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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES
DEPARTAMENTO DE MÚSICA
INICIAÇÃO CIENTÍFICA
RELATÓRIO FINAL
ASPECTOS ESPACIAIS DA ARTE SONORA
PESQUISADOR: BORYS MARQUES DE CASTRO LAGE DUQUE
ORIENTADOR: PROF. DR. FERNANDO HENRIQUE DE OLIVEIRA IAZZETTA
AGÊNCIA FINANCIADORA: PIBIC - CNPq
São Paulo
2013
Aspectos espaciais da arte sonora – Borys Duque
Resumo
Esta pesquisa tem como proposta investigar o papel do espaço nas obras de Bernhard
Leitner e Christina Kubisch, trazidos aqui como representantes do universo da arte sonora. Observa-
se não apenas o espaço geométrico, mas aquele com características perceptivas, sociais,
psicológicas, acústicas e visuais. A arte sonora é examinada sob cinco aspectos: sonoridade,
tecnologia, interação, tempo e espaço, usados como ferramenta de análise para o estudo de caso dos
dois artistas. Por se tratar de um campo artístico híbrido, os referenciais são tanto as artes visuais
quanto a própria música. As obras de Leitner e Kubisch são divididas em grupos por afinidades
sonoro-espaciais, são levantadas características gerais de cada grupo e do repertório como um todo.
Os artistas são confrontados. Finalmente, extraem-se conceitos aplicáveis globalmente à arte
sonora.
Abstract
This research proposes to investigate the role of space in the works of Bernhard Leitner and
Christina Kubisch, brought here as representatives in the world of sound art. We observe not only
geometric space, but one with perceptual, social, psychological, acoustic and visual characteristics.
Sound art is examined in five respects: sound, technology, interaction, time and space, used as a
tool of analysis for the case study of the artists. Once it is a hybrid artistic field, references are both
visual arts and music itself. The works of Leitner and Kubisch are categorized into groups by
sound-space affinities; general characteristics are deduced from each group and from repertoire as a
whole. The artists are compared. Finally, concepts globally applicable to sound art are extracted.
Aspectos espaciais da arte sonora – Borys Duque
Apresentação..................................................................................5
Parte I – Arte Sonora .............................................................8
1. Precursores....................................................................................9
2. Características...........................................................................11
2.1. Terminologias.......................................................... 11 2.2. Concepções.............................................................. 13 2.3. Cinco Aspectos Fundamentais ............................. 16
2.3.1. Sonoridade .............................................................. 16 2.3.2. Tecnologia .............................................................. 16 2.3.3. Interação ................................................................. 17 2.3.4. Tempo ..................................................................... 18 2.3.5. Espaço ..................................................................... 18
3. Repertório e Artistas..........................................................22
3.1. Do recorte ................................................................ 23
Aspectos espaciais da arte sonora – Borys Duque
4
Parte II - Estudo de caso..................................................24
4. Bernhard Leitner.....................................................................25
4.1. Análise do repertório selecionado ........................ 28 4.1.1. Experimentação ..................................................... 31 4.1.2. Variações................................................................. 44 4.1.3. Parabólicas | refletores......................................... 48 4.1.4. Obras permanentes | arquiteturas sonoras ....... 50 4.1.5. Obras com ressonadores ...................................... 53 4.1.6. Obras atípicas ......................................................... 54
Conclusões ...................................................................... 55
5. Christina Kubisch....................................................................58
5.1. Análise do repertório selecionado ........................ 59 5.1.1. Indução eletromagnética ...................................... 60 5.1.2. Consecutio Temporum......................................... 68
5.2. Conclusões ............................................................... 70
6. Análises gerais...........................................................................71
6.1. Confrontação Leitner/Kubisch............................ 71 6.2. Apontamentos sobre Arte Sonora ....................... 73
Considerações finais .............................................................77
Referências bibliográficas ...............................................78
Aspectos espaciais da arte sonora – Borys Duque
Apresentação | 5
Apresentação
No início do século XX, assistimos a avanços técnicos, tecnológicos e conceituais que
possibilitaram maior exploração dos recursos sonoros enquanto ciência e enquanto arte. Os registros
fonográficos conferiram materialidade ao fenômeno sonoro e as ferramentas de medição e análise
permitiram seu manejo consciente e direcionado. As potencialidades do som passam a integrar o
quotidiano e a criação dos artistas. No campo da música, pintura, escultura, dança, teatro,
arquitetura e outras áreas mais novas, como vídeo e mídias eletrônicas, as artes vem seguindo uma
forte convergência no sentido de mesclar-se e influenciar-se mutuamente, até que, na década de
1970, um conjunto bastante grande de obras, artistas e exposições começou a aparecer
reiteradamente sob o termo arte sonora.
A assimilação do dado sonoro intrinsecamente ligado à natureza das obras deixou de ser
exclusividade da música. É claro que o som está presente no cinema, no radio, no teatro, etc. Agora,
apropriado pela arte sonora, o som adquire uma potência estrutural e significacional análoga a da
música pelo modo que se organiza internamente e se relaciona a elementos não-sonoros, externos a
ele. Em relação ao tempo, as obras não tem início e fim definidos, alterando a fruição temporal.
Inserida num processo de alargamento das artes visuais, a própria aceitação do termo arte
sonora – cuja etimologia oferece não mais que um sentido genérico, considerado inexpressivo por
muitos – não é unânime, mas é crescente sua utilização por artistas que assim enquadram seus
trabalhos. As difusas fronteiras dos campos de aplicação tornam imprecisa e verdadeiramente
desnecessária a demarcação de gêneros.
Nos anos 1960, multiplicam-se ações vanguardistas como as promovidas pelo grupo Fluxus
com os Happenings; as diversas intervenções em espaços tradicionais; a montagem de parafernálias
aparentemente desconexas que procuravam agregar conteúdo às Instalações; as paisagens sonoras
derivadas de recursos e idéias da música eletroacústica. A imbricação dessas e outras atividades
resultam em novas linguagens na década seguinte, como é o caso do surgimento da arte sonora.
Características são incorporadas, alterando onde, por quem e como é feita a arte, desde a ampliação
do espaço de atuação (com apropriação de espaços públicos) e do modo de atuação (integrando o
espectador), até o estimular de abstrações baseadas num dado contexto (referencialidade) e as
provocações sobre o olhar do observador herdadas dos ready mades de Duchamp.
Aspectos espaciais da arte sonora – Borys Duque
Apresentação | 6
A partida deste estudo foi relação som/espaço do ponto de vista artístico, motivado pelas
manifestações recorrentes no panorama cultural atual. Há tempos, o espaço da música tradicional
tem sido experimentado em diversas configurações de músicos, músicos e platéia, separação em
espaços adjacentes, ocupação até mesmo fora das salas de concerto, em espaços alternativos. Mais
recentemente, os recursos foram alargados devido à tecnologia e a mudanças nos hábitos sociais,
desde a música concreta. Procura-se, então, compreender os desdobramentos desses espaços de
exibição na arte sonora, culminando em tipologias mais ou menos representativas, em ambientes
internos e externos, com público passivo ou ativo.
Neste trabalho, investiga-se a exploração do espaço nas obras de Berhard Leitner e
Christina Kubisch qual um estudo de caso no âmbito da arte sonora. Para tanto, a abordagem do
tema consiste num exame geral sobre arte sonora, desde seu surgimento como tal, em meados da
década de 1970, procurando entender seu ideário a partir de artistas, obras, conceitos, linguagens,
estéticas, influências. A pesquisa propõe observar as relações entre som e espaço na arte sonora,
principalmente no tocante a interações estruturais e composicionais, considerando não apenas as
implicações acústicas do espaço arquitetônico, mas a utilização do espaço como elemento de
constituição e significação da obra.
Por questão didática, o estudo da arte sonora é feito pela abordagem de cinco aspectos,
sugeridos como fundamentais por Lílian Campesato em sua dissertação de mestrado Arte Sonora:
Uma Metamorfose das Musas (Campesato 2007: 7), quais sejam: sonoridade, tecnologia, interação,
tempo e espaço. Estes configuram tanto as matrizes de formação da arte sonora quanto sua prática.
