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A D IVERSIDADE DA G EOGRAFIA B RASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO 473 ASPECTOS DEMOGRÁFICOS, GEOGRAFIA DO CRIME E TIPOLOGIA SOCIOESPACIAL Análise da Região Metropolitana da Grande Vitória - RMGV, Espírito Santo PABLO LIRA 1 Resumo: Este artigo analisa a segurança pública, segundo a organização e estrutura social, a partir da criminalidade violenta urbana. Nos últimos anos no estado do Espírito Santo, Brasil, a atuação integrada, recomposição, investimento e qualificação do efetivo policial e implementação de mecanismos e sistemas de inteligência e tecnologia no campo da segurança pública e defesa social veem favorecendo a redução da taxa de homicídios. Mesmo assim, ao longo das três últimas décadas, os homicídios capixabas mostram-se potencialmente concentrados na Região Metropolitana da Grande Vitória - RMGV. A distribuição espacial dos crimes na RMGV não ocorre de maneira homogênea pela trama urbana, desdobrando-se a partir das desigualdades sociais, econômicas e de infraestrutura. Nessa perspectiva, a análise da organização social do território, bem como dos aspectos demográficos, muito contribui para interpretar possíveis fatores que influenciam as dinâmicas espaciais de crimes registrados na referida área de estudo. Palavras-chave: Aspectos demográficos; Geografia do crime; Tipologia socioespacial Abstract: This paper analyzes the public security, according to the organization and social structure, from the urban violent crime point of view. In last years the state of Espírito Santo, Brazil, integrated operations, recovery, investment and qualification of the police force and implementation mechanisms and intelligence systems and technology in the field of public security and social protection are contributing to reducing the homicides rates. Still, over the past three decades, the Espírito Santo homicides show up potentially concentrated in the Metropolitan Region of Grande Vitória - RMGV. The spatial distribution of crimes in RMGV not occur homogeneously by the urban area, deriving from social, economic and infrastructure inequalities. In this perspective, the analysis of the social organization of territory, as well demographics aspects, contributes to understand possible factors that influencing the special dynamics of crimes recorded in that study area. Key-words: Demographics aspects; Geography of crime; Socio-spatial typology 1 - Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Geografia - PPGG da Universidade Federal do Espírito Santo - UFES; Professor Adjunto da Universidade Vila Velha - UVV; Especialista em Estudos e Pesquisas do Instituto Jones dos Santos Neves - IJSN e Coordenador do Núcleo Vitória do INCT Observatório das Metrópoles. E-mail de contato: [email protected]

ASPECTOS DEMOGRÁFICOS, GEOGRAFIA DO CRIME E … · a análise da organização social do território, bem como dos aspectos demográficos, muito contribui para interpretar possíveis

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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO

DE 9 A 12 DE OUTUBRO

473

ASPECTOS DEMOGRÁFICOS, GEOGRAFIA DO CRIME E TIPOLOGIA SOCIOESPACIAL

Análise da Região Metropolitana da Grande Vitória - RMGV, Espírito Santo

PABLO LIRA1

Resumo: Este artigo analisa a segurança pública, segundo a organização e estrutura social, a partir da criminalidade violenta urbana. Nos últimos anos no estado do Espírito Santo, Brasil, a atuação integrada, recomposição, investimento e qualificação do efetivo policial e implementação de mecanismos e sistemas de inteligência e tecnologia no campo da segurança pública e defesa social veem favorecendo a redução da taxa de homicídios. Mesmo assim, ao longo das três últimas décadas, os homicídios capixabas mostram-se potencialmente concentrados na Região Metropolitana da Grande Vitória - RMGV. A distribuição espacial dos crimes na RMGV não ocorre de maneira homogênea pela trama urbana, desdobrando-se a partir das desigualdades sociais, econômicas e de infraestrutura. Nessa perspectiva, a análise da organização social do território, bem como dos aspectos demográficos, muito contribui para interpretar possíveis fatores que influenciam as dinâmicas espaciais de crimes registrados na referida área de estudo. Palavras-chave: Aspectos demográficos; Geografia do crime; Tipologia socioespacial Abstract: This paper analyzes the public security, according to the organization and social structure, from the urban violent crime point of view. In last years the state of Espírito Santo, Brazil, integrated operations, recovery, investment and qualification of the police force and implementation mechanisms and intelligence systems and technology in the field of public security and social protection are contributing to reducing the homicides rates. Still, over the past three decades, the Espírito Santo homicides show up potentially concentrated in the Metropolitan Region of Grande Vitória - RMGV. The spatial distribution of crimes in RMGV not occur homogeneously by the urban area, deriving from social, economic and infrastructure inequalities. In this perspective, the analysis of the social organization of territory, as well demographics aspects, contributes to understand possible factors that influencing the special dynamics of crimes recorded in that study area. Key-words: Demographics aspects; Geography of crime; Socio-spatial typology

