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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM EUNICE MATIAS DO NASCIMENTO ASPECTOS DA ORGANIZAÇÃO INTERACIONAL NAS CARTAS PESSOAIS COMPARTILHADAS ENTRE CÂMARA CASCUDO E MÁRIO DE ANDRADE NATAL/RN 2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

DEPARTAMENTO DE LETRAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM

EUNICE MATIAS DO NASCIMENTO

ASPECTOS DA ORGANIZAÇÃO INTERACIONAL NAS CARTAS PESSOAIS

COMPARTILHADAS ENTRE CÂMARA CASCUDO E MÁRIO DE ANDRADE

NATAL/RN

2017

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EUNICE MATIAS DO NASCIMENTO

ASPECTOS DA ORGANIZAÇÃO INTERACIONAL NAS CARTAS PESSOAIS

COMPARTILHADAS ENTRE CÂMARA CASCUDO E MÁRIO DE ANDRADE

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Estudos da Linguagem da

Universidade Federal do Rio Grande do Norte,

como requisito para obtenção do título de

Mestre em Estudos da Linguagem.

Área de concentração: Linguística Teórica e

Descritiva

Orientadora: Profa. Dra. Marise Adriana

Mamede Galvão.

NATAL/RN

2017

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Aos meus pais, Francisco e Margarida.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, por ter me concedido força, paciência e perseverança para concretizar mais

uma vitória em minha vida.

Aos meus pais, Francisco e Margarida, por todo esforço realizado ao longo dos anos

para me proporcionar a oportunidade de estudar. A vocês, minha eterna gratidão.

Aos meus irmãos, Sirleia, Simone (in memoriam), Sinésio (in memoriam), Sidney e

Eugênio, pelo amor fraterno que (com)partilhamos. Minha gratidão, a vocês, por todo cuidado

e proteção dedicada.

A Daniel, meu namorado, pelo companheirismo e por todas as palavras de

encorajamento que me incentivaram a prosseguir, buscando realizar mais um sonho em minha

vida.

À minha orientadora, professora Dra. Marise Adriana Mamede Galvão, que desde a

graduação vem me incentivando e conduzindo no mundo da pesquisa. Minha gratidão por

todas as conversas/aulas, esclarecimentos e orientações que foram fundamentais para a

realização deste trabalho.

À professora Dra. Ana Maria de Oliveira Paz pela acolhida no estágio de Docência

Assistida. Serei sempre grata pelos ensinamentos, os quais contribuíram com minha formação

e prática docente na graduação em Letras no Centro de Ensino Superior do Seridó, e por todo

carinho.

Agradeço imensamente à professora Dra. Maria das Graças Rodrigues Soares, pelas

valiosas contribuições a esta dissertação, enquanto membro da banca de qualificação e defesa,

pelo espaço no grupo de estudo Análise Textual dos Discursos e pelas demais oportunidades

no âmbito acadêmico que me proporcionou.

À professora Dra. Josilete Alves Moreira de Azevedo, não só por todas as importantes

contribuições a esta dissertação, mas também pelos ensinamentos durante a minha formação

na graduação em Letras no Centro de Ensino Superior do Seridó, os quais foram (e ainda são)

essenciais para a caminhada profissional.

À professora Dra. Maria Eliete de Queiroz, pelas contribuições a este trabalho como

membro da banca de defesa.

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Aos meus colegas da turma de Letras de 2011.1, pelas experiências acadêmicas e de

vida partilhadas ao longo da graduação. Vocês contribuíram de forma especial para que as

dificuldades durante tal período fossem superadas.

À Maria Betânia, Vitória, José Iranilson e Romena, por todos os momentos

(com)partilhados no decorrer do curso de mestrado e pelas palavras de incentivo e amizade.

À Célia Maria de Medeiros, pelo carinho e por contribuir com a revisão das

referências, no que se refere às normas da ABNT.

Ao corpo docente do Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem, pelos

ensinamentos e aos funcionários da secretária, Beth e Gabriel, pelo atendimento ao longo

curso.

À turma de Letras 2015.1 do Centro de Ensino Superior do Seridó, pela recepção,

troca de conhecimentos e experiências durante minha atuação no estágio docente no ensino

superior.

À Capes, pela bolsa de demanda social que contribuiu, imensamente, para que eu

pudesse participar de atividades acadêmicas do curso de mestrado e realizar este trabalho.

Por fim, a todos que, diretamente e indiretamente, contribuíram com este trabalho.

Muito abrigada.

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“[...]

E você aprende que realmente pode suportar ... que realmente é forte,

e que pode ir muito mais longe depois de pensar que não se pode

mais. E que realmente a vida tem valor e você tem valor diante da

vida! Nossas dúvidas são traidoras e nos fazem perder o bem que

poderíamos conquistar se não fosse o medo de tentar.”

(William Shakespeare)

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RESUMO

Esta dissertação teve como objeto de estudo a interação estabelecida por meio de cartas

pessoais partilhadas entre Câmara Cascudo e Mário de Andrade. Assim sendo, estabelecemos

como objetivo geral investigar aspectos da organização interacional dessas correspondências e

como objetivos específicos descrever, analisar e interpretar os propósitos comunicativos e a

composição dos planos de texto da carta pessoal; as intervenções que ocorrem nas interações

instauradas; a materialização das sequências dialogais e as trocas nesses textos; a natureza e

estrutura das perguntas e respostas evidenciadas. Subsidiamo-nos, para tanto, em Bakhtin

(2003), Silva (2002), Silva (1997), Marcuschi (2005, 2008), Bazerman (2005), Andrade

(2010), Adam ([2008] 2011), entre outros pesquisadores, no que se refere a questões

específicas do gênero discursivo/textual em foco. Também, orientamo-nos por perspectivas

textuais e interacionais de investigação, cujas discussões fundamentam-se, principalmente,

nos postulados da Análise da Conversação para abordar noções gerais que embasam o estudo

da interação verbal em situações diversas. Nessa direção, destacamos pressupostos teóricos

que têm como referência os estudos de Sacks, Schegloff e Jefferson ([1974] 2003), Marcuschi

([1986] 2003), Briz (2006), Kerbrat-Orecchioni (2006), Adam ([2008] 2011), Galvão (2011) e

Galvão e Silva (2012), dentre outros. Metodologicamente, a pesquisa caracterizou-se como

documental, sendo guiada por uma abordagem qualitativa e indutiva de investigação, com

postura interpretativista de análise dos dados. O corpus do trabalho se constituiu de 97 cartas

pessoais que fazem parte da correspondência de Câmara Cascudo e Mário de Andrade, escrita

durante o período de 1924-1944, organizada em livro publicado em 2010. As análises

realizadas revelaram que as cartas são interações verbais cujos aspectos de organização

deixaram transparecer planos de texto fixos e ocasionais em um gênero discursivo/textual,

sequências dialogais que se realizaram de forma semelhantes ao que observamos em situações

face a face, embora os participantes estivessem distantes um do outro. Os resultados

apontaram que essas ocorrências foram organizadas e mediadas por trocas e intervenções em

que os participantes contribuíram na construção de um foco comum, pela instauração de pares

dialogais, principalmente por manifestações de perguntas e respostas. Entendemos, assim, que

escrever carta é uma forma de interação em que os participantes abordam muitas questões de

interesse comum, compartilhando questões como política, literatura, cultura, entre outras, cujo

objetivo é trazer um ao outro para o espaço presente.

Palavras-chave: Interação. Carta pessoal. Sequência dialogal. Trocas. Pares dialogais.

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ABSTRACT

The object of study of this Master’s thesis is the interaction established between Câmara

Cascudo and Mário de Andrade through their personal correspondence. Given this focus, our

general objective was to investigate aspects of the interactional organization of these letters

and, specifically, to describe, analyze and interpret the generic purposes and composition of

these personal letters’ text plans. In addition, we consider both the interventions that occur in

the established interactions, plus the materialization of the dialogical sequences and the

exchanges in these texts, as well as the nature and structure of the questions and answers

therein. This study relies on the theories of Bakhtin (2003), Silva (2002), Silva (1997),

Marcuschi (2005, 2008), Bazerman (2005), Andrade (2010), and Adam ([2008]2011), among

others researchers, with regard to specific issues of the discursive / textual genre in focus. We

also adopt textual and interactive research perspectives that base discussions primarily on the

theoretical precepts of Conversational Analysis to address the general notions on which the

study of verbal interaction in different situations are based. Along these lines, we prioritize

theoretical assumptions derived from the studies of Sacks, Schegloff and Jefferson ([1974]

2003), Marcuschi ([1986] 2003), Briz (2006), Kerbrat-Orecchioni (2006), Adam ([2008]

2011), Galvão (2011) and Galvão e Silva (2012), among others. Methodologically, the

research is characterized as documentary, relying on an investigative approach that is both

qualitative and inductive, as well as interpretative with regard to data analysis. The corpus of

the investigation is comprised of 97 personal letters, part of the correspondence of Câmara

Cascudo and Mário de Andrade, written during the period of 1924-1944, and later organized

into a book, published in 2010. The analysis revealed that the letters are verbal interactions,

which presented aspects of organization that showed fixed and occasional text plans in a

discursive / textual genre, dialogical sequences that take place similar to what we observe in

face-to-face situations, even though the participants are distant from one another. The results

indicate that these occurrences were organized and mediated by exchanges and interventions

in which the participants contribute to the construction of a common focus, by the

establishment of dialogue pairs, mainly the manifestation of questions and answers. We

understand, therefore, that writing a letter is a form of interaction in which the participants

focus on many issues of common interest, sharing issues such as politics, literature, culture,

among others, and with the goal of bringing each one into a present space.

keywords: Interaction. Personal letter. Dialogical sequences. Exchanges. Dialogical pairs.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

QUADROS

Quadro 1 – Plano de texto da carta pessoal .............................................................................. 27

Quadro 2 – Regras conversacionais.......................................................................................... 34

Quadro 3 – Níveis do modelo hierárquico ............................................................................... 37

Quadro 4 – Organização da sequência dialogal........................................................................ 41

Quadro 5 – Poema “O fantasma e a canção” ............................................................................ 42

Quadro 6 – Cartas selecionadas ................................................................................................ 64

Quadro 7 – Tipos de pares dialogais identificados nas interações analisadas .......................... 95

ESQUEMAS

Esquema 1 ................................................................................................................................ 47

Esquema 2 ................................................................................................................................ 47

TABELA

Tabela 1 – Organizações dos Planos de Texto das cartas analisadas ....................................... 69

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 13

2 APORTES TEÓRICOS ...................................................................................................... 16

2.1 O gênero ............................................................................................................................ 16

2.1.1 Uma noção de gênero discursivo/textual ......................................................................... 16

2.1.2 O gênero carta pessoal ..................................................................................................... 21

2.1.2.2 A prática e os propósitos comunicativos .............................................................................21

2.1.2.3 Plano de texto da carta pessoal .............................................................................................25

2.2 A interação verbal ............................................................................................................ 28

2.2.1 Noções gerais ................................................................................................................... 28

2.3 Regras interacionais ......................................................................................................... 34

2.3.1 O modelo hierárquico interacional .................................................................................. 37

2.3.2 A sequência dialogal ........................................................................................................ 38

2.3.3 A troca ............................................................................................................................. 49

2.3.3.1 O par adjacente .......................................................................................................................52

2.4 O par dialogal pergunta-resposta em interações ........................................................... 55

2.4.1 Quanto à estrutura do par dialogal pergunta-resposta ..................................................... 57

2.4.2 Quanto à natureza do par dialogal pergunta-resposta ...................................................... 59

3 METODOLOGIA DA PESQUISA .................................................................................... 62

3.1 A abordagem e o tipo de pesquisa ................................................................................... 62

3.2 Objeto de estudo e constituição do corpus ...................................................................... 63

3.3 Etapas e categoria de análise ........................................................................................... 67

4 ANÁLISES ........................................................................................................................... 69

4.1 Plano de texto e os propósitos comunicativos das cartas .............................................. 69

4.2 Organização estrutural da interação .............................................................................. 78

4.2.1 A sequência dialogal ........................................................................................................ 78

4.2.2 A troca ............................................................................................................................. 84

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4.2.2.1 Os pares dialogais ...................................................................................................................92

4.2.2.2 Aspectos da estrutura e da natureza das perguntas e respostas ........................................95

4.2.2.2.1 Quanto à estrutura das perguntas e repostas .............................................................. 95

4.2.2.2.2 Quanto à natureza das perguntas e repostas .............................................................. 99

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 103

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 106

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1 INTRODUÇÃO

Nesta dissertação, partimos do princípio de que as interações verbais são eventos

comunicativos materializados em diferentes lugares e sob diversos formatos, de modo

organizado, efetivando-se ao longo de nossas vidas. Tendo por base essa compreensão,

buscamos investigar como se instaura a interação verbal em cartas pessoais, haja vista que

elas podem evidenciar ocorrências de estruturação próximas ao que se observa em eventos

face a face, entre essas as contribuições dos interactantes na construção de intercâmbios

comunicativos.

Assim sendo, este trabalho insere-se em perspectivas textuais e interacionais de

investigação, mais especificamente, fundamentado nos pressupostos teóricos da Análise da

Conversação (doravante AC), além de adotar contribuições advindas da Análise Textual dos

discursos, enfoque que prioriza textos efetivados em situações concretas de realização.

Tendo como norte esse direcionamento, tomamos como objeto de estudo o gênero

discursivo/textual já mencionado por compreendermos que se trata de um meio de interagir

das pessoas que se encontram distantes, embora não se constitua uma prática recorrente.

Consideramos que estudar a carta pessoal nos possibilitará o reconhecimento de como as

pessoas interagem e como criam condições para tal realização. Acreditamos que pesquisar

questões relativas à interação entre as pessoas que buscam um entendimento na construção de

espaço de relacionamento comum, poderá ser de reconhecida relevância para a compreensão

de outras interações menos ou mais espontâneas, quer se realizem com os participantes

dividindo o espaço do aqui e do agora quer por outros meios e modalidades.

Nessa ótica, ressaltamos que nossa escolha por um texto escrito, em vez de um falado,

para realização de uma pesquisa com foco em aspectos da organização interacional, se deve

ao fato de cartas pessoais apresentarem em sua constituição, características semelhantes às

situações comunicativas face a face. Ressaltamos, nesse sentido, o compartilhamento de um

espaço comum em que os participantes reclamam, solicitam informações, pedem ajuda,

relatam experiências do cotidiano, enfim, se engajam e contribuem com o desenvolvimento de

diálogos ao longo das interações estabelecidas.

Assim sendo, apresentamos, a seguir, as principais questões de pesquisa que moveram

e despertaram o nosso interesse da pesquisa desenvolvida:

Quais os propósitos comunicativos da carta pessoal?

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Como se apresenta o plano de texto das cartas pessoais estudadas?

Que ocorrências de interações face a face se materializam nos diálogos

estabelecidos pela partilha de cartas pessoais?

Por meio de quais evidências linguísticas a sequência dialogal e a troca

ocorrem nesses textos?

De que forma as perguntas e as respostas se estruturam?

Que funções as perguntas e as respostas cumprem nas cartas?

Com o fim de responder tais questionamentos estabelecemos os seguintes objetivos:

Objetivo geral:

Investigar a organização interacional de cartas pessoais oriundas da

correspondência compartilhada entre Câmara Cascudo e Mário de Andrade.

Objetivos específicos:

Descrever, analisar e interpretar os propósitos comunicativos e as constantes

composicionais evidenciadas no plano de texto da carta pessoal.

Identificar, descrever, analisar e interpretar: a) as intervenções constituintes

das interações instauradas por meio de cartas; b) a materialização das

sequências dialogais e as trocas nesses textos; c) a ocorrência dos pares

dialogais; d) os aspectos da natureza e estrutura das perguntas e respostas

evidenciadas nas escrituras investigadas.

Para tal fim, orientamo-nos, inicialmente, pelas discussões de Silva (1997), Bakhtin

(2003), Silva (2002), Marcuschi (2005, 2008), Bazerman (2005), Andrade (2010), Adam

([2008] 2011), Galvão e Silva (2012) e outros estudiosos, no que se refere à questão do

gênero discursivo/textual carta pessoal e do plano de texto. Em seguida, embasamo-nos pelos

postulados da AC, que têm como referência o estudo de Sakcs, Schegloff e Jefferson ([1974]

2003), e as pesquisas de Marcuschi ([1986] 2003, 2007), Kerbrat-Orecchioni (2006) etc.

A realização de nossa investigação se justifica pela relevância de estarmos engajados

com o estudo de ocorrências da língua mais espontânea em textos escritos. Nessa direção,

destacamos, ainda, a importância de abordar cartas pessoais que integram a correspondência

de dois autores que exerceram grande influência no cenário social, histórico, artístico, literário

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e intelectual de dois estados e do Brasil. Desse modo, buscamos contribuir com a área de

pesquisa da AC, apresentando um estudo acerca de níveis da organização interacional em

eventos comunicativos materializados em uma realidade textual escrita.

Este trabalho está organizado da seguinte forma: além desta introdução e das

considerações finais, contém três capítulos. No primeiro, abordamos os aportes teóricos que

fundamentam uma compreensão acerca dos gêneros discursivos/textuais, bem como

focalizamos os propósitos comunicativos e plano de texto da carta pessoal. Logo após,

apresentamos as noções gerais que embasam o estudo da interação verbal, seguindo as

discussões de Sakcs, Schegloff e Jefferson ([1974] 2003), Marcuschi ([1986] 2003) e o

modelo proposto por Kerbrat-Orecchioni (2006). Nesse contexto, apoiamo-nos também nas

contribuições de Galvão e Silva (2012), Galvão (2011) e outros. No segundo, discorremos

sobre os aspetos metodológicos que norteiam o desenvolvimento da investigação, o objeto de

estudo e as etapas de análise. No terceiro capítulo, tratamos da análise do corpus da pesquisa.

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2 APORTES TEÓRICOS

Neste capítulo, tratamos os pressupostos teóricos que fundamentam este trabalho. No

primeiro momento, abordamos estudos que orientam uma compreensão a respeito de gênero

discursivo/textual para, na sequência, discutirmos acerca dos propósitos comunicativos do

objeto de investigação da nossa pesquisa, a carta pessoal, e as constantes identificadas no

plano de texto que elas, comumente, evidenciam em sua realização.

No segundo, por sua vez, refletimos sobre noções gerais da interação verbal,

focalizando as regras interacionais e as unidades que permitem o exame do nível local das

conversações. Além disso, fazemos uma discussão que trata das sequências dialogais, das

trocas e dos pares adjacentes e, mais especificamente, dos pares dialogais pergunta-resposta,

organizadores da interação face a face presentes na materialização das escrituras analisadas.

2.1 O gênero

Nesta seção, apresentamos algumas considerações acerca da noção de gênero

discursivo/textual. Para tanto, recorremos aos postulados de Bakhtin (2003), cuja discussão é

referência para diversos autores, e aos estudos de Silva (2002), Marcuschi (2005, 2008),

Bazerman (2005) e Adam ([2008]2011).

2.1.1 Uma noção de gênero discursivo/textual

Marcuschi (2008), em seu livro “Produção textual, análises de gêneros e

compreensão”, observa que, no Brasil, nos últimos tempos, vários estudiosos têm se detido a

refletir sobre a questão dos gêneros. Esse autor mostra que, embora os trabalhos elaborados

em torno do referido assunto no nosso país sejam diversos e sigam diferentes linhas de

investigação, muitos deles apresentam em suas discussões as influências de Bakhtin.

Como frisa Marcuschi (2008), as definições explicitadas em seu estudo também

dialogam com o posicionamento bakhtiniano. Os postulados do filósofo russo têm como base

uma perspectiva sócio-histórica e dialógica da linguagem. Assim, eles estão situados em um

quadro teórico que se preocupa com propósito comunicativo daquela. É importante destacar

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que a nomenclatura1 utilizada por Bakhtin (2003), em seus textos, é gêneros do discurso e não

gêneros textuais como prefere Marcuschi (2005, 2008).

Em um artigo dedicado aos gêneros, Bakhtin (2003) inicia sua reflexão acerca desses

ressaltando que uso da linguagem socialmente se dá por meio de enunciados, sejam eles orais

e/ou escritos, reais e/ou únicos, produzidos pelos falantes de um determinado campo da

atividade humana. Esse pesquisador explica que os enunciados proferidos por nós constituem-

se individuais, entretanto, conforme salienta: “cada esfera de utilização da língua elabora seus

tipos relativamente estáveis de enunciados”. (BAKHTIN, 2003, p. 279). Esses são

denominados de gêneros do discurso.

Nesse entendimento, postula-se que as realizações de nossas práticas comunicativas

nos mais variados campos da atividade humana estão relacionadas ao uso de gêneros

discursivos. Esses, de acordo com Bakhtin (2003), dizem respeito às formas típicas de

enunciados que proferimos e utilizamos – em campos sociais particulares – para escrever uma

carta, um romance e/ou até mesmo para estabelecer diálogos no dia a dia. Para o autor,

Cada esfera conhece seus gêneros, apropriados à sua especificidade, aos

quais correspondem determinados estilos. Uma dada função (científica,

técnica, ideológica, oficial, cotidiana) e dadas condições, específicas para

cada uma das esferas da comunicação verbal, geram um determinado, ou

seja, um dado tipo de enunciado, relativamente estável do ponto de vista

temático, composicional e estilístico. (BAKHTIN, 2003, p. 283-284).

Sob essa ótica, Bakhtin (2003) deixa claro que existem três elementos essenciais que

constituem os gêneros do discurso, a saber: o conteúdo temático, a forma composicional e o

estilo. O primeiro desses refere-se ao tema, isto é, ao assunto que um enunciado particular

trata; o segundo remete-se aos aspectos estruturais; e o terceiro abrange as questões de seleção

lexical, frasal, e gramaticais da língua. Tais elementos “fundem-se indissoluvelmente no todo

do enunciado, e todos eles são marcados pela especificidade de uma esfera de comunicação”.

(Ibid., p. 279).

Segundo esse filósofo da linguagem,

A riqueza e a diversidade dos gêneros são infinitas, pois a variedade virtual

da atividade humana é inesgotável, e cada esfera dessa atividade comporta

um repertório de gêneros do discurso que vai diferenciando-se e ampliando-

1 Esclarecemos que nessa pesquisa utilizaremos sem distinção os termos gêneros do discurso (BAKHTIN, 2003;

BAZERMAN, 2005), gêneros de discurso (ADAM, [2008] 2011) e gêneros textuais (MARCUSCHI, 2005,

2008), uma vez que se trata de flutuação terminológica e discutir isso aqui não é nosso objetivo.

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se à medida que a própria esfera se desenvolve e fica mais complexa.

(BAKHTIN, 2003, p. 279).

Na abordagem bakhtiniana, os gêneros do discurso são classificados em duas

categorias: primários e secundários. Os gêneros discursivos primários relacionam-se a textos

da comunicação verbal cotidiana, ou seja, imediata e espontânea como os diálogos orais, as

cartas privadas etc. Já os secundários, a textos mais elaborados e formais como os romances,

os dramas, as teses, e outros.

Marcuschi (2008) comenta que a posição teórica defendida por Bakhtin norteia a

compreensão de que os gêneros do discurso devem ser abordados considerando as realidades

sociais que se inserem e as atividades humanas que estão relacionados. Para Marcuschi

(2008), a noção de gênero está vinculada ao envolvimento social, por isso ele adota e defende

a seguinte tese: “é impossível não se comunicar verbalmente por algum gênero, assim como é

impossível não se comunicar verbalmente por algum texto. Isso porque toda a manifestação

verbal se dá sempre por meio de textos realizados em algum gênero”. (Ibid., p. 154).

Com base nessa premissa, Marcuschi (2008) explana que os gêneros textuais são

entidades empíricas usadas por nós em situações comunicativas que fazem parte do nosso

cotidiano. O autor revela que – em virtude de estarem relacionados a um domínio discursivo,

isto é, a uma esfera da atividade humana, como discute Bakhtin – gêneros constituem-se em

outras noções como “entidades orientadas para fins específicos”. (Ibid., p. 159).

Marcuschi (2008) utiliza de um questionamento de Bathia (1997, p. 629) a respeito da

forma de uso da língua pelos integrantes de uma determinada comunidade discursiva para

enfocar o pensamento, a seguir:

Por exemplo, por que todos os que escrevem uma monografia de final de

curso fazem mais ou menos a mesma coisa? E assim também ao

pronunciarmos uma conferência, darmos uma aula expositiva, escrevermos

uma tese de doutorado, fazermos resumo, uma resenha, produzimos textos

similares na estrutura, e eles circulam em ambientes recorrentes e próprios.

Isso ocorre também numa empresa com os memorandos, os pedidos de

venda, as promissórias, os contratos e assim por diante. Vai ocorrer na esfera

jurídica, na esfera jornalística, religiosa e em todos os demais domínios.

(MARCUSCHI, 2008, p. 150).

Considerando tais indagações, o pesquisador em questão salienta que as pessoas

elaboram textos em situações específicas com estruturas textuais parecidas para realizarem

determinados objetivos. Em outros termos, Marcuschi (2008) faz referência ao domínio da

publicidade para explicar que empresas diversas, como as imobiliárias, supermercados, lojas

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de móveis e tantas outras, usam os anúncios publicitários com a mesma finalidade, no caso,

vender produtos anunciados.

Nessa perspectiva, esse estudioso afirma que “cada gênero textual tem um propósito

bastante claro que o determina e lhe dá uma esfera de circulação”. (MARCUSCHI, 2008, p.

150). Contudo, vale frisar que, apesar dos gêneros evidenciarem características textuais com

certa estabilidade em suas materializações, elas não os definem. Sobre essa questão,

Marcuschi (2008, p. 150) enfatiza que eles “têm uma forma e uma função, bem como um

estilo e um conteúdo, mas sua determinação se dá basicamente pela função e não pela forma”.

Desse modo, Marcuschi (2008, p. 154) entende que “quando dominamos um gênero

textual, não dominamos uma forma linguística e sim uma forma de realizar linguisticamente

objetivos específicos em situações sociais particulares”. Essa postura implica dizer que o

conhecimento dos gêneros nos dá compreensão de como elaborar textos, tendo em vista as

situações comunicativas que fazem parte da nossa rotina no convívio familiar, no trabalho, na

faculdade, na vida em geral.

Partindo dessas observações, Marcuschi (2008, p. 155), em síntese, assinala:

Os gêneros textuais são os textos que encontramos em nossa vida diária e

que apresentam padrões sociocomunicativos característicos definidos por

composições funcionais, objetivos enunciativos e estilos concretamente

realizados na integração de forças históricas, sociais, institucionais e

técnicas.

Nessa direção, podemos estabelecer um diálogo de Marcuschi (2008) com Bazerman

(2005). Esse último autor considera que os gêneros reportam-se aos “tipos que as pessoas

reconhecem como sendo usadas por elas próprias e pelos outros”. (Ibid., p. 31). Consoante aos

dizeres de Bazerman (2005), se um texto é compreendido pelas pessoas em uma determinada

situação, tendemos a seguir padrões comunicativos semelhantes quando nos encontramos em

ocasiões parecidas. Por exemplo, quando participamos de uma entrevista, sabemos como agir

no seu decorrer. Nesse ponto de vista, “as formas de comunicação reconhecíveis e auto-

reforçadas emergem como gêneros”. (BAZERMAN, 2005, p. 29).

