossa noção de felicidade está diretamente relacionada à comparação. Você tem que olhar para o lado e ver uma situação pior que a sua. Só assim as pessoas (ou, pelo menos, a maio-ria delas) se sente realmente feliz.

Isso talvez justifique várias manifestações da nossa sociedade. Como a gangorra do futebol, a popularização das fofocas, a grande audiên-cia das tragédias e dos programas sensacionalistas.

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237as mortas da perestroika capítulo 10 – posts

Eu fIquei bem surpreso ao saber do resultado. Quando me pergun-taram, respondi de bate-pronto. “Óbvio que eu prefiro ganhar mais!”. Provavelmente, muito em função de uma crença que eu tenho.

Não olhe para o lado. Olhe para frente.

O que, em outras palavras, quer dizer: o importante é você buscar as suas próprias metas. Sejam elas re levantes ou não para os outros.

O fundamental desse conceito é entender que você deve simplesmen-te ignorar aquilo que não influencia a sua vida. Mas ficar atento para o que influencia.

Por exemplo: trabalham no mesmo departamento você e o João, um cara chato, vagabundo e incompetente. Se o João receber um aumen-to, e esse aumento não tiver relação nenhuma com o seu salário, isso não afeta em nada a sua vida. Bom para o cara.

Agora, se o João receber um aumento, e esse aumento influenciar em todo o planejamento financeiro da empresa, de forma que você não seja promovido jus tamente por isso: bom, aí o furo é mais embaixo.

Eu sou um cara bastante competitivo. E não acho isso ruim. Porque sou competitivo olhando para frente, não olhando para o lado.

Gosto de estar na fatia de cima da pirâmide. Mas na medida do possí-vel, não me preocupo muito com o que os outros estão fazendo.

Vou dar um exemplo bem ilustrativo que aconteceu na minha vida:

Eu queria ser Redator do Ano. E quando fui, não fiquei preocupado

se os outros redatores do mercado estavam produzindo coisas boas ou não. Se os outros redatores da agência estavam recebendo jobs melhores que os meus. Se estavam fazendo fantasmas. Eu simples-mente baixei a cabeça e produzi o meu melhor. Via em cada pit uma oportunidade de emplacar um trabalho legal. Não produzi um único fantasma, uma única campanha filantrópica, uma única peça de cará-ter duvidoso. Tudo o que fiz foi pelas vias normais.

E deu certo.

Porque se eu fizesse o meu melhor, eu não poderia me sentir culpado numa eventual derrota. Pô, eu fiz o meu melhor!

Agora que está começando um novo ano, aproveite e pense um pou-co sobre isso. O que você realmente quer para 2009? O que vai fazer você feliz?

Se na hora do amigo secreto o seu par de meias for mais feio que o do seu primo, não dê bola.

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239as mortas da perestroika capítulo 10 – posts

4. o fritador de hambúrgueres.Cada vez mais eu acredito numa coisa. E cada vez mais, eu acredito que é essa coisa que diferencia os bons criadores.

É a disciplina. Por mais contraditório que isso possa parecer.

Eu sinceramente acho que, se nós pegássemos qualquer departa-mento de uma agência de propaganda (atendimento, produção, mídia, etc.) e colocássemos na criação, e treinássemos durante alguns me-ses essas pessoas, o resultado seria surpreendente.

Chegar em boas ideias não é difícil. Pensar em porralouquices não é difícil. Estou convencido disso. Quanto mais estudo o processo brainstorming, e como as ideias surgem, mais eu me impressiono. O brain é só um processo. Que qualquer um pode seguir.

O que talvez facilite a nossa vida (nossa = criadores do departamen-to de criação) é a personalidade das pessoas que vão para a Cria-ção. Porque, em geral, nós temos traços que FACILITAM o processo de brainstorm. Como (só para citar dois exemplos) a desinibição e a sensibilidade.

Mas se uma pessoa qualquer decidir treinar essas características, e investir tempo e energia exercitando (de novo, só para citar dois exemplos) a desinibição e a sensibilidade, eu acredito, sinceramente, que o resutado não será muito diferente do que temos hoje no dia-a-dia de uma agência.

Parece loucura. Mas eu juro que acredito nisso.

Daí, você pode dizer. “Tiago, você realmente acha que um atendi-mento criaria um bom título? Que uma mídia pensaria numa ideia visual bacana?”.

Sim, acredito. Com alguns meses de treino e muito disciplina por par-te do cara, acredito pra caralho.

Daí, você pode insistir: “Mas Tiago, você acha que eles vão conseguir criar aquelas ideias inusitadas, que a gente fica morrendo de inveja?”.

Aí eu não sei.

Ao mesmo tempo, eu não sei quantas ideias realmente inovadoras e inustitadas um departamento de criação produz por ano. Aquelas ideias que a gente diz: QUE COISA NOVA!

Porque se formos realmente críticos com os nossos próprios por-tfólios, vamos ver que a maioria absoluta do que fazemos são fór-mulas. São padrões. Até as peças que criamos exclusivamente para festivais.

Vocês já ouviram falar do Faking It? É um reality show antigo, que pas-sava na TV inglesa e era reproduzido por alguma canal a cabo aqui do Brasil (acho que era o Multishow).

A moral era a seguinte: eles pegavam um profissional X e o treinavam durante um mês para executar uma atividade diferente da que ele fa-zia anteriormente (ex: um tosador de ovelhas viraria cabeleireiro).

No final, outros três profissionais (no caso, outros três cabeleireiros) passavam pelo crivo de um júri, que avaliava o desempenho dos qua-

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tro. Então, o júri era comunicado que havia um impostor infiltrado. Na maioria dos casos, o júri não acertava quem era o picareta.

Tipo, um vigário virava vendedor de carros usados. Um bailarino vira-va lutador de luta-livre. Um fritador de hambúrgueres virava chef. Um pintor de casas virava pintor de quadros (e hoje ganha uma puta grana como artista plástico).

Você acha que o programa encontrou talentos em meio à multidão? Que foi sorte? Que foi uma chance em um milhão? Eu prefiro acreditar que foi só disciplina, foco, treino.

Procure no Youtube o cantor punk que se tornou maestro. Tudo bem, tudo bem. O cara não virou um maestro. Ele regeu apenas uma músi-ca, uma única vez. Não sei se é suficiente para comprovar a teoria. No mínimo, nos deixa uma pulga atrás da orelha.

Toda essa longa introdução é para dizer o seguinte: a gente, na Cria-ção, tem uma tendência a achar que somos insubstituíveis. Quando chegamos num determinado patamar, simplesmente relaxamos. Acha-mos que o nosso talento, que o nosso histórico, é suficiente para nos garantir uma cadeira e um computador.

Não, não é.

Qualquer um pode nos substitutir. A dupla mais jovem. O estagiário que recém entrou. Ou o estudante, que ainda nem foi contratado pela agência.

É só um processo. É só treino. É só foco.

E essa é, na minha opinião, a principal razão pela qual muitos pro-fissionais de mais de 30 anos somem, desaparecem. Depois de um certo tempo, falta aquele tesão. E aí, vem o fritador de hambúrgueres e rouba a vaga do chef.

Certa vez, criei uma campanha para um festival de publicidade que dizia: Você é tão bom quanto o seu último trabalho. Nem achava a ideia tão legal, mas o conceito eu realmente curtia.

Se nos dermos conta que um fritador de hambúrgueres pode virar chef, em apenas um mês, nós vamos nos dar conta que somos extre-mamente vulneráveis.

A não ser, é claro, que a gente continue fazendo coisas boas. Todos os dias.

Esse foi um dos principais motivos para eu vir para a Perestroika.

Recomeçar do zero, numa função onde você não sabe nada (no caso, eu não sabia nada sobre “administrar uma escola”), é a melhor forma de não deixar a vaidade nos detonar.

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5. a pergunta de 1 milhão de dólares.Uma das coisas mais legais da Perestroika é a relação que a gente tem com os alunos. Sem dúvida, é uma proximidade muito diferente do normal. Pelo menos, muito diferente de tudo o que eu vivenciei como aluno. Seja no colégio, na universidade, quando fiz intercâmbio ou até na Miami Ad School.

A gente curte pra caralho isso, se sente feliz por ser importante para os alunos e pelos vários papeis que a gente acaba assumindo nessa relação.

Por um lado, nós somos professores – ou facilitadores, como pre-ferimos chamar. A gente procura explicar a técnica, o processo, os atalhos, as dicas, mostrando o que a gente acha que funciona e o que normalmente não funciona.

De outro, a gente serve como provocadores. Para provocar a curio-sidade, sugerir novas soluções, fomentar o pensamento lateral e a busca de respostas para perguntas que ainda não existem.

Mas vários alunos nos procuram para pedir conselhos sobre a profis-são e a vida. Meio naquela pilha Sr. Miyagi.

O que eu faço, isso ou aquilo?O que é melhor, este ou aquele outro?Para onde eu vou, para cá ou para lá?

