20
Técnicas de tomada de decisão e cibernética | Gonçalves, C.P. Página 1 As Quatro Fases da Cibernética e a Ciência da Tomada de Decisão Carlos Pedro Gonçalves 19-10-2013 Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas Universidade de Lisboa [email protected] Resumo Desde a sua origem enquanto ciência do estudo do controlo e comunicação no animal e na máquina, à sua expansão enquanto matriz paradigmática para diferentes ciências, em particular para as ciências da complexidade, a cibernética desenvolveu-se com um enquadramento metodológico e interdisciplinar próprio, central para a ciência da tomada de decisão. Com raiz na teoria dos jogos e na primeira fase da cibernética, a ciência da tomada de decisão acompanhou o desenvolvimento da cibernética nas suas quatro fases, de onde resultaram novas abordagens científicas para a tomada de decisão e novas técnicas aplicadas de apoio à tomada de decisão. No presente artigo, procede-se a uma revisão histórica e conceptual das quatro fases de desenvolvimento da cibernética e as implicações das mesmas para a ciência da tomada de decisão, incluindo, as perspectivas futuras para o desenvolvimento disciplinar fundamental e aplicado da ciência da tomada de decisão decorrentes da quarta fase de desenvolvimento da cibernética, baseada no paradigma computacional quântico. Palavras-Chave: Cibernética, Ciência da Tomada de Decisão, Ciências da Complexidade, Ciência dos Sistemas Quânticos Complexos, Sistemas Adaptativos Complexos, Cibernética Quântica.

As quatro fases da cibernética e a ciência da tomada de decisão, Carlos Pedro Gonçalves

  • Upload
    altemio

  • View
    38

  • Download
    2

Embed Size (px)

Citation preview

  • Tcnicas de tomada de deciso e ciberntica | Gonalves, C.P. Pgina 1

    As Quatro Fases da Ciberntica e a Cincia da Tomada de Deciso

    Carlos Pedro Gonalves

    19-10-2013

    Instituto Superior de Cincias Sociais e Polticas Universidade de Lisboa

    [email protected]

    Resumo

    Desde a sua origem enquanto cincia do estudo do controlo e comunicao no animal e na mquina, sua expanso enquanto matriz paradigmtica para diferentes cincias, em particular para as cincias da complexidade, a ciberntica desenvolveu-se com um enquadramento metodolgico e interdisciplinar prprio, central para a cincia da tomada de deciso. Com raiz na teoria dos jogos e na primeira fase da ciberntica, a cincia da tomada de deciso acompanhou o desenvolvimento da ciberntica nas suas quatro fases, de onde resultaram novas abordagens cientficas para a tomada de deciso e novas tcnicas aplicadas de apoio tomada de deciso. No presente artigo, procede-se a uma reviso histrica e conceptual das quatro fases de desenvolvimento da ciberntica e as implicaes das mesmas para a cincia da tomada de deciso, incluindo, as perspectivas futuras para o desenvolvimento disciplinar fundamental e aplicado da cincia da tomada de deciso decorrentes da quarta fase de desenvolvimento da ciberntica, baseada no paradigma computacional quntico.

    Palavras-Chave: Ciberntica, Cincia da Tomada de Deciso, Cincias da Complexidade,

    Cincia dos Sistemas Qunticos Complexos, Sistemas Adaptativos Complexos,

    Ciberntica Quntica.

  • Tcnicas de tomada de deciso e ciberntica | Gonalves, C.P. Pgina 2

    1. O paradigma ciberntico e a cincia da tomada de deciso

    A noo de estratgia tem raiz primitiva no grego strategos, termo composto por

    stratos, com o significado de exrcito, e agein, com o significado de aquele que

    conduz, que guia que orienta ou que comanda. A estratgia, na democracia

    ateniense, era a arte do strategos (estratego) termo hoje conhecido por general.

    A cincia da tomada de deciso simultaneamente uma cincia fundamental que

    investiga os processos de tomada de deciso nos sistemas adaptativos complexos e

    uma cincia aplicada de suporte estratgia.

    Por deciso pode-se entender uma sntese deliberativa enactiva conectando a

    inteno de agir com a aco propriamente dita. Enaco uma noo introduzida por

    Francisco Varela com o sentido de fazer emergir. Varela considera a cognio sistmica

    como sendo enactiva no sentido em que a partir da situao concreta que o sistema

    faz emergir as suas snteses cognitivas. Assim, quando abordamos a deciso, temos de

    abordar um sistema em relao com um meio ao qual se tem de adaptar.

    A investigao cientfica da tomada de deciso tem razes paradigmticas na

    ciberntica e na teoria matemtica da deciso, decorrente da teoria dos jogos de

    estratgia, exposta e trabalhada na obra Theory of Games and Economic Behavior

    (Teoria dos Jogos e Comportamento Econmico) de von Neumann e Morgenstern

    ([1944], (1972)).

    A ciberntica, com origem no grego kibernetes (timoneiro) foi inicialmente trabalhada

    no seio da Filosofia por Plato e no sculo XIX por Ampre, constituindo, a noo de

    ciberntica, no seio da filosofia, uma base para o pensamento poltico, central para a

    Cincia Poltica e para a Administrao Pblica, com o sentido de governo eficaz

    (Heylighen e Joslyn, 2001).

    Posteriormente, j no sculo XX, o matemtico Norbert Wiener (1948) recuperou a

    noo e, na sua obra Cybernetics: Or Control and Communication in the Animal and the

    Machine (Ciberntica: Ou Controlo e Comunicao no Animal e na Mquina), definiu

    ciberntica enquanto rea cientfica que tem por objecto o estudo do controlo e

    comunicao no animal e na mquina.

    A proposta de Wiener constituiu uma sntese de trabalhos de diferentes cientistas no

    ps-Segunda Guerra Mundial (incluindo von Neumann), confluentes para uma nova

    cincia acerca da organizao, comunicao e relaes de controlo nos sistemas. A

    ciberntica, tal como foi definida por Wiener, resultou de uma srie de encontros

  • Tcnicas de tomada de deciso e ciberntica | Gonalves, C.P. Pgina 3

    interdisciplinares ocorridos entre 1944 e 1953 que reuniu um conjunto de intelectuais

    do ps-Segunda Guerra, incluindo: Norbert Wiener; John von Neumann; Warren

    McCulloch; Claude Shannon; Heinz von Foerster; W. Ross Ashby; Gregory Bateson e

    Margaret Mead. Estes encontros passaram a ser conhecidos como as Conferncias de

    Macy sobre a Ciberntica (Macy Conferences on Cybernetics) (Heylighen e Joslyn, 2001;

    Dupuy, [1994], 2000).

