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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO”
Instituto de Artes - São Paulo
Anuários acerca dos grupos paulistanos
Trabalhos apresentados
para a disciplina Teatro
Brasileiro IV, sob orientação
do Prof. Dr. Alexandre Mate.
Alice Fonseca Nunes
Ariane Cuminale
Bárbara Esmenia Pacheco da Silva
Danilo Lopes
Eraldo Eudes Maia
Felipe Fachim
Francisco Vinícius de Freitas Pereira
Helena Cardoso
João Paulo Rafaelli
Natália Guimarães
Priscila Ortelã André Novo
Roberto de Mello Júnior
Sarah Reimann Oliveira
2º semestre de 2012
SUMÁRIO
Alice e Roberto Mello p.3Ariane e Juliana p. 9
Bárbara e Helena p. 15Danilo e Felipe p. 21
Eraldo e Vinícius p. 27Jota e Priscila p .32
Sarah e Natália p. 38
1. À guisa de introdução
São vários os motivos que determinam a importância do fazer teatral em
grupo, destes destacamos o desenvolvimento técnico, a ampliação de
possibilidades estéticas e o desenho de posturas político-ideológicas contribuindo
para o posicionamento crítico e construção de princípios éticos fundados no
debate permanente com a sociedade.
É o compromisso do trabalho coletivo, a partir da elaboração colaborativa,
que garante o enriquecimento das habilidades dos integrantes de um grupo
artístico bem como o seu resultado final, traduzido em espetáculo ou outras ações
de intervenção artística, as várias experiências subjetivas voltadas para um único
propósito revelam uma estética elaborada, consequente e de forte capacidade de
prazerosa fruição para seu público e este como resposta ao contato sugerido pela
arte, na troca, potencializa os argumentos para o debate social e participam de
uma re-elaboração dos caminhos políticos da sociedade.
2. Motivadores da Escolha Com a determinação dos propósitos expostos (técnico, estético e ético)
escolhemos para este estudo os coletivos supra citados, com histórias
semelhantes na conquista de valores éticos no tocante a uma política e ideologia
de denuncia nas ações e firme compromisso com a luta por uma sociedade justa,
igualitária e em constante debate. A Loucas de Pedra Lilás atende ao propósito de
discussão contra a hegemonia machista/patriarcal que ainda impera na sociedade
em várias regiões do país manifesta por violência doméstica, diferenças salariais
etc., motivos concernentes às ações da Cia. Capulanas, com um viés de
discussão também concentrado nas ações de denúncia de posturas
preconceituosas quanto às diferenças étnicas e de classe. A escolha da Cia.
Estável sintoniza essas demandas e traduz suas ações em interferências artísticas
e aproximação de movimentos sociais.
Por todas essas questões, e tantas outras que não cabe aqui listar, optamos
por uma breve descrição das características desses 3 coletivos, que sabemos não
são os únicos, nem tão poucos, mas que podem apontar a importância dos
trabalhos coletivos, principalmente nos últimos 20 anos com as leis de incentivos
públicos e atuações mais assertivas de movimentos populares de confronto com o
modelo hegemônico de divisão de classes, valorização do valor (valor de troca ou
mercado) e o processo de forte individualização inerente à manutenção política
dessa sociedade.
3. Grupo ou Coletivo3.1 Capulanas Cia de Arte Negra
Capulanas é composta por jovens negras de movimentos artístico políticos de São
Paulo: Flávia Rosa, Priscila Preta, Carol Euaci Rocha, Débora Marçal e Adriana Paixão. O
primeiro espetáculo realizado pela companhia – Solano Trindade e Suas Negras Poesias
contou com um processo de criação coletiva fundamentado em uma concepção cênica
que tornasse híbrido teatro, dança e música dando vida as poesias e explorando as
próprias vivências cotidianas de cada componente. No ano de 2009 foi contemplada pelo
PROAC – Edital Inédito de Teatro da Secretaria de Estado da Cultura e pelo Edital de
Intercâmbio Cultural do MINC, onde o espetáculo ficou em cartaz em Salvador – BA no
Teatro Gamboa Nova. Em 2010 a companhia é contemplada na 16° Edição da Lei de Fomento ao Teatro
da Cidade de São Paulo, com o Projeto Pé no Quintal, que previa a apresentação em
espaços não convencionais. No Projeto Pé no Quintal foram realizadas 30 apresentações
em quintais das periferias de São Paulo e atividades de formação denominadas ONNIM –
“Quem não sabe pode saber aprendendo”, referência ao símbolo Adinkra (ideograma do
povo Akan) do conhecimento, da aprendizagem e da busca contínua do saber. Como
ação final do projeto, lançaram a publicação “[Em]Goma dos pés à Cabeça, os quintais
que sou”.
3.2 Loucas de Pedra Lilás
As “Loucas”, como são carinhosamente chamadas, se definem como uma
organização não governamental formada por mulheres e fundada em 1996, no
Recife, Pernambuco. O grupo, na verdade, foi criado como tal em 1989, a partir do
desejo de mulheres feministas de se expressarem, por meio do teatro e da
comicidade as opressões vividas pelas mulheres. As “Loucas” possuem um núcleo
central de participantes, formado por: Ana Bosch (artista gráfica), Gigi Blander
(educadora), Cristina Nascimento (arte-educadora) e Cristina Maia (técnica de
departamento pessoal), com idade que varia entre vinte e cinquenta anos.
Neste ano de 2012 as “Loucas” foram convidadas a integrar a Mostra
Internacional de Teatro de Grupo, organizada pela Cooperativa Paulistana de
Teatro e cujo tema foi “Mulher – como assunto ou direção ou feitura / investimos”.
Também participaram da Cúpula dos Povos, com incorporação de outras
participantes (chamadas de “loucas cariocas”) onde inventaram uma nova
performance para apresentar nos corredores do Congresso Nacional, e nas ruas
de Recife, onde também incorporam cada vez mais feministas ativistas para
executá-la.
3.3 Companhia Estável de TeatroA Cia Estável de Teatro tem origem no encontro de experiências teatrais em certa
medida semelhantes exercidas em várias regiões do Estado de São Paulo: São Caetano
do Sul, Ribeirão Pires, Santo André e a cidade de São Paulo, Essas ações, na década de
1990 do século passado, foram desenvolvidas em grupos amadores e oficinas culturais
que mantinham procedimentos e objetivos diferentes dos que conhecemos hoje, eram em
grande parte pautados por uma hierarquização dos componentes, marcadamente na
figura do diretor, e miravam principalmente a utilização, em pequenas temporadas, dos
espaços públicos e festivais. A formação de todos os integrantes na Fundação das Artes
de São Caetano do Sul em turmas diferentes e a participação de parte deste grupo em
um núcleo de teatro mantido pela Escola, nos moldes dos corpos de baile municipais,
chamado Núcleo Estável de Repertório, influenciou o nome do coletivo e a continuidade
de sua atuação.
Em 2001 A companhia Estável participou da Ocupação de Teatros Distritais, uma
iniciativa da prefeitura de São Paulo para a gestão artística de grupos sobre os espaços
de Teatro, 6 na época, com risco de sub utilização. O grupo geriu o Teatro Flávio Império
com todas as precariedades do local, enfrentou dificuldades com a administração do
Teatro e o Departamento de Teatros da SMC. Valeria o esforço pois o grupo avaliava o
potencial de articulação da região através dos moradores e com a remontagem da peça
Os Menestréis, criado originalmente na Fundação, explorando o artifício de máscaras da
Commedia dell´arte e o contato com outro grupos, Folias d´Arte, Cia. do Latão, Teatro da
Vertigem entre outros A Cia Estável de Teatro inicia suas atividades.
4. Particularidades estéticas dos grupos escolhidos4.1 Capulanas Cia de Arte Negra
O nome da companhia é inspirado nos tecidos utilizados pelas mulheres
moçambicanas, que possui grande valor cultural e simbólico. Para o grupo o uso
das capulanas possibilita o exercício da independência e mobilidade da mulher. O
grupo se dedica à pesquisa da cultura da oralidade para a diáspora africana, a
partir da valorização da memória e da ancestralidade.
A proposta de atuação do grupo também se baseia na vivência africana
que não separa a arte do cotidiano e também não fragmenta em linguagens
artísticas como teatro música, literatura e dança. Pelo contrário, em seu
espetáculo tudo está unido e equilibrado, como uma grande mostra de artes em
relação.
Em dezembro de 2011 a companhia é contemplada pelo Edital de
passagens do MinC e a convite da atriz Lucrécia Paco foram para Moçambique
durante o mês de fevereiro de 2012, onde ministraram uma série de workshops,
palestras e trocas artísticas sobre a experiência do Projeto Pé no Quintal e sobre
as temáticas do novo espetáculo da companhia, intitulado Sangoma.
4.2 Loucas de Pedra Lilás
Durante vinte e três anos esse grupou atuou em diversas cidades na luta
pelos direitos das mulheres, questionando dialeticamente sua atual condição,
criticando o patriarcado e o capitalismo. Tem como proposta estética-política
promover por meio do teatro e do humor a reflexão sobre as relações entre
homens e mulheres e as questões urgentes e atuais como educação sexual e
reprodutiva, prevenção e combate à violência, a prevenção do câncer,
maternidade segura, dentre outros temas que tangem o feminismo.
As atrizes pintam seus rostos com maquiagem de palhaço, usam roupas e
acessórios coloridos, propondo cenas e intervenções cômicas e em constante
diálogo com o público. As peças apresentadas tiveram como temática: o direito de
decidir, os problemas enfrentados pelos(as) portadores(as) de HIV, as mulheres na
História, a saúde mental, a diversidade sexual, racismo e identidade, a exploração
sexual infanto-juvenil.
4.2 Companhia Estável de TeatroA Cia Estável de Teatro teve um início difícil na ocupação do Espaço Flavio
Império, região de Cangaíba e Engenheiro Goulart (zona leste de São Paulo),
porém o projeto com previsão de 6 meses foi prorrogado por mais 6 meses e
executado com muita intensidade, apresentações gratuitas, oficinas e
apresentações de grupos convidados com cobrança simbólica de ingressos, R$
4,00, aumentando consideravelmente as produções locais. O valor acima citado é
simbólico, uma vez que no atual contexto do mercado de arte e entretenimento no
Brasil é um preço considerado viável de ser pago por grande parte da população,
em contraponto aos exorbitantes valores das casas de teatro e shows.
