As Muitas Vozes de Uma Resenha Crítica

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  • 7/26/2019 As Muitas Vozes de Uma Resenha Crtica

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    XI Congresso Internacional da ABRALICTessituras, Interaes, Convergncias

    13 a 17 de julho de 2008USP So Paulo, Brasil

    AS MUITAS VOZES DE UMA RESENHA CRTICA:

    por uma concepo interativo-dialgica da linguagem

    Prof. Dr. Ana Maria Pires Novaes (UNISUAM/ UNESA/ ISERJ)

    ResumoEste estudo, fundamentado na proposta bakhtiniana dos gneros do discurso e nosconceitos de dialogia, interao e polifonia, visa demonstrar que o gnero resenha crticase caracteriza como um evento interacional em que o enunciador, alm de dialogar com oautor do texto original, traz tona outros discursos, outras vozesque circulam na vidasocial. A forma composicional, a temtica e o estilo atestam a natureza argumentativadesse gnero que se desenvolve, entre outros, no contexto acadmico.

    Palavras-chave: gnero discursivo; resenha crtica; dialogismo; interao; polifonia.Introduo

    O objetivo deste trabalho analisar o papel da insero da voz do autor do texto resenhado edo dizer de outros autores na construo do gnero resenha crtica, a partir de um corpus,constitudo de 20 textos produzidos por alunos do Curso Normal Superior do Instituto Superior deEducao do Estado do Rio de Janeiro (CNS/ISERJ).

    Na anlise so observadas as marcas lingsticas - discurso direto, uso das aspas, discursoindireto ou parfrase, conectores ou operadores argumentativos, formas pronominais de primeira outerceira pessoa, expresses valorativas, entre outras caracterizadoras desse gnero, que circula, em

    especial, no domnio discursivo acadmico.Com base nos conceitos bakhtinianos de dialogia, interao e polifonia, busca-se demonstrar

    que, ao avaliar as informaes contidas em uma obra resenhada, no caso do estudo aqui apresentadoA leitura funcional e a dupla funo do texto didtico(PERINI, 1995), aquele que enuncia, alm dedialogar com o autor do texto original, traz para si a responsabilidade daquilo que dito.

    1. Pressupostos Tericos

    Para Bakhtin, cujos princpios tericos embasam este estudo, a interao verbal a realidadefundamental da linguagem, o princpio constitutivo do processo de comunicao e a condio desentido do discurso. Cada palavra emitida determinada tanto pelo fato de que procede de algum,como pelo fato de que se dirige para algum. Ela constitui justamente o produto da interao do

    locutor e do ouvinte. (BAKHTIN,2004:113).

    Na viso desse autor, o discurso no individual, porque se constri em decorrncia dessareciprocidade. Alm disso, enquanto objeto social, todo discurso se constri tambm como umdilogo entre discursos, visto que a situao social mais imediata e o meio social mais amplodeterminam completamente e, por assim dizer, a partir do seu prprio interior, a estrutura daenunciao (BAKHTIN, 2004:113). Ao considerar o dialogismo o princpio constitutivo dalinguagem, esse estudioso coloca o texto como objeto central de investigao das cincias humanas,concebendo-o como um objeto lingstico-discursivo, social e histrico.

    Ao empreender uma crtica ao objetivismo abstrato do Estruturalismo e ao subjetivismoidealista da Estilstica, Bakhtin, fundamentado nos pressupostos do materialismo histrico, propeuma outra perspectiva de abordagem: os sujeitos scio-historicamente organizados, constituem ossentidos na interao verbal, e o enunciado, produzido sempre em um contexto especfico,caracteriza-se como unidade real de comunicao pela possibilidade de estabelecer uma alternncia

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    dos sujeitos falantes. Dessa forma, na perspectiva bakhtiniana, compreender a enunciao deoutrem significa orientar-se em relao a ela, encontrar o seu lugar adequado no contextocorrespondente(BAKHTIN, 2004:131).

    Ao assumir que o enunciado, enquanto elo na cadeia da comunicao verbal, est voltado

    no s para o seu objeto, mas tambm para o discurso do outro acerca desse objeto, Bakhtin(2000:320) esclarece:

    [...] o enunciado est ligado no s aos elos que o precedem mas tambm aos quelhe sucedem na cadeia da comunicao verbal. No momento em que o enunciadoest sendo elaborado, os elos, claro, ainda no existem. Mas o enunciado desde oincio, elabora-se em funo da eventual reao-resposta, a qual o objetivopreciso de sua elaborao. [...] Os outros, para os quais meu pensamento se torna,pela primeira vez, um pensamento real (e, com isso, real para mim), no soouvintes passivos, mas participantes ativos da comunicao verbal.