    Da sua focagem original no funcionamento das mquinas e dos animais, a ciberntica

    expandiu rapidamente o seu enfoque para abranger linhas de investigao prprias no

    seio das cincias cognitivas e dos sistemas sociais. Durante a dcada de 1950, a

    ciberntica veio a intersectar-se com a teoria geral dos sistemas de von Bertalanffy, no

    sentido em que ambas abordavam sistemas abertos evolutivos.

    2. A primeira fase da ciberntica e a teoria dos jogos

    Durante as dcadas de 1950 e 1960, a ciberntica investigou noes como

    mecanismos teleolgicos, feedback e auto-regulao. As noo de rudo associada

    teoria da informao de Shannon, os contributos da teoria dos processos aleatrios de

    Wiener constituram uma base importante para a primeira fase da ciberntica.

    O contexto paradigmtico da primeira fase da ciberntica caracterizado pela teoria

    da informao de Shannon e pelo modelo de computador clssico de Turing e de

    autmato de von Neumann. A base computacional do computador clssico

    caracterizada por um tipo de computao simblica, redutvel a um clculo e

    funcionamento mecnico, tal que a base cognitiva da primeira fase assumida em

    termos de uma racionalidade calculatria mecnica, sintetizada na teoria dos jogos, a

    partir da noo e postulados comportamentais do homo economicus.

    O homo economicus constitui um modelo operativo de jogador racional, para a teoria

    dos jogos desenvolvida por Von Neumann e Morgenstern ([1944], (1972)) e por Nash

    (1950a,b,c,d; 1951). O homo economicus modelvel como um agente mecnico

    calculador, sem qualquer substrato emocional que visa maximizar os seus ganhos

    individuais tendo em ateno as estratgias alternativas dos restantes jogadores,

    pressuposto que permitiu a Nash desenvolver o seu teorema de equilbrio de jogo.

    A teoria dos jogos, no contexto paradigmtico da primeira fase da ciberntica, foi,

    assim, desenvolvida a partir de uma base mecanicista, em torno de uma noo de

    equilbrio coincidente com um comportamento calculatrio optimizador da parte dos

    jogadores, clculo, este, que pressupe o conhecimento de todo o espao estratgico

    do jogo, isto : todas as combinaes de estratgias alternativas para todos os

    jogadores e respectivos payoffs.

  • Tcnicas de tomada de deciso e ciberntica | Gonalves, C.P. Pgina 4

    3. A segunda fase da ciberntica e as tcnicas de tomada de deciso

    A segunda fase da ciberntica iniciou-se na dcada de 1970 com um movimento no

    seio da prpria ciberntica de diferenciao em relao s abordagens mais

    mecanicistas, resultado do desenvolvimento da prpria ciberntica em torno das

    questes da autonomia, auto-organizao e cognio nos sistemas, desenvolvimento,

    este, que introduziu uma divergncia em relao engenharia de controlo e ao

    paradigma mecanicista da computao.

    Com uma forte influncia das cincias da complexidade, ento no seu incio, com os

    trabalhos de Prigogine em colaborao com o grupo de Bruxelas1 e com os trabalhos

    de Haken na sinergtica2, a ciberntica orientou-se fortemente para aplicaes

    biologia, ao entendimento dos organismos biolgicos e da evoluo. O movimento

    conhecido por ciberntica de segunda-ordem, iniciado por von Foerster, com as noes

    de ordem por rudo, auto-organizao e autopoiesis, tornou-se uma base central

    paradigmtica para as prprias cincias da complexidade (Heylighen e Joslyn, 2001).

    A noo de ordem por rudo de von Foerster sintetizou todo um corpo emprico

    resultante da termodinmica de sistemas complexos, incorporando, simultaneamente,

    o papel auto-regulao e do feedback, no sentido em que um sistema aberto evolutivo

    pode conseguir sustentar a sua actividade vital, servindo-se de aleatoriedade dinmica

    como fonte de organizao sistmica. O risco, ligado a uma ameaa vital actividade

    sistmica, passou, assim, a ser considerado como desempenhando um papel central na

    prpria actividade adaptativa do sistema: na sua aco vital, o sistema despende

    energia e expe-se a ameaas associadas a uma tendncia para um fluxo desagregador

    entrpico3.

    1 Das colaboraes de Prigogine com o grupo de Bruxelas (da Universidade Livre de Bruxelas) e com a

    Universidade do Texas, resultou uma das trs grandes escolas de pensamento sobre a complexidade: a escola de Bruxelas-Austin. 2 A sinergtica uma rea interdisciplinar de investigao sobre a complexidade, centrada nas noes

    de auto-organizao, emergncia e cooperao sistmica. A sinergtica foi introduzida por Haken enquanto noo, trabalhada a partir do grego synergein () com o significado de trabalhar em conjunto, cooperar. A sinergtica est associada escola de Estugarda que juntamente com a escola de Bruxelas-Austin constituem as duas mais antigas escolas de pensamento sobre a complexidade. Para mais detalhes ver: http://www.scholarpedia.org/article/Synergetics. 3 A perda de energia por dissipao, na actividade sistmica, corresponde a uma dinmica que est

    ligada noo de entropia, noo da termodinmica postulada enquanto quantidade conectada com as transformaes ocorridas no seio de um sistema. Enquanto que um sistema isolado (que no faz trocas de energia e matria com o meio) tende para uma dissoluo entrpica naquele que constitui um equilbrio termodinmico (estado de entropia mximo/morte sistmica), um sistema aberto pode sustentar uma actividade complexa longe do equilbrio termodinmico, atravs de trocas permanentes de energia e matria com o meio, assim, para sobreviver, o sistema tem de agir, perdendo com isso energia (principalmente sob a forma de radiao trmica), para compensar essa perda, o sistema tem de

  • Tcnicas de tomada de deciso e ciberntica | Gonalves, C.P. Pgina 5

    A auto-organizao dos sistemas complexos e a cognio adaptativa tornaram-se

    questes centrais durante a segunda fase da ciberntica. Na sua segunda fase, a

    ciberntica, de cincia transdisciplinar que investigava o controlo e a comunicao nos

    sistemas vivos e mecnicos, passou a ser uma base paradigmtica de investigao

    acerca dos sistemas complexos, na qual se inserem as cincias da complexidade,

    enquanto cincias transdisciplinares que investigam a complexidade e os sistemas

    complexos.

    A teoria do caos e as principais escolas da complexidade (a escola de Bruxelas-Austin

    (Prigogine), a escola de Estugarda (Haken) e a escola de Santa F4) expandiram-se

    durante a segunda fase da ciberntica, definindo o principal campo problemtico da

    investigao no seio do paradigma da segunda ciberntica.

