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As práticas em Educação Musical Especial: possíveis contribuições da Musicoterapia 1 Claudia Eboli Santos 2 Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO [email protected] Resumo Este trabalho tem por objetivo apresentar o projeto da pesquisa “As práticas em Educação Musical Especial: possíveis contribuições da Musicoterapia” aprovado no Programa de Pós-graduação em Música da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (PPGM-UNIRIO). Esta pesquisa teve início em 2006, estando em andamento no momento. Trata-se de pesquisa de campo, qualitativa, com abordagem transdiciplinar que transita pela área da educação musical especial, da educação musical e da musicoterapia. Palavras-chave: Educação musical especial; educação musical; musicoterapia. Introdução e justificativa A educação musical voltada para alunos com necessidades educativas especiais, só há muito pouco tempo, vem sendo assunto de interesse em congressos e encontros nacionais de educadores musicais. Esse tema só foi incluído como grupo de trabalho em encontros da Associação Brasileira de Educação Musical após a criação da Nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN (Lei nº9394/96) que determina a inclusão dos alunos portadores de deficiência nas classes das escolas regulares. A partir daí o interesse pelo tema vem aumentando e a produção de trabalhos escritos sobre o assunto também. Porém, nada que se compare com a produção escrita nas outras áreas específicas da educação musical. Em pesquisa realizada por Fernandes (2000) sobre a situação do campo da educação musical nas dissertações e teses dos cursos de pós-graduação no Brasil, foi constatado o seguinte quadro: mestrado em Música: a maioria dos trabalhos está na especialidade “processos formais e não-formais da educação musical” (54%) e o 1 Trabalho apresentado no XVI Encontro Anual da ABEM e Congresso Regional da ISME na América Latina – 2007. 2 Educadora Musical e Musicoterapeuta, mestranda em Educação Musical pela UNIRIO.

As práticas em Educação Musical Especial_Claudia Santos

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As práticas em Educação Musical Especial: possíveis contribuições da Musicoterapia1

Claudia Eboli Santos2 Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO

[email protected]

Resumo Este trabalho tem por objetivo apresentar o projeto da pesquisa “As práticas em Educação Musical Especial: possíveis contribuições da Musicoterapia” aprovado no Programa de Pós-graduação em Música da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (PPGM-UNIRIO). Esta pesquisa teve início em 2006, estando em andamento no momento. Trata-se de pesquisa de campo, qualitativa, com abordagem transdiciplinar que transita pela área da educação musical especial, da educação musical e da musicoterapia. Palavras-chave: Educação musical especial; educação musical; musicoterapia.

Introdução e justificativa

A educação musical voltada para alunos com necessidades educativas especiais,

só há muito pouco tempo, vem sendo assunto de interesse em congressos e encontros

nacionais de educadores musicais. Esse tema só foi incluído como grupo de trabalho em

encontros da Associação Brasileira de Educação Musical após a criação da Nova Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN (Lei nº9394/96) que determina a

inclusão dos alunos portadores de deficiência nas classes das escolas regulares. A partir

daí o interesse pelo tema vem aumentando e a produção de trabalhos escritos sobre o

assunto também. Porém, nada que se compare com a produção escrita nas outras áreas

específicas da educação musical.

Em pesquisa realizada por Fernandes (2000) sobre a situação do campo da

educação musical nas dissertações e teses dos cursos de pós-graduação no Brasil, foi

constatado o seguinte quadro: mestrado em Música: a maioria dos trabalhos está na

especialidade “processos formais e não-formais da educação musical” (54%) e o

1 Trabalho apresentado no XVI Encontro Anual da ABEM e Congresso Regional da ISME na América Latina – 2007. 2 Educadora Musical e Musicoterapeuta, mestranda em Educação Musical pela UNIRIO.

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restante foi distribuído pelas outras especialidades não sendo encontrado nenhum

trabalho na área de educação musical especial; mestrado em Educação: a especialidade

“processos formais e não-formais da educação musical” ficou com 43% dos trabalhos,

demonstrando também aí, o grande interesse dos pesquisadores da área de educação por

essa especialidade. Porém, o aparecimento de trabalhos na especialidade “educação

musical especial” com a marca de 3,5%, pode ser considerado relevante. No entanto,

consideramos essa especialidade como de grande importância tanto para a área de

Educação e a de Educação Musical como para a sociedade como um todo, demandando

a participação da comunidade acadêmica no estudo desse aspecto (Fernandes, 2000

p.50). Em pesquisa mais recente, apesar de encontrar 4 trabalhos entre dissertações e

teses na área de educação musical especial, Fernandes (2006) ainda considera o número

insuficiente e aponta como possível causa para isso o pouco interesse dos pesquisadores

pelo tema, porém acredita que “com a inclusão de pessoas com necessidades especiais

na escola regular, o número de pesquisas nessa especialidade aumente” (p.13).