Em 2002, a partir da contemplação da Lei de fomento, conquista dos
coletivos da cidade de São Paulo de um movimento contra a mercantilização da
produção teatral chamado Arte Contra a Barbárie o grupo conseguiu intensificar
suas atividades com o projeto “Amigos da Multidão” pautado pela construção de
uma estética teatral como reflexo da participação da comunidade inerente aos
trabalhos. O projeto fomentado durou até 2004 e a nova gestão da prefeitura não
permitiu a ocupação do teatro além de por em dúvida a continuidade a proposta
da Lei de Fomento. Em 2005, enfrentando dificuldades de espaço, o grupo se
aproximou do Arsenal da Esperança, instituição de acolhida para homens da
região do Brás. Contemplado pela Lei de Fomento em 2006 com o projeto “Vagar
Não é Preciso” foi possível uma aproximação da realidade das pessoas do
espaço. Depois do projeto Homem Cavalo & Sociedade Anônima, o grupo
intensifica sua aproximação de movimentos populares e organizações políticas e
militância para além do teatro.
5. À guisa de conclusão
A pesquisa dos três grupos teatrais, acima citados, e os encontros que
tivemos com os grupos Engenho Teatral, Cia. Hiato e Cia. Antropofágica contribuiu
com a nossa formação enquanto pesquisadores, educadores e artistas, uma vez
que nos inspiraram a repensar e recriar a relação que temos com o teatro coletivo.
Nos possibilitou refletir como a relação libertária no momento de criar e educar é
fundamental para a produção de experimentos estéticos e pedagógicos,
proporcionando um trabalho prazeroso e com aprofundamento teórico, sempre
com o objetivo de colocar o tema e o grupo em questão, em perspectiva e
histórica e provocá-lo a transformar suas relações com a sociedade. Esse
processo torna-se visível na relação que esses coletivos têm com o publico,
durante os espetáculos e debates, assim como a generosidade e disponibilidade
durante as entrevistas realizadas para essa pesquisa.
O Teatro de Grupo mostra-se fundamental, portanto, por enfrentar o sistema
político hegemônico – o qual defende a hierarquia e o lucro – e contribuir para a
formação de espectadores e espectadoras capazes de relacionar as obras com
suas vidas na tentativa de fazer os seus desejos – e os do coletivo – se
transformarem em realidade.
Bibliografia:CAPULANAS, Cia. de Arte Negra. EmGoma – Dos pés À cabeça, os quintais que sou. Capulanas: São Paulo, 2012.ESTÁVEL, Cia. de Teatro. Das margens e bordas: relatos de interlocução teatral.Cooperativa Paulista de Teatro: São Paulo, 2011.Quem são elas. Acedido em: 23/05/2012 em: http://www.loucas.org.br/
I. À guisa de introdução
O chamado teatro de grupo surge como uma resposta ao teatro
essencialmente comercial, largamente praticado a partir da década de 1970
(decorrente da ditadura civil-militar), que consiste na montagem de espetáculos
normalmente encomendados por uma produção. Atores, diretores, artistas se
uniram em torno da vontade e necessidade de se aprofundarem na pesquisa de
formas e conteúdos das artes cênicas.
O movimento de teatro de grupo ganhou corpo na cidade de São Paulo. A
importância desse movimento tem como um dos principais resultados a criação da
Lei de Fomento ao Teatro da Cidade de São Paulo, a partir do Movimento Arte
Contra a Barbárie. Com a nova Lei, passou a existir o investimento de dinheiro
público para a pesquisa teatral, levando em consideração a importância do
processo de criação e não o resultado final.
II. Motivações das escolhas
A empatia pelas singularidades estéticas de cada um desses três grupos,
somada ao desejo de aprofundarmos nosso conhecimento sobre o trabalho deles,
foram as motivações para a escolha. A heterogeneidade dos estilos e das formas
de produção teatral desses grupos nos interessava como um recorte investigativo
da riqueza do nosso teatro.
Consideramos ainda a relevância desses grupos na história do teatro
brasileiro, pelos seguintes aspectos: A Cia. dos Atores pela sua criação coletiva e
por sua cena híbrida; a Cia. de Teatro Documentário que recém-nascida vem nos
provocando, a medida que olhamos e nos relacionamos com o material social da
cidade, à perceber a poesia que nele existe; e o Teatro Ventoforte, sediado no
Parque do Povo, na cidade de São Paulo, por sua militância e comprometimento
em fazer um teatro infantil aliado a um pensamento pedagógico.
III. Os grupos
IV. 1. Cia. dos Atores
Em 1988, no Rio de Janeiro, Enrique Diaz se une a amigos artistas para
experimentar novas possibilidades da cena teatral. Bel Garcia, César Augusto,
Drica Moraes, Gustavo Gasparini, Marcelo Olinto, Marcelo Valle e Susana Ribeiro
formam a equipe que leva o nome de Cia. dos Atores, importante nome da cena
brasileira de teatro de grupo. No ano de 1994, o grupo encena sua primeira peça
infantil. Em 2004, a companhia se sedia no bairro da Lapa, inaugurando-a
oficialmente em 2006, juntamente com o livro que percorre os 18 anos da
companhia, intitulado Na Companhia dos Atores. Em 2010, sem recursos para
arcar com os gastos da sede, a companhia anuncia a falência, convocando os
trabalhadores de teatro cariocas para reivindicar projetos de fomento às
produções teatrais da cidade.
O grupo se manteve unido até novembro de 2012, quando Enrique Diaz
anunciou sua saída e o restante da companhia noticiou seu último projeto para
2013, quando completará 25 anos de existência.
II. 2. Cia. Teatro Documentário
A Cia. formada em 2006 - integrada pelos atores Elaine Grava, Gustavo
Idelbrando, Márcio Rossi, Natalia Lemos e o diretor Marcelo Soler -, desenvolve
uma pesquisa teórico-prática da estética do teatro documentário. O principal
material para seus trabalhos é a memória social. A Cia. teve o seu primeiro
espetáculo apresentado em 2007, Desde quando eu era travesti e ou Lamentos do
Palácio das Princesas.
Contemplada pela 16ª edição da Lei de Fomento ao Teatro da Cidade de
São Paulo, com o projeto Como se pode brotar poesia na casa da gente?, em
2010, documentam pessoas em suas próprias casas e a relação delas com a
cidade, dando início à pesquisa sobre o centro urbano como lugar de encontro e
troca, que se estende ao novo projeto Mapear histórias ou como disse Guimarães,
o real não está na saída e nem na chegada: ele se dispõe para gente é no meio
da travessia, contemplado novamente pela Lei de Fomento em 2012. Desta vez o
objeto documental é a rua Maria José, no Bixiga, onde a companhia. está sediada.
III. 3. Teatro Ventoforte
O grupo Teatro Ventoforte se formou no Rio de Janeiro, em 1974, pelo
diretor argentino radicado no Brasil, Ilo Krugli. O primeiro espetáculo do grupo,
História de Lenços e Ventos, confere grande prestígio diante da critica de teatro
infantil e de animação, por haver conteúdo suficientemente elaborado para
crianças e adultos. Em 1980, devido a maior perspectiva de trabalho, o grupo se
muda para a cidade de São Paulo e, após um período com uma sede alugada, em
1984 ocupa um terreno abandonado, próximo à ponte Cidade Jardim, criando sua
sede permanente, recentemente tombada.
O coletivo, que é constantemente renovado com novos parceiros de
trabalho, tem como premissa a não separação de arte e educação. Em sua sede,
o grupo promoveu inúmeras oficinas de criação artesanal de cenários, bonecos
etc., núcleos de formação de atores, arte-educadores e, até os dias de hoje,
acontece anualmente a Feira de Teatro, que consiste em encontros com
manifestações da cultura popular brasileira, ensaios abertos e apresentações do
grupo.
IV. Particularidades estéticas
IV.1. Cia dos Atores
Tendo o trabalho coletivo como premissa, a Cia dos Atores dá voz a todos
os integrantes que, de várias maneiras, investigam as potencialidades múltiplas da
cena teatral, se utilizando de diversos tratamentos estilísticos no mesmo
espetáculo. A fisicalização, musicalidade, utilização de multimídias,
metateatralidade e a dramaturgia própria de cada ator são alguns dos principais
traços da companhia, que tem a preocupação de promover diversas oficinas para
outros artistas, tornando alguns deles parceiros de trabalho.
Pina Bausch, Tadeusz Kantor, Meyerhold, Beckett, e o surrealismo são
algumas das referencias citadas pelos artistas da companhia. A opção pelo gênero
melodramático e a utilização de autores como Oswald de Andrade em algumas
montagens, vem com o intuito de conceber um teatro nacional, que reflita as
pulsações dos brasileiros, comunicando de fato com o espectador. Rua Cordelier –
tempo e morte de Jean Paul Marat (1988), A bao a qu (1990), A Morta (1992),
Melodrama (1995), O rei da Vela (2000) e ensaio.hamlet (2004), são algumas das
principais montagens da companhia.
IV.2.Teatro Documentário
O trabalho documentário que a companhia desenvolve não tem a
intencionalidade de registrar a realidade como ela é, mas de construir um ponto de
vista sobre a mesma, buscando ter o olhar atento às metáforas presentes e, a
partir de materiais simbólicos, potencializar a poesia da vida. As dramaturgias dos
espetáculos/intervenções são construídas a partir de entrevistas e da observação
do objeto documental.
As apresentações dos trabalhos são em lugares não convencionais, para
poucos espectadores e, quando resignificados pela encenação, tornam-se lugares
de interação e troca entre as pessoas. Entre os elementos que compõem as
encenações estão materiais áudio-visuais de registros feito pela companhia
durante a pesquisa.
É uma prática da companhia estabelecer parcerias com outros coletivos ou
artistas. Para o projeto Como se pode brotar poesia na casa da gente as parcerias
fundamentais foram feitas nas outras quatro regiões da cidade com A Brava Cia,
Cia Antropofágica, Dolores Boca Aberta Mecatrônica de Artes e uZyNonimados1.
IV.3.Teatro Ventoforte
1 Grupo de teatro formado em 2008, com sede na zona norte de São Paulo.
No Teatro Ventoforte, todos os artistas participantes do processo são
criadores, entretanto, a assinatura final do espetáculo é feita pelo criador do grupo
Ilo Krugli. As músicas, danças e historias da cultura popular brasileira e da
América Latina são elementos constantes nas montagens do grupo, assim como
os textos do espanhol Federico Garcia Lorca. Os quatro elementos da natureza
associados aos contos de fada são bases importantes para a criação da historia.
O grupo lança mão de diversos recursos que juntos combinam uma série de
referencias que estabelecerão contato direto com o espectador, tornando-o ativo
participante do espetáculo. A narrativa é constantemente presente nos
espetáculos da companhia, inclusive por se tratar de atores-contadores de
história, que escancaram os mecanismos presentes nas cenas, em um dos
expedientes épicos influenciados por Bertolt Brecht. O trabalho com bonecos entra
como um complemento à expressividade do ator em cena.