No seu trabalho, Bazerman (2005) destaca que costumamos identificar e classificar um

texto em função das características textuais evidenciadas. Entretanto, esse estudioso ressalta

que tal maneira de identificação nos dá uma compreensão parcial de gênero, pois estaremos

reconhecendo-o apenas pela forma. Nesse enfoque, ele chama atenção para a mudança do

conhecimento comum e das situações comunicativas, destacando que “gêneros emergem nos

processos sociais em que as pessoas tentam compreender umas às outras suficientemente bem

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20

para coordenar atividades e compartilhar significados com vistas a seus propósitos práticos”.

(Ibid., p.31).

Marcuschi (2005) defende que os gêneros devem ser reconhecidos como entidades

dinâmicas e não como modelos estanques com estruturas rígidas, dado que constituem-se

variáveis, flexíveis e desenvolvem-se de modo que possibilita até mesmo o surgimento de

outros, dependendo das necessidades comunicativas dos falantes. Com o advento da internet,

por exemplo, gêneros como o e-mail e o chat surgiram em virtude da nossa busca por uma

comunicação mais rápida e online.

Todavia, Marcuschi (2005) lembra que nem sempre essas entidades dinâmicas da língua

surgem como novas, mas derivadas de uma já existente. Para esse teórico, “um gênero dá

origem a outro e assim se consolidam novas formas com novas funções de acordo com as

atividades que vão surgindo”. (MARCUSCHI, 2005, p. 22). A respeito disso, Bazerman

(2005) aponta que as cartas contribuíram na emergência de gêneros distintos, entre estes

figuram: o artigo científico, o relatório etc.

Nessa mesma perspectiva, Silva (2002, p. 29) assegura que “a sociedade, em suas práticas

comunicativas, para colocar a língua em funcionamento, e mais especificamente os discursos

materializados em textos, elabora e atualiza gêneros textuais de modo que estes respondem às

necessidades comunicativas dos indivíduos”. A autora considera que a dinamicidade dos

gêneros “vincula-se à sua própria natureza: são fenômenos sócio-históricos e culturais que se

transformam, redimensionam-se, desaparecem, reaparecem, como também outros novos são

criados”. (SILVA, 2002, p. 31).

Não obstante às considerações explicitadas, Adam ([2008] 2011), ao refletir sobre os

gêneros, orienta-se pelos estudos de Pêcheux (1990) para estabelecer uma relação entre esses

e as formações discursivas. Segundo Adam ([2008] 2011), a noção de formação discursiva

pode ser lida na citação seguinte que foi reformulada por Pêcheux (1990, 148):

[As] formações discursivas [...] determinam o que pode e deve ser dito

(articulado sob a forma de um discurso público, de um sermão, de um

panfleto, de uma exposição, de um programa etc.)a partir de uma dada

posição, em uma determinada conjuntura: o ponto essencial aqui é que não

se trata somente da natureza das palavras usadas, mas também (e

sobretudo) das construções nas quais essas palavras se combinam, na

medida em que elas determinam a significação que assumem essas palavras

[...], as palavras mudam de sentido, segundo as posições defendidas por

aqueles que as usam; as palavras “mudam de sentido” passando de uma

formação discursiva para outra. (PÊCHEUX, 1990, p. 148 apud ADAM

[2008] 2011, p. 44, ênfase conforme o original francês)

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Nesse sentido, Adam ([2008] 2011, p. 44) explica: “mesmo que a palavra não apareça,

ao falar de discurso público, sermão, panfleto, exposição, programa, Pêcheux enumera uma

lista de gêneros”. Em seguida, Adam ([2008] 2011), apoiando-se nos dizeres de Stierle (1977,

p. 425), reitera que “o conceito de discurso [...] é definido pelos traços: uma estabilização

pública e normativa, e a possibilidade de um status institucional”. Nessa visão, “é nos gêneros

de discurso que localizaremos esta ‘estabilização pública e normativa’ que opera no quadro do

sistema de gêneros de cada formação discursiva”. (ADAM, [2008] 2011 p. 45).

Convém ressaltar que Adam ([2008] 2011) propõe a investigação da organização de

uma carta, poema, enfim, de um gênero de discurso a partir da compreensão do plano de texto

que eles materializam-se. De acordo com o autor, “os planos de texto desempenham papel

fundamental na composição macrotextual do sentido”. (ADAM [2008] 2011, p. 257). Assim

sendo, adotamos as orientações desse teórico para discorremos sobre as constantes que são

identificadas na realização da forma epistolar.

Após termos revisitado essas noções, resumimos, consoante a afirmação de Marcuschi

(2008, p. 159), que os gêneros figuram como “[...] entidades comunicativas em que

predominam os aspectos relativos a funções, propósitos, ações e conteúdos”. Tendo em vista a

discussão feita nesta seção, focalizamos, a seguir, alguns aspectos que fazem parte dos

propósitos comunicativos do objeto de investigação desta pesquisa, a carta pessoal.

2.1.2 O gênero carta pessoal

2.1.2.2 A prática e os propósitos comunicativos

A tradição de escrever cartas em nossa sociedade é recorrente desde antiguidade,

conforme afirma Andrade (2010). Mas, como lembra Silva (2002), em dado período a escrita

desses textos constituía-se como uma prática social que se prestava a atender as necessidades

comunicativas do Estado.

De acordo com Silva (2002), tradicionalmente, o endereçamento de cartas voltava-se

para intercambiar notícias, regimentos, ordens e questões burocráticas do governo. Para

exemplificar, essa autora cita que na Grécia e Roma antigas, ordens, leis, proclamações,

comandos militares, pronunciamentos, documentos administrativos e outras atividades eram

emitidas na forma de carta.

Silva (2002) explica que, além do Estado, a Igreja Católica, na Roma antiga e no

período medieval, também se utilizou do envio de cartas para auxiliar o seu processo de

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expansão. Essa pesquisadora menciona que o intercâmbio dessas escrituras por parte da

Igreja, no tempo referido, possibilitou a criação de uma rede comunicativa que permitia o

gerenciamento dos interesses da Igreja frente às comunidades cristãs.

Para Bazerman (2005, p. 88-89),

As primeiras cartas da igreja constituíam um veículo importante para manter

a sua comunhão em lugares distintos. Os viajantes levavam cartas de seu

bispo, apresentando-os como membros comungantes da igreja e reafirmando

os laços de comunhão entre bispos. Em cartas encíclicas também circulavam

informações sobre divisões internas e listas de quais clérigos permaneciam

“em comunhão”. Enquanto a organização da igreja se desenvolvia nos

períodos romano tardio e medieval, nessas cartas apostólicas e pastorais

circulavam decisões doutrinais, decisões dos sínodos episcopais e assuntos

temporais e políticos.

Dessa forma, inicialmente, a escritura de cartas estava relacionada às atividades do

Estado, bem como da Igreja, os quais se utilizavam de seu envio para intercambiar notícias

oficiais. Porém, como registra Silva (2002) e Andrade (2010), com o passar dos tempos a

escrita desses textos se popularizou entre outras esferas da sociedade, passando a circular,

então, entre amigos e parentes o que a caracterizou como uma atividade íntima.

Segundo Silva (2002), a prática de escrever cartas no espaço das relações privadas e

íntimas tem seu início no século XVII, primeiro na Inglaterra e depois em outros países da

Europa e na América do norte. Apoiada nas investigações de Dierks (1999), a estudiosa

explica que a carta pessoal surge, enquanto gênero discursivo/textual, em função da

disseminação de manuais que orientavam a escrita da forma epistolar no espaço familiar.

Silva (2002) esclarece, a partir de Dierks (1999), que os manuais sugeriam que as

cartas escritas em tal âmbito deveriam evidenciar em sua materialização expressões de afeto,

sinceridade, cordialidade, expressividade e informalidade. A autora diz, ainda, que havia

recomendações para que os textos fossem elaborados com uma linguagem elegante e cortês,

contudo essa não poderia realizar-se de forma suntuosa, uma vez que o propósito delas era (e

ainda é) manter relações de proximidade entre parentes, amigos, etc.

Barrenechea (1990 apud ANDRADE, 2010, p. 195) considera que as cartas pessoais

caracterizam-se “pela emergência do traço constituído pela franqueza nas manifestações que

escrevem com liberdade e que se apoiam na confiança depositada no destinatário”. Nessa

direção, Andrade (2010) argumenta que o gênero discursivo/textual em questão pode ser lido

como um intercâmbio – entre enunciador e enunciatário – “que comporta um diálogo entre

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duas pessoas que compartilham sentimentos, relações, ideias, isto é, uma história de vida em

comum”.

Sob essa ótica, a carta é compreendida como uma forma de diálogo, no entanto, trata-

se de um diálogo que sempre ocorre na ausência de um de seus participantes. Dessa maneira,

Quando o enunciador escreve, seu enunciatário está distante, mas quando

este último recebe a carta ela lhe falará sobre a distância. Nessa perspectiva,

ambos os sujeitos jamais estão presentes ao mesmo tempo: a presença real

de um somente pode ser acompanhada da reconstrução imaginária do outro,

em um tempo e lugar distintos, nunca compartilhados. (ANDRADE, 2010, p,

196).

Assim sendo, compreendemos com o posicionamento de Andrade (2010) que os

diálogos nas cartas se estabelecem no sentido do compartilhamento de diversas questões entre

os autores, bem como da (re)construção dessas escrituras, pois os participantes não estão

presentes ao mesmo tempo. Assim, a realidade comunicativa só pode ser acompanhada a

partir de seu intercâmbio, ou seja, a cada carta enviada e/ou recebida.

Na visão de Andrade (2010, p. 195), “como abertura de uma sequência

conversacional, a carta determina – pelo simples fato de ter sido enviada – uma obrigação de

reposta por parte do destinatário, e se isso não ocorresse seria como o silêncio que se instaura

numa interação face a face, permitindo inferências pragmáticas análogas.” Nessa perspectiva,

responder a uma carta recebida apresenta-se como uma obrigação entre aqueles que se

correspondem por meio desses textos. Alinhada com essa compreensão, Silva (2002, p. 68)

assegura que “o contrato que subjaz às práticas comunicativas desse gênero é que as cartas

são escritas para ir ao encontro de uma resposta”.

Para Andrade (2010, p. 195), “a matriz epistolar pode ser observada na carta pessoal

(caracterizada por apresentar escritura cotidiana e intima [sic])”. Contudo, a autora deixa claro

que esse gênero discursivo/textual atualiza-se de acordo com as “práticas sociais em que a

escritura da carta se instaura e os distintos usos que dela são feitos”. (Ibid., p. 195).

Silva (1997, p. 121) faz relevantes considerações ao definir que

O rótulo carta é abrangente e pouco esclarecedor: excetuando-se o formato

externo – cabeçalho, data, assinatura – e algumas expressões formulaicas

freqüentes [sic] em suas seções iniciais e finais, o corpo da carta permite

qualquer tipo de comunicação: desde as vantagens de um de um determinado

cartão de crédito até informações sobre condomínio, passando pelas

esperadas novidades do amigo que mora no exterior.

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Dessa modo, percebemos que, apesar de poder se atualizar de diferentes maneiras

socialmente, o referido gênero discursivo/textual evidencia em sua realização traços que

possibilitam que o reconheçamos, como discutem Silva (1997) e Andrade (2010). Essa última

estudiosa cita que a configuração das cartas apresenta elementos fixos e ao menos um

alternativo. Os fixos compreendem os elementos de local, data e a assinatura do autor da

escritura, já o alternativo ao PS: post scriptum. Andrade (2010) ressalta que os elementos de

local e data fazem parte da abertura e a assinatura e o post scriptum do fechamento dos textos

em questão.

No que concerne aos propósitos comunicativos, Castilho da Costa (2012, p. 145)

esclarece que as cartas pessoais podem englobar “desde o desejo de expressar amizade [...] o

de fazer fofoca sobre a vida alheia, o de dar notícias sobre a família até o de declarar amor de

forma íntima”. Isto é, sendo uma atividade íntima, ela permite que as pessoas falem sobre

uma série de assuntos, com vista nos mais variados propósitos. Silva (1997), em um estudo

que se propõe a classificar cartas, chama atenção para questão de que muitas vezes nesse

gênero discursivo/textual pode-se identificar mais de um ou até mesmo a superposições de

propósitos.

Ao estudarem as relações de envolvimento em cartas pessoais, Galvão e Silva (2012)

observam que essas constituem-se em gêneros discursivos/textuais “usados em nossas práticas

cotidianas, com objetivos dos mais variados, entre esses o de relatar ocorrências da vida

diária". Os autores mostram que os interlocutores das cartas analisadas as (com)partilham

com finalidades diversas, inclusive, com a de manter relações de amizade, conforme

observado nas cartas de Câmara Cascudo e Mário de Andrade.

Quanto à estrutura composicional do gênero carta, Silva (2002, p. 133) salienta:

À época, como ainda hoje, as cartas sustentam-se basicamente em três

grandes etapas, quais sejam: abertura do evento, espaço que se instaura o

contato e a interlocução com o destinatário, que corresponde ao exórdio; o

corpo da carta, desenvolvimento do objeto do discurso; o narrativo e, por

fim, o encerramento do contato, da interlocução; a conclusão.

Em seu livro – A linguística textual: introdução à análise do discurso, Adam ([2008]

2011) se deteve a refletir sobre as constantes composicionais que identificou na forma

epistolar. Na investigação desse teórico, como frisamos anteriormente, tais constantes são

abordadas a partir da compreensão do plano de texto do gênero discursivo/textual em estudo.

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2.1.2.3 Plano de texto da carta pessoal

Nos estudos de Adam ([2008] 2011), os planos de texto são apresentados como

ligações que integram a composição estrutural de um texto. Nessa perspectiva, o autor

considera que “o reconhecimento de um texto como um todo passa pela percepção de um

plano de texto, com suas partes constituídas, ou não, por sequências identificáveis”. (ADAM,

[2008]2011, p. 254). Sob essa ótica, o texto é compreendido como uma estrutura sequencial,

com partes identificáveis no conjunto que elas integram.

Adam ([2008] 2011) destaca que duas unidades constituem-se responsáveis por tornar

o texto um todo configurado, a saber: a unidade temática e a unidade ilocucionária. Essas, nas

palavras do autor, “determinam a coerência semântica-pragmática de um texto (ou de uma

parte do texto)”. (Ibid., p. 254). Adam ([2008] 2011, p. 258) explica, ainda, que “os planos de

textos estão, juntamente com os gêneros, disponíveis no sistema de conhecimentos dos grupos

sociais. Permitem construir (na produção) e reconstruir (na leitura ou na escuta) a organização

global de um texto, prescrita por um gênero.”

Nessa abordagem, o teórico distingue os planos de texto convencional e ocasional.

Conforme sugere Adam ([2008] 2011), o convencional corresponde a um plano oratório

clássico da retórica, isto é, “ao que a retórica colocava na disposição, parte da arte de escrever

e da oratória que regrava a ordenação dos argumentos tirados da invenção2”. (Ibid., p. 255).

Esse plano compreende, inicialmente,

Um exórdio (cujo objetivo é interessar ao auditório), seguido de uma

proposição (causa ou tese resumida do discurso), com sua divisão (anúncio

do plano). O desenvolvimento tem como principal a confirmação (que prova

a verdade avançada na proposição), a qual pode ser precedida por uma

narração (exposição dos fatos) e em seguida por uma refutação (rejeição dos

argumentos contrários). A peroração (conclusão que comove o auditório)

completa esse conjunto. (ADAM, [2008] 2011, p. 255-256).

Nesse sentido, o plano convencional diz respeito a um modelo fixo e cristalizado,

como frisa Adam ([2008]2011, p. 256), “pelo estado histórico de um gênero ou subgênero do

discurso”. Além do plano da oratória, esse estudioso menciona que os planos de realização

dos verbetes dos dicionários (com as partes de entrada, definição e exemplo), da dissertação

(introdução, tese, antítese, síntese, conclusão) e de outros textos também apresentam um

plano fixo.

2 Ênfases do autor.

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De acordo com Adam ([2008] 2011), o fato do plano convencional não abranger as

realizações prováveis dos planos de textos fez com que surgissem outros planos, esses

inesperados e deslocados, no caso, ocasionais. Com base nas discussões de Adam ([2008]

2011), Passeggi et al. (2010, p. 297) mencionam que os planos ocasionais “com frequência

fogem à estruturação clara de um gênero ou subgênero do discurso. As partes ou segmentos

do texto são marcados por uma variedade de recursos, textuais e peritextuais.” Para

exemplificar os planos ocasionais, Adam ([2008] 2011, p. 256) cita o texto de um editorial, de

um poema, de uma novela etc. Considerando essas noções teóricas, esse estudioso analisa a

organização da carta, transcrita, a seguir, como exemplo de um plano convencional. A carta

foi escrita por Corneille a Colbert, em 1978.

<1- ABERTURA> A Colbert

Senhor,

<2-EXÓRDIO> Na infelicidade que me esmaga há quatros anos, por não participar mais das

gratificações com as quais Sua Majestade honra aos homens de letras, não posso ter recurso mais justo

e mais favorável do que vós, Senhor, a quem sou inteiramente devedor da que eu tinha. <3-CORPO

ARGUMENTATIVO DA CARTA> Nunca a amarei, mas, pelo menos, procurei não me tornar

completamente indigno do uso que fiz dela. Não aa utilizarei, de forma alguma, em benefício próprio,

mas para manter dois filhos nos exércitos de Sua Majestade, um dos quais foi morto ao seu serviço no

sítio de Grave; o outro serve há quatorze anos e é agora capitão na cavalaria ligeira. Assim, Senhor, a

perda desse favor, ao qual V. Exa. Tinha me habituado, não pode deixar de ser extremamente penosa

para mim, não por interesse próprio, apesar de ter sido o único benefício recebido em cinquenta anos

de trabalho, mas porque era um glorioso sinal da estima que aprouve ao Rei ter para com o talento que

Deus me deu, e que esta desgraça me impossibilita de sustentar por mais tempo esse filho no serviço

que consumiu a maior parte dos meus escassos bens, para preencher com honra o lugar que ocupa. <4-

PERORAÇÃO> Ouso esperar, Senhor, que terá a bondade de restituir-me vossa proteção, e de não

deixar destituir vossa obra. Que sou tão infeliz para esmagar-me com essas esperanças, e permanecer

excluído dessas graças que me são tão preciosas e tão necessárias, peço-lhe a justiça de acreditar que a

continuação desta má situação não enfraquecerá, de forma alguma, meu zelo pelo serviço do Rei, nem

os sentimentos de reconhecimento que vos devo pelo passado, <5-ENCERRAMENTO> e que, até o

último suspiro, terei a glória de ser, com toda paixão e o respeito possíveis,

Senhor,

Seu muito humilde, muito obediente

e muito agradecido servidor,

Corneille.

Analisando a carta, Adam ([2008] 2011) explica que no reconhecimento de algumas

partes constituintes do gênero discursivo/textual em questão “podemos hesitar entre cinco ou

três grandes unidades: o contato inicial com o destinatário da carta, a apresentação e o

desenvolvimento do objeto do discurso, por fim, a interrupção final do contato, ou

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conclusão.” O autor entende que “os dois marcos, inicial e final, podem desdobrar-se em

unidades peritextuais e em zonas fronteiriças de abertura e de fechamento, e podemos ter três

ou cinco partes”. (ADAM, [2008] 2011, p.257).

Nessa direção, o pesquisador destaca que as partes <1> e <5> reportam-se aos

momentos inicial e final, respectivamente, do plano, correspondendo à dominante discursiva

fática. As partes <2> e <4> compõe o corpo da carta e constituem-se como zonas de transição,

em que se tem uma introdução-preparação e uma conclusão-fechamento, já o momento

marcado pela parte <3> configura o corpo da carta. Na visão de Adam ([2008] 2011, p. 158),

essas partes

Comportam todas as características que a retórica atribui ao exórdio <2> e à

peroração <4>: preparar <2> a recepção da mensagem preservando a face de

outrem (do registro familiar ao mais solene), introduzindo o assunto, e,

outrossim, recapitular e convencer, introduzindo eventualmente, com <4>,

elementos patéticos, preparando as futuras interações com o destinatário (em

particular, sua resposta).

A partir dessa organização, o estudioso em questão postula o seguinte plano textual,

para a forma epistolar:

Quadro 1 – Plano de texto da carta pessoal

Fonte: Adam ([2008] 2011, p. 257)

Consoante as observações feitas e ao esquema apresentado, percebemos que a carta

pessoal, enquanto forma epistolar, pode evidenciar em sua materialização um plano de texto

composto por: sequências fáticas e sequências de transição. As sequências fáticas

compreendem aos momentos <1> e <5> e têm como função anunciar o início e a finalização

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da interação, respectivamente. Nas sequências de transição <2>, <3> e <4>, por sua vez, os

interlocutores podem ou não introduzir, desenvolver, bem como concluir e/ou encerrar o

propósito comunicativo em questão. Para Adam ([2008] 2011, p. 257), “o corpo da carta é

livre e deve, portanto, ser analisado como um plano de texto ocasional”. A estrutura

composicional do plano de texto da carta é comparada – na abordagem do referido

pesquisador – aos dos textos dialogais-conversacionais, cuja estrutura apresenta segmentos

fáticos de abertura e fechamento e segmentos transacionais.

Com base nessas considerações, discorreremos, a seguir, a respeito das bases teóricas

que fundamentam o estudo da interação verbal, enfocando noções que tratam dessa questão de

forma mais abrangente.

2.2 A interação verbal

Tendo em vista o objetivo de analisar a interação em cartas pessoais, discutimos, nesta

seção, acerca da interação verbal a partir das investigações de Sakcs, Schegloff e Jefferson

([1974] 2003), Marcuschi ([1986] 2003), Kerbrat-Orecchioni (2006), Barros (2002), Silva

(2002), Preti (2002) entre outros pesquisadores.

2.2.1 Noções gerais

Para estabelecer uma compreensão sobre a noção de interação verbal nesta pesquisa,

orientamo-nos, a princípio, por uma literatura com foco nos estudos conversacionais.

Marcuschi ([1986] 2003, p. 14), ao refletir sobre a conversação, ressalta que se trata

do “gênero básico da interação humana”. Para esse estudioso, “a conversação é a primeira

das formas de linguagem a que estamos expostos e provavelmente a única da qual nunca

abdicamos vida afora”. (MARCUSCHI [1986] 2003, p. 15). Nesse sentido, ela constitui-se

como sendo uma das práticas sociais mais recorrentes de nosso dia a dia.

Conforme Marcuschi ([1986] 2003), para duas pessoas produzirem e sustentarem uma

conversação elas devem partilhar um mínimo de conhecimentos comuns. Entre eles estão a

aptidão linguística, o envolvimento cultural e o domínio de situações sociais. O autor admite

que “os esquemas comunicativos e a consecução dos objetivos exigem partilhamentos e

aptidões cognitivas que superam e muito o simples domínio da língua em si”. (MARCUSCHI

([1986] 2003, p. 16).

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Nessa direção, Hilgert (2002, p. 90) afirma que “a conversação é sempre uma

atividade social, de natureza lingüística [sic], construída por interlocutores em interação, na

medida em que alternam os papéis de falante e ouvinte.” Dessa forma, a conversação face a

face instaura-se com a participação de, no mínimo, duas pessoas que se alternam enquanto

falam, podendo focalizar diversos assuntos.

Do ponto de vista de Preti (2002, p. 45), conversação é uma palavra que “abrange um

grande leque de atividades de comunicação verbal”. Assim sendo, podemos reconhecê-las

tanto em situações comunicativas onde nossas falas, geralmente, são concebidas de forma

mais descompromissadas, quanto em situações que apresentam assuntos já pré-estabelecidos.

Segundo Silva (2010), além de ser uma prática social de expressão, a conversação

permite, ainda, que as pessoas, por meio dela, realizem outras práticas como, por exemplo,

romper e/ou construir relacionamentos, etc.. Assim, de acordo com esse estudioso, é

conversando que nós conseguimos nos expressar, como também, realizar ou não nossos

propósitos comunicativos. Sob um viés etimológico, Silva (2010, p. 32) explica que

Conversação é um substantivo ligado ao verbo conversar3, que procede do

latim conversare, encontrar-se habitualmente num mesmo local. Esse termo

é composto de con (junto) e versare (dar voltas), remetendo-nos à ideia de

conviver com outras pessoas. A palavra conversação deriva do latim

conversatio, onis, significa convivência, ação de viver junto. A conversação

é, pois, uma atividade em que duas pessoas interagem por meio da

linguagem verbal e/ou não verbal.

Ao longo da discussão, Silva (2010, p. 32) frisa que “a conversação tem sido o centro

de atenção de diversas perspectivas científicas, tanto do ponto de vista individual como do

social. Por isso, o termo conversação4 pode ser concebido de diversas maneiras.” Assim, “há

aqueles que o utilizam num sentido amplo, que recobre qualquer tipo de interação oral que,

em geral, fazem distinção entre conversação informal (aquelas que são espontâneas, não

planejadas) e conversação formal (aquelas que têm algum tipo de planejamento prévio)”.

(SILVA, 2010, p. 32). Como exemplo de conversações formais esse pesquisador cita

entrevistas, debates, seminários, entre outros.

Com efeito, Silva (2010) menciona que também existem aqueles que usam o termo

conversação em um sentido que o toma como sinônimo de conversações espontâneas, em que

se pressupõe que não há qualquer tipo de planejamento. O autor explícita que essa

compreensão pode ser lida na seguinte citação de Levinson (1989, p. 271): “[...]

3 Ênfases do autor. 4 Ênfase do autor.

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consideraremos conversação5 o tipo de fala predominante com que estamos familiarizados, no

qual dois ou mais participantes se alternam livremente ao falar e que costuma ter lugar fora de

instituições específicas como serviços religiosos, tribunais, aulas e outros similares”.

De acordo com Marcuschi ([1986] 2003, p. 15), toda atividade conversacional

apresenta uma organização elementar básica; nela podemos encontrar as características

constitutivas transcritas, a seguir: “(a) interação entre pelo menos dois falantes; (b) ocorrência

de pelo menos uma troca de falantes; (c) presença de ações coordenadas; (d) execução numa

identidade temporal; (e) envolvimento numa interação centrada”. Ancorado em Dittmann

(1979, p. 2-11), Marcuschi ([1986] 2003) argumenta que as características citadas

possibilitam que reconheçamos a conversação como uma interação centrada, em que seus

participantes voltam-se, por um determinado tempo, a realização de uma tarefa comum.

Na obra “Interação na fala e na escrita”, organizado por Dino Preti (2002), verificamos

que vários autores dedicam-se a discutir acerca da interação em gêneros que incluem desde os

diálogos gravados pelo Projeto NURC/SP até textos falados em diversas interações com

temas distintos. Mas, como anunciado na apresentação do livro, os estudos incluídos nesses

textos nem sempre são apresentados a partir da mesma perspectiva teórica, de modo que,

podemos encontrar discussões sobre aquela com diversas posições conceituais. Sendo assim, a

seguir, mencionaremos algumas, com o fim de ilustrar a abrangência conceitual que o termo

interação pode apresentar.