Na área da Musicoterapia, a educação musical especial também é pouco

focalizada nos encontros e simpósios, pois essa é considerada, pelo meio

musicoterapêutico, como sendo uma área da Educação Musical. Como observa

Fernandes (2000):

A discussão em torno do assunto – Musicoterapia versus Educação Musical Especial – é, atualmente, pouco presente nas mesas dos encontros e congressos. De um lado, encontram-se as discussões, nos encontros, congressos, livros e periódicos da área de Musicoterapia, sobre os processos, meios e mecanismos musicoterápicos. De outro, nos congressos, livros e periódicos de Educação Musical, exclui-se ou pouco se fala da educação musical para portadores de deficiências, (...) Que área deve ser responsável pelos estudos da Educação Musical Especial? Acreditamos que é a da Educação Musical, como aponta o CNPq, e suas especialidades, devido aos fins e meios de cada área. (p.49).

É importante ressaltar que a musicoterapia difere da educação musical especial,

principalmente pela sua finalidade, já que a primeira tem por objetivo final terapeutizar

sua clientela e a segunda, tem por objetivo final o aprendizado musical dos alunos.

Porém, os “meios” utilizados pelas duas áreas para alcançar seus objetivos parecem

demonstrar que há uma cooperação recíproca entre essas áreas. Na educação musical

especial, o professor, às vezes, se utiliza de elementos da musicoterapia para auxiliar no

processo de aprendizagem de seus alunos; da mesma forma, a musicoterapia, em alguns

casos utiliza elementos da educação musical como coadjuvante no processo terapêutico,

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portanto, o que é importante sempre ter em mente é a diferença entre os objetivos finais

de cada processo.

Fernandes (2000) define a Educação Musical Especial como sendo a

especialidade que “trata da aprendizagem e do ensino de música para portadores de

deficiência física e mental, perseguindo o desenvolvimento musical, a progressão

conceitual e de habilidades, a memorização, a prática de conjunto e todos os processos

envolvidos, (...)” (p.49).

Bruscia (2000), por sua vez, encontra na literatura mundial uma lista de 65

definições de Musicoterapia e justifica essa quantidade pelo fato de a musicoterapia ser

“incrivelmente diversa” (p.165). Essa diversidade, ainda de acordo com o autor,

dificultaria uma definição que abrangesse as muitas variações da prática. Quanto à

Educação Musical Especial o autor considera que:

A Educação Musical Especial situa-se na fronteira entre a educação musical e a musicoterapia. A principal razão pela qual não é considerada musicoterapia propriamente dita é porque seus objetivos são mais instrucionais do que terapêuticos. O aprendizado musical é um fim em si mesmo, mais do que um meio para alcançar um determinado fim. Além disso, a relação que se estabelece entre o estudante e o professor não tem conotação terapêutica. (Bruscia, 2000 p.186)

Atualmente a definição que vigora no Brasil é a da World Federetion of Music

Therapy, publicada na Revista Brasileira de Musicoterapia em 1996:

Musicoterapia é a utilização da música e/ou de seus elementos (som, ritmo, melodia e harmonia) por um musicoterapeuta qualificado com um cliente ou grupo, em um processo para facilitar e promover a comunicação, relação, aprendizagem, mobilização, expressão, organização e outros objetivos terapêuticos relevantes, no sentido de alcançar necessidades físicas, emocionais, mentais, sociais e cognitivas. (grifo nosso).

Ao lermos com atenção a definição acima, observamos que a justaposição das

duas áreas é inevitável. Entretanto, consideramos importante a definição das atribuições

de cada área, a da musicoterapia e a da educação musical especial, também para

fortalecer a identidade do profissional que atua em cada uma delas e até para quem

trabalha nas duas áreas, como é o caso desta pesquisadora. Porém, não podemos

esquecer que é de extrema relevância para ambas as áreas que se crie um diálogo entre

elas, onde reciprocamente possam buscar conhecimentos e assim contribuir para o

desenvolvimento e amadurecimento de ambas as categorias profissionais.

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Assim como a Musicoterapia, a Educação Musical carece de um corpo teórico

próprio e na literatura sobre o assunto, observamos que elas buscam referenciais em

outras áreas do conhecimento. A Musicoterapia costuma buscar na área da Filosofia, da

Psicologia, da Psiquiatria, da Neurologia e mais recentemente na Sociologia seus

suportes teóricos. A Educação Musical tem a seu dispor um leque maior de

possibilidades e vai buscar seu embasamento teórico na Antropologia, na Sociologia, na

Comunicação etc., além da Filosofia e da Psicologia utilizados também pela

Musicoterapia.

E a Educação Musical Especial? De que forma ela vem sendo abordada em seus

estudos e suas práticas? Que referenciais utiliza? Que saberes seriam relevantes para o

professor que trabalha com educação musical especial? Que aproximação teria com a

musicoterapia na prática dos educadores?

Acreditamos que uma investigação e uma discussão mais ampla sobre as práticas

pedagógicas em educação musical especial e sobre o perfil do professor que atua nesta

área trariam para o meio acadêmico uma contribuição no sentido de ampliar a

bibliografia, (que atualmente estão focalizadas em relatos de experiências), aumentar as

referências teóricas sobre o tema, além de divulgar o que se tem realizado nas escolas

em termos de práticas pedagógico-musicais para alunos com necessidades especiais.