1 - Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Geografia - PPGG da Universidade Federal do Espírito

Santo - UFES; Professor Adjunto da Universidade Vila Velha - UVV; Especialista em Estudos e Pesquisas do Instituto Jones dos Santos Neves - IJSN e Coordenador do Núcleo Vitória do INCT Observatório das Metrópoles. E-mail de contato: [email protected]

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1 – Introdução

De acordo com dados do Ministério da Saúde, em 1980 foram registrados no

Brasil e Espírito Santo, respectivamente, 11,7 e 15,1 homicídios por 100 mil

habitantes. Passados 30 anos, em 2010, essas mesmas taxas mais que dobraram

para o caso brasileiro (27,4 homicídios por 100 mil habitantes) e mais que triplicaram

para o caso capixaba (51,0 homicídios por 100 mil habitantes), evidenciando a

necessidade da priorização da segurança pública no planejamento, nas políticas,

nas ações e na mobilização da sociedade, com a finalidade de redução dos índices

de violência criminal.

Crime, delitos, infrações, desvios ou qualquer tipo de comportamento humano

que possa ser caracterizado como transgressão são eventos que de alguma forma,

com maior ou menor intensidade, violam normas sociais ou regras legais - instituídas

por leis. Em suma, são eventos que além de motivar e demandar explicações sobre

porque acontecem, requerem ou mesmo exigem intervenções coercitivas e punitivas

por parte do Estado, mas também políticas públicas e ações da sociedade voltadas

para a prevenção primária (avanços no campo da educação, saúde, assistência

social, habitação e outras áreas), prevenção secundária (intervenções no desenho

arquitetônico e urbanístico, ordenamento territorial, implantação de sistema de

vídeo-monitoramento nas ruas e imóveis, policiamento ostensivo, entre outros) e

prevenção terciária (programas de diminuição de reincidência criminal e

ressocialização de internos do sistema prisional).

De causalidades e motivações múltiplas, o comportamento caracterizado

como desviante da normalidade, nas suas variadas formas de expressão, desde o

pequeno delito ao crime de morte, não deve ser, portanto, visto e interpretado na

perspectiva apenas do indivíduo enquanto indivíduo, mas sim enquanto resultado de

complexas relações deste em grupos sociais e ambientes específicos.

O controle do comportamento desviante, portanto, deve combinar um

conjunto amplo de ações preventivas e repressivas. E se o objetivo de qualquer

sociedade é reduzir o número de eventos indesejáveis, a exemplo dos homicídios,

que comprometem a segurança de pessoas e da sociedade, torna-se fundamental

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promover, principalmente, iniciativas no campo da proteção social, segurança

pública e justiça criminal.

Na perspectiva da segurança pública e justiça criminal, alguns avanços se

fizeram perceptíveis na última década e se intensificaram nos últimos anos, a saber,

atuação integrada das agências de segurança pública, recomposição do efetivo

policial, investimento na formação e qualificação contínua dos profissionais de

segurança pública, ampliação do número de delegacias, incremento e modernização

do sistema prisional, construção e expansão do Centro Integrado Operacional de

Defesa Social - CIODES, implementação de mecanismos e sistemas de inteligência

e vídeo-monitoramento, construção e aquisição equipamentos de laboratórios

técnico-científicos de investigação e sistematização do mapeamento criminal por

meio de geotecnologias, entre outros.