Pretende-se maior aprofundamento no tópico espaço.
As obras levantadas de cada artista são examinadas, comparadas e divididas em grupos por
afinidades espaciais e formais em uma primeira fase do estudo. A seguir, são levantadas
características gerais de cada grupo e do repertório como um todo, configurando o perfil
programático do artista. Ulteriormente, Leitner e Kubisch são confrontados em alguns pontos de
destaque. Finalmente, munido dessas informações, procuram-se extrair noções relevantes e alguns
conceitos potencialmente aplicáveis globalmente à arte sonora. Algumas questões podem ser
pertinentes também a outros campos artísticos. As obras mostradas caso a caso em caráter
simplesmente expositivo, para serem, então, analisadas como um conjunto.
Aspectos espaciais da arte sonora – Borys Duque
Apresentação | 7
Os parâmetros musicais são referenciais para compreensão do som na arte sonora e na
identificação de conceitos, processos e estéticas envolvidos. Sonoridades, timbres, forma e não
forma, tempo liso e tempo estriado (Boulez 2007: 88), objeto sonoro (Schaeffer) são todos
elementos que, mesmo um pouco distantes historicamente, ainda orientam o universo dos sons, a
produção, a escuta.
Ao se extrapolar o campo da música (considerando a filosofia da arte ao lado do
pragmatismo da arquitetura) optou-se por uma abordagem mais fenomenológica do assunto,
conseqüentemente, reduzindo a importância das conexões metafóricas para as análises.
Este texto foi dividido em duas partes. A primeira traz um breve panorama da formação da
arte sonora, suas características principais e alguns de seus artistas. A segunda parte apresenta o
estudo de caso dos dois artistas escolhidos.
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Arte Sonora | 8
Parte I – Arte Sonora
Retângulos e labirintos preenchidos com alto-falantes e telas. Eles estão acima dos objetos esculturais arquitetando e esculpindo um espaço. São também instrumentos para reprodução de imagens e sons, superfícies para sua disseminação, mas também metáforas da atividade que os produz, do significado desta atividade e do seu modo de criar mundos.
Rancière 2002: 17
A epígrafe acima monta uma imagem sobre as atividades que vêm se desenvolvendo nas
últimas décadas, mistura de estilos e gostos, mas sobretudo de técnicas e objetivos.
Arte sonora refere-se a um conjunto bastante amplo e distinto de atividades e linguagens
artísticas, tentando simplificar o enquadramento de tais atividades no universo das artes, sem rotulá-
las, no entanto, segundo uma técnica, estética ou um meio de produção específico. Num primeiro
contato, pode parecer que arte sonora refere-se exclusivamente à arte do som ou arte feita com
sons. No começo dos anos 1980, houve um crescente número de exposições de artes visuais
voltadas para o som, mas incluíam também subgêneros tais como música, arte cinética,
instrumentos ativados pelo vento ou tocados pelo público, arte conceitual, efeitos sonoros,
gravações de textos e poesias, obras visuais que produzem som, pinturas de instrumentos musicais,
autômatos musicais, filmes, vídeos, demonstrações tecnológicas e acústicas, programas de
computador interativos que produzem som, etc.
Em relação às obras dos artistas, o som ocupa uma infinidade de funções e seu emprego
normalmente está ligado a uma outra mídia, ambas estáticas e baseadas no tempo. Como resultado,
não é possível deduzir agrupamentos distintos de artistas sonoros de modo que possam se
identificar em uma ou outra prática artística. Assim, os artistas sonoros iniciam suas carreiras em
momentos e ambientes diferentes em suas vidas, muito antes dos centros de arte metropolitanos –
com seus mercados, instituições e discursos – descobrirem o que se passou a chamar de arte sonora.
Observam-se a seguir algumas referências importantes para a formação da arte sonora. De
um lado, a música vem descobrindo relações externas há algum tempo, principalmente no que
concerne à espacialidade, e atinge um ponto culminante no século XX. De outro, as outras artes
intensificam os intercâmbios e as extrapolações.
Aspectos espaciais da arte sonora – Borys Duque
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1. Precursores
Para compreensão da arte sonora, buscam-se indicadores referentes à sua base estrutural,
que são considerados, conforme mencionado anteriormente, os aspectos sonoridade, tecnologia,
interação, tempo e espaço. Para tanto são trazidas referências historicamente concretas que lidam
com estes temas. A música trabalha com sonoridades, tempo e vem tentando incorporar o espaço; as
artes plásticas lidam com o espaço e com aspectos estéticos visuais; as artes performáticas lidam
com espaço, tempo, interação e indiretamente com o som; a tecnologia sempre esteve presente em
todas, mas como um background elementar.
Contexto histórico-musical
A espacialização musical não é novidade, já aparece no projeto acústico das arenas da
Grécia antiga. Mas as implicações musicais dentro da tradição ocidental remontam ao renascimento
com as peças de Giovanni Gabrieli, que distribuía cantores em diferentes posições. Até o final do
século XIX, com Mahler, este tipo de programação persistiu.
A mudança de paradigma no som ocorre de fato no século XX a partir de Erik Satie e a
Musique d’Ameublement (música de mobília). Depois com Russolo e suas maquinas de barulho
conhecidas como intonarumori, Benjamin e o rédio, Ruttman e MacLaren com o “cinema sem
imagens”.
Os avanços técnicos, tecnológicos e conceituais possibilitaram uma maior exploração dos
recursos sonoros. Os registros fonográficos conferiram materialidade ao som e as ferramentas de
medição e análise permitiram seu manejo. As potencialidades do som passam a integrar o
quotidiano e a criação dos artistas com os trabalhos em estúdio.
A música após 1948
O salto decisivo ocorreu na década de 1950, nascido de três acontecimentos marcantes em
1948: os experimentos iniciais de Pierre Schaeffer, primeiro trabalho de Cage com silêncio e
gravação elétrica de Muddy Waters. Naquele momento, as artes plásticas viviam o expressionismo
abstrato.
Passaram a se desenvolver outros pólos artísticos e tecnológicos, principalmente na
Alemanha, com a criação da música eletrônica. Os trabalhos de Stockhausen e outros criam e
Aspectos espaciais da arte sonora – Borys Duque
Arte Sonora | 10
manipular sons eletronicamente bem como difusão. Abriu-se campo para a acusmática e a difusão
sonora por alto-falantes.
Esses procedimentos já aparecem na construção do Pavilhão Philips por Le Corbusier e
Xenakis em 1958, com exploração da difusão espacial dos sons no Poème Électronique de Verèse.
À música eletroacústica, partir dos anos de 1950, somam-se o surgimento dos happenings e das
instalações na década de 1960.
Mundo das Artes
Uma característica da arte contemporânea, segundo Seth Kim-Cohen (2009: 261), é a
rejeição dos sistemas existentes. Isto se dá pela proposição de um outro modo de abordar as práticas
artísticas, sejam elas quais forem: ou mergulhando nos pontos fundamentais dessas práticas ou
saltando para o que é externo a elas. A primeira opção pode levar ao hermetismo da linguagem,
explorando ao extremo suas características internas, criando conceitos abstratos e analogias quase
incompreensíveis para que vê de fora. A segunda opção amplia e cria hibridismos.
Esta tendência de relacionar som e imagem visual, ou seja, de expandir pontos de vista para
além do próprio domínio, amplia a compreensão daquele domínio, do outro e da relação entre
ambos.
Convergências
As atividades humanas se interpenetram. No campo da arte, este caminho parece levar ao
cruzamento de linguagens, verdadeiros experimentos em que, por exemplo, uma música possa ser
pensada independentemente da audição, ou uma composição espacial atenda a proporções
temporais. Com a bagagem histórica até as décadas de 1960 e 1970, a partir de linguagens já
hibridizadas algumas atividades convergem para a arte sonora.
Dentre as principais categorias geradoras estão a paisagem sonora, a performance, a
escultura sonora, o happening, etc.
Campesato destaca Installation Art, Performance Art e Música Eletroacústica como sendo
as principais referências para formação da arte sonora (Campesato 2007: 28). Estas modalidades
colaboram também para a compreensão do repertório.