Objetivos gerais

A intenção desta pesquisa é investigar as práticas em educação musical especial

em escolas especiais do Rio de Janeiro, possíveis contribuições à área pelo campo da

musicoterapia e descobrir o perfil do profissional que atua na área da educação musical

especial.

Verificar :

• Concepções e abordagens da área de educação musical especial;

• Se os princípios da musicoterapia se aplicariam para dar suporte às

práticas da educação musical especial;

• Se os professores de música que atuam na área de educação especial

necessitam de formação específica.

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Objetivos específicos

• Levantamento e leitura crítica da literatura existente no Brasil sobre

educação musical especial;

• Levantamento das escolas para alunos com necessidades educativas

especiais que tenham música no currículo, no Rio de Janeiro;

• Investigar, nessas escolas, as práticas pedagógico-musicais, utilização de

métodos, abordagens, etc.

• Investigar a formação do professor de música que trabalha nessas

escolas;

• Analisar o discurso dos professores sobre a sua prática e sua formação;

• Elaborar propostas e recomendações embasadas nas conclusões da

pesquisa que possam contribuir para a área de educação musical especial.

Revisão da literatura e Referencial Teórico

O que se pretende é que uma revisão da literatura mais aprofundada seja feita

durante o andamento da pesquisa com a intenção de inventariar e analisar, com auxílio

da teoria das representações sociais (Moscovici, 2003) o que já foi escrito no Brasil

sobre o tema “educação musical especial”, mais precisamente nas publicações da

ABEM até 2005.

Numa revisão preliminar da literatura foram encontrados alguns trabalhos sobre

o tema da educação musical para portadores de deficiências nos ANAIS da ABEM entre

2002 a 2004 dos quais: “Atividades musicais na Escola Especial” (Soares, 2002), que

ressalta a importância das atividades musicais ativas para os alunos portadores de

deficiências. Em seu trabalho a autora faz algumas referências à musicoterapia: “(...)

mesmo sendo um trabalho fundamentalmente educacional, (...) alguns elementos

utilizados são semelhantes aos da musicoterapia”. (p.405). Os “elementos” referidos

pela autora são apresentados por Benenzon (1988), uma de suas fontes de consulta;

sobre a interseção dos temas musicoterapia e educação musical especial, foi encontrado

um artigo da musicoterapeuta Claudia Lélis, de Ribeirão Preto, intitulado “A Educação

Musical Especial e a Musicoterapia” (2000, p.27) que foca a importância da experiência

musical tanto para alunos com necessidades especiais quanto para pacientes.

Utilizaremos como referencial teórico, autores como Benenzon (1971, 1985,

1988), que apresentou os princípios fundantes da musicoterapia, Bruscia (2000) que

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sistematizou as práticas e metodologias em musicoterapia, Ducourneau (1984),

professor e musicoterapeuta que defende a reeducação pela música, autores como

Gainza (1988) e Jeandot (1997) que tem uma abordagem psicopedagógica para o ensino

da música e Schafer (1991, 2001), com sua visão abrangente e contemporânea da

educação musical, além daqueles que se fizerem necessários durante a pesquisa.

Metodologia

Trata-se de um estudo qualitativo, que pretendemos abordar

transdiciplinarmente, já que transitará pela área da Educação e da Musicoterapia e por

outras áreas do conhecimento, que serão definidas durante a realização da pesquisa.

O primeiro passo da pesquisa será a revisão da literatura sobre as práticas da

educação musical especial, onde pretendemos identificar, nos textos, concepções e

abordagens e também conceitos ou princípios que possam, de alguma forma, fazer

referência a musicoterapia.

A pesquisa empírica será feita em escolas para alunos com necessidades

educativas especiais onde a música seja parte integrante das atividades regulares, que

após o mapeamento serão selecionadas. A população será composta pelos professores

de música e pelos diretores das escolas selecionadas. Caso haja pertinência, os alunos

serão incluídos na população.

Como instrumentos de coleta de dados, utilizaremos: questionário com

perguntas abertas e entrevistas semi-estruturadas para os professores e diretores;

observação sistemática das aulas, a princípio não participante. Pretendemos utilizar,

caso seja permitido na escola, gravador k7 e/ou vídeo gravadora.

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Referências Bibliográficas

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Enelivros, 2000.

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JEANDOT, N. Explorando o universo da música. 2ª edição São Paulo: Ed. Scipione,

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GAINZA, V. H. Trad. Beatriz Cannabrava. Estudos de psicopedagogia musical. São

Paulo: Summus, 1988.

LELIS, C. M. C. A educação musical especial e a musicoterapia. In Anais do IX

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MOSCOVICI, Serge. Trad. Pedrinho Guareschi. Representações Sociais: investigações

em psicologia social. Rio de Janeiro: Vozes, 2003.

SCHAFER, M. O ouvido pensante. Trad. Marisa Fonterrada e outros. São Paulo: Ed.

UNESP, 1991.

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1997.

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