V. À guisa de conclusão
A diversa cena teatral contemporânea, que abarca grupos de maior tradição
e grupos novos, nos mostra a importância da verticalização em linhas de
pesquisa. Notamos a preocupação dos grupos pesquisados em se apropriar da
cultura brasileira, cada um a sua maneira. A Cia. dos Atores encena autores
brasileiros e transita com a linguagem das massas, como o melodrama; a Cia. de
Teatro Documentário traz à cena as histórias do cotidiano da sociedade paulistana
e o Teatro Ventoforte utiliza-se de elementos da cultura popular tradicional.
O estabelecimento dos grupos promove o fortalecimento da linguagem e
produção teatral. Sua atuação cultural na cidade torna-se mais intensa, a medida
que esses grupos compartilham sua pesquisa com a comunidade e outros
coletivos culturais.
Conhecer o Teatro Brasileiro nos torna autônomos e possibilita nossas
próprias descobertas artísticas, e nos impulsiona a fazer parte desse cenário.
VI. Bibliografia
DIAZ, Enrique; CORDEIRO, Fabio; OLINTO, Marcelo (Org.). Na Companhia dos
Atores – Ensaios sobre os 18 anos da Cia dos Atores. Rio de Janeiro: Senac RJ,
2006.
Página da internet da Cia dos Atores. Disponível em:
<http://www.ciadosatores.com.br>. Acesso em 7 de outubro de 2012.
Página da internet do Grupo Teatro Documentário. Disponível em: <http://teatro-
documentario.blogspot.com.br/>. Acesso em 10 de outubro de 2012.
REZENDE, Wilton Carlos Amorim. Teatro Ventoforte de 1985 a 1995 a formação
de um artista e arte-educador. 2009. 291 f. Dissertação (Mestrado em Artes) –
Instituto de Artes, Universidade Estadual Paulista, São Paulo. 2009.
SOLER, Marcelo. Teatro Documentário: a pedagogia da não ficção. São Paulo:
HUCITEC, 2010.
SOUZA, Alex de. Só, mas bem acompanhado: atuação solo e animação de
bonecos à vista do público. 2011. 174 f. Dissertação (Mestrado em Teatro) –
Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis, 2011.
I - À guisa de introdução
Atualmente percebemos, espalhada por todo o território brasileiro, a presença
marcante dos grupos teatrais que, contrários a uma tendência de um teatro por
vezes denominado comercial e administrado como uma empresa com giro de
funcionárias/os, organizam-se como coletivos de fazedoras(es) artísticas(os).
É perceptível como prática artística desses sujeitos atuantes em seus grupos, uma
pesquisa estética baseada em conversas e discussões entre as(os) integrantes,
em que, na maioria dos coletivos, está aliada a um posicionamento político de
militância do grupo.
Identificar tais coletivos e reconhecer a importância de historicizar este importante
momento do teatro brasileiro contemporâneo torna-se o objetivo principal do
desenvolvimento deste trabalho.
II – Motivadores da escolha
- Pombas Urbanas
Escolha pessoal por conta de ser o início de um contato teatral, participando da
oficina ministrada no período de ocupação do teatro Martins Pena, em 2001, no
bairro da Penha.
Ali, com Lino Rojas e a trupe, foi possível potencializar olhares tanto de si quanto
do mundo – longo caminho. Reconhecimento da importância do grupo como
desenvolvimento de um trabalho de resistência e transformação em lugares onde
os aparelhos culturais são escassos, quando não inexistentes. Como exemplo,
São Miguel Paulista, no início do grupo na década de 1980, e Cidade Tiradentes,
atual trabalho do coletivo com a ocupação de um galpão localizado a 35
quilômetros da Praça da Sé e o projeto de nome Arte em Construção.
- Grupo Galpão
É incomensurável a importância do Galpão para a história do teatro brasileiro e
para a solidificação de uma identidade teatral nacional. Numa compilação de
grupos teatrais brasileiros em atividade em 2012, o Galpão merece destaque por
diversos motivos: além de completar exatos 30 anos de vida, possui um vasto
repertório composto basicamente por clássicos da literatura mundial, sempre
aclimatados para a realidade brasileira, utilizando-se dos expedientes do teatro de
rua, do circo e de outras formas populares, alcançando um resultado palatável ao
público em geral, mesclando o erudito e o popular, o universal e o regional, a
tradição e a contemporaneidade. Sua pesquisa é notória não apenas em seu
repertório, mas também em seus projetos no Galpão Cine Horto, importante centro
de pesquisa teatral.
- Cia. São Jorge de Variedades
Em 2013 o coletivo completa 15 anos muito bem sucedidos. Sua produção de
opções estéticas ecléticas, que se debruça especialmente nas manifestações
ritualísticas de canto e dança, e de dramaturgia de forte cunho político, aborda os
paradoxos da cultura brasileira, faz da São Jorge uma das companhias
significativas no panorama de teatro contemporâneo brasileiro. Sua relação com a
vida da cidade de São Paulo se reflete não apenas em seus espetáculos mas
também em seu fanzine (Fanzine São Jorges), canal paralelo de interlocução com
o público que visa estimular novas maneiras de relação com a cidade. Nos últimos
dois anos, circulou pelo país colhendo material em festas populares, pesquisa que
culminou no espetáculo itinerante Barafonda, pensado nas possibilidades de
intervenção artística na forma bakhtiana da polissemia e a interlocução entre
diferentes formas de coro.
III – Grupos ou coletivos
– Pombas Urbanas
É por meio de um projeto de oficinas teatrais, proposto pelo diretor peruano
radicado no Brasil, Lino Rojas, e realizado com jovens de São Miguel Paulista,
zona leste de São Paulo, que se inicia a trajetória do grupo Pombas Urbanas.
Em 1989, o/as jovens participantes não imaginavam que aquela iniciação artística
se consolidaria em um grupo que celebra seu 23º aniversário e cujo projeto foi
denominado Semear Asas.
De lá em diante, o grupo concebeu um repertório de criações que atualmente
conta com treze espetáculos, participou de diversas mostras no Brasil e em outros
países.
Em 2001 ocupou o Teatro Martins Pena, localizado na Penha, zona leste, por meio
do 1º Edital de ocupação dos teatros distritais realizado pela Secretaria Municipal
de Cultura; em 2003 o grupo é contemplado com a 3ª edição do Programa de
Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo. Em 2004 o grupo ocupa e
consegue a cessão de um galpão na Cidade Tiradentes, zona leste, em regime de
comodato por vinte anos – local onde atualmente são realizadas as atividades do
coletivo em processo colaborativo com moradora/es da região.
– São Jorge de Variedades
A Companhia São Jorge de Variedades surge em 1998, a partir da união de jovens
recém-formado/as na Escola de Arte Dramática-EAD e ECA/USP a fim de criarem
um coletivo de pesquisa e de criação teatral.
Em sua primeira montagem, a companhia leva à cena o espetáculo Pedro, o cru,
no mesmo ano de 1998. Desde então, a montagem de espetáculos e
experimentações distintos se somam à trajetória do grupo, marcada pela
constante inovação e arriscar-se em cena.
Após a primeira encenação, o grupo prossegue com os seguintes espetáculos:
Um credor da fazenda nacional (1999), Biedermann e os incendiários (2001), As
Bastianas (2002), O santo guerreiro e o herói desajustado (2007), Quem não sabe
mais quem é, o que é e onde está, precisa se mexer (2009) e Barafonda (2012).
Em 2001, a companhia participa do projeto Harmonia na diversidade, em conjunto
com o Núcleo Bartolomeu de Depoimentos e a Companhia Bonecos Urbanos,
ocupando por dois anos o Teatro de Arena. Entre 2002 e 2004, participa de
ocupações artísticas em projetos sociais como os albergues Boracea e o Canindé,
resultando da montagem As Bastianas.
Atualmente o grupo ocupa um espaço localizado na rua Lopes de Oliveira, 342, na
Barra Funda, zona oeste de São Paulo.
- Grupo Galpão
Em 1982, Teuda Bara, Eduardo Moreira, Wanda Fernandes e Antônio Edson se
encontramvem uma oficina de teatro em Belo Horizonte, onde trabalharam
acrobacias, técnicas corporais e jogos com objetos. Saem de lá decididos a criar
um grupo de pesquisa. Durante a criação de seu 1º espetáculo, E a noiva não
quer casar, aproveitam uma razão social constituída anos antes e adotam o nome
Galpão. Estreiam numa praça central da cidade após cinco semanas de ensaio
num antigo hospital ocupado por estudantes.
Ao longo dos 30 anos de existência, o Galpão tem suas raízes no teatro popular e
de rua. Os encontros com Gabriel Villela, Cacá Carvalho, Paulo José, Ulysses
Cruz, entre outros, ajudaram na formação de uma sólida linguagem teatral. Seus
20 espetáculos já foram apresentados em todas as regiões do Brasil e em
diversos países.
Além de seu repertório, o grupo mantém desde 1998 o Galpão Cine Horto, um
centro cultural voltado para pesquisa e o estímulo à criação teatral, onde oferecem
cursos, uma sala de cinema e uma biblioteca teatral abertas à comunidade e
vários projetos de criação, fomento e difusão cultural que beneficiam artistas de
Minas Gerais e de todo o Brasil.
IV – Particularidades estéticas dos grupos escolhidos
- Pombas Urbanas
Ao longo de sua trajetória, o grupo esteve sempre às voltas com questões
pertinentes ao momento de vida de suas/seus integrantes. Desde a primeira
montagem, Os tronconenses, em que apresentavam o universo de jovens da
periferia, a dramaturgia característica do grupo apresenta um olhar ao popular em
mescla com personagens tipicamente urbanas. Com seu segundo espetáculo,
Funâmbulo, o grupo, em rara ocasião, inspira-se no texto de Jean Genet a fim de
se dedicar "[...] com maior disciplina ao fazer teatral, momento de consolidação do
texto e da dramaturgia; além do aprofundamento da pesquisa do ator e da
profissionalização do grupo" (SILVESTRE, 2009, p. 61.). É com a peça Mingau de
concreto, (1996), que o grupo vai, pela primeira vez, às ruas, revelando
personagens típicas das vias de transição da cidade. Neste momento o popular se
redimensiona em contato com o público distinto que, até então, ia assistir ao grupo
em salas fechadas. A partir daí, o grupo encena novos espetáculos em salas
fechadas, contudo, alternando espetáculos de rua, como é o caso de Bichos pela
paz (2003), Largo da matriz (2004) e Histórias para serem contadas (2007), e,
inclusive, um espetáculo encenado em piscinas públicas, Quadrúpedes aquáticos
(2002).
