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AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS DO PLANO NACIONAL DE POLÍTICAS PARA AS MULHERES Leda Aparecida Vanelli Nabuco de Gouvêa Amélia Kimiko Noma Universidade Estadual de Maringá Introdução Este texto tem como objetivo, a partir da análise da questão da educação das mulheres constante do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (2004), evidenciar vinculações com políticas e recomendações de agências internacionais, especificamente a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), o Banco Mundial e a Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL). Entende-se que, para concretizar a abordagem proposta, deve-se levar em consideração os condicionantes mais amplos que orientam a política brasileira para as mulheres. Isso por sua vez, em termos metodológicos, implica o entendimento de que os fundamentos que dão sustentação à referida política nacional, obviamente, não são gerados exclusivamente em âmbito nacional. Em consonância, ao admitir vinculações de abrangência internacional, torna-se obrigatório considerar a influência direta ou indireta das agências internacionais no direcionamento das políticas públicas, dentre elas, a da educação das mulheres. Justifica-se a adoção dessa abordagem pela constatação do incremento da influência das agências internacionais a partir da década de 1990, as quais baseando-se em diagnósticos e avaliações de países e regiões, definem diretrizes, elaboram recomendações divulgadas em relatórios, em documentos resultantes de convenções e conferências internacionais que incidem, nem sempre de forma direta, nas formulações internas de cada país no tocante às políticas públicas e sociais. Considera-se que a análise desses documentos pode intermediar a apreensão da influência dessas organizações na tomada de decisão dos governos no que se refere a definição de diretrizes para a implantação de políticas educativas no contexto nacional e na definição, articulação e orientação das agendas políticas dos países.

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AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS DO PLANO NACIONAL DE

POLÍTICAS PARA AS MULHERES

Leda Aparecida Vanelli Nabuco de Gouvêa Amélia Kimiko Noma

Universidade Estadual de Maringá Introdução

Este texto tem como objetivo, a partir da análise da questão da educação das

mulheres constante do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (2004), evidenciar

vinculações com políticas e recomendações de agências internacionais, especificamente

a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), o

Banco Mundial e a Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL).

Entende-se que, para concretizar a abordagem proposta, deve-se levar em consideração

os condicionantes mais amplos que orientam a política brasileira para as mulheres. Isso

por sua vez, em termos metodológicos, implica o entendimento de que os fundamentos

que dão sustentação à referida política nacional, obviamente, não são gerados

exclusivamente em âmbito nacional. Em consonância, ao admitir vinculações de

abrangência internacional, torna-se obrigatório considerar a influência direta ou indireta

das agências internacionais no direcionamento das políticas públicas, dentre elas, a da

educação das mulheres.

Justifica-se a adoção dessa abordagem pela constatação do incremento da influência das

agências internacionais a partir da década de 1990, as quais baseando-se em

diagnósticos e avaliações de países e regiões, definem diretrizes, elaboram

recomendações divulgadas em relatórios, em documentos resultantes de convenções e

conferências internacionais que incidem, nem sempre de forma direta, nas formulações

internas de cada país no tocante às políticas públicas e sociais. Considera-se que a

análise desses documentos pode intermediar a apreensão da influência dessas

organizações na tomada de decisão dos governos no que se refere a definição de

diretrizes para a implantação de políticas educativas no contexto nacional e na

definição, articulação e orientação das agendas políticas dos países.

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Destarte, é fundamental apreender o contexto onde foram geradas as análises,

formulações e recomendações referentes à educação formal das mulheres contidas nos

documentos a seguir analisados a fim de compreender as vinculações entre eles e entre

as políticas que extrapolam o âmbito educacional.

O Plano Nacional de Políticas para as Mulheres

O Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (PNPM), para o período de 2005-2007,

foi elaborado a partir de diretrizes definidas na Primeira Conferência Nacional de

Políticas para as Mulheres (CNPM)1, realizada em julho de 2004, que dispôs sobre “[...]

as diretrizes da política nacional para as mulheres na perspectiva da igualdade de

gênero, considerando a diversidade de raça e etnia”. Assim, o referido plano indica as

políticas e linhas de ação propostas para a promoção da igualdade de gênero (BRASIL,

2004, p.13).

A elaboração do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres realizou-se no contexto

da criação da Secretaria Especial de Política para as Mulheres, a qual conforme o

documento tem status de Ministério. O objetivo da Secretaria é assessorar diretamente o

Presidente da República, na promoção da transversalidade das políticas para mulheres e

igualdade de gênero. Além deste objetivo, há o de estimular as diferentes áreas do

governo a pesarem o impacto de suas políticas sobre a vida de mulheres e homens

(BRASIL, 2004).

Segundo o prólogo do documento em questão, o Governo Federal e os demais entes

governamentais, comprometem-se com a incorporação da perspectiva de gênero e raça

nas políticas públicas, “[...] reconhecendo e enfrentando as desigualdades entre homens

e mulheres, negros e negras, no contexto do projeto político de gestão governamental,

que vai se configurar enquanto políticas de Estado” (BRASIL, 2004, p.11).

Como expõe o referido documento, ao considerar a histórica desigualdade de direitos

1 A CNPM foi convocada pelo Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, sob coordenação da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres e Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres (CNDM).

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existentes entre mulheres e homens, bem como as relações desiguais que se estabelecem

e se reproduzem nas relações sociais, “[...] o Estado assume a responsabilidade de

implementar políticas públicas que tenham como foco as mulheres, a consolidação da

cidadania e a igualdade de gênero, com vistas a romper com essa lógica injusta”

(BRASIL, 2004, p.31).