Trabalhos voltados ao som e as instalações surgiram no mesmo momento que a vídeo-arte,
fator que certamente aproximou seus elementos constituintes e os incorpora posteriormente na arte
sonora.
Aspectos espaciais da arte sonora – Borys Duque
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2. Características
2.1. Terminologias
Muitas vezes, como ocorre no estudo da história em geral, o estabelecimento de fases ou
períodos é impreciso e/ou arbitrário, apropriando-se de um evento específico para delimitar uma
passagem histórica. No caso da arte sonora, o termo foi empregado institucionalmente pela primeira
vez em 1982. A William Hellermann’s Sound Art Foundation inicialmente trabalhava com “música
experimental” ou “nova música” e organizou sua primeira mostra de escultura sonora e outros
trabalhos exibíveis no Sculpture Center em 1983 (Licht 2007: 11). Mesmo após ampla aceitação do
termo, continuam a aparecer outras denominações sugeridas por artistas que as julgam mais
apropriadas para descrever sua produção pessoal ou um conjunto específico de trabalhos.
Termos como sonic art, audio art, tone art e sound art podem ser sinônimos e representam
a variedade de intenções no uso do som em arte. Dependendo da área de origem do artista, este
pode preferir uma ou outra versão, mas também tem um apelo pessoal. Até a consolidação de um
termo predominante (sound art se estabeleceu mais fortemente), a disputa principal era por uma
diferenciação da música, arte do som por excelência. “É sempre difícil classificar [arte sonora]. O
campo da música diz que não é música suficiente e o campo da arte diz que é música demais”
(Kubisch apud Metzger 2000: 88).
A influência da paisagem sonora (soundscape) nas arte plástica, nos anos 1960, já indicava
um preocupação com a “ecologia” do som. Outras produções apareceram em direção semelhante,
sob os termos land art e earthworks. Estes trabalhos estavam voltados aos sons do entorno, ao
ambiente sonoro, ao fato de que a vida quotidiana está imersa em som.
Outra fonte referencial é a sound installation (instalação sonora), que hoje carrega maiores
significados, originou-se de apresentações musicais de Max Neuhaus, com ambiente preparado
exclusivamente, que procuravam ampliar o envolvimento com o público e as formas musicais sem
um início ou fim. A ocupação do espaço era colocado como uma das questões centrais. Surge uma
especialização do espaço, em que cada obra está fortemente vinculada ao local de instalação, num
local específico – site specific.
Na escultura sonora, Tinguely, Bertoia e os irmãos Baschet iniciaram seus trabalhos nos
anos 1950-1960, com artefatos que eram literalmente esculturas que soavam. Tinguely seguia os
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preceitos de Russolo, com criaturas mecânicas compostas de microfones, alto-falantes e engre-
nagens, até emergir a eletroeletrônica e os computadores acessíveis nos anos 1980. Diferentemente
das instalações, as esculturas concentram o desenvolvimento do dado sonoro em um objeto, em vez
de se desdobrar no entorno.
Sobre a diversidade de atividades ainda presentes na produção da chamada arte sonora,
Christina Kubisch dá sua opinião prática: “termos não são importantes para mim. Instalação sonora
é o mesmo que espaço sonoro ou sala sonora. Esculturas sonoras, por outro lado, são objetos que se
podem transportar e repetir” (Kubisch apud Metzger 2000: 87).
Na língua inglesa, o termo art refere-se às artes plásticas e artes visuais, não incluindo a
música e outros campos como teatro, dança, literatura, cinema etc. Deste modo, sound art é
indicativo de uma atividade mista, porém baseada naqueles gêneros visuais, e que acrescenta o som
em sua composição. Representa uma orientação prática dos anos 1960 que fundamentou a
miscigenação artística a partir das artes plásticas, especialmente escultura e instalação. Entretanto, o
modo como o som é utilizado e sua interferência no processo global de criação sugerem outras
fontes de embasamento (como o próprio som ou os processos artísticos) uma vez que todos os
rudimentos têm sua importância colaborativa. Naquele momento, artistas não-músicos se
identificam com idéias, procedimentos técnicos e realizações ligadas à música eletroacústica
advindos da escuta reduzida e da acusmática, e especialmente na reflexão sobre o próprio som, seja
pela arte ou pela ciência (acústica, fisiologia, psicologia etc.). Já constituição e apresentação das
obras se aproximam do happening e da performance art.
Há ainda uma diferenciação entre a expressão arte sonora em inglês – sound art – e em
alemão – Klangkunst. Sound denota uma acepção bastante ampla do fenômeno físico: som. Na
Alemanha, Klangkunst é uma área mais específica, visto que Klang significa som num sentido mais
próximo da música, e Tone exprime uma idéia mais ampla, como sound. Estas acepções serão
melhor detalhadas a seguir, no tópico Concepções.
Aspectos espaciais da arte sonora – Borys Duque
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2.2. Concepções
Caracterizar arte sonora significa mapear alguns princípios norteadores de uma atividade
artística ainda em desenvolvimento; não se lhe pode dar atributos de um gênero autônomo, uma
nova arte, tampouco enquadrá-la como subcategoria das artes visuais.
Padrões e gostos mudam, refletidos em diferentes técnicas, cores e formas, timbres e
freqüências. Definições estéticas se metamorfoseiam ao longo da história, sensações são
representadas em entidades concretas, alternam-se abstração e figuração. A essência material na
constituição da obra de arte é constante, já caráter introspectivo, mental, parece ter alcançado status
de destaque no século XX a partir da arte conceitual, de Duchamp ao grupo Fluxus. O termo
“conceitual” é muitas vezes depreciativo mas, recorrendo-se à essência, sua influência é inegável.
Essa busca da mediação da obra de arte pelas experiências pessoais e sociais do espectador é
reinterpretada ao se destacar o aspecto sensorial na arte contemporânea, em que são criados
artifícios que lhe provoquem sensações mais que simplesmente estimular os sentidos.
Um campo para possível especulação são os meios de produção. A utilização das mais
diversas ferramentas, técnicas, métodos e condutas de criação corrobora com a idéia de hibridismo
de linguagens. Destaca-se, entretanto, um retorno a procedimentos mais artesanais em resposta à
mecanização1 do período anterior. O trabalho mais próximo ao material permite extrapolar
conteúdo e significado, conectando-o a uma outra linguagem.
Diferente da arte conceitual do período anterior, a arte sonora tem bases mais atreladas à
fenomenologia, por questões práticas de aproximação com o espectador mas também por suas
implicações científicas. Seguindo as referências de Husserl, mediadas por Schaeffer, de Merleau-
Ponty, por Chion, e de Heidegger, por Cage, vemos uma vasta aplicação dos conceitos
fenomenológicos.
O trabalho de Pierre Schaeffer (teórico, compositor e inventor da música concreta) carrega
uma relação complexa com a escola filosófica da fenomenologia. Embora seja freqüentemente visto
como trabalhando na periferia deste movimento, Kane argumenta que “o esforço de Schaeffer de
fundamentar obras musicais numa disciplina ‘híbrida’ é quase ortodoxo, modelado na crítica
fundamental de Husserl de ambos ‘realismo’ e ‘psicologismo’ lógicos” (Kane 2007: 15)
1 Entende-se por mecanização a utilização de processos que facilitem, automatizem e intensifiquem a produção das obras, como, por exemplo, o desenvolvimento de computadores e algoritmos para composição musical, a criação de música, performance, happening baseados em instruções para execução, reprodução de estilos ou gêneros etc.
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Já Merleau-Ponty, considerado por muitos como um avanço do pensamento husserliano
sobre percepção, é tomado como base por Michel Chion para relacionar os fenômenos aos sentidos,
como por exemplo, juntar visão, audição e tato por meio do som: “nós chamamos de trans-
sensoriais as percepções que não são de nenhum sentido em particular, mas podem buscar o canal
de um ou de outro, sem que seu conteúdo ou seu efeito seja restrito aos limites deste sentido”
(Chion 2002: 56)
A escuta, a intenção de escuta e o silêncio, trazidos à tona principalmente por Schaeffer e
Cage, permanecem para além da música. O som concreto e o ruído são expostos com sua carga
simbólica e imagética ao lado de outros princípios revelados pelas artes visuais, em que o contexto
é incluído. A obra tem suas relações acima do objeto em si. Na “contextualização”, o envolvimento
do observador é imprescindível: sua participação, a interação sobrepondo-se à contemplação. O
corpo, herdado da dança e do teatro, completa a obra em sua totalidade.
