As Na Sáude Cfess

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  • 2TRABALHO E PROJETO PROFISSIONAL NAS POLTICAS SOCIAIS

    S R I E :

    Braslia - 2010

    Sociais na Poltica de Sade

  • ELABORAO DO DOCUMENTO

    Grupo de Trabalho Servio Social na Sade

    Conselho Federal de Servio Social (CFESS): Neile dOran PinheiroKtia Regina Madeira

    Pedro Alves Fernandes Rodriane de Oliveira Souza

    Smbara Paula Francelino Ribeiro

    Conselhos Regionais de Servio Social (CRESS):Helcia Noyma Ramalho de Lacerda

    CRESS 23 Regio/RO - Regio NorteHeleni Duarte Dantas de vila

    CRESS 5 Regio/BA - Regio NordesteGessimara Sousa

    CRESS 17 Regio/ES - Regio SudesteSueli Preidum de Almeida Coutinho

    CRESS 11 Regio/PR - Regio SulIvone Alves Rios

    CRESS 21 Regio/MS - Regio Centro-Oeste

    Coordenao do Grupo de Trabalho Servio Social na SadeRodriane de Oliveira Souza

    Assessoria Tcnica do CFESS e Sistematizao do Documento

    Maria Ins Souza Bravo

    Assessoria e Representao do CFESS no Conselho Nacional de Sade

    Ruth Ribeiro Bittencourt

  • 8LISTA DE SIGLAS

    ABEPSS - Associao Brasileira de Ensino e Pesquisa em Servio Social

    BA - Bahia

    AC - Acre

    AP - Amap

    AIDS - Acquired Immune Deficiency Syndrome ou Sndrome de

    Imunodeficincia Adquirida

    AL - Alagoas

    AM - Amazonas

    BA - Bahia

    CE - Cear

    CFESS - Conselho Federal de Servio Social

    CISPLGBT - Comisso Intersetorial de Sade da Populao de Lsbicas,

    Gays, Bissexuais e Travestis

    CNS - Conselho Nacional de Sade

    CRESS - Conselho Regional de Servio Social

    DPVAT - Danos Pessoais causados por Veculos Automotores por

    via TerrestreDST - Doenas Sexualmente Transmissveis

    ECA - Estatuto da Criana e do Adolescente

    ES - Esprito Santo

    ESF - Estratgia da Sade da Famlia

    GO - Gois

    GT - Grupo de Trabalho

    LBL - Liga Brasileira de Lsbicas

    LGBT - Lsbicas, Gays, Bissexuais e Transgneros

    LOS - Lei Orgnica da Sade

    MA - Maranho

    MEC - Ministrio da Educao e Cultura

    MG - Minas Gerais

    MS - Mato Grosso do Sul

    MT - Mato Grosso

    OS - Organizaes Sociais

  • 9OSCIP - Organizaes da Sociedade Civil de Interesse PblicoPA - ParPACS - Programa de Agentes Comunitrios de Sade PB - ParabaPCD - Pessoa com DeficinciaPE - PernambucoPI - PiauPR - ParanPSF - Programa Sade da FamliaRJ - Rio de JaneiroRO - RondniaRR - RoraimaRN - Rio Grande do NorteRS - Rio Grande do SulSC - Santa CatarinaSE - SergipeSP - So PauloSUAS - Sistema nico de Assistncia SocialSUS - Sistema nico de SadeTFD - Tratamento Fora de DomiclioTO - Tocantins

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    Esse documento, ora intitulado Parmetros para a Atuao de Assistentes Sociais na Sade, tem como finalidade referenciar a interveno dos profissionais de Servio Social na rea da sade. Constitui-se como produto do Grupo de Trabalho Servio Social na Sade, institudo pelo Conselho Federal de Servio Social (CFESS) em 20081, que incorporou nas suas discusses e sistematizaes as deliberaes do 36 e 37 Encontro Nacional CFESS/CRESS2.

    Visa responder, portanto, a um histrico pleito da categoria em torno de orientaes gerais sobre as respostas profissionais a serem dadas pelos assistentes sociais s demandas identificadas no cotidiano

    1. Em 26 de maro de 2008, publicada a portaria CFESS n. 10, que institui o Grupo de Trabalho

    Servio Social na Sade, composto por um representante do CRESS de cada regio do pas e cinco

    conselheiros do CFESS. Devido a alteraes na composio do GT, publicada a Portaria CFESS n.

    2, de 26 de janeiro de 2009. Esse grupo de Trabalho conta com a assessoria tcnica da professora

    Dra. Maria Ins Souza Bravo.

    2. Os referidos encontros foram realizados, respectivamente, em 2007, na cidade de Natal,

    e em 2008, na cidade de Braslia. Em 2007, a Deliberao do Eixo Fiscalizao Profissional n.

    14 define que se deve incluir no estudo do Grupo de Trabalho sobre Servio Social na Sade,

    considerando as contribuies dos CRESS 7a e 15a Regies, as competncias dos Assistentes

    Sociais no processo de alta e remoo de pacientes em unidades de sade, comunicao de

    bito e demais atribuies. J em 2008, a Deliberao do Eixo Fiscalizao Profissional n. 18

    tambm estabelece que se deve concluir os estudos do GT Sade at maro de 2009, acerca de:

    a) competncias e atribuies dos assistentes sociais na sade [...].

  • 12

    do trabalho no setor sade e quelas que ora so requisitadas pelos usurios dos servios, ora pelos empregadores desses profissionais no setor sade. Procura, nesse sentido, expressar a totalidade das aes que so desenvolvidas pelos assistentes sociais na sade, considerando a particularidade das aes desenvolvidas nos programas de sade, bem como na ateno bsica, mdia e alta complexidade em sade. Por outro lado, a opo em no estrutur-lo a partir dessas frentes de trabalho visa superar o registro de aes que so comuns nessas frentes e que tendem a se repetir quando a perspectiva apontar as atribuies dos profissionais na sade. Alm disso, ao demonstrar que as diversas aes esto interligadas e so complementares, aponta-se para uma equivalncia no grau de importncia entre as aes assistenciais, as de mobilizao popular e as de pesquisa e planejamento do trabalho profissional, por exemplo.

    Foi construdo entre junho de 2008 a maro de 2009, a partir de discusses realizadas em quatro reunies de trabalho3. Quando, inicialmente, foi definida a estrutura do documento e a metodologia para coleta de informaes acerca das atribuies e competncias profissionais at ento sistematizadas pelos Conselhos Regionais de Servio Social (CRESS). As reunies que se sucederam aprofundaram os contedos das atribuies e competncias profissionais no campo da sade, resultando na verso preliminar deste documento.

    Tal verso foi apresentada aos CRESS4 e discutida com a categoria entre os meses de abril e maio de 2009, em atividades organizadas pelos CRESS, por servios e universidades, sob a forma de oficinas, reunies ampliadas e seminrios.

    Alm de ter sido realizada em todas as capitais brasileiras, a discusso dos Parmetros para Atuao de Assistentes Sociais na Sade foi feita tambm em cidades do interior do pas, assim distribudas: na Regio

    3. Essas reunies foram realizadas na sede do CFESS, em Braslia. O primeiro encontro do GT

    se deu em 14 de junho de 2008, o segundo nos dias 22 e 23 de setembro de 2008, o terceiro entre

    os dias 6 e 7 de fevereiro de 2009, e o quarto encontro em 13 de maro de 2009.

    4. Essa apresentao foi realizada na reunio ampliada do Grupo de Trabalho Servio Social na

    Sade com representantes de CRESS, no dia 3 de abril de 2009, no Rio de Janeiro, na ocasio da

    realizao do Seminrio Nacional O Trabalho do Assistente Social no SUAS.

  • 13

    Norte foram realizados 7 debates, que envolveram 1800 participantes5; na Regio Nordeste foram realizados 16 debates, que envolveram 970 participantes6; na Regio Centro-Oeste foram realizados 3 debates, que envolveram 200 participantes7; na Regio Sul foram realizados 4 debates, que envolveram 200 participantes8; e na Regio Sudeste foram realizados 22 debates, que envolveram 1630 participantes9.

    Dessa forma, foram totalizados 52 debates pelo pas, que envolveram aproximadamente 5000 participantes. Por fim, foi tambm objeto de debate no Seminrio Nacional de Servio Social na Sade, na mesa intitulada Parmetros para Atuao de Assistentes Sociais na Sade em debate, em junho de 2009, que contou com a participao de 700 assistentes sociais10.

    Para a elaborao da verso preliminar deste documento, foram consultadas diferentes publicaes e documentaes do CFESS e dos diversos Conselhos Regionais que abordam as atribuies e competncias profissionais, bem como documentos publicados por diversas secretarias municipais e estaduais de sade e pelo Ministrio da Sade, que se sustentam a partir da Resoluo do Conselho Nacional de Sade (CNS) n 218, de 6 de maro de 1997,que reconhece a categoria de assistentes sociais como profissionais de sade, alm da Resoluo CFESS n 383, de 29 de maro de 1999, que caracteriza o assistente social como profissional de sade.

    5. Os debates, nessa regio, foram realizados em Manaus/AM, Boa Vista/RR, Belm/PA,

    Palmas/TO, Porto Velho e Ji-Paran/RO, Rio Branco/AC, Macap/AP.

    6. Os debates, nessa regio, foram em Salvador, no Extremo Sul da Bahia, na Regio Metropolitana

    de Salvador, em Lauro de Freitas e em Feira de Santana/BA; Joo Pessoa/PB; Fortaleza/CE; Natal e

    Mossor/RN; Teresina/PI; Macei/AL; Recife, Juazeiro e Petrolina/PE; So Luiz/MA; Aracaju/SE.

    7. Os debates, nessa regio, foram em Goinia/GO; Campo Grande/MS; Cuiab/MT.

    8. Os debates, nessa regio, foram no Paran, que realizou debates por ncleos regionais,

    como em Londrina; Porto Alegre/RS; Florianpolis/SC.

    9. Os debates, nessa regio, foram em Vitria, Cachoeira e Colatina/ES; Belo Horizonte, Juiz de

    Fora e Uberlndia/MG; So Paulo, Araatuba, Presidente Prudente, So Jos dos Campos, Bauru,

    Campinas, So Jos do Rio Preto, Marlia e Santos/SP; Resende, Maca e Rio de Janeiro/RJ.

    10. O Seminrio Nacional de Servio Social na Sade, promovido pelo CFESS e CRESS

    4a Regio, foi realizado na cidade de Olinda/PE, entre os dias 8, 9 e 10 de junho de 2009, e

    transmitido em tempo real pelo stio eletrnico do CFESS, possibilitando a participao de 3000

    pessoas (contabilizadas a partir dos acessos a esse stio eletrnico nesses dias), inclusive na mesa

    que discutiu esse documento.