Barros (2002), no trabalho “Interação em anúncios publicitários”, deixa explícito que a

semiótica discursiva de linha francesa considera que os sujeitos se envolvem em dois tipos de

relações: “entre o sujeito e objeto, relação que simula a do homem com o mundo, sobre o qual

age; entre sujeitos, relação que simula as de comunicação e interação entre os homens”.

(BARROS, 2002, p. 17). Nessa perspectiva, a interação é vista como a relação estabelecida

entre os sujeitos envolvidos em uma comunicação e também como um fenômeno

sociocultural e discursivo.

No artigo “Estruturas de participação e interação na sala de aula”, Silva (2002) se

inspira nos dizeres de Geraldi (1990, p. 36) e Milanez (1987, p. 244) para discutir a interação

evidenciada na relação professor/aluno na sala de aula como uma atividade que se constitui de

ações de ambos participantes. Em síntese, o autor diz que, “quando se utiliza a língua para se

comunicar, há uma ação de um para com o outro, uma ação entre aquele que produz e aquele

que recebe e vice-versa”. (SILVA, 2002, p. 182). Na acepção da investigação – Alguns

5 Ênfase do autor.

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31

problemas interacionais da conversação – Preti (2002, p. 45) esclarece que “o conceito de

interação pode ser entendido em sociedade sob o ponto de vista da reciprocidade do

comportamento das pessoas, quando em presença uma das outras, numa escala que vai da

cooperação ao conflito”.

Em uma pesquisa intitulada “Um estudo sobre o gênero carta pessoal: das práticas

comunicativas ao indícios de interatividade”, Silva (2002) também discorre sobre a noção de

interação. Nesse estudo, essa pesquisadora menciona que a definição emerge no âmbito dos

estudos da etnometodologia, da etnografia da comunicação e da antropologia, cujas

referências são os estudos de Hymes (1972), Goffman (1974), Gumperz e Hymes (1974).

Nessa perspectiva, Silva (2002) deixa claro que, na perspectiva de discussões desses

teóricos, o conceito de interação é entendido apenas em eventos comunicativos, onde os

participantes em situações face a face constroem textos por meio de diversas estratégias

textuais, linguísticas, cognitivas e interativas. Contudo, a estudiosa, ressalta que, apesar de

nessa abordagem interação referir-se somente a um contexto de produção específico, ela

acredita que tanto Goffman quanto Hymes jamais descartam de suas reflexões um

entendimento acerca da interação com sentido mais abrangente, a qual pode ser assim

traduzida:

Toda e qualquer atividade discursiva, atualizada a distância ou in praesentia6

se constitui num quadro interacional, regido por regras e normas

pragmáticas, adequadas a situação comunicativa. Aí se reflete, em larga

medida, o que foi construído social, histórica e culturalmente, em termos de

padrões interacionais, pelas pessoas de uma dada sociedade. (SILVA, 2002,

p. 23).

Nesse sentido, Silva (2002, p. 23) compreende a interação como uma dimensão

comunicativa que

envolve e caracteriza toda e qualquer produção discursiva, a qual se

pressupõe a (inter)ação dos participantes sobre (e entre) si mesmos, sobre os

saberes partilhados [...] as representações da situação comunicativa em que

estão engajados, o(s) assunto(s) em questão.

Conforme ficou explicitado, embora a interação seja alvo de estudos de áreas diversas,

a compreensão de sua noção nas perspectivas citadas não apresenta entendimentos

discrepantes em relação ao que apreende por interação, mas sim complementares. Em síntese,

percebemos que a interação apresenta-se como uma atividade – de natureza conversacional ou

6 Ênfase da autora.

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não – em que seus participantes através de ações conjuntas se organizam para interagir com

objetivos comuns.

No livro “Análise da Conversação Princípios e Métodos”, Kerbrat-Orecchioni (2006)

ressalta que a interação é uma produção linguística em que os diferentes participantes se

ajustam, se ordenam e se coordenam para falar e desenvolver diversas trocas comunicativas, à

medida que se permutam nos papéis de emissor e receptor. Porém, essa pesquisadora frisa

que, para haver troca nas interações

Não basta que dois falantes (ou mais) falem alternadamente; é ainda preciso

que eles se falem, ou seja, que estejam, ambos, “engajados” na troca e que

deem sinais desse engajamento mútuo, recorrendo a diversos procedimentos

de validação interlocutória7. Os cumprimentos, apresentações e outros

rituais “confirmativos” desempenham, nesse sentido, um papel evidente.

Mas a validação interlocutória se efetua, sobretudo, por outros meios mais

discretos e, no entanto, fundamentais. (KERBRAT-ORECCHIONI, 2006, p.

8).

Assim sendo, compreendemos a partir do ponto de vista dessa estudiosa que a noção

dos procedimentos de validação interlocutória se estende, em princípio, aos participantes de

uma interação nas seguintes tarefas: no caso, do emissor, deixar evidente que está falando

com alguém, como também proporcionar a escuta do destinatário; no caso, do receptor,

produzir sinais que demostrem ao falante que está engajado no circuito comunicativo em

desenvolvimento.

É importante destacar que alguns dos procedimentos sugeridos por Kerbrat-Orecchioni

(2006), para tais expressões e indicações, podem ser evidenciados apenas em uma interação

face a face como, por exemplo, a orientação do corpo, a expressão do olhar, etc. No entanto,

ressaltamos que nas interações, em que os participantes não (com)partilham o espaço do aqui

e do agora, como nas cartas, os procedimentos realizam-se por outros meios, tais como:

formas de tratamentos, captadores (do tipo - hein, né etc.), ênfase expressa pela realização da

palavra em letra maiúscula (ENTENDEU?), ou até mesmo pelo prolongamento de uma das

letras da palavra (Simmmm), etc. Nesse sentido, a autora considera as interações como

atividades colaborativas, independentemente dos participantes estarem ou não na presença um

do outro.

Na discussão acerca das interações, a pesquisadora em questão comenta, ainda, que os

meios pelos quais podemos interagir socialmente são múltiplos, e muitas vezes não são de

7 Ênfase da autora.

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natureza linguística, como observamos na analogia por ela proposta: “o fluxo de veículos nos

cruzamentos das ruas: cada um deve, não ‘falar em seu turno’, mas ‘passar na sua vez’, sendo

obrigado tanto a ceder o lugar, quanto a se apossar dele”. (KERBRAT-ORECCHIONI, 2006,

p. 11).

Nessa direção, as interações são tidas como verbais e não verbais. Estas se realizam

por meio da dança, do esporte, do trânsito, etc.; aquelas se realizam, principalmente, por meio

verbais, como as conversações, sejam elas familiares, ou de outros gêneros. Conforme

Kerbrat-Orecchioni (2006, p. 14), “as conversações constituem um tipo particular entre as

interações verbais8 (que, por sua vez, constituem uma subclasse no conjunto das interações

sociais)”. Compreendemos, assim, que as interações verbais e não verbais fazem parte de um

conjunto mais amplo de interações, cujos significados são atribuídos pelas pessoas enquanto

membros de grupos específicos.

Ao refletir sobre a organização das conversações, Marcuschi ([1986] 2003) chama

atenção para o fato de que essas não se constituem em atividades aleatórias que ocorrem de

qualquer forma em nossas vidas, mas sim em atividades organizadas. Conforme esse

pesquisador, a organização das conversações revela diversas estratégias de formação e

coordenação. Com base nessa afirmação, entendemos que apesar de muitas vezes realizar-se

em situações que, aparentemente, não exigem de seus participantes um grau de compromisso

expressivo, quanto à sua produção, a conversação se configura como uma atividade ordenada,

coordenada e intencional.

No que se refere a essa questão, Kerbrat-Orecchioni (2006, p. 43) menciona que todas

as práticas comunicativas desenvolvidas por nós diariamente são atividades ordenadas, as

quais “se desenvolvem segundo alguns esquemas preestabelecidos e obedecem a algumas

regras de procedimentos”. A pesquisadora explica que para realizarmos várias atividades em

nosso dia a dia, por mais simples que elas pareçam, nos adequamos a determinadas regras

conversacionais que operam no funcionamento das trocas comunicativas.

Orientadas pelas noções discutidas até esse momento, abordaremos, a seguir, as regras

que regem as atividades conversacionais, sejam elas mais ou menos espontâneas, mais ou

menos submetidas a situações formais.

8 Ênfase da autora.

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34

2.3 Regras interacionais

Entendemos que as conversações, ao contrário do muitas pessoas supõem, são

atividades interacionais que obedecem a algumas regras e procedimentos, quanto à sua

realização. Nesse aspecto, Kerbrat-Orecchioni (2006, p. 43), em sua proposta de estudo,

destaca que “as regras que regem as interações verbais são de naturezas diversas”. Contudo, a

autora distingue entre estas três grandes categorias, conforme mostramos a seguir:

Quadro 2 – Regras conversacionais

Fonte: Adaptado de Kerbrat-Orecchioni (2006, p. 43)

Dentre essas, o nosso interesse recai sobre a investigação das que regem a organização

estrutural das interações, ou seja, a do 2º nível de categorias, as quais discutiremos, a seguir.

Segundo essa pesquisadora, “as regras conversacionais são de natureza bastante

diversa, porque as conversações são objetos complexos que funcionam em diferentes níveis”.

(KERBRAT-ORECCHIONI, 2006, p. 14). Assim, algumas delas abrangem todos os tipos de

interação, enquanto outras não, ou seja, são mais específicas a um ou a outro gênero. A partir

desse ponto de vista, compreendemos que tais regras dependem das pessoas que participam,

do grau de intimidade que é estabelecido, do conhecimento partilhado, entre outras questões.

Em sua abordagem, Kerbrat-Orecchioni (2006) ressalta que as regras interacionais são

conjuntos flexíveis que podem variar amplamente, de sociedade para sociedade, bem como de

cultura para cultura. Um exemplo bem evidente acerca da variação cultural dessas regras pode

ser observado em nosso país em situações de cumprimentos. Geralmente, na região Nordeste

do Brasil, as pessoas ao se encontrarem em variados locais costumam se cumprimentar por

meio de uma interação que envolve uma troca de dois beijos, um em cada lado da face. Já no

estado de São Paulo, região Sudeste do país, as pessoas se cumprimentam por meio de um

único beijo, em um dos lados da face de seu amigo, parente, colega, etc.

Dessa forma, entendemos com o posicionamento de Kerbrat-Orecchioni (2006) que as

regras não são rígidas, pois elas podem variar até mesmo de estado para estado, como também

de cidade para cidade, etc. Em sua discussão, essa estudiosa enfatiza, ainda, que a variação

1º Regras que permitem a gestão da alternância dos turnos de fala, ou seja, a construção

dessas unidades formais que são os “turnos”.

2º Regras que regem a organização estrutural das interações.

3º Regras, enfim, que intervêm no nível da relação interpessoal.

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daquelas também é sensível a fatores como a idade, sexo, origem social, entre outros, dada a

diversidade dos participantes de uma interação.

Ao refletir sobre o conjunto de regras do 2º nível da organização estrutural das

conversações, Kerbrat-Orecchioni (2006 p. 52) afirma: “num primeiro nível, que poderíamos

chamar de superfície, uma conversação se apresenta como uma sucessão de turnos de fala”.

Nessa direção, o trabalho de Sacks, Schegloff e Jefferson ([1974] 2003) sobre a “sistemática

elementar para a organização da tomada de turnos para conversa” é pioneiro na discussão que

enfoca como as pessoas procedem socialmente em interações direcionadas a um foco comum.

No referido estudo, os autores defendem que a tomada de turnos é usada na ordenação

de várias atividades humanas, inclusive na conversa. Nessa perspectiva, Sacks, Schegloff e

Jefferson ([1974] 2003) propõem um modelo de investigação dos turnos na fala a partir de

observações que revelam como se efetivam os tipos de organizações da tomada da vez de

falar em conversas espontâneas.

Os pesquisadores em questão explicam que o interesse por tal temática fundamenta-se,

em primeiro lugar, no fato de ser visível que nas conversações são utilizadas pelos

participantes “técnicas para a construção de elocuções que são relevantes para o seu status de

turno, que dizem respeito à coordenação da transferência e à vez de falar”. (SACKS;

SCHEGLOFF; JEFFERSON, [1974] 2003, p. 13). Em segundo lugar, por terem encontrado

motivos para desenvolverem uma caracterização da organização dos turnos na conversa que

revele, conforme destacam os autores: “importantes características combinadas de ser livres

de contexto e capaz de extraordinária sensibilidade ao contexto”. (Ibid., p.13). Assim sendo,

Sacks, Schegloff e Jefferson ([1974] 2003, p. 14) mencionam que

Uma razão para se esperar a existência de um tipo de organização como essa

encontra-se a seguir. A conversa pode acomodar uma vasta gama de

situações, interações nas quais estão operando pessoas de variadas

identidades (ou de variados grupos de identidades); ela pode ser sensível às

variadas combinações; e pode ser capaz de lidar com uma mudança de

situação dentro de uma situação. Conseqüentemente [sic], deve haver algum

aparato formal que seja ele mesmo livre de contexto, de forma que ele possa,

em ocorrências locais de sua operação, ser sensível a vários parâmetros da

realidade social em um contexto local e a eles exibir sua sensibilidade.

Consoante com essa posição teórica, entendemos que a organização de turnos para a

conversa pressupõe uma compreensão acerca de um sistema investigativo específico e

localizado, o qual Sacks, Schegloff e Jefferson ([1974] 2003, p. 14) elencam algumas

propriedades para o exame da tomada de turno na conversa, como citamos a seguir:

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1) A troca de falante se repete, ou pelo menos ocorre;

2) Na maioria dos casos, fala um de cada vez;

3) Ocorrências de mais de um falante por vezes são comuns, mas breves;

4) Transições (de um turno para o próximo) sem intervalos e sem

sobreposições são comuns [...];

5) A ordem dos turnos não é fixa, mas variável;

6) O tamanho dos turnos não é fixo, mas variável;

7) A extensão da conversa não é previamente especificada;

8) O que cada um diz não é previamente especificado;

9) A distribuição relativa dos turnos não é previamente especificada;

10) O número de participantes pode variar;

11) A fala pode ser contínua e descontínua;

12) Técnicas de alocação de turno são obviamente usadas [...];

13) Várias unidades de construção de turnos são empregadas [...];

14) Mecanismos de reparo existem para lidar com erros e violações da

tomada de turnos [...].

As reflexões e o modelo sugerido pelos pesquisadores citados são referências para

muitos estudos que têm interesse em investigar a organização dos turnos de fala na

conversação. É importante destacar que, além dos turnos, outras questões da organização

podem ser observadas em uma conversação. Segundo Kerbrat-Orecchioni (2006, p. 52), uma

conversação “também está submetida a alguns princípios de coerência interna9”.

Nesse sentido, a estudiosa salienta: “uma conversação é uma organização que obedece

a regras de encadeamento sintático, semântico e pragmático” (KERBRAT-ORECCHIONI,

2006, p. 52). Esses encadeamentos constituem um conjunto de princípios internos, que é

denominado de gramática das conversações.

Na gramática das conversações, a organização conversacional é considerada sob dois

níveis de investigação: global e local. No nível global, o interesse investigativo pauta-se em

“reconstruir o cenário (ou script) que embasa o desenvolvimento do conjunto da interação.

Esse cenário está diretamente ligado ao tipo de interação no qual se inscreve a troca

comunicativa em questão”. (KERBRAT-ORECCHIONI, 2006, p. 54). Já no nível local,

“trata-se de estudar a maneira pela qual se efetua, passo a passo, o encadeamento dos

diferentes constituintes do diálogo. Por exemplo, esse encadeamento pode ser feito em nível

explícito ou implícito” (Ibid., p. 54)10.

9 Ênfase da autora. 10 Ênfases da autora.

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37

2.3.1 O modelo hierárquico interacional

O exame do nível local nas conversações dá-se por meio de um modelo denominado

“hierárquico”. O modelo hierárquico proposto por Kerbrat-Orecchioni (2006) tem como

princípio o entendimento de que as conversações são atividades linguísticas constituídas por

níveis que se incluem uns nos outros. Dessa forma,

Transposta para a análise das conversações, essa teoria dos “níveis”11,

aparentemente consiste em considerar que as conversações são arquiteturas

complexas e hierarquizadas, fabricadas a partir de unidades que se inscrevem

em categorias diferentes, e que são encaixadas umas nas outras, segundo

algumas regras de composição. (KERBRAT-ORECCHIONI, 2006, p. 55).

Nesse sentido, essa estudiosa esclarece que o “modelo hierárquico” apresentado por

ela teve como inspiração a versão do modelo elaborado pela “Escola de Genebra” (E. Roulet

et al.), porém, conforme frisa, a apresentação feita está simplificada se comparada às

proposições genebrinas. Sendo assim, Kerbrat-Orecchioni (2006, p. 55) circunscreve cinco

níveis que considera os mais pertinentes para descrição da(s) organização(ões)

conversacionais, conforme mostramos a seguir:

Quadro 3 – Níveis do modelo hierárquico

Unidades Níveis organizacionais

Dialogais Interação (“encontro”, “eventos de

comunicação”; caso particular: conversação)

Sequência (ou “episódio”)

Troca

Monologais Intervenção

Ato de fala

Fonte: Kerbrat-Orecchioni (2006, p. 55)

Sob esse viés de investigação, a conversação é tida como uma interação verbal, cuja

organização se dá pela combinação de outras unidades. Estas são: os atos de fala, as

intervenções, as trocas e as sequências. Kerbrat-Orecchioni (2006, p. 55) destaca que a

11 Ênfase da autora.

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compreensão das regras de composição da organização estrutural das conversações perpassa

pela seguinte premissa:

Atos de fala combinam-se para constituir intervenções, sendo que os atos e

as intervenções são produzidas por um único falante; desde que dois

falantes, pelo menos, intervenham, trata-se de uma troca; as trocas

combinam-se para construir as sequências, que, por sua vez, se combinam

para construir as interações.

Com base nessas explicações, detemo-nos, a seguir, em uma explanação acerca das

noções teóricas que embasam o entendimento das unidades responsáveis pela organização

estrutural dessas interações verbais específicas: as conversações.

No “modelo hierárquico”, a interação é uma atividade que pode se inscrever em vários

tipos comunicativos, isto é, entrevista, consulta médica, conversação, etc. De acordo com

Kerbrat-Orecchioni (2006), independentemente do tipo em que a interação esteja inscrita, ela

evidencia uma continuidade interna do grupo de participantes, do quadro espaçotemporal, dos

temas abordados etc.

O posicionamento de Kerbrat-Orecchioni (2006) destaca que a interação é uma

unidade de nível superior que se realiza, na maioria das vezes, conforme um esquema geral

que apresenta a seguinte organização: sequência de abertura; corpo da interação; sequência de

conclusão. Nessa perspectiva, a interação constitui-se como uma unidade comunicativa, a

qual a composição se dá pela combinação de outras unidades, a saber, as sequências.

Nas interações, as sequências, geralmente, desempenham algumas funções, uma delas

é abrir e fechar os eventos comunicativos. O corpo de uma interação constitui-se livremente,

permitindo, assim, que os participantes, por exemplo, em uma conversação familiar ou entre

amigos, falem sobre os mais diversos temas.

Considerando que neste estudo nosso interesse é discutir sobre a sequência como

unidade que compõe a organização estrutural das conversações, focalizamos o tipo sequencial

que abrange essa situação comunicativa específica – a sequência dialogal.

2.3.2 A sequência dialogal

Em uma perspectiva interacional, Kerbrat-Orecchioni (2006) considera que as

sequências são as unidades que compõem as interações. Na visão da autora, “a sequência

pode ser definida como um bloco de trocas ligadas por um forte grau de coerência semântica

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ou pragmática, ou seja, trata-se de um mesmo tema ou centra-se sobre uma mesma tarefa”.

(KERBRAT-ORECCHIONI, 2006, p. 56).

Conforme destacam Passeggi et al. (2010, p. 263), no âmbito dos estudos da Análise

Textual dos Discursos, cuja referência são os trabalhos de Jean-Michel Adam, a sequência é

reconhecida como “uma categoria de análise consolidada e regularmente utilizada nas

descrições textuais.” Na abordagem desse estudioso, a teoria das sequências textuais

fundamenta-se na compreensão de uma unidade textual mínima, proposição-enunciado. Essa

“é o produto de um ato de enunciação”. (ADAM, [2008] 2011, p. 108).

Em sua discussão, Adam ([2008] 2011, p. 205) salienta: “as sequências são unidades

textuais complexas, compostas de um número limitado de conjuntos de proposições-

enunciados: as macroproposições”. Nesse sentido, a macroproposição é definida como “uma

espécie de período cuja propriedade principal é a de ser uma unidade ligada a outras

macroproposições, ocupando posições precisas dentro do todo ordenado da sequência”. (Ibid.,

p. 205).

De acordo com o autor em questão, “as macroproposições que entram na composição

de uma sequência dependem de combinações pré-formatadas de proposições”. (ADAM,

[2008]2011, p. 205). Essas combinações são designadas de narrativa, argumentativa,

explicativa, dialogal e descritiva. Esses cinco tipos de combinações pré-formatadas de

sequências “correspondem a cinco tipos de relações macrossemânticas memorizadas por

impregnações culturais (pela leitura, escuta e produção de texto) e transformadas em esquema

de reconhecimento e de estruturação da informação textual”. (Ibid., p. 205). Partindo dessas

noções, Adam ([2008] 2011, p. 205) focaliza

uma sequência é uma estrutura12, isto é:

uma rede relacional hierárquica: uma grandeza analisável em

partes ligadas entre si e ligadas ao todo que as constituem;

uma entidade relativamente autônoma, dotada de uma

organização interna que lhe é própria, e, portanto, numa relação de

dependência-independência com o conjunto mais amplo do qual faz

parte (o texto). (ADAM, [2008] 2011, p. 205).

Discorrendo sobre os estudos de Adam (1992), Silva (2012, p.125) afirma que “uma

sequência textual é um fragmento dotado de alguma autonomia no âmbito do texto em que se

insere, e constituído por segmentos prototípicos correspondentes a diferentes fases que são

inerentes a essa sequência”. Conforme essa perspectiva, “a sequência é, então, uma entidade

12 Ênfase do autor.

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40

com relativa autonomia; configura uma estrutura hierarquizada, decomponível em

macroproposições ligadas entre si e relacionadas com a totalidade do texto”. (Ibid., p. 125).

Na discussão realizada, Silva (2012, p. 126) menciona que um texto “inclui uma ou

mais sequências, que se manifestam de forma integral ou elíptica (isto é, que ocorrem no texto

com todas as suas fases típicas ou sem algumas delas) e que são do mesmo tipo ou de tipos

diferentes.” Dessa forma, um texto pode ser integrado tanto por uma sequência, quanto por

sequências de vários tipos, narrativo, descritivo, entre outros. Assim sendo, para esse autor, a

sequência apresenta-se como uma unidade que se relaciona ao todo textual.

Silva (2012) destaca que os quatro primeiros tipos de sequências, geralmente, são

produzidos em situações comunicativas monogeradas, isto é, em que um único locutor produz

o texto. Já a sequência de tipo dialogal é poligerada, pois é produzida em situações de

comunicação em que há mais de um locutor contribuindo para o desenvolvimento do texto em

curso, conforme podemos observar em conversações.

Ao discutir sobre o reconhecimento das sequências dialogais, Adam ([2008] 2011, p.

246-247) pontua que “as diferenças entre as condições enunciativas orais reais e condições

enunciativas escritas explicam a defasagem importante que existe entre uma conversação oral

e um diálogo teatral, cinematográfico, romanesco ou de história em quadrinhos”. Segundo o

autor, “a imitação da conversação oral leva a formas dialogais escritas que não poderíamos

confundir com a oralidade autêntica”. (Ibid., p. 247).

Nessa direção, Adam ([2008] 2011) evoca uma citação de Goffman (1987, p. 85) para

fundamentar uma definição acerca do texto dialogal-conversacional, conforme segue:

As enunciações não se encontram localizados nos parágrafos, mas em turnos

de fala que são outras tantas ocasiões temporárias de ocupar

alternativamente a cena. Os turnos são, eles próprios, naturalmente,

emparelhados sob formas de intercâmbios bipartidos. Os intercâmbios estão

ligados entre si em sequências marcadas por uma certa tematicidade. Uma

ou mais sequências temáticas formam o corpo de uma conversação. Essa é a

concepção interacionista, que supõe que toda enunciação é uma declaração

que estabelece as palavras do locutor seguinte como sendo uma réplica ou

uma réplica ao que o locutor precedente acaba de estabelecer ou, ainda, uma

mescla das duas. As enunciações não se sustentam sozinhas e não têm

feqüentemente [sic] nenhum sentido entendidas assim; elas são construídas e

calculadas para sustentar a esteira da colaboração social que implica a

tomada de turno de fala. Na natureza, a palavra pronunciada somente se

encontra no intercâmbio verbal, ela é feita totalmente para esse habitat

coletivo. (GOFFMAN, 1987, p. 85 apud ADAM, [2008] 2011, p. 247).

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41

Apoiado nessa compreensão de enunciações, Adam ([2008] 2011) detém-se, então, a

apresentar a composição da estrutura canônica de uma sequência dialogal. Para empreender

essa noção, esse pesquisador utiliza como exemplo um trecho em discurso direto do conto de

fadas Cinderela, de Perrault, descrevendo a organização, a seguir:

T76 [Q-A1] Cinderela, você gostaria de ir ao Baile? [R-B1] – Ai, senhoritas, vocês estão

brincando comigo, aquilo lá não é coisa pra mim. [AVAL-A2] – Você tem razão iriam rir se vissem

uma borralheira ir ao baile. (ADAM, [2008] 2011, p. 248).

Ao analisar o trecho, o pesquisador em questão menciona que no conto os personagens

(A e B) se alternam para formar um intercâmbio completo, isto é, uma troca, instaurada pelo

questionamento de (A) Q e reposta de (B) R. Depois, tem-se a avaliação (Aval) da resposta

por aquele que pergunta (A), que fecha assim a sequência-intercâmbio.

Com base no discurso apresentado, Adam ([2008] 2011) ressalta que a estrutura

observada configura-se como um núcleo transacional de um texto dialogal. “Em torno desse

núcleo transacional de base, um texto dialogal é enquadrado por sequências fáticas de

abertura e de fechamento. Como as sequências transacionais constituem o corpo da interação,

um texto conversacional elementar completo poderia ter a forma seguinte”. (ADAM, [2008]

2011, p. 248), conforme o esquema 29, a seguir apresentado:

Quadro 4 – Organização da sequência dialogal

Fonte: Adam ([2008] 2011, p. 250)

Observamos, no esquema, o texto conversacional composto por sequências fáticas e

sequências transacionais. As sequências fáticas dizem respeito aos intercâmbios [A1] [B1] e

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[A4] [B3] que abrem e fecham, respectivamente, o evento comunicativo. A sequência

transacional se circunscreve a partir de um esquema que apresenta, em sua organização,

pergunta [A2] – resposta [B2] – avaliação [A3]. Essa organização é a estrutura de uma

sequência dialogal que constitui o corpo da interação em um texto dialogal, como apontado

por Adam ([2008] 2011).