- Grupo Galpão
“Hoje podemos afirmar que o Galpão já tem uma linguagem própria, onde se
misturam Brecht e Stanislavski, as técnicas circenses com o teatro balinês, a
música folclórica com os experimentos musicais mais contemporâneos, a
dramaturgia clássica com o melodrama, Eugenio Barba com Gabriel Villela,
Eduardo Garrido com Shakespeare, marujadas com Molière, teatro épico com
drama psicológico, o provinciano com o universal, a tradição com a transgressão.
Tudo se mistura nesse caldeirão que os alquimistas do Galpão transformam, com
visão crítica e generosidade, em teatro da mais pura cepa, arte maior, celebração
da vida”. (Citação de Paulo José presente no endereço eletrônico do grupo)
Magistrais na apropriação de clássicos, ambientando-os em cenários e sotaques
brasileiros, o Galpão tem como principais trabalhos: Romeu e Julieta (1992), A rua
da amargura (1994), Um Moliére imaginário (1997), Um trem chamado desejo
(2000), O inspetor geral (2003), entre outros. O grupo acumula mais de 100
prêmios brasileiros, incluindo a Ordem do Mérito Cultural, condecoração do
Ministério da Cultura a grupos que contribuem para a cultura brasileira.
- Cia São Jorge de Variedades
Apesar de cada espetáculo requerer escolhas estéticas diferentes, a companhia
tem como investigação constante as manifestações ritualísticas de canto e dança,
sempre se referindo às influências das religiões afro-brasileiras na expressão
artística brasileira. A dramaturgia, em todos os seus espetáculos, discute
invariavelmente posicionamentos éticos em relação à diversidade e aos paradoxos
da cultura brasileira ao longo de sua formação. Sua pesquisa mais recente, que
culminou com a montagem de Barafonda, tem por lema e mote “Do Coro vieste,
ao Coro retornarás!”: em tempos de extrema individualidade, a companhia toma as
ruas de seu bairro-sede para levantar questões pertinentes à complexa sociedade
paulistana, movendo-se como um grande corpo composto por 30 atores-músicos,
anunciando-se à sociedade “[...] de maneira lúcida, crítica, sem produzir discursos
nem estagnar o pensamento e as energias”, (Fanzine São Jorge, 2012, p. 1) numa
demonstração de verdadeira criação e ação coletiva.
V - À guisa de conclusão
Os três grupos aqui descritos têm em comum, além da criação coletiva, a
preocupação com o ponto de vista do espectador. São grupos preocupados com a
comunicação direta com o público: ao montar obras clássicas, trazem referências
da realidade do espectador; ao criarem novas obras, procuram dar voz ao
espectador, trazendo questões que incomodam e movem a sociedade. Para isso,
cada um, à sua maneira, mergulha em manifestações artísticas populares e vai às
ruas, mesclando seu resultado artístico ao ritmo da cidade. Seu trabalho com/para
a comunidade se estende para além da obra artística, mantendo suas sedes,
publicações e projetos populares em permanente atividade de conscientização.
1. À Guisa de Introdução:
O fenômeno dos agrupamentos em teatro brasileiro tem relevância, entre
outros aspectos, como forma de resistência ao teatro dito comercial e de fácil
acesso, que se utilizam do formato das telenovelas e das comédias, sustentadas
por um humor de fácil digestão, cuja única função aparente é o desserviço para
com a sociedade, ao reafirmar os antigos preconceitos, historicamente
instaurados, contra as minorias.
É possível notar, em uma cidade como São Paulo, por exemplo, graças à
mobilização e à luta da classe artística, a existência de incentivo proveniente de
iniciativas públicas e privadas, com a finalidade de instaurar um fluxo de grupos e,
após certo período de experiência subsidiada, constata-se grupos que já possuem
linguagem artística própria, proveniente de pesquisa experimental.
2. Motivadores da escolha dos grupos estudados:
A escolha dos três grupos - Teatro da Vertigem, Grupo XPTO e Grupo
Teatral Moitará – se deu, principalmente, pelo interesse que tínhamos acerca dos
procedimentos e dos expedientes estéticos, dos quais os grupos utilizam. A
respeito do Teatro da Vertigem, o que nos interessou foi, primeiro, o fato deste ser
referência para a história do teatro no Brasil, com a proposta de apropriação de
espaços não-convencionais para a cena teatral e, também, da metodologia de
trabalho inovadora para o período nos grupos não popular: o processo
colaborativo.
Já, no que concerne aos grupos XPTO e Moitará, o que constituiu nosso
interesse foi o trabalho que ambos desenvolvem, cada um de uma maneira
específica, com a linguagem do teatro de animação, principalmente, na pesquisa
com bonecos, objetos e máscaras.
3. Grupos:
3.1. Teatro da Vertigem
Surge com um grupo de estudos da ECA – USP2, composto por estudantes e
professores do curso de Artes Cênicas, dentre os quais podemos citar Antônio Araújo,
Gabriel Vilela, Maria Thaís, Sérgio de Carvalho, Lúcia Romano, entre outros, em 1991.
A principal preocupação do grupo era o ator, daí a proposta inicial de pesquisar a
mecânica da física clássica aplicada ao movimento do corpo deste, que gerará repertório
de treinamento para o primeiro espetáculo, estreado em 1992.
Responsável por um procedimento de trabalho posteriormente denominado
processo colaborativo, o Teatro da Vertigem apresenta, enquanto característica
fundamental a busca por espaços não convencionais para a apresentação de suas obras.
Trata-se de uma apropriação do espaço, que, por sua vez, está relacionado à temática da
montagem, para ressignificá-lo esteticamente. O grupo completa vinte anos em 2012 com
formação diferenciada, porém com os mesmos procedimentos e força vital agressiva,
vertiginosa e causadora de espanto.
3.2. Grupo XPTO
A atuação do grupo XPTO inicia-se no ano de 1984, sob a coordenação do artista
plástico argentino Oswaldo Grabrielli e pelo músico e compositor brasileiro Roberto
Firmino. O desenvolvimento das atividades do grupo iniciaram em forma de performance
nas casas noturnas underground paulistana no inicio do ano 1980. Devido a essa
característica performática, o processo criativo de Gabrielli permite que todos os atores
contribuam para a encenação como criadores, não apenas de suas personagens, mas
também do roteiro em que se inserem. Os espetáculos normalmente fundem música,
dança, circo, manipulação de bonecos e objetos e, claro, linguagens teatrais mais
convencionais. Isso, com absoluto rigor técnico e precisão de acabamento.
3.3. Grupo Teatral Moitará
O Grupo Teatral Moitará, sediado na cidade do Rio de Janeiro (RJ), desde
1988, desenvolve uma pesquisa continuada sobre o trabalho do ator, buscando
compreender os princípios que fundamentam sua arte, tendo nos estudos dos
aspectos e funções da Máscara Teatral a base para a elaboração de uma
metodologia própria. A Máscara é o mais representativo elemento de toda história
2 Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo.
do teatro e em todas as culturas são encontradas Máscaras como elementos de
comunicação capazes de transmitir a essência da vida de seu povo. Por esta
razão, o trabalho do grupo consiste numa pesquisa teórica e prática do significado
artístico e sociocultural da Máscara, elaborando a sua função cênica através da
confecção e do jogo que ela propõe. Os principais nomes que compõe o grupo
são: Venício Fonseca – fundador do grupo, Erika Retti – fundadora, também,
André Marcos – ator-pesquisador e mascareiro e Fabiano Manhães – ator-
pesquisador e mascareiro, além dos colaboradores.
4. Particularidades dos Grupos:
4.1. Teatro da Vertigem
A grande particularidade do Teatro da Vertigem é, justamente, a relevância
histórica que este tem com a apropriação dos espaços. A Trilogia Bíblica – três primeiras
montagens que o grupo concebeu. São elas: O Paraíso Perdido (1992), apresentada na
igreja da Santa Efigênia (SP); O Livro de Jó (1995), apresentada no hospital Humberto
Primo (SP) e Apocalipse 1,11 (2000), apresentada no Presídio do Hipódromo (SP) – foi
bem recebida pelo público e pela crítica, viajou o Brasil e outros países e ganhou os
principais prêmios da época.
Após conquistar o seu espaço na cena teatral, ele segue com a montagem de BR-
3 (2006), apresentada no Rio Tietê. BR-3 traz a história dos “Brasis” que cabem no Brasil,
ao propor uma viagem por três BRs distintos: Brasilândia (SP), Brasília e Brasiléia (AC).
Atualmente (2012) o grupo está em cartaz com a peça Bom Retiro 958m. Com
esta, que aborda a história do bairro Bom Retiro em São Paulo e as transformações que
esta região sofreu, comemora os 20 anos de existência.
4.2. Grupo XPTO
O Grupo XPTO tem um histórico expressivo dentro do panorama teatral
brasileiro. Caracterizado pela realização de espetáculos com grande apelo visual e
musical, vem, nas últimas duas décadas, contribuindo para a formação de um
teatro brasileiro contemporâneo. Apresentou-se em diversas capitais brasileiras e
também no exterior (Argentina, Uruguai, Venezuela, Colômbia, Espanha, França,
Portugal, Iugoslávia e Hong Kong), obtendo sempre grande sucesso de público e
de crítica. Recebeu, ao longo de 23 anos de carreira, 40 dos mais importantes
prêmios do teatro brasileiro (APCA, Mambembe, Shell, APETESP, Governador do
Estado, Fundacen, Coca Cola e Panamco, entre outros). O processo de pesquisa
do grupo tem como foco a construção de uma poética contemporânea, que seja
reflexo de nosso momento histórico, que revele nossas motivações como
integrantes de um grupo urbano inserido num contexto repleto de contrastes
culturais, éticos, estéticos e sociais.
4.3. Grupo Teatral Moitará
Da sua fundação até hoje o Moitará notabiliza-se pela diversidade em seus
projetos sócio-culturais. Em 1990, o grupo aproximou-se do Centro Maschere e
Strutture Gestuali e, em 1992 e 1995, participou das VI e VIII Edizione del
Seminário Laboratorio Internazionale Arte della Maschera (Itália). Em parceria com
o Grupo Fora do Sério e Donato Sartori, Moitará realizou a pesquisa teatral e texto
do documentário Breve História da Máscara e Método Sartori e Viagem ao mundo
da Máscara em 1997. Em 1999, o Grupo estreou Rifinfim no Medelim, no Teatro
do Museu da República (RJ). Em 2002, junto a Alessandra Vannucci, o Moitará
produziu a oficina Quel Buffone di Arlecchino, ministrada por Enrico Bonavera na
UniRIO3. Em 2003, estreou Imagens da Quimera. Em 2006, Quiprocó. Em 2007, é
agraciado com o prêmio Myriam Muniz de fomento ao Teatro. Sua sede é um
Ponto de Cultura e abriga o projeto PALAVRAS VISÍVEIS: Capacitação técnica
para atores surdos com a linguagem da Máscara Teatral, que é um projeto inédito
na cena teatral brasileira e se configura como uma nova frente de iniciativa sócio-
cultural, na busca pela alteração do quadro de exclusão do deficiente auditivo, ao
visar integração e afirmação identitária.