    A segunda fase da ciberntica caracterizada por um novo paradigma

    computacional/cognitivo, a saber: o paradigma da computao evolucionria. A

    computao evolucionria desenvolveu-se, por um lado, na sequncia de tentativas de

    incorporar os modelos evolucionrios da biologia na computao e, por outro, na

    sequncia da expanso do projecto da vida artificial, com raiz na primeira ciberntica e

    nos trabalhos de von Neumann na teoria dos autmatos. A vida artificial um ramo da

    cincia da computao que visa simular a vida em computador.

    Os algoritmos genticos de Holland, os autmatos celulares investigados por Ulam e

    Wolfram, a teoria dos jogos evolucionria de Maynard Smith e Price constituram

    elementos centrais convergentes para um novo paradigma computacional com

    consequncias ao nvel das teorias cognitivas da segunda fase da ciberntica.

    J no presa a um paradigma mecanicista de computao simblica, a ciberntica, na

    sua nova fase de expanso, passou a abordar a cognio adaptativa dos sistemas

    complexos quer em termos de trabalho emprico quer em termos de tentativa de

    simulao informtica. A construo de modelos de simulao de sistemas adaptativos

    complexos em coevoluo passou a constituir uma das principais ferramentas das

    cincias da complexidade, com aplicaes directas s tcnicas de tomada de deciso,

    incorporando, em termos metodolgicos, a abordagem para a investigao

    fundamental e aplicada acerca da deciso em sistemas complexos adaptativos.

    consumir matria e energia do meio como forma de alimentar a sua actividade. Qualquer sistema vivo um sistema complexo longe do equilbrio. 4 A escola de Santa F a mais recente das grandes escolas da complexidade, sendo desenvolvida pelo Instituto de Santa F que nasceu na dcada de 1980, fundado principalmente por investigadores do Los Alamos National Laboratory (http://www.lanl.gov/index.php). Para mais detalhes ver: http://www.santafe.edu/.

  • Tcnicas de tomada de deciso e ciberntica | Gonalves, C.P. Pgina 6

    4. A terceira fase da ciberntica e as tcnicas de tomada de deciso

    A dcada de 1980 marcou a transio da segunda para a terceira fase da ciberntica. A

    terceira fase resultou de uma maturao das cincias da complexidade que cresceram

    na sua base conceptual, expandindo-se em particular com o desenvolvimento da

    investigao da vida artificial e da inteligncia artificial, investigao, essa, que deu

    origem s tcnicas de modelao baseada em agentes, tambm conhecida como

    simulao multiagentes.

    O propsito central da modelao baseada em agentes construir modelos em

    computador de sistema complexos e investigar os padres (estatsticos) emergentes

    comparando-os com os padres (estatsticos) observados nos sistemas reais concretos,

    permitindo simular em computador caractersticas centrais desses mesmos sistemas

    reais concretos, como base para a investigao fundamental e aplicada.

    Em termos metodolgicos, as cincias da complexidade puseram em causa o

    paradigma reducionista, tendo demonstrado que, para se investigar sistemas

    complexos, necessrio abordar as relaes entre as partes e investigar os padres

    emergentes, padres que no se encontram nas partes mas que so identificveis no

    comportamento global agregado do sistema.

    A investigao desse comportamento global que no redutvel s partes, implica a

    necessidade de se simular em computador as relaes e dinmicas sistmicas das

    partes avaliando a emergncia de padres estatsticos, de tal modo que se pode

    identificar uma relao entre a dinmica coevolutiva das partes responsvel pelos

    padres emergentes.

    As noes de emergncia, coevoluo, adaptao e complexidade tornaram-se noes

    centrais na terceira fase de desenvolvimento da ciberntica, marcada pela expanso

    da modelao baseada em agentes como ferramenta de base de investigao no seio

    das cincias da complexidade e como ferramenta de base de aplicao no seio das

    tcnicas de tomada de deciso.

    5. A quarta fase da ciberntica e as tcnicas de tomada de deciso

    A quarta fase da ciberntica pode ser identificada com a transio para o sculo XXI,

    embora tenha ainda razes na dcada de 1990. A quarta fase caracterizada por um

    novo paradigma no seio da teoria da informao e da teoria da computao, conforme

    o esquema seguinte que passamos a explicar:

  • Tcnicas de tomada de deciso e ciberntica | Gonalves, C.P. Pgina 7

    Ciberntica Paradigma informacional Paradigma computacional

    Primeira Fase Teoria da informao clssica de Claude Shannon

    - Computao simblica mecnica; - Teoria dos autmatos.

    Segunda Fase - Computao evolutiva; - Vida artificial.

    Terceira Fase - Modelao baseada em agentes (vida artificial e inteligncia artificial).

    Quarta Fase Teoria da Informao quntica

    - Computao quntica

    A quarta fase da ciberntica caracteriza-se pelo surgimento de uma nova teoria da

    informao e por um novo ramo da computao, a saber: a teoria da informao

    quntica e a computao quntica.

    Enquanto que, nas trs fases anteriores, a teoria da informao clssica de Claude

    Shannon foi a teoria prevalecente, na quarta fase, a teoria da informao quntica

    passou a caracterizar um novo ramo paradigmtico no seio da ciberntica, a saber: a

    ciberntica quntica.

    A ciberntica quntica lida com a dinmica quntica dos sistemas complexos, incluindo

    os sistemas adaptativos complexos. Embora a ciberntica quntica seja recente, a sua

    raiz pode ser localizada na dcada de 1950 nos trabalhos de Hugh Everett no contexto

    da mecnica quntica.

    A mecnica quntica lida com os campos fundamentais da Natureza e com as

    partculas (quanta) que lhes correspondem. As interaces fundamentais dos sistemas

    fsicos e as suas propriedades dependem da dinmica ondulatria dos campos.

    Contudo, para se investigar os campos necessrio interagir com os mesmos, o que

    tem como consequncia uma alterao do comportamento ondulatrio dos campos,

    esta alterao imprevisvel, existindo sempre propriedades fsicas dos campos que

    no se conseguem medir, o que implica uma incerteza fundamental humana quando

    se faz medies em contextos experimentais (princpio de incerteza de Heisenberg).

    Na mecnica quntica, desenvolveu-se um formalismo matemtico que permite lidar

    com esta incerteza presente microescala subatmica, atmica, molecular, celular e

    infracelular, identificando-se que o comportamento estatstico observado nas

    experincias laboratoriais tem um grau de previsibilidade calculvel em termos

    estatsticos e sintetizvel em medidas de probabilidade. Os fsicos identificaram, no

    padro estatstico observado, por seu turno, marcas do comportamento ondulatrio

    dos campos, o que permitiu a Schrdinger (1926) a introduo de uma equao para

  • Tcnicas de tomada de deciso e ciberntica | Gonalves, C.P. Pgina 8

    esse mesmo comportamento ondulatrio (a chamada equao de Schrdinger) que

    Born conectou com a teoria probabilstica (Born, [1969], 1986).