Uma das principais características é a mediação tecnológica, cada vez mais apropriando-se
de novas mídias e recursos eletrônicos, não apenas como elemento de construção das obras, mas
num papel fundamental de ligação com o público, permitindo maior interação.
Lidar com tempo e espaço sofre grandes alterações ao longo no século, culminando numa
relação imbricada, detalhada mais adiante.
Em 2009, os suecos Andreas Engström e Åsa Stjerna publicaram o resultado de uma
pesquisa que levantou a literatura existente sobre arte sonora até então. Buscaram em diferentes
idiomas, com retorno majoritário em inglês2 (Sound Art) e em alemão (Klangkunst). A seguir,
apresentamos um quadro comparativo fundamentado no artigo (Engström and Stjerna 2009: 11-18).
A divisão é um pouco vaga e carrega ainda imprecisões de definição e terminologia, mas ajuda a
ilustrar algumas tendências particulares da arte sonora germânica, berço de Leitner (Áustria) e
Kubisch (Alemanha), que serão trazidos no estudo de caso da segunda parte.
2 Foi encontrado um número maior de artigos e textos em inglês, como é de se supor, uma vez que seja o idioma internacional por excelência, mas parece que os autores da pesquisa conseguiram discriminar razoavelmente quais textos se aplicam a cada uma das “versões” da sound art. Considera-se positivo também o uso de arte sonora (em português) em detrimento dos estrangeirismos.
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Comparação entre sound art e Klangkunst levantada por Engström & Stjerna
quadro-resumo
Sound art
não-performática ‹ -
independente ou ligada a centros de exposição ‹ -
abordagem ampla do campo artístico ‹ -
categoria estética ‹ - referência à qualidade estética interna do som •
perspectivas culturais •
a preocupação espacial não é específica ‹ -
simultaneidade entre material sonoro e espaço ‹ -
conceito expandido de escultura ‹ -
desconstrução temporal no contexto da música ‹ - aplicação do processo não-teleológico do som •
voltado à experiência sonora: sound-in-itself (Cox 2003) ‹ -
fenomenologia acústica ‹ -
novas tecnologias em paisagem sonora e design de som ‹ -
relação com a tradição musical ‹ - música concreta e experimentalismo •
um tipo ‘alternativo’ de música • fruto da divisão entre música e sons •
equivalente musical dos ready-made de Duchamp •
som como fluxo contínuo ‹ -
arte sonora: som combinado com artes visuais ‹ - mantém certa distinção entre visual e auditivo •
referências musicológicas e filosóficas atualizadas ‹ -
mudança na concepção tradicional de música ‹ -
a música convertida em som como som (Cox 2006) •
Klangkunst
-› não-performática
-› fortemente ligada ao meio acadêmico
-› tendência a adquirir status de gênero
-› aspectos conceituais • memória afetiva, sensação, história de um lugar, etc.
-› a preocupação espacial é direcionada
-› fusão entre material sonoro e espaço • sem divisão entre artes do espaço / artes do tempo
-› ligado a esculturas e instalações
-› desconstrução temporal no contexto tempo-espaço • tratamento conjugado de tempo e espaço
-› evita uma orientação estritamente sonora
-› um campo da musicologia
-› atenção ao discurso da paisagem sonora
-› distanciamento da música eletroacústica e acusmática
-› relativização do tempo e vínculo com o espaço
-› equivalência arte sonora / instalação (Metzger 2006) • instalação é categoria da arte sonora e vice-versa
-› referências musicológicas e filosóficas antigas • desatualização acerca de site specificity
-› raiz sinestésica: visão e audição ligam tempo e espaço
Aspectos espaciais da arte sonora – Borys Duque
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2.3. Cinco Aspectos Fundamentais
2.3.1. Sonoridade
Muitos dos artistas sonoros não vêm da música e lidam com os sons com menos
convencionalismo que um músico. A tradição musical estabeleceu regras cada vez mais precisas
(não necessariamente mais rígidas) que levavam os compositores a atividades mais objetivas
profissionalmente. A complexidade reside ao lidar com as camadas sonoras de uma composição,
sobrepostas e encadeadas, criadas racionalmente. Tudo está interligado e a escolha do material se
torna a primeira decisão. Se de um lado, a compreensão composicional ajuda a criar algo
interessante auditivamente, de outro, a livre busca por sons permite adequar-se melhor ao ambiente
e à situação. O entendimento do som por músicos e não-músicos coloca em diálogo as experiências
dos artistas atuantes em arte sonora. Um ponto comum pode ser o que John Cage apresenta em
1952 no seu TACET, ao expor sons além daqueles causados intencionalmente, mas ouvidos
cuidadosamente. Som, ruído, silêncio a partir de Schaeffer e Cage. Estimula-se a pro atividade do
ouvinte.
A música tem sido uma linguagem auto-referencial, desvinculada de elementos extra-
musicais, em que cada elemento musical tende a estabelecer uma rede de conexões com outros
elementos do próprio discurso musical, cria relações abstratas com o som. Mas o caráter
experimental permanece.
Com a proposta de materialização do som com os objetos sonoros, Schaeffer cria a musique
concrète (música concreta), expandindo não somente os sons, mas principalmente a escuta, através
da qual os sons são de fato possíveis. Paralelamente surge a elektronische musik em Colônia,
Alemanha, preocupada com a nova tradição do serialismo – os timbres sintetizados eletronicamente
são dirigidos a esta linguagem. Em um ou em outro caso persiste certa tendência abstrata de
“musicalização” dos sons.
2.3.2. Tecnologia
Agora, no saudável embate filosófico entre fenomenologia e simbologia (metáforas), com
paradigmas de sensação e sentimento, afloram com bastante liberdade fontes sonoras naturais,
mecânicas, elétricas e eletrônicas.
De fato, a tecnologia sempre fez parte da produção artística, pois o própria evolução dos
instrumentos musicais depende dela para acontecer. Como vimos, os avanços técnicos, tecnológicos
Aspectos espaciais da arte sonora – Borys Duque
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e conceituais possibilitaram maior exploração dos recursos sonoros enquanto ciência e enquanto
arte. Os registros fonográficos conferiram materialidade ao fenômeno sonoro e as ferramentas de
medição e análise permitiram sua utilização. As potencialidades do som passam a integrar o
quotidiano e a criação dos artistas. O que aporta de modo determinante é o deslocamento da ênfase
do processo de produção para a recepção (audição) como experiência cultural. Todo o trabalho
baseado na escuta também se reflete no uso do alto-falante (o escutador) como instrumento. Ao
ouvir uma reprodução em locais e situações diferentes, o som de descontextualiza provocando, na
mediação, nova contextualização.
Este percurso histórico da materialização do som – captação, armazenamento, reprodução,
amplificação e remodelagem – incrementa a produção artística baseada no som, mas principalmente
cria um novo canal de comunicação, rompendo a barreira entre os meios de atuação da arte.
Sobre o que tem mudado desde os primeiros trabalhos híbridos nos anos 1970, Christina
Kubisch afirma que os “desenvolvimentos tecnológicos mudaram em particular e têm muito a ver
com a ascensão da arte sonora” (Metzger 2000: 87).
Com as atenções voltadas para a escuta, o receptor (ouvinte/público/visitante) toma uma
posição pivô na composição das obras.
2.3.3. Interação
Se o foco visual da performance de um músico ou um grupo é removido e os ouvintes não
mais são compelidos a se sentar em assentos fixos, mas podem se movimentar livremente pelo
espaço, é possível uma percepção espacial muito mais forte. Esta é a proposta de interatividade da
arte sonora, permitir que a pessoa usufrua livremente dos recursos em vez de uma programação
definida ou um objetivo previsto.
Existe aí um legado importante da escultura, mais especificamente do modo de apreciá-la.
Exige do observador um interesse em buscar vários ângulos de visão para apreender a obra como
um todo; o visitante a encara, espera dela diferentes manifestações. Diferente da performance, por
exemplo, que vai atrás da atenção do espectador.