  • 14

    A verso final, que ora se apresenta, foi acrescida dos elementos contidos em snteses e comentrios dos debates realizados acerca da verso preliminar deste documento e encaminhados pelos CRESS ao CFESS11. Importa dizer que todos os relatrios recebidos pelo CFESS referendaram a verso preliminar deste documento, construdo democraticamente junto categoria profissional no Brasil.

    Este documento est estruturado em quatro itens. O primeiro, intitulado Sade, Reforma Sanitria, Sistema nico de Sade e desafios atuais, recupera a luta por sade nos anos de 1980, a construo do Projeto de Reforma Sanitria e apresenta os impasses vividos dos anos de 1990 at os dias atuais. J o segundo item aborda a discusso terica e poltica presente no Servio Social na Sade, apresentando alguns desafios postos na atualidade para o fortalecimento do projeto tico-poltico e profissional. Intitulado Atuao do Assistente Social na Sade, o terceiro item caracteriza, inicialmente, as atribuies e competncias gerais do assistente social e, em um segundo momento, discute a interveno do profissional na sade, a partir de quatro eixos de ao, a saber: aes de atendimento direto aos usurios12; aes de mobilizao, participao e controle social; aes de investigao, planejamento e gesto; aes de assessoria, qualificao e formao profissional. Por fim, o texto aponta para Algumas Reflexes, fruto da elaborao realizada.

    Este texto, contudo, no pretende abordar os indicadores acerca dos parmetros quantitativos de atendimento dos assistentes sociais na sade por compreender que esse debate no deve ser feito descolado dos parmetros de interveno profissional nas demais polticas pblicas. Outrossim, reitera-se aqui a necessidade de se realizar essa discusso tendo como referncia para anlise e construo desses parmetros13 os seguintes eixos:

    11. A ttulo de informao, registra-se aqui os CRESS que encaminharam os referidos relatrios ao

    CFESS: CRESS/AM, Seccional/AC, CRESS/TO, CRESS/AL, CRESS/MA, CRESS/PI, CRESS/SE, CRESS/BA, CRESS/

    RN Seccional Mossor, CRESS/MS, CRESS/GO, CRESS/RJ, CRESS/SP, CRESS/MG, CRESS/ES, CRESS/RS.

    12. O eixo das aes de atendimento direto aos usurios compreende trs subeixos denominados:

    aes socioassistenciais; aes de articulao com a equipe de sade e aes socioeducativas.

    13. Ver Deliberao do Eixo Seguridade Social n. 15, do Relatrio do 37 Encontro Nacional

    CFESS/CRESS, realizado em 2008.

  • 15

    a) o subsdio s lutas pela ampliao da presena desses profissionais nas instituies responsveis pelas polticas;

    b) a qualificao do atendimento oferecido populao e as condies de trabalho do assistente social;

    c) a viabilizao, a construo e a oferta de novas polticas determinadas pela conjuntura;

    d) as referncias j existentes nas diretrizes e leis nacionais;e) a superao da lgica produtivista presente na gesto das

    polticas sociais.Espera-se, com esta publicao, fortalecer o trabalho dos assistentes

    sociais na sade, na direo dos Projetos de Reforma Sanitria e tico-Poltico Profissional, imprimindo maior qualidade ao atendimento prestado populao usuria dos servios de sade em todo o Brasil.

  • 17

    A concepo de Seguridade Social representa um dos maiores avanos da Constituio Federal de 1988, no que se refere proteo social e no atendimento s histricas reivindicaes da classe trabalhadora. Est inserida no captulo Da Ordem Social e composta pelo trip Sade, Assistncia Social e Previdncia Social. Representa a promessa de afirmao e extenso de direitos sociais em nosso pas, em consonncia com as transformaes sociopolticas que se processaram. Nessa direo, destaca-se como significativo na concepo de Seguridade Social: a universalizao; a concepo de direito social e dever do Estado; o estatuto de poltica pblica assistncia social; a definio de fontes de financiamento e novas modalidades de gesto democrtica e descentralizada com nfase na participao social de novos sujeitos sociais, com destaque para os conselhos e conferncias.

    O conceito de seguridade social, defendido pela Carta de Macei15 (2000), refora esse avano, mas vai alm: sustenta um modelo que inclui todos os direitos previstos no artigo 6 da Constituio Federal

    14. Esse item tem por base as elaboraes de Bravo (1999 e 2006).

    15. A Carta de Macei foi elaborada e aprovada pelos participantes do XXIX Encontro Nacional

    CFESS/CRESS, realizado em Alagoas, em 2000. Encontra-se publicada no Relatrio do XXIX

    Encontro Nacional CFESS/CRESS, organizado pelo CFESS.

  • 18

    (educao, sade, trabalho, moradia, lazer, segurana, previdncia e assistncia

    social), de modo a conformar um amplo sistema de proteo, mais consoante

    s condies gerais dos cidados brasileiros (BOSCHETTI, 2007).

    Parte-se da concepo de que as Polticas de Seguridade Social so

    concebidas na ordem capitalista como o resultado de disputas polticas

    e, nessa arena de conflitos, as polticas sociais, resultantes das lutas e

    conquistas das classes trabalhadoras, assumem carter contraditrio,

    podendo incorporar as demandas do trabalho e impor limites, ainda que

    parciais, economia poltica do capital. Nessa perspectiva, ao garantir

    direitos sociais, as polticas sociais podem contribuir para melhorar as

    condies de vida e trabalho das classes que vivem do seu trabalho,

    ainda que no possam alterar estruturalmente o capitalismo.

    A perspectiva de seguridade social pautada no projeto tico-poltico

    da categoria concebida como parte de uma agenda estratgica da

    luta democrtica e popular no Brasil, visando construo de uma

    sociedade justa e igualitria (CFESS, 2000). No vista como um

    fim, mas como transio a um padro de civilidade, que comea pela

    garantia de direitos no capitalismo, mas que no se esgota nele.

    Na dcada de 1980, as classes trabalhadoras no conseguiram

    interferir substantivamente na ordem econmica, apesar de

    terem obtido significativas vitrias no mbito social e poltico,

    num contexto de lutas democrticas contra o regime ditatorial

    que se instalou no Brasil desde 1964. O que se verificou para os

    trabalhadores, no final dessa dcada, foram conquistas no campo

    da ao poltica organizada e derrota no campo econmico. Apesar

    das vitrias dos movimentos sociais organizados, a transio do

    regime autocrtico para o sistema democrtico ocorreu com marcas

    subalternizadas, ou seja, operou uma transio negociada, sem

    uma ruptura radical com as foras polticas at ento hegemnicas,

    sejam do regime militar, do latifndio e do grande capital, sobretudo

    do capital bancrio (COUTINHO apud MOTA, 1995).

    A sade foi uma das reas em que os avanos constitucionais

    foram mais significativos. O Sistema nico de Sade (SUS), integrante

    da Seguridade Social e uma das proposies do Projeto de Reforma

  • 19

    Sanitria, foi regulamentado, em 1990, pela Lei Orgnica da Sade (LOS)16. Ao compreender o SUS como uma estratgia, o Projeto de Reforma Sanitria tem como base o Estado democrtico de direito, responsvel pelas polticas sociais e, consequentemente, pela sade. Destacam-se como fundamentos dessa proposta a democratizao do acesso; a universalizao das aes; a melhoria da qualidade dos servios, com a adoo de um novo modelo assistencial pautado na integralidade e equidade das aes; a democratizao das informaes e transparncia no uso de recursos e aes do governo; a descentralizao com controle social democrtico; a interdisciplinaridade nas aes. Tem como premissa bsica a defesa da sade como direito de todos e dever do Estado (BRAVO, 1999; BRAVO; MATOS, 2001).

    A principal proposta da Reforma Sanitria a defesa da universalizao das polticas sociais e a garantia dos direitos sociais. Nessa direo, ressalta-se a concepo ampliada de sade, considerada como melhores condies de vida e de trabalho, ou seja, com nfase nos determinantes sociais; a nova organizao do sistema de sade por meio da construo do SUS, em consonncia com os princpios da intersetorialidade, integralidade, descentralizao, universalizao, participao social e redefinio dos papis institucionais das unidades polticas (Unio, Estado, municpios, territrios) na prestao dos servios de sade; e efetivo financiamento do Estado.

    Em 1989, nas eleies presidenciais, h uma disputa entre dois projetos societrios: Democracia de Massas X Democracia Restrita (NETTO, 1990), construdos na dinmica da relao Estado Sociedade. O projeto Democracia de Massas prev a ampla participao social, conjugando as instituies parlamentares e os sistemas partidrios com uma rede de organizaes de base: sindicatos, comisses de empresas, organizaes de profissionais e de bairros, movimentos sociais urbanos e rurais. Esse projeto prope articular a democracia representativa com a democracia direta e atribui ao Estado democrtico de direito a responsabilidade e o dever de construir respostas s expresses da questo social.

    16. Em consonncia com a Lei Orgnica da Sade, tm-se as Leis n. 8.080, de 19 de setembro

    de 1990, e n 8.142, de 27 de dezembro de 1990.

  • 20

    O projeto Democracia Restrita restringe os direitos sociais e

    polticos com a concepo de Estado mnimo, ou seja, mximo

    para o capital e mnimo para o trabalho. O enxugamento do Estado

    a grande meta, como tambm a substituio das lutas coletivas

    por lutas corporativas.

    Na dcada de 1990, com as derrotas sofridas pelo projeto

    Democracia de Massas, consolida-se uma direo poltica das

    classes dominantes no processo de enfrentamento da crise

    brasileira, cujas principais estratgias do grande capital passam a

    ser: acirrada crtica s conquistas sociais da Constituio Federal

    de 1988, com destaque para a concepo de Seguridade Social, e

    a construo de uma cultura persuasiva para difundir e tornar seu

    projeto consensual e compartilhado (MOTA, 1995).

    Verifica-se, nessa dcada, a afirmao das contrarreformas

    de cunho neoliberal, defendidas pelas agncias internacionais.

    O projeto do grande capital tem como vetores privilegiados,

    segundo Mota (1995), a defesa do processo de privatizao e a

    constituio do cidado consumidor.

    Na defesa do processo de privatizao, ressalta-se a mercantilizao

    da Sade e da Previdncia e a ampliao do assistencialismo. As

    principais diretrizes so: a Reforma da Previdncia inserida no bojo

    da Reforma do Estado, que vem sendo implantada paulatinamente e

    possui caractersticas de uma contrarrevoluo (GUERRA, 1998) ou

    contrarreforma; a defesa do SUS para os pobres e a refilantropizao

    da assistncia social, com forte expanso da ao do setor privado

    na rea das polticas sociais.