    Assim, o postulado formal de uma funo matemtica (a funo de onda) passou a ser

    a base para conectar, no formalismo da mecnica quntica, os padres estatsticos ao

    comportamento ondulatrio dos campos, permitindo prever o comportamento dos

    sistemas qunticos utilizando a funo de onda (funo matemtica), nomeadamente:

    as regies em que a ondulatria tem a sua maior amplitude correspondem s regies

    com maior probabilidade, de acordo com o clculo baseado na funo de onda.

    A interpretao fsica da funo de onda tem sido um dos principais problemas que

    tem dividido os fsicos. O facto de a teoria funcionar, isto , de as previses estatsticas

    calculadas com base na funo de onda serem confirmadas em termos experimentais,

    permitiu teoria expandir-se em termos do seu universo aplicado, utilizando a funo

    de onda e a equao de Schrdinger como instrumento de clculo, as principais

    tecnologias dos nossos dias, desde a televiso aos computadores, telemveis, internet,

    no seriam possveis sem a mecnica quntica, o facto experimental testado e

    confirmado da eficcia preditiva da teoria tem permitido sustentar toda a indstria

    tecnolgica avanada e o desenvolvimento tecnolgico do ps-guerra, mesmo sem

    que a cincia concorde acerca do modo como devemos interpretar, em termos fsicos,

    a funo de onda.

    Hugh Everett III, na sua tese de doutoramento, deu origem a uma linha de

    interpretaes que tem vindo a ganhar cada vez mais adeptos, em particular junto dos

    especialistas em computao quntica, cosmlogos e astrofsicos.

    Na sua proposta, Everett incorporou a teoria da informao de Shannon e a

    ciberntica como base para interpretar a medio de propriedades fsicas e para

    interpretar a funo de onda.

    Everett aborda a cognio em termos de uma interaco sistmica entre observador e

    sistema observado, interaco atravs da qual observador e sistema observado

    passam a formar uma teia sistmica qual se refere a funo de onda enquanto

    quantidade estatstica, assim, somos forados a considerar a funo de onda

    (introduzida na mecnica quntica como funo de estado) enquanto quantidade

    estatstica luz de uma noo de estado relativo5, isto , deixamos de poder atribuir

    ao sistema observado um estado fsico mas, sim, temos de considerar a teia relacional

    entre observador e observado, apenas a partir dessa mesma teia relacional que

    podemos considerar a funo de onda enquanto quantidade estatstica que descreve a

    dinmica sistemicamente correlacionada entre observador e observado.

    5 Noo introduzida por Everett.

  • Tcnicas de tomada de deciso e ciberntica | Gonalves, C.P. Pgina 9

    A proposta de Everett aproxima-se da cognio enactiva de Varela, no sentido em que

    a cognio implica uma relao interactiva entre sistemas, tal que, no caso quntico,

    conforme decorre do trabalho de Everett, o prprio observador tem de ser abordado

    em termos qunticos enquanto totalidade sistmica tal que os ritmos ondulatrios do

    observador tm de sincronizar com os ritmos ondulatrios do sistema, de onde resulta

    uma forma de entrelaamento quntico relacional entre sistema observador e sistema

    observado que fazem emergir uma teia sistmica entrelaada, com o seu prprio

    campo ondulatrio no-local, a funo de onda tem, no formalismo de Everett, uma

    interpretao estatstica em termos dessa mesma teia entrelaada, de tal modo que

    uma descrio do comportamento do sistema local (em relao ao observador ou, em

    alternativa, em relao ao sistema observado) uma descrio incompleta, o campo

    emergente no-local.

    A implicao da interpretao de Everett a de uma ligao ntima de cada sistema

    com o Cosmos, enquanto parte do mesmo, ligao essa que, como decorre do trabalho

    de Everett, conduz a uma abordagem universal da prpria mecnica quntica, a teoria

    quntica passa a poder ser generalizada enquanto teoria sistmica acerca desta teia

    relacional csmica, lidando com o entrelaamento dinmico entre as estruturas no

    Cosmos. Deixamos de poder abordar a cincia em termos de uma separao entre

    observador e observado, fazemos parte do Cosmos, qualquer sistema complexo

    adaptativo tem de ser abordado em relao, no podemos pois abordar os jogos

    considerando cada jogador em separado, cada alternativa em separado.

    Com o desenvolvimento da mecnica quntica, na segunda metade do sculo XX, e

    primeira dcada do sculo XXI, este entrelaamento quntico passou a ser identificado

    como a fonte do comportamento clssico trabalhado na mecnica clssica. Assim, a

    mecnica clssica constitui um padro dinmico emergente sustentado pelo nvel

    quntico que caracterizado por uma ondulatria relacional e dinmica coevolutiva

    sistmica de cariz mais prximo de uma computao orgnica coevolutiva do que de

    uma computao mecnica simblica.

    A ideia de que a informao deve ser trabalhada a partir de uma dinmica cognitiva

    sistmica j presente ao nvel fundamental constitui uma das consequncias do

    desenvolvimento matemtico da prpria computao quntica.

    A computao quntica difere da computao clssica em mltiplos pontos que vieram

    a integrar a proposta central da teoria quntica dos jogos que difere da teoria clssica

    dos jogos de Von Neumann, Morgenstern e Nash em vrios pontos centrais, a saber:

    O sistema avalia a totalidade decisional, ou seja, o sistema avalia todos os

    caminhos alternativos em simultneo, pesando-os no seu clculo estratgico;

    A deciso relacional, ou seja, o clculo decisional tem uma natureza enactiva.

    A teoria quntica dos jogos tem dois nveis de aplicao, a saber:

  • Tcnicas de tomada de deciso e ciberntica | Gonalves, C.P. Pgina 10

    Enquanto generalizao matemtica para efeitos de aplicao a sistemas

    sociais e biolgicos: aqui falamos de comportamentos tipo qunticos, no caso

    dos sistemas sociais, permite abordar jogos dinmicos coevolutivos em que no

    existe uma estabilidade probabilstica, as probabilidades mudam com o jogo e

    com a prpria dinmica de aprendizagem dos jogadores;

    Enquanto teoria fundamental integrada na investigao acerca da cognio

    adaptativa dos sistemas adaptativos complexos.

    Estes dois nveis de aplicao decorrem do desenvolvimento das cincias da

    complexidade qunticas que se desenvolveram na quarta fase da ciberntica.

    Nomeadamente, na cincia dos sistemas qunticos complexos, encontramos a

    aplicao da teoria quntica dos jogos modelao econmica (econofsica quntica),

    com generalizaes para outras aplicaes s cincias sociais, para a modelao do

    risco financeiro (finanas qunticas) e para a modelao das dinmicas de risco

    interconectadas, no contexto da matemtica do risco. Estas aplicaes, em particular,

    modelao do risco financeiro, apresentam uma maior eficcia do que a dos modelos

    de jogos evolucionrios clssicos (Gonalves, 2011; 2013).