A implementação das políticas públicas para as mulheres, conforme a estrutura do Plano

Nacional para as Mulheres, concentra-se em quatro áreas, chamadas de estratégicas:

autonomia, igualdade no mundo do trabalho e cidadania; educação inclusiva e não

sexista; saúde das mulheres, direitos sexuais e direitos reprodutivos; e, enfrentamento à

violência contra as mulheres (BRASIL, 2004).

Em relação à área estratégica denominada educação inclusiva e não sexista, o Plano

parte suas considerações sobre as conquistas femininas na dimensão educacional. Essas

conquistas, de acordo com o documento, referem-se a três aspetos da educação formal,

ou seja, em relação às matrículas no sistema de ensino, índices de analfabetismo

feminino e número médio de anos de estudo das mulheres em relação aos homens.

Nestes três aspectos os dados apresentados revelam o avanço das políticas em relação à

melhoria da educação feminina que se refletem nos seguintes resultados: a maioria das

matrículas efetivadas no sistema de ensino são de mulheres, houve uma significativa

redução do analfabetismo feminino exceto na faixa etária acima de 45 anos,

permanência por mais tempo das mulheres no sistema de ensino em relação aos homens

visto que o número médio de estudo das mulheres é superior aos dos homens (BRASIL,

2004).

Com base no diagnóstico apresentado no referido Plano, foram definidos cinco

objetivos que norteariam a ação do governo brasileiro até o ano de 2007: 1) incorporar a

perspectiva de gênero, raça, etnia e orientação sexual no processo educacional formal e

informal; 2) garantir um sistema educacional não discriminatório, que não reproduza

estereótipos de gênero, raça e etnia; 3) promover o acesso à educação básica de

mulheres jovens e adultas; 4) promover a visibilidade da contribuição das mulheres na

construção da história da humanidade e, por fim, 5) combater os estereótipos de gênero,

raça e etnia na cultura e comunicação (BRASIL, 2004).

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Das assertivas indicadas anteriormente, conforme o Plano Nacional de Políticas para as

Mulheres, observa-se a preocupação do governo brasileiro em referendar no plano

institucional as diretrizes que vêm sendo traçadas no plano internacional que

contemplam a educação de mulheres. É o que se explicita a seguir com a análise de

alguns documentos elaborados por agências internacionais integrantes da Organização

das Nações Unidas.

A ONU: UNESCO, o Banco Mundial e CEPAL

A partir de 1990, no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU), foram

realizados vários eventos internacionais que trataram de temas diretamente relacionados

com os problemas sociais decorrentes da situação de pobreza mundial. Assim, temas

como educação, infância, meio ambiente, direitos humanos, população,

desenvolvimento social, mobilizaram governos e organizações, governamentais e não-

governamentais, chamando a atenção para problemas sociais de interesse mundial e que

estavam a exigir uma solução em caráter de emergência. Nos documentos que

derivaram de cada um destes eventos há ênfase na necessidade de se estabelecer

políticas que assegurem a educação das mulheres.

Estes eventos foram realizados no contexto de campanhas mundiais, encetadas pelas

agências internacionais, sobre a necessidade de investimentos na educação básica.

Assim, a educação despontou como estratégia para propiciar a inclusão social de

contingentes populacionais excluídos das benesses do desenvolvimento econômico, e,

em conseqüência, a educação das mulheres foi propalada como um dos objetivos

prioritários pelo movimento da educação básica para todos.

Dentre os eventos realizados no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU)

destaca-se a IV Conferência Mundial sobre a Mulher (Beijing, China, 1995) de onde

derivou a Declaração de Beijing e a Plataforma de Ação de Beijing. A Plataforma de

Ação de Beijing adotou medidas estratégicas em áreas decisivas de especial

preocupação abrangendo: a mulher e a pobreza, educação e treinamento da mulher, a

mulher e a saúde, a violência contra a mulher, a mulher e os conflitos armados, a mulher

e a economia, a mulher no poder e na adoção de decisão, mecanismos institucionais

para o avanço da mulher, direitos humanos da mulher, a mulher e os meios de

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comunicação, a mulher e o meio ambiente, entre outros. Dentre estes temas, a

Plataforma de Ação traçou objetivos estratégicos nos quais os Estados membros se

comprometeram a atingir por meio de políticas governamentais (ONU, 1996).

A transformação fundamental produzida pela Conferência de Beijing foi o

reconhecimento da necessidade de mudar o centro da atenção voltando-se da mulher

para o conceito de gênero. Reconheceu-se que toda a estrutura da sociedade, e todas as

relações entre os homens e mulheres no interior da estrutura social e institucional,

teriam de ser reavaliadas para ser possível a participação da mulher em condições de

igualdade com o homem, em todos os aspectos da vida. Ao aprovar a Plataforma de

Ação de Beijing, os governos se comprometiam a incluir de maneira efetiva a dimensão

de gênero em todas suas instituições políticas, processos de planificação e de adoção de

decisões. Este compromisso significava que antes de serem adotadas decisões e

executados os planos e programas, deveria ser feito uma análise de seus efeitos sobre

homens e mulheres, bem como, das necessidades de cada grupo. Este aspecto, conduziu

a inclusão da perspectiva de gênero nas políticas e programas governamentais e

institucionais (ONU, 2002).

Outro evento importante, marco nas ações políticas na direção da educação das

mulheres, foi a Cúpula do Milênio (2000), de onde derivou a Declaração do Milênio das

Nações Unidas. Nesta foram estabelecidos oito objetivos designados como “Objetivos

de Desenvolvimento do Milênio”: 1) erradicar a extrema pobreza e a fome; 2) atingir o

ensino básico universal; 3) promover a igualdade entre os sexos e a autonomia das

mulheres; 4) reduzir a mortalidade infantil; 5) melhorar a saúde materna; 6) combater o

HIV/AIDS, a malária e outras doenças; 7) garantir a sustentabilidade ambiental; e 8)

estabelecer uma parceria mundial para o desenvolvimento. Estes objetivos a serem

alcançados, em sua maioria, até 2015, foram assumidos pelos 191 Estados membros da

Organização das Nações Unidas, entre eles o Brasil.