    A contrarreforma do Estado atingiu a sade por meio das

    proposies de restrio do financiamento pblico; da dicotomia

    entre aes curativas e preventivas, rompendo com a concepo

    de integralidade por meio da criao de dois subsistemas: o

    subsistema de entrada e controle, ou seja, de atendimento bsico,

    de responsabilidade do Estado (uma vez que esse atendimento

    no de interesse do setor privado) e o subsistema de referncia

    ambulatorial e especializada, formado por unidades de maior

  • 21

    complexidade que seriam transformadas em Organizaes Sociais. Nessa lgica, h nfase em programas focais: Programa de Agentes Comunitrios de Sade (PACS) e Programa de Sade da Famlia (PSF)17; alm da utilizao de cuidadores com a finalidade de baratear os custos das aes bsicas.

    Entende-se que todas essas medidas visam ao estmulo ao seguro privado de sade, ficando o Sistema nico de Sade (SUS) restrito aos pobres, por meio de aes mnimas e programas focalizados, havendo um outro sistema para os consumidores.

    A poltica pblica de sade tem encontrado notrias dificuldades para sua efetivao, como a desigualdade de acesso da populao aos servios de sade, o desafio de construo de prticas baseadas na integralidade, os dilemas para alcanar a equidade no financiamento do setor, os avanos e recuos nas experincias de controle social, a falta de articulao entre os movimentos sociais, entre outras. Todas essas questes so exemplos de que a construo e consolidao dos princpios da Reforma Sanitria permanecem como desafios fundamentais na agenda contempornea da poltica de sade.

    Segundo Soares (2004, p. 11), a Seguridade Social inscrita na Constituio de 1988 foi uma construo interrompida de um projeto mais generoso de proteo social gestado a partir da redemocratizao do pas.

    No novo sculo, com a eleio de Lus Incio Lula da Silva, em 2002, havia a expectativa de construo de um Brasil novo, com reduo das desigualdades sociais por meio de uma poltica econmica com redistribuio de renda e gerao de empregos. Esperava-se que as polticas sociais adquirissem carter universalista. Na sade, a pretenso era de retorno do Projeto da Reforma Sanitria. Entretanto, essa expectativa no se concretizou e a poltica de sade continuou prioritariamente focalizada e sem financiamento efetivo.

    17. A denominao do programa e suas caractersticas modificam-se, nos anos 2000, para

    Estratgia de Sade da Famlia inserida no modelo assistencial do SUS. A sua direo precisa,

    entretanto, ser modificada efetivamente na perspectiva de prover ateno bsica em sade para

    toda populao, de acordo com os princpios da integralidade e universalidade do SUS, bem

    como ter como objetivo a (re)organizao do sistema.

  • 22

    O Sistema nico de Sade (SUS) completou vinte anos de existncia e, no obstante ter conseguido algumas inovaes, o SUS real est longe do SUS constitucional. H uma enorme distncia entre a proposta do movimento sanitrio e a prtica do sistema pblico de sade vigente. O SUS foi se consolidando como espao destinado aos que no tm acesso aos subsistemas privados, como parte de um sistema segmentado. A proposio inscrita na Constituio de 1988 de um sistema pblico universal no se efetivou, apesar de alguns avanos, como o acesso de camadas da populao que antes no tinham direito; o sistema de imunizao e de vigilncia epidemiolgica e sanitria; os progressos na alta complexidade, como os transplantes, entre outros.

    A expectativa que se colocava para o governo Lula era a de fortalecer o SUS constitucional. Entretanto, no debate interno ocorrido no governo entre os universalistas e os focalistas, esses ltimos esto sendo cada vez mais fortalecidos. A defesa da primazia do Estado na sade para o atendimento dos segmentos mais pobres da populao ganha cada vez mais eco e com a presso do desfinanciamento, a perspectiva universalista est cada dia mais longe de ser atingida. A grande questo a segmentao do sistema, com nfase nas aes privadas que passam de complementares para essenciais.

    O projeto de Reforma Sanitria, construdo a partir de meados dos anos de 1970, est perdendo a disputa para o projeto voltado para o mercado ou privatista, hegemnico a partir da dcada de 1990.

    O projeto da sade articulado ao mercado ou reatualizao do modelo mdico assistencial privatista est pautado na Poltica de Ajuste, que tem como principais tendncias: a conteno dos gastos com racionalizao da oferta e a descentralizao com iseno de responsabilidade do poder central. A tarefa do Estado, nesse projeto, consiste em garantir um mnimo aos que no podem pagar, ficando para o setor privado o atendimento aos que tm acesso ao mercado. Suas principais propostas so: carter focalizado para atender s populaes vulnerveis por meio do pacote bsico para a sade, ampliao da privatizao, estmulo ao seguro privado, descentralizao dos servios em nvel local e eliminao da vinculao de fonte com relao ao financiamento.

  • 23

    A universalidade do direito um dos fundamentos centrais do SUS e contido no projeto de Reforma Sanitria um dos aspectos que tem provocado resistncia dos formuladores do projeto privatista da sade. Os valores solidrios, coletivos e universais que pautaram a formulao da Seguridade Social inscrita na Constituio de 1988 esto sendo substitudos pelos valores individualistas, corporativos, focalistas, que fortalecem a consolidao do projeto voltado para o mercado, que tem por suporte a consolidao do SUS para os pobres e a segmentao do sistema.

    Nesse contexto, diversas entidades situadas at ento no campo progressista tm substitudo suas lutas coletivas por lutas corporativas, restritas a grupos de interesses. Essa concepo est de acordo com o iderio das classes dominantes que tem como perspectiva a americanizao perversa da sociedade brasileira, neutralizando os processos de resistncia com a utilizao de estratgias persuasivas, obrigando os trabalhadores a uma prtica poltica defensiva (VIANA, 1999). Esse projeto coletivo, cuja construo iniciou-se nos anos de 1980, tem sido questionado e substitudo pelo projeto corporativo que procura naturalizar a objetividade da ordem burguesa.

    A nova configurao da poltica de sade vai impactar o trabalho do assistente social em diversas dimenses: nas condies de trabalho, na formao profissional, nas influncias tericas, na ampliao da demanda e na relao com os demais profissionais e movimentos sociais. Amplia-se o trabalho precarizado e os profissionais so chamados a amenizar a situao da pobreza absoluta a que a classe trabalhadora submetida.

    Nessa conjuntura, as entidades do Servio Social tem por desafio articular com os demais profissionais de sade e movimentos sociais em defesa do projeto de Reforma Sanitria, construdo a partir de meados dos anos de 1970. Tem-se por pressuposto que transformaes estruturais nas polticas sociais, e na sade em particular, s sero efetivadas por meio de um amplo movimento de massas que questione a cultura poltica da crise gestada pelo grande capital e que lute pela ampliao da democracia nas esferas da economia, da poltica e da cultura.

  • 25

    Para a anlise do Servio Social e Sade na atualidade necessrio recuperar os avanos e lacunas ocorridos na profisso a partir dos anos de 1980. Essa dcada marca o incio da maturidade da tendncia hegemnica na academia e nas entidades representativas da categoria inteno de ruptura e, com isso, a interlocuo real com a tradio marxista. No entanto, os profissionais dessa vertente se inserem, na sua maioria, nas universidades e tm pouca capilaridade nos servios (NETTO, 1996a; BRAVO, 1996)19.

    Na sade, os avanos conquistados pela profisso no exerccio profissional so considerados insuficientes, pois o Servio Social chega dcada de 1990 ainda com uma incipiente alterao do trabalho institucional; continua enquanto categoria desarticulada do Movimento da Reforma Sanitria, sem nenhuma explcita e organizada ocupao na mquina do Estado pelos setores progressistas da profisso (encaminhamento operacionalizado pela Reforma Sanitria) e insuficiente produo sobre as demandas postas prtica em sade (BRAVO, 1996).

    18. Esse item tem por base as elaboraes de Bravo (2007) e Bravo e Matos (2004).

    19. A renovao do Servio Social no Brasil ocorre a partir de meados dos anos de 1980.

    Segundo Netto (1996b), possvel identificar trs tendncias em disputa: a modernizadora com

    influncia do funcionalismo; a de reatualizao do conservadorismo com recurso fenomelogia;

    e a de inteno de ruptura responsvel pela interlocuo com o marxismo.

  • 26

    Considerando que os anos de 1990 foram o perodo de implantao e xito ideolgico do projeto neoliberal no pas, identifica-se que, nesse contexto, os dois projetos polticos em disputa na rea da sade, passam a apresentar diferentes requisies para o Servio Social20 (BRAVO, 1998).

    O projeto privatista vem requisitando ao assistente social, entre outras demandas, a seleo socioeconmica dos usurios, atuao psicossocial por meio de aconselhamento, ao fiscalizatria aos usurios dos planos de sade, assistencialismo por meio da ideologia do favor e predomnio de prticas individuais.

    Entretanto, o projeto da reforma sanitria vem apresentando como demandas que o assistente social trabalhe as seguintes questes: democratizao do acesso as unidades e aos servios de sade; estratgias de aproximao das unidades de sade com a realidade; trabalho interdisciplinar; nfase nas abordagens grupais; acesso democrtico s informaes e estmulo participao popular.

    Destaca-se, a partir do exposto, que h uma relao entre o projeto tico-poltico e o de reforma sanitria, principalmente, nos seus grandes eixos: principais aportes e referncias tericas, formao profissional e princpios. Os dois projetos so construdos no processo de redemocratizao da sociedade brasileira e se consolidam na dcada de 1980. As demandas democrticas e populares, a mobilizao e organizao dos trabalhadores urbanos e rurais colocam na agenda poltica brasileira a exigncia de transformaes polticas e sociais e a necessidade de articulao dos projetos profissionais aos projetos societrios que so propostos para o conjunto da sociedade21.

    Atualmente, identifica-se que alguns importantes desafios devem ser enfrentados.

    Os dois projetos polticos existentes na sade continuam em disputa (o projeto da reforma sanitria versus o projeto privatista). O atual governo ora fortalece o primeiro projeto, ora mantm a focalizao e o desfinanciamento, caractersticos do segundo. Percebe-se, entretanto, uma nfase maior no projeto privatista.

    20. Essa disputa e, em consequncia, as requisies para a profisso continuam

    presentes na atualidade.

    21. A diferena entre projetos societrios e projetos profissionais elaborada por Netto (1996a).

  • 27

    O Servio Social no passa ao largo dessa tenso. Ao mesmo tempo em que a dcada de 1990 marcada pela hegemonia da tendncia inteno de ruptura e, no por acaso, quando o Servio Social atinge sua maioridade intelectual; tambm, nesta mesma dcada, que se identifica a ofensiva conservadora a esta tendncia. O questionamento tendncia inteno de ruptura afirma que o marxismo no apresenta respostas para o conjunto dos desafios postos profisso pela contemporaneidade. Segundo Netto (1996a), as crticas apresentam em comum o fato de apontarem como problemas o dogmatismo, quando de fato trata-se de ortodoxia, e os equvocos da tradio marxista, quando na realidade tratar-se-ia de possveis lacunas dessa tradio no mbito do Servio Social.