A famosa PERGUNTA DE UM MILHÃO DE DÓLARES.

Na teoria, a vida é muito simples. A gente só precisa saber duas coisas:

1. O que a gente quer.2. O que a gente vai fazer para conseguir aquilo que se quer.

Um tanto óbvio, não?

Óbvio o caralho! Na prática, a gente sabe que não é bem assim.

Às vezes, a gente já está contratado, mas pinta uma proposta de es-tágio num lugar muito legal. E fica dias e dias se remoendo para saber o que fazer.

Em outras, bate aquele desespero. Pedalo a faculdade para apostar no trabalho ou invisto no curso e vejo o que acontece depois?

Tem horas que a gente se vê numa encruzilhada. Não sabe se se dedica à vida pessoal ou à vida profissional. Especialmente quando se tem vários amigos que fazem Direito ou Adminitração e sabem do trabalho às 17h30.

Porra, é isso mesmo que eu quero fazer nos próximos 30 anos?

Vou para a capital ou continuo aqui, na minha cidade pequena?

Será que eu sou criativo mesmo ou sou uma farsa?

Em meio a tudo isso, há uma boa e uma má notícia.

A má notícia é que, desde que a Humanidade é Humanidade, essa é a pergunta mais difícil que existe. Porque só você tem a resposta.

A boa é que, como o próprio nome sugere, essa é uma pergunta de 1 milhão de dólares. Se você responder, e responder certo, nada mais segura você. O 1 milhão de dólares – seja em dinheiro, seja em outro

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tipo de recompensa – é inevitável. Você pode largar o psiquiatra e viver a vida numa boa.

O grande problema é que, diferente do Show do Milhão, essa per-gunta não dá pra pular. A gente infelizmente (ou felizmente) tem que enfrentar isso de frente. Porque só assim a gente sabe o que é melhor: isso ou aquilo, ir pra lá ou pra cá.

Então, valendo 1 milhão de dólares: qual é a sua resposta?

6. a lenda domercado saturado.Todo mundo já ouviu lendas urbanas.

“Não aceite bebida de estranhos, ou você pode acordar numa ba-nheira cheia de gelo e sem os seus rins.”

“Não vá no cinema do Iguatemi, porque os caras colocam agulhas infectadas com HIV.”

“Não coma no McDonald’s: os hambúrgueres são feitos com carne de minhoca.”

É ou não é? Ainda mais, depois que inventaram o e-mail. Lenda urba-na é o que não falta.

Pois bem: dentro da propaganda, existe uma lenda que me incomoda bastante. A de que “o mercado está saturado”.

Eu já troquei de emprego quatorze vezes. Já fui peão de gráfica e host de restaurante metido. Já fui assistente de arte, arquivador de fitas e jornalista de um veículo totalmente picareta. Já distribuí flyer na praia. Já fui o último estagiário na hierarquia de uma grande produtora (aque-le que vem depois do cu do cachorro). Hoje, sou Diretor da minha própria empresa. Mas sabe-se lá o que virá amanhã.

E por todos esses lugares, eu sempre acompanhei o desespero dos meus chefes quando alguém pedia demissão. Guardadas algumas ex-

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ceções, era sempre um parto achar um substituto. Fosse quem fosse. Do novato ao presidente.

Isso indica que, diferente do que se diz nos corredores, o merca-do não está saturado. Quer dizer: o mercado está saturado, sim. Mas saturado de profissionais que estão abaixo da expectativa de quem contrata.

Quando se precisa de alguém bom, realmente bom, que entregue coi-sas acima da média, que tenha o respaldo de um bom portfólio, com maturidade e postura, que seja do bem e não tenha medo de trabalho, é foda de achar.

Vi isso se repetir por todas as agências que passei. Mas também no restaurante, na gráfica e até no jornal picareta.

Esse cara valioso, quase insubstituível, que é uma mistura de Romário (pelo talento) e Dunga (pela postura), é dificílimo de achar. E se você abrir mão dos nomes de maior visibilidade (que normalmente já rece-bem um bom salário, ou já atendem boas contas, ou já estão felizes na empresas em que trabalham), fica mais difícil ainda.

Se você for bom, mas bom mesmo, você vai ser valorizado pela sua agência e respeitado pelos colegas. E vocês viverão felizes para sempre.

THE END

7. tempo todo mundo tem.é só uma questãode prioridade.Certa vez, estava na noite e vi a cena com meus próprios olhos. Uma loira maravilhosa se aproximou do balcão e pediu um drink. Nem deu tempo dela receber a bebida e já chegou um magrão solando.

Fiquei só ouvindo a conversa para ver onde ia terminar. Dava pra sacar que o cara era endinheirado. Só o relógio devia custar mais que o meu apartamento. Era um Patek Philippe todo balaqueiro. Não tinha como não notar. A loirosa também percebeu. Talvez por isso fosse só sorrisos.

Papo vai, papo vem, não deu nem dois minutos e o cara largou.

— Então, vamos para o meu apê?

A loira foi muito elegante, e respondeu sem levantar o tom de voz.

— Acho que você se confundiu. Eu não sou dessas.— E se eu pagasse para você 200 reais?— Meu amigo, eu já falei. Você está me ofendendo.— E se eu desse 10 mil reais, agora, na bucha. Você ia?

Ela mudou o semblante. Pensou, pensou, olhou o relógio.

— Por 10 mil reais eu vou.— Então eu te ofereço 500.

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— Tá maluco? Você acha que eu sou puta?— Puta eu já sei que você é. Agora nós só estamos negociando o preço.

Essa piada é um ótimo exemplo de um conceito que eu defendo insistentemente.

Existe uma coisa dentro de cada um de nós que é o nosso combus-tível. Que nos estimula a fazer absolutamente tudo. É ela que define o que é importante e o que não é importante. Que determina a nossa relação de prioridades na vida.

Essa coisa se chama motivação. O sinal mais claro e evidente do que nos dá prazer.

Se eu oferecer cinco reais para você correr uma maratona, você talvez ache a proposta ridícula. Agora, se eu oferecer um milhão de reais, é bem possível que você se interesse. E até consiga chegar à linha de chegada, por mais fora de forma que esteja.

Um milhão de reais é uma grande motivação. É muito dinheiro, e di-nheiro é importante pra (quase) todo mundo.

Só que no mundo real, ninguém oferece um milhão de reais para você fazer o seu trabalho bem feito. Ou para você chegar na hora nos compromissos. Ou para fazer as coisas com antecedência, e não em cima da hora.

Para fazer tudo isso, você precisa de motivação. É uma força in-terior. Ninguém precisa dizer nada. Você simplesmente faz porque aquilo é importante.

Ninguém precisa dizer para você: dê atenção para a sua namorada. Se você gosta dela, naturalmente vai agradá-la.

Se o seu filho adoecer e baixar hospital, você vai dar bola para o roda-pé que tinha que layoutar até as 11h? Que nada: você vai sair corren-do e deixar tudo pra trás. Afinal, essa é a sua prioridade.

Fico imaginando um torcedor fanático dizendo Não fui no jogo porque esqueci que ontem era a Final da Libertadores.

Portanto, não se engane. As coisas que você lembra, que você dá atenção, que você coloca em primeiro plano são verdadeiramente im-portantes para você. É que o dá prazer, é o que é relevante, são as coisas que você acredita.

O que você faz aos trancos e barrancos, correndo, na última hora, não.

Todo mundo sabe que, como professor, sou bem exigente. E defendo essa posição pelo princípio da motivação.

Se você tem uma semana para fazer o tema, e deixou para a última hora, me desculpe. É sinal de que fazer o tema não era tão importante para você quando você está tentando me convencer que era.

Você tinha outras prioridades. Ver a namorada, ir no jogo do Inter, be-ber com os amigos, dormir. Respeito e dou o maior apoio. Quem de-fine as prioridades da sua vida é você. Agora, só não me venha dizer que não teve tempo. Porque o dia tem 24h para todos nós.

Tempo todo mundo tem. É só uma questão de prioridade.

Se você não fez o tema, ou fez mal feito, sinal de que tinha outras

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prioridades. E aí, essa é uma escolha sua, não minha. Por isso, quem tem que arcar com as consequências é você, não eu.

O mais importante de todo esse papo de motivação, pra mim, é se conhecer.

Por exemplo: se você procura determinado amigo só para pedir fa-vores, é sinal de que aquela pessoa não é importante para você. Os favores dela é que são.

Se você diz que adora o seu emprego, mas está sempre de saco cheio, sem a menor paciência para fazer o que estão lhe pedindo, contando as horas para o final de semana, pense bem. Tem coisa errada aí.

Perceba: as maiores dicas estão nos seus atos repetidos. É impossível fugir da nossa natureza.

Se você sempre chega na hora quando o seu chefe manda, e sempre chega atrasado nos encontros da sua turma, você definitivamente não é um cara pontual.