“Nós todos vivemos numa Société ludique (Alain Cotte), que é incessantemente ameaçada
pelo tédio e invadida pelo jogo/brincadeira (jeu). Cabe a você escolher seu ‘papel’ dessa ‘sociedade
do espetáculo’: ator ou espectador” (Hosokawa 1984: 179).
Aspectos espaciais da arte sonora – Borys Duque
Arte Sonora | 18
Os atores mudam, as referências mudam, muda igualmente a fruição temporal. Cada
execução proporciona uma obra pela primeira vez.
2.3.4. Tempo
A música é unanimemente enquadrada nas arte do tempo, pois baseia-se no som, que
essencialmente é um fenômeno temporal. Só se pode perceber o tempo graças a mudanças de
estado, alterações. Pela ação da memória, identificam-se pontos de referência no decorrer das
transformações. Se tais indicadores são imateriais, se tais parâmetros mesmo mensuráveis não são
palpáveis, então este sistema fluido se manifesta abstratamente. O som é uma entidade vaga que
preenche o tempo.
A música elabora mecanismos de manipulação da informação temporal modelando o sons e
criando formas no tempo – as formas musicais – que descrevem arcos narrativos inteligíveis. O
discurso musical conduz uma estrutura teleológica, dialogando com a capacidade de percepção do
ouvinte, em que cada passo é cuidadosamente composta num encadeamento paulatino de ações,
penetrações, sentimentos. A música se organiza no tempo.
Arte sonora se apropria de referenciais análogos aos da música. Análogos porque não são
semelhantes, estão em outro nível. O fenômeno é compreendido, atribuindo ao som características
materiais, o que permite repousar um som num canto da sala. O som passa a ser matéria escultórica,
congelando-o no tempo pelo período que se queira.
Múltiplas escalas temporais subseguem àquelas da música, se sobrepõem, se encadeiam. O
tempo que cada espectador atribui à obra depende do envolvimento psicológico (tempo interior),
cinético (percurso e fruição) e da interação destes dois. Na prática, é o espectador que define,
consciente e inconscientemente, a duração da obra.
Pode haver, é claro, músicas menos temporais e obras de arte sonora mais temporais, já que
outros parâmetros também estão em questão. Na arte sonora, a materialização do som e
conseqüente congelamento do tempo trazem à tona o espaço como meio de dialogo.
2.3.5. Espaço
A famigerada experiência de Cage em uma câmara anecóica expandiu o modo como a
cultura ocidental lida com o som: “não existe tal coisa, um espaço vazio ou um tempo vazio. Há
sempre algo para se ver, para se ouvir” (Cage 1957: 8 apud Cox 2009: 23). Não existe silêncio
Aspectos espaciais da arte sonora – Borys Duque
Arte Sonora | 19
absoluto. Em vez disso, podemos inferir que há suspensão da massa sonora referencial, do som
predominante, restando apenas a matéria silente: “o som existe em relativo silêncio, impondo-se
facilmente como uma indesejada interrupção. (...) O que existe antes e depois da interrupção tem
uma maior potência” (Toop 2004: 41). Os “vazios” percebidos antes e depois de uma manifestação
sonora não devem ser entendidos como “não-som” ou “anti-som”, mas como substância de igual
importância. No vocabulário japonês, a palavra Ma significa “intervalo”, percebido indistintamente
no tempo e no espaço (Bailey 2009: 324). Ma é a parte amorfa do mundo audível a que chamamos
silêncio; é também a escuridão ao redor das estrelas.
De modo similar, a arquitetura erige espaços constituídos de aberturas e massas fechadas,
cheios e vazios. O espaço arquitetônico – e por que não dizer todo espaço – é a porção geométrica
livre e fluida pela qual fluímos, mas o que vemos e compreendemos são os elementos maciços que
o circundam e são por ele circundados. O espaço tanto pode ser percebido como a totalidade
tridimensional do universo que comporta objetos, os próprios objetos quanto, a lacuna existente
entre eles.
Em arte, esses elementos contrastantes sempre foram postos em diálogo, ora em equilíbrio,
ora rompendo-o. Massa versus plano de fundo, cheio e vazio, luz e sombra. Arquitetura e som
criam espaços flexíveis com a mudança dos contornos, criam territórios invisíveis de maior impacto
por não se limitarem a fronteiras físicas. A arquitetura é visual e tátil e expressa a vontade de
estabelecer limites e fronteiras, mas esses limites são elementares e não podem transmitir a
completa imersão da arquitetura. Através de sua própria essência interior, cria um exterior. O
exterior de um edifício cria novos espaços e todas as interconexões sutis que fazem a riqueza da
cidade.
Entenda-se espaço como um organismo constituído de objetos e as ligações concretas e
abstratas entre eles. A percepção abrangente do espaço se estabelece por meio da visão (a luz
cobrindo a geometria tridimensional) e da audição (som, acústica e psicoacústica), e esta, por sua
vez, permite-nos conectar espaço e tempo. “Visão e audição se complementam para se tornar uma
experiência espacial holística que é intensificada, suplementada e acrescentada por outros sentidos e
percebida através do movimento do corpo no espaço” (Rüth 2006: 237 apud Klein 2009: 101).
O espaço é utilizado como elemento de constituição e significação nas obras.
Aspectos espaciais da arte sonora – Borys Duque
Arte Sonora | 20
Cubo branco | cubo preto
A arte era colocada em locais de uso comum, sem um espaço especialmente projetado para
ela. Palácios e museus mantinham o padrão de arquitetura usualmente empregados. A obra de arte
se destacava das paredes por ser obra de arte. A música ocupava os salões da nobreza. Nos espaços
urbanos da burguesia este mesmo modelo prevalecia.
No século XX, o espaço da arte, de sua veiculação, esteve voltado à obra em si, recebendo-a
num ambiente neutro, asséptico, para sua devida apreciação estética. Isolada de referências externas
numa espécie de cubo branco, a arte pode se desenvolver, se apresentar.
Mas a partir do momento que conceitos se expandem, com avanços científicos e misturas
artísticas, e o meio interage com as composições, o objeto passa a fazer parte de um contexto, deixa
de ser independente do entorno e o incorpora para um significado total. O observador é posto
imerso no círculo da obra e interage, não mais se relacionando à distância. O espaço sagrado deixa
de existir. A neutralidade é então sugerida pela imersão do público num recinto de paredes escuras,
que desaparecem com a ambientação apropriada (iluminação, etc.).
Lugar | Site-specific
Com a quebra de barreiras entre as linguagens, os locais de apresentação/exibição das obras
torna-se obsoleto, qualquer que seja sua configuração. Cada trabalho exige uma abordagem
específica. Além de construir a obra, monta-se seu entorno, que na verdade também faz parte da
obra. Como as galerias não atendem mais suas necessidades, os artistas procuram locais
alternativos, ocupando também espaços externos e locais públicos.
Este processo se dá pela desmaterialização da arte, em que a instalação pressupõe inúmeros
conceitos com resultado prático significando literalmente ter que instalar uma obra, preparar o
ambiente para recebê-la. Existe uma especificidade do local (site specificity)
O conceito de site specific começou com a instalações, que se ligavam inextricavelmente ao
local. Um lugar é um local com atributos particulares, que incluem sua história, seu uso, sua
aparência, sua não reprodutibilidade. Mesmo que a construção em si possa ser reproduzida em outro
local, o lugar do qual ela faz parte não poderá. Em escala menor3, foi o que a instalação propôs.
3 Geralmente em escala menor, mas evidentemente existem obras extensíssimas a exemplo das da dupla de artistas conhecida como Christo.
Aspectos espaciais da arte sonora – Borys Duque
Arte Sonora | 21
Espaço acústico | arquitetura aural
A avaliação do espaço sonoro está baseada cientificamente no campo da acústica. Os
espaços devem estar adequados à ergonomia geral, incluindo audição. O tempo de reverberação de
umas sala, por exemplo, é fator decisivo para direcionamento de uso para uma ou outra atividade.
Muito da criação artística, musical, tem sido feita sobre estes valores intuitivamente, a exemplo da
forma que a homofonia se desenvolveu nas grandes igrejas em detrimento da polifonia, ou as longas
pausas para ouvir o decaimento do som.