Cada um dos oito objetivos assinalados são complementados por metas específicas.

Quanto aos objetivos referentes a atingir o ensino básico universal e o de promover a

igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres, as respectivas metas são: 1)

garantir que até 2005 todas as crianças, de ambos os sexos, terminem um ciclo completo

do ensino básico; 2) eliminar as disparidades entre os sexos no ensino primário e

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secundário até 2005, e em todos os níveis de ensino até 2015.

No contexto da Organização das Nações Unidas, a IV Conferência Mundial sobre a

Mulher (1995) e Cúpula do Milênio (2000) constituem-se importantes mecanismos para

direcionar as políticas educacionais no interior dos países membros. Associado a estas

diretrizes e recomendações gerais, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a

Ciência e a Cultura (UNESCO), como agência especializada em educação, convoca

eventos internacionais em educação de onde derivam os instrumentos internacionais em

educação, principalmente as declarações. As declarações formam as bases nas quais a

UNESCO se apóia a fim de cooperar tecnicamente para auxiliar os países na formulação

e operacionalização de ações, estabelecendo parâmetros e normas, que contribuam para

a efetivação de políticas públicas que estejam em sintonia com seu mandato, portanto, a

Organização estabelece um contato estreito com os Ministérios da Educação dos vários

Estados membros (UNESCO, 2005).

Dos eventos internacionais relativos à educação convocados pela UNESCO e

patrocinados por outras agências da Organização das Nações Unidas, Programa das

Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), Fundo das Nações Unidas para a

Infância (UNICEF) e Banco Mundial, resultaram documentos que foram assinados

pelos vários países membros, entre eles o Brasil. Ao assinarem esses documentos, os

países signatários acordaram em elaborar e implementar políticas educacionais de

acordo com as recomendações e diretrizes formuladas, por consenso, no âmbito da

UNESCO.

Os principais documentos, que caracterizam um compromisso político dos Estados

membros em relação à educação, são: a “Declaração Mundial sobre Educação para

Todos: satisfação das necessidades básicas de aprendizagem” (Conferência Mundial

sobre Educação para Todos, Jomtien, 1990); a “Declaração de Nova Delhi sobre

Educação para Todos” (Conferência de Nova Delhi, 1993); “Declaração de Hamburgo”

(V Conferência Internacional de Educação de Adultos, 1997); e, o Marco de Ação de

Dacar, “Educação para todos: atingindo nossos compromissos coletivos” (Cúpula

Mundial de Educação, Dacar, 2000).

Todos os documentos anteriormente citados, ao estabelecerem diretrizes e orientações

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para conformarem as políticas educacionais dos países membros a partir de um modelo

geral, pautado primeiramente na necessidade da universalização da educação básica

com qualidade, enfatizaram a educação das mulheres. Em suma, o que os documentos

mencionados expõem é que os Estados membros devem promover o acesso da educação

básica com eqüidade, eliminar os obstáculos que excluem as mulheres do sistema de

ensino, tanto barreiras sociais como culturais, bem como eliminar preconceitos e

estereótipos que reproduzem a discriminação contra o sexo feminino no contexto

escolar.

Tanto na Cúpula do Milênio (2000) como na Cúpula Mundial de Educação (Dacar,

2000), foram traçados os prazos para que os Estados membros elaborem e implementem

políticas educacionais a fim de resolverem o problema da educação das mulheres. Um

dos prazos, ou seja o ano de 2005, que foi estabelecido para que os países eliminassem

as disparidades entre os sexos na educação, já expirou e os resultados apresentados

foram discretos2. Quanto ao segundo prazo que é o ano de 2015, que se refere ao acesso

do sexo feminino a uma educação de qualidade e a igualdade de gênero na educação,

ainda inspiram expectativas, no entanto, pelo quadro atual ainda são muitos os desafios

a serem superados para que estas metas sejam atingidas.

A importância destes vários eventos internacionais realizados no período analisado para

a questão da educação das mulheres diz respeito a dois aspectos. O primeiro é chamar a

atenção da comunidade internacional em relação às várias dimensões dos problemas

relacionados à condição feminina no contexto atual que se expressam na dimensão da

educação, do mercado de trabalho, e da pobreza que atinge em maior proporção as

mulheres. O segundo aspecto está relacionado aos compromissos políticos que os

Estados membros assumem nestes eventos. Estes compromissos políticos auxiliam na

observação internacional realizada no interior dos países a fim de verificar a

implementação ou não destes compromissos. O que leva a considerar que a “imagem”

2 Em relação ao Brasil, a meta da paridade de gênero na educação, já havia sido atingida no ano de 2000, conforme expôs o Relatório de Monitoramento Global (2003/2004) - Gênero e Educação para Todos: o salto para a igualdade, publicado pela UNESCO em 2004. Este documento define a paridade de gênero como um conceito puramente numérico, ou seja, quantitativo, “[...] atingir a paridade de gênero na educação implica que a mesma proporção de meninos e meninas – em relação a seus grupos etários respectivos – entrem no sistema educacional e participem de seus diversos ciclos” (UNESCO, 2004, p.44). Portanto, a paridade de gênero não significa necessariamente que há o acesso universal de meninos e meninas na educação.

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dos países no plano internacional pode ser afetada pelo descumprimento ou “falta de

vontade política” em concretizá-los via implementação de políticas educacionais

eficazes.