    No esquema seguinte, encontramos uma estrutura geral de algumas das principais

    reas de investigao da cincia dos sistemas qunticos complexos:

    Cincia dos Sistemas Qunticos

    Complexos

    Computao

    Quntica

    Vida Artificial Quntica

    Inteligncia Artificial Quntica

    Caos Quntico

    Sistemas Qunticos Abertos

    Estruturas Dissipativas Qunticas

    Econofsica Quntica

    Teoria Quntica dos Jogos

    Finanas Qunticas

    Modelao de Risco

  • Tcnicas de tomada de deciso e ciberntica | Gonalves, C.P. Pgina 11

    Enquanto que o ramo inferior, decorrente da econofsica quntica, e que inclui a teoria

    quntica dos jogos, constitui uma rea de aplicaes do formalismo matemtico da

    teoria quntica, generalizadas interdisciplinarmente para investigao no seio da

    economia e de outras cincias sociais, no ramo superior da computao quntica

    (inteligncia artificial quntica e vida artificial quntica) que encontramos a base para

    uma nova cincia dos sistemas adaptativos complexos que incorpora a teoria quntica

    enquanto teoria fundamental integrada na investigao interdisciplinar acerca da

    cognio adaptativa em sistemas adaptativos complexos, investigao, essa, que

    poder vir a ter implicaes fundamentais futuras, no somente em termos

    tecnolgicos, como tambm em termos do conhecimento acerca das dinmicas

    decisionais, com consequncias ao nvel da cincia dos processos de tomada de

    deciso.

    Esta ltima rea de investigao insere-se no seio da ciberntica quntica, que se

    desenvolveu enquanto nova base paradigmtica transdisciplinar da quarta fase da

    ciberntica e em que se insere a cincia dos sistemas complexos qunticos.

    Existem trs grandes reas de investigao que decorrem da base paradigmtica da

    ciberntica quntica e que so relevantes para a cincia da tomada de deciso, a

    saber:

    A computao adaptativa quntica, com aplicaes interdisciplinares biologia

    quntica, vida artificial quntica e modelao baseada em agentes

    (generalizvel para aplicaes aos sistemas sociais);

    A cognio quntica, enquanto novo ramo das cincias cognitivas, que suporta,

    em particular, a neurocincia quntica;

    Uma nova cincia geral dos sistemas, em que se destaca a importncia da

    dinmica quntica dos campos.

    O esquema seguinte sintetiza estas novas linhas de investigao, desenvolvidas a partir

    da base paradigmtica da ciberntica quntica e que se prendem com a cincia dos

    sistemas complexos qunticos.

  • Tcnicas de tomada de deciso e ciberntica | Gonalves, C.P. Pgina 12

    Relativamente computao adaptativa quntica, esta rea cientfica suporta, por um

    lado, a investigao em biologia quntica e, por outro, a investigao em vida artificial

    quntica e inteligncia artificial quntica, bases de um novo paradigma computacional

    em desenvolvimento e que tem implicaes em cada um dos ramos acima.

    A biologia quntica constitui uma rea central para a investigao emprica acerca do

    papel das dinmicas qunticas na auto-organizao e adaptao dos organismos, com

    implicaes directas na cincia de tomada de deciso e, em particular, na teoria

    quntica dos jogos que adquire, neste ponto, um suporte emprico, deslocando o ramo

    matemtico da teoria dos jogos do seu cariz eminentemente normativo para uma nova

    rea de cincia aplicada enquanto teoria biolgica.

    De facto, a teoria dos jogos clssica de Von Neumann, Morgenstern e Nash

    eminentemente normativa, procura fornecer ferramentas matemticas para suportar

    a deciso, dizendo como devemos jogar para obter melhores resultados. A teoria dos

    jogos evolucionria, por seu turno, ainda no seio do paradigma clssico, visa a

    investigao em torno dos sistemas adaptativos complexos e, assim, visa avaliar de

    que modo os padres emergentes das dinmicas coevolutivas destes sistemas podem

    ser abordados matematicamente e simulacionalmente por modelos de jogos

    evolucionrios.

    A teoria quntica dos jogos, nascida da econofsica, encontra uma nova rea de

    aplicao e de empiria, passvel de suportar o desenvolvimento de teoria com poder

    explicativo acerca dos sistemas biolgicos.

    Em 17 e 18 de Dezembro de 2012, realizou-se, no Institute of Advanced Studies (IAS),

    da Universidade de Surrey, uma conferncia sobre biologia quntica, organizada pelo

    Ciberntica Quntica

    Computao adaptativa quntica

    Biologia quntica

    Cognio quntica Neurocincia

    quntica

    Nova cincia geral dos sistemas

    Importncia da dinmica quntica

    dos campos

  • Tcnicas de tomada de deciso e ciberntica | Gonalves, C.P. Pgina 13

    IAS em conjunto com o Biotechnology and Biological Sciences Research Council

    (BBSRC) e a MILES (Models and Mathematics in Life and Social Sciences ). A

    conferncia visou abordar os seguintes pontos centrais :

    A necessidade da teoria quntica para a investigao dos sistemas biolgicos;

    Novas abordagens para o estudo de sistemas qunticos abertos;

    Dinmica quntica na fotossntese (teoria e experimentao);

    Dinmica quntica em enzimas (teoria e experimentao);

    Efeitos qunticos no ADN e mutaes (teoria e experimentao);

    Outros sistemas experimentais (como por exemplo: sensoriais, neurais);

    A conservao da coerncia quntica em ambientes celulares quentes e hmidos.

    Os pontos escolhidos para a conferncia justificam-se face nova evidncia do papel

    da mecnica quntica nos organismos biolgicos, destacando-se, em particular, os

    seguintes pontos relevados pelos organizadores da conferncia:

    A evidncia de que plantas utilizam uma forma de computao quntica para

    calcularem como melhor dirigir energia atravs do seu aparato fotossinttico;

    A descoberta de que os pssaros, insectos e outros animais podero utilizar o

    entrelaamento quntico para detectar o campo magntico da terra;

    Evidncia de que as enzimas utilizam dinmicas qunticas para acelerar as reaces

    qumicas;

    Evidncia acerca do possvel papel da mecnica quntica no sentido de olfacto;

    Evidncia de que comportamentos qunticos que se pensava, previamente, apenas

    possveis em sistemas laboratoriais altamente rarefeitos, a temperaturas prximas do

    zero absoluto, poderem tomar lugar no mundo biolgico quente e hmido.

    Estas descobertas recentes, sublinhadas pelos organizadores da conferncia,

    constituem uma primeira evidncia, reconhecida pela comunidade cientfica da

    biologia e da fsica, de como a vida, nas suas estratgias de sobrevivncia, tira partido

    dos comportamentos qunticos.