Mesmo quando se mantém uma mesma fonte sonora (instrumentos, etc.) em diferentes
lugares, o resultado é variável. Surge o que se pode chamar de metainstrumentos; eles incorporam
qualidades sonoras do local. Justamente esta é a base da peça I’m sitting in a room, de Alvim Lucier
que, ao repetir o processo de gravação e reprodução do texto narrado numa sala, destaca seu aspecto
acústico, independente da fonte sonora.
Concepções espaciais na arte sonora
Identificam-se alguns demarcadores espaciais: arquitetura, objetos, luz, som...
Luz: “Num momento em que as artes estavam se libertando das superfícies visíveis para
revelarem estruturas ocultas e configurações secretas, para tornar visível o invisível, é
surpreendente que a luz tenha se tornado fundamental meio da prática artística contemporânea
(Ahrens 2000: 56).
Objeto sonoro: uma redefinição do termo. Originalmente cunhado por Schaeffer, restrito ao
fenômeno sonoro “imaterial”, é literalmente uma entidade sonora, mínima, com qualidades auto-
suficientes e independente da fonte de origem, um ser feito de som. Na arte sonora, objeto sonoro
passa a ser usado para indicar um artefato físico, um objeto concreto que emite som. Demarca
visual e auditivamente um lugar. Devido a suas dimensões reduzidas, “o som eletroacústico se
caracteriza por uma ‘temporalidade’ enfraquecida e uma ‘espacialidade’ reforçada” (Genevois
1998: 12), um vez que sua dispersão é mais livre e ampla.
“O objetivo musicológico reside em recriar o melhor modelo já concebido para ouvir o som:
o estúdio de áudio. (...) Sob tais circunstâncias, não é concebível imaginar uma trajetória conceitual
no modo como os curadores costumam proceder. (...) Museus ainda não têm agregado uma
museologia perfeitamente adequada a estes tipos de produto (Assche 2002: 11-12).
Aspectos espaciais da arte sonora – Borys Duque
Arte Sonora | 22
3. Repertório e Artistas
Desde o início da música eletroacústica, nas décadas de 1940 e 1950, a Alemanha esteve –
juntamente com a França, num primeiro momento – à frente da exploração do som sob uma visão
mais ampla do que aquela abordagem da música ocidental tradicional. Na Europa central, as
vanguardas estéticas, acompanhadas de desenvolvimentos técnicos e tecnológicos, levaram à
proliferação linguagens artísticas nas décadas que se seguiram, que acabaram por se influenciar e se
inter-relacionar. Nos anos ’60 e 70’, estabeleceu-se uma polarização entre Europa central e Estados
Unidos, país em que se radicaram muito artistas.
Na arte sonora, as atividades são bastante dispersas geograficamente, entretanto pode-se
destacar algumas convergências:
“Os ‘centros’ de música não são os mesmos das artes visuais. Dai decorre a necessidade de elaborar uma nova topografia internacional de criação. Uma cartografia emergiu, destacando trajetórias: Berlim/Londres, Kingston/Detroit/Londres, Viena/Nova York, México, Bruxelas/Schefield; e também cidades como Marselha, Nantes Manchester e Porto” (Assche 2002: 10-11).
As metrópoles artísticas do meio do século mantêm sua participação, mas dividem sua força
com outros pólos influenciados por atividades antes tidas como alternativas.
“Que a primeira geração de artistas sonoros (Annea Lockwood, Bill Fontana, La Monte
Young, Maryanne Amancher, Bernhard Leitner, Max Neuhaus) surgiu nos anos ‘60 e início dos ’70
no mesmo momento que os Earthworks e os Land artists não pode simplesmente ser coincidência”
(Licht 2007: 124). Pode-se acrescentar ainda, Alvin Lucier, Felix Hess, Rolf Julius e Christina
Kubisch como pertencentes à primeira geração. Artistas como Robin Minard (1953), Janet Cardif
(1957), Christian Marclay (1955), Steve Roden (1964), Stephen Vitiello (1964), dentre muitos
outros, configuram uma “segunda” geração que segue até os dias atuais.
Como visto em 2.2. Concepções, existem duas correntes mais fortes, uma anglófona e uma
germanófona; desta última, comenta-se que:
Alguns dos artistas recorrentes em publicações e artigos são Berhard Leitner, Rolf Julius, Christina Kubisch, Ulrich Eller, Robin Minard, Bill Fontana, Max Neuhaus, Hans-Peter Kuhn, Akio Suzuki e Andreas Oldörp. Nem todos são alemães, porém muitos têm tomado a Alemanha como sede ou trabalhado lá em diferentes projetos, e se enquadram no conceito germânico de Klangkunst. (Engström and Stjerna 2009: 15).
Aspectos espaciais da arte sonora – Borys Duque
Arte Sonora | 23
3.1. Do recorte
Como se constatou, desde os anos 1960 as práticas artísticas se misturaram gerando novas
linguagens. Do mesmo modo, artistas de diferentes áreas buscaram materiais, processos, estéticas
em outros campos para suprirem suas necessidades criadoras. A arte sonora os acolhe. Como uma
pequena (porém importante) amostra da arte sonora, representativa histórica e qualitativamente,
foram escolhidos dois artistas de origens distintas para terem seus trabalhos analisados desta
pesquisa. Bernhard Leitner, arquiteto da área de design urbano, interessou-se pelo som como forma
de modelar o espaço fundamentado na recepção do usuário. Christina Kubisch, flautista, viu a
necessidade de mudar o diálogo com o público após alguns anos de performance ao lado do vídeo-
artista Fabrizio Plessi. Leitner e Kubisch encontraram, enfim, um denominador comum: a arte
sonora. Mas isto não significa que tenham chegado a procedimentos ou resultados plásticos
semelhantes. Longe disso. Seus trabalhos têm sua própria identidade. Essas diferentes formações
artísticas são enriquecedoras ao escopo desta pesquisa por retratarem a diversidade de “estilos” da
arte sonora e ainda assim apresentarem características recorrentes, tais como: uso de aparatos
tecnológicos organicamente incorporados às peças, produção de sons de qualquer tipo orientada à
escuta e fruição temporal específicas, envolvimento ativo do público com a obra em maior ou
menor grau, e a própria questão espacial como um dos pivôs criação. De um lado, Leitner parte da
questão espacial – com intermédio do som – para desenvolver suas obras, de outro, Kubisch produz
sua arte sonora de modo mais abrangente, com implicações espaciais tão importantes quanto outros
fatores.
Aspectos espaciais da arte sonora – Borys Duque
Parte II - Estudo de caso
Aspectos espaciais da arte sonora – Borys Duque
Bernhard Leitner | 25
4. Bernhard Leitner
Enquanto se discutia música de vanguarda e as artes se misturavam sem ainda rotular muitas
das novas linguagens, Leitner foi um dos pioneiros do que viria a ser arte sonora, ao concentrar seu
interesse no fenômeno sonoro como expressão. Em 1968, muda-se de Viena para Nova Iorque e
passa a trabalhar no departamento de planejamento urbano da cidade. Nos anos 1970, enquanto
ministra aulas de design urbano na Universidade de Nova Iorque, monta um estúdio-laboratório
para investigar propriedades sensoriais do som a partir de modelos teóricos e experimentos
empíricos. Ao mesmo tempo é um lugar para demonstrações e apresentações ao público. Os
conceitos e projetos teóricos então desenvolvidos foram publicados em 1978 no livro Sound: Space.
Muitos artistas sonoros de sua geração e posteriores são oriundos sobretudo das artes
plásticas e da música, e relacionam intensamente elementos sonoros e visuais. No início, Leitner
deixa o aspecto visual em segundo plano, pois parte da investigação do som como fenômeno físico
e psicológico autônomo. Durante a primeira vintena de atividades artísticas, suas ferramentas foram
nada mais que alto-falantes e seus suportes de madeira.
Parece que sua dedicação ao espaço sonoro vem da preocupação com a ergonomia acústica
da arquitetura. Como arquiteto, a compreensão geométrica e estrutural de uma edificação é direta,
mas a exploração do som surge como curiosidade acerca da psico-acústica aplicada ao espaço.
