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CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILOCURSO DE BIOÉTICA
RAUL MARINO JR.
AVALIAÇÃO DE MÉTODOS CONFIRMATÓRIOS E COMPLEMENTARES NO DIAGNÓSTICO DA MORTE ENCEFÁLICA.
Aspectos clínicos, éticos e bioéticos.
Dissertação de Mestrado apresentada ao Centro Universitário São Camilo para a obtenção do título de Mestre em BIOÉTICA.
Orientador: Prof.Dr. Cláudio Cohen Co-orientador: Pe. Leo Pessini
São Paulo
2007
1
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AGRADECIMENTOS
O presente estudo foi realizado no Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade
de Medicina da USP, na Divisão de Clínica Neurocirúrgica da FMUSP nas dependências do
Pronto Socorro daquele nosocômio.
Agradecemos, primeiramente, ao Prof.Dr. Almir Ferreira de Andrade, professor livre-
docente e supervisor na Unidade de Emergências Neurocirúrgicas, sem cuja dedicação
diária e colaboração não teria sido possível o seguimento de todos os casos. Agradecemos,
outrossim, a todos os membros da UTI da Disciplina de Trauma daquele Pronto Socorro,
em especial ao Prof.Dr. Dario Birolini e Dr. Edson Rocha que nos auxiliaram neste estudo
dos pacientes em Morte Encefálica.
Agradecemos a todos os componentes da OPO e da Comissão de Transplantes e Tecidos
do Instituto Central do HC-FMUSP, enfermeiros, psicólogos, intensivistas e capelães que
cuidaram da parte humana do projeto e das relações com os familiares.
Agradecemos ao Centro Universitário São Camilo e a todos os professores daquela modelar
instituição, em especial ao seu coordenador do Curso de Bioética, Prof.Dr. William Saad
Hossne, por nos fornecerem as bases bioéticas para a interpretação humanística de nossos
dados clínicos.
Ao nosso cordial orientador Prof.Dr. Cláudio Cohen, expoente da bioética clínica em nosso
país, agradeço pela boa vontade em aceitar esta difícil incumbência.
Ao nosso co-orientador e inspirador Padre Leo Pessini, agradeço pelo ardor, pelo exemplo
de seu trabalho, e pela amizade.
À Dra. Vera Zaher, agradeço pelos constantes conselhos, durante e após o Curso de
Mestrado.
À minha estimada secretária Srta. Marcia Dantas, após tantos anos de fiel dedicação e trabalho em
nossa companhia, agradeço pela paciente assistência e apoio logístico.
2
EPÍGRAFE
O caráter sagrado da vida humana
“Deus criou somente um homem, para ensinar à humanidade que quem
destrói um único indivíduo é considerado por Ele como se tivesse destruído o
mundo inteiro”.
O TALMUDE
(Mishná, San´hedrin 4,5)
“A vida de cada indivíduo é um bem sagrado sobre o qual nenhum grupo ou
indivíduo pode exercer autoridade ilimitada.”
(Fragmento das Doze Tábuas, da Lei Talmúdica)
“[...] Não podemos aniquilar uma vida para salvar outra”
(Ohalof 7,6)
APRESENTAÇÃO
3
A monografia que ora apresentamos como dissertação de mestrado, constitui parte
de trabalhos que vimos realizando junto à Divisão de Clínica Neurocirúrgica, a qual
tivemos, o privilégio de fundar no ano 2000 após concurso para o provimento do
cargo de Professor Titular de Neurocirurgia da Faculdade de Medicina da USP, do
qual fomos seu primeiro ocupante durante 15 anos. As pesquisas que iniciamos
desde o começo de nosso mandato ainda se encontram em andamento através da
equipe multidisciplinar que treinamos para tal finalidade, atualmente nas
dependências do Pronto-Socorro de Neurocirurgia do Hospital das Clínicas da
FMUSP no Instituto Central desse nosocômio, onde pudemos criar um centro de
excelência e referência nacional nesse tipo de diagnóstico, normatizando, nesse
serviço os cuidados, exames e o atendimento de pacientes terminais com morte
encefálica, objetivos esses que foram atingidos.
A presente análise dos aspectos clínicos, éticos e bioéticos representa, portanto,
apenas um pequeno fragmento desse projeto apresentado à CAPPESQ do ICHC,
fruto da experiência que temos adquirido no diagnóstico e na constante melhoria dos
cuidados médicos e humanísticos que temos procurado dispensar aos pacientes
terminais com sofrimento cerebral e na preservação da sua dignidade e conforto de
suas famílias.
Nossa recente formação em Bioética, inicialmente em um ano de Curso de
Especialização organizado pelo Professor Doutor Marcos Segre no Departamento
de Medicina Legal da FMUSP e depois complementado pelo programa em Bioética
ministrado no Centro Universitário São Camilo, que ora completamos, nos
permitiram implementar esse estudo em bases mais humanísticas e elaborar
conclusões importantes do ponto de vista ético e bioético que ora trazemos à baila.
Trata-se de assunto que nos tem fascinado durante muitos anos, e que, finalmente,
pretendemos desenvolver à medida que novos dados forem obtidos em nossa
Unidade de Morte Encefálica (ME) do ICHC.
Para a realização do presente estudo, foi-nos importante também nossa vivência
como “Research Fellow” em Neurocirurgia da HARVARD UNIVERSITY, no
Massachusetts General Hospital, em Boston, EUA, onde tivemos o privilégio, à
4
época, de conviver com o Grupo de Harvard que elaborou os novos conceitos de
coma irreversível e morte cerebral em 1968: Henry Beecher, anestesista e
coordenador do projeto; William Sweet, chefe do Serviço de Neurocirurgia; Raymond
Adams e Miller-Fisher, neurologistas; E.P. Richardson, neuropatologista, e Robert
Schwab, chefe do Laboratório de eletrencefalografia, homens que formaram o
Harvard Medical School Ad Hoc Committee, o qual examinou e promulgou as
primeiras definições de morte encefálica, em 1968 (JAMA 205:337-340, 1968).
Até aquela data, que estabeleceu definitivamente os critérios
neurológicos de morte, ninguém, no contexto médico e clínico, havia
examinado com seriedade o conceito médico-filosófico ou bioético de
morte, e mesmo nos dias de hoje poucos centros médicos têm se
dedicado a esse estudo em fisiologia e Neurofisiologia para
compreendê-la. Desde o estabelecimento dos critérios de Harvard, a
profissão médica e a maioria dos bioeticistas vêm aceitando de forma
gradual a morte do tronco encefálico como conceito clínico de morte
do organismo como um todo, sendo essas estruturas hoje descritas
como o ponto nodal fisiológico da morte real ou encefálica, como
veremos neste estudo. Assim, como exporemos no presente trabalho,
tem se tornado lugar comum na literatura sobre morte encefálica
considerar o conceito de morte como uma questão filosófica e os
critérios para o diagnóstico como uma tarefa para a perícia médica, no
intuito de separar e diferenciar as definições de morte mais comuns
com o problema de quando a morte clínica realmente ocorre.
A presente dissertação baseia-se, em parte, nas conclusões e resultados obtidos a
partir de projeto submetido à COMISSÃO DE ÉTICA PARA A ANÁLISE DE
PROJETOS DE PESQUISA (CAPPesq) da Diretoria Clínica do Hospital das Clínicas
5
da Faculdade de Medicina da USP, a qual aprovou nosso Protocolo de Pesquisa no.
780/00, em 26 de outubro de 2000, intitulado:
“ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE MÉTODOS CONFIRMATÓRIOS E
COMPLEMENTARES NO DIAGNÓSTICO DE MORTE ENCEFÁLICA: Normatização
do atendimento e do estudo dos métodos através de proteção cerebral e cardíaca
nos cuidados intensivos aos potenciais doadores de órgãos”.(V. Doc. Anexo ao fim
do trabalho) apresentado à referida comissão pelo pesquisador Prof.Dr. Raul Marino
Jr. então Professor Titular de Neurocirurgia da Divisão de Clínica Neurocirúrgica do
Departamento de Neurologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da
USP, trabalho esse que ainda se encontra em andamento no Pronto Socorro de
Neurocirurgia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP em dois
leitos especialmente criados para esse fim, na UTI do Serviço de Cirurgia do Trauma
do 4o. andar do ICHC-FMUSP, com a colaboração do Prof.Dr. Dario Birolini,
Professor Titular daquele Departamento e sua equipe de intensivistas, batizada
como “UNIDADE DE PROTEÇÃO SISTÊMICA E DIAGNÓSTICO DE MORTE
ENCEFÁLICA”, que criamos como serviço anexo ao HC e para servir aos trabalhos
da Organização de Procura de Órgãos (OPO) e na humanização do tratamento dos
potenciais doadores e atenção a suas famílias.
6
SUMÁRIO
Pág.1. INTRODUÇÃO 1
2. OBJETIVOS 4
3. CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS NEUROLÓGICOS DE MORTE ENCEFÁLICA
5
3.1. Procedimentos Utilizados para O Diagnóstico de Morte Encefálica
5
3.2. Para ser Declarado em Morte encefálica o paciente deverá preencher os seguintes Critérios Neurológicos
8
3.2.1. Exames Confirmatórios 10
3.3. O Teste de Apnéia 14
4. A UNIDADE DE MORTE ENCEFÁLICA 17
4.1. Histórico 19
4.2. Estado Atual 21
5. TRAJETÓRIA METODOLÓGICA 22
5.1. Primeira Fase do Projeto (Material e Método) 22
5.1.1. Local de Pesquisa 22
5.1.2. População estudada 23
5.1.3. Critérios Clínicos de Morte Encefálica 23
5.1.4. Métodos confirmatórios (Diagnósticos Gráficos) 24
7
5.1.5. Aspectos Éticos e Aprovação do Projeto 25
5.2. Segunda Fase do Projeto 25
6. ANÁLISE CRÍTICA DO CONCEITO DE MORTE ENCEFÁLICA 26
6.1. Morte Encefálica como Novo Conceito 26
6.2. Aspectos Bioéticos da Morte Encefálica – Bioética, definições
31
6.3. Dilemas Éticos 35
7. RESULTADOS E ANÁLISE DE DADOS 39
8. DISCUSSÃO 41
9. CONCLUSÕES 47
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 51
APÊNDICE (Anexos 1 a 6)
EPITOME
54
60 RESUMO
A presente dissertação foi produto da experiência e vivência médica de 1674 casos
de pacientes externos e internos notificados à OPO do Hospital das Clínicas da
FMUSP e enviados à nossa UTI especializada em morte encefálica e proteção
sistêmica. Segundo a criteriologia utilizada, apenas 348 casos se tornaram doadores
de órgãos.
Os resultados da determinação clinica da Morte Encefálica através dos exames
neurológicos e pelos testes confirmatórios foram seguros e precisos, desde que
seguidos os critérios da resolução 1480/97 do CFM.
Nossos objetivos foram sobretudo a comparação e melhores indicações dos vários
métodos complementares de diagnóstico da Morte Encefálica de acordo com cada
8
situação clínica, que menos retardam a confirmar o diagnóstico de morte; a criação
de um centro de excelência e de referência nacional;estudar com especial atenção
os valores científicos, éticos, bioéticos, culturais, sociais e religiosos que envolvem
o fim da vida humana; humanizar os cuidados aos potenciais doadores de órgãos e
tecidos e às suas famílias, e normatizar os cuidados, exames e o atendimento de
pacientes terminais portadores de Morte Encefálica.
Palavras chave: Morte cerebral Morte encefálica Ética
Bioética
ABSTRACT
The present paper was originated from our experience and medical nearness with
1674 cases, of internal and referred patients notified to our organ procurement unit at
the Hospital das Clinicas, of São Paulo, sent to our specialized intensive – care unit
for encephalic death. According to our criteria, only 348 cases were sent to organ
donation.
The results of the diagnosis of encephalic death were determined by the neurological
examination and confirmatory tests, which were considered as reliable and precise,
due to the following of the criteria established by resolution 1480/97 by the Federal
Council of Medicine, in Brasil.
Our objectives were the comparison and the better indications of the various
methods of diagnosing encephalic death, according to each clinical situation, those
methods that will allow a lesser retardation of its diagnosis; the creation of a center of
excellence and national reference; the study, with special attention of the scientific,
ethical, bioethical, cultural, social and religious values that involve the end of human
life; to humanize medical care to the potential organ donors and their families, and
the normatization of caring, exams and attendance of terminal patients with
encephalic death.
9
Key words: Brain death ethics Bioethics
INTRODUÇÃO
Em Medicina, a morte passou a ter um significado diferente, desde que o sueco
BJORN IBSEN inventou o ventilador mecânico, que veio possibilitar a manutenção
de pacientes com lesões catastróficas do encéfalo com parada respiratória, e que
passaram a ser rotineiramente atendidas em hospitais de todo o mundo. Esse fato
motivou o surgimento das UTIs na década dos anos setenta, levando ao
desenvolvimento de novos critérios para o diagnóstico da morte do encéfalo e novas
definições para a morte: a perda da função encefálica.
10
Para uma definição precisa de morte encefálica, no estado atual de nossos
conhecimentos tecnológicos, a partir desses estudos, aceitamos hoje a existência de
um único sistema crítico-vital que é o TRONCO ENCEFÁLICO, cuja destruição é a
condição imperativa, necessária e suficiente para se considerar um individuo como
morto.
A determinação precisa e confiável dos critérios neurológicos de morte encefálica
não é importante apenas como fórmula que visa a permitir a colheita ou o
transplante de órgãos, mas, sobretudo, para saber quando deixar de manter artificialmente as funções vitais de um paciente com morte do encéfalo, só
porque os meios técnicos existem e porque os familiares assim o desejam. Este fato,
segundo JULIUS KOREIN (1978) seria uma “atrocidade moral e econômica”, que
vem se expandindo através da perversão da ciência médica, caracterizando uma
distanásia.