Passeggi et al. (2010), ao abordarem a estrutura do texto conversacional proposta

nessa perspectiva teórica, explicitam que a sequência em questão pode ser ilustrada em alguns

versos da primeira estrofe do poema “O fantasma e a canção”, de Castro Alves, publicados no

livro Espumas Flutuantes, conforme transcrevemos, em seguida:

Quadro 5 – Poema “O fantasma e a canção”

O fantasma e a canção

Quem bate? – “A noite é sombria”! Pergunta A1 Resposta B1 = Turno 1

Quem bate? – “È rijo o tufão!...

Não ouvis a ventania?

Ladra à lua um cão”.

Pergunta A2 Resposta B2 = Turno 2

- Quem bate? – “O nome qu’importa?

Chamo-me dor...abre a porta!

Chamo-me frio...abre o lar!

Dá-me pão...chamo-me fome!

Necessidade é o meu nome!”

Pergunta A3 Resposta B3 = Turno 3

Mendigo podes passar! Avaliação A4

Fonte: Passeggi et al. (2010, p. 295)

Segundo os estudiosos, “nesse trecho, em versos que reproduzem o discurso direto,

observa-se uma estrutura canônica de transação, na forma de uma sequência dialogal

elementar, com pergunta, resposta e avaliação” (PASSEGGI et al., 2010, p. 294). No exemplo

ilustrado, os autores em questão entendem que os personagens A (a canção) e B (o fantasma)

se alternam ao longo da estrofe para constituir um encadeamento de réplicas, logo, uma

sequência-intercâmbio completa. No poema, as perguntas de PA1, PA2 e PA3, com suas

respostas correspondentes RA1, RA2 e RA3 configuram 3 turnos. No final, tem-se a

avaliação A4 das respostas antecedentes.

Avançando na discussão sobre a estrutura da sequência dialogal, Adam ([2008] 2011)

também se detém a refletir sobre a materialização dessa sequência específica em outros

textos. Um desses é o poema, transcrito, a seguir, Sonnet d’automne de Baudelaire.

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T3513 Teus olhos me dizem, claros como o cristal:

“Para ti, bizarro amante, qual é então meu mérito?” Q1

- Sê encantadora e cala-te! Meu coração, que todo irrita não-R1

Exceto a candura do antigo animal,

Não quer te mostrar seu segredo infernal [...]

Crime, horror e loucura! – Ó pálida Margarida!

Como eu, não és tu um sol outonal,

Ó minha tão branca, ó minha tão fria Margarida? Q2= R1

Na análise apresentada, Adam ([2008] 2011) explica que o poema tem duas perguntas

e uma resposta. Uma das perguntas está no início do poema e reproduz, na ótica desse

estudioso, em discurso direto um intercâmbio. As aspas observadas no 2 verso enquadram a

pergunta feita, enquanto o travessão no 3 verso indica a alternância do locutor e,

consequentemente, sua resposta. Conforme esse teórico,

a alternância dos EU e TU garante a articulação dialogal mínima das duas

intervenções, mesmo se o verso 2 é, de fato, uma fala silenciosa atribuída

aos olhos daquela cujo nome parece ser Margarida. O ato de ‘resposta’ toma

aqui não a forma da asserção habitual, mas a de uma ordem. (ADAM,

[2008] 2011, p. 251).

A última pergunta (Q2) é considerada por Adam ([2008]2011) como um

questionamento exclamativo, cuja resposta é vislumbrada no 3º verso.

Observamos, no poema, que as intervenções [Q1] não-[R1] e [Q2] = [R1] não

configuram a estrutura transacional de uma sequência dialogal, contudo, a alternância dos

interlocutores nos versos 2 e 3 materializam uma articulação dialogal entre as duas

intervenções, conforme aponta Adam ([2008]2011). Essa articulação dialogal deixa evidente

que o diálogo não prosseguiu, logo, não gerou uma sequência, bem como um intercâmbio

completo.

Embasado nos postulados de Adam (1992) acerca das sequências dialogais, Silva

(2012, p. 172) as considera como “qualquer texto (ou segmento textual) composto por um

conjunto de intervenções de dois [...] locutores que alternam [sic] repetidamente na tomada da

palavra. O texto produzido apresenta uma estrutura hierarquizada, em que cada nova

intervenção decorre de contribuições anteriores”. Nessa concepção, a sequência dialogal é,

13 Ênfases do autor.

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então, um texto ou segmento textual constituído por dois tipos de intervenções: as fáticas e as

transacionais.

a) intervenções fáticas: são as que se inserem nos rituais de abertura e de

fechamento da sequência dialogal; de acordo com a situação de

enunciação (que é, por definição, sempre única) e com os padrões

socioculturais da comunidade em que se está, as fases de abertura e de

encerramento do diálogo podem ser mais ou menos extensas e conter

mais ou menos intervenções de cada locutor;

b) intervenções transacionais: são as que constituem o corpo da interação

verbal, e que incluem os conteúdos que os locutores pretendem

comunicar, do ponto de vista das estruturas verbais usadas, são menos

ritualizadas, e, por isso, menos previsíveis do que as intervenções

fáticas. (SILVA, 2012, p. 173).

Na discussão sobre as sequências dialogais, Passeggi et al. (2010, p. 295) destacam

que os intercâmbios constituintes das sequências fáticas podem ser reconhecidos também na

letra da música “Sinal fechado” de Chico Buarque.

a) intercâmbio de abertura:

- Olá! Como vai?

- Eu vou indo. E você, tudo bem?

- Tudo bem! Eu vou indo, correndo pegar meu lugar no futuro ...E você?

- Tudo bem! Eu vou indo, em busca de um sono tranquilo... Quem sabe?

- Quanto tempo!

-Pois é, quanto tempo!

b) intercâmbio de fechamento

- Por favor, não esqueça, não esqueça...

- Adeus!

- Adeus!

-Adeus!

Fica claro nesse texto da música que as intervenções fáticas dizem respeito às formas

de cumprimento convencionalizadas nas sociedades, como os rituais de saudação e de

despedida. Silva (2012) afirma que as intervenções fáticas são as mais previsíveis e rotineiras

na abertura e encerramento das sequências dialogais e, consequentemente, na construção do

diálogo em curso, haja vista que é comum que as pessoas ao iniciarem um diálogo se

cumprimentem, como também se despeçam ao finalizá-lo. Na mesma direção, Kerbrat-

Orecchioni (2006, p. 56-57) menciona que nas interações verbais,

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As sequências que enquadram a abertura e a conclusão14 têm funções

bem particulares – para a abertura: estabelecer o contato físico e psicológico

entre os interlocutores (função “fática”), operar uma primeira, mas decisiva

“definição da situação”, iniciar a troca propriamente dita de maneira

favorável, graças a certo número de “rituais” confirmativos (cumprimentos,

manifestações de cordialidade e do prazer que se experimenta com o

encontro); para a conclusão: anunciar e organizar da maneira mais

harmoniosa possível o fim do encontro, por meio, ainda, de diferentes trocas,

com função “euforizante” (desculpas e justificativas de partida, balanço

positivo do encontro, agradecimentos, votos, cumprimentos sob promessas

de reencontro).

Já as intervenções transacionais são as que compõem o corpo das interações. Do ponto

de vista de Silva (2012), as intervenções transacionais podem evidenciar em sua realização

qualquer conteúdo, podendo este relacionar-se a diferentes tipos de sequência textual. Em

outros termos, Silva (2012) explica que no desenvolvimento de uma interação os participantes

podem abordar diversos temas, na forma de distintos tipos sequenciais. Afinal, é comum nos

diálogos as pessoas narrarem histórias, descrevem ambientes, pessoas, etc.

Nessa perspectiva, Silva (2012) assume que as sequências dialogais são distintas dos

demais tipos dispostos por Adam (1992), pois além delas serem geradas em situações

comunicativas, em que se tem mais de um interlocutor contribuindo para a construção de um

texto, elas podem integrar em sua composição outros tipos de sequências. Em sua abordagem,

Silva (2012) deixa claro que os textos ou segmentos de textos que apresentam em sua

materialização o tipo sequencial dialogal constituem-se como diálogos.

Considerando que a noção de diálogo nas investigações de Adam (1992) exige mais

alguns esclarecimentos, Silva (2012) se detém a explicar que é comum as pessoas designarem

um texto em que os interlocutores se alternam na tomada da palavra de conversa, conversação

ou diálogo. Nessa definição, o autor considera os diálogos que ocorrem em uma realidade

objetiva, como também os que se dão em uma realidade ficcional.

Ao explicitar a compreensão sobre os termos conversação e diálogo, Silva (2012, p.

169) salienta: “No âmbito específico dos estudos linguísticos, Adam (1992) propôs que não

sejam usados indiferentemente os termos conversação e diálogo [...] haverá a ganhar em rigor

terminológico – distinguindo duas perspectivas de análises diversas, embora

complementares”. Pautado nas reflexões de Adam (1992), Silva (2012) menciona que nesse

enfoque é sugerido que o termo conversação seja utilizado para referir-se a um gênero

discursivo que apresente como característica a alternância de seus participantes na tomada da

14 Ênfase da autora.

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palavra. Como exemplo desses gêneros, esse estudioso cita a entrevista e o debate. Já o termo

diálogo deve ser empregado para designar um determinado tipo sequencial integrante do texto

dialogal – a sequência dialogal.

Assim, nessa visão, “ambos os termos denotam o mesmo objeto: um produto verbal

composto por intervenções alternadas de dois ou mais interlocutores. O que difere é a

perspectiva de abordagem, o ângulo a partir do qual se observa esse objeto”. (SILVA, 2012,

p. 169). Dessa forma, entendemos que nos postulados de Adam (1992) a noção de diálogo

está relacionada ao tipo sequencial dialogal, portanto, quando se fala em diálogo também se

fala em sequência dialogal.

Em pesquisas desenvolvidas no âmbito do grupo Val. Es. Co. (Valência, Espanhol

Coloquial) da Universidade de Valência, do qual também é coordenador, Briz (2007)

menciona que tem adotado o termo diálogo para referir-se a um tipo de discurso, cuja

materialização é frequente em gêneros como a entrevista, o debate, a conversação, e outros.

Sob essa ótica, a conversação representa o protótipo dos diálogos.

De acordo com Briz (2007), o discurso conversacional apresenta em sua organização

quatro unidades estruturais, são elas: o ato, a intervenção, o intercâmbio e o diálogo. O ato e a

intervenção fazem parte do nível monológico do discurso, enquanto o intercâmbio e o diálogo

do nível dialógico. Para o autor 15,

O ato é a menor unidade da conversação e o componente básico de uma

intervenção; a intervenção, portanto, é constituída por um ato ou um por um

conjunto de atos. A combinação de intervenções (iniciativa e reativa) de

diferentes emissores gera um intercâmbio e um ou a vários intercâmbios

constituem o que temos chamado de diálogo. (BRIZ, 2007, p. 16).

Nesse ponto de vista, “o mínimo para falar de diálogo é um intercâmbio (Ic), que é o

mesmo, que uma intervenção iniciativa (Ii) e outra reativa (Ir)”. (BRIZ, 2007, p. 16)16. Assim,

Briz (2007) mostra, por meio do esquema 1, a seguir, que a forma mínima de realização de

um diálogo é semelhante a de um intercâmbio.

15 Tradução nossa: “El acto es la unidad menor de la conversación, el constituyente básico de una intervención;

la intervención, así pues, esta constituida por un acto o conjunto de actos. La combinación de intervenciones de

distintos emisores (inicio y reacción) da lugar a un intercambio y uno o varios intercambios forman lo que

hemos denominado diálogo.” (BRIZ, 2007, p. 16). 16 Tradução nossa: “El mínimo para hablar de diálogo es un intercambio (Ic), o lo que es lo mismo, uma

intervención iniciativa (Ii) y otra reactiva (Ir)”. (BRIZ, 2007, p. 16).

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Esquema 1

Fonte: Briz (2007, p. 17)

Comentando o esquema, Briz (2007) menciona que as intervenções do tipo iniciativa-

reativa constroem intercâmbios, que, por sua vez, são entendidos como formas mínimas de

expressão em um diálogo. Nesse sentido, Briz (2007) pontua que podemos observar a

realização de um diálogo mínimo em situações de saudação, em que as pessoas ao saírem de

casa encontram outras e se cumprimentam: (1) A: Bom dia; B: Bom dia.

Avançando em sua exposição, o estudioso focaliza que em uma conversação os

intercâmbios também se instauram a partir de um encadeamento de intervenções do tipo

iniciativa-reativa, como demostrado no diálogo mínimo. Em seguida, Briz (2007) chama

atenção para o fato da estrutura de um diálogo conversacional, que pode ser observada no

esquema 2, a seguir:

Esquema 2

Fonte: Briz (2007, p. 17)

Consoante as considerações de Briz (2007), o esquema evidencia que uma

conversação é instaurada por um intervenção inicial (Ii), cuja função é abrir o evento

comunicativo. No desenvolvimento da conversação, pode-se ter várias intervenções que

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podem ser tanto de natureza (Ir-i), quanto não. Quando as intervenções no curso de uma

interação são do tipo (Ir-i), elas geram intercâmbios entre os interlocutores. Por último, tem-se

uma intervenção (Ir) que tem finalidade de fechar o texto conversacional.

Briz (2007) frisa que no desenvolvimento de uma conversação as intervenções nem

sempre são do tipo iniciativa-reativa, entretanto, elas apresentam-se como as mais constantes

no referido gênero. Do ponto de vista desse autor, é a presença de intervenções iniciativas-

reativas que fazem com que as pessoas ao longo de uma conversação instaurem intercâmbios

e, consequentemente, sequências de diálogos. Nessa perspectiva, Briz (2007) considera que a

conversação é gênero que incluiu em sua materialização várias sequências, essas instituídas de

forma dialogal ou não.

Silva (2012, p. 170) menciona que o diálogo é um texto que se desenvolve com

“interlocutores em presença ou à distância, oralmente ou por escrito, ao longo de um

determinado tempo. Uma sequência dialogal é, por isso, um texto (ou segmento textual)

produzido coletivamente”. Esse estudioso focaliza que “os segmentos textuais prototípicos de

uma sequência dialogal correspondem a diferentes fases do texto que atualizam este tipo

sequencial”. (SILVA, 2012, p. 172). Dessa forma, Silva (2012) deixa claro que a estrutura

macroproposiconal que compõe as sequências dialogais dá-se tanto pela articulação entre as

intervenções fáticas e transacionais, como também pela relação entre uma intervenção

específica e as demais constituintes do texto dialogal.

Silva (2012, p. 173) destaca que as intervenções dos participantes em um diálogo “têm

frequentemente caráter binário. Por outras palavras, cada intervenção de um locutor é

geralmente seguida de uma outra do seu interlocutor, que configura uma réplica ou reação à

primeira intervenção.” Conforme sugere o autor, é recorrente que as intervenções dos

interlocutores apresentam-se correlacionadas entre si, seja em virtude dos assuntos abordados,

dos atos ilocucionários realizados e/ou dos efeitos perlocutórios almejados.

Nessa direção, Kerbrat-Orecchioni (2006, p. 53) salienta: “para que se possa falar

verdadeiramente de diálogo, é preciso não somente que, pelo menos, duas pessoas se

encontrem presentes, que falem alternadamente e que testemunhem por seu comportamento

não verbal o ‘engajamento’ na conversação, mas que seus respectivos enunciados sejam

mutuamente determinados”17. Segundo essa estudiosa, em uma interação “as contribuições

dos participantes estão numa relação de dependência condicional, ou seja: toda intervenção é

17 Ênfase da autora.

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criada na sequência de certo número de coerções e de um sistema de expectativas”. (Ibid., p.

52).

Kerbrat-Orecchioni (2006, p. 57) explica que a intervenção é “produzida por um único

falante: é a contribuição de um falante particular em uma troca particular18.” De acordo

essa pesquisadora, não se pode confundir a noção de intervenção com a de turno de fala.

Galembeck (2010, p. 70), sobre essa questão, explica que “a idéia [sic] de turno – de acordo

com o senso comum – está ligada às várias situações em que os membros de um grupo se

alternam ou se sucedem na consecução de um objetivo comum ou numa disputa: jogo de

xadrez, corrida de revezamento, mesa redonda”.

Para Kerbrat-Orecchioni (2006, p. 58), “as intervenções, são constituídas de atos de

fala, que não são funcionalmente equivalentes”. A unidade do ato de fala é compreendida por

essa pesquisadora a luz da descrição da antiga tradição pragmática, a qual considera os atos

como intervenções do tipo perguntas, pedido, promessa etc. Nessa abordagem, os atos de fala

são tidos como a base da organização das interações verbais.

Dialogando com essa noção, Silva (2012) menciona que intervenção é uma designação

usada para se referir a cada produção verbal dos participantes em um diálogo. Sob essa ótica,

“A intervenção é o produto do ato de tomada da palavra por parte de uma locutor”. (SILVA,

2012, p. 172). Para Silva (2012), quando as intervenções em um diálogo configuram

conjuntos correspondentes de intervenções, elas constituem uma troca, a qual a seguir

abordamos.

2.3.3 A troca

Na discussão sobre as conversações, Kerbrat-Orecchioni (2006) define a troca como a

menor unidade do nível dialogal da organização estrutural dessas. De acordo com essa

perspectiva de investigação, a instauração de uma troca está condicionada a interação de, pelo

menos, dois participantes. Sobre essa questão, Marcuschi (2007, p. 99) considera que “a troca

é uma unidade (dialógica) interacional por ser produzida complementar e coordenadamente

por dois falantes.”

Conforme o exposto, entendemos que as trocas são compostas de pelos menos duas

intervenções, mutuamente determinadas, como aponta Kerbrat-Orecchioni (2006). No

entanto, de acordo com a explicação da autora, pode acontecer que uma troca apresente em

18 Ênfase da autora.

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50

sua materialização uma única intervenção; “– seja porque a outra intervenção é realizada por

meios não verbais (pergunta - movimento de cabeça; elogio - mímica etc); – seja porque ela

está simplesmente ausente (ex.: F1 cumprimenta F2 que não reage): a troca é então truncada”.

(KERBRAT-ORECCHIONI, 2006, p. 59).

Nos direcionamentos de Kerbrat-Orecchioni (2006), o nível da troca nas conversações

se dá pelas combinações de intervenções lançadas em uma situação comunicativa em que um

interlocutor produz uma intervenção e o outro produz outra. Quando na troca um participante

lança uma intervenção e não é correspondido, essa constitui-se incompleta. Essa

incompletude, muitas vezes, gera algumas inferências pragmáticas. De acordo com Kerbrat-

Orecchioni (2006, p. 59), “o truncamento é geralmente considerado como uma ofensa

conversacional”. Esta, por sua vez, pode ser interpretada como grave ou não, isso dependerá

de outros fatores, isto é, da relação interpessoal, do contexto, etc..

Descrevendo alguns casos de realização das trocas, Kerbrat-Orecchioni (2006, p. 59)

ressalta que, “no caso de uma troca iniciada por um pergunta, constata-se que a resposta é

voluntariamente seguida de um terceira intervenção, produzida pelo primeiro falante, e que

tem como função acusar a recepção da resposta”19. A terceira intervenção é denominada de

avaliativa. A autora ilustra a realização dessa troca com o seguinte exemplo:

F1 – Pra onde você tá indo tão apressado assim?

F2 – Pro cinema.

F1 – Ah! Pro cinema!

(KERBRAT-ORECCHIONI, 2006, p. 59).

Assim sendo, percebemos que essa primeira estrutura da troca realiza-se com a

organização semelhante de uma sequência dialogal – em forma transacional – ilustrada por

Adam ([2008] 2011), com base no discurso direto de Cinderela, de Perrault, em que seus

participantes constroem um intercâmbio completo a partir de uma pergunta [A2] – resposta

[B2] – avaliação [A3].

Nessa visão, as trocas também podem integrar mais de três intervenções em sua

realização. Quando apresentam mais de três intervenções, elas são tidas como trocas

estendidas. Para ilustrar a realização dessas, Kebrat-Orecchioni (2006) sugere que pensemos

em uma situação em que um Falante 1 faça uma oferta a um Falante 2

19 Ênfases da autora.

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51

Quando ela é seguida de uma reação de recusa, é raro que o ofertante

contente-se com um simples “Ah, tá bom!” avaliativo. Ele vai insistir, o que

vai abrir um “ciclo de negociações” mais ou menos longo, constituído por

certo número de repetições da oferta, seguidas de recusas polidas e

argumentadas; a negociação cessará quando F1 abandonar suas vãs

tentativas, ou quando F2 ceder às investidas de F1. (KERBRAT-

ORECCHIONI, 2006, p. 59-60).

Nessa direção, a pesquisadora deixa claro que as trocas podem apresentar diversas

organizações sequenciais. Ela considera casos mais simples de organização sequencial os que

apresentam em sua realização sequências do tipo pergunta-resposta (avaliação), como

podemos acompanhar no exemplo disponibilizado. Esse tipo de sequência é denominado de

linear e é frequente em conversações que têm a organização estrutural semelhante à das

entrevistas, como também em diálogos que apresentam o tipo sequencial dialogal como

destacado nas investigações de Adam ([2008] 2011).

Kerbrat-Orecchioni (2006) ressalta que em conversações espontâneas, a estrutura

interna das trocas tendem a fugir dos casos demostradas, pois segundo ela esse tipo de

conversação constitui-se mais complexa. Logo, nesse tipo conversacional

As trocas podem ser cruzadas, imbricadas ou engastadas uma na outra. Esse

último caso é particularmente frequente: por exemplo, depois de uma

pergunta de F1, em vez de responder imediatamente, F2 frequentemente dá

início a uma ou a várias trocas engastada(s), também de tipo pergunta-

resposta, cuja função é pedir a F1 esclarecimentos sobre sua pergunta; uma

vez obtidos os esclarecimentos, F2 está em condições de fornecer a boa

resposta, o que, enfim, ele faz. (KERBRAT-ORECCHIONI, 2006, p. 60).

Dessa maneira, entendemos que as conversações instauradas em nossas situações

comunicativas mais espontâneas apresentam trocas que nem sempre são instauradas de forma

linear em que a organização sequencial se dá a partir da disposição de um Pergunta –

Resposta – Avaliação, mas sim de outras formas, essas bem mais complexas e com outras

organizações sequenciais.

Nessa discussão, Kerbart-Orecchioni (2006) enfatiza, ainda, que quando as trocas

apresentam uma estrutura interna constituída por duas intervenções que se correspondem,

essas constituem um par adjacente. Nessa mesma direção, Silva (2012) destaca que o conjunto

de duas intervenções em um diálogo formam um par adjacente, o que a seguir enfocaremos.

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52

2.3.3.1 O par adjacente

No âmbito dos estudos da Análise da Conversação, as intervenções do tipo iniciativa e

reativa observadas por Kerbrat-Orecchioni (2006), Briz (2007), Adam ([2008] 2011) e Silva

(2012) constituem o que se tem denominado em Linguística de Par Adjacente. Conforme

afirma Kerbrat-Orecchioni (2006), a primeira intervenção de um par adjacente é designada

iniciativa, enquanto a segunda reativa.

Ao discutir sobre os pares adjacentes, Marcuschi ([1986] 2003) os reconhece como

uma sequência conversacional padronizada, cuja estrutura consiste de movimentos

coordenados e cooperativos. Nessa abordagem, a instauração de um par está condicionada a

coocorrência participativa entre dois indivíduos no curso de uma conversação. O autor

ressalta que em algumas situações comunicativas o par adjacente institui uma coocorência

quase obrigatória entre os falantes, tornando-se difícil do mesmo ser adiado ou até mesmo

cancelado. Assim, quando empregada a primeira parte de um par espera-se o emprego da

segunda, como no caso dos cumprimentos exemplificados: A: Bom dia! V: Bom dia!.

Pautado na literatura sobre o assunto, Marcuschi (2007, p. 99) menciona que “toma-se

como par adjacente toda a produção sequenciada entre dois falantes em que um deles produz

uma primeira parte, por exemplo, uma pergunta, e o outro produz a segunda parte, por

exemplo, a resposta condicionada pela primeira.” Sob essa ótica, o par adjacente apresenta-se

como duas intervenções – praticadas uma por cada falante – que constituem uma troca, menor

unidade dialogal das conversações.

Embasado em Schegloff e Sacks (1973), Marcuschi ([1986] 2003, p. 35) destaca que

os pares manifestam algumas características, as quais podem ser assim transcritas:

(a) extensão de dois turnos; (b) posição adjacente; (c) produção sucessiva

por diversos falantes; (d) ordenação com sequência predeterminada; (e)

composição de uma primeira e de uma segunda parte; (f) a primeira parte

seleciona o próximo falante e determina sua ação; (g) a primeira parte coloca

o ponto relevante para a transcrição do turno.

Ao refletir sobre as características dos pares adjacentes, Marcuschi ([1986] 2003, p.

35) pontua que as de “(a) a (e) são de natureza estrutural”. As características (f) e (g), por sua

vez, “sugerem [...] que há uma preferência de ordem esperada (f) e provável (g), mas tanto

uma como a outra não são impositivas. Na verdade, são regularidades que põem as condições

de produção, sem, contudo, ignorar as condições de recepção. (Ibid., p. 36)”

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53

Em um estudo sobre a estrutura organizacional das conversações, Levinson (2007)

também retoma Schegloff e Sacks (1973) para delinear algumas caracterizações dos pares.

Consoante com os dizeres desses teóricos, Levinson (2007, p. 385) mostra que os pares

adjacentes constituem-se em duas sequências enunciativas:

(i) adjacentes; (ii) produzidas por falantes diferentes; (iii) ordenadas como

primeira parte e segunda parte; (iv) tipificadas, de modo que uma primeira

parte especifica exige uma segunda parte específica (ou uma série específica

de segundas partes) – por exemplo, as ofertas exigem aceitações ou recusas,

os cumprimentos exigem cumprimentos, etc.

Nessa direção, Marcuschi ([1986] 2003), Kerbrat-Orecchioni (2006) e outros

estudiosos da conversação apontam que os pares podem ser de natureza: pergunta-resposta;

ordem-execução; convite-aceitação/recusa; cumprimento-cumprimento; xingamento-

defesa/revide; acusação-defesa/justificativa; pedido de desculpa-perdão etc.

Com referência à caraterística que implica o entendimento de uma relação adjacente

entre os pares, Marcuschi (2007, p. 100) esclarece que “se, inicialmente, a noção de par

adjacente20 foi desenvolvida para identificar ações coordenadas do tipo pergunta-resposta,

pedido execução, elogio-resposta etc., ela não se restringe apenas a esse tipo ações.” Isto é, o

esse estudioso considera, também, que os pares são constituídos por sequências relacionadas

entre si. Dessa maneira,

Se um falante se pronuncia sobre um dado tópico, espera-se que o outro

tome partido ou reaja na mesma direção, seja concordando ou acrescentando

algo novo. Neste caso, qualquer sequência de dois turnos, desde que

relacionadas relevantemente um ao outro, seria um par adjacente. Portanto,

em sentido estrito, o par adjacente é um tipo especial e básico de

seqüênciação [sic] de ações. (MARCUSCHI, 2007, p. 100).