Os pressupostos educacionais provenientes da UNESCO, que primam pela

universalização da educação básica, destacando-se a importância da educação das

mulheres, são reforçados no âmbito de outras agências da Organização das Nações

Unidas, principalmente Banco Mundial e CEPAL.

Nos documentos oriundos do Banco Mundial, formulados a partir dos anos de 1990, são

recorrentes as menções feitas à educação das mulheres. Nas análises e recomendações

efetivadas nestes documentos há uma vinculação direta entre a necessidade da

promoção da educação das mulheres como condição para o combate mundial à pobreza.

Em 1990, o Banco Mundial publicou o Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial

intitulado “A pobreza”. Neste destacou que o peso da pobreza recai com maior força em

certos grupos, principalmente nas mulheres, que apresentariam uma condição

econômica e social em desvantagem. As mulheres de famílias pobres com freqüência

suportam uma carga de trabalho maior que os homens e tem um grau de educação mais

baixo, incluindo menor acesso a atividades remuneradas (BANCO MUNDIAL, 1990).

Os dados contidos neste relatório indicam que se há logrado rápidos avanços na luta

contra a pobreza seguindo uma estratégia que tem dois elementos igualmente

importantes. O primeiro consiste em promover o uso produtivo do bem que os pobres

possuem em maior abundância, ou seja, o trabalho, sendo que a produtividade do

trabalho aumenta com a educação. O segundo elemento é o dos serviços sociais básicos

aos pobres, especialmente importantes, que são a atenção básica da saúde, o

planejamento familiar, a nutrição e a educação primária. Conforme enfatiza o

documento, o investimento em educação é o melhor meio de aumentar os bens dos

pobres (BANCO MUNDIAL, 1990).

A menos que se realizem maiores investimentos no capital humano que representam os

pobres, o objetivo fundamental do desenvolvimento não será possível. As melhoras em

matéria de educação, saúde e nutrição servem para fazer frente diretamente nas

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conseqüências mais graves da pobreza. Inclusive a inversão em capital humano,

sobretudo na esfera da educação, propicia o combate também de algumas das causas

mais importantes que afetam a pobreza. Para este documento, é evidente que o capital

humano constitui um dos elementos chave para reduzir a pobreza. Se o investimento no

capital humano for pouco, aumenta-se a probabilidade de que os pobres e seus filhos

sigam sendo pobres. Para romper esse círculo vicioso intergeracional o documento

recomenda que os governos priorizem a tarefa de fazer com que os serviços cheguem

aos pobres (BANCO MUNDIAL, 1990).

Dentre outros benefícios da educação, ressalta-se que a eficácia da educação como arma

na luta contra a pobreza vai muito além do campo da produtividade do mercado de

trabalho. Um ano a mais de educação da mulher corresponde a diminuição de 9% da

taxa de mortalidade de crianças. Os filhos de mães que tem um maior nível de instrução

são mais saudáveis. Como explica o relatório, a pobreza e o crescimento populacional

se reforçam reciprocamente de várias maneiras. Os baixos salários (sobretudo no caso

das mulheres), a educação insuficiente e a alta taxa de mortalidade infantil, todos eles

vinculados a pobreza, contribuem para elevar a taxa de fecundidade e, por conseguinte,

a acelerar o crescimento da população. Uma das maneiras mais eficazes de reduzir a

fecundidade é incrementar o nível de educação das meninas e das mulheres (BANCO

MUNDIAL, 1990).

Esta retórica em favor da educação das mulheres e meninas foi reafirmada em outros

documentos do Banco Mundial, principalmente os publicados em 1995 e 2000. Em

“Prioridades e estratégias para a educação”, estudo setorial do Banco Mundial de 1995,

afirma-se que a rentabilidade da inversão na educação de mulheres é superior a dos

homens, quando se trata de mulheres que obtém emprego. Quando se refere à saúde e a

fecundidade os argumentos em favor da educação das meninas resultam ainda mais

contundentes, afirmando-se que a educação pode romper a reprodução da pobreza no

futuro.

No Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial referente a 2000/2001, intitulado “A

luta contra a pobreza” (BANCO MUNDIAL, 2000) afirma-se que as causas da pobreza

apresentam três dimensões. A primeira é a falta de renda e de recursos para atender as

necessidades básicas como alimentos, habitação, vestuário, e níveis aceitáveis de saúde

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e educação. A segunda é a falta de voz e de poder nas instituições estatais e na

sociedade e, a última, é a vulnerabilidade a choques adversos que está combinada com a

incapacidade de enfrentá-los. Neste sentido, um plano geral de ação é proposto por

intermédio de um esquema de ação baseado em promover oportunidades, facilitar a

autonomia e melhorar a segurança. No documento, considera-se que o desenvolvimento

econômico nacional é indispensável para o êxito na redução da pobreza.

A questão das mulheres é mencionada mais detidamente no esquema de ação desenhado

para promover a autonomia. A esse respeito é proposto o fortalecimento das instituições

sociais, que compreendem os sistemas de parentesco, organizações comunitárias e redes

informais, que afetam consideravelmente a pobreza. Nas instituições sociais, a

discriminação com base no sexo, etnia, raça, religião ou posição social pode conduzir a

exclusão social e prender as pessoas nas armadilhas da pobreza em longo prazo. Essas

formas de discriminação constituem-se em barreiras que precisam ser removidas

(BANCO MUNDIAL, 2000).