    A hiptese de que a teoria quntica poder ser til para a biologia no nova, em

    1963, Ldwin publicou um artigo no jornal cientfico Reviews of Modern Physics acerca

  • Tcnicas de tomada de deciso e ciberntica | Gonalves, C.P. Pgina 14

    de possveis dinmicas qunticas associadas s mutaes genticas. Mais

    recentemente, McFadden e Al-Khalili (1999), por seu turno, apresentaram, numa linha

    semelhante, um modelo quntico acerca da possibilidade de organismos conseguirem

    dirigir as suas prprias mutaes, tirando partido dos comportamentos qunticos da

    matria, hiptese que argumentada com base em evidncia da bactria E. coli.

    Este argumento, consistente com as cincias da complexidade, , contudo,

    incompatvel com a hiptese darwiniana de mutaes no-dirigidas, que o organismo

    possa ter respostas adaptativas com expresso em mutaes dirigidas do seu ADN,

    tendo como efeito mutaes adaptativas, escapa ao (neo)darwinismo, introduzindo a

    questo de uma evoluo estrategicamente (auto)dirigida por via de uma dinmica

    (quntica) de gerao selectiva de mutaes (McFadden, 2000).

    Em Junho de 2011, no jornal Nature, foi publicado um artigo por Philip Ball com o

    ttulo O Dealbar da Biologia Quntica (The Dawn of Quantum Biology), acerca de trs

    das descobertas acima referidas: a dinmica quntica na fotossntese, a questo do

    olfacto e a orientao das aves.

    Todos os casos constituem exemplos do papel das dinmicas qunticas nos processos

    adaptativos, e os primeiros exemplos biolgicos de jogos qunticos evolucionrios. De

    facto, no que respeita fotossntese, descobriu-se que quando a luz atinge pigmentos

    fotossintticos, que se aglomeram dentro das clulas de cada folha de uma planta e

    em cada bactria fotossinttica, geram-se vibraes de electres, energizados pela luz,

    cujos padres de vibrao, com comportamento quntico (designados por excites),

    propagam-se exibindo um comportamento ondulatrio sincronizado que permite ao

    organismo fotossinttico avaliar, ao nvel molecular, os caminhos alternativos at ao

    centro de reaco e escolher o caminho mais curto, assim o organismo fotossinttico

    maximiza a sua eficincia alimentar minimizando o desperdcio (Ball, 2011). Trata-se

    de uma dinmica de optimizao quntica, observada num organismo vivo.

    Embora exista evidncia favorvel hiptese de que os organismos biolgicos se

    sirvam de estratgias qunticas para agilizarem as suas respostas adaptativas, estas

    estratgias no so matematicamente abordveis num paradigma conceptual da

    computao clssica (paradigma mecnico e algortmico) exportado para o contexto

    biolgico quntico.

    A partir da evidncia de optimizao quntica associada fotossntese, Gonalves

    (2011; 2013) props novos modelos de optimizao quntica aplicada modelao do

    risco nos mercados financeiros, tratando-se dos primeiros modelos a combinarem

    abordagens de optimizao, vindas da investigao operacional, com a equao de

    Schrdinger e capazes de replicarem os padres de turbulncia multifractal nos

    mercados financeiros. Assim, a prpria rea da econofsica pode beneficiar da

  • Tcnicas de tomada de deciso e ciberntica | Gonalves, C.P. Pgina 15

    investigao no seio da biologia quntica, de tal modo que a influncia biolgica, na

    quarta fase da ciberntica, continua a aprofundar-se.

    Numa linha paralela, mas tambm prxima da biologia quntica, encontramos a

    neurocincia quntica. At ao momento, a neurocincia quntica tem-se focado

    principalmente no funcionamento do crebro.

    Destaca-se, a este propsito, o trabalho de Roger Penrose e Stuart Hameroff baseado

    na computao quntica em microtbulos citoesqueletais dentro dos neurnios, de tal

    modo que o crebro seria capaz de tirar partido da computao quntica tal que a

    computao quntica se tornaria necessria para explicar os actos de conscincia e

    dinmicas decisionais.

    O neurofisiologista John Eccles, por seu turno, em 1985, num congresso sobre sistemas

    complexos, neurobiologia, fsica e informtica organizado por Herman Haken (escola

    de Estugarda para a complexidade), props um modelo acerca do papel das dinmicas

    qunticas na neurobiologia, posteriormente publicado num volume do congresso

    editado pela Springer.

    Eccles, na sua proposta, situa a mente ao nvel da ondulatria quntica no-local,

    trabalhando uma dinmica relacional mente-crebro que defende ser central no

    processamento neural (Eccles, 1994).

    Paralelamente a estas linhas da biologia quntica e da neurocincia quntica, a quarta

    fase da ciberntica, caracterizada pela ascenso do paradigma quntico, est a

    conduzir a uma nova cincia geral dos sistemas, com diferentes propostas por

    diferentes autores.

    Assim, por exemplo, recentemente, Saptsin e Soloviev (2009) defenderam que a

    econofsica quntica constitui uma base para uma nova linguagem paradigmtica para

    a cincia dos sistemas.

    Por seu turno, Ervin Laszlo, que investigou na rea da filosofia dos sistemas, tem

    avanado uma proposta para uma nova abordagem para uma cincia geral dos

    sistemas, baseada na teoria quntica dos campos.

    O percurso de Laszlo relevante, pois trata-se de um investigador que acompanhou o

    desenvolvimento dos trabalhos na rea da cincia dos sistemas e cujo percurso pela

    cincia dos sistemas o conduziu abordagem quntica.

    O trabalho de Laszlo, no seio da filosofia dos sistemas e da cincia dos sistemas,

    desenvolveu-se principalmente na dcada de 1970, tendo a influncia de Laszlo, nesta

    rea de investigao, expandido na sequncia do seu encontro com Erich Jantsch, por

    altura de uma conferncia realizada em Tquio em 1974, em que ambos discutiram

    acerca das suas concepes sobre a auto-organizao.

  • Tcnicas de tomada de deciso e ciberntica | Gonalves, C.P. Pgina 16

    Do encontro com Jantsch resultou, em Laszlo, o sentimento de que seria possvel uma

    sntese para a cincia dos sistemas entre uma concepo mais quantitativa, seguida

    por Jantsch e uma perspectiva mais qualitativa que correspondia de Laszlo e que

    tinha como principais influncias Bergson, Whitehead e a teoria geral dos sistemas de

    Bertalanffy. Aps um perodo de partilha de perspectivas entre Laszlo e Jantsch, este

    ltimo apresentou Laszlo a Prigogine e ao grupo de Bruxelas. Lazslo (1987) refere que

    aps a sua colaborao com Bertalanffy, Prigogine foi quem maior influncia teve

    sobre os seus trabalhos.

