As Paisagens Fantásticas Numa Cidade

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    RBCS Vol. 27 n 80 outubro/2012

    Artigo recebido em 09/09/2010Aprovado em 23/03/2012

    AS PAISAGENS FANTSTICAS NUMA CIDADEAMAZNICA SOB O OLHAR DOS TAXISTAS

    Flvio Leonel Abreu da SilveiraPedro Paulo de Miranda Arajo Soares

    na avenida Presidente Vargas, uma via central dacidade de Belm que se caracteriza como um es-pao de intensa circulao de pessoas oriundas dediferentes camadas sociais, representantes de ml-tiplas experincias no mundo urbano belemense,refletindo a heterogeneidade cultural (Velho, 1994)presente na metrpole. Um dos pontos pesquisadosfoi a Associao dos Taxistas da Praa da Repblica,situada em frente ao Hilton, o primeiro hotel cincoestrelas a ser edificado na cidade.

    O segundo ponto, mais prximo rea comer-cial da mesma avenida, encontra-se na esquina coma rua Manoel Barata, ao lado do extinto CinemaPalcio e do tambm extinto Central Hotel, cujoprdio, hoje reformado, comporta uma grandeloja de vesturio. As conversas com os motoris-tas que labutam nesses locais nos conduziram poruma rede de interlocutores entre os quais esto seu

    Alain, presidente do Sindicato de Taxistas do Esta-do do Par, e outros trs taxistas aposentados que

    O imaginrio urbano belemense1

    O presente artigo resultado de uma pesqui-sa realizada entre os anos de 2007 e 2008. Nossoobjetivo na poca era captar as impresses e as in-terpretaes de antigos taxistas sobre a cidade deBelm (PA) ao longo do tempo, de modo a refle-tir sobre as maneiras pelas quais os trabalhadoresvivenciaram e sentiram as mudanas ocorridas naurbe, bem como o seu ponto de vista sobre este

    processo. Dessa forma, empenhamo-nos em cole-tar narrativas destes profissionais sobre o seu ofcio,acerca das modificaes ocorridas nos espaos dacidade, alm das histrias fantasmagricas ou esca-brosas em que o personagem do taxista se inserecomo protagonista do evento narrado.

    Ao longo da pesquisa de campo foram visita-dos, principalmente, dois pontos de txi localizados

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    nos receberam em suas respectivas residncias, seuNascimento, seu Laranjeiras e seu Manoel.

    No presente artigo focalizaremos prioritaria-mente as narrativas sobre assombraes ou visa-gens, dando nfase, assim, s paisagens fantsti-

    cas presentes no mundo urbano contemporneode uma capital situada na Amaznia. No entanto,essas histrias de carter assustador no se encon-tram isoladas das demais que ouvimos durante apesquisa, uma vez que compem um mosaico denarrativas e imagens relativas cidade de Belm.Tal mosaico revela as transformaes dos lugarespraticados (Certeau, 1994) e a configurao depaisagens urbanas cujas auras so animadas por se-res/entidades que vagam especialmente noite,compondo uma parcela significativa do que poder-

    amos chamar de esprito do lugar.As histrias sobre o contato com o sobrena-

    tural esto geralmente vinculadas a episdios mar-cantes na vida dos motoristas, sendo identificadastambm dinmica da trajetria urbana belemenseem diferentes momentos da segunda metade do s-culo XX. Nesse sentido, quando os taxistas narramas histrias, percebe-se que a funo fantstica damemria (Rocha e Eckert, 2000) exerce o seu ca-rter flexvel e elstico, vinculando novamente ima-gens (res)guardadas pelos narradores a experinciasdiversas, porque vivenciadas ao praticarem o espaourbano a partir das deambulaes que realizam emseus automveis.

    Valorizamos a experincia imaginativa e fa-bulatria do narrador quando tal personagem es-tabelece interaes complexas com o Outro, maisespecificamente com a plateia que o escuta. Portan-to, seguindo as indicaes de Kappferer (1986), en-tendemos a narrativa como um ato deperformanceque encerra tanto possibilidades para a constituio

    e o ordenamento da experincia, quanto para suareflexo e comunicao. Pelo seu carter reflexivo,a narrativa oferece condies para os sujeitos nomundo urbano, para o caso que nos interessa sig-nificarem e acomodarem sua experincia temporalem relao dinmica espacial.

    Ao contar uma histria a outra pessoa, o narra-dor coopera na composio do acervo de narrativase imagens do ouvinte, o qual sempre se constituicomo um potencial narrador. O ouvinte repassa a

    histria que escutou quando, em outra situao, oseu papel no jogo narrativo se inverte, encarnandoa figura benjaminiana do narrador de histrias queest longe de desaparecer no mundo urbano. Por-tanto, as narrativas surgem na maioria das vezes em

    contextos de sociabilidade e de troca de experin-cias. Otvio (42 anos), taxista da Praa da Repbli-ca comentou o seguinte:

    So relatos que so comentados entre os taxis-tas, sabe? Entre ns mesmo, eles comentaram.Quer dizer, normal taxista comentar o queaconteceu, o que acontece... Na maioria dasvezes, acontece coisas, e a gente: P, aconteceuuma coisa comigo! A gente conta...

    Dessa maneira, estamos diante de uma formasocial centrada em um ato de fala apresentando umforte carter performtico. Trata-se da ao de nar-rar como uma composio potico-imagtica rela-cionada com a elaborao da tessitura de uma nar-rativa (Ricoeur, 1994). Ou ainda, o narrar constituiuma ao inteligente e sensvel de erigir uma intriganarrativa capaz de revelar o evento assombroso queaproxima o narrador e a plateia a partir de umaper-

    formanceenvolvendo a prpria potica da narrativa(e as imagens que suscita), da mesma forma quetambm inclui a entonao da voz e os gestos do

    performerna interao com os ouvintes.2

    Ao contar tais histrias acerca de suas experin-cias com o assustador e, portanto, com o medo esuas paisagens, os interlocutores que participaramda pesquisa tendem a evocar as diversas formas devivenciar o lugar, bem como de interagir com ou-tros sujeitos no mundo urbano, onde as dimensesfantsticas e fabulatrias do vivido emergem comfora, trazendo tona as complexidades das ima-

    gens da paisagem metropolitana e o onirismo dasimagens dialticas (Benjamin, 1994) dispersas naexperincia temporal da cidade e em suas transfor-maes modernizadoras desde pelo menos o boomda extrao da borracha entre os sculos XIX e XX(Sarges, 2002). As narrativas sobre temas relativoss visagens mostram-se, desse modo, fundamen-tais para a compreenso dos processos transforma-tivos pelos quais vm passando a cidade de Belm,considerando-se o lugar da narrativa na vida social

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    e na construo dos sentidos sobre o viver em umaurbe situada no norte do Brasil.

    Narrativas sobre visagens

    Para figurar neste artigo escolhemos as nar-rativas sobre o fantasmagrico, especialmenteaquelas relacionadas com os espectros femininos,as quais possuem elementos constitutivos que nospermitem refletir sobre o tema da pesquisa, j quedizem respeito s transformaes das paisagensque compem o mundo urbano belemense a par-tir da tica de profissionais os taxistas cujoofcio implica a relao intensa e direta com osdiversos espaos que integram a urbe amaznica.