Com base nos dados georreferenciados do mapa do crime da Gerência de

Estatística e Análise Criminal - GEAC da Secretaria de Estado de Segurança Pública

- SESP, este texto busca analisar possíveis correlações espaciais entre as

estatísticas criminais e a organização social do território, por meio dos produtos

cartográficos da tipologia socioespacial, que possibilita uma aproximação da

organização social do território e foi desenvolvida, no âmbito da rede de pesquisa do

Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia - INCT Observatório das Metrópoles

(RIBEIRO; RIBEIRO, 2011).

Além dessa introdução, o texto é composto por mais 4 seções que

desenvolvem um breve diagnóstico dos dados de segurança pública no estado do

Espírito Santo e em especial na Região Metropolitana da Grande Vitória - RMGV2 e

uma análise espacial dos crimes e da tipologia socioespacial.

2 – Um breve diagnóstico sobre os aspectos demográficos dos homicídios

No ano 2000, foram registrados 50,8 homicídios por 100 mil habitantes no

estado. Em 2009, este indicador alcançou o patamar de 58,3 homicídios por 100 mil

2 A Região Metropolitana da Grande Vitória - RMGV é composta pelos municípios de Cariacica, Fundão,

Guarapari, Serra, Viana, Vila Velha e Vitória. Com exceção de Fundão e Guarapari, os demais municípios da RMGV formam a Aglomeração da Grande Vitória, que se caracteriza como uma típica conurbação.

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habitantes. De 2000 a 2009, a taxa de homicídio evidenciou um aumento médio de

1,6% ao ano.

Desde 2009, os índices de homicídios dolosos do estado destacam uma

tendência de redução. De 2010 (52,5 homicídios por 100 mil habitantes) para 2011

(48,2 homicídios por 100 mil habitantes) foi computada uma redução de 8,1% na

taxa de homicídios dolosos. Em 2012, esta tendência de redução foi mantida com o

registro de 46,4 homicídios por 100 mil habitantes. De 2009 até 2012, o estado

destacou uma redução de 20,4% na taxa de homicídios, o que representou uma

diminuição de 374 vítimas de homicídios dolosos, sendo que em 2009 foram

computadas 2.034 vítimas e em 2012 foram registradas 1.660 vítimas.

Apesar da taxa de 46,4 homicídios por 100 mil habitantes ser a menor dos

últimos 15 anos, este ainda não é um indicador favorável de segurança pública. A

taxa nacional de homicídios é praticamente duas vezes menor do que a taxa

capixaba.

Nesse sentido, os esforços no campo do enfrentamento e prevenção da

violência merecem ser cada vez mais integrados e potencializados, sobretudo, nas

áreas de maior vulnerabilidade social e que registram historicamente os maiores

índices de criminalidade. A tendência de redução da taxa de homicídio é, em larga

medida, resultado das ações de enfrentamento qualificado e prevenção da

criminalidade, executadas tanto pelos órgãos policiais quanto pelas demais

instâncias governamentais. Como visto, esta estratégia se demonstrou eficiente e

eficaz em casos de destaque internacional, contudo a efetiva redução dos índices de

violência não ocorre de maneira súbita e imediata. As experiências de Nova Iorque e

Bogotá demonstram que resultados positivos no campo da segurança pública devem

ser galgados com persistência e inteligência, integrando esforços no campo da

proteção social e investimentos em infraestrutura, tecnologia e inteligência policial.

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Figura 1 - Taxa de homicídio doloso por 100 mil habitantes - Espírito Santo 2000-2012

Fonte: SESP; SEAE, 2013.