    Na sade, em que esse embate claramente se expressa, a crtica ao projeto hegemnico da profisso passa pela reatualizao do discurso da ciso entre o estudo terico e a interveno, pela descrena da possibilidade da existncia de polticas pblicas e, sobretudo, na suposta necessidade da construo de um saber especfico na rea, que caminha tanto para a negao da formao original em Servio Social ou deslancha para um trato exclusivo de estudos na perspectiva da diviso clssica da prtica mdica.

    Sobre o ltimo eixo assinalado, cabe aqui apresentar trs expresses. A primeira a constatao de que ainda existe na categoria segmentos de profissionais que, ao realizarem a formao em sade pblica, passam a no se considerarem como assistentes sociais, recuperando uma autoapresentao de sanitaristas22. A segunda tendncia, na atualidade com mais vigor, a de resgatar no exerccio profissional um privilegiamento da interveno no mbito das tenses produzidas subjetivamente pelos sujeitos e tem sido autodenominada pelos seus executores como Servio Social Clnico23.

    22. O que denota a falta de identidade desses assistentes sociais com a profisso.

    23. Essa proposio decorrente de um movimento composto de um grupo de assistente sociais com

    formao especializada em diversas abordagens clnicas: holstica, bioenergtica, psicodrama, terapia

    familiar sistmica, transpessoal. um grupo heterogneo que reivindica das entidades da categoria e

    unidades de ensino o reconhecimento do carter clnico ou teraputico do exerccio profissional.

  • 28

    E, por fim, percebe-se, gradativamente, o discurso da necessidade

    da criao de entidades ou da realizao de fruns de capacitao

    e debates dedicados a importncia da produo do conhecimento

    sobre o Servio Social nas diferentes reas de especializao da

    prtica mdica, de forma fragmentada24.

    Sobre esses pontos, cabem algumas reflexes. O problema no reside

    no fato dos profissionais de Servio Social buscarem aprofundamentos

    na rea da sade, o que importante. O dilema se faz presente quando

    este profissional, devido aos mritos de sua competncia, passa a

    exercer outras atividades (direo de unidades de sade, controle

    dos dados epidemiolgicos, entre outros) e no mais as identifica

    como as de um assistente social. Assim, o profissional recupera por

    vezes impensadamente uma concepo de que fazer Servio Social

    exercer o conjunto de aes que historicamente lhe dirigido na

    diviso do trabalho coletivo em sade. Este consistiria apenas na ao

    direta com os usurios, o que Netto (1990) denomina de execuo

    terminal da poltica social. As novas demandas como gesto, assessoria

    e a pesquisa, consideradas como transversal ao trabalho profissional

    e explicitadas na Lei de Regulamentao da Profisso (1993) e nas

    Diretrizes Curriculares da ABEPSS (1996), na maioria das vezes, no

    so assumidas como competncias ou atribuies profissionais.

    Outra questo a tentativa de obscurecer a funo social da

    profisso na diviso social e tcnica do trabalho, pois o problema

    no est no uso de referncias que abordam o campo psi ou sobre

    doenas, mas sim quando este profissional, no cotidiano de seu

    trabalho profissional, se distancia do objetivo da profisso, que na

    rea da sade passa pela compreenso dos determinantes sociais,

    econmicos e culturais que interferem no processo sade-doena e

    na busca de estratgias poltico-institucionais para o enfrentamento

    dessas questes. O exerccio profissional do assistente social no deve

    24. Os adeptos dessa tendncia tm impulsionado a criao de associaes de assistente

    sociais em diversas especialidades mdicas.

  • 29

    desconsiderar as dimenses subjetivas vividas pelo usurio25 e nem se reduzir a defesa de uma suposta particularidade entre o trabalho desenvolvido pelos assistentes sociais nas diferentes especialidades da medicina. Esta ltima perspectiva fragmenta a ao do assistente social na sade e refora a concepo de especializao nas diversas reas mdicas e distintas patologias, situao que tem sido colocada pelas demais profisses de sade como necessria de superao. As novas diretrizes das diversas profisses tm ressaltado a importncia de formar trabalhadores de sade para o Sistema nico de Sade, com viso generalista e no fragmentada.

    Outra preocupao que se coloca a necessidade de sujeitos histricos individuais e coletivos no carem no possibilismo, que significa flexibilizar os princpios defendidos no projeto tico-poltico profissional e na proposta de Reforma Sanitria com vistas a assegurar pequenos ganhos polticos, a partir de concesses e revisionismos terico-polticos (BRAZ, 2004). Essa uma realidade que est posta na sade, nos movimentos sociais e tem repercutido no Servio Social, devendo ser problematizada luz dos princpios e diretrizes do projeto tico poltico do Servio Social brasileiro.

    Na sade, a grande bandeira continua sendo a implementao do projeto de Reforma Sanitria, construdo a partir de meados dos anos de 1970, uma vez que esse projeto tem relao direta com o projeto profissional dos assistentes sociais, como j foi explicitado anteriormente. Identificar os impasses para a efetivao desses projetos deve ser uma preocupao central.

    Assim, compreende-se que cabe ao Servio Social numa ao necessariamente articulada com outros segmentos que defendem o aprofundamento do Sistema nico de Sade (SUS) formular estratgias que busquem reforar ou criar experincias nos servios de sade que efetivem o direito social sade, atentando que o trabalho do assistente social que queira ter como norte o projeto-

    25. As dimenses subjetivas devem ser analisadas luz das condies de vida e trabalho, ou

    seja, a partir dos determinantes sociais do processo sade-doena.

  • 30

    tico poltico profissional tem de, necessariamente, estar articulado ao projeto da reforma sanitria (MATOS, 2003; BRAVO; MATOS, 2004). Considera-se que o Cdigo de tica da profisso apresenta ferramentas imprescindveis para o trabalho dos assistentes sociais na sade em todas as suas dimenses: na prestao de servios diretos populao, no planejamento, na assessoria, na gesto e na mobilizao e participao social.

    Pensar e realizar uma atuao competente e crtica do Servio Social na rea da sade consiste em:

    estar articulado e sintonizado ao movimento dos trabalhadores e de usurios que lutam pela real efetivao do SUS;

    conhecer as condies de vida e trabalho dos usurios, bem como os determinantes sociais que interferem no processo sade-doena;

    facilitar o acesso de todo e qualquer usurio aos servios de sade da instituio e da rede de servios e direitos sociais, bem como de forma compromissada e criativa no submeter operacionalizao de seu trabalho aos rearranjos propostos pelos governos que descaracterizam a proposta original do SUS de direito, ou seja, contido no projeto de Reforma Sanitria;

    buscar a necessria atuao em equipe, tendo em vista a interdisciplinaridade da ateno em sade;

    estimular a intersetorialidade, tendo em vista realizar aes que fortaleam a articulao entre as polticas de seguridade social, superando a fragmentao dos servios e do atendimento s necessidades sociais;

    tentar construir e/ou efetivar, conjuntamente com outros trabalhadores da sade, espaos nas unidades que garantam a participao popular e dos trabalhadores de sade nas decises a serem tomadas;

    elaborar e participar de projetos de educao permanente, buscar assessoria tcnica e sistematizar o trabalho desenvolvido, bem como realizar investigaes sobre temticas relacionadas sade;

    efetivar assessoria aos movimentos sociais e/ou aos conselhos a fim de potencializar a participao dos sujeitos

  • 31

    sociais contribuindo no processo de democratizao das polticas sociais, ampliando os canais de participao da populao na formulao, fiscalizao e gesto das polticas de sade, visando ao aprofundamento dos direitos conquistados.

    Enfim, no existem frmulas prontas na construo de um projeto democrtico e a sua defesa no deve ser exclusiva apenas de uma categoria profissional. Por outro lado, no se pode ficar acuado frente aos obstculos que se apresentam na atualidade e nem desconsiderar que h um conjunto de atividades e alternativas a serem desenvolvidas pelos profissionais de Servio Social. Mais do que nunca, os assistentes sociais esto desafiados a encarar a defesa da democracia, das polticas pblicas e consubstanciar um trabalho no cotidiano e na articulao com outros sujeitos que partilhem destes princpios que questione as perspectivas neoliberais para a sade e para as polticas sociais, j que este macula direitos e conquistas da populao defendidos pelo projeto tico-poltico profissional.

  • 33

    Buscou-se, neste item, caracterizar as atribuies e competncias

    gerais do assistente social e, posteriormente, enfatizar as aes do

    profissional na sade.

    3.1 ATRIBUIES E COMPETNCIAS DE ASSISTENTES SOCIAIS26

    As atribuies e competncias dos profissionais de Servio

    Social, sejam aquelas realizadas na sade ou em outro espao

    scio-ocupacional, so orientadas e norteadas por direitos e

    deveres constantes no Cdigo de tica Profissional e na Lei de

    Regulamentao da Profisso, que devem ser observados e

    respeitados, tanto pelos profissionais quanto pelas instituies

    empregadoras. No que se refere aos direitos dos assistentes sociais,

    o artigo 2 do Cdigo de tica assegura:

    a) garantia e defesa de suas atribuies e prerrogativas,

    estabelecidas na Lei de Regulamentao da Profisso e dos

    princpios firmados neste Cdigo;

    26. O item a seguir est baseado no documento do Conselho Federal de Servio Social, intitulado

    Parmetros para Atuao de Assistentes Sociais na Poltica de Assistncia Social (2009).

  • 34

    b) livre exerccio das atividades inerentes profisso;c) participao na elaborao e gerenciamento das polticas

    sociais e na formulao e implementao de programas sociais;d) inviolabilidade do local de trabalho e respectivos arquivos e

    documentao, garantindo o sigilo profissional;e) desagravo pblico por ofensa que atinja a sua honra profissional;f) aprimoramento profissional de forma contnua, colocando-o a

    servio dos princpios deste Cdigo;g) pronunciamento em matria de sua especialidade, sobretudo

    quando se tratar de assuntos de interesse da populao;h) ampla autonomia no exerccio da profisso, no sendo obrigado

    a prestar servios profissionais incompatveis com as suas atribuies, cargos ou funes;

    i) liberdade na realizao de seus estudos e pesquisas, resguardados os direitos de participao de indivduos ou grupos envolvidos em seus trabalhos.

    No que se refere aos deveres profissionais, o artigo 3 do Cdigo de tica estabelece:

    a) desempenhar suas atividades profissionais, com eficincia e responsabilidade, observando a legislao em vigor;

    b) utilizar seu nmero de registro no Conselho Regional no exerccio da profisso;

    c) abster-se, no exerccio da profisso, de prticas que caracterizem a censura, o cerceamento da liberdade, o policiamento dos comportamentos, denunciando sua ocorrncia aos rgos competentes.

    Tendo em vista o disposto acima, o perfil do assistente social para atuar nas diferentes polticas sociais deve afastar-se das abordagens tradicionais funcionalistas e pragmticas, que reforam as prticas conservadoras que tratam as situaes sociais como problemas pessoais que devem ser resolvidos individualmente.