    Alm disso, estamos preocupados com questesmetodolgicas referentes ao trabalho de campocom os motoristas no contexto urbano, uma vezque preciso tambm considerar o exerccio desua labuta. Por isso, juntamente s narrativas so-bre visagens privilegiamos as questes relativasao deslocamento3pelo espao urbano e s mudan-as na paisagem belemense que esses trabalhadoresacompanharam ao longo do tempo.

    Acreditamos que o contnuo deslocamentopelo espao citadino engendra uma forma de co-nhecimento especfica sobre o mundo urbano,um mapeamento (Gell, 1985; Ingold, 2000). Ouainda, os deslocamentos estabelecem formas sen-sveis (Sansot, 1986) de atuar na cidade e, porisso, de mapear cognitivamente os lugares e suasespacialidades, tema ao qual retomaremos adiante.Soma-se a isso o fato de que a contnua circulaopela cidade ao longo dos anos confere relevnciaao olhar desses profissionais e ao carter mvel eelstico de suas memrias (Rocha e Eckert, 2000),

    tornando-os capazes de identificar, mediante assuas constantes derivas nos espaos citadinos, asdiferentes camadas temporais sobrepostas na paisa-gem belemense oriundas dos processos dinmicosde modificao que a urbe experimenta.

    Em uma entrevista realizada em um banco daPraa da Repblica em frente ao ponto dos taxistasdaquele local, seu Fabiano (aproximadamente 60anos) narrou uma experincia pessoal em meadosda dcada de 1970, na qual a imagem do desloca-

    mento emerge como um aspecto fundamental naconstruo do episdio narrado:

    Pedro Mas os taxistas tinham medo disso [asvisagens], ou era...

    Seu Fabiano No, era normal! [...] , s umavez, n... Que eu venho, peguei uma corridapra [avenida] Perimetral, da Perimetral eu vimparar na Universidade [Federal do Par], quan-do eu olho pelo retrovisor tinha uma freirano banco traseiro. A eu me arrupiei todinho!Quando eu dobrei na universidade, que eu sada Perimetral, que eu peguei a Augusto Corra,que eu cheguei no claro, olhei e ela num tavamais... [risos]

    Na fala deste senhor aparece, subliminarmen-te, a imagem da fronteira entre o rural e o urba-no, pois certas regies limtrofes podem surgirdentro da prpria cidade, uma vez que algumasreas apresentam ndices de urbanizao e de mo-dernizao no que se refere a sua infraestrutu-ra e equipamentos urbanos, s vises de mundoe s prticas cotidianas de seus habitantes quediferem, por exemplo, das reas perifricas maisafastadas do centro da cidade. Tais imagens, de al-guma forma, indicam aquelas relativas s regiesmorais (Park, 1987).

    A prpria denominao da avenida, isto , Pe-rimetral, parece trazer consigo a concepo de umespao de fronteira, de demarcao de reas distin-tas no corpo da cidade, especialmente em relaoao centro de Belm. Trata-se de uma longa avenidasituada praticamente s margens do rio Guam eque contorna bairros perifricos como o Guam e aTerra Firme, consideradas nos termos locais comobaixadas.4

    Nota-se, retomando a narrativa de nosso inter-locutor, que ao primeiro sinal de claridade, a pre-sena da iluminao pblica, a freira desapareceu.Tudo indica que a visagem estava vinculada a ou-tro tipo de paisagem noturna e a um local ermoe pouco conhecido ou melhor, ao lusco-fuscoligado ao contexto das sombras e s indefiniesvisuais que apontam para as imagens poderosasdo sinistro, das marcas terrificantes e do caos(Durand, 1989).

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    Caso semelhante ao de seu Fabiano o queaparece na histria narrada por seu Nascimento (72anos), um motorista de txi aposentado que nos re-cebeu em sua residncia. Sentado confortavelmenteem uma poltrona na sala de estar, ele nos contou:

    E eu trabalhei 10 anos em nibus, 10 anos emnibus, a... Vamo meter uma assombraopor a! Eu trabalhava numa linha chamadaCircular... Circular. Essa Circular tinha umapessoa, era uma mulher no nibus de meia--noite. T, saindo? T, t gravando? [questio-na seu Nascimento] Ela pegava o nibus meia--noite na Conselheiro Furtado, esquina com aSerzedelo [Corra]. Aonde tem uma farmciahoje, Big Ben. Ela apanhava meia-noite. [...]

    Ela pegava o nibus no canto da Gentil [Bit-tencourt]! E ns entrvamos na Conselheiro.Quando chegava em frente ao presdio So

    Jos, ela sumia! Ento muitos companheirostinha medo de fazer o Cristo.5Ento, quemfazia o Cristo quela altura? Era eu, era o

    Jaime e era o Barrasco. A gente recebia quin-ze cruzeiros pra fazer o Cristo, que os me-drosos, que eles tinham medo! E dava medomesmo! Porque a mulher fazia sinal, a gentetudo aceso, o, a luz do nibus, ela fazia sinal,a gente parava, ela entrava pela porta traseirae sentava no banco do nibus. Em frente aopresdio ela sumia!

    O taxista, na poca motorista de nibus, re-vela em sua narrativa a presena de uma assom-brao que surgia misteriosamente meia-noite eentrava no nibus que ele dirigia. A imagem as-sustadora de alguma forma tensiona signos ligadosao moderno e tradio, pois apesar do smbolo

    de modernidade presente no episdio o nibuspercorrendo a cidade a narrativa aponta paraimagens vinculadas a uma dimenso folclricado medo, como indica Gilbert Durand (1989, p.66), ao afirmar que a hora do fim do dia, ou ameia-noite sinistra, deixa numerosas marcas terri-ficantes: a hora em que os animais malficos e osmonstros infernais se apoderam dos corpos e dasalmas, assim como as almas penadas que circu-lam tenebrosas pelas ruas. Se a noite concedida

    aos defuntos como aparece na obra de Schmitt(1999, p. 198) porque os homens despertos, apartir de horrios aziagos (para o caso belemenseas 18hs e s 24hs) so capazes de vislumbrar a vi-sagem da mulher como uma das dimenses fan-

    tasmagricas das paisagens fantsticas. Portanto,tais imagens esto ligadas experincia do medo(Delumeau, 1996) uma paisagem do medo, deacordo com Tuan (2006) e, por isso, relacionadacom um evento emocionalmente desestabilizador,pois as pessoas experimentam sensaes de terrore angstia diante do desconhecido e do misteriosoao se depararem com o assombro.

    Nota-se que a imagem terrificante da mulherpercorre certa geografia do terror, uma geogra-fia fantstica nos termos de Durand (1989), ou

    mesmo uma geografia imaginria para Maffesoli(1994). A mulher embarca no transporte coletivoexatamente no canto da Gentil, em uma das es-quinas do quarteiro onde est situado o antigo earruinado cemitrio da Soledade, desembarcandoposteriormente nas proximidades do ento presdioSo Jos, um cenrio de violncia e insalubridadeque perdurou em Belm at o final dos anos de1990 e que, durante os sculos XVIII e XIX, estavavinculado a enforcamentos de pessoas que come-teram delitos (Cruz, 1973, p.18). Trata-se de umlugar onde at hoje se acredita que apaream visa-gens.6Gilbert Durand (1989, p. 77) faz referncias deusas funerrias dos Germanos para quemo sistema ritual de morte o enforcamento quechamam os mortos com uma corda. Na narrativade seu Nascimento no h referncia corda, masa presena do espectro feminino em um local ondeocorriam enforcamentos no passado aproxima, dealguma forma, tais imagens terrificantes.

    preciso destacar, ainda, que o referido pre-

    sdio quando construdo situava-se em uma regiolimtrofe do permetro urbano de Belm com asreas florestadas da regio, enquanto hoje, devidos dinmicas urbanas e s transformaes da con-figurao espacial da cidade, encontra-se em umaregio de Belm considerada central. Logo, a visa-gem traz tona este contraste prprio trajetriaurbana complexa e s temporalidades acidentadasde cidades brasileiras (Rocha, 1994), como o casode Belm.