As taxas nacional e capixaba possuem em comum o mesmo padrão

demográfico, isto é, perfil de vítima de homicídio, ou seja, jovens do sexo masculino,

com idade entre 15 a 29 anos, e geralmente assassinados por arma de fogo. No

Espírito em 2012, 90,7% das vítimas, dos 1.660 homicídios dolosos registrados,

eram do sexo masculino. A taxa masculina de homicídios foi de 85,5 por 100 mil

homens, enquanto a feminina foi de 8,5 por 100 mil mulheres3.

Ainda tomando como base o Espírito Santo no ano de 2012, identifica-se que

o grupo etário de 15 a 29 anos responde por mais de 60% dos homicídios dolosos

registrados4. Os recortes de 15 a 19, 20 a 24 e 25 a 29 anos evidenciam as maiores

taxas de homicídios por faixas etárias no Espírito Santo, de acordo com a Figura 3.

Figura 2 - Participação percentual de homicídio doloso, por gênero - Espírito Santo 2012

Fonte: SESP; SEAE, 2013.

3 Utilizando dados do Ministério da Saúde de 2011 constata-se que o percentual de homicídios masculinos e

femininos no Brasil foi de, respectivamente, 91% e 9%. A taxa brasileira de homicídios masculina foi de 50,5 por 100 mil homens, enquanto a taxa de homicídios feminina foi de 4,6 por 100 mil mulheres. 4 Em 2011, os jovens no grupo etário de 15 a 29 anos responderam por mais de 52% dos 52.200 homicídios

registrados no Brasil (Ministério da Saúde).

50,8 50,4 55,4 54,8 53,1

49,9 53,4 53,8

56,5 58,3

52,5 48,2 46,4

10,0

20,0

30,0

40,0

50,0

60,0

70,0

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012

Taxa d

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il h

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90,7%

9,3%

Masculino Feminino

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Figura 3 - Taxa de homicídio doloso por 100 mil habitantes, segundo as faixas etárias

Espírito Santo 2012

Fonte: SESP; SEAE, 2013.

3 – Região Metropolitana da Grande Vitória - RMGV: violência metropolitana

De acordo com Lira e Sampaio (2011), a participação relativa da RMGV e dos

demais municípios no total de homicídios registrados no estado ao longo das últimas

três décadas revela fases distintas. Durante a década de 80, os Demais Municípios

evidenciavam uma maior participação percentual nos homicídios. Os municípios que

compõem hoje a RMGV passaram a apresentar uma maior representatividade no

total de homicídios registrados a partir da década de 90. Nas duas últimas décadas,

os homicídios capixabas mostraram-se concentrados na RMGV. Entre 1999 e 2005

os municípios que hoje compõem a RMGV chegaram a concentrar 75,4% dos

homicídios do Espírito Santo. Desde 2005, essa participação relativa vem reduzindo,

até alcançar o percentual de 63,7% em 2010.

Figura 4 - Participação relativa dos homicídios, segundo região - Espírito Santo 1979-2010

Fonte: MS; SESP, 2010.

2,9

2

0,9

0

8,6

7

11

8,1

8

11

5,3

7

81

,60

56

,44

52

,05

42

,79

37

,68

22

,72

16

,35

14

,51

11

,32

10

,91

2,5

2

4,5

7

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20,0

40,0

60,0

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Faixa etária

34,2%

75,4%

63,7% 65,8%

24,6%

36,3%

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

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1

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0

RMGV Demais Municípios

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Esse padrão de concentração dos homicídios deriva, sobretudo, do processo

de urbanização do Espírito Santo que se evidenciou centrado e concentrado na atual

área da RMGV, que congrega aproximadamente 48% da população estadual. A

organização socioespacial observada hoje nessa região é, em grande parte, reflexo

da acumulação histórica dos processos desencadeados a partir da década de 70,

cujos quais promoveram significativas alterações nas estruturas sociais,

econômicas, demográficas, dentre outras. Diversos fatores estruturais, a saber,

inchaço populacional, ineficiência de planejamento urbano e políticas sociais

adequadas, degradação urbana, acirramento das desigualdades socioeconômicas e

segregação socioespacial se correlacionaram nas décadas posteriores à

urbanização da década de 70 e passaram a influenciar o aumento dos índices

criminais na RMGV.

