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AS OBRAS DE REVITALIZAÇÃO NA REGIÃO PORTUÁRIA DO RIO
DE JANEIRO E INTERVENÇÕES NA PAISAGEM:
Uma reflexão sobre o Projeto “Porto Maravilha”
FRANÇA, VALÉRIA SÁVIA TOMÉ
Universidade Federal de Minas Gerais. Mestrado em Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável. [email protected]
RESUMO Frente aos novos delineamentos colocados pela ideia de paisagem cultural, e sendo a cidade do Rio de Janeiro, a primeira no Brasil inscrita nesta categoria, ao mesmo tempo considerando os impactos desta inclusão em obras de intervenção na malha urbana, este artigo pretende apresentar e proceder a uma reflexão sobre o projeto proposto pela Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, intitulado “Porto Maravilha”, realizado através de Operação Urbana Consorciada e que visa à revitalização de um perímetro urbano caracterizado desde o inicio da ocupação da cidade por várias formas de uso, como o tráfico de escravos, atividades industriais e habitações populares. O projeto que, segundo os idealizadores, visa à melhoria da qualidade de vida dos moradores e à sustentabilidade ambiental e socioeconômica é alvo de muitas polêmicas e críticas, direcionadas em grande parte a forma como a população residente tem sido expulsa para a realização das obras, ao processo de gentrificação e à forma autoritária de condução do projeto. Tendo em vista a desaprovação das comunidades locais e o andamento do projeto até o presente momento, pretende-se analisar o impacto das obras de revitalização da zona portuária carioca e na forma como se procede a uma nova configuração da
paisagem cultural da cidade do Rio de Janeiro. Palavras-chave: Paisagem cultural; Revitalização urbana; Rio de Janeiro
3° COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO - DESAFIOS E PERSPECTIVAS Belo Horizonte, de 15 a 17 de setembro
Frente aos novos delineamentos colocados pela ideia de paisagem cultural, e sendo a cidade
do Rio de Janeiro, a primeira no Brasil inscrita nesta categoria, ao mesmo tempo
considerando os impactos desta inclusão em obras de intervenção na malha urbana, e na
tentativa de promover uma discussão em tono das intervenções na paisagem, este artigo
pretende apresentar e proceder a uma reflexão sobre o projeto proposto pela Prefeitura
Municipal do Rio de Janeiro, intitulado “Porto Maravilha”, realizado através de Operação
Urbana Consorciada e que visa à revitalização de um perímetro urbano localizado na zona
portuária carioca.
Metodologicamente revisou-se a literatura sobre o conceito de Paisagem Cultural e sobre o
que está sendo produzido sobre as intervenções na paisagem carioca, mais especificamente
na zona portuária da cidade, através do site do projeto e em revistas acadêmico-científicas,
publicadas entre 2010 e 2014.
As atividades na zona portuária começaram a se delinear a partir do século XVIII, devido a
conformação geográfica que as favoreciam e, sobretudo por sua localização estar próxima ao
centro econômico e comercial da cidade, permitindo o desembarque do tráfico de escravos,
que se dirigiam para o mercado que ficava nas proximidades do cais. No século XIX a região
começou a ser habitada por ex-combatentes da Guerra de Canudos e a partir daí iniciou-se
uma proliferação de cortiços e habitações populares, que gradativamente foram contribuindo
para a deterioração da imagem do lugar. Nas primeiras décadas do século XX, com as
reformas urbanas do prefeito Pereira Passos e com a construção de um porto mais moderno
para atender as novas demandas da cidade do Rio de Janeiro, dirigiram-se para a área
portuária várias pessoas, que deram inicio a ocupação dos bairros Saúde, Gamboa e Santo
Cristo, população esta formada basicamente por marinheiros, estivadores, prostitutas e
operários urbanos, em sua maioria negros que estavam ligados as atividades de comércio e
funções portuárias.(LIMA, 2010, p.36)
Durante muitos anos a zona portuária carioca foi uma região que esteve esquecida aos olhos
do Estado, e sua situação foi se deteriorando cada vez mais, sobretudo a partir dos anos
1950, quando cada vez menos, a região foi objeto de intervenções do Estado. Vários prefeitos
falaram da necessidade de realização de projetos de revitalização na área, no entanto, quase
nada foi feito. Através dos anos foi-se construindo um discurso de que era necessário fazer
um uso moderno para a velha zona portuária, um uso que resgatasse o contato do carioca
com o mar, tão marcante na época do nascimento da cidade. (FERREIRA, 2010), mas que
não saiu do papel.
3° COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO - DESAFIOS E PERSPECTIVAS Belo Horizonte, de 15 a 17 de setembro
Em 2009, em face dos grandes eventos esportivos que a cidade do Rio de Janeiro recebeu ou
pretende receber, como a Copa do Mundo FIFA 2014 e o Jogos Olímpicos de 2016, durante
uma cerimônia que reuniu o então presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, o
governador Sérgio Cabral e o prefeito Eduardo Paes, foram assinados acordos para
realização de um projeto de revitalização da zona portuária. O projeto denominado “Porto
Maravilha”, deverá ser realizado em parceria de investimentos da iniciativa privada e o
objetivo é promover a reestruturação local por meio da ampliação e requalificação dos
espaços públicos na região, visando à melhoria da qualidade de vida dos moradores e à
sustentabilidade ambiental e socioeconômica da área.
1-Paisagem cultural e os novos delineamentos em torno do
Patrimônio Cultural
Em face das mudanças e amplitudes conceituais relativas ao campo do patrimônio, surgiram
não só novas formas de se intervir sobre ele, mas também novos instrumentos para serem
trabalhados. Dentre esses, cabe citar a ideia de “paisagem cultural”, que desde os anos de
1990 vem sendo trabalhado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura (UNESCO) e que reflete uma ampliação do conceito de conservação e vai
unir os aspectos tangíveis e intangíveis do patrimônio cultural que durante muito tempo foram
pensados como mecanismos distintos, que para Castriota (2009) indicam interações
significativas entre o homem e o meio ambiente natural. (Castriota, 2009, p.15).
Pela definição da UNESCO, a paisagem cultural enquanto categoria patrimonial engloba uma
gama diversa de manifestações que ilustram a interação entre o meio ambiente natural e a
ação humana, podendo ser classificadas em três categorias, que são:
i- Paisagem definida e projetada (clearly defined landscape) – são aquelas criadas
intencionalmente, por exemplo jardins e parques construídos.
ii- Paisagem evoluída organicamente (organicall yevolved landscape)- são aquelas que
representam a transição de um processo que chegou ao fim, que é o caso das
paisagens relíquias ou que daquelas que ainda se encontram em processo de
transformação, que é o caso das paisagens contínuas.
iii- Paisagem cultural associativa (associative cultural landscapes) – são aquelas que
representam a forma associativa entre associações religiosas, artísticas ou
culturais com o meio ambiente natural.
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Figura 01: Paisagem Cultural do Vale Viñales, em Cuba.
Fonte: Disponível em http://whc.unesco.org/en/list/840/gallery/
Para que uma paisagem seja inscrita na Lista de Patrimônio Mundial da UNESCO, ela
deve ser representativa não só em relação à sua tipologia, mas ter seu valor afirmado pela
comunidade local que a partilha. Winter (2007), ao analisar essa valoração diz:
A razão para a inclusão de uma paisagem cultural na lista do patrimônio mundial e os critérios para atribuição de valor são relativos à sua funcionalidade e inteligibilidade. Em qualquer caso, a parte selecionada precisa ser substancialmente adequada para representar a totalidade da paisagem cultural que ela ilustra. Ainda segundo as resoluções desse encontro, a possibilidade de selecionar longas áreas lineares que representem redes de comunicação e transporte culturalmente significantes não deveria ser excluída. (WINTER, 2007. p.49).
Até 2014, quase 100 (cem) paisagens já foram inscritas na lista de Patrimônio Mundial, e
embora o termo seja complexo e passível de ambiguidade, cada vez é mais crescente a
utilização desta categoria, que comprova a diversidade cultural mundial. Em 2012 ocorreu a
primeira inscrição de uma paisagem cultural brasileira, sendo ela um perímetro da cidade do
Rio de Janeiro.