5. À Guisa de Conclusão:
Promover pesquisa enciclopédica acerca de grupos, a princípio distantes
tanto na ideologia quanto nos procedimentos artísticos, possibilita, primeiro,
quebrar com paradigmas ou preconceitos pré-estabelecidos além de, durante e
após a feitura do texto, (re)descobrir a importância social e política que estes
grupos apresentam para a história. História tal, que o Brasil insiste em encobrir.
Histórias de uma arte fundamentalmente brasileira que está no patamar de
vanguarda, de linguagem processual experimental de qualidade igual e até
superior à de grupos europeus considerados paradigmas e referência na história
3 Universidade Federal do Rio de Janeiro.
mundial do teatro. Estabelecer o panorama proposto nos remete, portanto, à
necessidade que o Brasil tem de revisitar suas terras e delas se lhes sujarem
corpo e alma.
Referências e Bibliografia Complementar:
ARAÚJO, Antônio; AZEVEDO, Fernando Peixoto de; TENDLAU, Maria (Orgs.). Próximo
ato: Teatro de Grupo. São Paulo: Itaú Cultural, 2011.
ARAÚJO, Antônio. O processo colaborativo no Teatro da Vertigem. In. Revista Sala Preta.
Universidade de São Paulo. Escola de Comunicação e Artes – Volume 6 n. 1 (2006) – São
Paulo, 2006.
BARRETO, Gabriela Mafra. A cidade como cena para os grupos teatrais: o caso do Grupo
Galpão, do Grupo Armatrux e do Teatro da Vertigem. Dissertação de mestrado.
Universidade de São Paulo, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, São Paulo: 2008.
BOM RETIRO 959M. Programa do espetáculo. São Paulo: Teatro da Vertigem, 2012.
CARREIRA, André Luiz Antunes Netto. Teatro de Grupo: conceitos e busca de identidade.
Anais do III Congresso de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas (Memória
ABRACE VII). Florianópolis, 2003. Disponível em:
http://portalabra2.dominiotemporario.com/Memoria%20ABRACE%20VII%20.pdf#page=22
acesso em 20 nov. 2012.
FERNANDES, Silvia; AUDIO, Roberto (Orgs.). BR-3. São Paulo: Perspectiva: Editora da
Universidade de São Paulo, 2006.
FISCHER, Stela Regina. Processo Colaborativo: experiências de companhias teatrais nos
anos 90. Dissertação de mestrado. Universidade Estadual de Campinas, Instituto de
Artes, Campinas: 2003.
MATE, Alexandre. O ator e o trabalho em grupo. In:. Rebento: Revista de artes do
espetáculo. Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”. Instituto de Artes –
n. 1 (jul. 2010) – São Paulo: Instituto de Artes, 2010.
NESTROVSKI, Arthur (apresentação); Vários Autores. Trilogia Bíblica. São Paulo:
Publifolha, 2002.
OLIVEIRA, Roberto Rodrigues de. O teatro fundamentado na imagem. Dissertação de
mestrado. Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho”, Instituto de Artes, São
Paulo: 2012.
REBOUÇAS, Evill. A dramaturgia e a encenação no espaço não-convencional. São Paulo:
Editora UNESP, 2009.
RINALDI, Miriam. O ator no processo colaborativo do Teatro da Vertigem. In. Revista Sala
Preta. Universidade de São Paulo. Escola de Comunicação e Artes – Volume 6 n. 1
(2006): São Paulo, 2006.
ZONZI, Joice. A fome contemporânea e a commédia dell’arte. In.
http://www.aquelesite.com.br acesso em: 19 nov. 2012.
Sites:http://www.teatrodavertigem.com.br/ acesso em: 20 nov. 2012.
http://www.grupomoitara.com.br/ acesso em: 19 nov. 2012.
http://www.grupoxpto.com.br/ acesso em: 19 nov. 2012.
INTRODUÇÃO
É no começo de 1990 que surge, e para outros ressurgem, o Teatro de Grupo
termo que identificava a maior parte do teatro que se fazia neste período, e, ainda hoje. O
teatro de grupo tem como características fortes o território alternativo, a coletividade como
essência, a quebra das hierarquias e a articulação em grupo para adquirir a
sobrevivência, contudo, há diversidade nas formas e nos modelos de como tratar estas
questões, nas quais entram subjetividades e estéticas que cada grupo desenvolve.
Uma grande contribuição deste movimento para atualidade foram “(...) os
investimentos dos grupos em compreender os seus próprios processos coletivos”4, que
nos trouxe desdobramentos de novos campos poéticos e de trabalhos politicamente
radicais. Outra contribuição, especificamente em São Paulo, foi o movimento Arte contra a
Barbárie criada pela a união dos grupos da cidade, em 1999, para lutar contra a
“Colonização mental da indústria cultural” e “(...) as situações criadas pelas leis de
renúncia fiscal”5 tendo como resultado desta luta a implementação da Lei de Fomento ao
Teatro para a cidade de São Paulo que potencializou os investimentos em projetos
pedagógicos e políticos dos grupos teatrais paulistanos.
UM TEATRO DE NARRADORES
1 – Breve histórico
Nascido na Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo, no ano
de 1997, O Teatro de Narradores é mais um belo feto fecundado no útero do
movimento Arte Contra a barbárie. José Fernando de Azevedo (atual diretor do
grupo), Sandro Willig, Marcelo Daher, Silvana Ramos, Teth Marello e Bárbara
Araújo trouxeram à luz para a cena teatral paulistana o Teatro de Narradores.
Estreando em 1997 com A lata de lixo da história, o grupo manteve-se ligado ao
ambiente universitário até o ano 2000. Daí para cá, apresentou doze espetáculos,
4 Carreira, André: Teatro de grupo: um Território Multifacético. Próximo ato: Teatro de grupo/ organização: Antônio Araújo, José Fernando Azevedo e Maria Tendlau – São Paulo: Itaú Cultural, 2011.5 Mate, Alexandre: Teatro Vivo em São Paulo:
numa produção média de um espetáculo por ano, culminando com Cidade
Desmanche (2009), com o qual ganhou o prêmio Cooperativa Paulista de Teatro,
como melhor espetáculo, e com Cidade fim, cidade coro, cidade reverso (2011)
seu meu mais recente trabalho.
2 – Escolhas estéticas
Situado na rua treze de maio, o grupo coloca o Bixiga como personagem no centro
de uma reflexão sobre as formas de convívio na atualidade. É aí que se insere o
espetáculo Cidade Desmanche (2009) a encabeçar um processo de pesquisa acerca da
ocupação artística e da relação de convívio com o entorno. O espetáculo seguinte Cidade
Coro, Cidade Fim, Cidade Reverso (2011) aprofunda o processo de diálogo com a
comunidade e de ocupação artística das ruas do Bixiga
Apoiado em cena de matriz épica e numa crescente aproximação com o teatro
brechtiano, como retomada de confronto e apropriação da experiência social de Bertolt
Brecht, o Teatro de Narradores procura produzir experiências que possam potencializar
encontros, nos quais abram-se flancos para serem investigados temas e formas.
Segundo José Fernando de Azevedo há, hoje, no Teatro de Narradores uma preocupação
com o cruzamento entre teoria e forma, como também busca-se investigar a cena tatno
no interior da sala de espetáculos quanto na rua.
3 – Mais um filho da luta
Como teatro de grupo, o Teatro de Narradores é mais um exemplo positivo dos
frutos que renderam o movimento Arte contra a barbárie. Apoiado, hoje, por Lei de
Fomento à Cultura, o Teatro de Narradores se sente confortável para dedicar-se a um
processo acurado de pesquisa sobre suas relações com o entorno. O foco reside na
cidade, não como cenário, mas como opção efetiva em que possa descobrir
possibilidades de configurar a cena num processo de negociação com os habitantes à sua
volta. Para José Fernando, essa preocupação com a ocupação urbana, começou, ainda,
no início dos anos dois mil, quanto experimentaram o contato com grupos que lutam por
moradia no centro da cidade de São Paulo. É com a cidade e principalmente com a
comunidade que o cerca que o Teatro de Narradores dialoga, sem perder de vista
pesquisas no âmbito estético e formal em salas de ensaio. Para 2013, num projeto que
abrangerá mais uma vez a ocupação das ruas do Bixiga, novamente, Brecht será
chamado à cena e Arturo Ui será seu grande mote. Evoé!
GRUPO PROPOSTA DE TEATRO
TIMON-MA
1 – Breve histórico
Fundado em outubro de 1990 com o nome de Grupo Teatral Família de Astros. Do
elenco de fundadores somente o diretor Roger Ribeiro ainda participa do grupo, que
tem produzido, em média, uma peça a cada dois anos. Dentre elas merecem destaque:
O chip nosso de cada dia (1995), Circo desmontado (1998), O diário da bruxa (2007),
Uma história pelo avesso e outras histórias (2003) Um brasileiro no céu (2008). O
grupo tem forte atuação junto à cidade timonense, em ações culturais contínuas pelas
ruas e praças do município por meio de oficinas, montagens de espetáculo e
realização de Mostras de Teatro.
Com o objetivo de formar plateia e desenvolver a arte teatral na cidade, o grupo traz
em sua experiência profissional a realização de projetos, como: Literatura em Cena,
inicialmente em parceria com o SESC local, cujo foco é provocar nos estudantes o
gosto pela literatura, preferencialmente piauiense ou maranhense.
2 – Escolhas estéticas
O Grupo prima por pesquisar e levar à cena, através do cômico, o linguajar popular do
Meio Norte do Brasil. Sob a orientação do ator Vitorino Rodrigues, especialista em
literatura brasileira, desenvolvem-se pesquisas sobre as histórias populares, o modo
de falar, as lendas e causos esquecidos do povo piauiense e maranhense, priorizando
os dramaturgos e contadores de histórias do lugar. Ruas, praças, pontos de ônibus,
feiras livres são espaços utilizados não somente para apresentações de espetáculos,
mas também para discussões e experiências de troca com a comunidade. Os atores
do Proposta trabalham de dia em outras atividades e à noite dedicam-se à arte do
teatro, no melhor estilo amador. A criação coletiva e a posse de seus meios de
produção são buscados com afinco.