Para analisar esses índices foram confeccionados dois mapas de

concentração criminal, por meio do método de densidade de kernel, que favorecem

a identificação dos hotspots ou manchas quentes de crimes (SILVERMAN, 1986). O

primeiro apresenta a concentração dos crimes de homicídios dolosos e o outro dos

crimes de roubos a pessoa em via pública, de residência/condomínio e de veículo.

Assim o geoprocessamento, implementado por ferramentas do Sistema de

Informação Geográfica - SIG, dos crimes violentos contra a pessoa e contra o

patrimônio é analisado e correlacionado com a tipologia socioespacial de 2010

(RIBEIRO; RIBEIRO, 2011). Nesse sentido, os registros criminais foram trabalhados

tendo como recorte temporal este mesmo ano.

4 – Análise espacial dos crimes e da tipologia socioespacial na RMGV

Em 2010, a RMGV registrou 1.175 homicídios dolosos. O mapa dos

homicídios dolosos demonstra que aglomerados (clusters) de bairros de Serra

(grandes Planalto Serrano e Carapina, Feu Rosa e Vila Nova de Colares), Vitória

(grande São Pedro e conjunto de bairros da Ilha do Príncipe e seu entorno), Vila

Velha (conjuntos de bairros de São Torquato, Primeiro de Maio, Divino Espírito

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Santo, Terra Vermelha e seus entornos) e Cariacica (conjuntos de bairros de Flexal,

Bela Aurora e seus entornos) evidenciaram alta concentração de crimes letais.

No ano de 2010, a RMGV computou 8.271 roubos a pessoa em via pública,

de residência/condomínio e de veículo. O mapa dos roubos apresenta os clusters de

Vitória (Enseada do Suá, Praia do Canto, Barro Vermelho, Jardim da Penha, Centro

e Parque Moscoso), Vila Velha (Praia da Costa, Centro, Praia de Itaparica, Coqueiral

de Itaparica e Cobilândia) e Cariacica (conjunto de bairros de Campo Grande e seu

entorno) com alta concentração de crimes violentos contra o patrimônio.

Insta ressaltar que a causalidade da criminalidade violenta, devido à sua

complexidade, nunca se deve a um único fator, mas sempre a um conjunto de

fatores. Outra observação importante diz respeito às correlações espaciais. A

identificação de uma correlação geo-estatística entre duas variáveis, não implica,

necessariamente, que uma delas tenha como consequência a outra. Uma correlação

geo-estatística aponta para a existência de uma relação espacial entre dois fatores.

O nexo causal entre estes pode ser estabelecido por meio do desenvolvimento de

análises com outras variáveis, aprofundamento empírico, exploração da literatura

especializada e de estudos de casos em outras unidades geográficas que

corroboram ou não as correlações identificadas.

A análise cartográfica conjugada dos mapas de homicídios dolosos (Figura 5)

e de roubos (Figura 6) permite identificar certa correlação espacial negativa dos

hotspots criminais, ou seja, a criminalidade violenta destaca comportamento

diferencial para os delitos analisados. Os clusters de bairros que apresentaram altos

níveis de concentração de homicídios dolosos, na maioria dos casos, não

computaram altos níveis de concentração de roubos.

Esse padrão de distribuição espacial dos crimes pode ser influenciado por

uma série de fatores ligados à dinâmica criminal, aspectos demográficos, estrutura

socioeconômica e características do meio e infraestruturas urbanas (problemas de

iluminação dos espaços públicos, espaços residenciais desprovidos de elementos

de segurança, terrenos abandonados que propiciam locais de esconderijo para

infratores etc.).

Ao analisar o comportamento espacial dos crimes de homicídios e roubos,

tendo a tipologia socioespacial da RMGV (Figura 7) como pano de fundo, constata-

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se que a estrutura social e a organização social do território evidenciam indícios que

favorecem o entendimento de determinados padrões da violência.