Se você fica todos os dias até tarde na agência, isso tem alguma im-portância para você. Talvez, você esteja investindo na sua carreira, porque isso é uma coisa na qual você acredita. Talvez você queria só mostrar para os outros como é trabalhador, e por isso não abre mão de entrar noite adentro. Talvez esse seja um valor da sua família, talvez você esteja apenas repetindo o que o seu pai e a sua mãe workaholics fizeram a vida inteira. Talvez você more sozinho, e não queira ficar iso-lado. Ou talvez você esteja duro e goste de ficar até tarde pra ganhar pizza de graça.

Não importa. Seja com a sua namorada, com o seu dupla, com os seus sócios ou com a sua família. Se você não faz espontaneamente

determinadas coisas, acredite: elas não são tão importantes quanto você acha que são.

A minha dica é não ficar lutando contra isso. Se você faz as coisas por obrigação, e não por vontade própria, tente mudar esse panorama. Ou você vai ficar sofrendo a vida inteira.

Você tem que estar apaixonado pelas coisas que faz e pelas pessoas com quem convive.

Eu sou apaixonado pela Perestroika. E é por isso que, mesmo viajan-do, mesmo de férias, eu não consigo ficar longe do nosso Blog.

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253as mortas da perestroika capítulo 10 – posts

8.diamantes.Nesse final de semana, tive o privilégio de filmar novamente com o Bernardinho. Ele é um cara fantástico no set. Não reclama, não tem nenhum estrelismo e topa todas as bizarrices que a gente inventa. E ainda é puro alto astral, está sempre fazendo piada e divertindo a ga-lera da produção.

Mas dessa vez, eu tive um privilégio maior que nas edições anteriores. Em determinado momento da filmagem, quando estavam rodando uma cena só com o Giba, ficamos batendo um papo in off. Sem câ-meras, sem microfones, sem responsabilidades.

Seria até presunção dizer que foi uma conversa. Porque durante aque-les 20 minutos, eu praticamente não falei. Não valia a pena investir aqueles poucos minutos ouvindo a minha própria voz.

Vale lembrar: o Bernardinho cobra muito caro pelas palestras que dá.

Falamos principalmente de esporte. Eu adoro espor te, e parecia que eu estava lendo um almanaque. Ele sabia datas, placares, nomes, tudo de cor. Detalhes que fariam inveja ao PVC. Impressionante.

No meio disso tudo, ele explicou qual é a principal diferença entre um grande jogador e um campeão. Usando outras palavras, ele disse que

“o grande jogador é aquele que praticamente não erra. E o campeão é o que não erra quando não pode errar.”

Tá, eu sei que esse não é um ponto de vista muito novo. Muita gente fala isso e não é de hoje. Mas sei lá: ouvir essas palavas do cara que

montou o time mais vitorioso da história do esporte, em todos espor-tes, em todos os tempos, foi diferente.

Peguemos como exemplo o Michael Jordan.

Sempre que tinha jogo decisivo, a história era a mesma. Faltavam poucos segundos. O técnico adversário sabia que a bola ia para o Jordan. O time adversário sabia que a bola ia para o Jordan. A torcida, o comentarista, o mundo inteiro sabia que a bola ia para o Jordan.

E bola ia para o Jordan. Mas parecia impossível marcá-lo. Na pressão, ele não arrepiava.

Acho que esse conceito se aplica um pouco ao nosso negócio.

Os grandes profissionais com quem convivi foram justamente aqueles que, na hora do aperto, tiraram leite de pedra. Quando alguém virava e dizia “ou a gente acerta nessa campanha, ou vamos perder a conta”. E o cara ia lá, e fazia o melhor anúncio da vida.

Ou quando dava um problema num comercial, que mudava o roteiro depois de filmado. E a dupla era obrigada a fazer um remendo, com as cenas já captadas, deixando tão bom quanto a versão original.

Ou naquelas vezes que está tudo pronto, montado, e alguém desco-bre que a concorrência vai lançar uma campanha igual. Daí é virar a noite e produzir algo tão bom quanto o que acabou de ser feito, mas em tempo recorde.

Existe um ditado que eu amo, que é: diamantes nascem sob pressão.

Sempre que eu vejo os vencedores de um festival, faço a minha pró-pria avaliação.

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Cada vez mais eu valorizo aqueles trabalhos de verdade, para produ-tos de verdade. Que dá para ver o briefing sendo resolvido. O proble-ma que o cliente tinha e a solução que foi encontrada. É aí que estão os diamantes.

Só nessas condições, só um trabalho que vai para a rua MESMO é que me impressiona. Porque só assim a ideia é colocada a prova por um diretor de criação que está pensando seriamente sobre o assunto. Que tem um cliente avaliando de forma séria o que vai ao ar. E que é julgado pelo consumidor, o verdadeiro júri das nossas ideias.

Criar para o mercado publicitário, ou para filantropia, ou fazer fantas-mas, ou até esses clientes que não remuneram a agência e topam qualquer barbaridade, é como jogar um amistoso.

Eu já criei, e vez por outra continuo criando para esse segmento. Não sou a favor do fim desse tipo propaganda. Por favor!

Agora, lá no fundinho, eu sei que existe uma grande diferença entre isso e o anúncio produto-e-preço da STIHL que volta e meia entra na nossa pauta.

Então, toda vez que pintar um job casca grossa para você, não veja como uma engronha. Veja como um teste. Um teste para saber se você já está preparado para desafios maiores. Um teste para saber se você já pode assumir grandes responsabilidades. Se você já se trans-formou em diamante, ou se ainda é carvão.

E se o prazo for curto, lembre-se do Michael Jordan. Ele normalmente tinha que se virar só com alguns segundos.

9. correria? correria!É comum a gente, numa rodinha de publicitários, ouvir o seguinte papo:

— Esse findi eu trabalhei pra caralho.

Ou:— Essa semana saí todos os dias às três da manhã.

Ou ainda:— Putz, faz quatro meses que eu trabalho sábado e domingo.

Cada vez mais, eu acho que esse discurso não é por causa da nossa rotina mega-atarefada. O que eu percebi, e essa é a tese que eu de-fendo, é que nós vemos a fodelança como status.

Isso aí. No nosso meio, se fuder é ser foda.

Você pode até nem concordar comigo. Mas sei lá. Parece que existe uma necessidade da gente mostrar para os outros que se está traba-lhando muito.

Não consigo identificar bem a razão.

Talvez, isso signifique que a gente está numa agência grande (afinal, a maioria das agências grandes são assim).

Ou um sinal de que temos muitas responsabilidades, que somos im-prescindíveis no processo.

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Ou que nós somos mega-exigentes e, dessa forma, nunca nos damos por satisfeitos saindo na hora (quem garante que o próximo Leão não vai pintar às 3h da madrugada?).

Repare que, nos corredores dos festivais de propaganda, o discurso clássico é:

— E aí, como tá lá?— Correria, e lá?— Correria, correria.

É ou não é?

Parece meio aquela piada da Sharon Stone na ilha deserta. Se você come uma gostosa, e não conta pra ninguém, não tem a menor graça.

Se você vira a noite trabalhando, e não conta para seus colegas, nin-guém vai saber que você foi um herói.

Não seria essa uma prova de que vemos a fodelança como status?

Eu, num encontro desses, há alguns anos, fiz questão de responder pra todo mundo “Pois é, minha vida está bem tranquila, tenho saído no horário”. (OK, não era verdade. Mas eu só queria ver a reação das pessoas.)

E não é que todo mundo me olhava meio estranho? Como se fosse proibido estar bem posicionado no mercado e sair às 19h.

Mais: se a questão é se exibir, não seria mais lógico o raciocínio inverso?

“Eu trabalho pouco, chego às 11h, saio pra almoçar, só volto às 15h, nunca fico até mais tarde, tô cagando para todo mundo, e ainda assim precisam de mim”.

Ninguém se vangloria de ter um carro caindo aos pedaços, ou de ga-nhar mal, ou de morar num JK alugado.

Ninguém, tirando o Jorge Kajuru, chega para uma mina dizendo “Eu sou ruim de cama, tenho pau pequeno e já fiz troca-troca”.

Ninguém se vende assim. Porque não existe status nisso.

Então, por que insistimos tanto nessa Síndrome de Sofrenildo?

Agora, não confunda isso tudo com falta de ralação.

Uma coisa é trabalhar para caralho. Ser um eterno insatisfeito. Ser exigen-te e não se contentar com o que já fizeram. Não aceitar bem a média.

Outra coisa é ter a necessidade de falar para todo mundo que você trabalha para caralho. É se afirmar em cima disso.

Uma coisa é a realidade do mercado. Que exige bastante e faz a gente virar a noite. Que joga para o acostamento que não agUenta o tranco.

Outra coisa é se exibir. Como se o fato de ficar até tarde fosse um troféu.

Sinceramente, espero que esse post sirva para recrutar pessoas que também pensam como eu. Não existe nenhum problema em trabalhar bastante, nem em ser exigente. O bizarro é ver alguma vantagem nisso.

É ou não é, Kajuru?