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    O que nos parece claro que no espao ci-tadino as fronteiras assumem diversas formas simblicas, socioeconmicas, geopolticas , defi-nindo, assim, um olhar lanado aos lugares porparte dos motoristas que percebem e captam as

    diferenas presentes no mundo urbano belemensepor meio de suas viagens dentro da metrpole,que para Canclini (1997, p. 109) nos auxiliam aexplorar a constituio do imaginrio urbano,uma vez que a cidade se constituiria para o via-

    jante como um conjunto fragmentrio de imagensdos lugares por onde passa em seu cotidiano. Es-tamos, portanto, no mbito do sensvel da vidasocial (Sansot, 1986) relacionado com os espaospraticados (Certeau, 1994) e vividos por diver-sos atores sociais. Se a alguns locais esto aderi-

    das imagens ligadas ao universo fantasmtico, issonos leva a indicar que os taxistas identificam estasreas como espaos distintos que compem a ci-dade e cujas paisagens detm elementos sensveisque diversificam suas auras.

    No relato de seu Fabiano o que vem tonacomo imagem da fronteira a presena de um es-pao de urbanizao insipiente, enquanto na nar-rativa de seu Nascimento observada a imagemobscura e misteriosa dos arredores de um local deencarceramento que inspira temor e que possuiseu duplo na imagem sombria da mulher-fantas-ma. Em cada caso, as narrativas exprimem umcontraste entre paisagens que se distinguem entresi, configurando dimenses aurticas diversas nocorpo da urbe.

    Na narrativa de seu Lus, um dos profissionaisdo ponto de txi localizado na avenida PresidenteVargas em esquina com a rua Manoel Barata, essecontraste relativo aos limites colocados pela ima-gem da fronteira no interior da cidade aparece de

    outra maneira. Naquele dia, em plena calada, emmeio aos pedestres que passavam apressados for-mou-se uma roda de conversa composta no apenaspelos taxistas e os pesquisadores, mas tambm porvendedores de jornais, guloseimas e habitusdaque-le cenrio. Quando obteve a ateno de todos parasi, seu Lus contou:

    No, mas era verdade, tinha visagem mesmo!Tinha uma, tinha uma loura aqui que era filha

    do, da... do dono da antiga Rdio Liberal, foiprefeito, filha do Lopo de Castro. Ela pegavatxi ali pro, ali praquela rea do cemitrio noite. A vinha, ela fazia sinal e ela dizia: Meleve em tal canto! Na casa... Geralmente na

    casa dela que era aqui na Cidade Velha.7Quando chegava l, por exemplo: o cara que,que me contou que levou ela ali, ele levou,chegou l e ela disse: Olha, eu no tenho di-nheiro aqui, d pra voc vir receber de manh?Eu vou morar aqui [no sentido de eu moroaqui], tu vai ver, eu vou entrar. E ele: Tudobem. Ela entrou. Ele foi embora... De manhquando ele chegou l umas 10 horas, bateu,veio a senhora que era a dona da... Me dela.

    A ele falou:

    Olha, eu vim receber o dinheiro de uma cor-rida.

    A, ela falou: Uma corrida...? Foi! Eu trouxe uma moa ontem.

    A, ela apontou pro quadro: aquela moa ali?

    A ele disse: , essa mesmo, senhora!

    A ela pegou e disse: Olhe, onde que voc encontrar essa moa, osenhor pode trazer pra c! Quanto foi a corri-da? Foi tanto. Ela minha filha, ela j morreu e tal...

    A ele no quis o dinheiro: No, no, noquero o dinheiro!.Mas agora, verdico! Verdade mesmo! Mui-tos, muitos casos tinham naquela poca!

    Novamente a imagem da mulher emerge do

    breu da noite nas proximidades de um cemitrio,indicando ressonncias fantsticas relativas epi-fania da morte (Durand, 1989, p. 69). A animamacabra espera, paciente, ser levada morada emque viveu outrora, localizada no bairro da CidadeVelha segundo seu Lus. A imagem fantstica damulher cuja alma deambula pela noite nas proximi-dades do cemitrio um albergue de fantasmas,para usarmos uma imagem bachelardiana (Bache-lard, 2006) vibra como potncia terrificante. O

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    espectro feminino, ao constituir a aura de uma pai-sagem fantstica no contexto citadino, nutre comseu dinamismo imagtico a funo fabulatria(Caillois, 1938) daqueles que experienciam o mun-do urbano belemense e o narram.

    Nestes termos, o bairro Cidade Velha apareceno cenrio citadino e nos jogos da memria (Ro-cha e Eckert, 2000) como um lugar de fronteira,cuja singularidade est vinculada a uma paisagemde outrora indicadora das aes humanas no pas-sado colonial, uma vez que, de acordo com os de-sgnios de uma coletividade e o momento histri-co em consonncia com a economia emocional(Crapanzano, 1994), determina-se o que impor-tante para lembrar, bem como de que maneira deveser lembrado. As ruas estreitas e at hoje pouco ilu-

    minadas resguardando certa calma juntamentecom a arquitetura colonial criam um contraste emrelao ao restante da cidade moderna, ruidosae agitada , produzindo a impresso de ancestrali-dade bastante propcia evocao das imagens dofantasmagrico, como indica a obra do literato pa-raense Dalcdio Jurandir, editada em 1960 e intitu-lada Belm do Gro-Par.

    Em uma passagem deste livro que tem suaao transcorrida no incio da dcada de 1920 , ascrianas Libnia e Alfredo caminham pela cidadede Belm. Ao se aproximarem das antigas constru-es da Cidade Velha, admiram a Igreja de Santo

    Alexandre. Nesse momento Libnia conta: Aquinesta Igreja est encantada uma menina. E logomais, complementa: Aqui nesta Igreja encantou--se uma menina, seca-seca [sic!], por ter levantadouma vassoura contra a me dela (Jurandir, [1960]2004, pp. 132-133). A menina, ento, aponta parao conjunto arquitetnico constitudo pela igreja e oColgio do Carmo, dizendo que no Carmo havia

    tambm muito encantamento. Uma freira apareciana janela (Idem, p. 133). Novamente as imagensde espectros femininos vibram no cenrio fantsti-co evocadas pela narrativa da personagem. Ambasesto aderidas espacialidade das edificaes colo-niais, persistindo no tempo e animando o imagi-nrio urbano (Certeau, 1995).

    Segundo Cancela (2009), a Cidade Velha noincio do sculo XX passou a ser vista como espa-o sombrio, pantanoso e insalubre. Tratava-se de

    uma ambincia antagnica ao ideal haussmanianode urbanizao e higienizao das cidades europeiasque exaltado nesse perodo. As famlias abastadas os fazendeiros da Ilha do Maraj e os senhoresda borracha8 mudam-se do bairro da Cidade,

    considerada a primeira aglomerao urbana de Be-lm, em direo a um novo espao de representaode statussocial, a chamada Estrada de Nazar. So-mente a partir da o bairro da Cidade passa a serdenominado de Cidade Velha.