    Em 1986, Laszlo fundou o Grupo de Investigao sobre a Evoluo Geral (General

    Evolution Research Group) juntamente com: Ralph Abraham (matemtico da

    Universidade da Califrnia, Santa Cruz); Robert Artigiani (historiador da Academia

    Naval dos EUA, Annapolis, Maryland); Gianluca Bocchi e Mauro Ceruti (da

    Universidade de Gnova); Eric Chaisson (astrofsico do Harvard-Smithsonian Center for

    Astrophysics); Vilmos Csnyi (bilogo da Universidade Etvs Lornd em Budapest);

    Riane Eisler e David Loye (ento no Instituto de Futurologia de Carmel, Califrnia,

    presentemente do Center for Partnership Studies); Jonathan Schull (especialista em

    psicologia biolgica da Universidade de Haverford, Pensilvnia).

    Da investigao de Laszlo, durante a dcada de 1980 e comeo da dcada de 1990,

    resultou um entendimento do autor de que uma unidade interdisciplinar em torno dos

    sistemas, enquanto tais, seria possvel, investigando as fracturas que ocorrem nas

    diferentes cincias. Laszlo, na sua obra Nas Razes do Universo, identifica problemas

    centrais na fsica, biologia, cincias cognitivas e cosmologia que apontam para lacunas

    que se prendem com questes directamente conectadas com os sistemas, tomados

    enquanto objecto e problema cientfico central, tal que, para solucionar essas lacunas

    torna-se necessrio o desenvolvimento de uma cincia geral dos sistemas capaz de

    identificar os elementos comuns 6 s diferentes cincias e de desenvolver uma

    abordagem unificada para os sistemas que simultaneamente solucione as principais

    lacunas decorrentes da especializao cientfica e das perspectivas parcelares acerca

    dos sistemas, desenvolvidas por cada uma das cincias supra referidas.

    Desde a dcada de 1990 que Laszlo visa encontrar uma abordagem integral para os

    sistemas, introduzindo a questo quntica como base necessria para se pensar os

    sistemas e para solucionar as diferentes lacunas. Efectivamente, conforme argumenta

    Laszlo na sua obra As Razes do Universo, cada uma das lacunas apontam para uma

    mesma base quntica existencial, necessria para compreender os sistemas e para

    encontrar uma unidade na cincia, na forma de uma nova cincia geral dos sistemas.

    Integrando a investigao mais recente na fsica fundamental, Laszlo colocou como

    hiptese a existncia de um campo quntico, distinto dos restantes campos fsicos, e

    6 Laszlo introduz, a este respeito, a noo de factor ausente (Laszlo, 1993).

  • Tcnicas de tomada de deciso e ciberntica | Gonalves, C.P. Pgina 17

    que seria capaz de suportar as conexes instantneas observadas em experincias

    laboratoriais e que apontam para uma no-localidade sistmica dos sistemas qunticos,

    observvel em termos de efeitos.

    A proposta de Laszlo, neste ponto, aproxima-se da interpretao da mecnica quntica

    avanada pelo fsico David Bohm que considerava uma dinmica subquntica de um

    campo no-local holodinmico 7 , responsvel pelas conexes instantneas entre

    sistemas espacialmente separados mas que interagiram no passado ou partilharam

    uma origem comum permanecendo conectados (entrelaamento quntico).

    Laszlo, baseando-se em Bohm, assume que este campo quntico ter caractersticas

    hologrficas sendo capaz de registar informao (memria quntica) e de transmitir

    essa mesma informao a velocidades supraluminais (superiores velocidade da luz).

    A caracterstica dinmica do campo, em torno do registo vivo de memria dos sistemas,

    conduziu Laszlo (2004) a introduzir o nome de campo akshico para esse campo,

    noo que o autor trabalha a partir do Snscrito akasha () com o significado de espao no sentido originante: substncia subjacente a tudo e que devm cada coisa

    (Laszlo, 2007).

    Quer Laszlo, quer Bohm identificam um campo com este tipo de natureza, naquilo que

    sabemos serem flutuaes energticas no vcuo quntico, que se trata na realidade de

    um plenum: um ter quntico. De referir que existe uma base no pensamento

    filosfico de Espinosa no referida explicitamente nem por Laszlo nem por Bohm que

    preferem recorrer ao pensamento filosfico asitico, evitando de algum modo, na sua

    reinterpretao do vcuo quntico, uma conexo explcita com o pensamento

    filosfico de Espinosa.

    O ter quntico um facto reconhecido pela fsica (Davies, 2005). As propriedades

    propostas por Laszlo e por Bohm, contudo, permanecem como hipteses de trabalho

    entre outras.

    Um ponto central que comea a ser aberto pela investigao mais recente no seio da

    fsica fundamental, em particular da investigao no seio da gravidade quntica e das

    aplicaes da teoria quntica dos jogos, abre uma questo nova que poder constituir

    uma outra direco distinta da de Laszlo e com raiz em Everett.

    7 Na sua interpretao, Bohm introduziu a noo de holomovimento trabalhada a partir da noo de que num holograma, em cada regio do espao, a ordem da estrutura total iluminada est dobrada e transportada no movimento da luz, tal que, generalizando, a dinmica de transporte de uma ordem implicada designada por Bohm de holomovimento (Bohm, 1980, pp.201, 202). Bohm assume uma ordem implicada subjacente a todas as coisas, tal que, segundo Bohm, a ordem em cada aspecto imediatamente perceptvel do mundo deve ser considerada como originria de uma ordem implicada mais abrangente (Bohm, 1980, p.208).

  • Tcnicas de tomada de deciso e ciberntica | Gonalves, C.P. Pgina 18

    Everett que, conforme argumentado anteriormente, pode ser considerado entre os

    primeiros ciberneticistas qunticos, permite-nos reinterpretar a funo de onda da

    teoria quntica enquanto quantidade estatstica acerca das relaes entre sistemas,

    assim, ao contrrio da formulao de Bohm, a no-localidade no advm de uma

    dinmica subquntica, mas, sim, prprio dos sistemas e das suas relaes.

    Conforme demonstrado por Everett, no existe um estado quntico absoluto, o

    entrelaamento, que sabemos ser inevitvel 8 , permite reinterpretar a funo

    matemtica de Schrdinger enquanto quantidade que se refere a entrelaamentos

    passveis de ocorrerem e que permitem extrair informao estatstica acerca do

    sistema. A partir do momento em que temos dois sistemas entrelaados, deixamos de

    poder falar de um estado quntico de um dos sistemas em separado do outro.

    Enquanto Bohm considerava a funo de onda como uma aproximao estatstica do

    estado de um campo, Everett introduziu o problema da relao o que, face aos

    modelos recentes das principais linhas de abordagens para a gravidade quntica9,

    podemos ter de considerar uma dinmica hipertextual ao nvel fundamental,

    trabalhando as dinmicas qunticas em termos das dinmicas relacionais entre

    sistemas, o que aprofunda a ligao entre a teoria quntica e a ciberntica em termos

    de modelos de computao quntica em rede.