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10. quando a históriaé contada de tráspara frente.Esses dias encontrei uma revista Wired que me chamou a atenção. A capa tinha o logo da Apple e dizia “Reze”.

Aposto que a grande maioria das pessoas, hoje, lê o “Reze” como “Reze em nome da Apple, afinal de contas, ela é foda”.

Quando olhei com atenção, e vi a data, me impressionei. “Junho de 1997”. Sim, essa edição tem mais de dez anos. E, ao contrário do que possa parecer, o significado de “Pray” é justamente o contrário. “Reze pela Apple, pois ela está quase morrendo”.

A Wired previa um futuro extremamente nebuloso para a companhia. Justo quando Steve Jobs voltava à empresa como consultor e come-çava a tornar a Apple uma das empresas mais inovadoras do mundo. Talvez A mais inovadora do mundo.

Revista Wired, 1997. A reportagem tem como título “101 maneiras de salvar a Apple”. Curiosamente, o item 1 sugere: “Admita, Apple. Você está fora do ramo de hardwares”. Hoje nós sabemos que a Apple não só aumentou sua fatia no mercado de computa- dores, como criou uma nova plataforma de hardware: o Ipod.

Canso de ver jogos de futebol que, até os 25 do segundo tempo, es-tão indefinidos. Um time na pressão, outro na retranca. Aí, num contra-

ataque, sai o segundo. A equipe se joga para tentar empatar, mas abre espaços na defesa. Termina 4x0 e o comentarista larga: “foi uma partida de um time só, que mostrou superioridade, soube se defender e matar o jogo na hora certa”.

Quando a história é contada de trás para frente, é tudo muito fácil.

Cresci ouvindo meu pai dizer que as pessoas julgam o sucesso dos outros, mas nunca consideram os riscos envolvidos para alcançar esse sucesso. No caso do jogo de futebol: colocar o time inteiro na retranca pode ser um tiro no pé. Se tomar um gol, o técnico é burro. Se ganhar, é um herói.

Muita gente erra porque se arrisca. No ramo de computadores, no futebol e na propaganda. Quantas campanhas a gente vê no ar e diz

“caralho, onde é que eles estavam com a cabeça?”.

Se dissessem que “para anunciar o PSP, a Sony vai grafitar muros de Nova York com imagens de caras jogando”. Alguém em sã consciên-cia teria coragem de reprovar esse viral?

Você com certeza ainda enfrentará muitas situações assim. Agora, como criador das suas próprias ideias. E mais para frente, como ava-liador das ideias dos outros.

Eu aprendi a admirar quem, no mundo da propaganda, sabe correr ris-cos. Sejam os doentes ou sejam os comportados. Sim, porque quan-do se fala em riscos, muitos confundem com ousadia. Às vezes, ser conservador é o mais inusitado, justamente o que garante vida longa para determinada campanha.

Veja o exemplo de marcas que não alteram as suas embalagens há décadas. Aposto que algum chato passou anos e anos tentando con-vencer o Seu Maizena a trocar o rótulo para que o produto não pare-cesse velho.

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261as mortas da perestroika capítulo 10 – posts

Quando vir uma grande realização, valorize todos os capítulos da his-tória. E, principalmente, os personagens que a fizeram possível.

Porque o sucesso só é fácil quando a história é contada de trás para frente. 11. o atendimento.

Acho que existe um preconceito, até uma certa ingenuidade, quando se fala que o atendimento é burro.

Claro, eles não entendem a sutileza de determinadas ideias. Simples-mente porque não têm o cérebro treinado para isso. Assim como você provavelmente não entende um monte de coisa que eles fazem muito bem. E com uma mão nas costas.

Claro, eles não escrevem tão bem quanto um redator. E por isso apare-cem erros de português no PIT. Por outro lado, você provavelmente não tem o tato que os atendimentos precisam ter quando o cliente liga bu-fando porque acabou de ver que o seu anúncio saiu borrado no jornal.

Esse tato é talento. Um talento diferente do criador, mas igualmente importante para a agência.

Se você fez um anúncio do caralho e o atendimento não aprovou, não significa que ele tenha apresentado mal. Existem infinitos fatores para que o cliente renegue um trabalho. Quem já esteve na linha de frente sabe como é.

Já vi um diretor de arte reclamar que o atendimento tinha enviado sua campanha para o cliente por email. E eu perguntei: “Você foi até o atendimento defender a ideia? Ou mandou por email?”. Ele nem teve coragem de responder.

Você já se imaginou no papel do atendimento? Como reagiria se al-guém chegasse em cima do prazo e disesse “olha, vai demorar mais

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uma hora até terminar de layoutar”. Ou quando apresentassem um anúncio completamente fora do briefing quando não desse mais tem-po de refazer?

Está cheio de atendimento burro ganhando 3, 4, 5 vezes mais que o esperto da criação. Conheço muitos atendimentos que têm o cliente na mão. Que se saísse da agência, levaria a conta junto. E conheço pouquíssimos criadores com esse poder.

Até concordo que, na média, eles são menos capacitados que os cria-dores. Mas discordo da generalização. Até porque, se eu concordar, não aprovo mais nenhuma ideia.

12. eu adoroVolante bandido.Uma das coisas que eu mais gosto na Perestroika é, como diz o Felipe, quebrar a matrix da turma. Porque no primeiro dia, a gente olha lá de cima e fica imaginando quem vocês são. No primeiro con-tato, é impossível tirar qualquer conclusão sem cair em preconceitos e estereótipos.

Com o passar das semanas, cada um vai se revelando. E é aí que a coisa fica bacana. O Lucas deixa de ser o filho da Helena. O Panichi deixa de ser o pinta que imita o Silvio Santos. Cada um se transforma num cara diferente daquele neguinho do primeiro dia de aula. E inva-riavelmente essa nova pessoa é muito mais legal.

É nessa hora que a gente vê quem vocês realmente são.

O mercado publicitário nos induz a seguir um modelo que nem sem-pre combina com a gente. Temos que cortar o cabelo no Sexton. Te-mos que andar de All-Star. Temos que ter um Iphone. Ou não. Mas daí vão olhar você dos pés à cabeça com um ar de reprovação. Justo o mundo da publicidade, que se diz tão mente aberta.

Não há nada de errado em gostar de All-Star. O errado é ser engoli-do por esse universo. Não é fácil ser pagodeiro num meio onde todo mundo gosta de música eletrônica. Não é fácil ser mauricinho quando todo mundo é hype. E se você é pagodeiro ou mauricinho, tenho cer-teza que vai concordar comigo.

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265as mortas da perestroika capítulo 10 – posts

O mais importante é ser autêntico. Porque você só consegue dizer coisas verdadeiras – seja na propaganda, seja na vida – se você for verdadeiro. Quando a gente vive um personagem o tempo todo, e só deixa o papel quando deita na cama, alguma coisa está errada.

Se o seu negócio é pagodão, desses bem bagaceiros, não tenha medo de assumir. Até porque, uma hora ou outra, isso vai ser uma puta vantagem competitiva para você. Já pensou, quando tiver que criar um jingle chicletão para aquela rádio popular? Tenho certeza que vai tirar de letra.

Seja autêntico. Os caras mais fodas que eu conheço são assim. E só são fodas porque são assim.

Eu adoro volante bandido, jogar poker, Jack Black, cafuné, almoçar sozinho, feijão com farinha, camisa de botão, humor negro, filmes de máfia, dar aula na Perestroika, a sobremesa do Constantino, as pia-das do meu vô, Diogo Mainardi, conversar com estrangeiros, Buenos Aires, fazer churrasco ouvindo Sala de Domingo.

Eu odeio dirigir, tirar fotos, casamentos, fazer a barba, trabalhar no final de semana, livros com mais de 100 páginas, frutas, verduras, in-verno, morar longe dos meus pais, Cinema Novo, gente que dança no meio da rodinha, Faustão e luau com violão.

E tudo isso, certo ou errado, eu tento colocar nos meus títulos e rotei-ros da maneira mais verdadeira possível. Porque essa conjunção de fatores, essa visão de mundo, é um privilégio só meu.

Se eu conseguir transformar isso numa coisa interessante, será im-possível copiar.

Nesse sentido, um aluno conquistou meu respeito e admiração. Um cara que é bem resolvido, que não se intimidou nem pelos alunos, nem pelos professores. Que lida com as brincadeiras com bom humor,

sem nunca esquentar a cabeça. E que, mesmo com todas as provoca-ções, nunca foi capaz de nos xingar com um único palavrão.

*Esse post faz referência a um aluno chamado Tronquini, que não falava palavrão até entrar na Perestroika. Lembro com carinho desse cara.

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267as mortas da perestroika capítulo 10 – posts

13.Vai lá e faz. mas Vai láe acaba.Muita gente conhece o lema “Vai lá e faz”. Mas muita gente o interpre-ta de forma errada.

Vai lá e faz é mais do que começar. Vai lá e faz é ir do início ao fim do processo. É tirar o projeto do papel e colocá-lo de pé. Porque come-çar a primeira página de um livro é moleza. Porque montar o business plan de um novo site de compra coletiva é teta. Porque ligar para a menina e convidá-la pra sair não é o mais foda.