2-A Paisagem Cultural do Rio de Janeiro
A primeira candidatura do Rio de Janeiro como patrimônio mundial foi apresentada em 2002,
então considerada como um sítio misto que abrangia aspectos naturais e culturais, marcado
pela presença de três locais: o Parque Nacional da Tijuca, o Jardim Botânico e o Pão de
Açúcar. Na época não houve a inscrição, vindo a segunda candidatura a ocorrer em 2011,
com esta sendo considerada como paisagem cultural.
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Considerada como um exemplar único da interação entre o homem, a cidade e a natureza, a
cidade do Rio de Janeiro, em 2012 foi inscrita como Paisagem Cultural na lista de patrimônio
mundial da UNESCO. A candidatura, intitulada “Paisagens Cariocas entre o Mar e a
Montanha” foi fruto da colaboração de diversos órgãos governamentais, que elaboraram um
documento promovendo vários pontos da cidade, incluindo ambientes naturais e modificados
pela ação humana. O perímetro da paisagem inclusa na lista da UNESCO compreende o
Parque Nacional da Tijuca, a Baía de Guanabara, o Jardim Botânico, o Corcovado, o Aterro
do Flamengo, bem como a faixa que se estende da orla dos bairros Leme, Glória e
Copacabana.
Figura 02: Paisagem Cultural do Rio de Janeiro.
Fonte: Disponível em http://whc.unesco.org/en/list/1100
De acordo com a decisão da 36ª Sessão do Comitê do Patrimônio Mundial da UNESCO, os
critérios que justificaram a inclusão foram o (v), pela paisagem representar um exemplar da
mistura entre meio ambiente natural e ação humana, cujo intercâmbio é resultado de diversas
contribuições que moldaram a cultura da cidade e do critério (vi), por ser a paisagem do Rio de
Janeiro fonte de inspiração para diversas formas de arte, cuja imagem que se projeta, faz
desta cidade uma das mais belas do mundo.
Visando a manutenção desta paisagem para as gerações futuras, em 2011 um novo Plano
Diretor para a cidade entrou em vigor estabelecendo novas diretrizes para promoção de
desenvolvimento econômico, social, preservação do meio ambiente e visando novas
condições para a ocupação urbana e manutenção da identidade da cidade. Para tanto uma
comissão para coordenar a gestão da paisagem foi definida pelo Decreto n º 464, de 29 de
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dezembro de 2011, cujo objetivo era desenvolver e entregar para UNESCO um Plano de
gestão e garantir a adoção medidas de proteção para os locais inscritos, assim como, formas
de uso do solo, mas tal plano ainda encontra-se em fase de elaboração.
Em se tratando da paisagem carioca, outro aspecto chama atenção e diz respeito ao
perímetro tradicionalmente vinculado a vários fatos importantes da história da cidade, mas
que não faz parte daquele inscrito na lista de patrimônio da UNESCO. Este diz respeito à zona
portuária, região localizada próxima no centro do Rio de Janeiro, onde várias obras de
intervenção urbana estão sendo realizadas com o objetivo de dotar a cidade de uma nova
infraestrutura para receber grandes eventos.
3-Intervenções na paisagem carioca e o Projeto “Porto Maravilha”
Dado o momento de visibilidade mundial em que atualmente se encontra o Brasil por sediar
dois eventos esportivos de grande porte como a Copa do Mundo de Futebol FIFA (2014) e os
Jogos Olímpicos (2016), várias cidades brasileiras passam por reformas urbanas que visam
readequá-las à nova conjuntura, e que são justificadas pela presença desses megaeventos
que o país sediará, conforme salienta Borin (2013):
A vinda dos megaeventos está, a cada dia, alterando a
paisagem urbana de nossas cidades com suas obras e
organização, mas não só isto. De forma amostrar ao mundo
uma imagem bonita e sadia, o governo vem realizando
“limpezas” em toda área periférica e de favelas das grandes
cidades brasileiras. (BORIN, 2013)
Este é inclusive o exemplo da cidade do Rio de Janeiro, que justifica o processo de
revitalização da zona portuária da cidade para receber os Jogos Olímpico de 2016, através do
projeto “Porto Maravilha”, sendo este pautado em outros modelos bem sucedidos de
revitalização urbana como o da cidade de Barcelona, na Espanha, realizado nos anos 1980.