Nessa visão, as ações que instituem as relações entre os pares adjacentes

fundamentam-se a partir do princípio da relevância condicional. Assim, “um par adjacente

consiste em duas ações praticadas uma por cada falante, sendo a primeira uma ação relevante

que condiciona outra ação complementar notável como reação correspondente21”

(MARCUSCHI, 2007, p. 99-100). Sob essa ótica, em uma conversação os pares não são

reconhecidos, apenas, por sua ocorrência adjacente, mas também por sua relação

correspondente, ou melhor, por sua relação condicional. Para Marcuschi ([1986] 2003, p. 36),

20 Ênfase do autor. 21 Ênfases do autor.

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“a relevância condicional de um item sobre o outro diz que, dada a primeira parte, uma

segunda é esperável; se esta ocorrer, é vista como a segunda em relação à primeira”.

Com base nessas noções, Marcuschi (2007, p. 100) salienta:

Em geral, a negociação que se opera entre os falantes na interação verbal se

manifesta como processo de condução e organização de relações de

relevância. A relevância de uma primeira parte de um par sobre a outra e a

ação imediatamente esperada pode não ocorrer seqënciadamente [sic]. Isto

por razões diversas. Uma delas pode ser a incompreensão ou então a má

vontade. Também pode ocorrer a necessidade ou o desejo de mudança de

tópico de forma brusca, o que nem sempre se dá de maneira fluente. Às

vezes, ocorre a necessidade de se obter um esclarecimento intermediário

para dar uma posição adequada.

Nessa perspectiva, em uma conversação as intervenções do tipo iniciativa-reativa que

configuram os pares adjacentes nem sempre ocorrem de modo sequencial, pois entre elas

pode-se ter outras intervenções geradas por inúmeros motivos. Marcuschi ([1986] 2003, 2007)

considera que quando se tem entre um par pergunta-resposta outros pares desse tipo, eles são

considerados pares inseridos e/ou sequências inseridas. Estes/estas estendem a troca para

mais de duas intervenções e, consequentemente, de dois turnos. Citamos um caso de sua

realização com o fim de ilustrar como elas podem se realizar nas interações. Como exemplo

de sequências inseridas, recorremos a Marcuschi ([1986] 2003, p. 47-48) para apresentar o

seguinte caso:

T1: S: Você está aqui desde quando”

T2: M: oi”

T3: S: quando você chegou aqui”

T4: M: aqui no Recife”

T5: S: sim/ aqui

T6: M: na semana passada

Analisando a situação posta, o autor explica que “a pergunta foi de fato colocada em

T3, sendo que T1 não havia sido entendida por M, de modo que T2 funcionou muito mais

como um pedido de repetição, [...] T3 será respondida após em T6, ou seja, após uma

seqüência [sic] inserida T4-T5”. (MARCUSCHI, [1986] 2003, p. 48). Assim, a

correspondência de um par adjacente pode integrar em sua realização outras intervenções, as

quais podem apresentar tanto uma função similar – perguntar e/ou responder – ou não, como

exemplificado.

Marcuschi (2007) deixa claro, ainda, – no seio dessa discussão – que a relação entre as

duas partes de um par não se constitui de natureza lógica, logo, elas podem variar até mesmo

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de cultura para cultura. Isto é, “numa mesma cultura, camadas sociais diversas têm maneiras

diversas de se portarem na produção de pares adjacentes. Mas interesses diversos por parte

dos interlocutores podem conduzir a reações diversas”. (MARCUSCHI, 2007, p. 104). Em

síntese, o autor enfoca que “o par adjacente é muito mais que uma noção teórica, de

configuração formal, do que um índice empírico passível de uma observação pura e simples”.

(Ibid., p. 100).

Dessa maneira, compreendemos que além de se configurarem como intervenções

correspondentes, os pares adjacentes referem-se a ações linguísticas que constituem os

intercâmbios, os diálogos mínimos, e as trocas estabelecidas entre as pessoas ao longo de um

texto conversacional/dialogal. Nessa perspectiva, destacamos o ponto de vista de Levison

(2007), o qual considera que os pares adjacentes atuam na administração das interações.

Apesar de não se inscreverem como conversações em que os participantes estão face a

face, as interações estabelecidas no corpus de nossa pesquisa também evidenciam em suas

materializações ocorrências de intervenções de natureza iniciativa-reativa. Contudo, os pares

visualizados nos textos em investigação não se realizam no espaço da adjacência – uma vez

que os interactantes dessas interações encontram-se distantes no tempo e espaço – mas

concretizam-se por sua relação correspondente, ou melhor, relação condicional. Considerando

esse fato, assumimos, no presente trabalho a terminologia, par dialogal para designar tais

organizadores interacionais na pesquisa.

Tendo em vista que identificamos nas cartas pessoais analisadas a manifestação de 234

contribuições de Câmara Cascudo e Mário de Andrade que caracterizam-se como ações de

pergunta ao interlocutor, discorremos acerca do par pergunta-resposta na seção seguinte, com

o fim de cumprir os objetos deste trabalho.

2.4 O par dialogal pergunta-resposta em interações

Ao discutir sobre aspectos da oralidade e interação, Silva (2006) menciona que entre

os pares dialogais socialmente disponíveis o par pergunta-resposta é o mais recorrente em

nossas interações. Na visão desse autor, usamos o referido par de forma tão frequente em

nosso dia a dia que, “é difícil imaginar uma conversação que não comece ou termine nem

contenha perguntas e respostas”. (SILVA, 2006, p. 261).

Para Silva (2006, p. 263), “as perguntas são uma das formas mais claras de fazer com

que um interlocutor responda adequadamente em termos conversacionais, pois instaura a

obrigatoriedade da participação do interlocutor”. Em outros termos, esse pesquisador explica

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que a obrigação de resposta imposta muitas vezes por uma pergunta contribui na coordenação

da fala entre os participantes de uma interação.

Nessa direção, Silva (2006) pontua que, além de coordenar turnos, as perguntas e as

respostas constituem-se como recursos conversacionais que apresentam outros propósitos e

funções em um evento comunicativo. Por exemplo, “quando uma pessoa faz uma indagação

referencial [...] busca uma informação e pede ao interlocutor que coopere; este, ao responder,

mesmo que não saiba a informação pedida demostra seu desejo em cooperar e estabelecer a

interação”. (SILVA, 2006, p. 263). Assim, o teórico em questão afirma que par dialogal P-R

pode “servir como abertura de uma conversação; iniciar, manter ou mudar o tópico

discursivo; fechar a conversação”. (Ibid., p. 263).

Com base nessas considerações, Silva (2006, p. 261) conclui seu pensamento,

destacando que a importância do par P-R em nossas interações é tão expressiva que “quando

utilizado à exaustão, leva o locutor a dizer (muitas vezes, com certo tom de aborrecimento)

que está sendo alvo de algum inquérito e, quando não utilizado, leva o locutor a dizer que seu

interlocutor não se interessa por ele ou pelo tópico desenvolvido”.

Galvão (2011), ao estudar perguntas e respostas em cartas pessoais, observa que nas

interações estabelecidas por tais textos as perguntas feitas pelos participantes são importantes

tanto no sentido de demostrar interesse a respeito de questões da vida (no caso, do

destinatário), quanto de viabilizar o intercâmbio entre eles, uma vez que as perguntas, como já

foi colocado, instauram em algumas situações a obrigação de resposta.

Assim sendo, reconhecemos que as perguntas e as respostas são tidas como ações de

linguagem que articulam e organizam as nossas relações interacionais, sejam elas

materializadas em situações em que os interactantes estejam um na presença do outro, sejam

elas materializadas em situações em que os participantes estão distantes um do outro, como

nas cartas pessoais.

Em um estudo sobre o tema, Fávero, Andrade e Aquino ([2006] 2015) chamam

atenção para a necessidade de se realizar um descrição do par pergunta-resposta, ressaltando

que eles contribuem para a instauração da coerência textual no português falado. Assim, essas

pesquisadoras propõem uma tipologia de P e R observando a função na organização tópica do

texto falado, a natureza e a estrutura.

Partindo das orientações de Fávero, Andrade e Aquino ([2006] 2015), apresentamos, a

seguir, uma tipologia que aborda os aspectos quanto à natureza e à estrutura das perguntas e

respostas atribuídas. Ressaltamos que a proposta das autoras em questão considera as funções

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57

textuais interativas relativas à forma e também leva em conta a perspectiva do falante e do

ouvinte.

2.4.1 Quanto à estrutura do par dialogal pergunta-resposta

Na discussão de Fávero, Andrade e Aquino ([2006] 2015, p. 129), as perguntas e as

repostas são tidas “num contexto particular em que as marcas lexicais, a entonação e a forma

sintática, em geral, se apresentam como características funcionais.” Segundo essas estudiosas,

a entonação ascendente contribui no reconhecimento de uma indagação, uma vez que há P

com entonação ascendente/descendente ou com entonação descendente. Fávero, Andrade e

Aquino ([2006]2015) explicam que quando um questionamento não evidencia entonação

ascendente, ele realiza-se mediante um ato indireto de fala.

Para Fávero, Andrade e Aquino ([2006] 2015), a literatura linguística tem apontado

dois grupos de perguntas: fechadas e abertas. Acerca dessa questão, Stubbs (1983) menciona

que o par pergunta-resposta pode ser constituído por dois tipos de perguntas: as do tipo sim

e/ou do não e as do tipo-X. Na visão do autor, as primeiras buscam respostas de confirmação

e/ou negação, já as segundas informações do interlocutor. Ele cita que as orações, a seguir,

são exemplos dessas perguntas, respectivamente: Harry está no bar?; Onde está Harry?.22

Segundo Fávero, Andrade e Aquino ([2006] 2015), as perguntas do primeiro tipo

também são conhecidas como fechadas. Elas tendem a restringir a interpretação do

interlocutor a respostas do tipo sim e/ou não. Stubbs (1983) considera que as perguntas

fechadas permitem outras respostas, entretanto, conforme frisa o teórico, um enunciado como

“Harry está em casa?” apresenta clareza em relação a resposta esperada. Nessa direção,

Stubbs (1983) explica que apresentando o mesmo significado de “sim” e “não” outras formas

do sistema da língua podem ser utilizadas para se responder uma pergunta fechada.

Pautado nas considerações de Stubbs (1983), Marcuschi ([1986] 2003, p. 37-38)

comenta que “as P do tipo sim-não podem restringir as alternativas de R, mas não impedem R

com variações notáveis. A preferência é pelas R elípticas, e, no geral, não com um sim, no

caso, das R afirmativas, mas repetindo o verbo ou algum elemento central qualquer”. Essa

afirmação é ilustrada por esse estudioso com os seguintes exemplos:

A: vai ao cinema hoje

22 Na discussão do autor, lê-se essas orações da seguinte maneira: Is Harry in the pub? and Where is Harry?

(STUBBS, 1983, p. 105)

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B: vô/

Ou

A: Já viu o novo vestido da J.

B: já

Também, na visão de Marcuschi ([1986] 2003), é comum no português do Brasil P

fechadas não serem respondidas com um sim. Nesse aspecto, o pesquisador menciona que tais

perguntas, normalmente, são respondidas com formas ecóicas, breves e positivas. Assim

sendo, entendemos que as relações estabelecidas entre as P fechadas e suas possíveis

respostas são suscetíveis a certas variações.

Ao contrário do tipo anterior, as perguntas X são tidas como abertas e permitem

repostas do tipo sim/não, entre outras. De acordo com Stubbs (1983), as P X tem sintaxe

interrogativa, por isso, é frequente elas serem realizadas pelos termos: onde, quando, quem, o

quê, como. Fávero, Andrade e Aquino ([2006] 2015, p. 151) explicam que “as Ps abertas23

costumam ser seguidas de Rs cujos elementos se correlacionam com a circunstância indicada

pelo pronome eleito.” As autoras exemplificam essa característica das perguntas abertas com

os enunciados transcritos, a seguir:

(63)

Doc. – quem prefere avião?

L2 – eu ... ((risos)) porque chega depressa e a gente vai morrer... morrer de vez...

[D2 SSA 98]

(64)

Doc. – como era a composição desse trem?

L2 – a mesma de todos: uma carroça na frente e outras atrás... [D2 SSA 98]

Fávero, Andrade e Aquino ([2006] 2015 p. 152) mencionam, ainda, que “as Rs a Ps

abertas que se limitam a fornecer diretamente a informação solicitada, com elipse de

elementos, são frequentes em nossa língua e seus elementos elididos podem ser facilmente

recuperáveis a partir do contexto.”

Além dos tipos citados acima, Silva (2006) e Fávero, Andrade e Aquino ([2006] 2015)

enfatizam - em suas discussões - que as perguntas podem também ser classificadas como

retóricas. Na visão dessas pesquisadoras, elas “ocorrem quando o falante elabora uma P com

intuito de que o ouvinte não responda, porque aquele já conhece a R e é só questão de

procura-la na memória”. (FÁVERO; ANDRADE; AQUINO, [2006] 2015, p. 152). Assim,

elas são vistas em situações em que o próprio falante tem o conhecimento sobre a resposta da

23 Ênfase da autora.

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pergunta. Nesse caso, elas não são formuladas, propriamente, para exigir uma resposta do

interlocutor, mas com outros propósitos.

Dessa maneira, notamos que o par dialogal P-R apresenta diferentes formas de

realização, possibilitando assim, investigações acerca da organização da troca comunicativa

entre as pessoas em conversações face a face, como também em interações estabelecidas por

meio de textos escritos.

2.4.2 Quanto à natureza do par dialogal pergunta-resposta

Nos estudos sobre essa questão, Fávero, Andrade e Aquino ([2006]2015, p. 143)

mencionam que no que concerne à natureza do par P-R “é possível detectar pedidos de

informação, de confirmação ou de esclarecimento”.

Para essas estudiosas, “o pedido de informação pode ser definido como algo que o

interlocutor deseja saber por uma questão de necessidade”. (Ibid., p. 143). Nessa perspectiva,

a resposta a um questionamento dessa natureza é caracterizada como sendo uma reação à

informação que foi pedida e pode-se apresentar, conforme enfoca Fávero, Andrade e Aquino

([2006]2015): a) com acordo – a reação do falante constitui-se em confirmar e/ou aceitar a

questão posta; b) com dúvida – esse tipo de resposta não atende as perspectivas do falante,

uma vez que ele almeja do interlocutor uma resposta satisfatória e não com dúvidas; c) com

negação – é tida como a reação menos aguardada por quem faz o questionamento, dado que,

na negociação, o falante nutre expectativas quanto à resposta do interlocutor; d) com

implicatura24 – esse tipo de reação proporciona que ambos os interlocutores avaliem o

discurso produzido como coerente; e) com fornecimento de informações além do solicitado.

Fávero, Andrade e Aquino ([2006] 2015, p. 145) apontam que “os pedidos de

confirmação ocorrem, comumente, dentro de uma troca em que antes houve um pedido de

informação e o interlocutor solicita, de novo, que essa informação seja sustentada”. Com

efeito, as autoras ressaltam que “o pedido de confirmação também pode ser empregado

quando um dos interlocutores parece não concordar com o que foi dito, valendo-se desse tipo

de P para certificar-se”. (Ibid., p. 147).

Na abordagem sobre os pedidos de confirmação, Fávero, Andrade e Aquino ([2006]

2015, p. 147) buscam esclarecer que “poder haver, ainda, a combinação de confirmação e de

esclarecimento.” Assim, um mesmo enunciado apresenta quanto à sua natureza um pedido de

24 Esse tipo de resposta é explicada pelas autoras no exemplo (20) (cf. item “Regra de coerência e frame de P e

R”).

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confirmação e de esclarecimento acerca de algum fato mencionado. Nesse enfoque, as

respostas aos pedidos de confirmação podem se desenvolver com: a) confirmação positiva; b)

confirmação negativa.

Em relação aos pedidos de esclarecimentos, as pesquisadoras em questão comentam

que esses podem apresentar: a) pedido de esclarecimento em relação à audição do enunciado e

b) pedido de esclarecimento em relação ao conteúdo do enunciado. Na visão de Fávero,

Andrade e Aquino ([2006] 2015, p. 148), o primeiro tipo de pedido “é feito quando o ouvinte

não consegue captar o que foi proferido em uma P formulada pelo seu interlocutor e solicita

que essa P seja repetida parcial ou totalmente.” O segundo, por sua vez, ocorre

I) quando o interlocutor solicita um esclarecimento a respeito da P

elaborada pelo seu parceiro e tem na R essa solicitação atendida;

II) quando o interlocutor solicita um esclarecimento não em relação a

uma P, mas a um elemento referendado no enunciado imediatamente anterior

ao seu, que estava sendo desenvolvido pelo outro falante, e obtém um R que

preenche essa solicitação. (FÁVERO; ANDRADE; AQUINO, [2006] 2015,

p. 148-149).

Com base nessa discussão, que mostra aspectos da natureza de perguntas e repostas

em conversações face a face, compreendemos que o par pergunta-resposta é um organizador

interacional que pode apresentar diferentes funções – quanto à sua natureza – no

desenvolvimento das interações.

Convém salientar que ao explicarem a tipologia de P e R proposta, Fávero, Andrade e

Aquino ([2006] 2015) focalizam ainda questões a respeito da circularidade entre perguntas e

respostas. Para essas estudiosas “é difícil negar uma relação entre P e R: as Ps antecipam e

restringem semanticamente as Rs e parecem depender destas, que, por sua vez, são ainda mais

dependentes das primeiras”. (FÁVERO; ANDRADE; AQUINO, [2006] 2015, p. 130).

Orientadas pelos dizeres de Stubbs (1987), as autoras ressaltam uma questão de

relevância na discussão em foco: “além de implicar que uma P seja necessariamente

respondida, leva a uma definição circular em que a diferença entre os dois atos é o aspecto

eleitor/eleito: um ato de fala, a P, escolhe uma R e outro ato de fala, a R, é a ação escolhida

pela P.” Nessa direção, entendemos em conformidade com as ideias das pesquisadoras que

uma pergunta é considerada um pedido de informação relativo ao que não temos

conhecimento, sendo a resposta “o enunciado que proporciona tal informação”. (Ibid., p. 130).

Moeschler (1986, p. 277 apud FÁVERO; ANDRADE; AQUINO [2006] 2015, p. 131),

lembra que “essa circularidade entre P e R é considerada como inevitável e aceita como

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61

necessária”. Contudo, Fávero, Andrade e Aquino ([2006] 2015) frisam que uma pergunta

pode ser seguida de outra e não de uma resposta.

Assim sendo, percebemos a importância de investigação da natureza do par dialogal

pergunta-resposta nas interações, uma vez que as perguntas podem caracterizarem-se como

um pedido de informação, confirmação ou de esclarecimento.

Após termos abordado as discussões que fundamentam teoricamente a pesquisa,

focalizamos na seção seguinte questões metodológicas que adotamos para a consecução dos

objetivos propostos.

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62

3 METODOLOGIA DA PESQUISA

3.1 A abordagem e o tipo de pesquisa

Para a consecução dos objetivos desta investigação, adotamos uma abordagem

qualitativa, haja vista que nosso trabalho tem como foco a descrição, a análise e a

interpretação de ocorrências linguísticas que evidenciam aspectos específicos da carta pessoal

e fazem parte da organização estrutural de interações estabelecidas pelo (com)partilhamento

do gênero discursivo/textual em questão.

Segundo Oliveira (2012, p. 60), na abordagem qualitativa “o pesquisador(a) deve ser

alguém que tenta interpretar a realidade dentro de uma visão complexa, holística e sistêmica”.

Nessa direção, a autora deixa claro que esse tipo de pesquisa possibilita “um processo de

reflexão e análise da realidade através da utilização de métodos e técnicas para compreensão

detalhada do objeto de estudo em seu contexto histórico e/ou segundo sua estruturação”.

(OLIVEIRA, 2012, p. 37).

Partindo desse ponto de vista, Oliveira (2012, p. 60) menciona que “a abordagem

qualitativa pode ser caracterizada como sendo um estudo detalhado de um determinado fato,

objeto, grupo de pessoas ou ator social e fenômenos da realidade”. De acordo com as

explicações dessa estudiosa, o processo desse tipo metodologia “implica em estudos segundo

a literatura pertinente ao tema, observações, [...] e análise de dados que deve ser apresentada

de forma descritiva”. (Ibid. p, 37).

Tendo como norte tais orientações, privilegiamos o estudo e a discussão de um

referencial teórico que aborda, sobretudo, questões da organização das conversações. Além

disso, inspiramo-nos em algumas pesquisas desenvolvidas no âmbito do programa de Pós-

graduação em estudos da linguagem (PPgEL) da Universidade Federal do Rio Grande do

Norte (UFRN), a fim de investigar aspectos específicos da interação verbal em textos escritos.

Dentre tais trabalhos, destacamos o de Souza (2013), Santos (2014), Campelo (2015) e Silva

(2016).

Consoante as considerações de Oliveira (2012, p. 50-51), utilizamos nas análise dos

dados desta pesquisa o método de natureza interpretativista e indutiva. Esse método,

conforme salienta a estudiosa em questão, “é uma ferramenta que conduz o pesquisador(a) a

observar a realidade para fazer seus experimentos e tirar suas conclusões”. Nessa perspectiva,

a interpretação de um determinado fenômeno linguístico parte de um enfoque particular em

direção a um mais amplo e, assim, a uma conclusão.

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63

Nos direcionamentos de Severino (2007) e Oliveira (2012), nossa investigação

caracteriza-se, ainda, como uma pesquisa documental, pois tem como objeto de estudo um

material escrito, isto é, cartas pessoais. Quanto à natureza desses documentos, consideramos

que eles advêm de uma fonte primária (dado original) “a partir da qual o pesquisador vai

desenvolver sua investigação e análise”. (SEVERINO, 2007, p. 123).

Em um livro sobre o tema, Bogdan e Biklen (1994, p. 179) chamam atenção para o

fato das cartas pessoais partilhadas por amigos serem “fontes de dados qualitativos muito

ricos”. Na visão desses estudiosos, esses textos permitem que um indivíduo realize uma série

de investigações, ou seja, desde a relações estabelecidas entre as pessoas que se correspondem

por eles, até as experiências de quem os escreveu. No caso da pesquisa, analisamos aspectos

específicos da organização dos textos em investigação, os quais deixam transparecer questões

inerentes à interação entre as pessoas que partilham as cartas.

3.2 Objeto de estudo e constituição do corpus

Neste trabalho, elegemos como objeto de pesquisa cartas pessoais que integram a

correspondência compartilhada entre Câmara Cascudo e Mário de Andrade, no período de

1924 a 1944. Os manuscritos desses autores foram organizados por Moraes (2010) em uma

edição que reúne 159 textos.

A escolha dessas cartas específicas para a realização deste estudo deve-se, primeiro, ao

fato delas serem um registro de como as pessoas interagiam e podem ainda interagir com o

outro que se encontra(va) distante no tempo e espaço; segundo, pela importância desses

textos, uma vez que eles são uma memória dos projetos, pensamentos e da vida cotidiana de

dois intelectuais e escritores do nosso país.

Ressaltamos que as escrituras oriundas da correspondência de Câmara Cascudo e

Mário de Andrade figuram, ainda, como verdadeiros documentos das manifestações culturais,

literárias, políticas e intelectuais do Brasil durante duas décadas. No ensaio de abertura do

livro, Barreto (2010, p. 9) menciona que

Mergulhando na intimidade desses timoneiros da cultura, garimpeiros do

imaginário brasileiro, dentro do caldeirão da inspiração dos dois gênios,

encontramos a essência do povo e suas manifestações. Há também o

descortino do cenário político e social municipal, estadual e governamental

da época, além da trajetória existencial de diversos escritores, comentários

ilustrativos dos problemas nacionais e internacionais.

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Nessa direção, esses textos não revelam apenas experiências pessoais e do dia a dia

vividas por esses escritores em contextos e realidades sociais distintas, mas também uma série

de acontecimentos. Para Barreto (2010, p. 9), as cartas escritas por esses renomados autores

são “uma visão panorâmica da realidade do ontem, sob à ótica de mentes privilegiadas”.

Considerando a expressiva quantidade de textos que integra o volume publicado,

selecionamos dentre os 159 disponíveis, um conjunto de 97 cartas pessoais para constituir o

corpus desta pesquisa. Essa seleção foi orientada pela compreensão das interações

estabelecidas, pelas ocorrências específicas das trocas interacionais, enquanto marcas

organizacionais nas cartas pessoais analisadas. No quadro, a seguir, apresentamos os textos

selecionados através de suas identificações originais especificadas no próprio livro.

Esclarecemos que as abreviações MA e LCC fazem referência aos autores das cartas, no caso,

Mário de Andrade e a Luís da Câmara Cascudo.

Quadro 6 – Cartas selecionadas

Número da carta selecionada Remetente

1 MA

2 LCC

3 MA

4 LCC

5 LCC

7 MA

8 LCC

9 LCC

10 LCC

11 LCC

12 LCC

13 MA

14 MA

15 LCC

16 LCC

17 MA

18 LCC

19 LCC

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65

20 MA

21 MA

22 MA

23 LCC

24 MA

25 MA

26 LCC

27 MA

28 LCC

29 LCC

30 MA

31 LCC

32 MA

33 LCC

37 MA

38 LCC

39 MA

40 LCC

41 MA

43 MA

45 LCC

46 MA

47 LCC

49 MA

59 MA

60 LCC

62 MA

63 LCC

64 MA

65 LCC

66 MA

79 LCC

81 MA

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66

82 LCC

83 MA

85 LCC

86 MA

87 LCC

90 LCC

91 MA

92 LCC

93 MA

95 LCC

96 MA

100 LCC

101 MA

102 LCC

104 MA

105 MA

106 LCC

107 LCC

108 LCC

109 MA

110 MA

111 LCC

112 LCC

113 MA

120 LCC

121 MA

122 LCC

123 MA

124 LCC

125 MA

127 LCC

128 MA

129 LCC

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67

130 LCC

131 MA

132 LCC

133 LCC

134 MA

140 LCC

141 MA

149 MA

150 LCC

154 MA

155 LCC

158 LCC

159 MA

Após a formação do corpus, procedemos um trabalho analítico nas cartas pessoais

selecionadas.

3.3 Etapas e categoria de análise

Para realizarmos a análise desta pesquisa e responder às questões de pesquisa

explicitadas na introdução deste trabalho, seguimos as etapas elencadas a seguir.

1º Etapa – Leitura sistemática das cartas selecionadas, observando o remetente e o

destinatário e identificando aspectos dos propósitos comunicativos e as partes composicionais

do plano de texto desses documentos.

2º Etapa – Análise interpretativa, identificando e descrevendo as ocorrências que se

materializam linguisticamente em sequências dialogais, nas quais se instauram as trocas e os

pares dialogais nas interações investigadas.