    O reconhecimento da questo social como objeto de interveno profissional (conforme estabelecido nas Diretrizes Curriculares da ABEPSS, 1996), demanda uma atuao profissional em uma perspectiva totalizante, baseada na identificao das determinaes sociais,

  • 35

    econmicas e culturais das desigualdades sociais. A interveno

    orientada por esta perspectiva terico-poltica pressupe: leitura

    crtica da realidade e capacidade de identificao das condies

    materiais de vida, identificao das respostas existentes no mbito

    do Estado e da sociedade civil, reconhecimento e fortalecimento dos

    espaos e formas de luta e organizao dos trabalhadores em defesa

    de seus direitos; formulao e construo coletiva, em conjunto com

    os trabalhadores, de estratgias polticas e tcnicas para modificao

    da realidade e formulao de formas de presso sobre o Estado, com

    vistas a garantir os recursos financeiros, materiais, tcnicos e humanos

    necessrios garantia e ampliao dos direitos.

    As competncias e atribuies dos assistentes sociais, nessa direo

    e com base na Lei de Regulamentao da Profisso, requisitam do

    profissional algumas competncias gerais que so fundamentais

    compreenso do contexto scio-histrico em que se situa sua

    interveno, a saber:

    apreenso crtica dos processos sociais de produo e

    reproduo das relaes sociais numa perspectiva de totalidade;

    anlise do movimento histrico da sociedade brasileira,

    apreendendo as particularidades do desenvolvimento do capitalismo

    no pas e as particularidades regionais;

    compreenso do significado social da profisso e de seu

    desenvolvimento scio-histrico, nos cenrios internacional e nacional,

    desvelando as possibilidades de ao contidas na realidade;

    identificao das demandas presentes na sociedade,

    visando formular respostas profissionais para o enfrentamento da

    questo social, considerando as novas articulaes entre o pblico

    e o privado (ABEPSS, 1996).

    So essas competncias que permitem ao profissional realizar

    a anlise crtica da realidade, para, a partir da, estruturar seu

    trabalho e estabelecer as competncias e atribuies especficas

    necessrias ao enfrentamento das situaes e demandas sociais

    que se apresentam em seu cotidiano.

  • 36

    A Lei de Regulamentao da Profisso estabelece, no seu artigo 4,

    como competncias27 do assistente social:

    elaborar, implementar, executar e avaliar polticas sociais

    junto rgos da administrao pblica direta ou indireta, empresas,

    entidades e organizaes populares;

    elaborar, coordenar, executar e avaliar planos, programas

    e projetos que sejam de mbito de atuao do Servio Social com

    participao da sociedade civil;

    encaminhar providncias e prestar orientao social a

    indivduos, grupos e populao;

    orientar indivduos e grupos de diferentes segmentos sociais

    no sentido de identificar recursos e de fazer uso dos mesmos no

    atendimento e na defesa de seus direitos;

    planejar, organizar e administrar benefcios e servios sociais;

    planejar, executar e avaliar pesquisas que possam contribuir

    para a anlise da realidade social e para subsidiar aes profissionais;

    prestar assessoria e consultoria a rgos da administrao

    pblica direta, indireta, empresas privadas e outras entidades;

    prestar assessoria e apoio aos movimentos sociais em matria

    relacionada s polticas sociais, no exerccio e na defesa dos direitos

    civis, polticos e sociais da coletividade;

    planejamento, organizao e administrao de servios sociais

    e de Unidade de Servio Social; realizar estudos socioeconmicos com os usurios para fins de

    benefcios e servios sociais junto aos rgos da administrao pblica

    direta e indireta, empresas privadas e outras entidades.

    No artigo 5, apresenta como atribuies privativas28 do Assistente Social:

    coordenar, planejar, executar, supervisionar e avaliar estudos,

    pesquisas, planos, programas e projetos na rea de Servio Social;

    27. Segundo Terra (1998), competncias so qualificaes profissionais para prestar servios que a

    Lei reconhece, independentemente de serem, tambm, atribudas a profissionais de outras categorias.

    28. Atribuies privativas tambm so competncias, porm exclusivas, decorrentes, especificamente,

    da formao profissional (ibid).

  • 37

    planejar, organizar e administrar programas e projetos em Unidade de Servio Social;

    assessoria e consultoria a rgos da administrao pblica direta e indireta, empresas privadas e outras entidades em matria de Servio Social;

    realizar vistorias, percias tcnicas, laudos periciais, informaes e pareceres sobre a matria de Servio Social;

    assumir, no magistrio de Servio Social, tanto a nvel de graduao quanto ps-graduao, disciplinas e funes que exijam conhecimentos prprios e adquiridos em curso de formao regular;

    treinamento, avaliao e superviso direta de estagirios de Servio Social;

    dirigir e coordenar Unidades de Ensino e Cursos de Servio Social, de graduao e ps-graduao;

    dirigir e coordenar associaes, ncleos, centros de estudo e de pesquisa em Servio Social;

    elaborar provas, presidir e compor bancas de exames e comisses julgadoras de concursos e outras formas de seleo para assistentes sociais, ou onde sejam aferidos conhecimentos inerentes ao Servio Social;

    coordenar seminrios, encontros, congressos e eventos assemelhados sobre assuntos de Servio Social;

    fiscalizar o exerccio profissional por meio dos Conselhos Federal e Regionais;

    dirigir servios tcnicos de Servio Social em entidades pblicas ou privadas;

    ocupar cargos e funes de direo e fiscalizao da gesto financeira em rgos e entidades representativas da categoria profissional.

    O Cdigo de tica Profissional (1993) tambm apresenta ferramentas fundamentais para a atuao profissional no cotidiano, ao colocar como princpios:

    reconhecimento da liberdade como valor tico central: defesa intransigente dos direitos humanos; ampliao e consolidao da cidadania, com vistas garantia

    dos direitos civis, sociais e polticos das classes trabalhadoras;

  • 38

    defesa do aprofundamento da democracia, enquanto socializao poltica e da riqueza socialmente produzida;

    posicionamento em favor da equidade e justia social, que assegure universalidade de acesso aos bens e servios relativos aos programas e polticas sociais, bem como sua gesto democrtica;

    empenho na eliminao de todas as formas de preconceito; garantia do pluralismo, por meio do respeito s correntes

    profissionais democrticas existentes e suas expresses tericas, e compromisso com o constante aprimoramento intelectual;

    opo por um projeto vinculado ao processo de construo de uma nova ordem societria, sem dominao/explorao de classe, etnia e gnero;

    articulao com os movimentos de outras categorias profissionais que partilhem dos princpios deste cdigo e com a luta geral dos trabalhadores;

    compromisso com a qualidade dos servios prestados populao e com o aprimoramento intelectual, na perspectiva da competncia profissional;

    exerccio do Servio Social sem discriminao.Esses instrumentos legais so fundamentais para a delimitao

    das atribuies e competncias dos assistentes sociais na sade que sero abordadas a seguir.

  • 39

    3.2 PARMETROS PARA A ATUAO DE ASSISTENTES SOCIAIS NA SADE

    Para explicitar os parmetros de atuao profissional na sade importante caracterizar o entendimento de ao profissional que, segundo Mioto (2006 apud MIOTO; NOGUEIRA, 2006), se estruturam sustentadas no conhecimento da realidade e dos sujeitos para os quais so destinadas, na definio dos objetivos, na escolha de abordagens e dos instrumentos apropriados s abordagens definidas. A ao profissional, portanto, contm os fundamentos terico-metodolgicos e tico-polticos construdos pela profisso em determinado momento histrico e os procedimentos tcnico-operativos.

    O projeto tico-poltico da profisso, construdo nos ltimos trinta anos, pauta-se na perspectiva da totalidade social e tem na questo social a base de sua fundamentao como j foi referido. Alguns conceitos so fundamentais para a ao dos assistentes sociais na sade como a concepo de sade, a integralidade, a intersetorialidade, a participao social e a interdisciplinaridade, j ressaltados no primeiro item deste documento.

    O conceito de sade contido na Constituio Federal de 1988 e na Lei n 8.080/1990 ressalta as expresses da questo social, ao apontar que a sade direito de todos e dever do Estado, garantido mediante polticas sociais e econmicas que visem reduo do risco de doena e de outros agravos e ao acesso universal e igualitrio s aes e servios para sua promoo, proteo e recuperao (CF, 1988, artigo 196) e indicar como fatores determinantes e condicionantes da sade, entre outros, a alimentao, a moradia, o saneamento bsico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educao, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e servios essenciais; os nveis de sade da populao expressam a organizao social e econmica do Pas (Lei n 8.080/1990, artigo 3).

    Essas expresses da questo social devem ser compreendidas, segundo Iamamoto (1982), como o conjunto das desigualdades da sociedade capitalista, que se expressam por meio das determinaes econmicas, polticas e culturais que impactam as classes sociais.

  • 40

    Ao defender essa concepo de sade, o movimento de Reforma

    Sanitria salientou a importncia da determinao social sustentada

    nas categorias de trabalho e reproduo social da vida. Nessa

    concepo, fundamental o contexto e as condies sociais que

    impactam o processo sade-doena.

    Alis, tambm por isso que a sade do trabalhador vem se

    apresentando como uma importante rea de atuao do assistente social

    nas ltimas dcadas. A dimenso social e histrica do trabalho ganha

    relevncia nos determinantes das condies de sade do trabalhador,

    com a complexidade da realidade atual, marcada pela precarizao das

    condies de trabalho, aumento do mercado informal, flexibilizao

    das relaes de trabalho e restrio de direitos. A sade do trabalhador

    envolve o coletivo de trabalhadores, inserido no processo sade/doena

    no trabalho, no abrangendo apenas queles que tm o adoecimento

    neste processo. Exige o desenvolvimento de aes de atendimento,

    preveno e promoo da sade, de fiscalizao do ambiente e condies

    de trabalho, defesa das condies ambientais, de acesso aos direitos

    previdencirios e trabalhistas envolvendo diferentes atores.

    O assistente social atua no atendimento aos trabalhadores, seja

    individual ou em grupo, na pesquisa, no assessoramento e na mobilizao

    dos trabalhadores, compondo muitas vezes, equipe multiprofissional.

    Os desafios so muitos. Apesar dos avanos, a exemplo da realizao

    da III Conferncia Nacional de Sade do Trabalhador em 2005, muito

    tem de se construir na implementao da poltica e no combate

    a atuao segmentada dos diferentes rgos e instituies, como

    rgos pblicos da sade, previdncia social, trabalho e emprego,

    poder judicirio, empregadores, pesquisadores, movimentos dos

    trabalhadores, com destaque para a organizao sindical, entre outros.

    um campo privilegiado de atuao para o assistente social que com

    a direo social adotada pela profisso nas ltimas dcadas e com a

    atuao conjunta com outros profissionais e movimentos sociais que

    compartilhem dos princpios e diretrizes defendidos pelo projeto tico

    poltico , o qual contribuir para o fortalecimento dos trabalhadores

    enquanto sujeitos histricos neste processo.