O pioneirismo deve ser destacado por seu interesse no espaço sonoro – espaço caracterizado
e dimensionado pelo som – mas também pelo uso da tecnologia de ponta disponível na época. Se
hoje não se questiona o técnica de difusão por ser evidente e acessível, em 1971 demandava
equipamentos grandes e restritos, de difícil utilização, usados sobretudo por empresas e instituições
de ensino. Uma das duas primeiras unidades de controle multicanal (1971) foi um interruptor de
relê circular com uma manivela manual para até 20 alto-falantes distribuídos por todo o espaço,
cada um dos quais poderia ser controlado dinamicamente por meio de um potenciômetro. O
segundo foi uma unidade de relé eletromecânico para 24 alto-falantes com 24 controles de volume
independente permitiu a documentação precisa e verificável de uma experiência acústica.
A partir de 1973, 40 alto-falantes distribuídos por todo o espaço foram controlados por meio
de fita perfurada de oito linhas, o que tornou possível programar uma alteração arbitrária da
velocidade de movimentos de som, bem como o volume de som de cada local (Leitner 2008: 25).
Aspectos espaciais da arte sonora – Borys Duque
Bernhard Leitner | 26
Exemplo de codificação em fita perfurada de oito furos.
O arranjo das situações de laboratório entre 1971 e 1975 foram todos documentados em
esboços num diário de bordo, incluindo as dimensões, informações sobre o material de som usado e
os programas de movimento. “Também fiz notas sobre experiências acústico-espaciais, insights e
idéias para novas experiências espaço sonoro” (Leitner 2008: 25). Em sistemas menores, de até
quatro canais, utilizava gravação e reprodução via fita magnética de quatro pistas, processo mais
simples e reconhecível ainda hoje. Apesar desses dados, não são oferecidas informações técnicas
suficientes para serem trazidas em primeiro plano ou mesmo que sirvam substancialmente para as
análises.
São sugeridas duas grandes fases cronológicas de produção artística, distintas em parte pelo
material e pela técnica utilizados, mas principalmente pelos resultados estéticos visual e auditivo.
As fases divididas combinam, genericamente, cronologia e plasticidade, também como forma de
estruturação deste estudo.
1a Fase: experimentação e consolidação (1968 - 1986)
É o início da carreira artística, com propostas e experimentações sonoras feitas
empiricamente em um atelier com feições de estúdio-laboratório. O termo “experimentação” é
usado aqui sem conotação estética (implícita, por exemplo, na música experimental), significando
literalmente experiências e testes investigativos. Parte dos resultados passam a ser expostos ao
Aspectos espaciais da arte sonora – Borys Duque
Bernhard Leitner | 27
público no próprio atelier e em galerias de arte. Neste período surgem e se consolidam os princípios
conceituais que aparecem esteticamente no conjunto de sua obra como uma marca registrada.
1968 - 1978
Em 1971, instalado em seu atelier em Nova Iorque, começa a testar as inúmeras
configurações de alto-falantes estudadas e projetadas nos anos anteriores, montados em estruturas
simples de madeira, num salão vazio, procurando modelar acusticamente o espaço em relação a um
ouvinte referencial. “Meu trabalho trata da experiência físico-auditiva de espaços e objetos que são
determinados em forma e conteúdo pelo movimento do som. O foco é a relação entre a estrutura
construída do som e o corpo humano”. (Leitner 1978: 13). Centrada na percepção e manipulação do
espaço através do movimento do som, a escala varia de pequenos objetos aplicados diretamente no
corpo a espaços de amplitude arquitetônica.
1979 - 1986
Mesmo com a proposta de algumas ocasiões abertas em seu atelier nos anos anteriores,
poucas foram as interações com o público e apenas um trabalho foi criado sob encomenda no
período: Aerial Spaces (1973), que esteve no lobby do Hotel Embarcadero em São Francisco (EUA)
até 1985. Posteriormente ao período direcionado quase integralmente à experimentação, Leitner
abre-se às atividades externas e passa a integrar o circuito artístico, compondo para diversas
instituições. Da aplicação direta dos experimentos, inaugura nova etapa em que cria obras para
exposições e galerias, com resultados muito bem recebidos. É o período de consolidação da
carreira, que dura até hoje.
2a Fase: produção e identidade (1987 – 2012)
Mantém o ritmo e os atributos principais da produção. O que muda essencialmente é a
valorização dos materiais e dos acabamentos, em suma, do aspecto visual do conjunto, com obras
mais plásticas. Com maior liberdade de ocupação ao provar os mais diversos locais de instalação
fora do ambiente controlado do atelier, fervilham intervenções arquitetônicas resultando também na
construção de obras permanentes, ora chamadas de “arquiteturas sonoras” pelo artista. A fase se
inicia quando expõe Sound Stars e constrói Le Cylindre Sonore, ambos de 1987). Desde Sound
Umbrella (1990), trabalha com som direcional, reduzindo consideravelmente o número de alto-
falantes. Nota-se uma ampliação da fantasia do artista, sobretudo no campo visual e na
incorporação acústica da arquitetura, que conjuntamente viabilizam maior integração dos elementos
(sonoridade, imagem, presença/corporificação, fruição temporal, etc.).
Aspectos espaciais da arte sonora – Borys Duque
Bernhard Leitner | 28
4.1. Análise do repertório selecionado
O repertório a ser analisado foi extraído da lista de obras constante no site
www.bernhardleitner.com/works. No período que decorreu esta pesquisa, de julho de 2012 a julho
de 2013, as informações do site permaneceram sem alteração, apresentando um total de 100
trabalhos relacionados, dos quais 90 são trazidos no presente exame. Os itens excluídos foram
descartados devido à irrelevância no contexto som/espaço4 ou por não oferecerem dados suficientes.
Para acompanhamento da análise, as datas das obras estão no quadro cronológico das páginas
seguintes.
Optou-se por um grande rol por apresentar maior representatividade no levantamento de
características do artista, usado de modo quase estatístico. Não será contemplada sua obra integral,
tampouco as obras selecionadas serão detalhadas a um mesmo nível. O que interessa é estabelecer
alguns parâmetros para compreender a obra do artista e apreciá-lo enquanto investigador do espaço
no contexto da arte sonora. As análises são feitas em blocos, por semelhanças estruturais do
estímulo sonoro-espacial do público. A divisão em categorias, por si só, já exprime o resultado das
primeiras análises, mas não devem ser tomadas restritivamente, uma vez que características
secundárias reaparecem de parte a parte e se interconectam.
As obras da primeira fase (1968-1986) são ausentes de registro de áudio ou vídeo,
impossibilitando o contato com o material sonoro; dispõem apenas de fotografias e desenhos, em
que são baseadas as análises do período, ao lado de textos e depoimentos. O ponto de partida são as
conclusões práticas de Leitner publicadas em artigos, livros e entrevistas, tomadas como princípios
acústicos e psico-acústicos fidedignos, fruto de exaustiva investigação (não são passíveis de
repetição experimental ou de reprodução para averiguação). Os feitos do primeiro período estão
publicados no livro Sound: Space, de 1978, onde descreve idéias, técnicas e procedimentos
utilizados nas instalações e pormenoriza alguns aspectos, mas omite certos detalhes, o que ofusca
uma maior compreensão. É um texto sucinto, de fato, porém de inegável importância na área.
4 Leitner tem obras que se afastam desta pesquisa. P. ex., Steelspringwaves (2003) e Vassel Waves with Wooden Object (2012), por serem esculturas sonoras, objetos auto-suficientes, não se inserem no quadro das análises espaciais.