A interpretação cartográfica, por meio do método overlay, dos mapas de

homicídios, roubos e da tipologia socioespacial da RMGV revela que as áreas com

concentração de crimes letais, geralmente, apresentam predomínio do tipo Popular,

ao passo que as áreas com concentração de crimes violentos contra o patrimônio,

na maioria dos casos, evidenciam predominância do tipo Superior-médio. As áreas

com prevalência do tipo Médio, em alguns exemplos, demonstraram concentração

tanto de homicídios (clusters de bairros de Divino Espírito Santo/Centro em Vila

Velha e Carapina/Jardim Limoeiro no município de Serra), quanto de roubos

(Cobilândia em Vila Velha). As regiões com predomínio do tipo Popular-agrícola não

registraram concentração significativa dos crimes aqui estudados.

A leitura conjugada dos três mapas citados permite identificar que as áreas

com predomínio do tipo Popular são mais vulneráveis aos crimes letais e as áreas

com prevalência do tipo Superior-médio estão mais suscetíveis aos crimes violentos

contra o patrimônio. Essa constatação pode parecer óbvia, pois, de acordo com a

literatura especializada (LIRA, 2007; MATTOS, 2011; ZANOTELLI et al., 2011;

SCHABBACH, 2013), as regiões mais privilegiadas das cidades, constituídas por

famílias com alta renda e que ostentam bens móveis e imóveis sofisticados, tem

uma maior propensão a registrar com maior frequência crimes com finalidade

patrimonial e financeira. Todavia, precisar os padrões de distribuição espacial dos

crimes, por meio do geoprocessamento, é fundamental para compreender a

criminalidade violenta e para a elaboração de ações preventivas e repressivas no

campo da segurança pública.

A análise espacial dos crimes de homicídios dolosos e roubos reforçam as

hipóteses trabalhadas na criminologia da desordem e desorganização social para o

primeiro tipo de crime, e por outro lado, de alvo atrativo, oportunidade e baixo

controle para o segundo tipo. Ou seja, crimes violentos, como homicídios, tendem a

ocorrer em espaços desorganizados física e socialmente, enquanto que, os roubos

costumam ocorrer em regiões economicamente atrativas, e em momentos de pouca

vigilância policial e comunitária. Consequentemente, a tipologia socioespacial

reafirma a presente análise, pois como visto, apontam ligação das regiões de tipo

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Popular com os crimes de homicídios (geralmente mais desorganizadas), e as

regiões Superior-médio com os roubos (geralmente mais atrativas

economicamente).

Figura 5 - Mapa de concentração dos homicídios dolosos, RMGV 2010

Fonte: SESP (2010).

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Figura 6 - Mapa de concentração dos roubos, RMGV 2010 Fonte: SESP (2010).

Figura 7 - Tipologia socioespacial, RMGV 2010 Fonte: IBGE (2000-2010); INCT - Observatório das Metrópoles - Núcleo Vitória (2013).

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5 – Considerações finais

Como visto, a distribuição espacial dos crimes não ocorre de maneira

homogênea pela trama urbana, desdobrando-se a partir de nuanças ligadas às

especificidades geográficas das diferentes zonas da região metropolitana estudada.

Dessa forma, o comportamento diferencial da violência urbana, evidenciado

pelos mapas de homicídios dolosos e roubos, provavelmente está em larga escala

influenciado pelas desigualdades sociais, econômicas e de infraestrutura. Tais

desigualdades evidenciam, em termo de processos, a segregação urbana, cuja

tendência de isolamento social é largamente criticada por Jacobs (2007). Esta última

autora, em especial, salienta a importância dos desenhos arquitetônicos e

urbanísticos privilegiarem os componentes da vigilância natural e da convivência

cidadã em prol de bairros e cidades mais seguras.

O aprofundamento da análise da tipologia socioespacial vinculada às

hipóteses já consagradas por estudos demográficos e pesquisas criminais, como a

desorganização social, oportunidade e vitimização, pode contribuir com o

desenvolvimento de pesquisas de grande relevância para a compreensão do

complexo fenômeno da criminalidade, sobretudo, em ambientes metropolitanos.

Referências

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