Assim, desligar o ventilador após a determinação da morte encefálica não deve ter
significado maior do que “estender um lençol sobre um corpo, uma vez que todas as
condições para declarar a morte se cumpriram” (PALLIS, 1983). Sabemos hoje que,
com a perda das funções do tronco encefálico, mesmo com ventilador, não existe
possibilidade de “o organismo como um todo” sobreviver, não obstante o auxílio das
técnicas mecânicas, pois, nestes casos, restam apenas as funções dos músculos
intercostais e do diafragma, que são substituídas por máquinas, já que sem os
impulsos neuronais do tronco encefálico não podem funcionar espontaneamente nos
apnêicos. Ainda não conhecemos qualquer método pelo qual determinadas funções
do tronco encefálico possam vir a ser substituídas, seja manualmente ou através de
uma máquina. Nesses casos, mesmo com os pulmões ventilados artificialmente, as
pupilas estão fixas, não há movimentos oculares, do rosto, da garganta ou dos
membros. Os únicos movimentos observados são os do tórax, mas que são
produzidos artificialmente pelo ventilador.
Muitos trabalhos têm demonstrado, como veremos adiante, que, com a perda das
funções do tronco encefálico, mesmo com ventilador, não existe possibilidade do
organismo “como um todo” sobreviver, não obstante o auxílio de técnicas
11
mecânicas, já que o cérebro como centro integrador do organismo, deixou de
funcionar (KOREIN, 1978). Desta afirmação surgiu a analogia com os indivíduos
decapitados, portanto sem tronco encefálico funcionante. Neste caso, nenhum
filósofo ou cientista, teria dúvidas que o corpo não estaria vivo, apesar de que sua
circulação sanguínea, ventilação e a temperatura pudessem ser prolongadas por
meios artificiais. Qual melhor demonstração de que a vida, de fato, reside no
encéfalo? Assim, se a morte do encéfalo é sinônimo de decapitação fisiológica do
indivíduo, a morte de seu encéfalo deve, forçosamente, ser o equivalente funcional
da morte sistêmica da pessoa. Quem jamais colocaria em dúvida que o corpo de um
decapitado está morto?
A mídia em geral, e muitos de seus mal-informados usuários têm interpretado essas
novas aquisições da Neurofisiologia e dos modernos métodos diagnósticos – como
exporemos neste trabalho – como mais um recurso dos hospitais em manter esses
pacientes com o propósito de transplantar órgãos, obtendo-os antes do paciente
estar “realmente” morto, o que, não é bom exemplo de bom senso. Apesar dos
benefícios da transplantação para a sociedade, a nosso ver, o feito mais comovente
e mais sublime da medicina moderna e de todos os tempos, por toda parte ouvimos
falar dos transplantes e da colheita de órgãos como se fossem anátemas, uma coisa
imoral. Como se os médicos fossem verdadeiros abutres e os receptores malfeitores
que esperam pela morte de seus semelhantes.
Como exporemos no presente trabalho, tem se tornado lugar-comum na literatura
sobre morte encefálica considerar o conceito de morte como uma questão filosófica
e os critérios para o seu diagnóstico como uma tarefa para a perícia médica, no
intuito de reparar e diferenciar as definições de morte mais comuns como problema
de quando a morte clínica realmente ocorre.
CONCEITO DE MORTE ENCEFÁLICA: (ME)
Esse conceito foi desenvolvido modernamente através de pesquisas realizadas por
C. Miller Fisher e Adams, no Massachusetts General Hospital de Boston, sobre a
neuropatologia do “cérebro de respirador”, e por estudos eletrencefalográficos em
pacientes semelhantes, realizados na França, quando o termo “coma depassé” –
12
além do coma – foi utilizado para caracterizar o dano cerebral irreversível.
( MOLLARET, 1959)
Os primeiros critérios mundialmente utilizados para o reconhecimento da morte
cerebral foram estabelecidos pela Comissão ad hoc da Harvard em Morte Cerebral,
em 1968. Outros estudos se sucederam, originando uma Lei Modelo sobre Morte
Cerebral: The Uniform Determination of Death Act (UDDA), aprovada em 1980 pela
Comissão Presidencial dos Estados Unidos, a Associação Médica Americana e
Associação Americana de Juristas, a qual afirma que “a morte cerebral é equivalente à morte propriamente dita, utilizando-se critérios cardiopulmonares”: essas considerações acarretam razões forçosamente éticas e
práticas, pelas quais todos os médicos serão obrigados a conhecer os critérios para
um diagnóstico de ME e aplicá-los, em razão da crescente demanda de órgãos para
transplante, muitos órgãos transplantáveis sendo perdidos se estes mais modernos
critérios não forem utilizados.
13
2. OBJETIVOS
O presente trabalho pretende fazer uma análise crítica da morte encefálica, a partir
de uma experiência brasileira em seus aspectos clínicos, éticos e bioéticos,
buscando alcançar os seguintes objetivos e contribuições:
1. Comparar a eficácia e as melhores indicações dos vários métodos de
diagnóstico clínico de ME (morte encefálica) estabelecidos pelo Conselho
Federal de Medina (CFM)
2. Definir a indicação precisa dos melhores métodos confirmatórios para
diagnóstico da ME de acordo com cada situação clínica.
3. Verificar quais os métodos confirmatórios que menos retardam o diagnostico
de morte.
4. Humanizar e aperfeiçoar os cuidados atualmente existentes aos potenciais
doadores e às suas famílias.
5. Analisar bioeticamente, os valores científicos, éticos, culturais, sociais e
religiosos que envolvem o fim da vida humana, com base numa experiência
concreta desses cuidados médicos.
14
3. CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS NEUROLÓGICOS DE MORTE ENCEFÁLICADECLARAÇÃO DE MORTE ENCEFÁLICA
(CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA)
3.1. Procedimentos Utilizados para Diagnóstico de Morte Encefálica no Brasil:
O Conselho Federal de Medicina (CFM) expediu regulamentações que devem ser
executadas em todo o território nacional brasileiro. Nenhum item dessas
determinações pode ser suprimido do texto original (vide abaixo), mas inclusões
podem ocorrer (*), após aprovação pelo próprio CFM.
No Brasil, a morte encefálica não pode ser determinada apenas pelos exames
clínicos; devem também ser realizados exames complementares.
A Lei determina que os procedimentos clínicos sejam realizados com um intervalo mínimo, conforme idade do paciente em questão. Como segue:
Idade do Paciente Intervalo de Tempo Mínimo entre as Avaliações Clínicas
7 dias a 2 meses 48 horas2 meses a 1 ano incompleto 24 horas1 ano a 2 anos incompletos 12 horas2 anos ou mais 6 horas
15
(*) V. Conclusões no fim da Dissertação (Conclusões Neurofisiológicas, item 6)
O EXAME CLÍNICO DEVERÁ AVALIAR QUATRO PONTOS FUNDAMENTAIS, QUE SÃO AS BASES PARA A DETERMINAÇÃO CLÍNICA DE MORTE ENCEFÁLICA:
1. Coma de etiologia conhecida e caráter irreversível. Coma arreativo sem
qualquer tipo de resposta motora ou neurovegetativa aos estímulos dolorosos.
Todos os pacientes devem ser submetidos à Tomografia Computadorizada de
Crânio sem e com contraste, na triagem em pacientes com ECGla 3 pontos,
midríase médio fixa, e nos apnêicos a tomografia computadorizada é feita
sempre com contraste, conforme Protocolo do Projeto Diretrizes da AMB e CFM.
2. Para diagnóstico clínico de morte encefálica devem ser inicialmente
observados os seguintes parâmetros:
• Pressão arterial sistêmica, 90mmHg
• Funções cardio circulatórias
• Funções pulmonares estáveis
• Temperatura corporal central ≥ 36o.C
• Paciente não deve estar em uso de hipotermia terapêutica
• Não apresentar hipotermia climática
• Ausência de alterações metabólicas e sem uso de drogas depressoras do
sistema nervoso central, como sedativos, hipnóticos ou barbitúricos
• Sem uso de drogas ilícitas, como álcool, cocaína, crack, etc.
• Sem uso de agentes bloqueadores neuromusculares
3. Ausência da Atividade Motora Supra Espinal:• Pupilas Midriáticas com ausência de resposta pupilar à luz
• Ausência de Reflexos Córneo-Palpebrais
• Ausência dos Reflexos Óculo-Cefálicos (“olhos de boneca”)
• Ausência de Movimentos oculares com estimulação calórica
• Ausência de Reflexo de tosse
• Ausência de engasgo
16
4. Protocolo para o Teste de Apnéia:a. Paciente em ventilação mecânica, observar as vias aéreas pérvias
b. Monitorização contínua da pressão arterial sistêmica, eletrocardiograma e
saturação digital de O2
c. Análise pré teste de gasometria arterial pCO2 ótimo = 25-40 mmHg
d. Pré oxigenação por 10 minutos, Fi O2 = 100% no ventilador, pO2 > 209
mmHg, pC O2 = 35 – 40mmHg
e. O ventilador deve ser desconectado e um catéter com oxigênio 6 a 8
litros/minuto, deve ser introduzido no tubo intra-traqueal até a carina.
f. Após desconectar o ventilador do paciente monitorar a ventilação do paciente
g. Observar por até 10 minutos da desconexão se aparecerem movimentos
respiratórios torácicos ou abdominais e até o nível de pCO2 atingir ≥ 55mmHg
h. Parar de imediato o teste de apnéia e reconectar o paciente ao ventilador
diante de:
• dessaturação de oxigênio pela Oximetria digital
• quando os níveis de pCO2 não atingirem 55mmHg
• quando ocorrer hipotensão arterial sistêmica
• quando ocorrer alterações eletrocardiográficas
• quando ocorre qualquer outra intolerância ao teste de apnéia
O segundo exame neurológico com o teste de apnéia só poderá ser repetido após 6
horas do primeiro.
É importante ressaltar que:
1. Para o diagnóstico de morte encefálica, a total ausência de reflexos supra-
espinais deve acontecer, porém, podem ocorrer reflexos tendíneos profundos,
reflexos superficiais, ou outros (sinal de Lázaro), sem que isto signifique integridade
das funções encefálicas.
17
2. A Estimulação Calórica é feita como segue:a. A orelha deve ser inspecionada com otoscópio e qualquer obstrução deve ser
limpa.
b. A cabeça do paciente deve estar mantida elevada a 30o
c. 50 ml de líquido (solução fisiológica e gelada é instilada no ouvido)
d. A outra orelha é examinada após intervalo de 5 minutos
e. Nenhuma movimentação dos olhos deve ocorrer quando se tratar de morte
encefálica.
3. O Teste de Apnéia deve ser realizado como abaixo:(V. Protocolo Anexo 5
item 3)
a. Análise pré-teste da gasometria arterial pCO2 ótimo = 35- 40mmHg
b. Pré oxigenação por 10 minutos, Fi O2 = 100% no ventilador
c. O ventilador deve ser desconectado e um catéter deve ser introduzido no tubo
endo-traqueal, fornecendo oxigênio a uma taxa de 6 a 8 litros/minuto
d. Desconectar o paciente do ventilador
e. Observar por até 10 minutos se aparecerem movimentos respiratórios torácicos
ou abdominais até o nível de pCO2 atingir ≥ 55mmHg
3.2. Para Ser Declarado em Morte Encefálica o Paciente deverá, primeiramente, preencher os seguintes Critérios Neurológicos:
• O paciente deverá estar num respirador e não mostrar sinais de esforço
respiratório.
• Reflexos de tronco encefálico não deverão estar presentes.
• Não se conseguirá obter sinais de abertura ocular, movimento espontâneo ou
movimento desencadeado por ruídos dolorosos ao nível da face ou tronco
corporal.
• As pupilas estarão em posição mediana ou dilatadas.
• Ausência de reflexos do tronco encefálico: pupilares, óculo-encefálico (olhos de
boneca), óculo – vestibulares (irrigação com água gelada), corneanos, de
vômitos ou de tosse.
Obs.: Estes reflexos são difíceis de se testar em casos de grandes traumas
faciais.
18
• Os reflexos medulares espinais, viscerais e somáticos traduzidos por
taquicardia, aumento da pressão arterial sistêmica, aumento da resistência
periférica, suor ou rubor, movimentos que imitam respiração causados por
atividades reflexas dos músculos respiratórios, que ocorrem espontaneamente ou
durante testes de apnéia ou estimulação mecânica, não invalidam o diagnóstico
de morte encefálica, necessitando-se então de investigação complementar por
exames.
• Um período crítico de observação é necessário para a confirmação da perda
das funções neurológicas em pacientes acima de 2 anos de idade, seguindo as recomendações do Conselho Federal de Medicina, é prudente esperar 6 horas e repetir novo exame clínico neurológico, até que o paciente apresente
os critérios clínicos de morte encefálica, antes de receber a declaração final de
morte encefálica.
• Os pacientes que sofreram grandes danos cerebrais por arma de fogo ou
desenvolveram grandes hematomas intracranianos, que evoluíram para morte
encefálica, tornam-se instáveis mais precocemente, sendo necessário considerá-
los mais cedo para doação de órgãos e tecidos.
• Utilização dos chamados exames confirmatórios vão permitir o encurtamento
destes períodos de observação em Unidade especializada.
• Um fluxo sanguíneo inadequado resulta em dano cerebral irreversível em poucos
minutos. De acordo com os estudos clássicos, que são confirmados tanto pela
experiência clínica como pelos dados experimentais, um dano neuronal
irreversível ocorre se o período de isquemia ultrapassa de 4 a 6 minutos (COLE
et al., 1956 e HIRSCH et al., 1957). Resultados mais recentes, têm demonstrado
que períodos maiores: de 7 a 8 minutos serão tolerados se medidas de proteção cerebral são tomadas de modo a prevenir lesões cardíacas durante a isquemia (MILLER, 1970 e HOSSMANN, 1973).
• Assim, a demonstração por exames confirmatórios da ausência do fluxo
sanguíneo cerebral confirma o diagnóstico de certeza e morte encefálica, mesmo
nos casos de intoxicação por droga e estados de alterações metabólicas.