Quanto a relação entre discriminação sexual e pobreza, no referido Relatório de

2000/2001, expõe-se entre outros elementos, que a desigualdade entre os sexos tem

acentuadas repercussões no que se refere ao capital humano da próxima geração, dado

que o encargo de gerar e criar os filhos recai em grande parte sobre a mulher. A mulher,

sem instrução e sem poder de decisão no lar, enfrenta graves limitações na criação de

filhos sadios e produtivos. Ademais, tende a ter mais filhos do que desejaria, acentuando

as pressões sobre ela mesma e sobre sua família. Portanto, as mulheres mais instruídas

apresentam maior capacidade de se comunicar com seus maridos em decisões sobre o

tamanho da família, fazem uso mais efetivo de anticoncepcionais e têm aspirações mais

altas para os filhos (BANCO MUNDIAL, 2000).

A vinculação entre educação das mulheres e redução da pobreza também é a tônica dos

documentos da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL),

principalmente nos documentos elaborados a partir do ano de 2000. Como agência de

desenvolvimento regional, a CEPAL vem produzindo, desde os anos 1990, um aparato

teórico e técnico que sustenta politicamente programas de ajuste estrutural, orientando e

operacionalizando o novo modelo de desenvolvimento econômico e social para a região

latino-americana e caribenha. O objeto central do desenvolvimento econômico e social,

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bem como as grandes questões sociais como educação, saúde e trabalho, foram

incorporadas nas análises da Comissão, pois estes são elementos importantes para nova

tese da agência que contempla a transformação produtiva nos marcos da eqüidade

social.

A educação, neste contexto de elaboração de recomendações para os países da região,

vem sendo advogada como o elemento principal na produção de uma nova conjuntura

econômica e social regional, como pode-se observar no documento “Transformação

produtiva com eqüidade: a tarefa prioritária do desenvolvimento da América Latina e o

Caribe nos anos noventa”, publicado em 1990. Neste documento, após diagnosticar o

crescimento massivo da pobreza na região afirma ser o cerne da transformação

produtiva com eqüidade a incorporação do progresso técnico, que pressupõe a

existência de recursos humanos capazes de se adaptar às mudanças do setor produtivo.

A educação e a requalificação contínua da força de trabalho constituem-se condição

necessária para que a economia avance para o crescimento sustentável e a eqüidade.

Explicita-se que o Estado precisa, sobretudo, minimizar o custo social do ajuste,

preconizando um lugar destacado aos programas sociais. Custos sociais, que nos

estudos realizados por esta agência, são mais severos para as mulheres (CEPAL, 1990).

No projeto da CEPAL de uma transformação produtiva com eqüidade tornou-se

essencial investir-se em recursos humanos, sendo a educação o eixo principal, tanto para

promover condições para o progresso técnico quanto via para redução da pobreza.

Conforme Oliveira (2001) embora a CEPAL não seja uma agência fundamentalmente

preocupada com a política educacional, passou a despontar como uma das principais

fontes das idéias direcionadoras das políticas educacionais na região.

Em 1992, a agência formulou os pressupostos educacionais nos quais os países da

região deveriam embasar-se para implementar suas políticas educacionais, expresso no

documento “Educação e conhecimento: eixo da transformação produtiva com

eqüidade”. Estes pressupostos fundam-se na articulação entre educação, conhecimento e

desenvolvimento, tríade central nas estratégias de incorporação do progresso

tecnológico, que possam transformar as estruturas produtivas dentro de uma progressiva

eqüidade social. Em relação à eqüidade, consta que o Estado deve promover a

passagem de uma educação que reforça as desigualdades para aquela que contribua para

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elevar a igualdade social, se destinar seus melhores recursos para os lugares onde são

maiores as necessidades (CEPAL, 1992).

Em “Eqüidade, desenvolvimento e cidadania” (2000), outro documento publicado pela

CEPAL, foram reforçados os pressupostos em relação à educação, apontados nos

documentos anteriores, acentuando a questão da pobreza na região e estabelecendo uma

agenda de desenvolvimento para o século XXI direcionada, principalmente, para a

redução da pobreza. A educação é apontada como uma das chaves-mestra para gerar o

progresso simultâneo em igualdade, desenvolvimento e cidadania, sendo vital para

bloquear a reprodução da pobreza via perpetuação de uma geração a outra. Adota o

princípio da focalização e seletividade orientando a destinação dos maiores recursos

estatais onde há maior carência, ou seja, que as políticas sociais sejam dirigidas a grupos

específicos da população que são mais afetados pela pobreza (CEPAL, 2000).

No “Panorama Social da América Latina” de 2002/2003 (CEPAL, 2002) concluiu-se

que a pobreza afeta com maior severidade as mulheres. Como sem a importante

contribuição feminina não é possível superar a pobreza da região, defendeu a autonomia

econômica das mulheres para favorecer o seu “empoderamento”. Entre os efeitos

proporcionados pela educação da mulher estariam o incremento de sua capacidade de

decisão e ação e a melhoria da saúde infantil. Assim, para a CEPAL, investir nas

mulheres é imprescindível para que os objetivos de desenvolvimento do milênio sejam

alcançados na região (CEPAL, 2002).

A prioridade urgente de melhorar a qualidade da educação e garantir o acesso à

educação para meninas e mulheres, no bojo de novas orientações para a atuação do

Estado nas políticas sociais, conforme os documentos da CEPAL, coincidem com as

recomendações políticas advindas de órgãos de fomento financeiro como o Banco

Mundial.

Observa-se que a educação das mulheres e meninas floresceu como mecanismo

considerado mais eficaz para promover o crescimento econômico dos países em

desenvolvimento e para a redução da pobreza. As agências internacionais passaram a

apregoar que a educação não só contribui para inserir as parcelas pobres no mercado de

trabalho, mas também, é dispositivo essencial para aumentar o capital humano e

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propiciar o controle demográfico, via diminuição das taxas de fecundidade na população

feminina.