Difícil é ver o livro publicado, a empresa inaugurada ou o beijo consumado.

Portanto, toda vez que você pensar em “vai lá e faz”, não esqueça que, tão importante quanto começar, é terminar. Projetos pela metade têm muito, muito pouco valor. Muitas vezes, não têm nenhum valor.

No meio corporativo, chamam isso de acabativa. Mas eu, sinceramen-te, não gosto desse termo. Prefiro a simplicidade do “vai lá e acaba”, que é um tapa na cara das pessoas que são ótimas em desistir.

Nessas horas, faz todo o sentido se utilizar da lógica beta. Pense no jeito mais simples de levantar o seu projeto. E aí, com ele funcionando, comece a mudar. Aplique as melhorias. Ajuste o que puder ser evolu-ído. Troque a cor, mude o preço, reforce a equipe.

Se a Perestroika decidisse ser uma escola de atividades criativas na

sua primeira edição, a gente nunca teria conseguido tornar o negócio rentável. Foi justamente essa lógica orgânica, de um passo de cada vez, que nos deu um crescimento ágil, porém sustentável.Se você fica olhando lá para frente, você nunca acaba. E só quando você acaba é que as coisas começam.

Vai lá e faz. Mas vai lá e acaba o que você fizer.

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269as mortas da perestroika capítulo 10 – posts

14. saiba o que Você sabe.e o que Você não sabe.Quem acompanha o blog sabe. Gosto muito de futebol. Acompanho meu time, mas também acompanho o esporte como um todo. Gosto de fazer aqueles desenhos táticos. Gosto de entender o que está pas-sando pela cabeça do técnico. Gosto das movimentações silenciosas, que não são valorizadas pela maioria dos torcedores.

Mas também adoro o lado business. A estratégia macro de um clu-be. Do que ele pensa para a instituição, e não apenas para o plantel de jogadores.

Hoje, li que o Inter estuda fazer uma pré-temporada na Argentina, com a intenção de difundir sua marca no exterior. E aí, quando você ouve isso, fica mais fácil entender por que Guiñazu, Bolatti e D’alessandro são figuras importantes no grupo colorado. Aí, fica mais fácil perceber o motivo da contratação de Pato Abbondanzieri, mesmo em fim de carreira. Aí, fica mais fácil sacar por que Jorge Fossati e Paulo Roberto Falcão foram apostas da diretoria.

Se você olhar o microcosmo, olhar o jogo que vem pela frente, talvez ache que o Guiñazu ser convocado para a Seleção Argentina é um péssimo negócio. Mas quando você entende o contexto geral, fica claro que – para a instituição – é um circunstância favorável.

As decisões num clube de futebol não são feitas, exclusivamente, pensando no rendimento dentro das quatro linhas. Existe uma série de coisas para se levar em conta. O reserva descontente que co-meça a minar o vestiário. O goleiro que brigou com a mulher e que

talvez não esteja seguro para a próxima partida. O dirigente que quer se reeleger na eleição do ano que vem. O conselheiro que está em dívida com um jornalista e que tem uma informação privilegiada. A valorização de um atleta que está com o contrato encerrando. E assim por diante.

Se você olha o micro, você pensa “puxa, por que ele não escala os melhores!”. Mas se você entende o macro, você entende que ele, provavelmente, ESCALOU OS MELHORES. A diferença é que você não tem informação suficiente para fazer esse julgamento.

Isso, que é fácil de perceber em futebol, acontece em todos os orga-nismos sociais. E a gente, do alto da nossa sabedoria, faz um julga-mento leviano, raso, com a pretensão de que sabe tudo o que está se passando. E diz, como senhor da verdade: “que cara idiota!”.

Criticamos o trabalho do colega, sem sabermos que ele passou a noi-te em claro cuidando do filho que estava com febre.

Criticamos a empresa concorrente, sem sabermos que eles estão a ponto de fechar com um cliente gigante, e não puderam dar muita bola para o produto recém lançado.

Criticamos o amigo que não sai de casa nunca, que é um velho, sem sabermos que, no fundo, ele está em depressão profunda.

Criticamos um tweet sem sabermos que, na verdade, o cara está man-dando uma mensagem velada para uma gatinha que está saindo.

Criticamos a política, a economia, o trânsito. Xingamos muito no Twit-ter. Avaliamos tudo por um prisma incompleto e batemos o martelo numa sentença de certeza.

Eu faço isso. Você faz isso. Todo mundo faz isso.

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271as mortas da perestroika capítulo 10 – posts

Claro: o mundo seria muito chato se não houvesse essas opiniões. Tal-vez a graça das discussões de bar, dos papos informais, das conjectu-ras paranóicas esteja justamente aí. No caráter experimental, na dúvi-da, na incerteza, na convicção de um quebra-cabeças cheio de furos.

Por favor, não é isso que estou dizendo.

Só acho perigoso o cara que não apenas ignora várias variáveis da equação, mas nem considera que elas possam existir. E aí, além de errado, muitas vezes passa por ingênuo.Como empresário, vivi ex-periências boas e ruins nesses dois sentidos. Já me senti dono da verdade e me quebrei bonito (e ainda vou me quebrar muitas vezes), por achar que estava a par de tudo. Assim como já vivi situações em que, por ter informações privilegiadas, vi como eram ingênuas certas colocações.

Na obra-prima de Francis Ford Coppola, O Poderoso Chefão, que revi esses dias, existe um diálogo que resume tudo isso que falei. Michael Corleone, filho de Dom Corleone e futuro herdeiro do império da máfia, conversa com sua futura esposa, Kate.

— Meu pai não é diferente de nenhum outro homem poderoso, como um presidente ou um senador.

— Você percebe como é ingênuo? Presidentes e senadores não mandam matar pessoas.

— Quem está sendo ingênuo, Kay?

Moral da história? Não basta só saber o que você sabe. Você tem que ter uma noção do quanto você não sabe. Só assim você vai estar preparado para uma rasteira que pode vir ali na frente. E evita uma exposição desnecessária.

Evita que aquele comentário que você faz, convicto, gere uma troca de olhares constrangidos entre todos os outros presentes na reunião. Que pensam silenciosamente:

Se ele soubesse…

É difícil, muito difícil, especialmente para pessoas que ainda estão amadurecendo na profissão (meu caso como empresário). Mas é im-portante. Especialmente quando o técnico escala um terceiro volante e seu colega ao lado resmunga.

E isso é tudo o que sei. Ou que não sei.

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273as mortas da perestroika capítulo 10 – posts

15. as três principais coisas que aprendi com empreendedores.Esse período no Rio está fantástico. A quantidade de reuniões que a gente tem feito com pessoas influentes é absurda. A recepção, em todos os locais, sem exceção, foi ótima. E o aprendizado, às vezes deliberado, às vezes por observação, às vezes por osmose, tem sido pra vida.

Na volta da Farm, onde trocamos uma ideia com o Marcelo Bastos, twittei uma conclusão que tirei desse intensivão. E agora que o dia acal-mou um pouco, resolvi descrever melhor a minha linha de raciocínio.

Portanto, as três principais coisas que aprendi com empreendedores até agora são:

1. Conheça e se ConeCte Com gente Foda.

A maioria dos negócios que fiz nasceu depois de ter encontrado gente relevante. Essas pessoas sugeriram ideias, me indicaram ou-tras pessoas, convidaram para oportunidades que nunca rolariam se eu não estivesse lá, naquele lugar, naquela hora. Outra: gente foda atrai gente foda.

Um dos meus lemas é sempre tentar ser o cara mais burro da reunião. Sinal de que eu talvez não tivesse que estar lá. E se estou, é porque tive méritos em me conectar com gente do caralho.

Quando falo com esses fodalhões, é sempre assim. Eles vão se jun-tando com gente legal, que traz mais gente legal e, quando vê, é um batalhão de mentes diferenciadas.

Não tem como sair algo ruim.

2. Faça mais e planeje menos.

Não estou dizendo para não haver planejamento. Só estou dizendo que SÓ o planejamento não leva a lugar nenhum. A ação, mesmo que mal planejada, leva. Porque, muitas vezes, sem planejamento, e só com intuição, é possível fazer muita coisa legal.

Moral da história: todos os caras incríveis que conheci na vida tinham isso no sangue.

Eles planejavam, mas antes do planejamento estar 100% pronto, já saíam tocando a ideia de alguma forma.

Não dá para explicar exatamente. Não é um sistema, não é uma ferra-menta. É um modelo mental que confirma aquela máxima. Papel não para em pé.

3. quando Chegar lá, não vire um esCroto.

É óbvio que, quanto mais o cara cresce na vida profissional, mais complicada fica a agenda. Chega uma hora que, por mais legal que o neguinho seja, ele não vai conseguir dar atenção para todo mundo. E alguns emails vão ficar sem resposta. Alguns telefonemas vão cair na caixa. E alguns comentários como É, agora está se achando vão surgir naturalmente.