19
3.2.1. Exames Confirmatórios:
Considerações Gerais:
Estes exames para confirmação de morte encefálica, mesmo atualmente,
apresentam algumas limitações diagnósticas; necessitando-se, pois as vezes, a
realização de dois ou mais exames para obter a maior fidelidade e segurança no
diagnóstico, e sua utilização irá permitir o encurtamento dos períodos de observação
em unidade especializada. Passaremos a descrever, resumidamente, essa família
de exames:
3.2.1.1. Eletrencefalografia (EEG):
Registrado à beira do leito, não oferece qualquer risco, no diagnóstico de Morte
Encefálica, embora não exclua a possibilidade de funções remanescentes no tronco
cerebral. O silêncio eletrocerebral também não exclui a possibilidade de coma
reversível, causado por drogas ou hipotermia, sendo usado como exame
confirmatório geralmente após 6 horas de observação de perda completa das
funções cerebrais (GRIGG, 1987). O registro do EEG, obedecendo recomendações
técnicas estabelecidas, conhecidas pelo especialista, é de grande importância para
a confirmação de morte encefálica, freqüentemente nas crianças abaixo de dois
anos de idade. Uma vez que, excluindo-se pacientes com hipotermia ou em uso de
grandes doses de drogas depressoras do Sistema Nervoso Central, não existe relato
de sobrevivente, no qual o EEG mostrou silêncio elétrico cerebral.
3.2.1.2. Potenciais Evocados: Visual, Auditivo e Somatosensitivo:
Sua maior indicação é no diagnóstico da Morte Encefálica, sobretudo a detecção
dos potenciais evocados auditivos (PEA) do tronco encefálico, os quais são gerados
primariamente por estruturas do mesencéfalo e são relativamente resistentes a
influências tóxicas ou metabólicas. Os PEA do tronco cerebral têm a grande
vantagem de poderem ser usados na Unidade de Proteção sistêmica e Diagnóstico
de Morte Encefálica para detectar a função do tronco cerebral mesmo em pacientes
bastante sedados ou em coma barbitúrico induzido, quando há preservação da onda
através do Potencial. O Potencial evocado Auditivo do tronco encefálico é bastante
resistente a influências metabólicas e tóxicas. As ondas estão presentes mesmo na
vigência de doses elevadas de anestésicos ou barbitúricos. Na morte encefálica as
20
ondas evocadas no tronco cerebral (III e IV) desaparecem de modo precoce e
irreversível, caracterizando a falência funcional desta estrutura. (GOLDIE et al.,
1981)
O Potencial evocado Somato-Sensitivo (PES), menos utilizado que o anterior,
também mostra resistência à ação de drogas, mesmo com doses altas de
barbitúricos. Na morte encefálica pode estar presente a resposta periférica N9(plexo
braquial), porém estarão abolidas as respostas corticais.
O Potencial Evocado Visual (PEV), também é realizado em conjunto com os dois
anteriores para confirmação da atividade elétrica encefálica. Os potenciais evocados
têm suas limitações em lesões traumáticas dos nervos ópticos (PEV), lesões dos
nervos auditivos (PEA) e nas lesões da medula cervical (PES), pois há bloqueio da
condução dos estímulos. (V. Figs. 1, 2 e 3)
3.2.1.3. Doppler Transcraniano:
O Doppler Transcraniano (DTC) foi introduzido em 1982 por R. AASLID, na Suíça,
com o objetivo de avaliar a hemodinâmica dos vasos intracranianos e desde então,
vários trabalhos, passaram a utilizar este exame como método de estudo fisiológico
da circulação encefálica em várias condições clínicas, entre as quais morte
encefálica. Segundo o Conselho Federal de Medicina (Resolução no. 1480/97), o
diagnóstico de morte encefálica é baseado em critérios clínicos, que deverão ser
respaldados por exames complementares, os quais devem demonstrar de forma
inequívoca a ausência de atividade elétrica, metabólica ou perfusão encefálica. Os
exames subsidiários comprobatórios de morte encefálica mais confiáveis e aceitos
na atualidade, são aqueles que demonstram a total ausência de perfusão encefálica
como o Doppler transcraniano (DTC), o qual tem sido utilizado de rotina por permitir
uma análise rápida, à beira do leito (os aparelhos são portáteis), sem necessidade
de uso de drogas ou de equipes de técnicos, além de ser um exame não invasivo
(podendo ser repetido a qualquer momento), confiável (especificidade de 100%),
simples e de baixo custo (o custo do aparelho é menor em relação aos outros
métodos). É bem conhecido o fato de que a hipertensão intracraniana é a causa
mais freqüente de morte encefálica em pacientes com traumatismos craniencefálicos
ou outras patologias neurocirúrgicas. As repercussões da hemodinâmica encefálica
21
diante de um aumento progressivo da PIC podem ser avaliadas pelo exame de DTC
como mostram, seqüencialmente, os itens abaixo:
• Redução da velocidade de fluxo diastólico nas artérias intracranianas (a repercussão inicial da hemodinâmica encefálica é a diminuição progressiva de fluxo na fase diastólica).
• Ausência de fluxo na fase diastólica (fluxo anterógrado na fase sistólica, sem sinais de fluxo no período diastólico).
• Fluxo diastólico invertido (fluxo anterógrado na fase sistólica e fluxo retrógrado na diástole, porém com velocidades diferentes de modo que há pequena progressão sanguínea).
• Fluxo oscilatório não progressivo (fluxo sistólico anterógrado com fluxo diastólico retrógrado com dimensões de velocidade equânimes, de modo que todo sangue que progride na sístole retorna na diástole não havendo portanto perfusão encefálica). (V. Fig.4)
• Espículas sistólicas (efêmero sinal durante a sístole, sem componente diastólico).
Nos pacientes adultos com diagnóstico clínico prévio de morte encefálica, o achado
do fluxo diastólico invertido ou ausente ou espículas sistólicas em pelo menos duas
artérias intracranianas tem especificidade de 100% e sensibilidade de 91,3%).
Em algumas situações, o DTC pode ter limitações para o diagnóstico precoce da
Morte Encefálica. Lesões diretas do encéfalo sem aumento concomitante da pressão
intracraniana, poderiam fornecer sinais clínicos de Morte Encefálica sem, contudo,
haver parada de progressão do fluxo de sangue ao exame de DTC. Situações como
a presença de craniectomias descompressivas, derivações ventriculares
(PETTY,1990),perdas intermitentes de tecido encefálico poderiam permitir
preservação da perfusão cerebral na presença de Morte Encefálica. Nestas
situações, para que se possa definir precocemente o diagnóstico de Morte
encefálica, seria importante o uso de métodos que demonstram ausência de
atividade elétrica ou metabólica, como o EEG, o potencial evocado e o SPECT. O
DTC apresenta como principal limitação o fato de se tratar de um exame dependente
de um operador especializado.
22
Em resumo, a utilidade do Doppler Transcraniano como exame subsidiário para
confirmação de morte encefálica é inquestionável, dada a sua praticidade, a não
influência de drogas depressoras do sistema nervoso central, simplicidade,
segurança, capacidade de monitorização, sensibilidade e especificidade , baixo
custo, não invasibilidade e portabilidade. O diagnóstico precoce de Morte Encefálica
permitiria a doação de órgãos em melhor estado de preservação.
3.2.1.4. Tomografia Isotópica por Emissão de Fóton Único (SPECT): (Single Photon Emission Computerized Tomography)
A Tomografia Isotópica Encefálica por emissão de fóton único (SPECT), é
considerada não invasiva, segura, utilizando-se o Tecnécio (Tc) 99m HMPAO ou
Ceret (ECD) como radioisótopo de escolha e nunca foi referido como causa de erro
no diagnóstico de morte cerebral, se efetuado por um bom especialista. Esta técnica
continua a ser usada imediatamente após o exame neurológico, geralmente seis
horas após a perda dessas funções, sendo usada também em crianças. O SPECT,
revela por análise comparativa dos hemisférios cerebrais e cerebelo, a perfusão da
microvasculatura encefálica e celular através da união do Tecnécio com a
Glutationa, o que muda o pH intracelular fazendo com que o Tc permaneça durante
um determinado período intracelular. Pode assim demonstrar uma hipoperfusão
(diminuição do metabolismo celular)ou hiperfusão (hiperatividade metabólica – como
observado durante crise epiléptica). Pode também revelar ausência do radiofármaco
(Tc), na zona de lesão, inferindo morte celular. (Figs. 5 e 6)
Vários autores como GOODMAN, (1985) e SCHWARTZ, (1983) têm demonstrado
que o SPECT é um exame comprobatório “Gold Standard”, seguro, fidedigno e
inócuo, quando se observa a total ausência de perfusão microvascular e celular do
encéfalo mostrando imagem denominada “Empty Skull”. Seu aperfeiçoamento e a
criação de modelos compactos utilizáveis à beira do leito, com facilidades,
provavelmente o tornarão o exame mais importante para o futuro. (V. Fig. 7)
23
3.3. O Teste de Apnéia na Morte Encefálica
HAYASHI & TAKASU, em 1998, estabeleceram que a prova de apnéia é um fator
capaz de determinar distúrbios cardiovasculares, incluindo hipóxia sistêmica,
hipotensão arterial sistêmica e arritmias letais, estas ultimas sendo observadas em
até 26% durante o teste de apnéia.
Compreendemos que, segundo as exigências do Conselho Federal de Medicina, o
diagnóstico de M.E. só estará completo até que as provas clínicas e exames
complementares estejam realizados. Entretanto, muitos estudos têm demonstrado,
inclusive o presente trabalho, que a realização da prova de apnéia é um fator de
aumento da mortalidade num paciente gravemente comprometido do ponto de vista
neurológico, ainda sem o diagnóstico final de morte encefálica. Infelizmente, a lei
que sanciona o diagnóstico de morte encefálica não determina em que momento
desta avaliação seja realizado o exame confirmatório.
Assim, SCHWARTZ (1992) descreve situação de lesão primária do tronco cerebral
em que a atividade elétrica cortical estava presente e o teste de apnéia veio a
determinar maior hipertensão intracraniana e herniação cerebral. Não se trata,
portanto, de um exame inócuo.
Na Revista da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia, encontramos um importante
artigo: “Ética na Morte Cerebral : pontos obscuros (L.R. MELLO, 2001) que assim se
refere ao teste: “Resta finalmente a pergunta: “Tomados todos os cuidados de pré-
oxigenação, será que um teste de apnéia, realizado sem prévio teste confirmatório,
não acaba de matar ?” Lembremos, ainda que o referido teste por vezes é efetuado
duas vezes em alguns serviços!.
Por esse motivo, em nosso serviço do H.C.-FMUSP geralmente utilizamos o SPECT
ou outro exame confirmatório antes da realização do teste de apnéia em pacientes
que apresentavam movimentos lazaróides ou dúvidas quanto ao coma aperceptivo e
arreativo. Temos, assim, identificado duas situações: ausência total de perfusão
vascular e celular encefálica, compatível com morte encefálica; ou mostrar a
presença de perfusão celular encefálica, situação que contra-indica o teste de
apnéia. Nesse estudo demonstramos, assim, que o exame de SPECT pode nos
ajudar a contornar esses problemas, já que em 14 pacientes com exame neurológico
24
de coma aperceptivo e arreativo não houve demonstração de perfusão do tronco
cerebral, confirmada por teste subseqüente de apnéia. (ANDRADE &
MARINO,2001)
Desta forma, temos indicado a realização do SPECT antes do teste de apnéia em
casos de dúvida no exame neurológico (movimentos lazaróides ou inespecíficos (Id.
Ibidem, 2001), exame protocolar incompleto (pacientes externos admitidos apenas
com um dois exames neurológicos sem o exame complementar); dúvida no
resultado de exame complementar operador-dependente, propondo, inclusive, uma
revisão de critérios clínicos e complementares para o diagnóstico de morte
encefálica , a ser oportunamente encaminhada como sugestão ao CFM para
aprovação, como aliás reza em seu próprio protocolo (Anexo 2), Art. 2o., §único: “As
instituições hospitalares poderão fazer acréscimos ao presente termo [....]” (V.
Conclusões)
O Conselho Federal de Medicina determina que os exames complementares, a
exemplo dos exames clínicos Neurológicos, devam ser repetidos com intervalos de
tempo mínimos, de acordo com a idade do paciente. Como abaixo:
Idade do Paciente: Orientação:
2 anos ou mais
Adultos
Qualquer um dos exames complementares podem
ser utilizados1 ano a 2 anos
incompletos
Efetuados no Instituto da
Criança
Qualquer um dos exames complementares podem
ser utilizados; se for o EEG o escolhido, então dois
EEGs devem ser feitos, com intervalo de 12 horas
2 meses a 1 ano
incompleto
(Não houve)
O EEG é o único método aceito; deve ser repetido
outro EEG após 24 horas de intervalo
7 dias a 2 meses
incompletos
(Não houve)
O EEG é o único método aceito.
25
Como descrito acima, se considerarmos um paciente adulto, não há diferença na
utilização de um ou outro exame complementar; isso porque diferentes regiões do
Brasil têm diferentes situações culturais e econômicas.
Utilizando a Cidade de São Paulo como exemplo; nessa cidade há quatro OPOs e
cada uma delas utiliza um método complementar diferente para avaliação do
doador. Esses diferentes métodos também otimiza a análise dos pacientes, porque o
método pode ser mais eficaz em uma situação que em outra. Supondo um paciente
com instabilidade hemodinâmica, que deve evitar o transporte; um método à beira
do leito, como o Doppler ou Potencial Evocado transcraniano, neste caso, seria o
mais indicado; por outro lado, considerando-se uma criança com menos de 1 ano de
vida, o EEG é o melhor método disponível. Note-se que existe um limite mínimo de
sete dias de vida; esta medida foi criada para situações especiais, como a
anencefalia. Se uma criança nasce anencéfala, ela deve ser mantida viva e, então,
deve ser examinada conforme os critérios do Conselho Federal de Medicina. Apenas
após o período de sete dias a criança poderá ser declarada em morte encefálica, de
acordo com as leis brasileiras.
26
4. A UNIDADE DE MORTE ENCEFÁLICA
“Se toda vida humana só pode ser cerebral o mesmo
ocorre com a morte. Esta produzir-se-á quando houver
descerebração. Quando o cérebro entra em letargia que
se origina na lesão irrecuperável dos neurônios, a vida
acaba e é a morte que triunfa. O resto é divagação
filosófica.”
P.E. Charbonneau
(In: Moral Médica, Sarvier, 1984)
A morte cerebral e a proteção cerebral caminham juntas em nossas modernas UTIs.