3º Etapa – Análise e interpretação de aspectos da estrutura e a natureza das perguntas

efetivadas e das respostas atribuídas.

Em nossa análise, elegemos como categoria analítica os pares dialogais evidenciados

na correspondência de Câmara Cascudo e Mário de Andrade no curso das interações

mediadas pelas cartas pessoais. Tal unidade organizacional é compreendida neste trabalho

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consoante as discussões de Stubbs (1983), Marcuschi ([1986] 2003, 2007), Kerbrat-

Orecchioni (2006), Silva (2006), Galvão (2011), Fávero, Andrade e Aquino ([2006] 2015).

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4 ANÁLISES

Este capítulo é dedicado à análise dos dados desta pesquisa e está organizado em duas

partes. Na primeira, descrevemos, analisamos e interpretamos os propósitos comunicativos

que moveram as interações estabelecidas entre Mário de Andrade e Câmara Cascudo, bem

como as constantes composicionais evidenciadas nos planos de texto das cartas pessoais

estudadas. Na segunda parte, por sua vez, dedicamo-nos a descrever, analisar e a interpretar

ocorrências específicas da organização da interação face a face que se materializam nos

eventos comunicativos instaurados no compartilhamento das escrituras investigadas.

Para uma melhor compreensão da análise, destacamos em negrito as ocorrências

focalizadas nos exemplos. Além disso, adotamos as expressões (I-ic) e (I-re) para indicar uma

intervenção como iniciativa e/ou reativa, bem como (P) e (R) para classificar um enunciado

como uma pergunta e reposta, respectivamente.

4.1 Plano de texto e os propósitos comunicativos das cartas

Partindo das considerações teóricas que discutem questões referentes ao plano de texto

do objeto de estudo deste trabalho, observamos que as cartas pessoais que fazem parte da

correspondência partilhada entre Câmara Cascudo e Mário de Andrade são organizadas de

maneira que podemos identificar tanto os planos articulados pela abertura, exórdio, corpo da

carta, peroração e fechamento, quanto apenas pela abertura, corpo da carta (no caso, o

desenvolvimento) e o fechamento.

De forma mais específica, a tabela, a seguir, revela que 64, 95% das escrituras

analisadas apresentam em suas realizações planos de texto constituídos com zonas de

transições entre o contato inicial e corpo da carta e entre a conclusão e o fechamento dessas.

Tabela 1 – Organizações dos Planos de Texto das cartas analisadas

Ocorrências nas cartas Número Absoluto Número Percentual

Cartas pessoais que

apresentaram um plano de

texto com zonas de transição

(introdução-preparação e

conclusão-fechamento).

63

64,95%

Cartas pessoais que

apresentaram um plano de

texto com abertura,

desenvolvimento do objeto de

34

35,05%

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70

discurso e fechamento.

Total 97 100%

Fonte: Dados da pesquisa

Com vista a exemplificar a materialização das cartas pessoais que compõem o corpus

da pesquisa, analisaremos os textos nº 141, 154 e 125. Destacamos que os transcreveremos na

íntegra nos exemplos 1, 2 e 3, respectivamente, a fim de proporcionar melhor visualização dos

segmentos que os organizam.

Exemplo 01

(Carta nº 141 p, 309-310) – Remetente MA

1. São Paulo, 29 de abril de 1941

2. Cascudinho

3. [1] estou lhe escrevendo mais por via da amizade que outra coisa, que

4. não devia escrever a ninguém, ir pra cama, dormir três dias e três noites, depois

5. mudar de nome e mandar esta vida nem sei onde. Não é crise mais, é coisa

6. muita, e coisa difícil que não consigo fazer. Devo estar muito cansado ainda e

7. o verdadeiro seria fazenda com um mês sem pensamento nem gente (Oh! os

8. intelectuais!).

9. [2] Seus mitos: ótimos. Já tinha lido nos Anais. A respeito do

10. Negrinho do Pastoreio, o Augusto Meyer escreveu recentemente dois artigos

11. que formam um ensaio de grande interesse. Não sei exatamente onde saí-

12. ram, que li os dois em manuscrito, se no jornal, no Diário de Notícias ou na

13. Revista do Brasil. Mas é fácil você mandar perguntar a ele. Instituto do Livro,

14. Biblioteca Nacional – se é que os não tem ainda.

15. [3] Quanto às suas consultas o caso da bag-pipe estou de acordo. No

16. outro, fracasso. Esse caso da viola brasileira acho tão complicado que ainda

17. não me animei a estudar a coisa. Tenho, ajuntada, alguma documentação

18 bibliográfica, puras fichas sem estudo de maneira que sou incapaz de lhe

19. dar um conselho seguro. Tanto mais que o excesso de ocupações do mo-

20. mento não me permite absolutamente me entregar a esse estudo. É certo que

21. no começo do séc. XIX também me chamava ao violão de “viola” no Brasil.

22. Von Martius, Von Weech o provam definitivamente e... a Viola de Lerreno

23. anterior. Mas se não me engano é Schilichthorst que pela mesma época já

24. fala francamente na viola de 12 cordas, que positivamente já não é guitarra

25. espanhola. É só oque lembro assim com minha péssima memória e meto a

26. viola no saco pra não sair besteira que te engane.

27. [4] Não é promessa, é juramento essa ideia de sua carta de, vindo ao

28. Rio, vir a S. Paulo também. Faça desta sua casa tudo o que quiser só me dará

29. alegria e à minha mãe. E terá toda a liberdade possível e imaginável: chave

30. pra entrar a qualquer hora, mesa e sala receber os seus amigos todos,

31. que serão nossos.

32. [5] E é só por hoje. Aqui lhe mando um trabalho que gosto. Se

33. suber coisas mais antigas a respeito, me avise.

34. [6] E ciao amigo velho. Lembranças pra todos daí. Me comovi lembrando,

35. o Jorge Fernandes que saudades! ... Um grande abraço deste sempre

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71

36. Mário

No primeiro exemplo, a indicação de local e data “São Paulo, 29 de abril de 1941” e o

vocativo “Cascudinho” revelam uma parte da carta nº141 organizada por um plano fixo. O

exórdio [1] apresenta uma justificativa (linha 3-8), na qual o autor deixa claro a importância

da amizade do interlocutor, uma vez que é a manutenção desse laço que promove a escrita do

texto. As expressões “por via da amizade” e “Devo estar muito cansado ainda” fundamentam

a justificativa que funciona como uma introdução e uma zona discursiva de transição entre o

contato inicial e o desenvolvimento do texto.

No que se refere ao corpo da carta, entendemos que se configura como um plano

ocasional, pois é constituído por macrossegmentações, ou seja, partes que se materializam em

três segmentos textuais. Esses correspondem aos parágrafos marcados no desenvolvimento da

escritura pelas ocorrências linguísticas [2] “Seus mitos: ótimos”, [3] “Quanto à suas consultas

o caso da bag-pipe estou de acordo” e [4] “Não é promessa, é juramento essa ideia de sua

carta de, vindo ao Rio, vir a S. Paulo também”.

No segmento [2] (linha 9 -14), notamos que após fazer o comentário avaliativo

“ótimos” a respeito dos seis mitos gaúchos escritos por Câmara Cascudo, o enunciador

informa a esse que “Augusto Meyer” escreveu artigos que considera “de grande interesse”

sobre um mito específico, o Negrinho do Pastoreio. Em seguida, argumentando que não

recorda “exatamente” o veículo em que leu os artigos, Mário de Andrade sugere ao

interlocutor que envie carta para “Augusto Meyer” perguntando.

O terceiro segmento [3] (linha 15-26) apresenta opiniões do enunciador quanto às

consultas feitas em uma carta anterior. Isto é, “o caso do Big-pipe estou de acordo. No outro,

fracasso. [...] Mas se não me engano é Schlichthorst que pela mesma época já fala

francamente na viola de 12 cordas, que positivamente já não é guitarra espanhola.” Esses

enunciados deixam evidente explicações de Mário de Andrade a respeito do caso do “Big-

pipe” e também do uso do termo “viola”.

No quarto segmento [4] (linha 27-31), o autor da escritura em análise faz questão de

frisar que considera a ideia da visita explicitada pelo interlocutor não apenas como uma

promessa, mas como um juramento. O uso do verbo ser na forma do presente do indicativo

“é” exprime o sentimento de anseio do interlocutor ao declarar “Não é promessa, é juramento

essa ideia de sua carta [...] também”. Em seguida, o enunciado “Faça desta sua casa tudo o

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que quiser isso só me dará alegria e a minha mãe” revela uma espécie de súplica de Mário de

Andrade para que Câmara Cascudo o visite.

A Peroração [5], que corresponde à conclusão, pode ser observada no seguinte

enunciado: “E é só por hoje”. Este evidencia que o destinatário já havia falado tudo o que

desejava. Assim, após essa conclusão o interlocutor informa sobre o envio de um trabalho e

faz um pedido ao remetente: “Se suber de coisas mais antigas a respeito avise”.

As expressões “Ciao amigo velho”, “Lembranças para todos daí”, “Um grande abraço”

e a assinatura “Mário” constituem o segmento fático de encerramento [6] da carta.

Exemplo 02

(Carta nº 154 p. 328) – Remetente MA

1. São Paulo, Carnaval [22 de fevereiro] de 1944.

2. [1] Cascudo, meu velho,

3. como que tu vai? e o meu afilhado? Me mande sempre fotografias

4. dele pra eu sentir ele crescer. E com que ternura, que carinho...

5. [2] Estou escrevendo só pra lhe mandar um artigo meu em que discordo

6. de você. Tenho aliás citado com frequência você nos meu artigos. Mas como

7. é pra elogiar, ou me apoiar em você, descuido de enviar. Mas como este discor-

8. da, eu mesmo mando, pra não fazerem intriga.

9. [3] Aliás estive outro dia na Livraria Martins e ele me mostrou as provas

10. da sua antologia folclórica, vai sair um livrão nos dois sentidos. Estive compul-

11. sando o seu trabalho. Franqueza: é excelente. Quanta gente agora vai bancar o

12. ‘científico’ citando as fontes através do canal que você lhes abriu ...Vai ser uma

13. inundação e gozaremos com os afogados.

14. [4] Um abraço afetuoso pra todos os amigos e ‘parentes’ daí. A benção

15. de Deus sobre o Fernando Luís e mais este abraço particular,

16. seu mano,

17. Mário.

No exemplo 02, a indicação do local e data “São Paulo, Carnaval [22 de fevereiro] de

1944” e as expressões de fechamento “Um abraço afetuoso [...] seu mano, Mário” na carta nº

154 evidenciam partes que apresentam em sua materialização constantes textuais de um plano

fixo. Contudo, conforme podemos notar, tal texto não apresenta uma introdução, como

apontada por Adam ([2008]2011). Dessa maneira, entendemos que os questionamentos

“Como que tu vai?”, “e o meu afilhado?” e o pedido “Me mande sempre fotografias [...]”

feitos nas linhas 3 e 4 ainda fazem parte da interlocução inicial da interação.

O corpo da carta é constituído pelos segmentos [2] e [3]. No segmento [2] (linha 5-8),

o advérbio “só” revela que Mário de Andrade escreve apenas com o propósito de registrar o

envio de um artigo “Notas sobre o cantador nordestino” em que ele discorda das ideias

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defendidas pelo interlocutor em “Vaqueiros e Cantadores”, entretanto, não é isso que ocorre,

tendo em vista que ele aborda ainda como objeto de discurso “A antologia Folclórica”. A

informação explicitada é seguida dos argumentos “Tenho aliás citado com frequência você

nos meus artigos. Mas como é pra elogiar, ou me apoiar em você, descuido de enviar. Mas

como este discorda, eu mesmo mando, pra não fazerem intriga”.

No segmento [3] (linha 9-13), percebemos os comentários avaliativos “vai sair um

livrão nos dois sentidos” e “Franqueza é excelente” do enunciador sobre “Antologia

Folclórica” escrita por Câmara Cascudo. No segmento textual em questão, Mário de Andrade

expressa também o seu ponto de vista sobre os efeitos da publicação da referida obra: “Quanta

gente agora vai bancar o ‘científico’ citando fontes através do canal que você lhes abriu [...]”.

As expressões no segmento [4] “Um abraço afetuoso pra todos os amigos e ‘parentes’

daí. A benção de Deus sobre o Fernando Luís e mais este abraço particular, seu mano” e a

assinatura “Mário” compreendem os elementos fáticos visualizados na conclusão da carta.

Exemplo 03

(Carta nº 125, p. 284) – Remetente MA

1. São Paulo, 23 de outubro de 1936.

2. Cascudinho.

3. [1] recebi a couvade e recebi sobretudo a figurinha do Nando, que mara-

4. vilha! Foi um reboliço na minha casa de gente com propensão pra avós, mamãe,

5. minha tia, eu, isso ficamos gemendo do entusiasmo – Mamãe, será que se pode

6. comprar uma roupinha pra ele pela fotografia. Tem cinco anos. – Pode Mário. –

7. Mas quero o que houver de mais fino. – Tá claro, Mário, sossegue. Irá o que hou-

8. ver de mais fino nesta cidade de S. Paulo. É engraçado ... sempre na perspectiva de

9. ir pra aí, vou comprando brinquedos pro Nando. Brinquedos, besteiras. Depois

10. envelhecem, dou pros priminhos da idade. Agora não: o Nando está tão querido,

11. tão lindo, que vão os presentes jogados sozinhos nas ondas do mar. [2] E a couvade?

12. Tá bem bom. Sairá no número de janeiro, com a inauguração do “Arquivo etno-

13. gráfico” da revista. [3] Quanto à separata, ainda não posso garantir. Do outro

14. trabalhão eu dava na certa, era pedir demais. Mas este é menor e desde tempo

15. que venho brigando com o Sergio Milliet secretário da Revista, e seu organizador

16. financeiro, por causa disso. Eu quero dar as separatas, ele objeta que não, causa do

17. preço. Aliás aqui vai separata junto, mas o caso é outro: paguei do meu bolso e

18. aliás só pela obrigação em que estava de distribuir o trabalho pras alunas diplo-

19. madas. Em todo caso, em qualquer caso você terá quantas revistas quiser pra dis-

20. tribuir. [4] Ciao acabou a folha e o bloco! Vou mandar buscar outro, mas acabo

21. mesmo a carta aqui que tou com pressa. Fale de mim pro Nando e Deus abençoe

22. a filha nova pela qual vão mais abraços pra você, sua dona, nossa mãe e todos.

23. Mário.

24. Cascudo. Acabo de ver que já mandei a separata Cultura Musical pra você.

25. Recebeu? meu Deus que vida minha estou penando atrapalhada atrapalhada! ...

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Na carta nº 125, exemplo 03, os termos de indicação de lugar e data e vocativo “São

Paulo, 23 de outubro de 1936. Cascudinho” correspondem às constantes fixadas na abertura

da carta. Mas, essa carta específica realiza-se de modo que podemos identificar um bloco

central marcado pelos seguintes segmentos: [1] “recebi a couvade e sobretudo a figurinha do

Nando, que maravilha”; [2] “E a couvade? Tá bem bom [...]”; “[3] Quanto à separata, ainda

não posso lhe garantir[...]”; [4] “Ciao acabou a folha e o bloco![...]”.

Os segmentos enumerados não estão distribuídos em parágrafos como nas cartas

analisadas anteriormente. Assim, percebemos que o primeiro [1] compreende o contato inicial

com o interlocutor (linha 3), no qual se tem a confirmação do recebimento de um livro

“couvade”, de uma fotografia do “Nando” e um comentário a respeito da foto do afilhado

recebida “que maravilha!”. Após esse segmento observamos ocorrências em que Mário de

Andrade focaliza a reação de familiares em relação ao recebimento de tal fotografia, bem

como questões referentes ao Nando “Foi um reboliço na minha casa de gente [...] mamãe,

minha tia, eu”.

No segmento [2], o autor da carta reporta-se ao livro recebido mencionando o seguinte

comentário: “E a couvade? Tá bem bom”, em seguida, tem-se informações acerca da

publicação por meio de uma revista “Sairá no número de janeiro, com a inauguração [...] da

revista”. O segmento [3] faz referência a outro trabalho, no entanto, dessa vez de Mário de

Andrade. Assim, o terceiro segmento é constituído pelas explicações a respeito do envio da

“Separata”: “Quanto à separata, ainda não posso lhe garantir [...] você terá quantas revistas

quiser pra disponibilizar”. Ressaltamos que os enunciados de [2] e [3] abrangem o

desenvolvimento do texto.

No segmento [4], identificamos elementos fáticos que materializam o encerramento da

carta “Ciao acabou a folha e o bloco!”, “abraços pra você, sua dona, nossa mãe e todos.

Mário”.

Após o encerramento, o plano de texto da carta analisada evidencia em sua realização

o post scriptum que é compreendido como um elemento alternativo, conforme aponta

Andrade (2010). Tendo em vista o plano de texto da forma epistolar proposto por Adam

([2008] 2011), entendemos que tal elemento não se trata de uma constante fixa, mas sim de

uma ocasional. O post scriptum é usado pelo autor da carta em questão para retomar a

interação. No caso, específico, constitui-se como um pedido de informação a respeito do

envio de uma determinada revista “Cascudo. Acabo de ver que já mandei a separata Cultura

Musical pra você. Recebeu? meu Deus que vida minha estou penando atrapalhada

atrapalhada!...”.

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Com relação aos propósitos comunicativos, percebemos que, além do intercâmbio das

referidas cartas terem propiciado que os autores em questão mantivessem o laço de amizade,

elas possibilitaram desde o compartilhamento de momentos de dificuldades pessoais até do

cenário literário, político e cultural dos estados em que residiam e do país. O excerto no

exemplo 04 mostra que Câmara Cascudo, por meio da carta nº 130, relata a Mário de Andrade

que se encontra em uma situação em que o salário é uma “miséria” e, por isso, solicita que lhe

consiga colaborações remuneradas em jornais. Notamos que nessa solicitação, o interlocutor

ressalta detalhes da vida pessoal.

Exemplo 04

(Carta nº 130 p. 291)

“Velho Mário [... Minha situação aqui é asfixiante e besta. Ganho

um miséria como professor e as dez pessoas de família que sustento

não podem esperar pão de outra parte. Nada posso nem devo

solicitar ao governo e o mesmo à oposição. Venho pedir-lhe que V.

“persona gratíssima” em São Paulo consiga de algum jornal daí

uma colaboração remunerada para este seu velho companheiro.

Até 100$ servir-me-ão para o leite de Ana Maria.”

Destacamos que em tais textos os participantes das interações também partilham

histórias de vida, rememorando, por exemplo, lembranças de quando Mário de Andrade

visitou o tão estimado amigo na cidade do Natal. No enunciado da carta nº 43, a seguir, aquele

autor reporta-se a uma determinada situação para relembrar um momento que vivenciou com

Câmara Cascudo ao visitá-lo na capital do estado do Rio Grande do Norte.

Exemplo 05

(Carta nº 43 p. 135)

“Luís, [...] E se eu sinto não ter podido ficar mais tempo na

companhia de você e do Jorge Fernandes isso nem se pergunta.

Aquele momento vivido naquele sótão de vocês, foi vivido

mesmo, que ritmo harmonioso de nós três apesar de tão

distantes um do outro como psicologia, você pegando fogo, eu

gozando, o Jorge Fernandes calmo... Ah, vida vida, vida

comovida!”

As cartas revelam, também, o compartilhamento do conhecimento comum entre

enunciador e enunciatário, como pontua Andrade (2010). No excerto da Carta n º 31,

percebemos que, ao explicar a Mário de Andrade suas impressões acerca de um poema

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específico, Câmara Cascudo faz referência a esse apenas pelo título “Raça” e ao escritor deste

pela abreviação do nome “sr. Gui”. Isso mostra que os participantes da interação partilhavam

informações, de modo que, maiores explicações sobre o poema e o autor dele não eram

necessárias.

Exemplo 06

(Carta nº 31 p. 111-

112)

“26 de junho de 1926.

Em Natal.

Mário de Andrade.

[...]

Estou ciente da defesa ao sr. Gui e com a agravante de não ter

sido atacado. Direi a V. que Raça é tronco de raminho fino.

Laranja muito doce fica seca. [...]”

Compreendemos que os diálogos instaurados entre os interactantes por meio desses

textos desenvolveram-se motivados por diferentes propósitos: para agradecer o recebimento

de livros, solicitar e enviar livros, poemas, fotografias e outros materiais, declarar saudade do

amigo, reclamar sobre o não envio de cartas, compartilhar opiniões, fazer convites,

questionamentos sobre a família, esclarecer dúvidas, explicitar impressões à respeito de

lugares e pessoas, abordar questões literárias e políticas, etc. No exemplo 07, constituído por

excertos das cartas nº 37, 87 e 12, observamos alguns desses.

Exemplo 07

(Carta nº 37 p. 122-

124)

“Luísico! Mas que foi que sucedeu que você não me escreve mais

mesmo! Ora se é zanga desembucha logo por que está zangado que

me desculpo logo se estiver culpado ou passo uma bruta de caçoada

em você. Deixe disso e escreva homem!”

(Carta nº 87 p.216)

“Gostou da Poética Sertaneja? Estimo. Não conheço em folclore

coisinha parecida com aquele jeito.”

(Carta nº 12 p. 60-62)

“Estou no meio de vaqueiros e cantadores. Não há luz elétrica.

A coisa que me lembra, e detestavelmente, o progresso, é o meu

Ford que está parado debaixo do telheiro.”

É importante destacar que a maioria das cartas investigadas apresentam mais de um

propósito comunicativo em suas materialidades. Em alguns casos é possível identificar que

um propósito se sobrepõe a outros, conforme lembra Silva (1997). O excerto do texto nº 63

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revela que a escritura de Câmara Cascudo a Mário de Andrade apresenta vários objetos de

discurso que são abordados em tópicos: “Colaboração”; “Ingratidão”; “A CASA DE MÁRIO

EM AREIA PRETA!”. No entanto, o último desses é posto em letras maiúsculas com um

ponto de exclamação que confere um certo sentimento de entusiasmo ao enunciado, podendo

ser entendido como sobreposição em relação aos demais. Nessa direção, compreendemos o

tópico destacado como a informação sobre algo que era desejo do amigo.

Exemplo 08

(Carta nº 63 p. 172 -174) – Remetente LCC

1. Natal, 9 de maio de 1930.

2. Mário, bestão querido.

3. Colaboração.

4. Aceito. Dou-lhe mil e um abraços. Mando duas crônicas para 15 e 22. Aceito

5. as quintas e os 200$. Aceito o procurador para receber os “arames”. Mande-me

6. um exemplar de cada Diário Nacional que publique coisa. (Coisa, mi-

7. nha coisa está na moda. Vide Graça Aranha.)

8. Ingratidão.

9. Improvada. A sua última carta pedia esclarecimento à respeito de Pé-quebrado

10. e lhe enviei notas e exemplos vários.

[...]

36. A CASA DE MÁRIO EM AREIA PRETA!

37. Segure as fotos que lhe mando e cante; V. está vendo esta casinha, simplizi-

38. nha que parece de Sapê? Diz que ela vive no abandono, não têm dono, e, se

39. Têm ninguém não vê!

40. Pois é sua bestão, querido e oxalá. Estou “oficialemente” autorizado a

41. mandar-lhe as fotos da casinha. Dr. Lamartine já tem a escritura que eu rece-

42. berei na próxima semana e mandarei registrar em cartório. Para sossegar-lhe o

43. ânimo susceptível. [...]

67. Abraço afetuoso deste seu

68. Luís

Como podemos acompanhar nas análises apresentadas nesta seção, a carta, enquanto

uma forma comunicativa que viabiliza a manutenção de relações sociais à distância,

possibilita que as pessoas, por meio de seu intercâmbio, (com)partilhem de um espaço privado

e íntimo em que podem interagir com os mais diferentes propósitos. Quanto ao plano de texto

que essas escrituras se materializam, identificamos que eles podem evidenciar ocorrências

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linguísticas fixas como as constantes visualizadas nas aberturas e nos encerramentos e

também ocasionais como o post scriptum.

4.2 Organização estrutural da interação

4.2.1 A sequência dialogal

Nesta seção, centramos a atenção nas sequências dialogais constitutivas das cartas

estudadas. Conforme evidenciam os segmentos dos planos de texto das cartas analisadas nos

exemplos 1, 2 e 3 da seção anterior, nas interações instauradas entre Mário de Andrade e

Câmara Cascudo, por meio de cartas, a abertura e encerramento se dão de forma similar ao

que ocorre na conversação.

O exemplo 09, constituído por excertos das cartas nº 2, 13 e 33, mostra que as

intervenções fáticas que confirmam o início da interação nas escrituras em questão são

expressas pelas formas do local e data e do vocativo: “25 de agosto de 1924. Av. Jundiaí, 20

Natal Mário de Andrade.”; “São Paulo, 6 de setembro de 1925. Luís do coração.”; “8 de

agosto de 1926. Em Natal Mário de Andrade”. Tais intervenções fazem parte do ritual de

abertura dos eventos comunicativos, nos quais aqueles que se correspondem pelos textos

investigados objetivam estabelecer o contato com o interlocutor.

É importante observar, ainda, que além do local e data, o autor da carta nº 2 acrescenta

o endereço completo, fazendo constar, inclusive o número da residência, o que imprime uma

espécie de variação também nessa parte ritualizada da carta. Igualmente, a escritura nº 33

revela que o local não é apenas “Natal”, mas “em Natal”.

Exemplo 09

(Carta nº 2 p. 34) – Remetente LCC

1. 25 de agosto de 1924.

2. Av. Jundiaí, 20

3. Natal

4. Mário de Andrade.

[...]

29. Com admiração

30. seu

31. Luís da Câmara Cascudo.

(Carta nº 13 p. 63-67) – Remetente MA

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1. São Paulo, 6 de setembro de 1925.

2. Luís do coração,

3. Como você é tão bom pra mim! Cada carta de você é um carinho des-

4. cansante pra mim, fico feliz. Deus lhe pague. [...]

82. Te abraço.

83. Mário.

84. Mandarei Pauliceia. Briguei definitivamente com Ariel. [...]

103. E mandarei uns exemplares da Escrava. Distribua se quiser.

(Carta nº 33 p. 106-107) – Remetente LCC

1. 8 de agosto de 1926.

2. Em Natal

3. Mário de Andrade.

4. Cheguei ontem do sertão onde fui no séquito do José Augusto

5. receber o sr. W. Luís. Touxe muita poeira e uma impressão de que V. lerá

6. depois. Tive, depois do banho e do jantar, o prazer do fumo [...]

57. E dê um abraço a

58. este seu

59. Luís da Câmara Cascudo.

Ressaltamos que nos textos analisados também identificamos casos em que o

interactante se utiliza apenas do vocativo para estabelecer a interlocução com o outro e iniciar

a sequência conversacional. Nos excertos das cartas nº 9 e 90, vislumbradas no exemplo 10, a

seguir, fica claro que após o autor da carta reportar-se ao destinatário pelo nome “Mário de

Andrade” e/ou pelo nome junto com uma expressão que deixa transparecer uma característica

ao interlocutor “Mário camaradão”, ele se detêm a tratar em seguida do(s) propósito(s) que o

levou a escrever.