Quando se fala em intervenções urbanas, conforme aponta Castriota (2009) a partir dos anos
1960 há não só uma reformulação no campo do patrimônio, como também aparecem novas
maneiras de se intervir sobre o ambiente construído, com o aparecimento de ideias como
“conservação urbana” e “reabilitação urbana”. Nos anos 1970 vários documentos
internacionais com a Carta de Burra e mais tarde a Declaração de Amsterdã, apontam
cuidados para com os bens que apresentam uma significância cultural, e a própria cidade
passa a ser considerada como um “patrimônio ambiental urbano”. Além disso surge a questão
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da preocupação com a população residente e com a manutenção da função econômica de
tais áreas. Desta forma, segundo a Declaração de Amsterdã, de 1975 a reabilitação de bairros
antigos deve ser realizada, tanto quanto possível sem modificações importantes da
composição social dos habitantes e de uma maneira tal que todas as camadas da sociedade
se beneficiem. (CASTRIOTA, 2009, p.165).
No Brasil, foi com a Constituição de 1988 que foram introduzidas novas ferramentas para
trabalhar com as políticas urbanas, com as ações de patrimônio começando a se
descentralizar do Estado. Isso veio a ocorrer em face dos novos agentes e de grupos sociais
que emergiram na cena política brasileira pós-ditadura, e em paralelo, a própria Constituição
já apontava caminhos para a participação popular nas diversas esferas. Castriota (2009) ao
analisar os novos instrumentos da legislação brasileira após a Constituição de 1988, diz:
“Nesta mesma direção, veio a aprovação em 2001, do chamado “Estatuto da Cidade” (Lei n.10.257), que regulamentou novos instrumentos, além de estabelecer diretrizes gerais da política urbana nacional, fazendo com que tais mecanismos passassem a poder ser aplicados de forma menos controversa.” (CASTRIOTA, 2009, p.173)
No Rio de Janeiro, a região portuária desde os seus primórdios esteve ligada à formas de uso
pouco nobres, como o comércio de escravos, e posteriormente no século XX, ao crescimento
de aglomerações populares, como cortiços e favelas e também com a industrialização. Todos
estes fatores em conjunto somados às atividades comuns a uma zona portuária fizeram com
que a região fosse gradativamente desvalorizada, causando uma segregação social,
conforme aponta Lima (2010):
Esse quadro estabeleceu uma relação de apartação social da zona portuária do restante da cidade que passou a ser um lugar proibitivo à presença de “pessoas respeitáveis” exceto em missão de assistência material ou espiritual, visando “tornar aqueles homens ‘civilizados e afáveis” (LIMA apud ALBUQUERQUE, 1985).
O projeto “Porto Maravilha”, que atualmente se encontra em fase de implantação compreende
uma área de 5 milhões de metros quadrados, limitados pelas avenidas Presidente Vargas,
Rodrigues Alves, Rio Branco, e Francisco Bicalho, e que abrange os bairros Santo Cristo,
Gamboa, Saúde e Centro. Para os idealizadores o objetivo é promover a reestruturação local
por meio da ampliação e requalificação dos espaços públicos na região, visando à melhoria da
qualidade de vida dos moradores e à sustentabilidade ambiental e socioeconômica da área, e
que, realizado através de operação urbana consorciada pretende o investimento privado na
requalificação da área.
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Figura 03: Área de abrangência do projeto “Porto Maravilha” Fonte: Disponível em http// www.portomarvilha.com.br
A Operação urbana consorciada é um instrumento do planejamento urbano previsto no
Estatuto das Cidades, Lei n. 10.257 de 2001, que permite que se realizem operações e
intervenções em locais públicos, com a participação de investimentos privados. No caso do
Brasil, o recurso ainda é pouco utilizado e para Souza (2010), embora inovador é necessário
que sua utilização se proceda de forma a não permitir ou dificultar ao máximo desvios e
distorções. Segundo ele:
“as operações urbanas consorciadas não precisam ser demonizadas, mas tampouco devem ser reverenciadas como incorruptíveis: podem ser entendidas como potencialmente benéficas, contanto que a sua regulamentação afaste o perigo de utilizações que sirvam tão somente aos interesses empresariais” (SOUZA, 2010, p.280).