    Assim, para o terico russo, o aspecto essencial da linguagem no o sistema abstrato deformas lingsticas, mas o fenmeno da interao verbal que se realiza atravs da enunciao.1

    Enquanto princpio constitutivo da linguagem, o dialogismo tem uma dupla dimenso: a dedilogo entre interlocutores e a de dilogo entre discursos. A primeira, diz respeito s relaes entresujeitos que interagem; a segunda, configura as vozes que ecoam da comunidade, da cultura, davida social. Nesta, o discurso de um indivduo interage com outros discursos, explcita ouimplicitamente; tecido tambm por outras vozes que, ao emergirem de um contexto mais amplo da histria, da memria se entrecruzam, se completam, polemizam entre si na construo desentidos. Desse modo, um enunciado, produzido em um momento scio-histrico determinado, no

    pode deixar de refletir um dilogo social mais amplo, em que esto presentes tambm aspectosscio-ideolgicos.

    Brait (2002:143), ao discutir a interao na escrita, salienta que para Bakhtin a caracterstica

    dialgica da linguagem estende-se a qualquer enunciao e est presente em todas as formas deinterao verbal:

    [...] o ato impresso um elemento da comunicao verbal e, neste sentido,configura-se, enquanto existncia, como objeto de discusses ativas. Ele depende,como qualquer outra interao verbal, da recepo ativa e da esfera em que se d suaproduo, circulao e recepo. Isso significa considerar essa interao no apenasno momento em que um texto institucionalmente estudado ou divulgado, nosentido acadmico e jornalstico, digamos assim, mas tambm a interao enquantodilogo que esse texto estabelece com o leitor comum, que no necessariamente terde se expressar sobre ele. [...] Ao explicitar que a interao no diz respeitounicamente ao discurso oral [...] o autor inclui aspectos referentes s diferentes

    possibilidades de interao promovidas por um mesmo ato impresso, dependendo daesfera de atividade.

    Nesta perspectiva, todo discurso uma realizao interativa, fruto de uma atividade verbalentre sujeitos atuais ou no, co-presentes ou no, que, reciprocamente, se influenciam. Em outras

    palavras, o falar essencialmente um processo dialgico.

    Ao organizar o texto de maneira a compreender e a se fazer compreender, o locutor, alm doinstrumental lingstico oferecido pela lngua, mobiliza normas e estratgias de uso que secombinam com regras culturais, sociais e situacionais, conhecidas e reconhecidas pelos

    participantes do evento interacional. A compreenso, sob o prisma da interatividade, torna-se

    1 Para Bakhtin (2004), o produto da interao social, quer se trate de um ato de fala determinado pela situaoimediata ou pelo contexto mais amplo que constitui o conjunto das condies de vida de uma determinada comunidadelingstica.

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    atividade altamente complexa de produo de sentido, realizada por parceiros que interagem numadada situao sociocomunicativa.

    2. O Gnero Resenha Crtica

    A noo bakhtiniana de gnero amplia o conceito do termo para um conjunto de prticas

    discursivas que decorrem do fato de ser a linguagem utilizada de diferentes maneiras, paradiferentes funes e em diferentes situaes sociais. Cada uma dessas situaes determina gneroscom caractersticas temticas, composicionais e estilsticas prprias. Assim, os gneros discursivostm uma forma tpica, padro de serem realizados, moldada no social, na cultura, e apresentamgrande heterogeneidade em decorrncia de serem as esferas de utilizao da lngua extremamentevariadas.

    Os gneros so, na verdade, estruturas que se sedimentaram, cristalizaes de prticassociais que se distribuem tanto pela oralidade quanto pela escrita e foram se constituindohistoricamente, na medida em que novas atividades foram realizadas pelos indivduos. Nas prticasdiscursivas, a adoo de um gnero, considerado o mais adequado expresso de determinadas

    intenes e situao interativa, implica no s a aceitao de suas singularidades mais constantes,mas tambm sua adaptao criatividade dos agentes, que, adotando um estilo prprio, contribuempara a transformao dos modelos.