    Dessa forma, na topografia simblica da cida-de apreendida por Libnia, infere-se nada ser maisnatural do que a Cidade Velha aparecer como espa-o fantstico onde persistem fantasmas e encanta-mentos, bem como os assombros utilizados comoforma de controlar e educar as crianas pelos mais

    velhos a menina encantada na igreja fica seca--seca e em outras narrativas vira pedra ao tentaragredir a me com uma vassoura. Ali tambm sorepresentados os fantasmas de uma Belm colonialque, naquele momento, passava a ser esquecida,tornando-se signo do decaimento e, portanto, es-pao melanclico de runas (Trigg, 2010).

    Tudo indica que as idiossincrasias e as ima-gens relativas s temporalidades diversas se mistu-ram e se confundem ao sabor das formas de vivernuma cidade como Belm, revelando a partir desuas camadas e meandros as tenses presentes nasvicissitudes espao-temporais que a cidade expe-rimenta, dadas as formas pelas quais seu corpo modificado mediante as aes humanas. Portanto,a ao criadora de transform-la est em paralelo aoato imaginativo de fabular acerca de sua existnciacomo construto dinmico e vivo, onde as mulheresfantasmagricas que emergem nas paisagens fan-tsticas belemenses revelam os tempos plurais quevibram e duram, indicando as mudanas experien-

    ciadas pelos sujeitos que vivem e praticam o espaocitadino em seu devir temporal acidentado.As histrias sobre visagens aparecem aqui ge-

    ralmente associadas aos tempos pretritos ou ain-da, s paisagens de outrora e a outras dinmicasda vida social presentes no contexto belemense, luz do presente vivido pelos narradores. No entan-to, percebemos a existncia de narrativas como ade Otvio (42 anos), na poca o presidente da As-sociao dos Taxistas da Praa da Repblica, que

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    indicam a existncia de aparies visagentas naatualidade. De acordo com Otvio:

    Tem um colgio de freiras na BR, ento elepegou essa freira na BR, ele pegou uma... uma

    mulher toda de branco e ela mandou justamen-te pra, no sei se Pio XII ou Pio X, uma, uma, um colgio de freira que tem na BRantes de chegar na Massafra [loja de materiais deconstruo], por ali. Ele pegou e ela disse: Olha, voc me deixe nesse endereo.E ela l... t. Ento ela disse que, a, ela falou ovalor, o preo, tudinho. Agora me aguarde a? Vou buscar o dinheiroaqui dentro.

    A ela foi e ele esperando l... A ele viu que ela

    tava demorando e ele bateu, a veio outra freirafalou com ele, ele falou: No, tem uma senhora que entrou a, ela pe-gou meu txi, entrou e disse que ia pegar di-nheiro e at agora eu t esperando e nada...

    A a freira observou, foi l dentro. Quandovoltou, trouxe a foto da, da... Foi essa pessoa,foi essa pessoa? Porque tm tantas a, foi essapessoa? Foi, foi essa senhora... Olha, lamento te dizer, mas essa pessoa jmorreu!O velho ficou meio... Mas como ela morreu? No, ela morreu atropelada aqui, foi bemperto, ela vinha pra c e morreu atropelada.Mas a freira pagou! [risos]Mas, recentemente isso? [Pedro]Recente, recentemente. Quem foi que me disserapaz? No me lembro quem foi que me dis-se, no me lembro. Essa freira foi recente! Ela

    morreu, parece que tinha morrido h uns trsanos atrs, dois anos atrs. Atropelada na BR.

    Notamos que a narrativa em questo segue amesma estrutura que as demais, lembrando aquelasque envolvem a figura tenebrosa da moa do txique se passa na primeira metade do sculo XX,como aparece em publicaes sobre as visagenspresentes no mundo urbano de Belm, a exemplodo trabalho de Monteiro (2005). Assim como nar-

    rou seu Lus, Otvio traz tona uma histria naqual o taxista descobre que transportara uma pes-soa j falecida quando, posteriormente, se dirige aolocal indicado para cobrar pelos servios prestados.

    No entanto, a diferena entre as narrativas

    reside no fato de que os contextos nas quais ocor-reram so distintos. A ao narrada por Otvioacontece na rodovia federal BR 316, situada naregio metropolitana de Belm. Tal espao de des-locamento ressalta o papel das estradas como umaespcie de no lugar (Aug, 1994), o que nestecaso representa um local de anonimato e solido,no qual o motorista se encontra deriva enquan-to no alcana seu destino. Este no lugar seriapropcio a aparies sobrenaturais, desde que oconsideremos um espao relacionado com o so-

    frimento e o terror, onde muitas vidas j tiveramfim. Princpio semelhante orienta os temores so-bre rios, mares, oceanos e mesmo as praias (Cor-bin, 1989), paisagens nas quais as aparies deespectros e de fantasmas pertencentes s pessoasfalecidas em naufrgios ou devoradas por bestasmarinhas tambm so recorrentes. Porm, se so-bre a potncia turbulenta das guas misteriosasso temidas as foras inclementes da natureza e osdesgnios de divindades aquticas, nas rodovias essa expresso da modernidade e do deslocamentocalculado so temidos os prprios sujeitos e suasobras, como o condutor incauto ou sob efeito delcool, as mquinas descontroladas e as estradastraioeiras com suas curvas sinuosas. Da no se-rem estranhas as manifestaes de visagens naforma de um objeto tecnolgico especfico, tocaro modernidade e queles que se deslocam,como o caso do automvel. A respeito disso, seuNascimento contou:

    Eu acho que hoje ainda aparece, ainda! Vocindo pra Vigia noite, na primeira curva quevoc vai encontrar na Vigia, que ns sabemos,de um chofer para o outro, voc d sinal deluz aqui e o outro responde l, n. Quer dizer,o que vai aqui d sinal de luz que vai aqui, ooutro d sinal de luz que vem de l pra c. Evoc nunca cruza esse carro. Ele, tu d sinal, eleresponde, pr, pr, pr, pr, mas voc numpassa por ele. E isso j velho!

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    Imaginrios em torno da cidade narrada

    A etnografia no mundo urbano de Belm, con-siderando a importncia do tema relativo mobili-dade e ao deslocamento de seus habitantes pelos es-

    paos pblicos, evoca as imagens relacionadas comas travessias pela cidade a p, em automveisou coletivos (Canclini, 1997; Caiafa, 2007). Taisimagens, seguindo a inspirao de Durand (1989),constituem um rico acervo que revela a fora e apersistncia do imaginrio que pulsa na cidade, in-dicando os processos de assimilao acomodadoraao meio urbano pelos citadinos aos quais se relacio-nam tanto o carter subjetivo quanto a dimensofsica de praticar os lugares de pertena a urbe ede exercer agncia sobre ele. Nestes termos, refletir

    sobre os vnculos simblico-afetivos de seus habi-tantes seguir as indicaes de Canclini (1997, p.109), quando o autor sugere que necessrio pen-sar a cidade tanto como lugar para habitar comopara ser imaginado.

    Portanto, a constituio imaginria (Gravano,2005) da cidade efetiva-se na movncia das imagense das metforas que alegorizam a urbe real. A cida-de, de acordo com Gravano, a construo de umaimagem incessantemente reconstruda, figurandocomo lugar do acontecimento cultural e como ce-nrio de um efeito imaginrio; o urbano de uma ci-dade se constri (Silva apudGravano, 2005, p. 29).