  • 41

    J nas equipes de sade mental, o assistente social deve contribuir para que a Reforma Psiquitrica alcance seu projeto tico-poltico. Nessa direo, os profissionais de Servio Social vo enfatizar as determinaes sociais e culturais, preservando sua identidade profissional. No se trata de negar que as aes do assistente social no trato com os usurios e familiares produzam impactos subjetivos, o que se pe em questo o fato do assistente social tomar por objeto a subjetividade, o que no significa abster-se do campo da sade mental, pois cabe ao assistente social diversas aes desafiantes frente s requisies da Reforma Psiquitrica tanto no trabalho com as famlias, na gerao de renda e trabalho, no controle social, na garantia de acesso aos benefcios (ROBAINA, 2009).

    Os assistentes sociais na sade atuam em quatro grandes eixos: atendimento direto aos usurios; mobilizao, participao e controle social; investigao, planejamento e gesto; assessoria, qualificao e formao profissional29. A partir do exposto, se explicitar as principais aes desenvolvidas pelo assistente social nesses quatro eixos. Importante destacar que esses eixos no devem ser compreendidos de forma segmentada, mas articulados dentro de uma concepo de totalidade.

    3.2.1 ATENDIMENTO DIRETO AOS USURIOS

    O atendimento direto aos usurios se d nos diversos espaos de atuao profissional na sade, desde a ateno bsica at os servios que se organizam a partir de aes de mdia e alta complexidade, e ganham materialidade na estrutura da rede de servios brasileira a partir das unidades da Estratgia de Sade da Famlia, dos postos e centros de sade, policlnicas, institutos, maternidades, Centros de Apoio Psicossocial (CAPs), hospitais gerais, de emergncia e especializados, incluindo os universitrios, independente da instncia a qual vinculada seja federal, estadual ou municipal.

    29. Mioto e Nogueira (2006), ao caracterizarem as aes profissionais na sade, consideram

    que h trs processos bsicos, dialeticamente articulados: processos poltico-organizativos,

    processos de planejamento e gesto e processos socioassistenciais.

  • 42

    As aes que predominam no atendimento direto so as aes socioassistenciais, as aes de articulao interdisciplinar e as aes socioeducativas. Essas aes no ocorrem de forma isolada, mas integram o processo coletivo do trabalho em sade, sendo complementares e indissociveis.

    Cabe ressaltar, entretanto, que para a realizao das aes explicitadas fundamental a investigao, considerada transversal ao trabalho profissional; o planejamento; a mobilizao e a participao social dos usurios para a garantia do direito sade, bem como a assessoria para a melhoria da qualidade dos servios prestados e a superviso direta aos estudantes de Servio Social.

    3. 2. 1. 1 AES SOCIOASSISTENCIAIS

    Essas aes tm-se constitudo como as principais demandas aos profissionais de Servio Social. Segundo Costa (2000), a insero dos assistentes sociais nos servios de sade mediada pelo reconhecimento social da profisso e por um conjunto de necessidades que se definem e redefinem a partir das condies histricas sob as quais a sade pblica se desenvolveu no Brasil. A implementao do SUS, a partir dos anos de 1990, vai exigir novas formas de organizao do trabalho em sade, a partir das reivindicaes histricas do movimento sanitrio, que so exemplos a universalizao, a descentralizao e a participao popular.

    Entretanto, novas contradies so criadas com a contrarreforma na sade, que tentam no viabilizar o SUS constitucional, acarretando, no cotidiano dos servios, diferentes questes operativas: demora no atendimento, precariedade dos recursos, burocratizao, nfase na assistncia mdica curativa, problemas com a qualidade e quantidade de atendimento, no atendimento aos usurios30. Essas questes vo aparecer no cotidiano dos servios por meio das seguintes demandas explcitas:

    soluo quanto ao atendimento (facilitar marcao de consultas e exames, solicitao de internao, alta e transferncia);

    30. Esse quadro est relacionado tambm com as condies concretas do trabalho dos

    profissionais: baixa remunerao; precarizao do trabalho; aumento e diversificao das

    atividades; reduo de pessoal e carga horria excessiva.

  • 43

    reclamao com relao a qualidade do atendimento e/ou ao no atendimento (relaes com a equipe, falta de medicamentos e exames diagnsticos, ausncia de referncia e contrarreferncia institucional, baixa cobertura das aes preventivas, entre outros);

    no entendimento do tratamento indicado e falta de condies para realizar o tratamento, devido ao preo do medicamento prescrito, do transporte urbano necessrio para o acesso unidade de sade, ou horrio de tratamento incompatvel com o horrio de trabalho dos usurios;

    desigualdade na distribuio e cobertura dos servios de sade, nos municpios e entre os municpios, obrigando a populao a ter de fazer grandes deslocamentos para tentar acesso aos servios;

    agravamento das situaes de morbidade e mortalidade por doenas passveis de preveno.

    Outras demandas referem-se s condies reais de vida dos usurios que se apresentam como: desemprego e subemprego; ausncia de local de moradia; violncia urbana, domstica e acidentes de trabalho; abandono do usurio.

    As aes a serem desenvolvidas pelos assistentes sociais devem transpor o carter emergencial e burocrtico, bem como ter uma direo socioeducativa por meio da reflexo com relao s condies scio-histricas a que so submetidos os usurios e mobilizao para a participao nas lutas em defesa da garantia do direito Sade.

    O profissional precisa ter clareza de suas atribuies e competncias para estabelecer prioridades de aes e estratgias, a partir de demandas apresentadas pelos usurios, de dados epidemiolgicos e da disponibilidade da equipe de sade para aes conjuntas. As demandas emergenciais, se no forem reencaminhadas para os setores competentes por meio do planejamento coletivo elaborado na unidade, vo impossibilitar ao assistente social o enfoque nas suas aes profissionais. A elaborao de protocolos que definem o fluxo de encaminhamentos para os diversos servios na instituio fundamental.

    A avaliao socioeconmica dos usurios tem por objetivo ser um meio que possibilite a mobilizao dos mesmos para a garantia de direitos e no um instrumento que impea o acesso aos servios, ou

  • 44

    seja, deve-se buscar evitar que a avaliao socioeconmica funcione como critrio de elegibilidade e/ou seletividade estrutural, ainda que considerando os limites institucionais.

    As visitas domiciliares so importantes instrumentos a serem utilizados por assistentes sociais porque favorece uma melhor compreenso acerca das condies de vida dos usurios, que envolvem a situao de moradia (residncia e bairro) e as relaes familiares e comunitrias. Portanto, faz com que o profissional, a partir do conhecimento da realidade do usurio, tenha mais elementos para buscar o alargamento dos direitos sociais que podem ser acessados por esse usurio. Nesse sentido, no pode ser utilizada como meio de verificao de dados fornecidos pelo usurio. Deve-se superar qualquer perspectiva de fiscalizao dos modos de vida da populao, que tambm envolvem sua cultura e suas rotinas.

    No cabe ao profissional de Servio Social se utilizar no exerccio de suas funes de terapias individuais, de grupo, de famlia ou comunitrias, mas sim potencializar a orientao social com vistas ampliao do acesso dos indivduos e da coletividade aos direitos sociais. importante ressaltar essa questo, pois alguns segmentos profissionais vm se dedicando terapia familiar e individual, reivindicando o reconhecimento do campo psquico enquanto ampliao do espao ocupacional do assistente social, qualificando-o de Servio Social Clnico, conforme j referido. Essa abordagem anunciada como uma resignificao do Servio Social de Casos, apoiada numa viso holstica do ser humano. Ressalta-se que essas aes fogem ao mbito da competncia do assistente social, pois no esto previstas na legislao profissional, seja referente ao ensino da graduao, expressa nas diretrizes curriculares aprovadas pelo MEC, seja na lei de regulamentao da profisso (IAMAMOTO, 2002)31.

    As principais aes a serem desenvolvidas pelo assistente social so: democratizar as informaes por meio de orientaes

    (individuais e coletivas) e /ou encaminhamentos quanto aos direitos sociais da populao usuria;

    31. A esse respeito, visando orientar a categoria profissional, o Conjunto CFESS/CRESS

    aprovou a elaborao de Resoluo definindo que o exerccio de terapias no so atribuies do

    assistente social (Relatrio do 37 Encontro Nacional CFESS/CRESS, 2008).

  • 45

    construir o perfil socioeconmico dos usurios, evidenciando as condies determinantes e condicionantes de sade, com vistas a possibilitar a formulao de estratgias de interveno por meio da anlise da situao socioeconmica (habitacional, trabalhista e previdenciria) e familiar dos usurios, bem como subsidiar a prtica dos demais profissionais de sade;

    enfatizar os determinantes sociais da sade dos usurios, familiares e acompanhantes por meio das abordagens individual e/ou grupal;

    facilitar e possibilitar o acesso dos usurios aos servios, bem como a garantia de direitos na esfera da seguridade social por meio da criao de mecanismos e rotinas de ao;

    conhecer a realidade do usurio por meio da realizao de visitas domiciliares, quando avaliada a necessidade pelo profissional do Servio Social, procurando no invadir a privacidade dos mesmos e esclarecendo os seus objetivos profissionais;

    conhecer e mobilizar a rede de servios, tendo por objetivo viabilizar os direitos sociais por meio de visitas institucionais, quando avaliada a necessidade pelo Servio Social;

    fortalecer os vnculos familiares, na perspectiva de incentivar o usurio e sua famlia a se tornarem sujeitos do processo de promoo, proteo, preveno, recuperao e reabilitao da sade;

    organizar, normatizar e sistematizar o cotidiano do trabalho profissional por meio da criao e implementao de protocolos e rotinas de ao;

    formular estratgias de interveno profissional e subsidiar a equipe de sade quanto as informaes sociais dos usurios por meio do registro no pronturio nico, resguardadas as informaes sigilosas que devem ser registradas em material de uso exclusivo do Servio Social;

    elaborar estudos socioeconmicos dos usurios e suas famlias, com vistas a subsidiar na construo de laudos e pareceres sociais a perspectiva de garantia de direitos e de acesso aos servios sociais e de sade;

    buscar garantir o direito do usurio ao acesso aos servios; emitir manifestao tcnica em matria de servio social,

    em pareceres individuais ou conjuntos, observando o disposto na Resoluo CFESS n 557/2009.

  • 46

    3.2.1.2 AES DE ARTICULAO COM A EQUIPE DE SADE

    O trabalho em equipe merece ser refletido e as atribuies do profissional de Servio Social precisam ficar especificadas e divulgadas para os demais profissionais, resguardando-se, assim, a interdisciplinaridade como perspectiva de trabalho a ser defendida na sade.