Tendo em vista o grande número de estudos que têm resultado das pesquisas em
pacientes em estados críticos e terminais, o serviço de Neurocirurgia, em acordo
com as demais clínicas do H.C. e com o setor de Pronto-Socorro, tem sido pioneiro
neste ramo de pesquisa após nossa fundação de sua Unidade de Morte Encefálica.
Além dos estudos que estão sendo realizados sobre o fluxo sanguíneo cerebral,
proteção cerebral e critérios de diagnóstico de morte encefálica, tal unidade visa a
uma mais estreita colaboração entre os vários grupos de transplantes, a OPO, a
Comissão de Transplantes e Tecidos do Hospital das Clínicas da FMUSP, bem
como a promover uma implementação dos melhores critérios éticos, cuidando
condignamente, em UTI especializada, de seus eventuais doadores, em colaboração
com o Serviço de enfermagem, serviço Social, Serviço de Psicologia, Capelania e
outros especialistas, para que a dignidade de seus potenciais doadores, sobretudo
junto a suas famílias, e às leis vigentes, sejam absolutamente respeitadas, tanto em
relação à pessoa humana do doador, como de seus responsáveis. A humanização
deste estudo é crescente na Medicina atual, permitindo à Ética e à Bioética
acompanhar sempre de perto, e vigilantemente, os vertiginosos progressos da
medicina dos transplantes e os novos problemas que origina. Tais estudos terão
como conseqüência imediata a recondução do Hospital das Clínicas da FMUSP aos
seus níveis desejáveis de centro de excelência, sobretudo no setor de Neurociências
e no vasto campo dos transplantes, que serão efetuados dentro da mais precisa e
27
moderna criteriologia disponível, sobretudo no difícil e polêmico campo do
diagnóstico da morte encefálica.
A determinação da morte deve ser capaz de ser diagnosticada pelos médicos com
um alto grau de reprodutibilidade e acurácia , ao menos em retrospecto, utilizando
testes relativamente simples à beira do leito.
Conscientes destes fatos, em fevereiro de 2000, implantamos nossa Unidade de
Proteção Sistêmica e Diagnóstico de Morte Encefálica, na enfermaria da Divisão de
Clínica Neurológica do Hospital das Clínicas da FMUSP, constituída por 2 leitos
especiais, anexa à nossa UTI Neurocirúrgica e Neurológica, sob supervisão de
nossos intensivistas e supervisão dos cuidados de enfermagem da OPO. Essa
iniciativa prendeu-se ao conhecimento de dados recentes de literatura, que têm
demonstrado um importante aumento da sobrevida dos órgãos dos pacientes com
morte encefálica, quando submetidos a cuidados intensivistas, éticos e humanísticos
até que seus familiares e seus médicos, em conjunto, possam decidir sobre o seu
destino.
A partir de 28 de agosto de 2003, esses 2 leitos foram transferidos para a Unidade
de Terapia Intensiva da Cirurgia do Trauma, no Pronto Socorro do Hospital das
Clínicas da FMUSP para estudo mais detalhado e proteção clínica, sistêmica, por
maior proximidade aos nossos plantonistas e enfermagem de UTI de emergência
neurocirúrgica e dos equipamentos da OPO para provas gráficas e exames
comprobatórios de ME, e supervisão neurológica freqüente.
Baseamo-nos também na análise de nossos dados colhidos entre 1998 e 1999, nos
quais observamos que a recusa familiar para doações foi responsável por 47,59 a
45,95% dos motivos de não doação; sendo a recusa maior nos pacientes externos
do que nos internos, estes originários de nosso próprio serviço.
Nesses casos a parada cardíaca foi a segunda causa mais importante de não-
doação, variando de 33,68 a 38,82%, sem relação com o teste de apnéia.
Em nossos registros efetuados entre 2000 e 2001 a recusa familiar foi responsável
por cerca de 35,33% a 33,55% de não-doação, ainda maior nos pacientes externos.
28
A parada cardíaca continuou sendo a segunda causa mais importante de não
obtenção da doação de 45,48% a 31,90% em relação com o teste de apnéia.
Nos dados de 2002 e 2003 a recusa variou entre 43,06% a 40,75% e a parada foi
ainda a segunda causa mais importante de não obtenção da doação variando de
24,19% a 18% sem relação com o teste de apnéia.
Os dados de 2004,, 2005 e 2006 não fazem parte do presente trabalho, ara o qual optamos pelo período anterior em que os dados já estavam melhor trabalhados.
Nossos dados vieram demonstrar que os valores de recusa familiar ainda permanecem elevados e nossos cuidados com esses pacientes deveriam ser ainda mais aperfeiçoados, sobretudo a abordagem psicológica, assistentes sociais, maior treino humanístico da enfermagem e maior contato da capelania em relação aos familiares deverão ser progressivamente mais humanizados e personalizados.
4.1. Histórico
O que dá à Medicina sua unidade é o respeito absoluto e incondicional pela pessoa
humana e, neste nível, nenhuma tolerância poderá ser permitida, pois a Medicina
nasceu para servir e respeitar a vida do homem: essa é a dimensão ética da
Medicina, pois o médico só existe em relação ao doente.
Desde tempos imemoriais, passando pelos antigos egípcios e as filosofias de Platão
e Aristóteles e pelos aforismas de Hipócrates, sentiu-se que a consciência, a mente
ou a humanidade do homem, sua identidade como pessoa humana, todas essas
qualidades essenciais residiam no seu cérebro.
A idéia de que uma ausência de função cerebral seria equivalente da morte teria
surgido no séc. XII através dos escritos do famoso medico e filósofo judeu Moisés
Maimonides, o qual notou que indivíduos decapitados exibiam mioclonias por um
certo tempo, imediatamente após a decapitação. Ele afirmava que humanos
decapitados morriam instantaneamente e que tais movimentos não eram sinal de
vida porque não eram originados centralmente (no cérebro) onde se encontrava a
alma (sic).
Assim, a vida do homem não é outra coisa senão a vida do seu cérebro. Um
cérebro vivo dá ao homem sua identidade essencial como pessoa humana, sua
personalidade. Um cérebro morto nos deixa frente a um corpo que perdeu sua
29
identidade humana, tornando-se quase que um vegetal, um vestígio de pessoa,
tirando do homem sua humanidade.
Vida e morte são dois pólos de um mesmo mundo. A biologia e a tanatologia
obedecem aos mesmos critérios. Onde há vida há morte em potencial, e ambas
estão ligadas ao funcionamento do cérebro, sem a qual a vida se torna radicalmente
impossível. É pois, ao nível do cérebro que se deve situar a morte. O homem
despojado da força do seu cérebro torna-se apenas um cadáver. É nesse íntimo
parentesco cerebral que a morte e a vida se revelam numa trágica unidade. O que
faz o “homo sapiens” é a sua configuração cerebral. A morte do cérebro significa ao
mesmo tempo a morte do ser humano, seu corpo sendo literalmente abandonado à
deriva pelas forças da mente e do espírito, que retiram do corpo suas condições de
vida, decorrendo simultaneamente suas condições de morte.
Só um esforço científico constante permitirá definir os critérios para estabelecer o
momento da morte com precisão e com certeza. A medicina atual e seu florescente
campo das Neurociências serão os melhores recursos que nos permitirão declarar
com certeza que um indivíduo está morto, mesmo se continua ainda a apresentar
alguns sinais exteriores de vida, permitindo-nos conhecer a hora exata em que o
cérebro atingiu os últimos paroxismos de sua hora suprema, e a pessoa agonizante
é subtraída à vida humana, logo, ao seu status de pessoa.
O contínuo desenvolvimento das modernas técnicas de suporte das funções
cardiovasculares e respiratória, têm permitido a preservação das funções somáticas
mesmo depois que o cérebro tenha sido destruído.
A atividade cardíaca pode ser suportada e mantida por muitos dias em pacientes
cujos cérebros perderam irreversivelmente suas funções (WALKER, 1977). As
alterações fisiológicas decorrentes, sobretudo a instabilidade cardiovascular,
termovariância, insuficiência hipofisária anterior e posterior, necessidades nutritivas,
todos podem ser corrigidos, podendo-se manter um paciente com morte cerebral por
períodos prolongados, até recorde relatado de 107 dias (BERNSTEIN, 1989). Em
geral, tal tratamento é inadequado porque tenta ignorar a realidade da situação,
mantendo as famílias e amigos no limbo das incertezas e falsas esperanças,
violando, outrossim, a confiança da família e da sociedade de que os médicos não
30
são capazes de diagnosticar a morte, forçando profissionais da saúde a tratar de
um corpo morto, levando a desperdício de recursos sem beneficio , e, em última
análise, a uma indignidade, por abuso de um corpo já cadavérico; razões que não se
justificam a não ser em raras ocasiões como a de tentar salvar um feto viável.
4.2. Estado Atual
Estes fatos vêm demonstrar que muitos médicos não têm uma compreensão
completa do fenômeno da morte e, sobretudo da morte cerebral, não colaborando
também na incrível e crescente demanda por órgãos e tecidos, ignorando ainda o
grande consolo que invade as famílias quando aquele que se considerava perdido,
continua vivendo através de uma doação de seus órgãos (PINKUS, 1984).
Ignoram muitas vezes, ainda, que quando um grupo de colheita de órgãos tem o
tempo necessário para distribuir ou colocar coração, pulmões, dois rins, fígado,
pâncreas e olhos, este processo poderá salvar várias vidas e melhorar a qualidade
de vida de muitos outros. Se por outro lado, o paciente não puder ser mantido em
condições hemodinâmicas estáveis, como na unidade que coordenamos, tudo
estará perdido. Este é o papel do Neurocirurgião e desta unidade no processo de
doação. Sabe-se que um tempo limitado é disponível para a obtenção de órgãos
após a morte cerebral, não importando quão perfeito seja o tipo de cuidado médico
ou quão intenso seja o suporte intensivo: o coração geralmente falha entre 24 e 72
horas após a morte encefálica, e outras vezes apresenta falha total dentro de
poucas horas.
Somente nos Estados Unidos, até janeiro de 2007
cerca de 24.778 transplantes, são realizados por ano, mas poderiam beneficiar até
60.000 receptores/ano se houvessem mais doadores, do tipo “coração batendo”.
Consegue-se apenas 4.000 cadáveres/ano para tal demanda; enquanto o número
de pacientes aguardando transplante aproxima-se de 94.778 e continua a subir,
enquanto aumenta o número de mortes de pacientes cardíacos e hepáticos que
todos os anos morrem aguardando um doador adequado, pelas falhas políticas e
sociais do processo de colheita de órgãos.(Dados obtidos da UNOS: United Netbook
for Organ Sharing e da OPTN: U.S. Organ Procurement and Transplantation
(Network).
31
5. TRAJETÓRIA METODOLÓGICA
Este trabalho consta de duas etapas A primeira, de caráter quantitativo demonstra
os estudos clínicos e os critérios utilizados para a definição de morte encefálica e a
segunda consiste numa análise crítica sobre o diagnostico de morte a partir de
referenciais clínicos, éticos e bioéticos.
5.1. Primeira Fase do Projeto (Material e Método)
5.1.1. Local da Pesquisa
Nossa casuística constou de 1.674 pacientes; 1137 externos, e 537 internos,
notificados, através da Coordenação de Transplantes da Organização de Procura de
Órgãos (OPO) do Hospital das Clínicas da FMUSP, enviados à nossa UTI
especializada para a determinação neurológica de morte encefálica (ME), cuidados
intensivos e realização de testes gráficos confirmatórios entre 2000 e 2003. Destes,
• 1253 casos se tornaram não doadores (74,8%)
• 587 por recusa familiar ou do paciente em vida (35%)
• 452 tiveram parada cardíaca antes da captação (27%)
• 214 por outras causas (Aids, testes hematológicos, e outras patologias) (12,8%)
• 421 casos foram considerados potenciais doadores (25,2%)
• 7 apresentaram parada cardíaca durante o 1o. teste de apnéia (1,6%)
• 28 apresentaram parada cardíaca após o 2o. teste de apnéia (6,6%)
• 36 foram eliminados por outras causas (9%)
• 348 tornaram-se reais doadores (20,7%)
Note-se que durante esse estudo a média anual de transplantes no ICHC foi de
aproximadamente 58 doadores ao ano, nos quais foram utilizados órgãos desses
348 reais doadores, sendo os restantes órgãos enviados a outros hospitais.
32
5.1.2. População estudada
Nossa proposta inicial, dirigida à CAPPesq do Hospital das Clínicas da FMUSP, se
propôs a englobar um estudo prospectivo de 100 pacientes, como análise inicial,
com 3 pontos na Escala de Coma de Glasgow apnêicos (ECGla); realizada em
crianças acima de 2 anos de idade, e adultos, de ambos os sexos.
Cinqüenta (50) pacientes seriam internos, procedentes do Pronto Socorro do ICHC-
FMUSP, previamente atendidos pela Equipe Médica de Emergência Neurocirúrgica
e Neurológica e também de outras clínicas dessa Instituição, com 3 pontos na
ECGla à admissão.
Cinqüenta (50) pacientes seriam procedentes de outros hospitais, enviados com o
primeiro diagnóstico neurológico de morte cerebral segundo critérios do CFM e
dirigidos a OPO-HC-FMUSP, para serem submetidos a exames confirmatórios
gráficos e um segundo exame neurológico.
5.1.3. Critérios Clínicos de Morte Encefálica
O presente trabalho e suas conclusões foram baseadas em nossa experiência e
vivência pessoal com esses casos, estudados em nossa UTI especializada,
seguindo as diretrizes e resolução no. 1.480/97 do Conselho Federal de Medicina, as
quais passamos a transcrever, e utilizando o seu termo de Declaração de Morte
Encefálica (ME) (V. anexos 1 a 5), complementados pelos exames confirmatórios
gráficos recomendados por esse Conselho, de acordo com as necessidades de cada
caso (V. item D desse termo no Anexo 4)
Do ponto de vista intensivo, esses pacientes foram seguidos por equipe
especializada, obedecendo aos requisitos da OPO do Hospital das Clínicas quanto à
manutenção dos potenciais doadores, seguindo os critérios propostos para:
1. Ventilação mecânica VC = 10 –13 ml/Kg
PO2 > 100mmHg; FiO2 = 60%
2. Manutenção do hematócrito acima de 35% (concentrado de glóbulos)
3. Correção da hipotermia (colchão térmico, soro morno)
4. Correção do diabetes insipidus (DDAVP ou reposição volêmica)
5. Correção da hipovolemia (cristalóides ou colóides)
33
6. Correção do choque (Dopamina)
7. Correção dos distúrbios hidro-eletrolíticos (K+ >4.0 MEq/100ml)
Os detalhes do Protocolo de Doação de Órgãos da OPO-ICHC poderão ser
encontrados nos anexos 1 a 5 ao fim da presente monografia.