    Embora ainda em aberto, as evidncias para a computao quntica biolgica, e o

    papel relevante da teoria quntica na neurocognio, assim como os avanos na

    computao quntica e a crescente eficcia da teoria quntica dos jogos permitem

    antecipar a expanso rpida da ciberntica quntica, enquanto base paradigmtica

    com consequncias fundamentais para a cincia da tomada de deciso, quer ao nvel

    de novas ferramentas decisionais quer ao nvel da investigao fundamental em torno

    dos processos de tomada de deciso nos sistemas adaptativos complexos.

    Bibliografia

    - Ball, P. (2011) .Physics of life: The dawn of quantum biology. Nature, 474, pp. 272-274.

    - Bohm, D. (1957). Causality and Chance in Modern Physics. Routledge, London.

    - Bohm, D. (1980). A Totalidade e a Ordem Implicada. Trad. Mauro de Campos Silva.

    Editora Cultrix, So Paulo.

    8 O que constitui hoje um quebra-cabeas para os tecnlogos qunticos, pois tm dificuldade em manter o sistema computacional, construdo em laboratrio, separado o suficiente do meio para evitar o entrelaamento sistmico que conduz inevitavelmente perda de controlo sobre a computao quntica, pois deixa de ser possvel aplicar operaes qunticas sobre um sistema circunscrito e localmente controlado. 9 Referimo-nos, em particular, gravidade quntica por laos (loop quantum gravity) e teoria das

    cordas.

  • Tcnicas de tomada de deciso e ciberntica | Gonalves, C.P. Pgina 19

    - Born, M. [1969], (1986). Fsica Atmica. Trad. Egdio Namorado. Fundao Calouste

    Gulbenkian, Lisboa.

    - Davies, P.C.W. (2005). Quantum vacuum friction. J. Opt. B: Quantum Semiclass. Opt.

    7 S40S46.

    - Dupuy, [1994], (2000). The Mechanization of the Mind: On the Origins of Cognitive

    Science. Trad. M.B. DeBevoise. Princeton University Press, Princeton.

    - Eccles, J.C. (1994). Crebro e Conscincia. Trad. Ana Andr. Instituto Piaget, Lisboa.

    - Everett, H. (1955). The Theory of the Universal Wavefunction. Manuscrito (1955). In:

    Bryce DeWitt, R. Neill Graham, (eds.) (1973), The Many-Worlds Interpretation of

    Quantum Mechanics, Princeton Series in Physics, Princeton University Press, Princeton.

    pp. 3140.

    - Everett, H. (1957). Relative state formulation of quantum mechanics. Reviews of

    Modern Physics 29 (3), pp. 454462.

    - Gonalves, C.P. (2011). Financial Turbulence, Business Cycles and Intrinsic Time in an

    Artificial Economy. Algorithmic Finance, 1:2, 141-156 DOI: 10.3233/AF-2011-011.

    - Gonalves, C.P. (2013). Quantum Financial Economics Risk and Returns. Journal of

    Systems Science & Complexity, April, Volume 26, Issue 2, pp 187-200.

    - Heylighten, F. e C. Joslyn (2001). Cybernetics and Second-Order Cybernetics. In: R.A.

    Meyers (ed.), Encyclopedia of Physical Science & Technology (3rd ed.), Academic Press,

    New York.

    - Laszlo, E. (1987). Evoluo: A Grande Sntese. Trad. Dulce Matos. Instituto Piaget,

    Lisboa.

    - Laszlo, E. (1993). Nas Razes do Universo. Trad. Serafim Ferreira. Instituto Piaget,

    Lisboa.

    - Laszlo, E. (1996). Lagoa dos Murmrios. Trad. Fernanda Oliveira. Publicaes Europa-

    Amrica, Mira-Sintra Mem Martins.

    - Laszlo, E. (2007). Science and the Akashic Field An Integral Theory of Everything.

    Inner Traditions, Rochester, Vermont.

    - Laszlo, E. (2010). Why Your Brain Is A Quantum Computer.

    http://www.huffingtonpost.com/ervin-laszlo/why-your-brain-is-a-

    quant_b_489998.html

    - Lwdin, P.-O. (1963). Proton tunneling in DNA and its biological implications. Reviews

    of Modern Physics, 35 (3), pp. 724732.

  • Tcnicas de tomada de deciso e ciberntica | Gonalves, C.P. Pgina 20

    - McFadden, J. e J. Al-Khalili (1999). A quantum mechanical model of adaptive

    mutation. BioSystems, 50, pp. 203211.

    - MacFadden, J. (2000). Quantum Evolution. HarperCollins, Reino Unido.

    - Maturana, H. e F. Varela (1998). The Tree of Knowledge (revised edition). Shambhala

    Press, Boston.

    - Nash, J. (1950a). The Bargaining Problem. Econometrica, Vol. 18, no. 2: 155162.

    - Nash, J. (1950b). Equilibrium Points in N-Person Games. Proc. Natl. Acad. Sci. USA, 36(1): 48-49.

    - Nash, J. (1950c). Non-Cooperative Games. PhD Thesis.

    - Nash, J. (1950d). Two-Person Cooperative Games. RAND P-172, August 9, http://www.rand.org/pubs/papers/2005/P172.pdf.

    - Nash, J. (1951). Non-Cooperative Games. The Annals of Mathematics, Second Series, Vol. 54, No. 2, pp. 286-295.

    - Penrose, R. (1995). Shadows of the Mind. Oxford University Press, Londres.

    - Saptsin, V. e V. Soloviev (2009). Relativistic quantum econophysics - new paradigms in complex systems modelling. arXiv:0907.1142 [physics.soc-ph].

    - Schrdinger, E. (1926). An Undulatory Theory of the Mechanics of Atoms and Molecules. Physical Review 28 (6): 10491070.

    - Von Foerster, H. (1995). The Cybernetics of Cybernetics (2nd edition). FutureSystems Inc., Minneapolis.

    - Von Neumann, J. e O. Morgenstern [1944], (1972). Theory of Games and Economic Behavior. EUA: Princeton University Press.

    - Von Neumann, J. (1963). The General and Logical Theory of Automata. In: Taub, A.H., (ed.) John von Neumann - Collected Works, Design of Computers, Theory of Automata and Numerical Analysis, Vol.5, 288-326, Pergamon Press, Macmillan, New York.

    - Wiener N. 1948. Cybernetics: Or Control and Communication in the Animal and the

    Machine. Hermann & Cie, Paris e MIT Press, Cambridge Massachusetts. (ISBN 978-0-

    262-73009-9), 2nd revised ed. 1961.