3 – Ousadia e disposição
Sem apoios financeiros ou leis de incentivo, algo ausente, naquela comunidade, o
Proposta arregaça as mangas e vai à luta, buscando contato com o povo,
incentivando-o a ver-se e rever-se na cena que conta sua própria história. Projetos
ousados como Enquanto o Teatro Não Vem, apresentado em locais como rodoviárias,
Centrais de Abastecimento, feiras, hospitais, buscam sensibilizar as autoridades e a
população sobre a importância de se ter uma casa de espetáculos, que se transforme
em ponto de apoio ao teatro local. O projeto Sexta Só Riso, que traz à cena montagens
de comédias já realizadas pelo Grupo, além de participações de outras companhias da
cidade, objetiva visibilidade à arte teatral, insistindo numa regularidade de
apresentações artísticas como meio de formação de público. Complementam o quadro
fóruns de discussões e mostras de teatro, sempre com o foco na divulgação da arte do
palco e na busca pela inserção do homem como dirigente de sua própria história.
Evoé! rapaziada.
ENGENHO TEATRAL
1 – Breve histórico
Em plena ditadura militar (1979) surge para cena teatral brasileira o Apoena, estreando
com o espetáculo Mãos sujas de terra. Segundo seu fundador Luiz Carlos Moreira,
durante catorze anos o grupo viveu o que chama de circuito Bixiga: atores que
trabalhavam de dia se reuniam à noite em torno de um texto predeterminado para
fazerem espetáculos. As dificuldades, segundo Moreira, eram de toda ordem: temporada
curta, com poucos espetáculos, apresentados de terça a domingo para um público
minguado.
Em 1986, o Apoena se une ao Engenho de Arte, outro grupo pertencente à Cooperativa
Paulista de Teatro, e em 1993, já com o nome de Engenho Teatral, dá o grande salto. Diz
Moreira: “A partir daí a gente pegou o boné e se exilou”. O teatro reduzido à mercadoria
não nos interessava mais, aliás, nunca nos interessou. Seus últimos trabalhos Outro$ 500
(2008); Pequenas histórias que à História não contam (2002) e Opereta de Botequim
(2012), considerado como único musical épico dialético do teatro paulistano, consolidam o
pensamento do grupo em direção à recusa definitiva a um teatro produzido nos moldes
capitalistas de produção.
2 – Escolhas estéticas
A recusa aos meios capitalistas de produção implica, em circunstâncias atuais,
sobreviver à margem, e é assim que o Engenho Teatral sobrevive: à margem. Um teatro
que se propõe encontrar seu público na periferia, que compreende sua produção artística
como não-mercadoria, que considera a cena como um conjunto de relações que se
estabelecem principalmente fora do palco, que busca alterar as relações para a partir daí
verificar como isso implica na cena, cuja relação com o público se dá de modo dialético e
não por formatação ou instrução pedagógica, que compreende a formação de público
como formação de gente, é um teatro construído em moldes que, necessariamente,
colidem com os meios de produção do mercado, procurando mostrar que há outras
alternativas.
3 – Aquele que diz não
Participante ativo na fundação da Cooperativa Paulista de Arte, bravo lutador no
movimento Arte contra a barbárie, incansável na luta contra os desmandos do capital,
Luiz Carlos Moreira, fundador do Engenho Teatral é um daqueles homens que lutam para
que os meios de produção pertençam aos trabalhadores. Seu teatro, gratuito e popular,
busca o estreitamento das relações com movimentos da periferia e procura se afirmar, no
âmbito interno, ancorado em relações horizontais. “Ninguém é dono de nada, aqui” afirma
Moreira.
Determinado e confiante, assim se expressa Luis Carlos Moreira: O Opereta de
Botequim (2012) foi a maior produção coletiva que fizemos; parece que estamos na
direção desejada.
CONCLUSÃO
O engajamento político de parte da classe artística paulistana no final dos anos
noventa e início dos anos 2000, com o movimento Arte Contra a Barbárie, combinado
com a vigilante e permanente atuação junto aos órgãos legislativo e executivo da cidade
de São Paulo têm garantido, por meio das atuais Leis de Fomento à cultura, que artistas e
grupos teatrais locais possam desenvolver um teatro de pesquisa. É claro que ainda
estamos distantes do necessário, onde o que se reivindica é uma real política de cultura
nacional em que ações concretas de nossos parlamentares possam reservar para o
Ministério da Cultura fatias significativas do orçamento da união para a cultura brasileira.
Porém, o exemplo de luta dos artistas e intelectuais paulistanos, com organizados
movimentos de pressão junto aos legisladores da cidade, para garantir no orçamento local
valores que possam atender minimamente projetos de cultura, pode servir de exemplo a
uma ação conjunta dos artistas nacionais num movimento que abranja do Oiapoque ao
Chuí. Tudo dependerá de nossos modos de organização e do entendimento de que
fazemos parte de uma única nação. De nosso engajamento e atuação política dependem
novos fomentos ao teatro nacional. Vamos à luta!
O Teatro de Grupo no Brasil: Clowns de Shakespeare, Cia da Revista e Cia do Tijolo
1. A importância do teatro de grupo no Brasil: O “fenômeno” Teatro de Grupo, que em São Paulo despontou, de modo mais
sistemático, na década de 1940, tem apresentado notório desenvolvimento no país ao
longo dos anos, revelando coletivos com diferentes estéticas, efeitos de teatralidade,
relação com o público, diversidade temática, mas com uma característica em comum: o
processo de criação coletiva.
Nesse sentido, nós, estudantes do quarto ano de Licenciatura em Arte-Teatro
propusemo-nos a estudar o fato, realidade contemporânea brasileira. Dividindo-nos em
duplas escolhemos dois coletivos do Estado de São Paulo e um de outro estado para
registrarmos historicamente sua forma de produção cênica.
Neste capítulo do anuário será possível conhecer, brevemente, os grupos: Clowns
de Shakespeare, Cia da Revista e Cia do Tijolo.
2. A motivação das escolhas:Partindo da tarefa concedida ao quarto ano de Licenciatura em Arte-Teatro do
Instituto de Artes da Unesp em pesquisar coletivos que trabalhem com o fenômeno
discutido, o Teatro de Grupo, nós João Paulo Rafaelli e Priscila Ortelã, selecionamos: os
Clowns de Shakespeare (RN), a Cia da Revista (SP) e a Cia do Tijolo (SP).
A vontade em pesquisar os Clowns de Shakespeare despontou pela curiosidade
que nós pesquisadores possuímos sobre o coletivo. Em relação à Cia da Revista, o
desejo surgiu pelo fato desta ter pouco registro histórico, principalmente na Academia. E
por foi, a vontade em investigar a Cia do Tijolo veio pela experiência que ambos tivemos
ao assistir Concerto de Ispinho e Fulô, espetáculo da companhia apresentado no Sesc
Pompeia, em 2011.
3. Os Grupos:3.1 Clowns de Shakespeare
O grupo Clowns de Shakespeare é um coletivo da cidade de Natal, Rio Grande do
Norte. Sua fundação oficial foi em 1993, mas o início se deu em 1992 no Colégio Objetivo
quando ainda eram vestibulandos coordenados pelo professor de Literatura Brasileira.
Em 1996 iniciaram a construção da sede – Espaço Cultural Casa da Ribeira,
pronta em março de 2001. Em 2003 para comemorar uma década de vida, convidaram o
diretor do Grupo Galpão, Eduardo Moreira para construir junto do então diretor do grupo,
Fernando Yamamoto, o espetáculo Muito Barulho Por Quase Nada, obra que revelou os
Clowns de Shakespeare no país.
O ano de 2008 foi marcado por forte atividade política: Fernando Yamamoto foi
eleito conselheiro nacional do movimento Redemoinho6; fundaram o movimento A
Lapada7. Atualmente, são fortes atuantes em movimentos de articulação política com
vários grupos teatrais do Brasil.
O coletivo possui séria preocupação com a pesquisa cênica atoral, a musicalidade
da cena e do corpo e com o teatro popular e por isso desenvolvem estes aspectos,
principais objetivos de investigação. As obras shakesperianas servem como inspiração
aos seus questionamentos: não procuram um caráter “museológico”, mas se propõem ao
desafio de, sem retirar a genialidade do dramaturgo, encontrar o que faz sentido as suas
criações.
3.2 Cia da Revista
6 Criado em 2002, o Redemoinho Movimento Brasileiro de Espaços de Criação, Compartilhamento e Pesquisa tem por objetivo lutar por uma sociedade em que arte e cultura sejam um direito do cidadão.7 A Lapada tem por objetivo realizar trocas artísticas e fomentar o teatro de grupo no Nordeste. É formado pelos grupos: Bagaceira (CE), Máquina (CE), Clowns de Shakespeare (RN), Alfenin (PB), Piollin (PB) E Ser Tão (PB).
Criada em 1997, a Cia da Revista se formou com o propósito de investigar e
recuperar o teatro popular brasileiro por meio do gênero Teatro de Revista8, observando o
diálogo existente entre esta linguagem e a contemporaneidade.
Neste ano a companhia completou quinze anos de existência tendo onze obras
registradas em seu repertório artístico. Por terem sido contemplados pelo Fomento ao
Teatro, o coletivo conseguiu inaugurar sua sede, o MINITETRO na Praça Roosevelt, no
centro da cidade de São Paulo em 13 de abril de 1999.
Atualmente composta por sete mulheres e cinco homens, a companhia conta com
a fiel direção de Kleber Montanheiro, fundador do coletivo.
3.3 Cia do TijoloA Cia do Tijolo se formou a partir do show musical Cante lá, que eu canto cá
(2008) baseado em músicas e poesias do poeta cearense Patativa do Assaré. A ideia foi
trazida por Dinho Lima Flor, integrante do grupo, quando durante sua passagem por
Assaré (CE), reuniu um rico material sobre Patativa. Isto fez com que tivesse o desejo de
transformar este material em um sarau, monólogo ou um show.
Nesta iniciativa embarcaram Rodrigo Mercadante e Fabiana Barbosa. Percebendo
que o show não era suficiente para contar a história pela qual se admiraram - um poeta
cantador, que estudou apenas seis meses e todos os conhecimentos que possuía acerca
do mundo eram de suas vivências - resolveram montar o espetáculo Concerto de Ispinho
e Fulô (2009).
A criação do nome do grupo, Cia. do Tijolo, surgiu a partir das proposições
didáticas de Paulo Freire. Autor do material que acompanhou a criação do espetáculo,
Freire utilizou em seus processos de alfabetização o que denominou de “palavras
geradoras”, expressões que auxiliavam os estudantes a compreender e intervir no mundo
ao seu redor. TIJOLO é uma destas. A companhia entende que o processo pelo qual
Patativa passou é muito próximo das vivências propostas por Freire e assim utilizou de
uma das palavras geradoras para nomearem o grupo. A Cia. do Tijolo faz muitas
temporadas tanto com o show Cante lá que eu canto Cá quanto com a obra Concerto de
Ispinho e Fulô e não realizou nenhum novo trabalho.