    Nas mais diversas situaes sociais, o produtor do texto vai buscar no intertexto2 o gneroque lhe parece adequado (KOCH,2003:55). o querer-dizer do locutor, seu intuito discursivo, olugar social dos participantes, a situao sociocomunicativa que determinam o gnero em que oenunciado ser estruturado.

    Partindo do pressuposto de que a vida social exige do indivduo o domnio de gnerosespecficos das esferas de atividade em que atua, considera-se fundamental o trabalho didtico comesse gnero, haja vista sua presena constante na vida do estudante, em especial do universitrio.

    Os textos que constituem o corpus deste trabalho foram produzidos por alunos do 6 perododo CNS/ISERJ, a partir da leitura, em sala de aula, do artigoA leitura funcional e a dupla funo dotexto didtico (PERINI, 1995). Aps anlise do texto e discusso do tema, foram ativados nosalunos conhecimentos sobre o gnero resenha o tipo de informao veiculada, a naturezaargumentativa do texto, a presena da intertextualidade atravs de citaes e parfrases, o papel doresenhador e os critrios de avaliao. Para a produo escrita, foram considerados conhecimentosacerca da estrutura a ser adotada e da finalidade descritivo-avaliativa desse gnero discursivo.

    Scheneuwly e Dolz (2004:61), ao apresentarem uma proposta de diviso dos gneros, situama resenha crtica entre os gneros da ordem do argumentar, cujo domnio social de comunicao oda discusso de temas ou problemas sociais controversos, com o objetivo de um entendimento e

    uma tomada de posio diante deles.A resenha pode ser considerada como um contnuo entre descrio e avaliao, tendendo ora

    para um, ora para outro extremo. As mais objetivas tendem a apresentar textos mais descritivos,atendo-se ao contedo informacional; as que conseguem combinar, de forma mais equilibrada, ainformao e a avaliao, enquadram-se, com mais propriedade, s exigncias do gnero.

    A resenha, objeto desta pesquisa, caracteriza-se por dois objetivos principais: apresentar asidias do autor sobre o tema ou o resumo da obra e os comentrios do resenhador, direcionados aalgum tipo de avaliao.

    2 Constitudo pelo conjunto de gneros de texto elaborados por geraes anteriores e que podem ser utilizados numasituao especfica, com eventuais transformaes (KOCH, 2003:55). Outros autores chamam a esse conjunto deinterdiscurso.

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    Importa assinalar que, embora a resenha crtica seja um gnero presente em diferentesatividades profissionais, no estudo que se realiza, o que importa observar a sua existncia nomundo acadmico e verificar como se configura nesse contexto de situao.

    Constata-se, inicialmente, no corpus constitudo de vinte textos, a presena dos seguintes

    dados: quatorze textos so, de fato, resenhas crticas, ou seja, atendem finalidade descritivo-avaliativa desse gnero discursivo; quatro so resenhas que apresentam, apenas, a descrio doobjeto e duas no atendem s caractersticas composicionais, uma vez que se restringem acomentrios de aspectos relevantes do tema, sem qualquer referncia ao autor do artigo resenhado.

    Analisando a construo das resenhas crticas, observam-se algumas caractersticas de suaestrutura. Nos pargrafos iniciais (freqentemente no primeiro pargrafo), o produtor apresenta oautor a quem, muitas vezes, qualifica , o tema e os objetivos do artigo resenhado.

    Transcrevem-se exemplos:

    Mrio Perini, professor de lingstica da UFMG, em seu artigo A leiturafuncional e a dupla funo do texto didtico, faz um diagnstico e uma reflexo

    crtica sobre um assunto muito discutido nos dias de hoje no mbito pedaggico: oanalfabetismo funcional (19, 1-3)

    Nos pargrafos seguintes, o produtor sumariza o contedo, delineando a organizao geraldo artigo:

    [...] O autor destaca caractersticas do analfabeto funcional, apontando asdificuldades resultantes de sua condio, passando a enfatizar a problemticaescolar que gera e mantm tal condio.

    Nos cinco primeiros pargrafos do texto o autor expe o que um analfabetofuncional demonstrando atravs de situaes exemplo sua fragilidade frente asexigncias da sociedade atual.