No caso carioca, a Prefeitura através da Lei Municipal nº 101/2009 criou a Operação Urbana
Consorciada da Área de Especial Interesse Urbanístico da Região Portuária do Rio de
Janeiro, autorizando o aumento do potencial construtivo na região e permitindo a construção
para além do permitido até então, excetuando áreas tombadas e prédios destinados ao
serviço público. Esse novo potencial construtivo deverá ser explorado através da compra dos
Certificados de Potencial Adicional Construtivo (CEPACs), que serão revertidos para as obras
de revitalização.
Além disso, foi criada a Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio de
Janeiro (CDURP), empresa de capital misto (público e privado), controlada pela prefeitura que
tem como objetivo a gestão da concessão de obras e serviços públicos, além da administrar
os recursos patrimoniais e financeiros referentes ao projeto.
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Dentre as obras previstas, as principais são construção de túneis, reurbanização de vias,
reconstrução de redes de infraestrutura urbana, implantação de ciclovias, demolição de
algumas estruturas como o Elevado da Perimetral, localizado na região central do projeto,
implantação de centros culturais, dentre outros, que devem ser realizados até 2016.
O Elevado da Perimentral também conhecido como Via Elevada da Perimetral, foi uma via
suplementar sobre a Avenida Rodrigues Alves, que ligava os principais entroncamentos
rodoviários do Rio de Janeiro, ligando as zonas norte e sul da cidade. Dentro das demolições
previstas para realização das obras de revitalização da zona portuária, em 20 de abril de
2014, a segunda fase do processo de demolição da estrutura foi concluído.
No Brasil, percebe-se uma tendência para a reabilitação de áreas degradas ou anteriormente
sem uso, a implantação de centros culturais e museus, com a justificativa de promover um
acesso a arte e à cultura. No caso do “Porto Maravilha”, ele prevê a instalação de um
complexo, com dois grandes equipamentos culturais: o Museu do Amanhã, que se localizará
na Píer Mauá, e o Museu de Arte do Rio, este inclusive já inaugurado na Praça Mauá.
Figura 04: Ilustração em computação gráfica projeto “Porto Maravilha” Fonte: Disponível em http// www.portomaravilha.com.br
4-As polêmicas em trono do projeto “Porto Maravilha”
Desde a proposta inicial do projeto até as fases de implantação que já ocorreram várias foram
as críticas direcionadas a ele. Elas se relacionam a vários aspectos, sobretudo à forma
autoritária de condução por parte dos idealizadores, ao tipo de gestão e, sobretudo à retirada
da população residente no local.
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Rolnik (2011) ao falar sobre a gestão é enfática ao afirmar que se está diante de uma
operação imobiliária executada por empresas privadas, mas financiada com recursos
públicos, onde os benefícios gerados serão privados. Segundo ela:
“(...) como parte da operação urbana Porto Maravilha – como é chamado o projeto de revitalização da zona portuária do Rio – a prefeitura realizou hoje o leilão dos Cepacs (certificados de potencial adicional construtivo) da área. O Fundo de Investimento Imobiliário Porto Maravilha, da Caixa Econômica Federal, arrematou todos os títulos por R$ 3,5 bilhões. Cada um dos 6,4 milhões de cepacs foi vendido por R$ 545. O curioso é que a maior parte dos terrenos que fazem parte da operação urbana Porto Maravilha, que ocupa uma área de 5 milhões de m², são terras públicas, principalmente do governo federal, que foram “vendidas” para a prefeitura do Rio, a partir de avaliações feitas por… ? Pela própria Caixa que, agora, através do Fundo que ela mesma criou, com recursos do FGTS que ela administra, buscará vender os cepacs no mercado imobiliário para construtoras interessadas em construir na região.” (ROLNIK, 2011)
Outro ponto bastante polêmico é relacionado à forma como a população residente tem sido
expulsa para a realização das obras, ocasionando um processo conhecido como
gentrificação, quando após a realização de intervenções urbanas há uma supervalorização
imobiliária da área, fazendo com que a população local residente seja deslocada. Embora nos
últimos anos, as metodologias de conservação urbana tenham se ampliado e novos atores
tenham sido introduzidos, percebe-se muitas vezes que as grandes obras de intervenção
urbana geram o indesejável fenômeno da gentrificação, com a apropriação de várias áreas
por “camadas afluentes” e pelo capital privado, que “requalificam” esses locais com outros
atores, inclusive o poder público, criando uma situação de especulação e exclusão,
convertendo espaços anteriormente degradados, em espaços de consumo para novas
classes sociais (LIMA, 2010, p.27).