8 O Teatro de Revista é um gênero teatral que surgiu no século XVIII junto aos Vaudevilles franceses. Tinham por principal característica revisitar o passado, colocando “em revista” e de maneira cômica os acontecimentos da vida citadina cotidiana. Os espetáculos tinham por característica a reunião de números musicais entrecortados por cenas cômicas, quadros de fantasias e cenas apoteóticas que eram grandiosas e reuniam todo o elenco, finalizando a obra. No Brasil, as Revistas despontaram na década de 1910.
4. As particularidades e estética de cada grupo:4.1 Clowns de Shakespeare
O primeiro espetáculo da companhia foi Arte Pura-Literatura sem Censura,
construído em 1992. Em 1993, oficialmente fundados, montaram a primeira obra de
Shakespeare, Sonho de Uma Noite de Verão. Após passagem do diretor Fernando
Yamamoto pela Inglaterra, o coletivo investiu em sua formação trazendo para a
capacitação dos atores os profissionais: Sávio Araújo, Edson Claro e Marcelo Neves.
Em 1996 tiveram o primeiro contato com a linguagem do palhaço por meio de
Adelvane Néia.
Anos mais tarde, estrearam dois espetáculos, o infantil Fábulas e O Casamento do
Pequeno Burguês, de Bertolt Brecht. Em 2009 montaram O Capitão e a Sereia, livre
criação a partir do livro homônimo de André Neves. 2010 foi marcado pela criação da obra
Farsa da Boa Preguiça, em parceria com o grupo paraibano Ser Tão Teatro. Em seguida
criaram Sua Incelença, Ricardo III, com direção de Gabriel Villela. Esta obra proporcionou
ao grupo a participação em importantes festivais brasileiros, além de cumprirem, em
2012, pequena temporada no Sesc Belenzinho em São Paulo.
4.2 Cia da RevistaA Cia da Revista tem por estética base as proposições do teatro de revista,
buscando o diálogo desta linguagem com o momento histórico vivenciado e com o país.
Também utilizam como inspiração os cabarés alemães, uma vez que para o diretor Kleber
Montanheiro, este é um gênero extremamente teatral e provocativo. Neste sentido, a
companhia resgata em suas pesquisas, principalmente, a forma musical e os artistas da
época, o que alimenta as construções cênicas.
A primeira obra do coletivo foi A Cor de Rosa (1995-1999), musical baseado em
Noel Rosa. Em 1999, estrearam um dos espetáculos mais importantes do repertório,
Kabarett (1999-2000) que procurou a construção e posterior desconstrução da fábula,
além do constante diálogo com o público.
De 2001 a 2003 fizeram parceria com o grupo As Graças e construíram Tem
Francesa no Morro, narrando, a partir de quatro vedetes, a história de demolição do
espaço Teatro Recreio no Rio de Janeiro.
2007 e 2008 foram marcados pela construção do espetáculo infantil O Doente
Imaginário uma adaptação da peça de Molière. Posteriormente, Cada Qual no Seu Barril
(2011), também infantil, caracterizou-se por forte imersão nos acontecimentos do mundo.
Foi livremente inspirado no livro de Ruth Rocha – Dois idiotas sentados cada qual no seu
barril e teve por característica a construção física improvisacional.
Carnavalha criado em 2011 baseou-se na peça brechtiana Ascensão e Queda da
Cidade de Mahagonny. Foi o resultado de uma pesquisa de três anos a partir da
conquista da Lei de Fomento ao Teatro.
Em 2012 Cabeça de Papelão, livremente inspirado em O Homem da Cabeça de
Papelão de João do Rio, marcou a companhia pela excelente mescla entre a revista e o
gênero épico.
4.3 Cia do TijoloA companhia possui um trabalho em seu repertório, Concerto de Ispinho e Fulô,
uma obra que conta a história de um grupo de atores que vão à Assaré (CE) para
entrevistar Patativa. Neste processo, comentam sobre o sítio Santa Cruz do Deserto, um
local que abrigava várias pessoas que ali subsistiam e viviam em comunidade, mas que
foram atacados brutalmente, todos mortos, por uma luta territorial.
A companhia trabalhou com o gênero épico para contar a história, repleta de
músicas em que o sertão pode ser ouvido e visto a partir de objetos e figurinos que
passeiam pelo espetáculo, mas também pode ser observado em qualquer comunidade
atacada injustamente como a do Pinheirinho em 2011. Possuem no elenco integrantes de
vários outros coletivos como Ventoforte, Casa Laboratório e Cia São Jorge. São eles:
Karen Menatti, Aloísio Oliver, Rogério Tarifa, Thais Pimpão, Jonathan Silva e Mauricio
Damasceno.
5. Apontamentos Finais: Durante um semestre pudemos estudar, observar e vivenciar este fenômeno que
vem tomando grandes proporções no país, principalmente na cidade de São Paulo.
Tivemos a oportunidade de conhecer e visitar três coletivos paulistanos: Engenho
Teatral, Cia Hiato e Cia Antropofágica, além de um encontro no Instituto de Artes da
Unesp com cinco mulheres, profissionais do teatro: Patrícia Guifford (Cia São Jorge),
Verônica Fabirini (Boa Companhia, de Campinas), Andreia Nhur (Grupo Katharsis, de
Sorocaba), Renata Melo e Fernanda Azevedo (Cia Kiwi). Os encontros não só
proporcionaram conhecimento, como também o início de uma amizade com estas
pessoas, militantes que constroem nossa história teatral diariamente.
No que concerne a esta pesquisa, destacamos a importância em recuperar a
historiografia destes grupos, que possuem forte papel no universo de nosso teatro,
auxiliando na manutenção da história do Brasil. Ter a oportunidade de redigir sobre eles
nos dá a certeza de termos auxiliado fortemente para o registro histórico do Teatro
Brasileiro.
6. Referências Bibliográficas:Revista Clowns de Shakespeare, 15 encontros (15 anos).
Revista Balaio, ano 1, nº 1, set-09.
Sites Pesquisados:http://www.youtube.com/watch?v=Rf6WziISFL8. Acesso em 10/10/2012.
http://concertodeispinhoefulo.blogspot.com.br/. Acesso em 10/10/2012.
www.clowns.com.br. Acesso em 17/10/2012.
http://www.ciadarevista.art.br/. Acesso em 24/10/2012.
http://www.nossadica.com/kabarett.php. Acesso em 07/11/2012.
Portfólio Cia da Revista - reunião de matérias de jornais acerca de todos os espetáculos
do grupo: http://www.ciadarevista.art.br/paginas/index.asp?link=btHistorico. Acesso em
14/11/2012.
1. À Guisa de Introdução
O teatro de grupo é uma condição teatral na qual os artistas se unem por meio de
um processo de afinidades estéticas e ideológicas. Essa categoria desenvolve a produção
e organização teatral a partir da busca do grupo por uma mesma finalidade, criando um
processo de continuidade e pesquisa do feito teatral, que caracteriza o desenvolvimento
de uma linguagem própria.
A prática coletiva assume um lugar de dissonância em relação ao modo de
produção comercial do teatro, em que a maior preocupação é o espetáculo final em vez
da formação dos artistas e da pesquisa cênica.
O movimento de teatro de grupo tem se mostrado cada vez mais forte, revelando
uma constelação de elementos estéticos e processos criativos diversos. Assim, o teatro
de grupo tem dado novos rumos a prática desta arte no Brasil, por conta de sua
multiplicidade artística e política.
2. Os motivadores da escolha
Este trabalho pretende analisar três grupos de teatro da atualidade, sendo que
dois deles tem sede na cidade de São Paulo (Cia. Club Noir e Cia. Livre) e o outro em
Porto Alegre (Ói Nóis Aqui Traveiz).
Escolhemos a Cia. Club Noir por sua linguagem peculiar pautada no pós-
dramático; a Cia. Livre foi escolhida por ser um campo desconhecido que ansiamos
pesquisar, devido a sua importância na cena teatral paulistana contemporânea e o Ói Nóis
Aqui Traveiz nos interessa pela preocupação social e por sua estética popular, uma vez o
coletivo transita, também, com a linguagem do teatro de rua.
Depois de quatro anos estudando teatro no Instituto de Artes da Unesp, trocamos
experiências, tanto práticas quanto teóricas, que moldaram nosso feitio teatral. Durante
esse período, estudamos e discutimos muitos tipos de manifestações teatrais, dentro e
fora do Brasil.
Nossas escolhas estéticas são, em parte, fruto do desenvolvimento originado
desse processo e estarão sublinhadas aqui.
3. Grupos teatrais
3.1. Cia. Club Noir
O Club Noir, sediado no centro de São Paulo, foi fundado em 2006 pelo diretor e
dramaturgo Roberto Alvim e pela atriz Juliana Galdino. O objetivo da companhia era
encenar prioritariamente autores contemporâneos (brasileiros e internacionais), embora
tenha adaptado clássicos do teatro e da literatura à sua estética. Segundo Alvim:
Nosso trabalho em arte é norteado pela criação de espetáculos que traduzem cenicamente as obras de autores contundentes, provocativos, desestabilizadores; criadores de Poéticas que nos levam a construir o modo como percebemos, pensamos e sentimos o mundo [...] (ALVIM, s.n.).9
Por conta do estudo da obra dos novos autores, os integrantes da companhia
sentiram a necessidade de aprofundamento em técnicas específicas no que concerne à
atuação/encenação destes textos. Surgiu assim, a pesquisa do Club Noir: a investigação
da palavra e a exploração inusual da fala humana. Ao longo de seus seis anos de
existência, a companhia assimilou uma série de novos componentes em sua formação.
Atualmente, o Club Noir se configura como um grupo de aproximadamente 15 artistas,
que trabalham diariamente em sua sede.
9 Esta referência foi retirada do sítio oficial da Cia. Club Noir e pode ser encontrada no seguinte endereço 4eletrônico: www.ciaclubnoir.com.br.
Fotos (da esquerda pra direita): Orestéia II, adaptação de Roberto Alvim à tragédia de Ésquilo, e Happycinio, de Angélica R. Kauffmann. Ambas ficaram em cartaz no Club Noir em 2012. Fotos: Julieta
Bacchin e Gabriel Chiarastelli.
3.2. Cia. Livre
Foto da peça Vemvai – O Caminho dos Mortos, de Newton Moreno, que estreou em 2007. Foto: Roberto Setton.
A Cia. Livre foi fundada em 1999, em São Paulo, por Alessandra Rodrigues, Cibele
Forjaz, Edgar Castro, Isabel Teixeira e Simone Mina. Ao longo dos anos, muitos outros
artistas foram agregados ao coletivo. O maior objetivo da companhia era criar um grupo
de artistas criadores que se revezassem em diversas funções no fazer teatral.