    Nas pginas que se seguiram o autor procurou buscar dentre as deficincias jconhecidas do sistema escolar a que era mais pertinente questo, chegandoassim qualidade dos textos que os alunos dispem. Observando que por serem demaioria pobre os alunos acabam tendo acesso a leitura feita na escola,basicamente a do livro didtico, durante o perodo em que permanecem nela. A

    partir desta concluso o autor indica consideraes a serem feitas que permitammelhores resultados [...] (14, 4-21)

    No texto 13, as expresses introdutrias de pargrafos, muito bem utilizadas pela produtora,indicam a progresso das informaes do artigo resenhado:

    Neste captulo o autor nos convida para uma reflexo sobre a situao atual da

    leitura no Brasil. Enumerando as causas, ditas por ele como verdades: [...]Aps a reflexo, o autor se prende a uma das muitas deficincias que se liga bemde perto questo de aquisio da leitura funcional.

    [...]

    Dentro dessa problemtica emergencial foi sugerido como soluo: capacitar osalunos leitura de textos informativos. [...]

    Partindo desta afirmao coube ao autor salientar a importncia do livro didtico[...]

    Devido a este fato o autor prope uma srie de sugestes para tentar sanar estadificuldade na leitura por parte dos alunos e conseqentemente melhorar o

    problema da aquisio da leitura funcional. (13,1-24)

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    Ao sumarizar o contedo, o produtor, muitas vezes, o discute e constri argumentos,posicionando-se a respeito da questo tratada:

    [...] Em geral, reafirma o fato do grande contingente da populao brasileiraadulta ser funcionalmente analfabeta, ou seja, indivduos que so escolarizados,mas que s aprenderam a decodificar palavras e no conseguem compreender osentido de um texto, seja ele simples ou no. A conseqncia desse fato no nos muito estranha, tendo em vista que cada vez mais crescente o nmero de pessoassubordinadas a outras, que no tm garantido seu direito de lei, porque no lhes

    foram oferecidos meios para que pudessem desenvolver seu censo crtico e um usofuncional da leitura e da escrita. A escola, na verdade, no cumpriu com suatarefa de formar indivduos letrados, capazes de vivenciar hbitos de leitura eescrita. (19, 6-14)

    Em vrios textos, a direo argumentativa dos enunciados indicada por meio de conectoresque explicitam relaes de oposio conjunes coordenativas adversativas e conjunessubordinativas concessivas. Aquelas, mais freqentes, fazem prevalecer a orientao dos

    enunciados de que participam; estas, ao contrrio, anunciam, de antemo, que o argumento vai seranulado:

    Ele [o livro didtico] praticamente o nico material de que esse aluno dispeem tempo integral. Contudo, os alunos geralmente relutam em utiliz-lo; sentem-seincapazes de compreend-lo. [...] (3,31-33)

    Ao descrever sobre o assunto, o autor d nfase a questo do livro didtico comoobjeto crucial na aquisio da leitura funcional e que deve haver integrao entreautores, editoras e escolas para escolh-lo. Porm, este est sendo idealista no quediz respeito escolha deste material, j que muitas escolas so apenas notificadas,no participando da escolha dos livros adotados. (15, 27-30)

    O conhecimento de mundo da aluna, sua vivncia profissional, leva-a elaborao de umcontra-argumento, atravs do qual revela ao interlocutor que, na prtica, a escolha do livro didticono to democrtica quanto se apregoa.

    No exemplo transcrito a seguir, a estratgia outra: para enfraquecer a posio do autor, trazo argumento por ele utilizado em uma construo concessiva, fazendo preponderar a orientaoargumentativa da orao seguinte (este no poderia ser material nico, ou mesmo imprescindvel

    para o trabalho):

    Alm disso, mesmo que fosse possvel que a escola como o professor escolhessemo livro didtico, este no poderia ser material nico, ou mesmo imprescindvel

    para o trabalho; porque so inmeros os textos que poderiam ser utilizados forado livro didtico e que provavelmente o aluno pudesse utiliz-los durante a vidacom melhor acesso.(15, 31-34)

    Ao discutir o tema e o ponto de vista do autor, os resenhadores fazem uso dessas marcaslingsticas, cuja funo indicar, mostrar a fora argumentativa dos enunciados, a direo ou osentido para o qual apontam. Desse modo, visam conduzir o interlocutor a determinadas concluses,a um posicionamento ou mudana de comportamento em relao a uma opinio.