5.1.4. Métodos confirmatórios
Além do exame neurológico e do teste de apnéia, foram utilizados os seguintes
métodos confirmatórios para o diagnóstico gráfico da morte encefálica.
1. Perfusão Vascular encefálica através do DOPPLER transcraniano (DTC):
praticamente todos os casos.
2. Perfusão vascular encefálica e perfusão celular: O primeiro através da
angiografia isotópica cerebral (AIC) e o segundo através da Tomografia isotópica
encefálica por emissão de fóton único (SPECT): 76 casos.
3. Angiografia encefálica convencional por cateterismo dos 4 vasos intracranianos:
(1 caso) (V. Fig. 8)
4. Atividade elétrica do tronco encefálico: POTENCIAIS EVOCADOS, somato-
sensitivo, visual e auditivo (PE): 375 casos sendo:
• Potencial Visual: 103 casos
• Potencial Auditivo: 89 casos
• Somato-Sensitivo: Membro Superior: 154 casos
Membro Inferior: 29 casos
Total: .................................................. 375 casos
A atividade elétrica cerebral (EEG) não foi pesquisada, já que se trata de exame em
nosso serviço realizado apenas em crianças com menos de 2 anos de idade, que
não foram estudadas em nossa unidade e sim no Instituto da Criança do Hospital
das Clínicas da FMUSP.
34
5.1.5. Aspectos Éticos
Este projeto foi submetido à COMISSÃO DE ÉTICA PARA A ANÁLISE DE
PROJETOS DE PESQUISA (CAPPesq) da Diretoria Clínica do Hospital das Clínicas
da Faculdade de Medicina da USP, a qual aprovou o Protocolo de Pesquisa no.
780/00, em 26 de outubro de 2000, intitulado:
“ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE MÉTODOS CONFIRMATÓRIOS E
COMPLEMENTARES NO DIAGNÓSTICO DE MORTE ENCEFÁLICA: Normatização
do atendimento e do estudo dos métodos através de proteção cerebral e cardíaca
nos cuidados intensivos aos potenciais doadores de órgãos”.(V. Doc. Anexo 6 ao fim
do trabalho) apresentado à referida comissão pelo pesquisador Prof.Dr. Raul Marino
Jr., então Professor Titular de Neurocirurgia da Divisão de Clínica Neurocirúrgica
(criada pelo autor) do Departamento de Neurologia do Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina da USP, trabalho esse que ainda se encontra em andamento
no Pronto Socorro de Neurocirurgia do Hospital das Clínicas da Faculdade de
Medicina da USP em dois leitos especialmente criados para esse fim, na UTI do
Serviço de Cirurgia do Trauma do 4o. andar do ICHC-FMUSP, com a colaboração do
Prof.Dr. Dario Birolini, Professor Titular daquele Departamento e sua equipe de
intensivistas, batizada como “UNIDADE DE PROTEÇÃO SISTÊMICA E
DIAGNÓSTICO DE MORTE ENCEFÁLICA”, que criamos como serviço anexo ao HC
para o estudo criterioso da ME e para servir aos trabalhos da Organização de
Procura de Órgãos (OPO) e na humanização do tratamento dos potenciais
doadores e atenção especial a suas famílias.
5.2. Segunda Fase do Projeto:
Os estudos clínicos realizados na primeira fase abrem um campo reflexivo a respeito
dos critérios de morte.
Nesta segunda fase será apresentada uma análise crítica a respeito dos critérios
clínicos de morte, seus aspectos éticos e os conflitos que surgem a partir da
avaliação física da morte - os aspectos bioéticos.
35
6. ANÁLISE CRÍTICA DO CONCEITO DE MORTE ENCEFÁLICA
O diagnóstico de ME envolve o estudo clinico das evidências de perda da função
cerebral e um período de observação, que poderá ser encurtado através da
realização de EXAMES CONFIRMATÓRIOS, sobretudo os relacionados ao fluxo
sanguíneo cerebral. (V. pg. 9)
6.1. Morte Encefálica como Novo Conceito:
A análise da literatura atual sobre o assunto nos tem demonstrado que o
desenvolvimento progressivo da tecnologia de reanimação, as cirurgias a coração
aberto, o emprego de ventiladores e as unidades de terapia intensiva cada vez mais
sofisticadas, vêm tornando antiquados os conceitos tradicionais de morte.
KOREIN (1978) e vários outros autores têm argumentado que a morte encefálica
não representa um conceito novo, senão a aplicação mais adequada de critérios
mais rigorosos para os conceitos de morte já existentes. Esse conceito de ME seria
apenas uma reformulação radical dos conceitos tradicionais de morte, mais do que
um novo conceito, pois “não há uma forma nova de estar morto”, introduzindo-se,
assim, um aperfeiçoamento na formulação do conceito cardiorrespiratório, que em
determinadas condições podem ser reversíveis e meramente indicava que a morte
encefálica era iminente. Não se trata, pois, de apenas um novo conceito, mas da
“formulação de uma mais exata definição de morte, quando anteriormente não existia nenhuma definitiva e precisa”.
PUCETTI (1976) argumenta que “no sentido exato da palavra, não é verdade que os
homens morrem de ataque cardíaco, afogados ou de câncer de pulmão. Mais
propriamente, esses eventos causam paralisia ou destruição das funções
respiratória e cardíaca, o que causa ANÓXIA do encéfalo, e é isto, por sua vez, que
causa a morte encefálica e da pessoa”.
Portanto, é a falência do coração e/ou dos pulmões que evita que o oxigênio alcance
o encéfalo. A morte não é a morte do coração ou dos pulmões: a cessação das
funções cardiorrespiratórias é a causa, não um estado da morte. Assim, “uma bala
que atravessa o coração mata em questão de minutos, porém, uma bala através da
parte superior do tronco encefálico mata instantaneamente (ibid. 1976)”. Os exames
36
de cessação espontânea das funções cardiorrespiratórias são, conseqüentemente,
apenas prognósticos de morte, correspondendo a um “indicador” de morte
necessário, porem insuficiente.
Procurar por uma definição exata de morte encefálica, implica necessariamente, em
encontrar uma definição satisfatória de VIDA, que em termos mais simples seria
aquilo que não está morto; afirmação esta obviamente tautológica. Qualquer
definição de morte, no nível biológico, deveria ser definida em termos de um
organismo que revela características de “sistema aberto”, o qual, de acordo com a
teoria geral dos sistemas de Von BERTALANFFY (1976), é o sistema que troca
energia e massa com o meio ambiente. Esse sistema, portanto, deve estar apto a
reagir com o meio ambiente, mas tendente ao estado estável, onde a entropia é
mantida em nível mínimo. Pode-se, assim, entender o conceito de morte como a
falência do organismo em sustentar um estado estável.
As várias formas de não-vida, como cristais e rochas, são “Sistemas Fechados”, que
não reagem com o meio ambiente. Por outro lado, um vírus pode ser uma molécula
complexa no seu estado cristalino, que não estaria vivo, mas possui o potencial de
tornar-se vivo se seu meio ambiente muda, ou se invadir uma célula hospedeira.
As formas superiores de vida desenvolveram sistemas centrais de controle, que
assumem o papel crítico de integrar sistemas subsidiários ou dependentes. Nos
seres humanos, como em outras formas avançadas de vida, o sistema crítico é o
ENCÉFALO. De acordo com o conceito de morte atual, formulado como “a perda
irreversível das funções do organismo como um todo” o organismo humano está
morto quando seu sistema crítico é destruído.
De acordo com KOREIN (1978), uma das características essenciais do sistema crítico é a sua insubstituibilidade.
“Virtualmente, todos os órgãos do homem são substituíveis com uma
exceção, e ela é o ENCÉFALO. O coração pode ser substituído por
uma bomba, os rins por uma unidade apropriada de diálise, as
glândulas endócrinas por terapia hormonal de substituição e assim por
diante. Um membro pode ser artificial, porém quando se trata de
neurônios que formam o sistema nervoso central, o individuo nasce
37
com um numero determinado que não se reproduz. Um neurônio pode
expandir seus dendritos e interconexões e o corpo celular pode ajudar
no crescimento de um axônio esmagado , mas se o corpo celular for
destruído, este processo é inacessível. O encéfalo depende dos
neurônios para suas funções e o organismo depende do encéfalo. Se o
encéfalo for irreversivelmente destruído, apesar de todos os sistemas
serem mantidos por quaisquer meios, o organismo como entidade
funcional individual não existe mais”.
Assim, uma vez destruído o encéfalo, o organismo humano não mais está em
estado de produção de entropia mínima, não importa quão bem outros sistemas
possam estar funcionando por meios artificiais, e a morte do encéfalo é o ponto além
do qual os outros sistemas não podem funcionar sem assistência mecânica ou
farmacológica. A centralidade atribuída ao encéfalo, além disso, não se deve
meramente a sua insubstituibilidade, mas está ligada, sobretudo,ao seu papel
regulador supremo, integrador e coordenador de todas as funções vitais; não se
conhecendo qualquer método pelo qual as importantes e complexas funções do
tronco encefálico possam ser substituídas seja manualmente ou por uma máquina.
Nada além da destruição do encéfalo satisfará as condições necessárias e
suficientes para uma definição biológica da morte, sendo esta um limite à atividade
de integração, de cognição e de consciência, as quais são encéfalo-dependentes.
Lesões maciças do córtex cerebral ocasionadas por traumas ou por anóxia podem
não causar inconsciência permanente (estado vegetativo persistente) mas existe
uma estrutura, localizada no tronco encefálico, sem a qual a consciência não pode
existir; trata-se do sistema ativador reticular ascendente (SARA), que faz da
sobrevivência do tronco encefálico a condição necessária para a capacidade de
gerar a consciência e a capacidade de respirar.
Poderíamos sobreviver em estado vegetativo com o tronco encefálico intacto, mas
sem sua função a assistolia seria inevitável apesar das medidas mais heróicas de
reanimação.
Poderíamos, pois, afirmar sem hipérbole, que o tronco encefálico, e especialmente
sua formação reticular é o sistema-crítico do sistema crítico. O primeiro
38
estabelece a morte da pessoa e o segundo estabelece a morte do encéfalo, ou seja,
a morte do sistema nervoso como um todo.
Entrementes, o sucesso da reversão cardiorrespiratória gerou um problema
científico, ético e bioético importante: o problema do “cadáver com batimentos
cardíacos”, no qual a ventilação com assistolia tornava-se aflitiva aos médicos e
parentes, já que não mais existia um limite aparente entre a vida e a morte. Nesses
casos, os critérios de Harvard (1968) evidenciaram-se confiáveis.
Desde então, não foi relatado na literatura nenhum caso em que os critérios fossem
cumpridos e a assistolia tivesse deixado de acontecer ou nos quais o encéfalo
voltava a funcionar enquanto o paciente estava sob ventilação (V. protocolo do CRF,
Anexo 1). Em resumo: após o estabelecimento desses novos critérios, a ligação
natural entre as funções do encéfalo e do coração e pulmões foi cortada, e a
combinação das palavras “morte-encefálica” adquiriu um tal grau de precisão que
veio a permitir um uso pragmático do termo, desde que a importância do exame
neurológico foi instaurada, com a determinação da ausência das suas funções do
tronco encefálico, os exames confirmatórios e a documentação inflexível do teste de
apnéia, fazendo com que a determinação da morte não dependa da avaliação de
uma única função: todas as funções do tronco encefálico devem ser, portanto,
procuradas – e confirmadas como ausentes – antes de que o individuo possa ser
diagnosticado como troncoencefalicamente morto;demonstrando-se, assim, que o
fato de estar o paciente ligado a ventiladores, não implica em que a vida esteja
presente.
É importante notar que vários estudos têm confirmado que, uma vez que os exames
diagnosticaram a perda da função do tronco encefálico e foram excluídas a
hipotermia e a intoxicação por drogas, nenhum paciente apresentou jamais indícios
de reversão com ou sem ventilador: essa irreversibilidade da morte do tronco
encefálico tem sido revelada em numerosas pesquisas como as de OUAKNINE,
KOSARY, BRAHAM, CZERNIAK e HILLEL (1973) os quais conduziram uma
investigação de 30 pacientes diagnosticados com morte encefálica nos quais a
parada cardíaca ocorreu entre 1 e 7 dias apesar das medidas reanimadoras.
39
Em 1971, KOREIN e MACCARIO examinaram 20 pacientes que se mostraram
irresponsivos à dor e aos estímulos dolorosos, não tinham movimentos respiratórios
ou respiração espontâneas e que não apresentavam resposta aos estímulos
térmicos ao ouvido com água gelada, à administração intravenosa de estimulantes
para o SNC à estimulação fótica e EEGs isoelétricos. Deles, 17 pacientes sofreram
parada cardíaca irreversível no período de 24 horas após preencher os critérios e
apesar de todos os esforços para manter a circulação. Todos os 20 pacientes
tiveram morte somática com parada cardio-circulatória no período de 48 horas. IBE
(1971), relata que 72 entre 72 pacientes desenvolveram parada cardíaca no período
de uma semana após o diagnóstico da morte do tronco encefálico.
BECKER, ROBERT e NELSON (1970) constataram em 15 pacientes um tempo
máximo de 50 horas até a morte somática.
PLUM e POSNER (1982)relatam sobre 9 paradas cardíacas no período de 50 horas.
Ao longo das décadas de 1980 e 1990, com o aperfeiçoamento da tecnologia, foi
possível protelar a assistolia por muitas semanas, após a morte. Em nenhuma
ocasião foram registradas reversões ou melhorias na condição dos pacientes.