Para Lima (2010), a população que reside na zona portuária durante anos esperou por uma
situação para os problemas do local, mas que agora com as obras do projeto “Porto
Maravilha” se vê excluída do processo e se sentindo mais marginalizada, devido à forma
como o projeto é conduzido, que nas palavras de Ferreira (2010):
“São tais constatações que nos levam a acreditar que os interesses do proprietários fundiários e dos promotores imobiliários, além dos setores de comércio têm sido privilegiados em detrimento das necessidades da população de mais baixa renda. Tantos projetos, tanto dinheiro comprometido, prefeito e governador falando no que seria melhor para a cidade, no entanto aqueles que deveriam ser ouvidos – os moradores dessas áreas e os moradores da cidade como um todo – não têm voz.” (FERREIRA, 2010)
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No Brasil, há vários exemplos de obras de revitalização urbana que geram supervalorização
imobiliária e consequente êxodo da população residente, como se pode citar o caso do
Pelourinho, em Salvador, onde através do marketing cultural transformou-se o local em uma
construção para o turista, excluindo a população local do espaço público. Lima (2010) ao
analisar o acontecido, diz:
“O caso da conservação do tradicional bairro do Pelourinho, na
cidade de Salvador, transformou-se no Brasil, em exemplo
ilustrativo da atual tendência da gestão das cidades, associada à
cultura. Segundo Justificativas oficiais do Governo do Estado da
Bahia, a intervenção teve o intuito de reabilitar trechos do bairro
baiano o que condicionou uma verdadeira expulsão de sua
população original pobre, em muitos casos, domiciliadas a
décadas no local. Nesse sentido foram produzidas demolições,
construções, esvaziamentos de interiores de quadras com o
objetivo de criar novos espaços abertos e uma verdadeira
montagem de um grande espetáculo publicitário que deu uma
nova imagem ao bairro.” (LIMA, 2010, p.30)
Conforme já foi citado, vários documentos internacionais como a Declaração de Amsterdã, de
1975 reiteram a necessidade da manutenção das populações originais, através da aplicação
de conceitos como o da “conservação integrada”, mas muitas vezes na prática o que acontece
é bem diferente, ocorrendo muitas vezes o afastamento e a segregação social.
Além disso, a proposta de criação de um complexo cultural com grandes museus, ligados a
investimentos da iniciativa privada como é caso do Museu do Amanhã com a Fundação
Roberto Marinho, é de esperar que ocorra uma supervalorização da área, inserindo a cultura
como um produto de mercado, como inclusive já aconteceu em outras áreas do centro da
cidade. Para Lima (2010), observa-se uma tendência da Prefeitura Municipal do Rio de criar
mais um polo de lazer e entretenimento no entorno da Praça Mauá, a exemplo da Praça XV de
Novembro, com uma conformação de centros culturais e museus, como o Centro Cultural
Branco do Brasil, inaugurado nos finais dos anos 1980, na primeira sede do Banco do Brasil
no país, e que reuniu num só lugar, salas de exposição, cinemas, cafés, livrarias e teatros.
Além deste foram criados o Centro Cultural dos Correios e a Casa França Brasil, e
remodelado o Paço Imperial, excluindo desses espaços as classes populares.
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Para concluir, resta dizer que se faz necessário uma reflexão em torno das propostas para a
zona portuária, onde o destino da população local parece ser o mesmo que os antigos
moradores do Pelourinho, e um posicionamento crítico sobre as intervenções. Além disso, há
uma necessidade de se repensar as novas formas de uso propostas para os espaços
públicos, para evitar a segregação social e cultural.
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