    A cidade, dessa forma, vivida e imaginada na medi-da em que rememorada como o lugar de pertenci-mento pelas pessoas que a praticam. ento que ascamadas de memrias que compem a experinciacoletiva na urbe se adensam ou diluem em certos lo-cais, vibram e esmaecem diante da potncia das ima-gens e dos espaos de celebrao da vida (Maffesoli,1994) ordinria com suas temporalidades mltiplas

    articuladas aos espaos citadinos.A perspectiva de Eckert e Rocha acerca da di-nmica do mundo urbano contemporneo, consi-derando os itinerrios de seus habitantes, a partirde uma etnografia da durao aceita como supostoque a matria das lembranas ou reminiscncias deum tempo vivido adquire uma substncia somentese ela se temporaliza sob a forma de ondulaes doprprio ato que encerra o tempo pensado (2005,p. 153). Sendo assim, a importncia do imaginrio

    e da narrativa emerge com fora para a compreen-so da urbe amaznica como aparecimento de umacivilizao nos trpicos.

    Para a reflexo que nos propomos neste artigo,partimos do princpio de que as narrativas sobre

    o passado de Belm j constituem a prpria ex-presso do ponto de vista desses motoristas sobrea experincia temporal da cidade. Elas revelam asaspiraes, os desejos, os devaneios, em suma, osimaginrios sobre a cidade. Portanto, os pontos devista aqui expressos so tanto do taxista, como doantigo morador da cidade. O dilogo com o mo-torista aposentado seu Manoel (64 anos) auxilia acompreenso dos processos de transformao daspaisagens da urbe a partir de uma perspectiva bas-tante particular que se deve profisso que este se-

    nhor exercia. Como segue:9

    Seu Manoel, responda uma coisa, quando osenhor comeou a trabalhar, como era a trafe-gabilidade das ruas?Pssima! S o miolozinho da capital que erabem trafegvel. E segundo o meu irmo, amaioria no prestava. Atoleiros, lama, os pneusdo carro s andavam sujos, o carro s andavacom os baixo enlameado, todo dia voc tinhamesmo por obrigao lavar o carro: pssimo,pssimo mesmo! Hoje no, hoje a cidade emcomparao com aquele tempo ta muito bemsaneada. Pra voc ter uma ideia, essa Duque deCaxias era um lamaal inteiro. Marqus de Her-val tinha lugares que voc nem podia entrar. Epor Antonio Everdoza nem se fala!10[risos]

    Antonio Everdoza atrs da Pedro Miranda, n?Atrs da Pedro Miranda. A Pedro Miranda pra-li da Lomas [Valentina] pra sair na Dr. Freitas,ali passou foi anos sem nem passar carro ali. Ali

    onde hoje t o Sambdromo, aquele negcioali, n, o carro desaparecia ali dentro do anin-gal [risos]. Era difcil, viu Pedro, era difcil.Tinha o seu lado bom, tinha o seu lado bomque eu acabei de transmitir, que era o custo devida, o dinheiro circulante que era muito me-lhor do que hoje, que estava ao alcance da ca-mada menor e dava o direito de andar de txi,n, mas em compensao tinha esse outro ladonegativo.

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    AS PAISAGENS FANTSTICAS NUMA CIDADE AMAZNICA... 161

    As palavras de seu Manoel apresentam partedo traado e da fisionomia das ruas de Belm, evo-cando imagens sobre a cidade que situam o ouvin-te aquele familiarizado com a planta da cidade espacialmente em seu interior, mas que ao mesmo

    tempo possuem forte densidade temporal, trazendo tona o engajamento do senhor quele meio, namedida em que aparecem dados de sua perceposobre o espao narrado a lama respingando so-bre a pintura do carro, a dificuldade em mover oautomvel, os caminhos a serem percorridos. Combase em narrativas como essa, possvel refletir so-bre a questo do mapa mental, conceito que revelaabordagens heterogneas e que indica a presenade um campo interdisciplinar bastante complexo,envolvendo disciplinas como biologia, psicologia,

    geografia, antropologia e sociologia, entre outras.Aqui nos interessa pensar o mapa mental seguindoas indicaes de Gell (1985, pp. 272-273), que oassocia ideia de navegao, ou ainda, a alguns es-quemas inferenciais utilizados na converso de in-formao em decises e aes prticas e practicalmastery theory, quando o autor aponta a perspectivade Pierre Bourdieu, o qual afirma estar a maestriade um espao ambiental ligada a familiaridade coma prtica em oposio ao espao cartesiano.

    Quanto aos espaos conhecidos e reapresenta-dos pelos taxistas em suas narrativas, preciso levarem conta que o espao narrado se revela como umespao fantstico (Eckert e Rocha, 2005), pois asimagens da cidade evocadas permanecem na me-mria de nossos interlocutores na forma de refern-cias e suportes imaginrios que contribuem na ela-borao e constituio de mapas mentais (Gell,1985). Sendo paisagens mnemnicas, no existemem seu suporte fsico como se apresentam em suasfalas devido s transformaes que a cidade sofreu

    ao longo do tempo. Portanto, trata-se de uma pai-sagem de outrora. Nesse sentido, evocamos as pa-lavras de seu Nascimento (72 anos) sobre a cidadede Belm:

    Olha, a cidade essa que tu t vendo a. Acidade de Belm era essa que est a. S queno era asfaltado. Era cho. Era cho... Eu melembro que uma bela noite, num sei por que,eu peguei a Generalssimo, e, e, a Generalssimo

    era paraleleppo e o trilho do bonde. E eu fuiat A, a, a Conselheiro Furtadoe entrei, a Con-selheirono era asfaltada, era cho. E as ruasde Belm eram todas do qu? Paralelepipo, ouento piarra, piarra, terra. Hoje no, hoje t

    asfaltada aqui a baixa da 14que no entravacarro ali. Hoje t asfaltado a baixa da Diogo

    Moia, que no passava carro, hoje voc corre100 km j sai na Doca, quer dizer, hoje t tudoasfaltado. E que no era antigamente. Era s...lixo na rua, buraco, que no passava com o,quebrava o carro. Hoje no, a cidade de Belmmudou muito. Ento, o que eu posso te dizerda minha histria essa...

    As imagens evocadas por seu Manoel reme-

    tem, seguindo a expresso de Bachelard (1991), matria mole representada pela lama e mesmo pelavegetao que se encontrava frente dos motoristasquando trefegavam pelas ruas; o narrador apontapara a inexorabilidade e a dureza do cho, da piar-ra e das crateras que poderiam danificar um auto-mvel. Movimentar-se pela cidade implicava o co-nhecimento dos trajetos mais adequados e seguros,o que para Ingold (2000, p. 237) distancia este via-

    jante daquele que, amparado por um mapa carto-grfico, procura apenas determinar sua localizaogeogrfica. Dessa forma a operao cognitiva fun-damental para os taxistas no consistiria em saberonde estou, mas sim por qual caminho seguir,memorizando fluxos no tempo e no imagens est-ticas no espao.