Mas os neguinhos foda, mesmo com sucesso, não fazem isso por cu doce. Fazem porque fica inviável. No final das contas, eles continuam caras legais, mas ocupados.

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275as mortas da perestroika capítulo 10 – posts

Óbvio que existem os megaempresários do mal. E não são poucos. Mas esses caras são desmascarados rapidinho e são referência nega-tiva nos seus mercados. Não são bem falados, não são inspiração. E eu não conheço nenhum líder que não inspire.

Se um dia eu ficar rico e milionário, vou tentar manter o mesmo relacio-namento com as pessoas que tenho hoje. Não sou o cara mais caris-mático do mundo, fato. Mas estou longe de ser um bandido. E, se você quer saber, tem até umas pessoas que me acham legal. Vai entender.

Importante: essas não são As três regras para o empreendedor de sucesso. São leituras que fiz, empiricamente, como muitos desses empresários fazem. Concorde, discorde, opine. Mas, por favor, não deturpe o que escrevi.

16. deixe sua criançaliVre liVre.Há um tempo, participei de uma imersão de 36 horas bastante inusita-da. Vivi alguns momentos tensos, outros de tédio, outros bastante dis-cutíveis (que beiraram a irresponsabilidade). Mas alguns valeram bas-tante a pena, e me trouxeram lições que não vou esquecer tão cedo.

Uma das coisas mais legais que tirei de lá foi o conceito da Análise Funcional da Personalidade. Não sei se entendi completamente os fundamentos psicológicos apresentados (não sou um mega especia-lista do assunto, e nem pretendo ser). Mas, sinceramente, saber tintim por tintim nem era o mais importante. O legal foi o aprendizado que tirei de tudo isso.

De forma bem resumida, o que entendi: nós somos resultado de várias pessoas que dialogam dentro do nosso eu. Sendo bem reducionista, podemos listar seis figuras, que estão constantemente determinando a nossa maneira de pensar e agir.

Pai crítico: nosso lado crítico, controlador, autoritário.Pai protetor: nosso lado caridoso, bondoso, que ajuda e é amoroso.Adulto: nossa faceta responsável, que avalia a situação com bom senso, que pondera.Criança rebelde: é o nosso lado do contra, subversivo e contestador.Criança submissa: responsável por aquele nossa parte mais co-varde, com um certo medo exagerado.Criança livre: é nossa parte mais espontânea, criativa, intuitiva, sem muitos filtros.

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277as mortas da perestroika capítulo 10 – posts

Quando olho esse diagrama, consigo entender perfeitamente porque alguns de nós são mais criativos que outros. Nós, adultos, com nos-sas regras, leis, preconceitos e verdades absolutas, matamos a crian-ça que existiu um dia.

Essa criança desenhava um círculo azul e dizia que era um sol. Por quê? Ora, por que a representação gráfica de um sol tem que ser NE-CESSARIAMENTE amarela? Quem determinou isso?

Um adulto, provavelmente.

Essa criança pintava e se sujava sem medo. Faz parte do processo, não faz? Existe artista mais visceral que uma mente infantil com um pincel?

Essa criança escrevia mesmo sem estar alfabetizada. Criava sua pró-pria linguagem, seus algarismos, seus caracteres e sua lógica de lei-tura. Por que tem que ser da esquerda para a direita e de cima para baixo? Quem inventou isso?

Um adulto, provavelmente.

Essa criança compunha músicas que não tinham corpo/refrão/cor-po/ponte/refrão/solo/ponte/refrão. Porque esse jeito comercial é completamente contrário ao caos musical de um menino de cinco anos, que sai do ritmo, que esquece a letra e ainda assim se diverte pra caramba.

Essa criança questionava tudo. Por quê? Por quê? Por quê? Depois de velhos, nós ficamos previsíveis, preguiçosos e chatos. Não ques-tionamos quase nada. Se essa é a regra, que se siga a regra. Se esse é o padrão, que se siga o padrão. E se a criança sai do padrão, a gente vai lá e dá um cascudo.

Coisa de adulto, né?

Eu aprendi, ao longo dessas 36 horas, que deixar a Criança Livre LI-VRE é a melhor maneira de ser criativo.

Por isso, é uma bobagem aqueles que dizem: sou experiente, tenho muitas referências, já vi de tudo nesse mercado. Quem diz isso só está reforçando o seu lado adulto, e cada vez mais distante da verda-deira criatividade das mentes infantis.

Lembro de ver de perto as obras de Miró e ouvir de uma senhora críti-ca ao meu lado: Isso parece coisa de criança. Pois é, minha senhora: talvez esteja justamente aí a sua genialidade.

Este texto está aberto a críticas, a discordâncias, a contraposições. Mas antes de deixar sua mensagem, deixe a sua Criança Livre um pouco mais livre, beleza?

Um beijo babado, com sabor de nuvem.

Titi Loquinho (meu apelido da 4a. série).

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279as mortas da perestroika capítulo 10 – posts

17. ganha-ganha.Nas minhas vidas passadas, eu devo ter sido um árabe, daqueles que vendem bugigangas no meio de algum feirão de Constantinopla.

Eu adoro vender. E com certeza esse foi um fator que contribuiu muito para que eu tenha caído na publicidade. (Aos que ainda não se deram conta: publicidade é só, e simplesmente só, vender.)

Lembro que quando tinha 15 anos, pedi autorização para o meu pai para trabalhar no McDonald’s. Ele não entendeu muito bem meu pedi-do. Mas eu queria trabalhar no balcão, conhecendo pessoas. E conven-cendo pessoas a levar por apenas mais R$ 2,00 uma tortinha de maçã.

Mas não convencer na maldade. Não convencer para forçar um con-sumismo injustificado. Eu queria tentar, de alguma forma, ajudar na escolha da pessoa. Queria que ela fizesse uma compra melhor a partir da minha indicação.

Meus amigos de Farroupilha achavam muito imbecil tudo isso. Pensa-vam que eu só poderia estar louco. Qual é a graça de ser um vendedor, Tiago? De tanto ouvir aqui e ali, desisti do meu plano e nunca entrei para a trupe do Ronald e cia.

Mas essa filosofia, de ser um intermediário da boa compra, ficou.

Eu acho que o bom vendedor não é aquele que engana o consumidor. Não é o picareta. Não é o que força a barra. Não é o que joga sujo para ganhar uma comissão no final do mês.

É quem interpreta o problema e encontra uma boa solução. É aquele

que convence a pessoa a comprar algo que seja realmente útil. É o cara que consegue abrir os olhos do consumidor para funcionalidades que ele nem sabia que existiam. É quem acredita que, no final, a com-pra pode ser boa para todas as partes.

É o cara que diz: Realmente, Dona Maria, a senhora não precisa de uma cama King Size. Mas quem sabe nós vemos um colchão novo, para diminuir essa sua dor na coluna?

Talvez, a profissão de vendedor seja a que melhor represente a filoso-fia Ganha-ganha. Porque, para mim, o bom vendedor é justamente o cara que acredita no ganha-ganha. Que acredita que ninguém precisa perder para que todos saiam ganhando.

Por sinal, eu acho que todas as relações entre as pessoas deveriam respeitar esse princípio. Todas as relações deveriam ser (ou tentar ser) ganha-ganha.

Porque quando a gente acha que, para se dar bem em alguma coisa, tem que enrolar o outro: cuidado. Tem coisa errada aí.

Sempre que eu participo de um “momento ganha-ganha”, parece que eu estou contribuindo para o equilíbrio do universo. Para a Corrente do Bem. Para (OK, já que estamos em período de Ano Novo) um mun-do mais bonzinho.

Quando isso acontece, eu não me sinto culpado, já que não estou prejudicando ninguém. E também não me sinto mal, porque não deixei que ninguém me sacaneasse. É só o justo, ora.

Mas é complicado. Porque nós fomos educados para levar máxima vantagem em tudo. Quando talvez o raciocínio correto seja simples-mente tentar tirar algo bom para todo mundo em todas as situações.

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281as mortas da perestroika capítulo 10 – posts

Naquela cena famosa do Mente Brilhante, o Nash diz: Se todos che-garem na loira, todo mundo sai perdendo. Se todos chegarmos nas amigas, todo mundo se dá bem. Perfeito. Mas será que não existe um jeito de não deixar a loira chupando dedo? Aí sim, todo mundo saiu ganhando. (Inclusive a loira, porque ela vai terminar se dando bem de alguma forma.)

É curioso, mas as relações ficam mais autênticas, genuínas e huma-nas. Tanto você com seus amigos. Você com sua família. Você na sua empresa. Você com a sua namorada. Você com você mesmo.

Ou simplesmente você com o vendedor da Magazine Luiza.

18. querem saber quanto eu ganho? então Vou dizer.Uma das perguntas mais recorrentes dos alunos é sobre o nosso sa-lário. E eu não vejo isso pelo lado bisbilhoteiro. Acho que, de certa forma, eles nos vêem como ponto de referência. Então, quando per-guntam quanto ganhamos, acredito que seja mais pra saber quais são as perspectivas salariais no futuro.