Temos hoje a evidência de mais de 30 anos de que a atividade elétrica (EEG) após
a morte não é um indicador válido de vida. Hoje, estamos cientes de que a
reanimação tem seus limites e que não será restaurada a vida da pessoa cujo
encéfalo tenha sido destruído.
A legislação americana, baseada nestes e noutros fatos adotou um conceito unitário de MORTE com dois conjuntos de critérios:
1. cessação irreversível da respiração espontânea e da função cardíaca e, quando
isto não puder ser determinado,
2. cessação espontânea irreversível das funções do encéfalo.
A essência desse construto foi incorporada às recomendações da “Comissão
Presidencial para o Estudo dos Problemas Éticos na Medicina, Pesquisa Biomédica
e Comportamental” (President´s Comission for the Study of Ethical Problems in
Medicine and Biomedical and Behavioral Research) num volume denominado
40
“DEFINING DEATH” em julho de 1981. A Comissão propõe uma Declaração
Ordinária da Emenda Constitucional da Morte (Uniform Declaration of Death Act –
UDDA) de acordo com a qual [...] (JAMA, 1981):
“[...] o individuo que experimentar, seja (i) cessação irreversível das funções circulatórias e respiratórias, ou (ii) cessação irreversível do encéfalo inteiro – incluindo o tronco encefálico - está morto. A determinação da morte deve ser feita de acordo com os padrões médicos aceitos [...]”
Esta proposta é, atualmente, LEI FORMAL nos Estados Unidos da América.
Ao longo da segunda metade da década de 50 o uso amplo dos procedimentos de
reanimação proporcionou motivos para preocupações morais e religiosas, que
ocasionaram um manifesto da Igreja publicado em 1958, em que o Papa Pio XII em
“O Prolongamento da Vida”, (33) dá uma resposta direta ao problema de manter os
pacientes sob sistemas de subsistência de vida, quando não havia evidência de
viabilidade do encéfalo. O Papa argumentou que:
1. que a declaração oficial da morte não era assunto da Igreja, mas dos médicos e
2. que chega uma hora na doença do paciente onde a situação é desesperada e a
morte não deve ser resistida com recursos extraordinários. (29)
6.2. Aspectos Bioéticos da Morte Encefálica:
Definições:
“Se existem duas culturas que parecem incapazes de dialogar – as ciências e
as humanidades -, e se isso se apresenta como uma razão pela qual o futuro se
apresenta duvidoso, então, possivelmente, poderíamos construir uma ponte
para o futuro, construindo a bioética como uma ponte entre duas culturas”.
41
Van Rensselaer Potter
Bioethics:Bridge to the futre, 1971.
[ … ] “ Uma nova ética científica que combina humildade, impossibilidade e
competência numa perspectiva interdisciplinar e intercultural e que
potencializa o sentido de humanidade. [ ... ]Uma ponte entre a ciência
biológica e a ética”.
(Potter, 1998)
[...] Ações que diminuem as chamas de sobrevivência humana são imorais e
devem ser julgadas em termos de conhecimento disponível e no monitoramento
de “parâmetros de sobrevivência” que são escolhidos pelos cientistas e
humanistas [...]
( Potter, 1971)
“Uma reflexão de ordem mais ou menos normativa ou ética sobre os
problemas colocados pelos progressos das ciências biomédicas, novos
problemas como os transplantes de órgãos, a genética, ou nova abordagem de
problemas, antigos como a eutanásia e o aborto”.
(Jocelyne St. Arnaud)
Em vista das definições acima, que poderiam ser multiplicadas à saciedade, de
acordo com as concepções de cada autor em relação à Bioética e às grandes
questões que hoje em dia ela suscita, decidimos separar os dilemas éticos e morais
da morte encefálica dos complexos problemas hodiernos abrangidos pelas questões
dos transplantes, no intuito de simplificar o presente trabalho, reservando o
problema dos transplantes para outra monografia ulterior.
O conhecido eticista e moralista espanhol M. VIDAL (1991) coloca a bioética
epistemologicamente numa ordem metodológica, como um ramo ou subdisciplina do
saber ético, do qual recebe seu estatuto epistemológico básico, com o qual mantém
uma relação de dependência justificadora e orientadora.
42
Os conteúdos materiais são dados à mesma bioética pela realidade do “cuidado da
saúde” e pelos dados das “ciências da vida” como a biologia, a medicina, a
antropologia e a sociologia (id.). Deste modo, a bioética se constitui por forte
interdisciplinaridade e transversalidade em relação às ciências e especialidades que
tratam da vida e da saúde. Suas intenções formais contemplam os elementos que
contribuem para a análise e propostas éticas diante da realidade; assumindo as
questões de fundo metodológicas e epistemológicas. Aqui estaremos diante de
questões de fundo sobre o sentido, fundamentos e direção a darmos para a vida e a
saúde. Por exemplo, diante de uma questão bem particularizada como a de desligar
ou não os aparelhos que sustentam uma “vida” com Morte Cerebral, a bioética
prossegue em suas preocupações filosóficas e planetárias de pesquisar questões a
isso relacionadas como: o sentido da vida e da morte, os compromissos da vida
pessoal ou individual com a social, sem as quais seriam precários nossos
discernimentos éticos e até morais.
GRACIA, (1989), no intuito de fundamentar nossa ética da vida, procura sondar as
diferentes correntes filosóficas de interpretação do ser humano. Sua metodologia
recomenda, inicialmente, a obtenção de uma “história clínica” tirada com grande
realismo, deixando evidente que para chegar à reflexão bioética é necessário antes
sondar as questões de fundo. Nesse intuito, reanalisa concepções helênicas sobre
vida, medicina e saúde, estudando correntes antigas, medievais e modernas de
propostas éticas, situando os fundamentos daí propostos para a bioética atual; não
fugindo, assim, ao fato de que a ética da vida se alimenta de concepções que nos
remetem à interpretação e compreensão filosófica do ser humano e de sua vida.
Notemos, outrossim, que o próprio M. Vidal, acima citado (id.ibid), intitula parte de
seu manual que trata de bioética como “Bioética Teológica”, colocando em pauta
também as constituições teológicas que as diferentes confissões religiosas passam
a oferecer à bioética, propondo a boa formação do caráter e da personalidade ética
(bioética de virtudes), especialmente dos médicos, acentuando o papel da religião
para contribuir nesse sentido.
O mesmo autor enfatiza não ser possível elaborar a bioética sem uma cosmovisão
antropológica, campo esse em que a teologia tem muito a contribuir, descortinando
43
horizontes para além da vida e da morte, o sentido antropológico da dor, do
sofrimento e da própria morte; projetando uma bioética com mística, com ideais, com
projeções utópicas, com esperança e com amor, responsabilidade e sentimentos
humanitários e convicções espirituais, originando uma bioética com credibilidade,
sem perplexidade, não intimidada pela diversidade, juízos, normas e confrontos de
opiniões, que encara a vida não como desafio mas com amor.
DAVID LAMB, conferencista e filósofo do Departamento de Ciências Biomédicas e
Ética Biomédica da Faculdade de Medicina da Universidade de Birmingham, diretor
da Faculdade de Filosofia da Universidade de Manchester, autor de mais de 15
obras sobre morte e bioética e mais de 35 títulos publicados no campo da ética e da
filosofia, publicou o livro ÉTICA, MORTE E MORTE ENCEFÁLICA (Ed. Office, S.
Paulo, 2001), cuja obra o autor da presente monografia teve o privilégio de
prefaciar, a qual veio lançar novas luzes no assunto a que ora nos dedicamos no
presente trabalho. Nesse livro, o autor submete a exame o conceito de morte
defronte ao acontecimento de mudanças práticas na tecnologia médica da
atualidade: a evolução das técnicas de reanimação, e a capacidade das máquinas
assumirem funções tão vitais quanto a ventilação, que vieram desafiar os métodos
tradicionais de diagnóstico de morte, explicando porque a morte encefálica é a
condição necessária e suficiente para o diagnóstico de morte do ser humano. Essas
e outras questões são analisadas pelo autor e também no presente trabalho, através
do levantamento de literatura recente sobre a definição e o diagnóstico de morte,
procurando defender que a morte encefálica pode ser definida, como vimos
anteriormente, e determinada com precisão, e que um conceito biológico de morte
tal como a morte encefálica pode ter fundamentação médica, filosófica e bioética,
alguns desses conceitos se tornando leis formais em muitos paises, incluindo o
nosso.
Esse mesmo autor, em seu outro livro TRANSPLANTE DE ÓRGÃOS E ÉTICA (ed.
Hucitec, SP, 2000) examina criteriosamente os assuntos éticos e sociopolíticos
resultantes das tentativas de redefinir as fronteiras da vida, perguntando-se se há
um limite moral para o que pode ser feito com um cadáver, os problemas, ligados à
obtenção de órgãos e sua distribuição, a política social para fazê-lo e se
determinados indivíduos, que precisam de um órgão para viver, podem ter direitos
44
morais sobre os órgãos de outro ser humano, com base no altruísmo, e que
obrigações os seres humanos devem ter uns com os outros (a Regra de Ouro).
Salienta, ainda, que “assim como as técnicas de cirurgia de transplantes eram “experimentais” no primeiro momento, assim também eram os princípios éticos vigentes, que jamais as poderiam ter previsto, então, sem regras suficientes que pudessem guiar os pesquisadores”. Essas regras ou normas
têm evoluído, por assim dizer, em conjunto com as novas técnicas, hoje os
transplantes se transformando em terapêutica de rotina, criando o problema de que
para transplantar com êxito órgãos removidos de pessoas mortas, estas devem reter
ainda um pouco de vida. Este fato nos suscitará o problema da determinação da
morte em casos que envolvam doação, criando controvérsias éticas fundamentais
associadas aos transplantes e gerando grande confusão e incerteza, donde a
necessidade bioética de se determinar com precisão a ocorrência da morte, objetivo
precípuo da presente dissertação.
Como já enfatizamos anteriormente, neste trabalho não iremos focalizar o problema
dos transplantes de órgãos, deixando-os para outra oportunidade. Aqui cuidaremos,
doravante, dos critérios que estudamos na nossa Unidade no ICHC para a
determinação judiciosa, e bioeticamente segura da morte encefálica em nosso meio,
objetivo principal da presente pesquisa, a qual ainda se encontra em andamento
em seus vários aspectos.
Baseados na vivência e na experiência com os pacientes e suas famílias,
passaremos agora a analisar os aspectos conceituais da morte encefálica, seus
aspectos éticos e bioéticos como propósitos consequenciais do presente trabalho.
6.3. Dilemas Éticos:
Como temos visto nos parágrafos anteriores, a ciência médica e a bioética têm
encontrado dificuldades muito sérias na formulação dos critérios de morte, e o
presente trabalho vem demonstrar que a procura das respostas éticas e científicas,
como qualquer outro dilema de ordem médica, deverá repousar em mais pesquisas,
mais análise dos dados científicos já obtidos para fundamentar uma ciência médica
melhor, e não no ceticismo e nas tentativas de passar a responsabilidade para as
45
autoridades de saúde, da jurisprudência, para a previsão social, e menos ainda para
os filósofos de gabinete.
Em que pesem muitas divergências de opinião científicas, que evitamos polemizar
no presente trabalho, em relação ao problema da morte, é importante manter uma
prudente dessemelhança entre os assuntos científicos e éticos. Do ponto de vista
ético as perguntas sobre esses dilemas deveriam ser formulados da seguinte
maneira:
1. Quando a vida de uma pessoa não vale mais a pena ser preservada?
2. Do ponto de vista estritamente científico e médico: quando é correto definir essa
pessoa como morta?
A primeira questão deverá ser formulada quando precisamos decidir se é
permissível eticamente descontinuar o tratamento.
A segunda questão será feita quando obrigados a declarar o ex-paciente pronto para
as exéquias.
Em ambos os casos, forçosamente, precisaremos decidir, bioeticamente, sobre o
desligamento do ventilador e a descontinuação do tratamento intensivo; mas seu
propósito e significação constituem dilemas radicalmente diferentes, não devendo o
médico permitir que o apelo às teorias da morte como “evento” ou como “processo”
influenciem a serenidade do facultativo, produzindo-lhe inquietação e dúvidas quanto
à diferença entre os direitos do paciente por um lado e os deveres do médico, em
relação ao recém-falecido por outro; pois aqui estarão em risco conceitos como
homicídio, eutanásia, heranças e direitos cíveis.
Felizmente, hoje os tribunais da atualidade já aceitam os critérios médicos de morte
relativos ao encéfalo, reconhecendo que, baseados em circunstâncias já
cuidadosamente definidas cientificamente, o instante da morte é aquele em que a
função do encéfalo cessa irreversivelmente. Por esta razão, a definição da morte
como evento deve, forçosamente, referir-se ao fato clínico e à precisão teórica e
46
científica, ao invés de nos apegarmos à tese ética de alguns autores de que a morte
não pode ser determinada como um fato biológico, argumentando que a vida,
persiste até que a ultima célula pare de funcionar, ou que se instale a rigidez
cadavérica e a putrefação, o que constituiria uma absurdidade conceitual.
Em razão de as instituições sociais, legais, médicas e religiosas exigirem a definição
do instante da morte, então esse instante pode ser determinado com referência aos
critérios biológicos que se tornam estatutários, que ,como temos referido no
presente trabalho, é o instante em que o encéfalo como um todo cessa de funcionar,
quando o tronco encefálico, como seu sistema crítico tornou-se irreversivelmente
não funcionante, devendo a medicina formular critérios que permitam que o instante
da morte seja determinado com precisão como temos procurado demonstrar.
Hoje em dia, a possibilidade de tentativas prolongadas de reanimação levanta a
questão da MORTE com DIGNIDADE. Freqüentemente nos perguntamos, como
médico, se o paciente deve ser submetido a regimes, e tratamentos sem esperanças
e fúteis, com alimentação intravenosa ou por tubos nasogástricos, diálise, choques
elétricos e pancadas no esterno repetidas, a fim de sobreviver mais um dia ou
alguns dias, que se tornam o último ritual da medicina moderna ? Desistir quando o
prognóstico for sem esperanças não deve mais ser interpretado como uma forma
familiar de eutanásia passiva. Descontinuar o tratamento nos casos sem esperanças
não significa “permitir morrer” mas “permitir morrer de forma mais aceitável e mais
digna”. A afirmação “deixar morrer” só teria sentido se fosse possível, em algum
estádio das doenças, encontrar outras alternativas para a manutenção da vida.