    Sentado na varanda de sua casa localizada nobairro da Pedreira, bairro em que mora h mais detrinta anos, o taxista aposentado seu Laranjeiras (83anos) nos falou sobre a cidade em que viveu, evi-denciando as operaes cognitivas necessrias a um

    mapeamento do lugar. Quando perguntado sobrecomo era Belm quando comeou a trabalhar napraa, ele respondeu:11

    Seu Laranjeiras As, as ruas, ah, no tinharua... a, as ruas que eram asfaltada era, as ni-cas ruas asfaltada em Belm at mil novecen-tos e... at mil novecentos e sessenta e quatro,sessenta e cinco era a Brs de Aguiar, a Brs de

    Aguiare a Rodovia Sinap, que ia do Telgrafo

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    para o aeroporto. Elas eram as nicas ruas as-faltadas em Belm. O resto de Belm, as ruasque eram caladas, era com paraleleppedo.Voc no conheceu o paraleleppedo?Pedro Em alguns lugares ainda tem... na Ci-

    dade Velha...S. L. , , pois , era aquilo. E AlmiranteBarroso, que nos anos 50 ela foi encimentada,uma pista era encimentada de So Brs at naBandeira Branca,12ou seja, na Dr. Freitasadon-de tem aquele viaduto. At ali era encimenta-do. O resto era rua toda sem asfalto, cheia deburacos, no como t hoje. Hoje t muitobonita Belm, ficou mais asfaltada, tudo as-faltado. Dantes num tinha isso. As ruas quedavam mais condies pra voc andar era Ge-

    neralssimo, Avenida Nazar, n, a So Jerni-mo, a Gentil, a Brs de Aguiarque pegava alina Serzedlo, vinha at a Generalssimo; a, a Ruado Jurunas, que era l no Jurunas; a ConselheiroFurtadoque comeava l no Comrcio e vinhaat em Nazar, vinha ali a Conselheiro; a Gen-tilcomeava l na Serzedloe vinha at aquia, aqui So Brs, perto de So Brs e as outrasruas, a Boaventuraera rua muito acidentada...

    A Boaventura, a Diogo Moia,eram ruas que ter-minava aqui na Alcindo Cacela, terminava l,porque pra frente era tudo era igap.

    A Alcindo Cacelaela vinha, da, da... da Una-ma,13n? E ia at o Bar da Condor l na Con-dor, na Cremao, n, a rua. Uma outra ruaque comeava l na, no Ver-o-Pso14e ia ato outro lado da cidade, terminava tambm,comeava dentro dgua e terminava dentrodgua, era a Padre Eutquio. Era essas ruas,mas num era umas rua que dava pra voc an-dar de carro, era s mesmo pelo centro e essas

    ruas que eu falei, que eram ruas que vinhamdaqui pro Marco, vinha pra So Brs... A Ge-neralssimocomeava l na, perto do Presdio,a voc pegava a Conselheiro, vinha, pegava aGeneralssimo j aqui em Nazar. Comeavaali e terminava aqui perto da Santa Casa, emSanta Luzia. , aAvenida Nazartambm co-meava na Presidente Vargas,[que] comeava lno Cais do Porto, a Presidente Vargas, a vinha,subia, pegava a Avenida Nazarque comea-

    va na Serzedloe vinha at So Brs... a a, aAvenida Nazar. A outra a So Jernimotam-bm que vinha e dava acesso at So Brs; e aGentil. Essas trs ruas vinha l do comrcio, daPraa da Repblica at So Brs, terminava em

    So Brs. Em So Brs comeava a AlmiranteBarroso, que era na poca, era a Tito Franco.H uns 40 anos eu me lembro que foi trocadoo nome praAlmirante Barroso.

    As outras so ruas que vinham pra Pedreira,pegavam ali a, a, pegava ali a Alcindo Cacelaevinham pra c pra Pedreira pegar a Pedro Mi-randaali adonde a Unama. A outra a Bernaldo Coutoque vinha, pegava a Pedro Mirandaali perto da Unama. E as rua aqui, era Mau-ritique saa da Pedro Miranda, que e se unia

    Lomas, n. Agora vai embora, vai at na, l naAldeia Cabana,15n. Dantes num tinha aquilo.Aquilo tudo ali era igap que ningum andava,andava de ps, nem de bicicleta dava, andava,era muito acidentado ali. A Lomasera outrarua que dava acesso l praAlmirante Barroso. Iapor aqui pela Pedreira e ia pra Almirante Bar-roso. Tinha a 1 de Dezembrotambm, mas a1 de Dezembrono era trafegvel. Tinha casas,mas s dava pra andar de bicicleta ou ento deps. E o bairro do Telgrafo era que tinha maisruas. A FerreiraPenaque comeava aqui pertoda Unama, a ia at a Curu, a pegava a Curu-e ia pro Telgrafo. A eu morei no Telgrafona ruaJos Piocom a Curu. Agora, eu moreiuns dois anos l. A mudei e vim pra c praHumaitnos anos 70... [...], tirando disso, tinha a boate, tinha a Mosa.

    A Mosa era aqui na, na Alcindo Cacela, tinhao Chapu Chinse a Mosa era aqui na Vileta,uma casa grande que tinha l, ainda tem essa

    casa bem na esquina da Viletacom aAlmiranteBarroso. Era uma casa bonita, um bangal bo-nito, era uma boate. S funcionava de 10 ho-ras da noite pra frente e ia at de madrugada...Tambm no ia qualquer um l, s ia pessoasde direito, n, pessoas, advogado, engenheiro,mdico, pessoas que num eram formado, masque tinham poder aquisitivo bom, n, queiam l. No ia qualquer um no [risos]. Eraconsiderado longe, n... , era, era longe, s

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    ia de txi. A, o txi ia levar. [...] Era adondeos homem, rapaz, rapaz solteiro, homem sol-teiro iam pra se divertir, ali. Muito... Muitasmulheres moravam l, tinha mulher, , muitobonita e... , eu podia contar uma histria pra

    voc, mas pode na entrevista [risos] voc botarpra algum escutar...

    A narrativa de seu Laranjeiras indica, pelomenos at o ano de 1964, a existncia de apenasduas ruas asfaltadas em Belm: a avenida Braz de

    Aguiar e a rodovia Sinap (esta ltima correspon-de ao trecho da rodovia Arthur Bernardes queliga o bairro do Telgrafo ao Aeroporto de Val deCs). Partindo desta assertiva, a memria desse se-nhor percorreu diversas ruas, tendo sempre como

    referncia o material utilizado na sua construo,o paraleleppedo, bem como as reminiscncias deoutra concepo de urbanidade, quando os trilhosdos bondes representavam um signo importanteda modernidade amaznica. As imagens evocadaspelos trs taxistas aposentados so construdas emntima relao com sua profisso, pois eles exami-nam as ruas da Belm de outrora conforme a suatrafegabilidade por automvel. Seu Laranjeiras, porexemplo, leva em conta a existncia de locais comobares e boates alguns s acessveis de txi querepresentavam, durante a noite, fonte de sustentopara o taxista.

    As reflexes crticas de Ingold (2000) sobre adiscusso em torno do tema dos mapas mentais tambm abordado por Gell (1985) deslocam aquesto para um campo mais amplo, na medida emque o autor (re)pensa esta problemtica no tantopelo mapa bidimensional, mas pela tica do mapea-mento. Para Ingold, o processo de mapeamento estvinculado ao que o autor chama de wayfinding, isto

    , a busca por caminhos associando deslocamentoe percepo. Por isso, os mapeamentos dos lugarespraticados sempre relacionam: (1) engajamento aomeio, neste caso a cidade, (2) memorizao, ou seja,a criao de referncias espaciais relativas a um acer-vo de imagens que auxiliam no deslocamento e (3)memria, no sentido de que o ato de mapear, imagi-nar ou inscrever um itinerrio por uma regio , decerto modo, reviver a histria do deslocamento quedeu origem a esse mapa cognitivo.