Na perspectiva das agências internacionais, nos ditos países em desenvolvimento, o

caráter feminino da pobreza se expressa pela falta de oportunidades econômicas e

autonomia, a falta de acesso aos recursos econômicos, incluindo o crédito, propriedade

da terra, falta de acesso à educação, entre outros. Já no caso dos países desenvolvidos a

feminização da pobreza está vinculada a outros fatores, pois os níveis de educação geral

e formação profissional das mulheres e homens são semelhantes, inclusive dispondo

esses países de sistemas de proteção contra a discriminação. Neste aspecto, a causa do

aumento proporcional de mulheres vivendo na pobreza se relaciona às transformações

econômicas, em alguns setores, que tem provocado o aumento do desemprego feminino

e a precarização de seu emprego.

Apesar de que a referência sobre a educação formal das mulheres encontrar-se no

contexto do movimento internacional de Educação para Todos, ela apresenta uma outra

característica específica, a de estar relacionada diretamente com a redução da pobreza

pela via da diminuição da mortalidade infantil e diminuição da fecundidade. Estes dois

objetivos interligados à educação das mulheres traduzem as justificativas essenciais para

que governos assumam os compromissos firmados internacionalmente para promover

políticas sociais e educacionais que incluam as mulheres, como um grupo mais

vulnerável a pobreza.

Considera-se que a educação das mulheres, conforme os documentos da UNESCO,

CEPAL e Banco Mundial, e sua conseqüente assimilação pelo Governo brasileiro via

Plano Nacional de Políticas para as Mulheres não formam parte de um movimento

isolado, predominantemente associado a questões de direitos humanos, mas estiveram e

estão inseridas em um conjunto de acontecimentos inerentes a nova ordem do capital

mundial.

A série de eventos realizados nas diferentes áreas da Organização das Nações Unidas, a

elaboração de instrumentos internacionais de educação pela UNESCO, e as análises e

recomendações contidas nos documentos do Banco Mundial e CEPAL para a área

educacional, expressam a preocupação internacional com o crescimento generalizado da

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pobreza mundial.

A contextualização histórica

O objeto em estudo apresenta estreitas vinculações com o lugar histórico, com as

circunstâncias temporais e com as contingências específicas da vida material na qual se

constitui e é produzido. O final do século XX caracterizou-se por transformações no

modo de produção social, as quais decorreram da resposta do capitalismo mundial às

crises de rentabilidade e valorização do capital. A superação da crise mundial, cujos

sinais que evidenciaram a partir da década de 1970, ocorreu com uma nova

configuração e uma nova dinâmica da produção e da acumulação do capital.

Explicita Chesnais (1997, p.20) que se trata de um regime de acumulação mundial com

dominância das finanças ou regime de acumulação financeirizada. Para este autor a

mundialização do capital não significa que esse regime financeirizado “[...] englobaria o

conjunto da economia mundial numa totalidade sistêmica” (CHESNAIS, 2003, p.52). A

mundialização concernente ao capital produtivo, comercial e financeiro, implicou em

uma interdependência de vários países e regiões acompanhada de uma polarização

maior entre países pobres e ricos, o que revela a essência fortemente seletiva da

mundialização do capital.

A reestruturação do sistema capitalista tem produzido e aumentado o contingente

humano que vive na pobreza. A regulação social baseada no regime de acumulação

flexível implica em níveis relativamente altos de desemprego estrutural, modestos

ganhos de salários reais, e retrocesso do poder sindical (HARVEY, 2003). Neste novo

padrão de acumulação, conforme Antunes (1999), a classe trabalhadora heterogeneizou-

se, tornando-se, de um lado, mais qualificada em vários setores, havendo uma relativa

intelectualização do trabalho e, por outro, desqualificou-se e precarizou-se em diversos

ramos, principalmente no ramo industrial. Neste último aspecto, a maioria das mulheres

passaram a ocupar a esfera do trabalho desqualificado, por serem consideradas mais

adaptáveis às dimensões polivalentes do trabalho na produção flexível.

As mudanças na estrutura produtiva e no mercado de trabalho possibilitaram a

incorporação e o aumento da exploração da força de trabalho feminina (ANTUNES,

15

1999). As mulheres passaram a ser absorvidas pelo capital, preferencialmente no

universo do trabalho part time, precarizado e desregulamentado. Entretanto, esta

expansão do trabalho feminino continua tendo a desigualdade salarial como elemento

marcante. Há referências a uma divisão sexual do trabalho, operada pelo capital dentro

do espaço fabril, onde as atividades de concepção ou aquelas baseadas em capital

intensivo são preenchidas pelo trabalho masculino, enquanto aquelas dotadas de menor

qualificação, mais elementares e freqüentemente fundadas em trabalho intensivo, são

destinadas às mulheres trabalhadoras. O capital, portanto, tem demonstrado capacidade

em apropriar-se intensamente da “polivalência e multiatividade” do trabalho feminino

(ANTUNES, 2002).

As formas em que se efetiva a exploração da força de trabalho, o desemprego e a

informalidade, características desta fase de desenvolvimento capitalista, produzem

efeitos mais significativos nas mulheres, uma vez que elas não participam apenas na

complementação da renda familiar, mas na maioria dos casos, são as principais

provedoras desta renda. Deste modo, o contexto do “regime de acumulação flexível”

determinou não só o aumento da inserção da força de trabalho feminina no mercado de

trabalho, mas também ampliou as formas de exploração da força de trabalho, em

específico a força de trabalho feminina.