Manter as funções de um paciente com morte encefálica declarada só por que os
meios técnicos existem, torna-se uma atrocidade moral e econômica, que vem se
expandindo através de uma perversão da ciência médica; pois não é aceitável nem
uma obrigação ética garantir que as unidades intensivas se mantenham disponíveis
à custa dos contribuintes. Essas unidades devem ser mantidas para os vivos que
mais as necessitam, não deixando que unidades intensivas do hospital façam às
vezes de mortuários.
O Harvard Report (1968) refere casos de familiares pagando acima de U$2.000 por
dia para manter um cadáver ventilado. Em nossos hospitais mais diferenciados,
47
essa quantia pode ultrapassar a de R$10.000,00 diários, sem computar honorários
médicos !
Existe um imperativo moral para classificarmos ou definirmos a pessoa como morta
ou viva, porque as conseqüências de tal decisão afetam as ações a serem tomadas
em relação ao indivíduo. É imoral tratar o vivo como morto e também é imoral tratar
o morto como vivo. Quando a morte delimita a fronteira entre a cessação da
terapêutica do moribundo e o início dos procedimentos para um transplante, p.e.,
deparamo-nos com a existência moral de um princípio de SEPARAÇÃO em
relação ao manejo de um cadáver. Na maior parte dos paises, inclusive o nosso,
existem leis e regras que estipulam que o médico a cargo de um paciente à espera
de um transplante de órgão não pode determinar a morte de um doador potencial
ou envolver-se na remoção de órgãos específicos. Isso evita um conflito de
interesses entre os médicos e salvaguarda dos direitos dos pacientes seriamente
doentes ou moribundos. Este princípio de separação é, talvez o principio ético mais
importante da ética dos transplantes, em que o tratamento do potencial doador não
deve ser influenciado pelos interesses do receptor potencial.
48
7. RESULTADOS E ANÁLISE DOS DADOS
Desde os primeiros momentos da presente pesquisa nota-se que nossos Termos de
Declaração de Morte Encefálica (TDME) e as Notificações de Potencial Doador
(NPD) emitidos nos casos estudados foram sempre preenchidos em consonância
com o que dispõem a Resolução CFM no. 1480/97 e a legislação pertinente, sendo
observados todos os procedimentos prescritos.
A análise desses TDMEs realizados em 421 casos evidenciou que foram sempre
realizados 2 exames neurológicos, por médicos diferentes e não integrantes das
equipes de transplante, sendo que o exame complementar mais utilizado foi o
DOPPLER transcraniano, seguido pelo POTENCIAL EVOCADO e pelo SPECT. A
angiografia cerebral, por ser considerado exame invasivo e não isento de riscos, foi
efetuada em apenas um caso em que estava indicado. O EEG não foi efetuado em
nenhum caso, pois é utilizado apenas em crianças.
Em nossos 1674 casos de pacientes externos e internos notificados em 6 anos pela
OPO do HC-FMUSP, enviados à nossa UTI de Morte Encefálica especializada,
apenas 348 casos se tornaram reais doadores, para uma média anual de 58
doadores utilizados, com uma doação efetiva, portanto de 20,7% dos casos
estudados, considerando-se a recusa familiar (média 35%) e as outras causas de
perda de doação, tais como parada cardiorrespiratória (27%), sorologia positiva,
diagnóstico de Morte Encefálica não confirmada, não-doador em vida, ou sem
condições clínicas.
Os resultados da determinação clínica e pelos testes confirmatórios da Morte
Encefálica foram seguros, desde que seguidos os critérios da resolução do CFM.
Nossa experiência veio demonstrar que os exames complementares mais seguros e
confirmatórios foram sobretudo o Doppler, o SPECT e os Potenciais Evocados.
Apesar das vantagens do Doppler,de ser realizado com aparelho portátil à beira do
leito, trata-se de exame técnico-dependente, e a nosso ver menos confiável
49
(sobretudo em traumas abertos e em pacientes craniotomizados) recaindo nossa
preferência sobre os potenciais evocados ( 375 casos) e cintilografia pelo SPECT
( 76 casos). Cremos que estes números foram suficientes para identificar as
vantagens e desvantagens de cada um destes exames em tornar cada vez mais
precisa a determinação da Morte Encefálica.
Quanto ao teste de apnéia, aprendemos a considerá-lo como um exame de certo
risco, e que deve ser realizado apenas após observação de todos os critérios já
descritos durante a sua execução, sendo que, atualmente, em nosso serviço, como,
na literatura, verifica-se hipóxia sistêmica ou arritmia cardíaca fatal em 27% dos
casos, hipotensão arterial sistêmica em 39%, associadas a acidose metabólica e
hiperkalemia além de tumefação cerebral difusa, hipertensão intracraniana ou
herniação do uncus ou amigdalas cerebelares se ainda houver perfusão encefálica.
Nossos dados demonstram a ocorrência de 1,6% de parada cardíaca durante a
apnéia e um acréscimo de 6,6% se um segundo teste for realizado.
Pelas razões acima expostas, e em vista do grande aperfeiçoamento dos exames
gráficos confirmatórios na precisão e exatidão do diagnóstico da Morte Encefálica,
poderíamos sugerir, futuramente que o arriscado teste de apnéia possa vir a ser
substituído pelos testes gráficos, mais confiáveis e isentos de complicações.
Outrossim, nossos resultados baseados na análise clínica, ética e bioética desses
métodos confirmatórios ou complementares, vieram também demonstrar que hoje se
torna possível tratar humanisticamente tanto os pacientes terminais como os
potenciais doadores de órgãos (e suas famílias) conferindo-lhes, em UTIs
especializadas, todo o conforto e cuidados humanos para que sua terminalidade
esteja coberta pelos mais recentes progressos da tecnologia médica,
proporcionando-lhes assistência e dignidade ao término de suas existências, bem
como conforto e auxílio aos familiares, que perdem seus entes queridos, desde que
uma equipe especializada e estruturada seja formada para tal finalidade, em centros
de excelência.
50
8. DISCUSSÃO
A literatura mundial sobre Morte Encefálica analisada na presente dissertação,
comparativamente com o trabalho e pesquisas sobre o assunto, que vimos
realizando no Instituto Central do HC-FMUSP durante os últimos 6 anos,
complementada com a obrigatoriedade e a necessidade de, nós médicos,
sugerirmos e aplicarmos os critérios previstos e sintetizados na Resolução CFM no.
1480/97 para diagnosticar e constatar a Morte Encefálica , cria-se em nosso meio
uma ponte bioética, segundo Potter, para análise e metanálise desse tema à luz
dessa moderna ciência-filosofia que é a Bioética.
Essa linha de estudos e de pesquisas, visando ao diagnóstico de certeza da
ocorrência da Morte Encefálica, bem como à segurança desse diagnóstico nos
estados terminais, dos potenciais doadores de órgãos e da maior tranqüilidade de
suas famílias, quando se trata de doador-cadáver, implica também na segurança
dos médicos na hipótese de processos administrativos ou judiciais, visando à sua
responsabilização, desde que os facultativos pautem pela conduta e exames com
base nas normas que seguem a questão.
Não iremos analisar no presente trabalho, se esses cuidados humanísticos dos
pacientes terminais e a captação de órgãos em todo o país, está sendo eficaz ou
não, já que nem todos os centros médicos brasileiros, contam à sua disposição com
os métodos tecnológicos e equipes bem treinadas, como se encontram nos grandes
hospitais ou no Instituto Central-HCFMUSP.
Entretanto, uma das finalidades do presente trabalho é demonstrar que esses
recursos, forçosamente, vão se tornando cada vez mais necessários, se desejarmos
uniformizar e normatizar, em nosso país, o cuidado intensivo de nossos pacientes
terminais, realizar uma maior humanização desses cuidados, e um aperfeiçoamento
dos meios de diagnóstico da Morte Encefálica para que sejam adotadas condutas
para uma verdadeira ortotanásia - o término da vida com maior dignidade- e a
manutenção da captação de órgãos em níveis mais elevados; num país em que as
filas de espera de receptores já se eleva à casa de 70 mil almas, muitos juntando-se
51
a elas todos os dias, e muitos falecendo, diariamente,na vã esperança do
surgimento de um doador milagroso que salve suas vidas; não nos esquecendo de
que, um doador apenas, poderá salvar de 15 a 20 vidas dos que estão condenados
a uma fila de espera.
Apesar de tudo, o Brasil tem experimentado avanços significativos, nos últimos
anos, em relação aos aspectos legislativos do setor de saúde: a Constituição da
Republica Federativa do Brasil é considerada como uma das mais avançadas do
mundo no capítulo referente à Saúde , segundo V. GARRAFA. 1995). As leis nos.
9.434/97 e 10.211/01, bem como a Resolução CFM no. 1480/97, foram editadas
seguindo esse avanço constitucional.
Entrementes, apesar de todo esse progresso na legislação da área de saúde, com
vista especial aos transplantes, podemos verificar que existe importante
precariedade, sobretudo nos hospitais públicos e muitos privados, no sentido da
não-existência de centros especializados para o diagnóstico preciso da Morte
Encefálica, o que faz crescer diariamente o número de pessoas aguardando um
órgão em filas intermináveis, o que demonstra que o benefício para a sociedade está
ainda muito aquém do esperado. Cite-se o fato de que um dos estados mais
importantes da Federação, durante algum tempo, cessou seu programa de
transplantes, em razão da não-existência de um simples aparelho de EEG para a
determinação da morte encefálica, técnica essa já considerada obsoleta para
adultos e que jamais foi empregada em nosso centro de estudos; e que vem
demonstrar segundo o próprio bioeticista V. Garrafa, (19950 que: “a prática coletiva
está emperrada, e longe de acompanhar os progressos proporcionados pela lei”.
Em virtude desses fatos, as recusas familiares para doações continuam a crescer, o
que significa que os familiares não se sentem seguros quanto aos procedimentos
que envolvem as doações de órgãos e, quem sabe, sobretudo, quanto aos critérios
utilizados para a constatação da Morte Encefálica em centros mais despreparados, o
que coloca as pessoas, inegavelmente, numa ingente posição de vulnerabilidade,
provavelmente por desconhecerem os procedimentos que envolvem a doação de
órgãos, ou por não estarem sendo devidamente esclarecidas a respeito, em especial
52
quanto ao conceito de morte propriamente dita e aos novos conceitos de Morte
Encefálica.
Tem o Estado, por força do que dispõe o parágrafo único do Art. 10 da Lei no.
9434/97, o dever e a responsabilidade de realizar campanhas de esclarecimento
público e estímulo à doação de órgãos e humanização dos cuidados aos
candidatos terminais, o que viria permitir à população compreender o conceito de
Morte Encefálica e toda a dimensão ética e bioética que envolve tão importante
problema. Infelizmente, a dificuldade em seguir os critérios da referida lei, reside na
falta de recursos humanos e tecnológicos que vivem a realidade médica dos
hospitais brasileiros e suas equipes, o que fere de maneira letal, o código de Ética
Médica e os princípios básicos da Bioética, que orienta os médicos quanto à conduta
irrevogável no sentido de maximizar os benefícios, minimizar os riscos e danos e se
abster de prejudicar os pacientes, buscando sempre contribuir para o seu bem estar,
princípios básicos estes extraídos da moderna Bioética: princípios da
BENEFICÊNCIA e da NÃO-MALEFICÊNCIA, como históricos referenciais de nossa
milenar tradição hipocrática de REALIZAR o BEM e PREVENIR ou eliminar o mal,
não deixando ainda de citar os princípios da AUTONOMIA, DA JUSTIÇA e das
VIRTUDES, que governam bioeticamente todos os atos e decisões médicas e os
cuidados na saúde.
Chamamos aqui a atenção para os conflitos que são vivenciados por nossa classe
médica, no afã de proporcionar a sagrada continuação da vida de um ser humano
que aguarda um órgão, e que se vê impedida de contribuir para esse bem maior – ia
quase dizendo: para esse “milagre” de ressuscitação proporcionado pela medicina
dos transplantes – devido ao fato de que as instituições em que atuamos não
estarem estruturadas adequadamente a fim de possibilitar o diagnóstico de morte
encefálica com segurança, forçando-nos, assim a praticar a terrível transgressão da
maleficência por omissão, infringindo um mal às famílias sem diagnóstico de seus
parentes terminais, e um dano aos que estão aguardando um órgão para poderem
continuar a viver, simplesmente porque “O princípio da precaução é a garantia
contra os riscos potenciais que, de acordo com o estado atual do conhecimento,
não podem ser ainda identificados. Este princípio afirma que a ausência da certeza
53
científica formal, a existência de um risco de um dano sério ou irreversível requer a
implementação de medidas que possam prever este dano “ ( GOLDIM, 2004)
Este importante princípio sugere que nos afastemos do perigo de dano em
situações de incertezas, adotando como base medidas preventivas, uma ação
cautelosa frente ao risco, sobretudo o não fornecimento de TDME baseados apenas
em exames clínicos neurológicos, sem exames complementares, como pode ocorrer
em centros poucos preparados. A prevenção implica na administração e controle no
momento anterior ao evento indesejado, não agindo sem precaução em sem atos
cautelosos a fim de protegerem seus pacientes, sobretudo na área dos transplantes,
sempre procurando respaldo legal e maior segurança.
A virtude da prudência torna-se essencial para a atividade médica nesse setor,
habilitando os médicos a executar sempre o que está certo, o que convém e fazer o
bem aos pesquisados, não se contentando com exames complementares pouco
confiáveis, já que nenhum processo tecnológico isolado se demonstra
completamente infalível.