    Ingold sugere que os mapas cognitivos de su-jeitos que se movimentam por uma regio no soconstrudos na mente da mesma forma que AlfredGell (1985) props. Gell, ancorado em suas pes-quisas sobre navegadores micronsios, afirma que

    se trata dos mapas mentais constitudos como ma-pas cartogrficos, nos quais a veracidade dos dadosdispostos independe da localizao do leitor emrelao ao seu destino. Ao diferenciar navigationdewayfinding, Ingold (2000, p. 236) discute a possibi-lidade de pensar os mapas mentais no sob a formade dados invariveis inscritos na mente, mas comoperspectiva que revela fluxos dentro da matriz demovimento constitutiva de uma regio. Sendo as-sim, o viajante urbano possui condies de saberexatamente onde est, apesar de no ter ideia de sua

    localizao geogrfica.Nas narrativas apresentadas, estes dois concei-

    tos de mapa o panptico e o perspectivo comple-mentam-se, pois em um primeiro momento existeapenas um mapa que segue o desenho da planta ur-bana de Belm. Como fez principalmente seu La-ranjeiras, os interlocutores narraram o traado dasruas, agrupando-as em bairros ou entre transversaise paralelas, imaginando as relaes entre elas e suasequncia no corpo da cidade. No entanto, em umsegundo momento esse mapa ganha perspectivaquando os taxistas assumem o ponto de vista quelhes devido: o de algum que transita diariamentepelas ruas da cidade. O mapa ento deixa de ladoos traados das ruas e o desenho panptico da ci-dade para ganhar vida no cho: agora so impor-tantes os caminhos a serem seguidos, os buracos ecrateras nas ruas, as condies de trafegabilidade, omato, a lama e os pntanos, todos estes elementosque revelam a perspectiva do motorista. Trata-se deum ponto de vista especfico, manifestando-se na

    confluncia das lembranas de seu deslocamento nacidade com as paisagens mapeadas ao longo de suastravessias pela urbe amaznica.

    Se no passado estes mapas auxiliavam os mo-toristas de Belm no seu deslocamento por umacidade que no era completamente urbanizada eainda est longe de s-lo e detentora de um terre-no bastante acidentado do ponto de vista geogrfi-co, hoje tais paisagens figuram como a expresso deum viver e de um labutar na cidade que fazem re-

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    ferncia a determinado momento de sua existncia,tratando-se de uma experincia sensvel de recu-perao da memria urbana trazida pelas imagens(Pesavento, 2002, p. 17). Aqui, as representaese as categorias de entendimento acerca do mun-

    do urbano, ancoradas nas percepes de espao ede tempo, contribuem para pensarmos as relaesdos habitantes da urbe com as modificaes daspaisagens praticadas a partir do mapeamento doslugares. Dessa forma, vinculamos nossa abordagemacerca do mundo urbano belemense s represen-taes coletivas, como pensadas por Durkheim eMauss (2005).16

    Consideraes finais

    Neste artigo procuramos enfatizar que umaarqueologia da memria pode revelar que os tem-pos se sobrepem e indicam a dinmica complexade transformaes do mundo urbano e de sua aura.Os fantasmas que habitam as paisagens e circulamsoturnos pela noite fazem parte do esprito do lu-gar, constituindo formas sensveis que revelam asimblica das paisagens fantsticas de uma cidadesituada no norte do Brasil, onde tempos pretritosse misturam com o contemporneo, ressituando amemria do lugar e indicando, assim, a densidadetemporal de suas camadas.

    Devemos levar em conta as especificidadesdas narrativas contadas pelos taxistas, nas quais sedestacam as imagens do deslocamento, exatamentepor se tratar de um item fundamental no cotidianode todos aqueles que transportam passageiros dia-riamente. O contato com o outro o estranho ouo estrangeiro constitui uma constante na prticalaboral desses homens. O medo decorrente da pos-

    sibilidade de se deparar com uma visagem advi-ria, dessa forma, da prpria tenso e da expectativadiante do contato recorrente com o estranho, orana forma de pessoas, ora manifestando-se comopaisagens um bairro desconhecido, uma rua nun-ca antes adentrada e, mesmo, um caminho aindano percorrido.

    Entre as narrativas coletadas, muitas apresen-tavam alguns traos em comum: a fantasmtica dofeminino, o deslocamento e a questo das frontei-

    ras simblicas relativas ao espao urbano experien-ciadas pelos profissionais entre a cidade e o cam-po; o centro e a periferia, por exemplo. Nota-se apresena de certas (des)continuidades que revelamderivas e fluxos (Hannerz, 1997) no espao percor-

    rido. Portanto, as visagens aparecem quando, ao sedeslocarem na cidade, os taxistas adentram territ-rios desconhecidos a fim de realizarem uma cor-rida que conduza o cliente ao seu destino. Dessaforma, eles se desterritorializam, percorrendo luga-res em que h um ntido contraste urbanstico emrelao ao centro da cidade, espao onde, preferen-cialmente, atuam como profissionais.

    Aqui, a imagem da fronteira est vinculada acertas formas sensveis pelas quais os sujeitos per-cebem o entorno. A partir da fluem por ele, pois a

    fronteira est relacionada com aquele que se deslo-ca pela cidade e percebe seus limites, criando umasrie de referncias imagticas um mapeamentocuja simblica revela a dinmica da cidade , asquais o auxiliam na sua orientao no espao.

    Ora refletindo sobre as interpretaes dos ta-xistas em relao s suas experincias na cidade, orasugerindo que um olhar sensvel capaz de desve-lar o carter fantstico da urbe, entendemos que asnarrativas circulantes na cidade de Belm indicam,ao seu modo, o contexto turbulento do mundo ur-bano brasileiro, emergindo a partir de diversas for-mas sociais que apontam a necessidade das pessoasem apreender e conformar sua prpria experinciaas diferentes temporalidades que vibram na cidade.

    Notas

    1 Aproximamo-nos da noo de imaginrio urbanoque aparece em Certeau (1994) e das discusses deDurand (1989) sobre o tema do imaginrio. A ex-presso imaginrios urbanos utilizada por Canclini(1997) e as reflexes de Gravano (2005) tambm semostram relevantes para o presente estudo. O termobelemense uma categoria nativa utilizada por diver-sas pessoas na cidade de Belm, concomitantementecom a denominao belenense. Portanto, os dois ter-mos so utilizados para indicar a pessoa originria dacidade de Belm.

    2 Conforme Langdon (2006, p. 167): A performan-ce um evento situado num contexto particular,

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    construdo pelos participantes. H papis e maneirasde falar e agir. Performance um ato de comunicao,mas como categoria distingue-se dos outros atos defala principalmente por sua funo expressiva ou po-tica, seguindo a definio de Jakobson (1960). A fun-o potica ressalta o modo de expressar a mensageme no o contedo da mensagem. Assim como Bakhtin(1968) dirige sua ateno para como o romance construdo, os estudos desta abordagem dirigem seuinteresse para como performances so construdaspelos participantes do evento, examinando o eventoartstico (a situao de performance) e o ato artstico(a realizao do evento por parte do(s) performer(s)).

    3 Sobre a prtica do deslocamento relacionada como trabalho etnogrfico, ver Clifford (2000) e acercado ofcio dos motoristas de txi, ver Eduardo Rocha(2004).

    4 Comumente, a expresso baixada refere-se aos lo-cais de habitao precria e com pouca infraestruturaurbana. O termo faz referncia s reas alagadias einundveis ocupadas por moradores de baixa rendada urbe, geralmente localizadas na periferia da cidade.