Em toda a sua trajetória, a Cia. Livre priorizou a pesquisa cênica e teatral e
realizou oito grandes projetos: Tragédias Cariocas de Nelson Rodrigues - Estudos
Públicos (1999); Projeto Kroetz (2003); Arena Mostra Novos Dramaturgos (2004); Arena
Conta Arena 50 anos (2004); Diálogos Entre Teatro e Rito - Estudo Público (2008); Teatro
e Ritual: Mito de Amor e Morte - 3 Estudos Cênicos (2009); Cia. Livre 10 anos - Estudo
Público (2010); África/Brasil - Estudo Público (2011).
Em 2006 os integrantes da Cia. Livre ocuparam um galpão na Barra Funda e,
desde então, esta é a sua sede. Esse espaço, denominado “Casa Livre”, reúne o acervo
cênico do grupo e é o local onde criam, ensaiam e, por vezes, apresentam suas peças.
3.3. Ói Nóis Aqui Traveiz
A Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz surge em março de 1978, em Porto
Alegre (RS), em um momento de ebulição social e de luta pelas liberdades democráticas.
Assim, a ideia dos artistas era a de fazer um teatro que estivesse ligado a tudo o que
estava acontecendo no país. O coletivo pretendia não só fazer uma reflexão do momento
político atual, mas também trazer novos elementos estéticos em sua forma teatral.
Por que “Tribo de Atuadores”? O termo tribo, é usado para trabalhar a ideia da
não-hierarquia nas funções do grupo e a noção de “atuador” vem para ressaltar a
importância de um artista que é atuante e consciente, tanto na criação teatral quanto em
suas relações socais.
Em 1984, o Oi Nóis Aqui Traveiz inaugura sua sede, chamada “Terreira da Tribo”.
Assim como o grupo, a sede é gerida por uma forma de organização coletiva. Em 2000,
por conta da experiência desenvolvida com Oficinas Populares de Teatro, o coletivo
constituiu a Escola de Teatro Popular da Terreira da Tribo.
O Ói Nóis Aqui Traveiz é referência internacional para o teatro de rua e, por esse
motivo, o grupo é frequentemente convidado a participar de conferências internacionais
de teatro para relatar suas experiências.
Foto da peça O Amargo Santo da Purificação, da Cia. Óis Nóis Aqui Traveiz, que estreou em 2008. Foto: Cláudio Etges
4. As particularidades estéticas dos grupos escolhidos
4.1. Cia. Club Noir
Roberto Alvim afirma que o teatro feito pelo Club Noir é uma “alteridade radical”
em relação a outras formas estéticas estabelecidas no panorama teatral, inclusive no que
concerne ao teatro contemporâneo.
Nos espetáculos da companhia não há espaço para a ação – os atores ficam
grande parte do tempo paralisados no palco, não agem, apenas falam; não há espaço
para personagens – a companhia transita com o que eles chamam de “figuras”; bem
como não há espaço para a história contada por meio de diálogos – não se tratam mais
de diálogos, mas sim de “monólogos desarticulados”. O Club Noir nega em suas
encenações os seguintes preceitos: narrativa, fábula, ação, diálogos, personagens etc.
Tais características, dentre outras, aproximam o grupo do chamado “teatro pós-
dramático”.10
Ao longo de sua trajetória, o Club Noir encenou textos de dramaturgos
contemporâneos como Harold Pinter e Richard Maxwell. Além disso, a companhia, por
vezes, propõe uma adaptação a clássicos do teatro e também encena textos inéditos. Em
2012, por exemplo, o Club Noir estreou onze peças, sendo que cinco delas foram peças
inéditas de dramaturgos brasileiros e as outras seis foram tragédias de Ésquilo,
adaptadas por Roberto Avim.
10 O conceito de “teatro pós-dramático” foi cunhado por Hans-Thies Lehmann (2012).
Foto da encenação de Comunicação a uma academia, de Franz Kafka, que ficou em cartaz no Club Noir em 2009. Este trabalho rendeu à Juliana Galdino uma indicação ao prêmio Shell de melhor
atriz. Foto: Edson Kumasaka.
4.2. Cia. Livre
Foto da peça Raptada pelo Raio 2.0, de Pedro Cesarino, que ficou em cartaz em 2011. Foto: Cacá Bernardes.
A Cia. Livre sempre trabalhou com diversas raízes estéticas, apesar disso, elas
possuem um fio condutor em comum: a pesquisa teatral continuada. A princípio, com a
leitura encenada de sete peças de Nelson Rodrigues, a companhia pretendia ser rotatória:
a direção passava de mão em mão e todos entravam em cena. Esse estudo inicial rendeu
novas montagens, como Toda nudez será castigada e Os sete gatinhos. Cada um com
um diretor diferente, as montagens ficaram totalmente distintas. Assim, para que
mantivessem certa identidade artística, preferiram deixar sempre a direção de arte nas
mãos de Simone Mina e a iluminação à Alessandra Domingues.
Nos anos que se seguiram, a Cia. Livre passou por linguagens diversas e
destacaremos dois momentos que, a nosso ver, mostram a variedade estética que
perpassou à trajetória da companhia: o primeiro foi quando o grupo colocou em prática o
projeto Tennessee Williams 4 x 4, que tinha como objetivo estudar o realismo; o segundo
foi quando a Cia. Livre ocupou o Teatro de Arena Eugênio Kusnet e transitou com a
linguagem épica.
Várias pesquisas foram realizadas e o projeto mais recente da companhia foi o
denominado “África/Brasil – Estudo Público”, que deu origem ao espetáculo A travessia da
Calunga Grande, que ficou em cartaz em 2012, no Sesc Pompeia.
4.3. Ói Nóis Aqui Traveiz
O Ói Nóis Aqui Traveiz tem uma organização não formal: denominam-se como
uma tribo, na qual não há hierarquia entre os artistas, e afirmam que o grupo é uma
comunidade onde todos produzem, dirigem e atuam. O grupo transita, fundamentalmente,
com a linguagem do teatro de rua. Os “atuadores” acreditam que esse tipo de
manifestação artística permite uma relação espontânea com o público, pois o espectador
participa, compartilha e, inclusive, modifica as cenas que vê. Segundo os artistas, esse
tipo de relação é o que caracteriza o que eles chamam de “Teatro de Vivências”.
As escolhas estéticas do Ói Nóis Aqui Traveiz tem como base: a composição
indígena; preceitos artaudianos; teatro físico; ações não cotidianas, da dança e do ritual;
conceitos de Grotowski; características do teatro pânico e do teatro épico brechtiano.
O grupo teatral também valoriza a pesquisa do trabalho de ator, que deve
renunciar as suas máscaras psico-sociais, estar sempre lúcido e ambicionar mudar a
sociedade.
Ao todo, o Ói Nóis Aqui Traveiz encenou trinta e uma peças, dentre elas estão: A
divina Proporção (1978), Fim de Partida (1986), A exceção e a regra (1986) e A Missão
(2006).
Foto da peça A saga de Canudos, de César Vieira, que estreou em 2000. Foto: Rafael Nino.
5. À Guisa de Conclusão
Durante toda a nossa trajetória na universidade, descobrimos diversas facetas da
cena teatral nacional e nos surpreendemos com a multiplicidade de linguagens dos vários
grupos que fizeram e que fazem parte da nossa história. Além disso, tivemos contato com
artistas arrebatadores, passamos a valorizar os diferentes tipos de propostas estéticas e
nos desfizemos de preconceitos.
O presente trabalho veio para corroborar com tudo o que vivemos nos últimos
quatro anos. Escolhemos três grupos muito diversos, tanto em suas formas quanto em
seus ideais políticos. Cada qual com sua pesquisa, com seus ideais, com suas propostas
e vontades, os grupos escolhidos nos surpreenderam com o trabalho que fazem e isso,
para nós, foi o mais enriquecedor desta pesquisa.
Por fim, ressaltamos o desafio de escrever um texto a quatro mãos,
principalmente, se tratando de trechos tão sucintos como estes. Todas as vezes que nos
reuníamos, tínhamos que discutir, escrever, (re)escrever... Trabalhar juntas certamente
nos fez amadurecer.
Assim, finalizamos este trabalho muito satisfeitas com a pesquisa realizada e
também por compartilhar, por meio deste editorial, parte de nosso aprendizado sobre três
grupos teatrais tão diferentes.
6. Referências Bibliográficas
ALVIM, Roberto. Dramáticas do Transumano e outros escritos seguidos de Pinokio. Rio de
Janeiro: Editora 7 letras, 2012.
_____________. História. Disponível em www.ciaclubnoir.com.br. São Paulo, s.n.
Acessado em 21 de setembro de 2012.
CAMARGO, Robson Corrêa de. A crítica e a crítica genética: diálogos sobre o
entendimento do espetáculo teatral. Goiás, 2008. Disponível em:
http:/www.ufg.academia.edu/RobsonCamargo/Papers/78081/Teatro_e_Recepcao._A_Criti
ca_e_a_Critica_Genetica._Dialogos_sobre_o_entendimento_do_espetaculo_teatral.
Acessado em 15 de setembro de 2012.
KOUDELA, Ingrid Dormien. A encenação contemporânea como prática pedagógica.
Florianópolis, 2008. p. 45-54. Disponível em:
http://www.ceart.udesc.br/ppgt/urdimento/2008/especial/urdimento_10_especial.pdf.
Acessado em 30 de maio de 2012.
LEHMANN, Hans-Thies. Teatro pós-dramático. São Paulo: Cosac Naify, 2007.
SANTOS, Valmir. Ói Nóis Aqui Traveiz: a história através da crítica. Disponível em
http://www.teatrojornal.com.br/v1/index.php?option=com_content&view=article&id=667:oi-
nois-aqui-traveiz-a-historia-atraves-da-critica&catid=42:prefacios&Itemid=62. Acessado
em 12 de outubro de 2012.
Vídeos do Youtube:http://www.youtube.com/watch?v=mVqCbqIth6k
http://www.youtube.com/watch?v=v8G-ZKQHPaE
Sítios consultados: http://www.cialivredeteatro.com.br/. Acessado em 17 de outubro de 2012.
http://www.oinoisaquitraveiz.com.br/. Acessado em 17 de outubro de 2012.
http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_teatro/index.cfm?fuseaction=cias_biografia&cd_verbete=8942. Acessado em 19 de outubro de 2012.
http://www.itaucultural.org.br/aplicExternas/enciclopedia_teatro/index.cfm?fuseaction=cias_biografia&cd_verbete=5912. Acessado em 19 de outubro de 2012.