    Iamamoto (2002, p. 41) afirma que necessrio desmistificar a idia de que a equipe, ao desenvolver aes coordenadas, cria uma identidade entre seus participantes que leva diluio de suas particularidades profissionais. A autora considera que so as diferenas de especializaes que permitem atribuir unidade equipe, enriquecendo-a e, ao mesmo tempo, preservando aquelas diferenas (IAMAMOTO, 2002, p.41).

    O assistente social, ao participar de trabalho em equipe na sade, dispe de ngulos particulares de observao na interpretao das condies de sade do usurio e uma competncia tambm distinta para o encaminhamento das aes, que o diferencia do mdico, do enfermeiro, do nutricionista e dos demais trabalhadores que atuam na sade.

    A partir do exposto, identifica-se que cada um desses profissionais,

    em decorrncia de sua formao, tem competncias e habilidades

    distintas para desempenhar suas aes. Concorda-se com Iamamoto

    (2002) que o trabalho coletivo no dilui as competncias e atribuies

    de cada profissional, mas, ao contrrio, exige maior clareza no trato das

    mesmas. A atuao em equipe, portanto, vai requerer do assistente

    social a observncia dos seus princpios tico-polticos, explicitados

    nos diversos documentos legais (Cdigo de tica Profissional e Lei de

    Regulamentao da Profisso, ambos datados de 1993, e Diretrizes

    Curriculares da ABEPSS, datada de 1996).

    A equipe de sade e/ou os empregadores, frente s condies de

    trabalho e/ou falta de conhecimento das competncias dos assistentes

    sociais, tm historicamente requisitado a eles diversas aes que no

    so atribuies dos mesmos, a saber:

    marcao de consultas e exames, bem como solicitao de

    autorizao para tais procedimentos aos setores competentes;

  • 47

    solicitao e regulao de ambulncia para remoo e alta;

    identificao de vagas em outras unidades nas situaes de

    necessidade de transferncia hospitalar;

    pesagem e medio de crianas e gestantes;

    convocao do responsvel para informar sobre alta e bito;

    comunicao de bitos;

    emisso de declarao de comparecimento na unidade quando

    o atendimento for realizado por quaisquer outros profissionais que

    no o Assistente Social;

    montagem de processo e preenchimento de formulrios para

    viabilizao de Tratamento Fora de Domiclio (TFD)32, medicao de

    alto custo e fornecimento de equipamentos (rteses, prteses e meios

    auxiliares de locomoo), bem como a dispensao destes.

    Esto sendo aqui consideradas como no atribuies dos assistentes

    sociais aquelas aes que possuem um carter eminentemente tcnico-

    administrativo, como tambm aquelas que demandam uma formao

    tcnica especfica (de outras profisses da sade) no contemplada na

    formao profissional dos assistentes sociais33.

    O assistente social tem tido, muitas vezes, dificuldades de

    compreenso por parte da equipe de sade das suas atribuies e

    competncias face dinmica de trabalho imposta nas unidades

    de sade determinadas pelas presses com relao demanda e

    fragmentao do trabalho ainda existente34. Entretanto, essas

    dificuldades devem impulsionar a realizao de reunies e debates

    entre os diversos profissionais para o esclarecimento de suas aes e

    estabelecimento de rotinas e planos de trabalho.

    32. O TFD foi regulamentado pelo Ministrio da Sade pela Portaria n 55, de 24 de fevereiro

    de 1999. Trata-se de um dispositivo que garante o acesso de usurios de um municpio e/ou

    estado da Federao a servios de sade de outro municpio e/ou estado, cuja responsabilidade

    do gestor do SUS.

    33. Para isso, importa conferir as Diretrizes Curriculares para o Curso de Servio Social (1996).

    34. Essas dificuldades tm relao com a contrarreforma na sade e as precrias condies de

    trabalho a que esto submetidos todos os profissionais de sade, conforme j sinalizado.

  • 48

    A alta hospitalar outra demanda que precisa ser refletida pela

    equipe a fim de estabelecer as atribuies dos diversos profissionais.

    Parte-se do pressuposto de que a participao do assistente social no

    acompanhamento dos usurios e/ou famlia que vai indicar se h

    demanda para interveno direta do profissional no processo de alta.

    A alta mdica e a alta social devem acontecer concomitantemente.

    Em situaes em que o usurio j tiver recebido a alta mdica sem

    condies de alta social, cabe ao profissional de Servio Social notificar

    equipe, registrando no pronturio a sua interveno, de forma a

    ratificar o carter do atendimento em equipe, com o objetivo de

    estabelecer interface do usurio/familiar com a equipe.

    A alta a pedido tambm uma situao que recai sobre a equipe e,

    muitas vezes, sobre o profissional de Servio Social. Algumas reflexes

    so importantes sobre o significado da alta e da autonomia do usurio

    no servio de sade e que procedimentos a equipe deve adotar

    coletivamente. O usurio, na condio de sujeito protagonista da sua

    histria, deve ser autnomo para decidir sobre os rumos do tratamento

    de sade a ser adotado e a que procedimentos deve ser submetido.

    No caso de solicitao de alta, o usurio dever ser abordado pela

    equipe de sade. Segundo o artigo 46 do Cdigo de tica Mdica, os

    mdicos s podem se recusar a dar a alta a pedido ao usurio no caso

    de iminente risco de vida, em caso contrrio, deve ser respeitada a

    deciso do usurio.

    Os fatores que mais contribuem para a solicitao de alta por parte

    dos usurios so:

    desinformao quanto ao tratamento e procedimentos;

    aspectos culturais e religiosos;

    necessidade de sobrevivncia/manuteno familiar;

    demanda das mulheres de cuidados com os filhos, com a casa,

    de no faltar ao trabalho, pois as mesmas tm assumido, muitas vezes,

    o papel de chefes de famlia.

    Assim, a atuao do assistente social frente a esse procedimento

    o de orientao, esclarecimento e reflexo junto ao usurio e equipe

    de sade com relao s condies objetivas que esto impulsionando

  • 49

    os usurios a tomarem essa deciso. O profissional responsvel pela alta e pelos seus procedimentos deve ser o mdico e no o assistente social. O profissional de Servio Social pode ser um interlocutor entre os usurios e a equipe de sade com relao aos determinantes sociais, visto que o respeito pela diversidade um princpio que deve fundamentar tanto a sua formao como o seu trabalho profissional.

    No mbito da sade, fundamental considerar a dimenso da diversidade como mediao necessria para o entendimento da individualidade humana. Os indivduos em sua diversidade expressam diferenas quanto s relaes de gnero, tnico-racial, de orientao sexual e identidade de gnero, entre outras questes que revelam a singularidade, o modo de constituir a individualidade em sua relao dinmica e contraditria com a sociabilidade. No entanto, na sociabilidade do capital, a tendncia prevalecente que os indivduos se reconheam diversos na vivncia da opresso que determinada pelo no reconhecimento tico-poltico e jurdico da sua diferena. Ou seja, o processo inicial de identificao com sua diversidade permeado pela violao dos direitos, pela negao da liberdade e extravio da igualdade (SANTOS, 2008, p. 78).

    Assim, a diversidade humana no garantida nessa sociabilidade. Prevalece um conjunto de violaes de direitos, sobressaindo a reproduo de inmeras formas de opresso que afetam a vida cotidiana. Essas formas de opresso so resultantes da negao da diversidade humana e se materializam em aes de violncia, sobretudo, contra as mulheres, jovens, crianas/adolescentes e pessoas com orientao sexual LGBT (lsbicas, gays, bissexuais e transgneros).

    A diversidade sexual cotidianamente negada nos espaos institucionais, de lazer e em praticamente todos os espaos da vida social. Quais as implicaes disso na sade dos indivduos? Nas ltimas dcadas com o fortalecimento do movimento feminista e do movimento LGBT, inclusive com maior visibilidade de suas agendas polticas, tem sido possvel verificar que as situaes de preconceito e de discriminao vivenciadas pelos indivduos LGBT, assim como as situaes decorrentes do machismo e do sexismo em relao s mulheres tm levado esses indivduos a processos de adoecimento.

  • 50

    A partir dessa realidade, o CNS criou a Comisso Intersetorial de Sade da Populao de Lsbicas, Gays, Bissexuais e Travestis (CISPLGBT)35, considerando tambm a necessidade de garantia da equidade, um dos princpios estruturantes do SUS, o que implica a adoo de medidas de ao afirmativa para a populao de LGBT no cumprimento de seu direito sade, e que a discriminao e a violncia contra as pessoas LGBT determinam forma especfica de adoecimento e morte (CNS n 410/2009).

    Ainda sobre a questo da diversidade, vale considerar tambm: em que medida a homofobia institucional reproduzida como negao de direitos?

    A homofobia institucional definida como a incapacidade tcnica de determinado espao scio-ocupacional para prover um servio apropriado e profissional para as pessoas por causa de sua orientao sexual ou identidade de gnero. A homofobia institucional pode ser identificada em processos, atitudes, comportamentos que manifestam discriminao a usurios LGBTs, resultado de preconceito, ignorncia, negligncia e estereotipao homofbica que causa negao de acesso aos direitos dessa populao. Nesse sentido, a Resoluo CFESS n 489/2006 constitui um instrumento estratgico para resguardar direitos da populao LGBT, uma vez que estabelece normas vedando condutas discriminatrias ou preconceituosas, por orientao e expresso sexual por pessoas do mesmo sexo, no exerccio profissional do/a assistente social, regulamentando princpio inscrito no Cdigo de tica Profissional. Os artigos 3, 4 e 5 dessa mesma resoluo orientam a interveno tica e poltica dos assistentes sociais nas unidades de sade com vistas reflexo crtica e superao da homofobia institucional36.

    35. Essa comisso foi instituda pela Resoluo CNS n 410, de 12 de fevereiro de 2009. Na Gesto 2006-2009 do CNS, coordenada pelo movimento LGBT, por meio da Liga Brasileira de Lsbicas (LBL). Cabe informar que nesse mesmo perodo, o CFESS tambm atuou nessa comisso na condio de suplente.

    36. Para uma melhor compreenso dessa orientao, reproduzimos os artigos 3, 4 e 5 da Resoluo CFESS n 489/2006.

    Art. 3. O assistente social dever contribuir para eliminar, no seu espao de trabalho, prticas discriminatrias e preconceituosas, toda vez que presenciar um ato de tal natureza ou tiver conhecimento comprovado de violao do princpio inscrito na Constituio Federal, no seu Cdigo de tica, quanto a atos de discriminao por orientao sexual entre pessoas do mesmo sexo.

    Art 4. vedado ao assistente social a utilizao de instrumentos e tcnicas para criar, manter ou reforar preconceitos, estigmas ou esteretipos de discriminao em relao livre orientao sexual.