    5 A expresso fazer o Cristo significa no vocabulriodos motoristas de nibus realizar a ltima viagem dodia de trabalho, geralmente, por volta da meia-noite.

    6 Conforme demonstram as pesquisas que realizamoscom funcionrios do local durante o ano de 2008.

    7 Parte de Belm onde os portugueses, sob o comando

    de Francisco Caldeira Castelo Branco, desembarca-ram, construindo um forte de madeira e uma capela.A praa darmas (pequena e modesta) era defendidapor uma Estacada de Madeira, dentro da qual ficaramos primeiros colonizadores civis e militares. Saindo doforte, os colonos abriram um caminho, que chama-ram rua do Norte, e foram se aventurando na constru-o de casas para moradia. Da surgiu a cidade, cha-mada posteriormente de Velha, permanecendo estadenominao at os dias presentes. a parte colonialque resta da Belm dos sculos XVII e XVIII (Cruz,[1970] 1992, p. 30).

    8 Os senhores da borracha correspondem elite eco-nmica beneficiada pela extrao e comrcio do ltex,material extrado da espcie vegetal Haevea brasiliensise utilizado na produo de objetos de borracha. Sobreo tema, ver Sarges (2002).

    9 Em negrito encontram-se os nomes de bairros de Be-lm; em itlico, os nomes das ruas e locais menciona-dos na narrativa.

    10 Roberto DaMatta (1997, p. 45) afirma acerca dos es-paos transitrios em oposio aos permanentes

    que tudo o que est relacionado ao paradoxo, aoconflito ou contradio como as regies pobresou meretrcio fica num espao singular. Geralmen-te so regies perifricas ou escondidas por tapumes.Jamais so concebidas como espaos permanentes ouestruturalmente complementares s reas mais nobresda mesma cidade, mas sempre vistos como locais detransio: zonas, brejos, mangues e alagados. Lo-cais liminares, onde a presena conjunta da terra e dagua marca um espao fsico confuso e necessaria-mente ambguo.

    11 Retomamos a narrativa de seu Laranjeiras que apareceem outro artigo de nossa autoria (Soares e Silveira,2008). No entanto, damos aqui outro enfoque s re-flexes acerca de sua narrativa.

    12 Lugar em que se situa a Feira da Bandeira Branca, en-tre os bairros do Marco e do Souza.

    13 Universidade da Amaznia.14 Escreve o literato Dalcdio Jurandir em 1960: Regio

    de Belm ao lado da qual, no fim do sculo XIX, foiconstrudo, pelos ingleses, um porto para exportaodo ltex. Em 1/12/1901, o Ver-o-Peso ganhou o mer-cado de ferro. Hoje, a regio corresponde a um anco-radouro (onde aportam barcos de pesca, que trazemdiversos produtos das Ilhas para serem vendidos ali),a uma Feira e ao Mercado de Ferro. Nessa regio secomercializam plantas medicinais e mgicas, banhosde cheiro, verduras, carnes, peixes, frutos da terra e im-

    portados, comida pronta, artesanato. O nome da regiotem sua origem no perodo colonial, quando na reafuncionava a Casa do Haver-do-Peso, onde era pesada amercadoria vinda do interior, para cobrana de impos-tos devidos Coroa Portuguesa (2004, p. 548).

    15 Espao recreativo onde ocorre o desfile anual das esco-las de samba da cidade de Belm durante o Carnaval.

    16 A abordagem sociolgica do campo das representa-es coletivas de que nos aproximamos difere daque-la de Alba (2004), que refletiu em torno dos mapasmentais (ou cognitivos) entre os habitantes da Cidadedo Mxico por meio da psicologia e da abordagemterica relativa perspectiva transacional da relaoindvduo-ambiente e das representaes sociais.

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    RESUMOS / ABSTRACTS / RESUMS 257

    AS PAISAGENS FANTSTICASNUMA CIDADE AMAZNICA SOBO OLHAR DOS TAXISTAS

    Flvio Leonel Abreu da Silveira e

    Pedro Paulo de Miranda Arajo Soares

    Palavras-chave:Antropologia urbana; Me-mria; Imaginrio; Narrativas; Taxistas.

    Este artigo tem como objetivo anali-sar as impresses e as interpretaes deantigos taxistas a respeito das mudan-as ocorridas na cidade de Belm nodecorrer do sculo XX. Nesse contex-to, os motoristas autnomos de Belmfiguram como portadores de um co-nhecimento sobre a cidade baseado na

    prtica do deslocamento, revelando umamemria coletiva ligada aos processosde urbanizao e transformao do vi-ver na capital paraense. Emerge, ento,um imaginrio construdo a respeitoda cidade de Belm no interior de umacategoria profissional especfica, bemcomo representaes, aspiraes, deva-neios e queixas comuns sobre o viver nacidade. Assim, os pontos de vista dessesprofissionais sobre Belm aparecem ex-pressos em narrativas fantsticas em queos taxistas encontram visagens e assom-

    braes durante sua jornada de trabalho.

    THE FANTASTIC LANDSCAPESIN AN AMAZON TOWNTHROUGH THE TAXI-DRIVERSPERSPECTIVE

    Flvio Leonel Abreu da Silveira and

    Pedro Paulo de Miranda Arajo Soares

    Keywords:Urban anthropology; Mem-ory; Imaginary; Narratives; Taxi-drivers.

    This article intends to analyze the taxi-drivers impressions and interpretationsabout the changes that have been takenplace in the city of Belm throughout the

    XXth century. Hence, the taxi-driversof Belm appear as owners of a knowl-edge concerning the town based in thepractice of getting around an urban area,

    revealing a collective memory connectedto the process of changing of the townslandscape. So, an imaginary emergesbuilt inside a professional category inrelation to the city of Belm, as well asrepresentations, ideas, imaginings andcomplaints involving the life in town.Therefore, the taxi-drivers points of viewabout Belm are exposed when they telltheir narratives of supernatural meetingswith ghosts and haunting.

    LES PAYSAGES FANTASTIQUESDANS UNE VILLE DAMAZONIEDAPRS LE REGARD DESCHAUFFEURS DE TAXI

    Flvio Leonel Abreu da Silveira et

    Pedro Paulo de Miranda Arajo Soares

    Mots-cls: Anthropologie urbaine; M-moire; Imaginaire; Narratives; Chauf-feurs de taxi.

    Cet article a pour objectif danalyserles impressions et les interprtationsdanciens chauffeurs de taxi proposdes changements qui ont eu lieu dans laville de Belm au cours du XXe sicle.Dans ce contexte, ces chauffeurs auto-nomes de Belm possdent une connais-sance de la ville qui a pour base la

    pratique du dplacement et rvle unemmoire collective lie aux processusdurbanisation et de transformation dela vie quotidienne dans la capitale duPar. Cest ainsi qumerge, lintrieurdune catgorie professionnelle spci-fique, un imaginaire construit proposde la ville de Belm et des reprsenta-tions, des aspirations, des rveries et desmcontentements communs sur la vieau quotidien dans la ville. Les pointsde vue de ces professionnels sur Belmsexpriment dans les rcits fantastiques

    o les chauffeurs de taxi se retrouventface des fantmes et des apparitionspendant leurs journes de travail.

    Errata: o nome do primeiro autor do texto foi corrigidode Flvio Leonel para Flvio Leonel Abreu da Silveira.