    Koch (2004:131), ao tratar das marcas de articulao na progresso textual, destaca o papelde determinados conectores ou articuladores discursivo-argumentativos na conduo dosenunciados:

    Estes operadores articulam dois atos de fala, em que o segundo toma o primeirocomo tema, com o fim de justific-lo ou melhor explic-lo; contrapor-lhe ouadicionar-lhe argumentos; generalizar, especificar, concluir a partir dele;

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    comprovar-lhe a veracidade; convocar o interlocutor concordncia etc, sendo,assim, responsveis pela orientao argumentativa dos enunciados que introduzem[...]

    Nos pargrafos finais, atravs de conectores da concluso ou de palavras e expresses dessarea semntica, o resenhador finaliza a sumarizao e, s vezes, refora sua avaliao sobre o artigoresenhado ou sobre o tema em foco:

    Portanto, preciso planejar o livro didtico de modo a atender as necessidadesdo aluno, desenvolvendo critrios de dificuldade de acordo com as diversas sries,

    para que no haja perda de interesse e, conseqentemente, de conhecimento. Sassim poderemos ultrapassar a enorme barreira do analfabetismo funcional.(3,42-45)

    Por fim, o autor sugere situaes para tentar resolver o problema, onde assolues so complexas: a falta de boa vontade das autoridades educacionais,tradies arraigadas, falta de recursos etc.(14,99-102)

    A avaliao ou apreciao do artigo, em especial do posicionamento do autor, a respeito dotema, um dos objetivos da resenha crtica, aparece, concomitantemente sumarizao ou aps essaetapa, e se caracteriza por comportar marcas do sujeito enunciador. Palavras e construes dotadasde conotao valorativa so utilizadas ora para o autor ora para o prprio texto.

    Exemplifica-se:

    O texto indica de forma bem direta e sinttica as causas dos problemas queenfrentamos em nosso pas no que diz respeito leitura, que o autor intitula comosendo as duas verdades incmodas relacionadas leitura no Brasil (1,1-16)

    [...]E como um dos principais objetivos da escola tornar o indivduo capaz decompreender a lngua e os textos nela escritos, alm de produzi-los, a concluso(bastante lgica) do autor de que h algo errado com a estrutura da escola.(3,16-18)

    De forma simples o autor atingiu o propsito do texto que era chamar o leitorespara questes urgentes da problemtica da leitura funcional e do que se precisafazer para se conseguir mudar esse quadro em um curto prazo, o mais depressapossvel. (11, 29-33)

    Em algumas resenhas, as marcas do enunciador se tornam mais explcitas com o emprego da1 pessoa do singular e evidenciam uma tomada clara de posio no enunciado:

    Como leitora achei a obra bem direta, de boa interpretao, com um vocabulrioclaro e exemplos reais e cotidianos. Pude aprender sobre os analfabetos

    funcionais e como usar textos na sala com crticas. O artigo bem objetivo esimples. (17, 35-38)

    Encontra-se, ainda, em algumas resenhas, o uso da 1 pessoa do plural, marca lingstica queassinala um maior envolvimento dos alunos com o tema pelo fato de alguns j serem professores:

    Perini procura mostrar em seu estudo que o compromisso com a alfabetizao

    transcende as barreiras disciplinares, j que na posio de educadores, devemosestar engajados nesse processo que da responsabilidade de todas as reas. (9,15-19)

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    Enquanto isso, em outras, as marcas de 1 pessoa do plural so utilizadas com valorgenrico:

    Quando o indivduo apenas consegue assinar o seu nome e mal sabe decifrar oletreiro do nibus, ele sem dvida um analfabeto, pois se considerarmos osavanos tecnolgicos que desafiam o homem a cada instante a conviver comdiversas informaes simultneas, pode-se dizer que quem no consegueacompanhar estes avanos, est regredindo gradativamente, imagine aquelesujeito que nem um manual de instrues consegue entender? (6, 6-11)

    Como ltima etapa desse gnero, tem-se a avaliao final, cujo objetivo divulgar a obra,recomendando ou desaconselhando sua leitura:

    A obra se destina a todo estudante, a professores, pedagogos, s escolas e a todapessoa interessada em pesquisas escolares e/ou de interesse particular que sepreocupe com a evoluo da sua vida e profisso.(14,131-134)

    3. Polifonia: a voz do autor do texto resenhado e de outros autores

    Bakhtin (2004), ao considerar o dialogismo, princpio fundamental da linguagem, afirmaque o texto um tecido de muitas vozes3, a reconfigurao de outros textos que lhe do origem,que dialogam com ele, retomando-o ou mesmo a ele se opondo.