Exemplo 10

(Carta nº 9 p. 54) – Remetente LCC

1. Mário de Andrade.

2. Agora que eu estou adoentado tive em sua carta, alegria e surpresa. O

3. Dicionário é urgente. Dez anos? Faça pela metade. A primeira edição pode rece-

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80

4. ber alguns desaforos saborosos e representará a recopilação inicial no assunto.

[...]

18. Brevemente mandarei a lindeza de minha cara.

19. Escreva com ou sem tempo.

20. Abração do

21. Luís da Câmara Cascudo.

[...]

29. Luís.

(Carta nº 90 p. 220) – Remetente LCC

1. Mário camaradão.

2. Escrevi há dias uma carta muita sibilina pra V. Questão de descarga

3. nervosa. Ou falava ou morria... Como vamos de planos de padrinhamento do

[...]

20. Abraços deste seu –

21. Cascudinho

[...]

Na conclusão, constitutiva da sequência dialogal, Câmara Cascudo e Mário de

Andrade se utilizam, geralmente, de intervenções fáticas, materializadas em expressões de

afeto – como, por exemplo, “Grande Abraço”, “Sodade comprida”, “com um abraço para

todos”, “Com admiração”, “E dê um abraço”25 – que os remetem a situações de despedidas

para anunciar o fechamento da sequência conversacional. Nessa sequência, observamos,

comumente, a assinatura dos autores das cartas, as quais indicam que a interação pode ou não

ser encerrada, haja vista que muitas vezes os escritores, mesmo após terem assinado os textos,

continuam a contribuir com o diálogo em curso e só depois é que este é, finalmente,

encerrado.

No texto de nº 14, exemplo 11, percebemos que após Mário de Andrade tecer

observações a respeito dos poemas enviados por Câmara Cascudo, ele utiliza – na linha 102 –

a expressão “Bom, até logo” para organizar a finalização de sua contribuição com a interação.

A contribuição destacada, além de anunciar que o diálogo será encerrado, revela a promessa

de um encontro breve através do envio de outras cartas para amigo. Por último, o autor da

carta solicita que o interlocutor o escreva e, então, despede-se assinando “Sodade comprida do

Mário”.

Exemplo 11

25 Dados da pesquisa.

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(Carta nº 14 p. 68-71) – Remetente MA

1. São Paulo, 4 de outubro de 1925.

2. Camaradão,

[...]

102. Bom, até logo. Me escreva contando coisas e abraçando o camarada

103. velho que aqui sempre pensa em você.

104. Sodade comprida

105. do

106. Mário.

No exemplo 12, carta nº 25, notamos que o participante da interação começa a se

despedir do seu destinatário na linha 64, por meio da interjeição informal “Ciao”, cujo

significado pode ser entendido como “tchau” e/ou “Até logo”. Na linha 70, Mário de Andrade

assina a carta, no entanto, não a encerra, isto é, ele continua sua fala no post scriptum, de

modo que, a finaliza somente na linha 76, repetindo a expressão “Ciao” sem assinar. Assim

como na fala, esse tipo de ocorrência é bastante frequente nas interações estabelecidas, pois é

comum que as pessoas escrevendo uma carta esqueçam de comunicar algo em algum

momento dessa. Assim, elas utilizam o post scriptum para retomar a fala e abrir novamente

um espaço em que podem interagir com o outro.

Exemplo 12

(Carta nº 25 p. 99-101) – Remetente MA

1. São Paulo. Dia de Tiradentes [21 de abril]- 1926.

2. Luís, boa noite [...]

64. Ciao Luís do coração. Me escreva dessas cartas nortistas tão de você

65. e tão queridas que você me escreve sempre e perdoe esta resenha de pensa-

66. mentos que aqui vai. [...]

69. Com um baita abraço do sempre.

70. Mário.

71. Falar na sua colaboração pra Terra Roxa: porque não manda alguma

72. coisa do livro sobre tradições. Conte tradições daí, isso me interessa muito.

73. Esperava comprar a Manhã com o meu artigo contra o Lobato ao sair,

74. na cidade. Veio a Manhã mas sem o artigo. Mando pois a carta e o embrulho.

75. Artigo irá quando sair.

76. Ciao.

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Além de tais ocorrências, observamos no encerramento de algumas cartas analisadas a

indicação do endereço do remente, assim como mostramos e comentamos no exemplo 09. A

materialidade do endereço completo na conclusão dos textos investigados também pode ser

compreendida como uma variação dessa parte carta. Dessa maneira, tais variações podem ser

visualizadas tanto na abertura quanto no fechamento da sequência dialogal. O exemplo 13 nos

possibilita perceber que após o uso de uma expressão que alude uma despedida “abracemo-

nos”, Mário de Andrade assina a carta e informa ao interlocutor no final dela o nome da rua e

o número da casa que reside em São Paulo.

Exemplo 13

(Carta nº 3 p. 36-39) – Remetente MA

1. São Paulo, 26 de setembro, [1924]

2. Luís da Câmara Cascudo.

[...]

93. Aqui vai o me sincero desejo de o conhecer pessoalmente.

94. Abracemo-nos

95. Mário de Andrade

96. Lopes Chaves, 108.

[...]

Nos textos em análise, notamos, ainda, as ocorrências de várias intervenções

transacionais no desenvolvimento dos diálogos instaurados. Essas intervenções constituem o

corpo argumentativo das cartas e integram em sua realização os assuntos que os interactantes

querem (com)partilhar com o destinatário. Os assuntos abordados são materializados por

diferentes sequências de transação, inclusive na forma dialogal.

O exemplo 14 deixa transparecer que uma das contribuições de Câmara Cascudo no

desenvolvimento do texto materializa-se com a estrutura de uma sequência transacional em

forma dialogal. Essa sequência apresenta uma organização com pergunta [P], resposta [R] e

avaliação [A], conforme mencionada por Adam ([2008] 2011). Contudo, nas cartas, ela é

desenvolvida por um único participante, ou seja, o próprio autor da carta que pergunta,

responde e avalia o enunciado em questão.

O excerto mostrado no exemplo 14 evidencia que – depois de se colocar à disposição

em contribuir com termos regionalistas e outros para um dicionário - Câmara Cascudo faz um

questionamento “Riquififi ... Sabe o que é?” que responde em seguida. A réplica a essa

indagação explica que a palavra “Riquififi” é usada para denominar “Uma coisa frívola e

complicada, um estilo difuso e fútil, um vestido cheio de bordados, aplicações, rendas.

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Riquififi ...”. Esse escritor ao finalizar sua resposta a avalia com o comentário “É comum

ouvir-se por aqui”.

Exemplo 14

(Carta nº 9 p. 54) – Remetente LCC

1. Mário de Andrade.

2. Agora que eu estou adoentado tive em sua carta, alegria e surpresa.

[...]

6. Estou às suas ordens para abarrotá-lo de regionalismos, modismos característicos,

7. etc. etc. Para começar registe este: Riquififi ... Sabe o que é? Uma coisa frívola e

8. complicada, um estilo difuso e fútil, um vestido cheio de bordados, aplicações,

9. rendas. Riquififi ... É comum ouvir-se por aqui; F. escreve com tanto riquififi que

10. não se entende o que ele quer dizer. Você use o “bicho”. [...]

29. Luís.

No exemplo 15, a seguir, identificamos outra contribuição de Câmara Cascudo,

igualmente, materializada pela pergunta [P], resposta [R] e avaliação [A]. No excerto em

foco, notamos que a pergunta “V. conhece o vira-bosta?” e a resposta explicativa “É um

besouro graúdo e negro [...] estilo Pinedo ou Beires” é seguida de um comentário avaliativo

“Pense V. no efeito aqui, depois do cisne...”. Essa contribuição constitui uma sequência da

carta em forma dialogal, no sentido definido por Adam ([2008] 2011). É relevante salientar

que embora visualizemos definições que seriam reconhecidas em outras tipologias discutidas

por Adam ([2008] 2011), lembramos que as sequências dialogais se sobrepõem a outras em

interações como essas que analisamos.

Exemplo 15

(Carta nº 40 p. 127-128) – Remetente LCC

1. 17 de abril de 1927 – Natal – Domingo de Páscoa.

2. Mário

[...]

24. Jorge Fernandes está bem e voltou do sertão. Escreveu coisas es-

25. pantosas. Nunca vi gente daquele quilate. O Ezequiel Wanderley, poeta velho

26. e sincero passadista (?!) chamou ao “Argos” de Cisne. Jorge grunhiu dois dias e

27. acabou escrevendo dois poemas interessantes sobre o avião. Comparou-o (no

28. original secreto) ao vira-bosta. V. conhece o vira-bosta? É um besouro graúdo

29. e negro cujo rumor surdeado e contínuo semelha o avião. E voa em retas e cur-

30. vas alongadas. E desce como se emanasse estilo Pinedo ou Bires. Pense

31. V. no efeito aqui, depois do cisne...

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[...]

40. Abração

41. de

42. Luís.

Nessa direção, identificamos que nas escrituras analisadas o texto dialogal é

construído por contribuições dos interactantes que se configuram tanto em ocorrências fáticas,

como transacionais. As primeiras constituem enquanto intervenções cristalizadas na abertura e

encerramento do plano de texto do gênero discursivo/textual carta pessoal. As transacionais

organizam-se de modo que podemos reconhecer sequências dialogais bem próximas das que

se instauram em interações em que os participantes estão um na presença do outro.

4.2.2 A troca

Ao analisar o objeto de estudo deste trabalho, observamos que, apesar de configurar

como um gênero discursivo/textual em que a escrita da carta perspectiva uma resposta por

parte do seu interlocutor, as unidades das trocas nas cartas pessoais investigadas se

estabelecem conforme discutiu Kerbrat-Orecchioni (2006), Briz (2007), Marcuschi (2007), ou

seja, por intervenções que se correspondem e se complementam, organizadas por uma

colaboração, de cada participante nas interações investigadas, conforme analisamos a seguir.

Como podemos verificar nos excertos do exemplo 16, as trocas entre os autores das

cartas não se estabelecem unicamente pela aparente obrigatoriedade de resposta a uma carta

recebida, mas também pelas intervenções feitas ao longo das interações. Isto é, na carta nº 1

percebemos que Mário de Andrade contribui com intervenções de natureza iniciativa na linha

4 e 6, respectivamente, – no caso “muito obrigado” e “Quer mandá-los” –, funcionando essa

última como uma estratégia de obter resposta do interlocutor.

Na carta nº 2, notamos que além de completar a primeira parte da sequência de

agradecimento “muito obrigado” com uma intervenção de aceitação “Não há de quê” (linha 5)

e a de um pedido “Quer mandá-los” com uma resposta de concessão “Mando os meus dois

livros”(linha 10), Câmara Cascudo deixa claro que está à disposição do seu interlocutor para o

envio de outros trabalhos e explicita o parecer, a seguir, considerando a possibilidade de

Mário de Andrade fazer outros pedidos a ele: “Muito me julgarei honrado merecendo uma

ordem sua”. Em seguida, o autor da carta utiliza-se de uma ação reativa que pode ser

compreendido como um pedido – “Na falta de ordem mande um retrato” (linha 22) – para

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gerar um intercâmbio e, consequentemente, dar continuidade à interação, haja vista que

pedidos pressupõem uma resposta, ou melhor, uma concessão ou não.

Exemplo 16

(Carta nº 1 p. 33) – Remetente MA

1. São Paulo, 14 de agosto de 1924.

2. Luís da Câmara Cascudo.

3. Você há-de permitir à minha modéstia que confesse a alegria que

4. me deu o seu artigo. Muito obrigado (I-ic). Sempre traz conforto à gente ver que

5. de todo não é improfícua a empreitada que se deu de renovação, prolífera princi-

6. palmente em desgostos, lutas, calúnias, desilusões

[...]

21. Terei sempre interesse em seguir seus trabalhos. Quer mandá-los? (I-ic)

22. Um sincero aperto de mão.

23. Mário de Andrade

24. Rua Lopes Chaves, 108.

(Carta nº 2 p. 34-35) – Remetente LCC

1. 25 de agosto de 1924.

2. Av. Jundiaí, 20

3. Natal

4. Mário de Andrade

5. Não há de quê (I-re). Pelo contrário. Eu é que lhe estou devendo o pretex-

6. to, o motivo, o tema, o bombo, o [fazer]-barulho. Vê então? ...

[...]

10. Mando os meus dois livros (I-re). O último Joio é a melhor parte que tenho

11. realizado. O História é história. Publiquei em 1921 o Alma patrícia que João

12. Ribeiro, Afrânio etc elogiaram e o Osório escoincinhou lindamente. Homem

13.oportuno. [...]

21. Aqui estou às suas ordens, meu caro amigo. Muito me julgarei honra-

22. do merecendo uma ordem sua. Na falta de ordem mande um retrato (I-ic). Desejava

23. dá-lo numa revista daqui do Norte. Eu sou “presentista”. Amo a você (sentido

24.figurado), detesto os seus imitadores. Destes o Norte está cheio. Peccato!

[...]

29. Com admiração

30. seu

31. Luís da Câmara Cascudo.

Conforme percebemos, nos exemplos 17 e 18, a seguir, as trocas estabelecidas entre os

participantes das interações em questão também se instauram por contribuições, cuja natureza

de uma é iniciativa (ic) e da outra reativa (re), como salientam Kerbrat-Orecchioni (2006) e

Briz (2006) nas discussões apresentadas.

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No exemplo 17, Câmara Cascudo se utiliza de uma intervenção iniciativa na linha 21 e

finaliza na 22 – “Por que não se resolve a ver o Brasil que o catete esqueceu?” (I-ic) – para

fazer um convite ao interlocutor, no caso, de visitar a Capital do Rio Grande do Norte, Natal.

O convite, por sua vez, é recusado por Mário de Andrade na carta de nº 7 (linha 17-18) com o

seguinte enunciado reativo: “Ah, se eu pudesse nem carecia você me convidar, já faz muito

que tinha ido por essas bandas do norte visitar vocês e o Norte” (I-re). Nessa intervenção,

percebemos que o interlocutor recusa o convite, ressaltando o desejo de realizar tal viagem ao

Norte. Assim, temos a ocorrência do par convite-recusa.

Exemplo 17

(Carta nº 4 p. 40-41) – Remetente LCC

1. Natal, 19 de maio de 1925.

2. Mário de Andrade.

[...]

20. Agora está tocando Brahmas. Eu detesto Brahms. Escre-

21. veu o que tentaria fazer, se pudesse. Calcule.(I-ic) Por que não se resolve a ver o

22. Brasil que o catete esqueceu? Inojosa em Recife e eu em Natal seríamos os

23. hospedeiros. [...]

30. E receba V. um longo abraço do

31. Luís da Câmara Cascudo.

(Carta nº 7 p. 47-50) – Remetente MA

1. Araraquara, 26 de junho de 1925.

2. Luís da Câmara Cascudo.

[...]

11. Você nem imagina o gosto que me deu o campeiro vestido de couro

12. que você me mandou. Andei mostrando pra toda gente e mais a fotografia do

13. maravilhoso cacto. As três fotografias já estão bem guardadinhas na minha

14. coleção. Se lembre sempre de mim quando vir fotografias da nossa terra por aí

15. dos seus lados. Meu Deus! Tem momentos em que eu tenho fome, mas positi-

16. vamente fome física, fome estomacal de Brasil agora. Até que enfim sinto que

17. é dele que me alimento! (I-re) Ah, se eu pudesse nem careceria você me convidar,

18. já faz muito que tinha ido por essas bandas do Norte visitar vocês e o Norte.

[...]

64. Mário.

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No exemplo 18, carta nº 10, notamos três intervenções por iniciativas de Câmara

Cascudo, sendo elas um convite – “Remeto um convite para o Primeiro Congresso

Regionalista do Nordeste”; um pedido – “Aí vai um pedido seríssimo [...] Espero?”; e uma

pergunta que busca explicação em relação a uma promessa feita – “E onde está sua promessa

de enviar-me os exemplares do Ariel?”.

O convite, novamente, é recusado por Mário de Andrade. Esse escritor na linha 43 do

texto nº 13 reporta-se ao “Congresso Regionalista”, declarando que, apesar de não concordar

com as ideias do movimento regionalismo, o evento o entusiasma. Assim, somente, na linha

53-54 a segunda parte do par convite-recusa é posta: (I-re) “Que pena eu não poder ir até aí!

Se tivesse cobres e descobrisse tempo, ia de deveras”. Nesse enunciado o autor usa a

expressão “Que pena” para demonstrar o sentimento de lástima por ter que recusar o convite.

A intervenção reativa – “Se tivesse cobres e descobrisse tempo, ia de deveras” – revela que a

recusa ao convite feito ocorre pela condição de falta de tempo, bem como de dinheiro que o

interlocutor se encontra. Temos, assim, a manifestação de um par convite-recusa, como ocorre

em eventos face a face, conforme a discussão da Análise da Conversação.

A intervenção ao pedido (linha 42), por sua vez, é completada, no caso, com uma

concessão a esse na linha 84, da carta nº 13 com um enunciado afirmativo – “Mandarei

Pauliceia” (I-re) – e, o questionamento, com uma intervenção que se apreende que o

interlocutor não tem mais exemplares da revista “Briguei definitivamente com Ariel”. Em

seguida, temos a seguinte promessa por parte do remetente: “Vou ver se dou um jeito de

arranjar os números dela” (linha 84-85).

Exemplo 18

(Carta nº 10 p. 55-57) – Remetente LCC

1. 22 de agosto de 1925

2. Mário de Andrade.

3. Muito a saudar

[...]

19. (I-ic) Remeto um convite para o Primeiro Congresso Regionalista do Nordeste.

20. Se V. não tiver tempo de rabiscar em cima de alguma tese, assinale uma ou umas.

21. No mínimo como curiosidade pelo inédito-brasileiro. [...]

42. [...] (I-ic) Aí vai um pedido seríssimo e quase urgente. Comprei dois

43. Pauliceia desvairada. Confesso não ter sido pelos lindos olhos do autor. Li

44. Ambos e ambos dei. Estou irritantemente desarmado. Piedade de mim. Mande

45. Unzinho só. Mesmo velho e feio. Mande. (I-ic) Espero? E onde está a sua promessa

46. de enviar-me os exemplares do Ariel? (I-ic)

[...]

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67. Luís da Câmara Cascudo. [...]

(Carta nº 13 p. 63-67) – Remetente MA

1. São Paulo, 6 de setembro de 1925.

2. Luís do coração,

[...]

43. O tal do congresso Regionalista me deixou besta de entusiasmo. Em

44. tese sou contrário ao regionalismo. Acho desintegrante da ideia de nação e so-

45. bre este ponto muito prejudicial pro Brasil já tão separado. Além disso, fatalamen-

46. te o regionalismo insiste sobre as diferenciações e as curiosidades salientando

47. não o caráter individual psicológico duma raça porém os seus

48. lados exóticos. Pode-se dizer que exóticos até dentro do próprio país, não acha?

49. É certo no entanto que regionalismo bem entendido traz benefício grande sobre

50. o ponto-de-vista da própria discriminação dos caracteres gerais psicológicos e

51. outros dum povo. Se a minha adesão vale de alguma coisa aí vai com

52. uma enorme sodade mandada pra esse Nordeste que amo como eu mesmo, que

53. sou eu. (I-re) Que pena não poder ir até aí! Se tivesse cobres e descobrisse tempo,

54. ia de deveras.

83. Mário.

84. (I-re) Mandarei Pauliceia. (I-re) Briguei definitivamente com o Ariel. Vou ver se dou

um 85. jeito de arranjar os números dela. [...]

103. E mandarei uns exemplares da Escrava. Distribua se quiser.

Nos exemplos mostrados acima, as contribuições dos autores constituem trocas que

apresentam uma estrutura interna complementar construída apenas por duas intervenções,

uma iniciativa e outra reativa. Essas intervenções, no corpus da pesquisa, são as mais

frequentes, embora nas interações em análise possamos observar, ainda, a instauração de

trocas estendidas, ou seja, com mais de três intervenções, como no exemplo 19, composto

pelas cartas nº 22, 23, 25 e 28.

Exemplo 19

(Carta nº 22 p. 91-92) – Remetente MA

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1. São Paulo, 19 de fevereiro de 1926.

2. Luís

[...]

31. Um abraço enorme

32 do amigo certo.

33. Mário.

34. E o retrato?

35. Deliciosa a foto do Tabugi. As juremas assim que eu puder entram

36. na minha poesia. (I-ic) Me diga uma coisa: jacaré dorme de dia, não é? A pergunta

37. parece pândega mas não é. É por causa dum verso que escrevinhei.

38. Ciao.

39. Não relida.

(Carta nº 23 p. 93-95) – Remetente LCC

1. 9 de março de 1926.

2. Em Natal.

3. Mário de Andrade.

[...]

52. Quanto a consulta. (I-re) Sim senhor. Jacaré dorme de dia. Logo que o sol

53. esquenta. E dizem que dorme d’olhos abertos. Ca[lha] dormir no meio do rio,

54. nos bolseiros, nas pedras emergidas ou nas margens lodosas. Quem me afir-

55. ma é um primo com seis anos de Amazônia e dr. em caça ao jacaré em Marajó

56. e Xingu. Pode escrever. [...]

60. Um abraço

61. do seu

62. Luís.

[...]

(Carta nº 25 p. 99-101) – Remetente MA

1. São Paulo. Dia de Tiradentes [21 de abril] – 1926.

2. Luís,

[...]

21. Me espere então ano que vem. Guarde todos os projetos intac-

22. tos pois farei certamente a viagem até aí. Só se Deus não quiser porém me

23. parece que ele há-de querer. Estou louco e sonhando você e essa terra. A (I-ic)

24. história do jacaré inda não ficou bem esclarecida pra mim e a culpa é minha.

25. Então jacaré dorme na tona da água? Eu pensava que ele dormia no fundo

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26. do rio e o meu verso é “Os círculos doa jacarés que afundam pra dormir”.

27. Não se esqueça ainda de me esclarecer sobre isso.

[...]

70. Mário.

[...]

76. Ciao.

(Carta nº 28 p. 105) – Remetente LCC

1. Mário de Andrade.

[...]

7. (I-re) Jacaré: dorme de dia. Dorme trepado nas ilhotas. Dorme na margem

8. do igarapé. Dorme metido no balcedo. Dorme nas pedras emergentes dos esti-

9. rões. Estirão é a reta fluvial. Diz-se assim no Amazonas. Está satisfeito? Pode ir

10. repetindo o que desejar em assunto jacareico. Não incomoda. Lisonjeia. E muito.

[...]

19. Dê cá um abraço.

20. Seu

21. Luís da Câmara Cascudo.

22. 18 de maio de 1926.

O exemplo 19 revela que a troca é organizada por 5 intervenções, sendo 3 (três)

iniciativas e 2 (duas) reativas, que são postas pelos participantes da interação ao longo de

quatro cartas. Essa troca é iniciada na carta nº 22 (linha 36) com a seguinte intervenção de

Mário de Andrade: “Me diga uma coisa: jacaré dorme de dia, não é?”. Notamos que após o

autor da carta questionar o colega sobre uma dúvida que tem sobre uma questão específica,

ele avalia a própria pergunta, justificando o motivo de tal indagação. A resposta de Câmara

Cascudo à pergunta feita dá-se no texto nº 23 (linha 52) com forma afirmativa “sim senhor”.

Em seguida, ele explica questões do hábito de dormir do jacaré – “Jacaré dorme de dia. Logo

que o sol nasce esquenta [...] Pode escrever”. Podemos então compreender que do ponto de

vista interacional, mais uma vez, as cartas em análise deixam entrever esses pares nas

realizações da troca.

Observamos que, apesar de afirmar que “Jacaré dorme de dia” e explicar os modos

que o animal, comumente, dorme, a resposta de Câmara Cascudo na carta nº 23 não fica clara

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para Mário de Andrade. Na carta nº 25 (na linha 23-24), esse autor explicita que os

esclarecimentos do amigo ainda geram dúvidas, dessa maneira, ele usa de uma afirmação feita

na carta nº 23 para reelaborar a pergunta, a seguir: “Então jacaré dorme na tona da água?”

(linha 25). A preocupação de Mário de Andrade em torno desse questionamento se dá em

virtude da escrita de um verso (linha 26) que expressa uma informação que vai de encontro

com a que o interlocutor tinha conhecimento. A troca é (re)tomada na carta nº 28 (linha 7)

com o ato reativo “Jacaré: dorme de dia. Dorme trepado nas ilhotas. Dorme na margem do

igarapé. Dorme metido no balcedo [...]” e um comentário – “Está satisfeito?” (linha 9) –, cuja

intenção é interrogar o remetente sobre a compreensão do fato explicado. Nesse ato, a

repetição do verbo “dorme”, na 3ª pessoa do presente do indicativo, enfatiza a certeza de

Câmara Cascudo quanto à resposta dada.

Nas cartas analisadas, verificamos, também, ocorrências em que o interlocutor

contribui com uma intervenção de natureza iniciativa que não é completa ao longo das

interações estabelecidas, gerando assim uma troca incompleta do tipo apontado por Kerbrat-

Orecchioni (2006). O excerto, exemplo 20, a seguir, materializa um caso no qual Mário de

Andrade faz questionamentos a respeito do uso de elisão nas palavras “d’imenso”,

“d’aigoros” a Câmara Cascudo, mas esse não responde ao amigo informando se é comum as

pessoas usarem na região nordeste tais expressões com a elisão da letra “e” ou se é costume

próprio.

Exemplo 20

(Carta nº 3 p. 36-39) – Remetente MA

1. São Paulo, 26 de setembro, [1924]

2. Luís da Câmara Cascudo.

[...]

81. (I-ic) Agora uma pergunta, que não inclui censura: Você escreve a todo

82. momento: “d’imendo”, “d’agoiros” por “de imenso”, “de agoiros”. Essa elisão se

83. faz aí no Norte? Interessa-me saber disso. É de uso popular ou costume seu

84. pessoal? Responda-me que observo esse usos com atenção

[...]

95. Mário de Andrade

[...]

Compreendemos por meio dos exemplos mencionados que as intervenções de natureza

iniciativa-reativa medeiam e organizam trocas entre os participantes das interações analisadas.

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Tais intervenções quando correspondentes entre si constituem pares dialogais, pela função

que exercem na gramática da interação, os quais a seguir analisamos.

4.2.2.1 Os pares dialogais

Como identificamos na seção anterior, Câmara Cascudo e Mário de Andrade nas

interações viabilizadas pelo (com)partilhamento de cartas pessoais se utilizam de trocas que

se organizam por meio de pares dialogais. Entretanto, nas cartas esses pares não se

manifestam de forma coocorrente como, geralmente, acontece na fala.