    Art. 5. dever do assistente social denunciar ao Conselho Regional de Servio Social, de sua rea de ao, as pessoas jurdicas privadas ou pblicas ou pessoas fsicas, sejam assistentes sociais ou no, que sejam coniventes ou praticarem atos, ou que manifestarem qualquer conduta relativa a preconceito e discriminao por orientao sexual entre pessoas do mesmo sexo.

  • 51

    Nessa mesma direo, outra demanda que aparece para a equipe de sade refere-se violncia contra crianas, adolescentes, mulheres, idosos, gays, lsbicas, homossexuais, transexuais e pessoas com deficincias, entre outros. Nessas situaes, a responsabilidade pela notificao funo de toda a equipe. O assistente social deve colaborar nessa ao, mas no atribuio privativa do mesmo. Cabe ao profissional de Servio Social fazer uma abordagem socioeducativa com a famlia, socializar as informaes em relao aos recursos sociais existentes e viabilizar os encaminhamentos necessrios37.

    A humanizao uma outra temtica que surge com nfase no final de 1990 e incio dos anos 2000, tendo conseguido legitimidade a partir da 11 Conferncia Nacional de Sade, realizada em Braslia, em 200038. Em 2001, foi criado o Programa Nacional de Humanizao da Assistncia Hospitalar pelo Ministrio da Sade, com o objetivo de promover a cultura de um atendimento humanizado na rea da sade. No governo Lula, o programa transforma-se em Poltica Nacional de Humanizao, ampliando sua rea de ao passando a contemplar a gesto e a ateno.

    Os assistentes sociais tm sido chamados para viabilizar, junto com outros trabalhadores da sade, essa poltica. Uma das questes fundamentais ter clareza das diversas concepes de humanizao, pois a mesma envolve aspectos amplos que vo desde a operacionalizao de um processo poltico de sade calcado em valores como a garantia dos direitos sociais, o compromisso social e a sade, passando pela reviso das prticas de assistncia e gesto (CASATE; CORRA, 2005)39.

    37. Trata-se de encaminhamentos aos recursos e mecanismos legais institudos e/ou garantidos

    pela legislao social vigente no Brasil, a saber: Lei Maria da Penha (Lei n 11.340/2006), Estatuto do

    Idoso (Lei n 10.741/2003), ECA (Lei n 8.069/1990), LOAS (Lei n 8.742/1993), Lei da Acessibilidade

    (Lei n 10.098/2000), Lei dos Direitos das Pessoas com Deficincia (Lei n 7.853/1989), LOS (Lei n

    8.080/1990 e n 8.142/1990), Resoluo CFESS n 489/2006, entre outros.

    38. Esta conferncia teve como tema Acesso, qualidade e humanizao na ateno sade

    com controle social.

    39. Na discusso terica sobre humanizao importante o conhecimento das diversas

    concepes em debate. Para maior aprofundamento vide: Deslandes (2004), Casate e Correa

    (2005), e Benevides e Passos (2005).

  • 52

    O assistente social precisa debater o significado da humanizao

    com a equipe a fim de evitar compreenses distorcidas que levem

    a uma percepo romntica e/ou residual da atuao, focalizando

    as aes somente na escuta e reduo de tenso. A concepo de

    humanizao, na perspectiva ampliada, permite aos profissionais

    analisarem os determinantes sociais do processo sade-doena,

    as condies de trabalho e os modelos assistencial e de gesto.

    Nessa direo, cabe aos profissionais desencadearem um processo

    de discusso, com a participao dos usurios, para a reviso do

    projeto da unidade de sade, das rotinas dos servios e ruptura

    com o modelo centrado na doena.

    O desafio da humanizao a criao de uma nova cultura de

    atendimento, pautada na centralidade dos sujeitos na construo

    coletiva do SUS. Para que essa proposta se consolide preciso que os

    trabalhadores estejam motivados, com condies de trabalho dignas

    e salrios compatveis. A defesa dessa concepo de humanizao

    encontra-se respaldada no projeto tico poltico do Servio Social,

    devendo ser compromisso e preocupao profissional. Para tanto,

    o assistente social deve participar na elaborao de protocolos

    assistenciais e rotinas de trabalho, investindo na educao permanente

    das equipes, com vistas a repensar o modelo de ateno a sade e

    avaliar, constantemente, as dificuldades que se apresentam no processo

    coletivo de trabalho em sade. de suma importncia a participao

    dos usurios nesse processo.

    A Poltica Nacional de Humanizao no pode estar dissociada dos

    fundamentos centrais da poltica de sade e a garantia dos princpios

    do SUS, e deve ter como referencial o Projeto de Reforma Sanitria40.

    Diante das consideraes apresentadas, destacam-se como aes

    de articulao dos assistentes sociais na equipe de sade:

    40. Nos documentos bsicos da Poltica Nacional de Humanizao (PNH) a concepo

    de Reforma Sanitria no recuperada, o que permite a anlise de que a mesma refere-

    se a uma mudana de postura profissional e no a um debate sobre as reais condies de

    sade e funcionamento do SUS.

  • 53

    esclarecer as suas atribuies e competncias para os demais

    profissionais da equipe de sade;

    elaborar junto com a equipe propostas de trabalho que

    delimitem as aes dos diversos profissionais por meio da realizao

    de seminrios, debates, grupos de estudos e encontros;

    construir e implementar, junto com a equipe de sade,

    propostas de treinamento e capacitao do pessoal tcnico-

    administrativo com vistas a qualificar as aes administrativas que

    tem interface com o atendimento ao usurio, tais como: a marcao

    de exames e consultas, e a convocao da famlia e/ou responsvel

    nas situaes de alta e bito;

    incentivar e participar junto com os demais profissionais de

    sade da discusso do modelo assistencial e da elaborao de normas,

    rotinas e da oferta de atendimento da unidade, tendo por base os

    interesses e demandas da populao usuria. Isso exige o rompimento

    com o modelo assistencial baseado na procura espontnea e no tratamento isolado das doenas;

    garantir a insero do Servio Social em todos os servios

    prestados pela unidade de sade (recepo e/ou admisso, tratamento

    e/ou internao e alta), ou seja, atender o usurio e sua famlia, desde

    a entrada do mesmo na unidade por meio de rotinas de atendimento

    construdas com a participao da equipe de sade;

    identificar e trabalhar os determinantes sociais da situao

    apresentada pelos usurios e garantir a participao dos mesmos

    no processo de reabilitao, bem como a plena informao de sua

    situao de sade e a discusso sobre as suas reais necessidades e

    possibilidades de recuperao, face as suas condies de vida;

    realizar em conjunto com a equipe de sade (mdico, psiclogo

    e/ou outros), o atendimento famlia e/ou responsveis em caso de

    bito, cabendo ao assistente social esclarecer a respeito dos benefcios

    e direitos referentes situao, previstos no aparato normativo e legal

    vigente tais como, os relacionados previdncia social, ao mundo

    do trabalho (licena) e aos seguros sociais (Danos Pessoais causados

    por Veculos Automotores por via Terrestre DPVAT), bem como

  • 54

    informaes e encaminhamentos necessrios, em articulao com a rede de servios sobre sepultamento gratuito, translado (com relao a usurios de outras localidades), entre outras garantias de direitos41;

    participar, em conjunto com a equipe de sade, de aes socioeducativas nos diversos programas e clnicas, como por exemplo: na sade da famlia, na sade mental, na sade da mulher, da criana, do adolescente, do idoso, da pessoa com deficincia (PCD), do trabalhador, no planejamento familiar, na reduo de danos, lcool e outras drogas, nas doenas infectocontagiosas (DST/AIDS, tuberculose, hansenase, entre outras) e nas situaes de violncia sexual e domstica;

    planejar, executar e avaliar com a equipe de sade aes que assegurem a sade enquanto direito;

    avaliar as questes sociofamiliares que envolvem o usurio e/ou sua famlia, buscando favorecer a participao de ambos no tratamento de sade proposto pela equipe;

    participar do projeto de humanizao da unidade na sua concepo ampliada, sendo transversal a todo o atendimento da unidade e no restrito porta de entrada, tendo como referncia o projeto de Reforma Sanitria;

    realizar a notificao, junto com a equipe multiprofissional, frente a uma situao constatada e/ou suspeita de violncia aos segmentos j explicitados anteriormente, s autoridades competentes, bem como verificar as providncias cabveis, considerando sua autonomia e o parecer social do assistente social.

    3.2.1.3 AES SOCIOEDUCATIVAS

    Essas aes consistem em orientaes reflexivas e socializao de informaes realizadas por meio de abordagens individuais, grupais ou coletivas ao usurio, famlia e populao de determinada rea programtica.

    41. Essas orientaes sociais devem ser feitas no momento da situao do bito, caso no

    tenham sido realizadas anteriormente.

  • 55

    Devem-se constituir em eixo central da atuao do profissional de Servio Social e recebem tambm a denominao de educao em sade. O seu enfoque abrange diversos aspectos: informao e debate sobre rotinas e funcionamento das unidades tendo por objetivo a sua democratizao e as necessrias modificaes; anlise dos determinantes sociais das situaes apresentadas pelos usurios; democratizao dos estudos realizados pela equipe (com relao rede de servios, perfil epidemiolgico, socioeconmico e cultural dos usurios); anlise da poltica de sade e dos mecanismos de participao popular.

    As aes socioeducativas e/ou educao em sade no devem pautar-se pelo fornecimento de informaes e/ou esclarecimentos que levem a simples adeso do usurio, reforando a perspectiva de subalternizao e controle dos mesmos. Devem ter como intencionalidade a dimenso da libertao na construo de uma nova cultura e enfatizar a participao dos usurios no conhecimento crtico da sua realidade e potencializar os sujeitos para a construo de estratgias coletivas. Dessa forma, tem-se por objetivo a conscincia sanitria, conceito fundamental da Reforma Sanitria. Para Berlinguer (1978, p. 5), conscincia sanitria concebida como a tomada de conscincia de que a sade um direito da pessoa e um direito da comunidade. Como esse direito sufocado e esse interesse descuidado, conscincia sanitria a ao individual e coletiva para alcanar esse objetivo. As foras sindicais e polticas podem ter, dependendo da orientao e dos instrumentos, um papel relevante na formao da conscincia sanitria42.

    42. Conscincia sanitria um conceito estratgico utilizado por Berlinguer, principal autor da

    Reforma Sanitria italiana e que foi uma das referncias para os formuladores do projeto de Reforma

    Sanitria no Brasil. Consiste na articulao de diferentes nveis, possibilitados pela concomitncia

    do corpo biolgico com o corpo socialmente investido, o corpo produtivo. Segundo Snia Fleury, a

    articulao se daria entre a experincia singular do sofrimento, a vivncia das necessidades vitais, e

    a dimenso pblica do indivduo enquanto cidado, portanto, portador de um conjunto de direitos

    e deveres diante do Estado, e sua insero na luta entre dominados e dominadores, aos quais

    remetem tanto