    Nessa perspectiva polifnica, as resenhas crticas passam a ser vistas como feixes de outrasvozes, cuja finalidade obter credibilidade e autoridade para a voz do enunciador. Ao avaliar asinformaes contidas em um livro resenhado, aquele que enuncia carrega para si aresponsabilidade do que enunciado (ARAJO, 2002:142). A heterogeneidade se revela nasmarcas lingsticas presentes nos textos: discurso direto, uso de aspas, discurso indireto ou

    parfrase, conectores ou operadores argumentativos, formas pronominais de primeira ou terceirapessoa, expresses valorativas, entre outras.

    No presente estudo, algumas dessas marcas j foram identificadas e analisadas. Por isso,comenta-se, a seguir, a insero da voz do autor do artigo resenhado e do dizer de outros autores.

    Ao mencionar o autor da obra, os produtores das resenhas utilizam, quase queexclusivamente, a parfrase:

    Os textos didticos segundo o autor tem uma dupla funo: primeiro como fontede informao de carter tcnico, e depois, a mais importante, que a de fornecero material para que o aluno, lendo, aprenda a ler. (1, 27-29)

    O autor conclui afirmando que se faz necessrio agir junto, autores, editoras e

    escolas, para o planejamento do livro didtico, j que este o instrumento deleitura de maior acesso dos alunos. (5, 38-44)

    As diferentes aes que o autor realiza no texto original so explicitadas no texto resenhadoatravs de uma srie de verbos: abordar, afirmar, analisar, apontar, concluir, considerar,constatar, definir, destacar, dizer, enfatizar, enumerar, esclarecer, expor, focalizar, indicar,

    propor, relacionar, relatar, sugerir, entre muitos outros.

    Apresentam-se exemplos:

    O autor diz no ter consultado nenhuma estatstica oficial, mas ele possuiargumentos que legitimam o que escreveu,[...] (6, 3-4)

    3Embora o conceito de polifonia tenha sido desenvolvido por Ducrot (1987) na Semntica Argumentativa, foi Bakhtino primeiro estudioso a elaborar esse conceito, defendendo a idia de que todo texto um objeto heterogneo, isto ,constitudo de vrias vozes (ARAJO, 2002:143)

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    Ele aponta o livro didtico como um material escrito em que o aluno tem contatointenso e prolongado. E afirma que s aprende a ler, lendo, ou seja, que a leituranascer do convvio com o material escrito adequado, e somente dele. (14, 50-54)

    Esses verbos distribuem-se ao longo dos textos e traduzem as aes do autor nas diferentespartes da obra. So predominantemente empregados no presente do indicativo.

    Em vrias ocasies, essas aes so atribudas ao prprio artigo/obra:

    A obra trata da leitura funcional e como o texto didtico pode contribuir paraque se atinja, visto que o contato com esse tipo de literatura bem maior do quecom outras, [...] (11, 1-3)

    O texto indica de forma bem direta e sinttica as causas dos problemas que

    enfrentamos em nosso pas no que diz respeito leitura, que o autor intitula comosendo as duas verdades incmodas relacionadas leitura no Brasil [...](1, 4-6)

    As aspas sinalizam pequenas inseres do texto original no texto resenhado, e seu uso indicaa atribuio da autoria:

    [...] o livro didtico um instrumento importante e este ponto aponta para aresponsabilidade de quem est ligado a leitura desse material de que deve-se fazertextos didticos que ... optimizem seu efeito como instrumento de alfabetizao

    funcional... (11, 19-23)

    Considerando que o Brasil tem grande potencial para desenvolver prticas para

    promover e elaborar trabalhos relevantes na educao, o autor coloca em pauta a2 verdade incmoda, de como a escola pode e deve dar conta dessa tarefa dealfabetizar permanentemente, quais seus objetivos? E a 3 verdade que se aescola no est conseguindo; o qu est acontecendo de errado? (4, 30-36)

    [...] qualidade dos textos de que dispe um aluno para basear sua aquisio daleitura funcional. O autor a considera mais urgente e faz uma pergunta para queler?, levando em conta a situao do aluno envolvido. (14, 31-34)

    Nesse fragmento, extrado do texto 14, as aspas marcam o discurso direto, raro nas resenhasanalisadas.