A implantação de cadeias produtivas em várias regiões do mundo onde abundam a força

de trabalho com menor valor salarial, associado às condições facilitadoras que os países

oferecem ao capital produtivo, ampliou a oferta de postos de trabalho para a força de

trabalho feminina. Postos de trabalho, como já referido acima, na maioria das vezes

precários, com condições insalubres e com baixos salários. Inclui-se ainda o caráter

instável destes postos de trabalho, devido à dependência do capital produtivo as

oscilações do capital financeiro, gerando o desemprego e o fechamento de indústrias.

Neste aspecto, as mulheres são as mais atingidas pelas oscilações do mercado, pois são

as primeiras a serem demitidas.

O processo de mundialização financeirizada do capital, só foi possível com medidas

políticas internacionais implicando na liberalização e na desregulamentação dos

mercados nacionais. O aporte hegemônico das interpretações atuais do liberalismo

econômico, instituiu um novo direcionamento político e econômico caracterizado na

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doutrina neoliberal. A doutrina neoliberal configurou as políticas econômicas e sociais

de vários países pelo mundo todo, porém, adquiriu características diferenciadas segundo

o contexto nacional que encontrou. No Brasil e em toda a América Latina as

configurações neoliberais produziram efeitos diferenciados, no entanto, em todos os

casos os princípios essenciais do neoliberalismo se manifestaram igualmente, ou seja,

na produção desenfreada da pobreza latino-americana.

Como assinala Moraes (2001) o neoliberalismo defende a privatização de empresas

estatais e serviços públicos, acentuando a criação de novas regulamentações e novos

dispositivos legais, a fim de diminuir a interferência dos poderes públicos sobre os

empreendimentos privados. O grande argumento do neoliberalismo é que o Estado de

Bem-estar, ao buscar proteger o cidadão, via políticas e assistência social, acabou

produzindo a ineficiência e o clientelismo. A doutrina neoliberal apontou a interferência

do Estado na economia como responsável pelas sucessivas crises do capital (MORAES,

2001).

Para Ugá (2004), as propostas neoliberais, nos países avançados, consistiram na redução

do papel do Estado, no enfraquecimento dos sindicatos e na flexibilização do mercado

de trabalho. Se nos países centrais o neoliberalismo atingiu as políticas do Estado de

Bem-estar social, nos países da América Latina atingiu o modelo de desenvolvimento

econômico fundado no “desenvolvimentismo”. Este fundado na intervenção do Estado

como principal articulador do desenvolvimento econômico, que caracterizou a

economia de países como o Brasil por um longo tempo histórico.

Na América Latina, incluindo o Brasil, os mecanismos de ajuste estrutural estiveram

atrelados aos “programas de ajuste”, a fim de promover condições de renegociação da

dívida externa. Essa série de mecanismos políticos e econômicos se articulam e se

engendram mutuamente, trazendo em seu bojo o acirramento dos problemas sociais,

entre eles o aumento da pobreza mundial, pois milhares de pessoas convivem com

desemprego e o emprego informal, associado a conformação das políticas sociais de

acordo com as orientações neoliberais. As mulheres, neste contexto, arcaram com o

custo social travestido na situação de pobreza extrema.

Segundo Toussaint (2002) as mulheres representam setenta por cento dos um bilhão e

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duzentos milhões de pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza absoluta, ou seja,

pessoas que sobrevivem com menos de um dólar ao dia. Para este autor o principal fator

de exclusão e de pauperização continua a ser o desemprego, no entanto, uma grande

porcentagem dos que tem empregos também vive na pobreza, pois os salários são

insuficientes para arcar com as despesas essenciais à sobrevivência.

Tanto o problema do desemprego quanto a pauperização do trabalho destacam-se como

fatores que acentuam a pobreza para as mulheres.

[...] a tendência do sistema capitalista de reorganizar em seu benefício a economia em escala mundial tem repercussões diretas nas relações entre os sexos. A análise dos métodos empregados mostra, de um lado, que o sistema capitalista se nutre de um sistema de opressão preexistente, o patriarcado, e, de outro lado, que ele revela seus traços. De fato, a opressão das mulheres é, para os capitalistas, um instrumento que permite gerir o conjunto da força de trabalho e mesmo justificar sua política deslocando a responsabilidade do bem-estar social do Estado e das instituições coletivas para a ‘intimidade’ da família (TOUSSAINT, 2002, p.53).

Este contexto de empobrecimento mundial que atinge com mais intensidade as mulheres

vem sendo denominado como um quadro de “feminização da pobreza”. Esta

constatação vem se consolidando como ponto nodal para o direcionamento das políticas

sociais. A vinculação da educação como estratégia universal para o combate a pobreza,

e sua conseqüente focalização em grupos mais atingidos por esta, ou seja, as mulheres,

vem também acompanhada por assertivas de que a educação da mulheres é importante

para deter a reprodução social da pobreza.

De acordo com o discurso das agências internacionais, diante deste contexto global,

caracterizado pela pobreza feminina, a inclusão da perspectiva de gênero, na análise,

elaboração e implementação das políticas sociais, que inclui a educação, tornou-se

fundamental para atingir o objetivo mundial de combate à pobreza, que no âmbito das

agências internacionais, tornou-se central neste novo século.

A UNESCO, como agência da Organização das Nações Unidas, aderiu a campanha de

combate à pobreza nos últimos anos. No mais recente planejamento bienal de atividades

da UNESCO, o “Programa e Orçamento” para 2004-2005, esta agência expôs que a

educação trata-se de um fator crítico para superar a pobreza e assegurar o

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desenvolvimento sustentável. Assim, concede prioridade às políticas práticas que

promovam o rendimento escolar geral, a eqüidade mediante gastos em favor dos pobres,

melhor acesso aos grupos excluídos, principalmente crianças, entre elas, meninas e as

crianças com necessidades especiais (UNESCO, 2003).