Só que tanta gente tem essa dúvida que eu resolvi abrir o jogo. Lendo esse post, vocês vão saber quanto eu ganho. Juro.

A primeira coisa importante é perceber que grana é só uma parte da nossa remuneração. Além dos benefícios tradicionais, como ticket, vale e plano de saúde, tem muito mais coisa envolvida.

Por exemplo: você tem duas propostas idênticas. Mas numa, você vai trabalhar com um chefe legal pra caralho. Na outra, com um pau no cu. Imagino que, em condições normais de temperatura e pressão, todos fechariam na primeira. Por quê? Ora, porque as CONDIÇÕES DE TRA-BALHO (no caso, o chefe) também contam como salário.

Assim como as condições de trabalho, existem outras coisas que de-vem ser vistas como remuneração, e às vezes a gente nem se dá conta. (Não listei todos os itens que compõem um “salário”. Só peguei alguns representativos para ilustrar o raciocínio.)

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283as mortas da perestroika capítulo 10 – posts

Início de carreiraSalário: ruimTrabalhos: ruinsAprendizado: altoNetworking: alto

O neguinho no início da carreira ganha pouca grana, sim. Mas por ou-tro lado, ganha muito conhecimento. Porque o dia-a-dia o faz apren-der com os profissionais mais experientes. E isso é uma forma de salário. Lembre-se: se você paga para aprender sobre propaganda numa universidade, é sinal de que esse conhecimento tem um valor. E numa agência, teoricamente você está recebendo de graça.

Dependendo do ponto de vista, o salário de um iniciante na propagan-da pode ser considerado uma puta grana. Vejam só.

Muita gente não se dá conta, mas a rede de contatos que você faz quando entra numa empresa é valiosíssima. Se contato não valesse dinheiro, não existiriam palavras como “lobbystas” ou “tráfico de influ-ências”. Ninguém compraria mailings. E por aí vai.

Com o passar do tempo, você cresce na profissão. Agora, em vez de trabalhar num computador podre, você já tem uma máquina bacana. Agora, você não faz só rodapés: já pega campanhas com rádio e TV. E além disso, você está com carteira assinada, ganhando o dobro do trampo anterior. Ou seja, você está ganhando mais. Certo?

Depende.

A agência que está pagando mais dinheiro para você só está fazendo isso porque, hoje, você tem uma certa experiência. Tem mais critério. Tem mais conhecimento técnico. E, logicamente, isso faz com que você resolva melhor e mais rapidamente os trabalhos.

Mas vejam o outro lado. Como você sabe mais hoje do que sabia ontem, as novidades diminuem. O aprendizado continua, lógico. Mas fica mais lento. Antes, você mal sabia alinhar as coisas. Agora você já entende de combinação de cor, diagramação, escolha de fontes. Os conceitos básicos, que foram úteis para você antes, agora não são mais. Se não são, sinal de que esse conteúdo você já domina. E se você já domina, não vai pagar por ele.

Esse tipo de situação acontece na fase intermediária da carreira. A gente passa a ganhar mais de um lado, mas deixa de ganhar do outro. Veja só.

Início de carreiraSalário: médioTrabalhos: médioAprendizado: médioNetworking: médio

Até que um dia você fica grandão, vai para uma puta agência, ganhan-do uma puta grana, com contas animais. E agora, você está ganhando mais do que antes?

Pode ser que sim, pode ser que não. Tudo depende de como você percebe o valor dessas coisas intangíveis.

Maturidade da carreiraSalário: altoTrabalhos: altoAprendizado: baixoNetworking: baixo

Por esse raciocínio, a grande maioria das pessoas ganha mais ou me-nos a mesma coisa. De formas totalmente diferentes, mas com valo-res semelhantes.

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285as mortas da perestroika capítulo 10 – posts

Evidente que existem injustiças por aí. Tem cara Tabajara ganhando mais do que deveria, tem neguinho competente ganhando menos do que merece. O mundo não é perfeito.

Portanto, quer saber quanto eu ganho? O mesmo que você.

Fiquei sabendo que um estagiário da turma um, depois de ouvir essa minha teoria, fez uma sensacional. Percebeu que o salário dele era uma bosta. Que a agência em que trabalhava só tinha contas fodidas. Mas que ao seu lado, sentava uma estagiária muito gostosa.

Ele virou para o lado e falou.

“Olha, não me tire pra machista, não me leve a mal. Mas a gente vai ter que negociar umas coisinhas. Você faz parte do meu salário.”

19. o especialista emmÍdias digitais.Hoje em dia, qualquer pessoa que possui mais de 1.000 followers no Twitter, mantenha um blog por mais de um ano e já tenha trabalhado para alguma marca pode se auto-proclamar um “especialista em mí-dias digitais”.

Eles estão aí, aos cântaros, pipocando e vendendo um peixe que nem sempre é tão profissional assim.

Claro: existem várias pessoas que dominam esse conteúdo, e podem cobrar – e cobrar caro – pelo conhecimento que detêm.

Ao mesmo tempo, vário novatos estão se aventurando num ter-reno complexo. E muitas vezes, com o consentimento da própria empresa, que contratam um estagiário e o deixam coordenando Twitter, Facebook e Blog. Já que “ele é da Geração Y e sabe mexer nessas coisinhas”.

Complicado, não?

Sou um liberal por natureza. Acredito no livre mercado. Nada de pro-tecionismo. Quem sabe fazer, que faça.

Agora, é notório que muitas marcas estão gerindo mal suas platafor-mas. E acho que este é um dos furos.

Na minha opinião (e aí, você pode discordar ou concordar, o mundo é

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287as mortas da perestroika capítulo 10 – posts

livre), um especialista em mídias digitais têm que reunir uma série de qualidades. Que não são da noite para o dia que você adquire.

Vou listar apenas algumas das skills que julgo necessárias. De novo: você pode concordar ou não, e não tem problema nenhum nisso. Essa ainda é uma profissão em formação. Existem muito mais dúvidas do que certezas.

Também não acho que um EMD (Especialista em Mídias Digitais) pre-cise de TODAS essas características. Se a Internet é um sistema dinâ-mico, seria anacrônico enxergar por uma ótica cartesiana.

1. entender a história da internet: o passado, o presente e o Futuro.

Os protocolos de convivência da internet, também chamados de “O comportamento do usuário nas mídias sociais”, têm origem direta na forma como a rede foi construída. Os fatores tecnológicos são a base dos fatores humanos.

2. entender o protoColo Criado pela revolução digital do ponto de vista téCniCo e soCiológiCo.

Acredito que muitos EMDs dominam a parte ferramental, das novas tecnologias que surgem. Mas nem sempre essas pessoas conseguem mergulhar no que mais importa, que é: o impacto sociológico que a Revolução trouxe.

3. ir muito além do “CrowdsourCing”e “poder das massas”.

Toda hora surge um termo novo. Snack Culture, Storytelling, Engage-ment e por aí vai. Muitos desses temas são sobreposições. Temos que tomar cuidado para não usarmos palavras novas para dizer exatamen-te as mesmas coisas que estavam sendo ditas anteriormente.

4. aCompanhar as mudanças.

Tudo acontece muito rápido. A cada dia, surge uma nova rede social. Qual vai pegar? Qual é fogo de palha? O que é o Promoted to Twitter? Você é beta tester do Google+? Por que o Facebook tem tanto rolo com privacidade? Esses questionamentos fazem parte, ou deveriam fazer parte, do dia-a-dia de um EMD.

5. estudar

Muito do que se aprende sobre mídias sociais se aprende na marra, fazendo, executando. Mas há uma vasta bibliografia que ajuda, e aju-da muito, a entender esse novo universo.

6. não ter medo de errar.

A internet é beta. Então, saber criar riscos calculados é um dos talen-tos que eu julgo mais importante num EMD.

7. ter CapaCidade de gerar teorias próprias.

Este e o próximo item são parecidos, mas não iguais. Então: ser um simples consumidor do que os outros EMDs dizem é meio que ser um papagaio dos formadores de opinião. O legal é ter poder de análise, conseguir conectar pontos que nem todos estão vendo e formular, a partir daí, uma visão particular. Isso é o que dá valor ao seu trabalho.

8. ter CapaCidade de desenhar Cenários Futuros.

O grande valor de um profissional é ter a capacidade de antecipação. Então, acredito que um EMD que não consegue prever cenários, mui-tas vezes, trabalha apagando incêndios, em vez de evitá-los.

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9. dominar as Ferramentas mainstream.

Existe uma certa ditadura do hype entre os EMD. Um papinho meio chato de que o Facebook está Orkutizando. Pois é: no Brasil, o cara que não usa Orkut está virando as costas para a rede mais popular no país. Tem que saber o que é cool? Claro. Mas não pode largar o osso do mainstream.

10. entender de ComuniCação.