    Quanto insero das vozes de outros autores, esta s ocorre nos textos 1 e 6. O objetivodas resenhadoras no s possibilitar o dilogo dessas vozes com o autor do texto resenhado, mastambm revelar outras leituras e pesquisas sobre o tema.

    [...] O primeiro dado ou verdade incomoda abordado : a maior parte dapopulao brasileira funcionalmente analfabeta. Em muitos casos observa-seque o indivduo capaz de decodificar, porm no compreende o sentido,[...] Oindivduo torna-se incapaz de formar idias e conceitos baseados em suas prpriasimpresses, isto impossibilita no s transformaes em si mesmo, no mundosubjetivo, mas tambm transformaes no mundo objetivo, segundo Fernando

    Becker em Educao e construo do conhecimento. (1, 10-13)

    Alfabetizao e Educao Bsica

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    Uma das metas da Agenda para o Futuro a garantia do direito universal alfabetizao e educao bsica. [...]

    [...] Segundo o IBGE, a proporo da populao jovem e adulta que tem baixaescolaridade e participa do ensino fundamental cresceu numa mdia de 8% entre1996 e 2001, mas a maioria desses estudantes eram jovens com atraso de

    escolaridade que freqentavam escolas organizadas para atender crianas eadolescentes 4.(6,29-45)

    ConclusoO estudo realizado buscou comprovar ser a resenha crtica um gnero discursivo, com

    caractersticas especficas, construdo como resultado da interao entre autor e leitor, emdeterminado evento de leitura. As marcas do dialogismo e da polifonia permitem afirmar que o

    produtor avalia as informaes contidas no artigo resenhado e traz para si a responsabilidade do que enunciado. Alm disso, os exemplos transcritos mostram que diferentes recursos lingsticos so

    por ele utilizados para dialogar com o autor do texto original, revelando o jogo polifnico quecaracteriza esse gnero.

    Por fim, importante assinalar que tomar o gnero resenha crtica como objeto de ensino articular prticas sociais e formao acadmica; privilegiar o texto, sua constituio ematerialidade, a relao dinmica entre o produtor e o interlocutor; permitir no s que o alunoamplie e diversifique sua produo textual, mas tambm aperfeioe sua capacidade de compreensoe interpretao.

    Referncias bibliogrficas[1] ARAJO, Antonia Dilamar. Uma anlise da polifonia discursiva em resenhas crticas

    acadmicas. IN: MEURER, Jos Luiz; MOTTA ROTH, Dsire. Gneros textuais eprticas discursivas. Bauru, SP: EDUSC, 2002. p.141-158.

    [2] BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais domtodo sociolgico na Cincia da Linguagem. 11.ed. So Paulo: Hucitec, 2004.

    [3] ______.Esttica da criao verbal. 3.ed. So Paulo: Martins Fontes, 2000. (EnsinoSuperior).

    [4] BRAIT, Beth.Interao, gnero e estilo. In: PRETI, Dino (org.) Interao na fala e naescrita. So Paulo: HUMANITAS/FFLCH/USP, 2002, p.123-157.

    [5] KOCH, Ingedore Grunfeld Villaa. Introduo lingstica textual: trajetria e grandestemas. So Paulo: Martins Fontes, 2004. (Texto e Linguagem)

    [6] ______.Desvendando os segredos do texto. 2. ed. So Paulo: Cortez, 2003.

    [7] PERINI, Mrio A. A leitura funcional e a dupla funo do texto didtico. In: SILVA,Ezequiel Theodoro da; ZILBERMAN, Regina (org.). Leitura: perspectivasinterdisciplinares. 3. ed. So Paulo: tica, 1995b. p. 78-86 (Fundamentos)

    [8] SCHNEUWLY, Bernard; DOLZ, Joaquim. Gneros orais e escritos na escola. Traduo eorganizao Roxane Rojo e Glas Sales Cordeiro. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2004.(As Faces da Lingstica Aplicada).

    4 Ao final da resenha, a produtora do texto 6 colocou, nas referncias, o texto citado: Alfabetizao e Cidadania,Revista de Educao de Jovens e Adultos, n.17, maio de 2004.