O famoso Teólogo e Humanista HANS KÜNG em seu monumental livro: Projeto de
Ética Mundial (1998 ), assim se manifesta em relação a nosso progressos
científicos, que ora apreciam à Morte Encefálica e á captação de órgãos:
“...... de uma ciência eticamente livre para outra eticamente responsável, de uma
tecnocracia que domina o homem para uma tecnologia que esteja a serviço da
humanidade do próprio homem ... [...] de uma democracia jurídico-formal a uma
democracia real que concilie liberdade e justiça”.
Salientamos, ainda, que nosso país tem necessidades urgentes de implementar
novas unidades e pessoal treinado para o diagnóstico preciso e autorizado da Morte
Encefálica por duas razões principais: a primeira para o não prolongamento do
sofrimento das famílias sempre à espera de um “milagre” em nossas UTI´s quanto à
recuperação de seus entes queridos e, em caso de doação a efetuação de um
diagnóstico precoce de morte pois a demora em se estabelecer este diagnóstico
muitas vezes inviabiliza os órgãos para doação, pois, nos casos mais graves,
54
sobretudo de trauma craniano, poderá ocorrer parada cardíaca até em 6 breves
horas.
Em conclusão, queremos enfatizar que a reflexão filosófica e bioética sobre esses
assuntos vem tendo grande impacto em como entendemos hoje as antigas noções
básicas nos hodiernos cuidados de saúde: nossos ideais morais, o respeito pela
autonomia, a distribuição de justiça, os modernos conceito de doença, de morte e de
incapacidade, a prática de seguros-saúde, a legislação federal e as políticas-sociais,
a medicina baseada em evidência, nosso julgamento clínico, o uso de drogas no
terceiro mundo, todos esses fatores, têm causado disputas metaéticas.
Nossos colegas bioeticistas vêem hoje este campo (difícil e repleto de valores)
ultrapassar os esforços para prover os envolvidos na prática e ministração dos
cuidados na saúde com meios sofisticados de pensar sobre os ENIGMAS MORAIS
que enfrentamos; visibilizando um novo ângulo pedagógico no ensino da Bioética,
experimentando novos problemas e questões metafísicas e epistemológicas em
Medicina, tanto no campo da ética aplicada como na filosofia social, que nos fazem
pensar mais filosoficamente e bioeticamente sobre assuntos práticos. Assim, centros
bioéticos de pesquisa interdisciplinar têm se reproduzido como cogumelos ao redor
de todo mundo, fazendo surgir mais de uma dúzia de novas revistas, o que vem
testemunhar um sentimento de urgência sobre a situação ética da Clínica Médica,
do laboratório e dos sistemas de saúde em geral.
A expansão do poder médico e tecnológico no século XX e, seus custos crescentes
foram assustadores, a Medicina se tornando um fator de grande peso na cultura
contemporânea, com um papel que rivaliza com o da religião na Idade Média. Não é
mais surpreendente que os filósofos contemporâneos pensam mais sobre nossos
hospitais e sobre os problemas da morte, do que seus predecessores pensavam
sobre as igrejas. É importante notar que as reflexões desses filósofos de gabinete e
também as dos teólogos, têm se juntado ao pensamento dos médicos-práticos,
políticos, juristas, cientistas-sociais, biologistas, humanistas e ativistas comunitários,
a fim de constituir um vivo colóquio fora das tradicionais correntes
filosóficas,
55
engrossando as fileiras de intelectuais preocupados com a morte e com a vida, esse
duplo setor da Bioética.
Essa ascenção da Bioética, ressurge agora no momento em que a Medicina
desempenha um papel descomunal em nossa cultura, já que profundas reflexões se
tornaram necessárias para lidar com esse poder, fazendo da Medicina um campo
tremendamente fértil para criar, fazer, ensinar e aprender a filosofia da vida dentro
de um caráter interdisciplinar, fazendo com que a Bioética se torne uma grande via
através da qual possamos ensinar “ética aplicada” aos mais jovens e aos
estudantes,estimulando-os - em aulas e discussões - para enfrentar matérias tão
ricas e tão novas; sobretudo o relacionamento médico-paciente, e o significado da
moralidade das novas conquistas médicas e das instituições de saúde, vivenciando
assim, as virtudes e princípios pregados pela nova Bioética, em beneficio de si
próprios, como médicos, e de seus pacientes como seus dependentes, e como os
seus próximos, personificando, assim, a sublime REGRA de OURO, contida em
Gálatas 5:14, “Porque toda a Lei se resume num só mandamento: “Ame seu
próximo como a você mesmo”; a qual ainda que juntamente com Sermão da
Montanha contido em Mateus de 5 a 7, mesmo que não prometessem o Reino dos
Céus, seriam, a nosso ver, o melhor tratado de ética e de moral jamais elaborado
pelo homem.
56
9. CONCLUSÕES:
A análise da população estudada no presente trabalho, baseada em nossa
experiência e vivência pessoal com um grande número de pacientes terminais,
submetidos a exames neurológicos e confirmatórios de morte encefálica, estudados
em nossa Unidade e UTI especializada, seguindo as Diretrizes e resolução no.
1.480/97 do Conselho Federal de Medicina nos permitem propor as seguintes
conclusões:
1. CLÍNICAS:
1.1. O exame clínico neurológico é soberano na triagem e como primeira
determinação do quadro médico de Morte Encefálica.
1.2. Os exames gráficos ou confirmatórios da Morte Encefálica, foram
indispensáveis para comprovar a ausência da função encefálica.
1.3. Em nossa experiência, os exames confirmatórios de maior confiabilidade
nessa determinação foram o SPECT, os POTENCIAIS EVOCADOS e o
DOPPLER TRANSCRANIANO, respectivamente, sendo o SPECT
atualmente o exame preferencial em nosso Serviço como um dos exames
de escolha.
1.4. Neste estudo consideramos a Angiografia Cerebral por cateterismo como
exame de exceção e o EEG como exame desnecessário.
1.5. O teste de apnéia, no presente estudo, foi criteriosamente estudado e
considerado como exame de risco, se não existir uma unidade de
proteção sistêmica com intensivistas e enfermagem especializada,
embora a legislação vigente exija sua realização. A parada cardíaca
associada a um maior sofrimento cerebral poderão ocorrer numa
porcentagem importante de pacientes já vulneráveis; sobretudo se um
segundo teste for realizado.
1.6. Torna-se importante, como foi demonstrado, a existência de uma Unidade
e Equipe Especializada no estudo, manutenção, normatização e cuidados
intensivos e humanos aos pacientes terminais com Morte Encefálica,
sejam eles ou não potenciais doadores de órgãos.
57
2. NEUROFISIOLÓGICAS:
2.1. O presente estudo e os demais existentes na literatura mundial vieram
demonstrar que em seres humanos, como em outras formas avançadas
de vida, o sistema crítico é o ENCÉFALO.
2.2. De acordo com os conceitos atuais de MORTE, ela pode ser formulada
como “a perda irreversível das funções do organismo como um todo,
estando esse organismo morto quando seu sistema crítico (o encéfalo) é
destruído, o que propicia as condições necessárias e suficientes para uma
definição de morte, sendo esta um limite à atividade de integração, de
cognição e de consciência, as quais são encéfalo-dependentes.
2.3. Lesões maciças do córtex cerebral produzidas por traumas ou por anóxia
podem não causar inconsciência permanente (Estado Vegetativo
Persistente ou EVP), mas existe uma estrutura, localizada no tronco
encefálico, sem a qual a consciência não pode existir; trata-se do Sistema
Ativador Reticular Ascendente (SARA), que faz a sobrevivência do tronco
encefálico necessária para a capacidade de gerar a consciência.
2.4. Essa importante função neurofisiológica do SARA nos permite afirmar que
o tronco encefálico, e especialmente sua formação reticular, é o sistema crítico do sistema crítico. O primeiro estabelece a morte da pessoa e o
segundo estabelece a morte do encéfalo, ou seja, a morte SNC como um
todo.
2.5. O estabelecimento destes novos critérios veio conferir ao termo morte
encefálica um alto grau de precisão, permitindo seu uso pragmático, após
a realização do soberano exame neurológico clínico, os exames
confirmatórios gráficos e a documentação inflexível do teste de apnéia,
todas essas funções pesquisadas, permitindo o diagnóstico do paciente
como troncoencefalicamente morto e, demonstrando,assim, que o estar
ligado a ventiladores, não implica em que a vida esteja presente.
2.6. O presente estudo, realizado nas condições mais rigorosas da medicina
intensiva e de exames clínicos e laboratoriais minuciosos, permite-nos,
baseados em nossa estatística, encaminhar as conclusões abaixo
enumeradas ao colendo Conselho Federal de Medicina, no sentido de
sugerir e recomendar a alteração do próprio texto da lei, sobre tudo em
58
relação à realização do teste de apnéia como consta em seu próprio Art.
2o. § único: “As instituições hospitalares poderão fazer acréscimos ao
presente termo [...]”
Seriam as seguintes essas sugestões; a serem oportunamente encaminhadas:
1. Ventilar o paciente com O2 puro( FiO2 a 100%) por 10 minutos, antes do exame,
sem hiperventilação, mantendo a Pa O2 > 209 mmHg
2. Nível inicial de PaCO2 entre 35 – 40 mmHg na primeira gasometria.
3. Desconectar então o ventilador do paciente.
4. Instalar, de imediato, um cateter endotraqueal ou na traqueostomia existente,
superiormente à Carina com fluxo de 6 litros por minuto de O2 puro.
5. Observar a desconexão por até 10 minutos e proceder à 2a. gasometria.
6. Reconectar o ventilador imediatamente se ocorrer dessaturação, hipotensão ou
arritmia cardíaca.
7. Se aparecerem movimentos respiratórios torácicos ou abdominais, neste
intervalo de tempo, ou se a PaCO2 não superar níveis maiores ou iguais a 55
mmHg, não se caracterizará a apnéia.
8. Reconectar o ventilador imediatamente após o teste de apnéia.
Obs.: Estas recomendações, padronizadas em nosso serviço, visam a uma maior
proteção do paciente e à prevenção dos riscos durante o teste de apnéia.
3. ÉTICAS E BIOÉTICAS:
3.1. Muitas das conclusões anteriormente expostas já têm sido analisadas
globalmente em vários paises, transformando-se em LEIS formais em vários deles.
3.2. Fica também demonstrado que, tanto a ciência médica como a bioética, em
especial, têm encontrado sérias dificuldades na formulação dos critérios de morte, e
o presente estudo demonstra que a procura de mais respostas éticas, bioéticas e
cientificas, ao invés de criar mais dilemas de ordem médica, deverá repousar em
mais pesquisas e maior análise dos dados científicos já obtidos, e não no ceticismo
e nas tentativas de passar essa responsabilidade para as autoridades de saúde, da
jurisprudência e para a previdência social, e, menos ainda, para os religiosos e
filósofos de plantão.
59
3.3. As instituições sociais, legais, médicas e religiosas sempre exigirão dos
bioeticistas e dos neurocientistas melhores definições quanto ao instante exato da
morte, as quais só poderão ser determinadas por critérios biológicos, que
obrigatoriamente se tornarão estatutários.
3.4. Esses critérios, como sugere o presente estudo, é o instante em que o sistema
crítico-encefálico se torna irreversivelmente não-funcionante, segundo os critérios
médicos e neurofisiológicos precisos expostos na presente dissertação.
3.5. Descontinuar o tratamento nos casos com Morte Encefálica diagnosticada e
comprovada pelos métodos citados não mais significa permitir morrer, e sim “permitir
morrer de forma mais aceitável e mais digna”. A afirmação “deixar morrer” só teria
sentido se fosse possível, em alguma fase das doenças, encontrar outras
alternativas para a manutenção da vida.
3.6. Portanto, desistir quando todos os recursos médicos já foram tentados e
esgotados, não deve mais ser interpretado como uma forma familiar de eutanásia
passiva, e sim uma humanização de nossos cuidados médicos, em razão do
aperfeiçoamento dos meios de diagnóstico da Morte Encefálica, a fim de que sejam
adotadas novas condutas para uma verdadeira ORTOTANÁSIA - o término da vida
com maior dignidade.
3.7. Concluímos, finalmente, que a reflexão Bioética vem sofrendo uma ascensão e
um novo ressurgimento, num momento em que a Medicina vem desempenhando um
papel descomunal em nossa cultura, profundas reflexões se fazendo necessárias
para lidar com esse poder, e criando um campo tremendamente fértil para ensinar
aos mais jovens essa nova filosofia da vida, estimulando-os a enfrentar matérias tão
ricas e tão novas, sobretudo no relacionamento médico-paciente e o significado da
moralidade nas instituições de saúde.
60
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40.WALKER, E.A. Cerebral Death. Baltimore:Urban & Schwartzenberg, 1977.
63
64 APÊNDICE
ANEXO 1
65
ANEXO 2
66
ANEXO 3
67
ANEXO 4
68
ANEXO 5
69
ANEXO 6
EPÍTOME
O discurso escatológico sobre o Juízo Final do Novo Testamento, encontrado em
Mateus 25:36, ressalta de forma significativa um dos pontos mais elevados da
religião cristã: .... “Estava doente e cuidaram de mim”....[segue]
Parafraseando a sublime sabedoria nele contida em relação à questão atual dos
transplantes, talvez hoje pudéssemos dizer:
“Meu coração estava doente e me deram o seu, antes que o
meu parasse”
Estava numa máquina de diálise e me deram o seu rim antes
que eu morresse.
Estava em coma hepático e me doaram seu fígado, que me
acordou para o mundo.
Morria eu asfixiado e você me deu seus pulmões e voltei a
respirar.
Estávamos todos condenados à morte, mas ressuscitamos
para a vida [----]
(Artigo “O MILAGRE DOS TRANSPLANTES”, Folha
de São Paulo, 15 de maio de 2001, p. A-3 Seção
Tendências e Debates)
Eis a verdadeira Regra de Ouro para os dias de hoje: “um corpo salvou muitas vidas”. Esse é hoje o verdadeiro significado dos transplantes: permitir que nós,
pobres médicos, sejamos instrumentos, tentando imitar, e de forma sublime, o
milagre da ressurreição, procurando – depois da morte – continuar a oferecer a vida,
revivendo a parábola, pois somente o ato heróico da doação do próprio corpo após a
morte, para outrém, irá nos proporcionar a verdadeira experiência de ter estado vivo.
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