Hoje, todos nós sabemos que a internet não é uma mídia. É muito mais. Mas, inicialmente, ela foi entendida assim. O fato é que a inter-net TAMBÉM é uma mídia. Por isso, entender de comunicação (não confunda entender de comunicação com ter um diploma em comuni-cação) é fundamental. Sem falar no óbvio: alguém que vai gerenciar os canais com o consumidor, vai FALAR com os consumidores em nome da marca. Tem que ter a manha, né?

11. ter história.

As novas gerações, que nascem praticamente dentro de um com-putador, têm muito a nos ensinar. Esse é um exercício de humilda-de que eu faço diariamente. Mas nós não podemos ser ingênuos e achar que os nativos digitais sabem tudo. Até porque, boa parte do dia-a-dia de um profissional de dessa área é comum a qualquer outra profissão. Por isso, acredito que um EMD não nasce do nada. Ele precisa ter lastro.

12. ter Carisma digital.

Acredito que um EMD não é, necessariamente, um Geek. Mas o cara tem que ter, no mínimo, carisma digital. Ele tem que absorver tudo isso de forma natural, não com sofrimento.

13. ter reFerênCias.

Explicar através de exemplos é sempre uma ótima forma de fortalecer o nosso ponto de vista. Um EMD deve ter repertório, já que essa é uma área nova e, muitas vezes, o exemplo ao lado é o melhor apren-dizado que podemos ter.

14. ter Criado material autoral Com relevânCia na weB.

Os fenômenos de cultura popular estão nascendo, cada vez mais, da Internet. Quem já fez algum webhit parece ter mais autoridade para discutir, em alto nível, o que faz sentido no consumo de conteúdo. Sem falar que esses caras, em geral, já controlam uma audiência pró-pria. E esse trabalho de gerenciamento talvez seja a skill mais impor-tante que se possa exigir.

15. ter respeito de memBros da rede.

Muito ouvir falar do termo panelosfera – que talvez já esteja até bem datado. Existe sim um grupinho que se auto-referencia na internet e que se protege. Mas esses caras sabem reconhecer novos talen-tos, têm olho clínico para ver quando alguém vai explodir e, como passam muito tempo conectados, são impactados por quem estiver fazendo um trabalho relevante. Se eles já ouviram falar de você, óti-mo. Bom sinal.

16. ter perFis nas redes soCiais Com métriCas relevânCia nas Ferramentas de análise.

São trihões de ferramentas usadas para medir a sua importância na Internet. Mas eu gosto muito da Família Grader (BlogGrader, Fa-cebookGrader, TwitterGrader e WebsiteGrader), que chegaram até mim pelo Dan Zarella, um dos maiores estudiosos de mídias sociais no mundo.

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17. ter reFerênCias multidisCiplinares que Façam voCê olhar muito além da internet.

Um cara que só vive a internet tem uma capacidade muito limitade de análise. Os grandes pensadores, em geral, são pessoas que vivem experiências multidisciplinares e têm conhecimento em mais de uma área. É o cruzamento desses conteúdos aparentemente desconexos que torna o contexto mais rico.

18. saBer disCutir qualquer um desses itensCom uma autoridade.

Bancar o espertão com um leigo, beleza. Agora, difícil é sentar numa mesa de debatedores e não arrepiar em meio a outros especialistas.

19. saBer eXpliCar qualquer um desses itens para uma pessoa que nunCa ligou um Computador.

Eu acredito que um picareta é aquele cara que fala, fala, fala, fala e nin-guém entende nada. Ele não tenta facilitar, digerir, mastigar o conteúdo. Ele tenta tornar o mais complexo possível para sair por cima e parecer superinteligente. Se você vir um desses caras, cuidado. Ele pode estar aplicando pra cima da sua marca.

20. saBer mudar de opinião.

Só uma pessoa que nasceu sabendo tudo não muda de opinião. E como eu acredito que nenhum EMD nasce com esse predicado, o cara tem que saber rever os seus pontos de vista. Não pode se ter uma visão dogmática. Veja o caso do Refresh, que fez a Pepsi despencar para o terceiro lugar do mercado. Será que isso não é um indicativo?

21. gostar de Co-autoria

Esse negócio de ficar colocando a culpa no cliente (“eu proponho

ideias, mas os caras nunca aprovam”) é um raciocínio muito infantil. Se você tem boas ideias, ótimo. Mas saber aprová-las com consistên-cia é parte do seu trabalho. É sempre mais legal ser co-autor de algo brilhante que autor solitário de algo comum.

Buenas, espero não gerar muita polêmica com este post. A ideia é abrir a discussão e ver se mais gente pensa como eu. Como falei: não é uma ciência exata. É um mercado que está nascendo, que ainda gera muitas incertezas e, por isso, não podemos ser obtusos em nada.

Agora, isso não significa que temos que entregar a gerência das nos-sas plataformas digitais para o primeiro cara que aparecer.

Obs: O termo “mídias digitais”, em vez de “mídias sociais”, foi colo-cado deliberadamente. Um compreende o outro. O outro não compre-ende o um.

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20. as empresas deVeriam ser mais ronald rios.Esses dias, a Perestroika twitou uma frase tipo: “Eu nunca pegaria a Carrie Bradshaw”. Aí, uma seguidora nossa, perguntou que “a Pe-restroika não poderia dizer isso, porque era Pessoa Jurídica, e não Pessoa Física”.

Pois eu repliquei dizendo que era exatamente esse o nosso jeito de se comunicar por lá. Nós temos dupla personalidade (às vezes é o Felipe, às vezes sou eu) e não pedimos autorização um para o outro. Sim-plesmente escrevemos o que julgamos ser legal. Às vezes, falamos como Pessoa Jurídica. Mas muitas vezes – provavelmente a maioria das vezes –, como Pessoas Físicas.

E quer saber? Acho legal pra caralho que a gente tenha essa postura. Porque gente fala como gente, não fala como empresa. Gente prefere pizza de calabresa do que muzarella. Gente odeia passear no parque. Gente nunca pegaria a Carrie Bradshaw. E gente, muitas vezes, diz que nunca pegaria a Carrie Bradshaw só para implicar com os outros. Ou por ironia. Ou como piada interna.

Gente fala como gente, e isso se torna muito mais interessante do que os discursos manjados das empresas falam. Que sempre “estão pensando no futuro do planeta, com ações de sustentabilidade e pre-sercação da natureza”. Já pensou, como seria um um papo de bar entre várias empresas? Um saco, só com aqueles discursos oficilistas e politicamente corretos.

Eu acredito que já foi o tempo em que as marcas tinham que se chapa branca. Ou que tinham que se alinhar apenas com causas neutras. Ou ter posições necessariamente boazinhas.

Eu acho que, daqui pra frente, vão se destacar as marcas que não tiverem problemas em posicionar. As marcas que tiverem um discurso de gente, mas gente de verdade. Porque gente de verdade fala mal de pagode pra defender o heavy metal.

Na minha opinião, as empresas deveriam ser mais Ronald Rios. Vão saber dizer mais “eu gosto disso, eu não gosto disso”. (Atenção: se você não gosta de palavrões, opiniões agressivas e ironia das fortes, melhor não procurá-lo no Youtube – se é que você não o conhece.)

Claro que não estou dizendo que as empresas, a partir de agora, de-vem sair xingando todo mundo e emitindo opiniões racistas, fascistas e Southpárkicas.

Mas chega daquele discursinho morno e bege. Fico pensando se a OI exigisse que a OI FM “contemplasse na sua programação todos os gêneros musicais com o mesmo número de horas, faixas e com a mesma participação no horário nobre”. Já pensou? Terminaria The Killers e começaria Molejo.

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o autor.

Tiago Mattos é publicitário formado pela PUC/RS. Estudou como bol-sista da Miami Ad School – na época, considerada por muitos a me-lhor portfolio school do mundo. Em 2012, ganhou novamente uma bolsa e se formou Futurista pela Singularity University, parceria entre Nasa e Google, no Vale do Silício.

Foi redator publicitário durante mais de uma década. Em 2005, ven-ceu a disputa Young Creative (seleção dos melhores portfolios até 28 anos) e fez parte da delegação que representava o Brasil no Festival Mundial de Cannes. No ano seguinte, foi Redator do Ano, maior dis-tinção que poderia receber na sua função dentro do seu mercado. Um ano depois, começou a transição, e lançou a Perestroika. Em 2008, lançou a Balalaika, um dos primeiros grupos de Stand-Up Comedy do Brasil. Foi quando, finalmente, largou a publicidade e assumiu o posto de Diretor de Whatever, passando a atual full-time na empresa.

Foi o palestrante de abertura do TEDxPortoAlegre e debatedor do Fó-rum da Liberdade. Adora estudar e é palestrante de assuntos como Futurismo, Comportamento Pós-revolução Digital, Inovação Empre-endedora, Comunicação Contemporânea, Educação Disruptiva e Criatividade aplicada.

Hoje, é co-gestor das unidades Perestroika São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre. Também éb sócio do Iscola.cc, plataforma de crowd-learning.

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