A questão da feminização da pobreza e o aumento acentuado no discurso em prol da

educação das meninas e mulheres mostram como os grandes problemas sociais

passaram a ser diagnosticados e analisados de forma focalizada. Conforme o

direcionamento focalizado das políticas sociais de cunho neoliberal, tende-se a

compartimentalizar ainda mais os grandes problemas sociais, selecionando dentre a

população grupos específicos a serem beneficiados pelas políticas públicas

compensatórias e assistencialistas. Nesse caso, as mulheres pobres, com baixa ou

nenhuma escolarização, passam a ser o foco principal na grande estratégia mundial de

redução da pobreza.

O conteúdo dos documentos analisados no presente trabalho oferecem elementos

analíticos para evidenciar-se que a preocupação atual com a educação das meninas e

mulheres não vem separada das contingências neoliberais que caracterizam o estágio

atual do capitalismo mundial. O consenso em torno das proposições sobre a educação

das mulheres, que se baseia em argumentos estritamente econômicos, ligados

especialmente em conter o crescimento demográfico, melhorar a saúde e a nutrição da

população, a fim de reduzir a pobreza, que são comuns aos documentos das agências

internacionais analisadas neste trabalho, são estabelecidos a partir de uma perspectiva

teórica lógica e linear, que obscurece as relações mais gerais que implicam na produção

da pobreza.

A apreensão imediata desses fenômenos, sem a análise das mediações que eles

incorporam em sua manifestação, levam a imputar a educação à única estratégia

possível para melhorar as condições econômicas e sociais da população, e

principalmente ser o elemento que vai equalizar as distorções existentes entre mulheres

e homens no contexto social.

As políticas públicas para as mulheres, tal qual está sendo orientada no Brasil, precisa

ser analisada mais detidamente, pois conforme assinala Bandeira (2005), existe

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diferença entre esta política e as políticas públicas de gênero. Segundo Bandeira (2005,

p.8), “[...] as políticas públicas no Brasil, no geral, quando são feitas e dirigidas às

mulheres não contemplam necessariamente a perspectiva de gênero”. Para esta autora,

as políticas públicas de gênero, precisam considerar a diversidade dos processos de

socialização para homens e mulheres, pois suas conseqüências se fazem presentes ao

longo da vida, nas relações individuais e coletivas (BANDEIRA, 2005).

Conforme Bandeira (2005) as políticas públicas para as mulheres centram-se no aspecto

feminino enquanto parte da reprodução social. Para a autora (2005, p.8), “[...] a

centralidade posta na mulher-família reafirma a visão essencialista de que a reprodução

e a sexualidade causam a diferença de gênero de modo simples e inevitável”. Portanto,

as políticas públicas para as mulheres configuram-se em uma política pública que “[...]

enfatiza a responsabilidade feminina pela reprodução social, pela educação dos filhos,

pela demanda por creches, por saúde e outras necessidades que garantam a manutenção

e permanência da família e não necessariamente seu empoderamento e autonomia”

(BANDEIRA, 2005, p.8).

Porém, na diferenciação acima descrita, a mesma autora adverte que as políticas para as

mulheres não excluem as políticas de gênero, mas apresentam uma perspectiva restrita,

pontual e menos abrangente. Atendem, nesse aspecto, a demandas das mulheres, mas

não instauram “[...] uma possibilidade de ruptura com as visões tradicionais do

feminino” (BANDEIRA, 2005, p.9).

Este esclarecimento feito por Bandeira (2005) nos ajuda a compreender o tipo de

política que está sendo recomendada pelas agências internacionais, especialmente o

Banco Mundial. Pois a definição de políticas públicas para as mulheres feita pela autora

traduz o que é enfatizado para a educação de mulheres nos vários documentos

produzidos no âmbito daquela agência.

Considerações finais

A conclusão a que se chega, após a análise feita acima é que a ênfase em políticas

focalizadas na educação das mulheres como uma das formas de combater a pobreza

expressa um posicionamento de classe que está relacionada “à incapacidade de tratar as

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causas como causas”, conforme explicita Mészáros (2002, p.175)

[...] o aspecto mais problemático do sistema do capital, apesar de sua força incomensurável como forma de controle sociometabólico, é a total incapacidade de tratar as causas como causas, não importando a gravidade de suas implicações a longo prazo. Esta não é uma dimensão passageira (historicamente superável), mas uma irremediável dimensão estrutural do sistema do capital voltado para a expansão que, em suas necessárias ações remediadoras, deve procurar soluções para todos os problemas e contradições gerados, em sua estrutura por meio de ajustes feitos estritamente nos efeitos e nas conseqüências.

Destarte, em consonância com o mesmo autor, as políticas públicas sociais de cunho

neoliberal, ao implicarem necessárias ações remediadoras, encaminham soluções para

todos os problemas e contradições gerados estruturalmente pelo capitalismo por

intermédio de ajustes feitos estritamente nos efeitos e nas conseqüências.

Diante do exposto acima, compreende-se que a Política Nacional para as Mulheres no

Brasil, por ora representada no Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, representa

um avanço político conquistado pelo movimento de mulheres, pois suas reivindicações,

paulatinamente vão sendo assimiladas pelo aparato político estatal, o que abre e amplia

espaços de luta. Por outro lado, também expressa um posicionamento político do

governo brasileiro ao buscar cumprir, nas condições existentes, a agenda construída

internacionalmente no período pós 1990 para a educação de mulheres. Assim, longe de

ser apenas uma articulação interna, resulta de condicionantes políticos e econômicos

engendrados e articulados em um contexto mais geral e expressa o estabelecimento de

uma relação reducionista entre educação e desenvolvimento.

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