Compreendemos que, como as cartas são textos escritos, enviados e recebidos em

tempos diferentes, a resposta a um determinado questionamento, por exemplo, não é

produzida simultaneamente, isto é, logo após que o interlocutor faz uma determinada pergunta

ao remetente. Assim, observamos no exemplo 21 que as perguntas efetivada em 1º de janeiro

de 1928 na carta nº 45 – (P) “Como se foi o Ascenso se é que ele andou aí?”; (P) “Por que V.

não me mandou nenhum daqueles instantâneos tirados aqui?” – são respondidas apenas em 22

de janeiro na carta nº 46.

Assim como os demais, o exemplo em foco evidencia que nas interações instauradas,

por cartas, os pares dialogais se realizam em um espaço-temporal diferente de uma

conversação face a face, uma vez que os autores das cartas não dividiam o espaço do aqui e

do agora no momento da escrita e da leitura daqueles textos. Dessa maneira, intervenções

iniciativas como as perguntas feitas na carta nº 45 – “Como foi o Ascenso se é que ele andou

aí?”; “Por que V. não me mandou nenhum daqueles instantâneos tirados aqui?” – poderão ser

completadas somente no evento comunicativo de outra carta que, por sua vez, pode ser a

escritura seguinte ou não.

Nessa direção, é importante destacar que em virtude dos turnos nas escrituras serem

concretizados em uma realidade espaço-temporal distinta, conforme afirma Galvão (2011), o

entendimento dos pares dialogais nas cartas se dá de modo diferente da que se observa nas

interações face a face, pois eles não são constituídos apenas por um questionamento ou uma

resposta a esse, mas também por outras contribuições que podem ou não apresentar natureza

do tipo iniciativa-reativa.

No que se refere ao reconhecimento dos pares, no exemplo 21, fica claro que nas

interações em questão eles ocorrem por suas partes mutuamente relacionadas, ou seja, pelo

princípio da relevância condicional, conforme discutido por Marcuschi ([1986] 2003, 2007).

Logo, “a relevância condicional de um item sobre o outro diz que, dada a primeira parte, uma

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segunda é esperável; se esta ocorrer, é vista como a segunda em relação à primeira”.

(MARCUSCHI, [1986] 2003, p. 36).

Nesse direcionamento, notamos que na intervenção reativa “Quanto ao Ascenso esteve

aqui, matamos saudades bem” o interlocutor usa palavras do domínio discursivo do

questionamento, a seguir, para responde-lo e completa-lo: “Como se foi com o Ascenso se é

que ele andou aí?”.

Exemplo 21

(Carta nº 45 p. 139-140) – Remetente LCC

1. Natal, 1º de janeiro de 1928

2. Mário de Andrade.

3. Amigão.

[...]

13. (P) Como se foi o Ascenso se é que ele andou aí? Jorge terminou o livro.

14. Eu continuo tomando notas para uma História do Rio Grande do Norte em

[...]

22. (P) Por que V. não me mandou nenhum daqueles instantâneos tirados

23. aqui? [...]

35. Grandes abraços deste seu

36. Luís.

37. Mamãe muito se recomenda e agradece ter-se V. se lembrado dela.

(Carta nº 46 p. 141-142) – Remetente MA

1. São Paulo, 22 de janeiro de 1928.

2. Luís querido.

9. [...]

13. praceanas agradáveis, eta bolo natalense que nunca sai do meu goto! (R) Falar

14. nisso, as fotografias você não imagina, só mandei até agora tirar cópia pra ver,

15. umas saíram boas, outras ruíns, outras não saíram nada, nunca mais não pe-

16. guei nelas de tanto que tenho lerdeado. Mas vou principiar cuidando disso e

17. mandarei pra você as que prestam.

[....]

37. (R) Quanto ao Ascenso esteve aqui, matamos saudades bem. Agora [...]

45. (P) E recebeu meu Clã?

46. Um baita abraço do sempre amigo que te quer bem e um beijo pras

47. mãos de sua mãe. Me lembro sempre dela, tão boa.

48. Mário.

49. Afinal acabei corrigindo isto 24-1-28

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Como mostra o exemplo 22, as escolhas lexicais dos autores contribuem, igualmente,

ao longo das interações estabelecidas, para que um determinado enunciado seja reconhecido

como um agradecimento a um elogio e até mesmo uma resposta a uma questão posta. Por

exemplo, o uso da expressão lexical “Clã” no enunciado “Gracias pelas palavras a respeito do

Clã” deixa evidente que o agradecimento de Mário de Andrade na carta nº 49 é uma

contribuição correspondente ao elogio feito por Câmara Cascudo no texto nº 47. Assim

também acontece com a intervenção “Mandei sim o livro de você pro Manu e pro Ribeiro

Couto”. Nessa contribuição são selecionados o termo “livro” e os nomes próprios “Manu” e

“Ribeiro Couto” para reagir na direção do questionamento “V. mandou os livros aos Couto &

Manu?”. Assim sendo, o par elogio-agradecimento é constitutivo das cartas escritas de Mário

de Andrade para Câmara Cascudo e vice-versa.

Exemplo 22

(Carta nº 47 p. 143-144) – Remetente LCC

1.Natal, 2 de fevereiro de 1928

2. Mário.

[...]

17. (I-ic)Clã de Jabuti é o seu melhor livro de poemas, como brasilidade

18. pura e sensível. Não sendo livro de tese nem de pessoísmo estético (Losan-

19. go cáqui e neste clã os poemas das páginas 37 e 93) Clã é bandeira de

20. tribo. [...]

42. Grande abraço deste seu seguro e fiel amigo.

43. Luís.

44. (P) V. mandou os livros ao Couto & Manu?

(Carta nº 49 p. 147-148) – Remetente MA

1. São Paulo, 8 de março de 1928.

2. Luís,

3. recebi carta e como consequência natural: alegrão baita nesta casa

4. que você se obstina em não vir entrar nela. (I-re) Bom. Gracias pelas palavras a res-

5. peito do Clã. Palavra de honra que acho que você tem razão, também imagino

6. que é a coisa melhor que escrevi. E creio que em poesia, seu Luís, não faço

7. mesmo coisa que preste. [...]

25. terá sua importanciazinha, não acha? (R) Mandei sim o livro de você pro Manu e

26. pro Ribeiro Couto. (P) Não escreveram sobre? [...]

43. E o abraço mais carinhoso do

44. Mário.

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Os dados do corpus desta pesquisa revelam que nas trocas instauradas entre Câmara

Cascudo e Mário de Andrade podemos identificar pares dialogais do tipo:

Quadro 7 – Tipos de pares dialogais identificados nas interações analisadas

Convite – Recusa

Pedido – Concessão/ Recusa

Agradecimento – Aceitação

Elogio – Agradecimento

Pergunta – Resposta

Fonte: Dados da pesquisa

Dentre as intervenções iniciativas que constituem tais pares dialogais, verificamos a

ocorrência de 234 perguntas ao longo das interações instauradas. Tendo em vista os

propósitos deste trabalho, analisamos na seção analítica seguinte aspectos da estrutura das

pergunta efetivadas e das resposta atribuídas, a fim de melhor discutir e compreender essas

evidências interacionais.

4.2.2.2 Aspectos da estrutura e da natureza das perguntas e respostas

Depois de identificarmos que o par pergunta-reposta é uma evidência conversacional

que contribui com o estabelecimento de trocas nas cartas partilhadas entre Mário de Andrade

e Câmara Cascudo, analisamos aspectos da natureza e estrutura das perguntas efetivadas e das

respostas atribuídas. Ressaltamos que, em nossa análise, consideramos as perguntas que

identificamos pelo uso de pontuação interrogativa e as retóricas, embora reconheçamos que há

ocorrências de intervenções nos dados da pesquisa, cujas funções equivalem a perguntas.

4.2.2.2.1 Quanto à estrutura das perguntas e repostas

Nas correspondências dos referidos autores encontramos perguntas que do ponto de

vista estrutural caracterizam-se como fechadas, abertas e retóricas, conforme sugerem Fávero,

Andrade e Aquino ([2006] 2015).

As fechadas são caracterizadas por apresentar um questionamento que condiciona o

interlocutor a completar o par com uma resposta do tipo “sim” ou “não”. O exemplo 23, a

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seguir, na carta nº 46, condiciona o interlocutor confirmar ou não o recebimento do livro de

poemas “Clã do jabuti”. Neste caso específico, a reação não se dá com a forma afirmativa

“sim” ou negativa “não”, mas com um enunciado constituído pelo uso do verbo “encontrei”,

este na primeira pessoa do pretérito perfeito do indicativo, o qual equivale a uma resposta

positiva. Observamos, também, a manutenção de parte da estrutura sintática da pergunta

“recebeu meu Clã?” na resposta “encontrei o Clã do jabuti”.

Exemplo 23

(Carta nº 46 p.

141-142)

“São Paulo, 22 de janeiro de 1928.

Luís querido,

[...]

E recebeu meu Clã? [...]”

(Carta nº 47 p.

143-144)

“Natal, 2 de fevereiro de 1928.

Mário.

Voltando às 2 horas da manhã encontrei o Clã do jabuti. [...]”

O exemplo 24 deixa transparecer que a primeira parte do par visualizado no excerto da

carta nº 81 refere-se a uma pergunta do tipo fechada por meio da qual o interlocutor busca

uma confirmação em relação a um telegrama de benção enviado. A resposta a indagação

desenvolve-se de maneira que o interlocutor confirma o recebimento do telegrama com o

seguinte enunciado: “Seu telegrama-benção foi relido milietas vezes e quase cantado em

coro”. Esse deixa explícito que Câmara Cascudo já havia recebido e lido o telegrama para o

afilhado de Mário de Andrade, Fernando Luís. No exemplo em foco, percebemos, ainda, a

manutenção lexical da pergunta relativa ao “telegrama de benção”, embora com variação.

Exemplo 24

(Carta nº 81 p. 205)

“São Paulo, 29 de maio de 1931

Cascudinho,

[...]

E é só por hoje, a não ser o interesse crescente em que estou pelo

seu curumim. Recebeu meu telegrama de benção?”

(Carta nº 82 p. 206-

207)

“8 de junho de 1931.

Mário.

[...]

Seu telegrama-benção foi relido milietas de vezes e quase

cantado em coro.”

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Nos excertos do exemplo 25 fica evidente que a pergunta “Quer mandá-los?” feita por

Mário de Andrade após manifestar interesse pelos trabalhos de Câmara Cascudo” também

configura-se como fechada, ou seja, há uma expectativa de que a resposta seja “sim” ou

“não”. Mas, a resposta realiza-se com a repetição do verbo “Mandar” verbo que gerou o

questionamento. Nesse sentido, o enunciado “Mando os meus dois livro” além de confirmar o

envio de trabalhos, revela que estes tratam-se de dois livros: “O último joio” e o “Histórias

que o tempo leva”. É importante destacar que em sua reposta Câmara Cascudo acrescenta,

ainda, impressões pessoais sobre os livros enviados.

Exemplo 25

(Carta nº 1 p. 33)

“São Paulo, 14 de agosto de 1924.

Luís da Câmara Cascudo.

[...]

Terei sempre interesse em seguir seus trabalhos. Quer manda-

los? [...]”

(Carta nº 2 p. 34-35)

“25 de agosto de 1924.

Av. Jundiaí, 20

Natal

Mário de Andrade.

[...]

Mando os meus dois livros. O último Joio é a melhor parte que

tenho realizado. O História é história. [...]”

No exemplo 26, a resposta à pergunta fechada “Vocês receberam a minha Hist. Da

Música, 2ª edição, que mandei pra você e pro conservatório?” feita por Mário de Andrade na

carta nº 105 realiza-se com a ausência do advérbio “sim”, comumente, esperado na resposta a

esse tipo de questionamento. Assim, o interlocutor mantém o mesmo verbo, em sua forma de

1º pessoa do singular “Recebi”, no pretérito perfeito do indicativo para confirmar que havia

recebido o material enviado. Notamos, também, a repetição da estrutura sintática de parte da

pergunta, na resposta dada “Recebi a História da música. Ótima”. Além disso, percebemos o

comentário avaliativo “Ótima” a respeito da “História da música”.

Exemplo 26

(Carta nº 105, p. 249-

250)

“São Paulo, 22 de maio de 1933.

Cascudinho [...]

Vocês receberam a minha Hist. da Música, 2ª edição, que

mandei pra você e pro conservatório?”

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(Carta nº 106, p. 251-

252)

“24 de Maio de 1933.

Mário. [...]

Recebi a História da música. Ótima.”

Ao contrário das ocorrências já exemplificadas, identificamos no excerto do exemplo

27 a realização de uma pergunta aberta. Como podemos observar, o questionamento de

Câmara Cascudo na referida carta diferencia-se das que integram as de nº 1 e 105, pois ele

não busca uma confirmação ou negação por parte do remetente, mas saber “como foi” a visita

de um amigo em comum à cidade de São Paulo. A resposta à pergunta ocorre de forma que

subentende-se que Mário de Andrade e “Ascenso” encontraram-se “Quanto ao Ascenso esteve

aqui”. O comentário “matamos as saudades bem” evidencia uma avaliação do autor em

relação ao encontro ocorrido. Assim sendo, notamos que como a pergunta foi aberta,

possibilitou um direcionamento ao objeto de discurso “Ascenso” em uma estrutura que é

topicalizada “Quanto ao Ascenso”.

Exemplo 27

(Carta nº 45 p. 139-

140)

“Natal, 1º de janeiro de 1928.

Mário de Andrade.

Amigão.

[...]

Como foi com o Ascenso se é que ele andou aí?[...]”

(Carta nº 46 p. 141-

142)

“São Paulo, 22 de janeiro de 1928.

Luís querido,

[...]

Quanto ao Ascenso esteve aqui, matamos saudades bem.

[...]”

No exemplo 28, a seguir, fica evidente, ainda, o uso de perguntas retóricas nas

interações investigadas. Os excertos da carta nº 3 deixam claro que Mário de Andrade utiliza

de questionamentos com efeito retórico, como um recurso interacional para aproximar o

interlocutor do momento enunciativo. Notamos que a ação de perguntar e responder às

próprias indagações funciona como uma estratégia do escritor estabelecer um contato com o

destinatário, semelhante ao que ocorre em uma comunicação oral em que os participantes,

geralmente, constroem o texto em curso cooperativamente.

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No exemplo em foco, observamos também que a expectativa de resposta para a

indagação “Não será mesmo essa a maior conquista dos Modernos?” é similar à de uma

pergunta fechada, ou seja, “sim”. Na segunda pergunta “Teve medo de parecer ignorante?”, é

possível identificar que o interlocutor mantém a forma verbal “parecer” na resposta ao

questionamento retórico. A resposta dada por Mário de Andrade a terceira pergunta revela

uma seleção lexical em torno de comparações em que “Não têm nada lá dentro?” é

equivalente a “esses silêncios noturnos”.

Exemplo 28

(Carta nº 3 p. 36-39)

“São Paulo, 26 de setembro, 1924.

Luís da Câmara Cascudo.

[...]

Gostei imensamente disso. Não será mesmo essa a maior

conquista dos Modernos? Creio que sim [...]

Teve medo de parecer ignorante? A mim me parece que você se

esquivou de ser clarividente, com essas aspas malditas. [...]

Não têm nada lá dentro? É como esses silêncios noturnos das

nossas terras do interior, você conhece bem isso.

[...]”

Após a identificação das perguntas efetivadas e respostas atribuídas quanto à estrutura,

ilustraremos, a seguir, aspectos quanto à natureza.

4.2.2.2.2 Quanto à natureza das perguntas e repostas

Seguindo as orientações de Fávero, Andrade e Aquino ([2006] 2015), identificamos

que as perguntas elaboradas caracterizam-se quanto à sua natureza como: pedido de

informação, confirmação e esclarecimento.

Os excertos do exemplo 29, a seguir, mostram um questionamento de Câmara

Cascudo sobre o recebimento de livros e revistas enviadas. No que concerne à natureza,

notamos que a primeira parte do par caracteriza-se como um pedido de informação, no caso,

sobre o recebimento de uma material específico que o interlocutor não tem certeza quanto ao

envio. A resposta de Mário de Andrade a esse pedido de informação desenvolve-se de

maneira afirmativa, informando que carta, versos e revistas foram recebidas. Em seguida, o

autor explicita impressões sobre o material recebido “adorei tanto [...]”.

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Exemplo 29

(Carta nº 31 p. 111-

112)

“V. recebeu versos e revistas? Não sei se lhe mandei o artigo

incluso.”

(Carta nº 32 p. 113-

115)

“sim: recebi carta versos revistas, recebi e li tudo, adorei tanto

o ‘Não gosto de sertão verde’ que roubei ele por minha conta e

já que você não quis mandar nada pra Terra Roxa dei o

poema pros redatores que por sinal se entusiasmaram

também.”

Como observamos no exemplo 30, a seguir, a pergunta feita por Câmara Cascudo

também trata-se de um pedido de informação ao interlocutor a respeito do envio de livros “ao

Couto & Manu”. A reação ao pedido solicitado desenvolve-se em forma de confirmação

“Mandei sim o livro de você pro Manu e pro Ribeiro Couto”. Após confirmar o envio, Mário

de Andrade faz um questionamento que configura-se como um pedido de esclarecimento

“Não escreveram sobre?”. Contudo, na correspondência analisada não identificamos uma

resposta correspondente a essa solicitação.

Exemplo 30

(Carta nº 47 p. 143-

144)

“Natal, 2 de fevereiro de 1928.

Mário.

[...]

V. mandou os livros ao Couto & Manu?”

Carta nº 49 p. 147-

148)

“São Paulo, 8 de março de 1928.

Luís,

[...]

Mandei sim o livro de você pro Manu e pro Couto Ribeiro.

Não escreveram sobre?”

A pergunta posta pelo remetente na carta nº 22, exemplo 31, materializa um pedido de

confirmação a respeito da seguinte questão: “Jacaré dorme de dia, não é?”. O marcador “não

é” nessa primeira parte do par revela que tal informação necessita ser sustentada. A reação a

tal pedido explicita uma reposta com confirmação positiva através da forma “sim senhor”.

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Exemplo 31

(Carta nº 22 p. 91-92)

“São Paulo, 19 de fevereiro de 1926.

Luís

[...]

Deliciosa foto do Tabugi. As juremas assim que eu puder entram

na minha poesia. Me diga uma coisa: jacaré dorme de dia, não

é? A pergunta parece pândega mas não é. É por causa de um verso

que escrevinhei.”

(Carta nº 23 p. 93-95

“9 de março de 1926.

Em Natal.

Mário de Andrade.

[...]

Quanto à consulta. Sim senhor. Jacaré dorme de dia. Logo que o

sol esquenta. E dizem que dorme d’olhos abertos. Calha dormir no

meio do reio, nos balseiros, nas pedras emergidas ou nas margens

lodosas. Quem me afirma é um primo com seis anos de Amazônia

e dr. em caça ao jacaré em Marajó e Xingu. Pode escrever.”

No excerto da carta nº 25, exemplo 32, o questionamento de Mário de Andrade

constitui-se como um pedido de esclarecimento acerca de uma resposta confirmativa dada por

Câmara Cascudo na carta nº 23, vislumbrada no exemplo anterior, isto é, 31. O remetente

justifica que o interesse em torno de tal esclarecimento deve-se a escrita de um verso. A

resposta ao pedido de esclarecimento efetivado ocorre de forma positiva, ela vai sendo

expandida pela repetição do verbo “dorme” no enunciado “Jacaré: dorme de dia. Dorme

trepado nas ilhotas. Dorme na margem do igarapé. Dorme metido no balcedo. Dorme nas

pedras emergentes dos estirões [...]”.

Exemplo 32

(Carta nº 25 p.

99-101)

“São Paulo. Dia de Tiradentes [21 de abril] -1926.

Luís,

[...]

A história do jacaré inda não ficou bem esclarecida pra mim e a culpa é

minha. Então jacaré dorme na tona da água? Eu pensava que ele

dormia no fundo do rio o meu verso é ‘Os círculos dos jacarés que

afundam pra dormir. Não me esqueça de esclarecer sobre isso.”

(Carta nº 28 p.

105)

“Mário de Andrade.

[...]

Jacaré: dorme de dia. Dorme trepado nas ilhotas. Dorme na

margem do igarapé. Dorme metido no balcedo. Dorme nas pedras

emergentes dos estirões. Estirão é a reta fluvial. Diz-se assim no

Amazonas. Está satisfeito? Pode ir repetindo o que desejar em assunto

jacareico. Não incomoda. Lisonjeia. E muito.”

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As análises explicitadas nesta seção evidenciam que as perguntas contribuem na

obtenção de informações, de esclarecimentos e de confirmações a respeito de questões

particulares por parte dos interlocutores.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta dissertação, elegemos como objeto de investigação um conjunto de cartas

pessoais que advém da correspondência intercambiada entre Câmara Cascudo e Mário de

Andrade, a fim de estudar aspectos da interação em textos escritos.

Consideramos que tais escrituras são formas comunicativas peculiares pelas quais as

pessoas, mesmo se encontrando distantes no tempo e espaço uma da outra, podem estabelecer

interações, tendo em vista a partilha de um espaço comum em que os participantes se

engajam, bem como os propósitos que o gênero discursivo/textual estudado cumpre em sua

realização.

Orientamo-nos, para tanto, pelos postulados da AC para discorrer a respeito da

organização estrutural das conversações, enquanto protótipo das atividades interacionais

instauradas nas mais diversas situações sociais, como sugere Kerbrat-Orecchioni (2006).

Assim, consoante a discussão realizada, entendemos que as interação verbais constituem-se de

ações conjuntas dos participantes, que de forma intencional se organizam e contribuem

durante um determinado evento para interagir com os mais diferentes objetivos.

No direcionamento da referida perspectiva teórica, propomo-nos a verificar,

propósitos comunicativos, constantes composicionais dos planos de texto, a materialização da

sequência dialogal e da troca nos eventos das cartas pessoais. Para tanto, analisamos 97

manuscritos pelos quais os autores já citados mantiveram durante um período de 20 anos uma

relação próxima de amizade.

As análises das referidas ocorrências revelam que a concretização das cartas pessoais

em um espaço privado e íntimo possibilitaram desde o compartilhamento de acontecimentos

da vida cotidiana dos escritores até de questões variadas do contexto social, literário, político,

artístico e cultural, nos quais eles estavam inseridos no Brasil. Desse modo, observamos que a

escritura desses textos se deu motivada por propósitos variados, que em alguns casos podiam

ser até sobrepostos.

Nessa perspectiva, notamos, ainda, que os objetos de discursos abordados nas

interações estabelecidas contribuíram na organização dos segmentos fixos e ocasionais que

constituem os planos de texto das cartas pessoais analisadas, conforme foi definido por Adam

([2008]2011). Nesse aspecto, em 64,95% dessas cartas identificamos planos articulados pelas

partes: abertura, exórdio, corpo argumentativo, peroração e fechamento. As demais escrituras,

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isto é, as que correspondem ao percentual de 35,05 % foram organizadas somente com as

partes: abertura, corpo da carta e fechamento.

Com base nas partes identificadas, percebemos que as sequências com dominantes

discursivas fáticas e as com estruturas dialogais, visualizadas na materialização dos planos de

texto das escrituras investigadas, se realizam de maneira semelhante ao que é observado nas

conversações. Esses textos – cartas – constituídos na interação aproximam os participantes,

tornando as contribuições dos interlocutores mais dinâmicas.

É importante destacar que apesar de reconhecermos a materialização de sequências de

formas bem próximas das comumente constatadas nas interações face a face, ressaltamos que

concordamos com Adam ([2008] 2011, p. 247) ao afirmar que as condições enunciativas

escritas proporcionam a instauração de textos dialogais que “não poderíamos confundir com a

oralidade autêntica”.

Além disso, verificamos que nas interações mediadas por cartas os interlocutores

negociam durante as trocas, possibilitando os estabelecimento de diálogos entre eles. Esses

diálogos projetam ambos escritores na vivência de uma situação comunicativa em presença,

conforme pontua Galvão (2011). Nesse enfoque, reiteramos o posicionamento da autora ao

postular que “escrever cartas é uma forma de interagir em espaços diferentes, em momentos

distintos projetando um espaço de presença para a interlocução”. (GALVÃO, 2011, p. 142).

As contribuições possibilitadas na escrita das cartas por Câmara Cascudo e Mário de

Andrade no curso dos diálogos instaurados geram trocas complementares e/ou estendidas que,

quando constituídas por uma intervenção iniciativa e outra reativa, tornaram evidente a

materialização de pares dialogais. Dentre os pares identificados, enfocamos aspectos de uma

tipologia do par pergunta-resposta, uma vez que constatamos a manifestação extensa de 234

perguntas nas interações investigadas.

Assim sendo, destacamos a materialização do par pergunta-resposta que nas interações

analisadas efetivou-se com ocorrências de questões abertas, fechadas e retóricas, no que se

refere ao aspecto da estrutura. Já quanto à natureza, observamos que as perguntas

caracterizaram-se como pedidos de informação, confirmação e esclarecimento. As perguntas

elaboradas e as respostas atribuídas, no geral, deixam transparecer que elas cumpriram às

perspectivas desejadas pelos interlocutores. Contudo, lembramos que verificamos casos em

que as perguntas não foram respondidas, o que consideramos comum nesses intercâmbios,

pois nem sempre as cartas recebidas estão no campo de visão de quem escreve em resposta a

elas.

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Nessa direção, entendemos que Câmara Cascudo e Mário de Andrade utilizaram os

pares dialogais, enquanto recursos que colaboravam na manutenção dos diálogos partilhados

pelos escritores a cada carta enviada e recebida, dado que eles motivavam o interlocutor a

cooperar, completando a primeira parte de um ou mais pares efetivados ao longo das

interações estabelecidas.

Assim sendo, salientamos que, apesar da pesquisa apresentada ter se detido a discutir

ocorrências visíveis na organização estrutural das interações estudadas, os dados obtidos

também deixam entrever na correspondência de Câmara Cascudo e Mário de Andrade outras

perspectivas de investigação com foco em questões da interação. Podemos citar, por exemplo,

a relação interpessoal que se instaura entre tais autores, possibilitando a manutenção da

amizade, cuja manifestação pode ser observada pela seleção lexical, formas de tratamento,

entre outras.

Ressaltamos, também, que, durante a realização deste estudo, nem sempre foi fácil

delimitar as unidades hierarquizadas nas interações, conforme aponta Kerbrat-Orecchioni

(2006), pelo fato de haver sobreposições dessas unidades. Assim, uma troca é uma unidade

que também é analisada por formar um par, que por sua vez se insere em uma sequência, que

integra o nível mais alto da interação. Nesse sentido, chamamos atenção para o fato de o texto

dialogal – construído na partilha das escrituras analisadas – realizar-se, muitas vezes, de

forma próxima ao que se pode verificar nas conversações face a face.

Por fim, esse estudo nos levou a pensar em outras possibilidades de pesquisas com

base em estudos textuais e interacionais, não somente com dados fornecidos por cartas

reunidas em livros, mas com interações em diferentes lugares. Salientamos, assim, que se

abrem outras perspectivas para investigação, a partir do momento em que compreendemos os

significados de encontros mediados pela linguagem, em que há pessoas diferentes, mas com

objetivos comuns, haja vista que compartilham conhecimentos e experiências.

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