Aspectos espaciais da arte sonora – Borys Duque
Bernhard Leitner | 29
Cronologia das obras s e le cionadas
1969
Soundcube 1969
1970
Body Envelope Soundcube 70
1971
Sound Gate Sound Locks 4 Path Accentuations Sound Lines, Descending Soundcube Blue Book
1972
Wedge Space Wall Grid Sound Lines Sculpture ORF Tube Sound Field I Sound Tube Leading Path Inclined Sound Plane
1973
Wave Walk Arch Sound Columns, Bouncing Aerial Spaces
1974
Vertical Space Narrow Sound Space Cylinder Space
1975
Sound Chair (Deck Chair) Reclining Chair with 6 Speakers Sound Swing Vertical Space I Sound Chair Sound Suit Sound Chair with 4 LSP Hand Sound Object Vertical Space II
1976
Portable Space Horizontal-Vertical
1977
Cross Space
1978
Sound Swing
1979
Expanding / Contracting Sound Field II
1980
Large Sound Swing Sound Cube
1982
Sound Square Sound Tower
1983
Géométrie d’un Dialogue
1984
Sound Space TU Berlin
1985
Cross-Sound-Body
1987
Sound Stars Le Cylindre Sonore
1990
Sound Umbrela Sound Space / Scarred Sound Gate
Aspectos espaciais da arte sonora – Borys Duque
Bernhard Leitner | 30
1991
Sound Space Buchberg Sound Chair III
1992
Pendulum Plataform I Sound Field III Sound Field 1020 Viena
1993
Agoraphon
1994
Blue Vaulting
1995
Sound Field IV Pendulum Plataform II
1996
Firmament Wing Space Ton-Höhe (Sound Dome) 4xBlue
1997
Water Mirror Space Sources
1999
Sound Columns Field Tuba Arquitecture
2000
Streaming
2001
Vertical Space
2002
Double Arch Inside Expanding Parabolic Dishes.Beaming
2003
Gallery of Mirrors Sounding Stone
2004
Serpentinata 04 Serpentinata Atelier setup Passages
2005
Sound Dome
2006
Cascade Serpentinata 06
2007
Moving Heads Pulsating Silence
2008
Large Tube Pulsating Silence / Tower
2009
Gothic Dome. Elevating Gothic Moving Head. Sound Beam
2010
HörSaal Space Reflection
2011
Space Reflection MZ Sound Mirror Path
Aspectos espaciais da arte sonora – Borys Duque
Bernhard Leitner | 31
Para efeito organizacional, os apontamentos analíticos das obras são separados em seis
seções pelo modo como o espaço é abordado, segundo os critérios cronológico, conceitual, técnico
e estético aqui sugeridos. A primeira seção trata dos longos anos que o artista dedicou, no início da
carreira, à testes de espacialização sonora (1969-1978). (As demais seções incluem obras de 1979 a
2011, dividindo-as como segue). A segunda trata das obras derivadas das idéias desenvolvidas na
primeira fase. Nestas duas primeiras seções, notam-se dois perfis principais: um voltado a macro
estruturas espaciais circundantes, geralmente com ouvinte em deslocamento, e outro relacionando
espaços adjacentes, contíguos ao corpo, com ouvinte em repouso. Na terceira seção, são
examinados trabalhos feitos com pequenos sistemas sonoros do tipo fonte/rebatedor, em que o som
é direcionado e refletido. Na quarta família de obras, observam-se especificamente algumas obras
de caráter permanente de grandes dimensões, ditas “arquiteturas sonoras”. Na quinta seção, são
apresentados trabalhos que ampliam a linguagem do artista, compostos de objetos reverberantes. No
sexto e último grupo, observam-se obras atípicas de seu repertório.
4.1.1. Experimentação
Nesta seção, procuram-se levantar as principais características arroladas nas investigações
de Leitner, estabelecendo conceitos que o acompanham por toda carreira artística. Dentre outros
pontos citam-se: a espacialização acústica usando movimento/deslocamento de sons entre alto-
falantes estáticos, o estabelecimento de planos e eixos sonoro-espaciais com uso abundante de alto-
falantes, e a aplicação de espaços sonoros em diferentes tamanhos (escala arquitetônica ou contíguo
ao ouvinte). São apresentados cubos, pórticos, rampas, planos, eixos, etc.
Serão apresentados os temas do próprio artista e, depois, tecidos comentários analíticos das
obras e agrupamentos, visando extrair características gerais. Leitner organiza e categoriza seu
repertório experimental da seguinte maneira:
Eu dividi meu trabalho para esta publicação em nove seções não-seqüenciais. (...) As duas primeiras seções (“Soundcube” e “Spacial Grid”) lidam com suportes neutros que permitem muitas transformações espaciais do movimento do som. As seções três, quatro e cinco (“Sound Swing”, “Guiding Spaces” e “Corridor Variations”) são todos baseados em movimentos lineares do som. Objetos para “Lying Within Sound” e “Portable Objects” são discutidos nas seções seis e sete, respectivamente. A seção oito inclui investigações de movimentos verticais (variações de altura, apojatura espacial), notações, projetos e a execução de “Vertical Spaces”. Seção nove: sentar, levantar e andar “Expanding-Contracting Spaces”.
Apesar de “não seqüenciais”, os trabalhos incorporam acumulativamente os efeitos, em que
cada elemento desenvolvido abre caminho para criação de outros.
Aspectos espaciais da arte sonora – Borys Duque
Bernhard Leitner | 32
I - SOUNDCUBE
Soundcube 1969 Soundcube 70
Soundcube Blue Book
Nos três primeiros anos de especulação acerca dos espaços sonoros, baseia-se
exclusivamente em modelos teóricos para desenvolver projetos de espacialização acústica com alto-
falantes dispostos em cada um dos seis planos (paredes, teto e chão) de um salão cúbico. Os
trabalhos práticos irão começar pouco depois.
Soundcube (cubo sonoro) é um laboratório para estudos de definição e caracterização do
espaço e para investigações na relação entre movimentos sonoros e a experiência físico-auditiva.
Soundcube é uma ferramenta para produzir espaço com som, uma grelha visualmente neutra sem
qualquer mensagem espacial específica, a não ser a própria delimitação do ambiente, cujas
dimensões dependem de cada situação. O espaço pode ser definido por linhas. Uma linha de som é
produzida quando o som se move ao longo de uma série de alto-falantes. O som é programado para
viajar de um falante a outro, criando uma infinidade de espaços ou sensações espaciais.
Soundcube 69 – desenho conceitual
Aspectos espaciais da arte sonora – Borys Duque
Bernhard Leitner | 33
A ilustração apresenta utilização excessiva de alto-falantes, procurando cobrir toda a
superfície e discretizar ao máximo pontos e massas sonoros. São sugeridos 64 falantes distribuídos
uniformemente em cada face do cubo. Neste momento, o artista ainda não menciona qualidade ou
feição dos sons: posição, velocidade do deslocamento, altura e intensidade demarcam o espaço.
Começa a propor estímulos corporais, como p. ex., “enviar um impulso sonoro primeiro a um
falante no chão e depois a um no teto causa uma sensação vertical (Leitner 1978: 26). Tabelas de
endereçamento de som para os falantes geram diversas seqüências espaciais.
II – SPATIAL GRID
Sound Lines Sculpture
Ainda com caráter especulativo, Spatial Grid (malha espacial) é uma grelha tridimensional
de alto-falantes que, além de cobrir as paredes, preenche toda a volumetria do salão. É uma
estrutura neutra para criar várias propostas espaciais. Quatro transformações espaciais são descritas.
A obra Sound Lines Sculpture (1972) originalmente não consta de nenhuma categoria do
livro, mas parece ser um resultado destacado, uma trajetória específica subentendida na grelha
espacial feita, justamente, com esta finalidade. Isto porque Leitner nunca executou expressamente a
grelha espacial; por questões práticas e econômicas, cada configuração efetivamente montada
posteriormente utilizou estritamente os alto-falantes necessários. A configuração de Sound Lines
Sculpture é moldada com linhas assimétricas de alto-falantes.
Sound Lines Sculpture, 1972 – Montagem experimental no atelier.
Aspectos espaciais da arte sonora – Borys Duque
Bernhard Leitner | 34
Apontamentos
Em Soundcube, a malha de alto-falantes está exclusivamente nas paredes, teto e piso,
enquanto em Spatial Grid, está também no interior do cubo, possibilitando, menor distância entre
fontes sonoras e ouvinte, criação de linhas e planos virtuais no ambiente suspensos e destacados das
referências visuais da edificação (paredes, colunas, etc.), e assim, uma diferente experiência de
imersão espacial em relação ao modelo anterior. Interessante notar que, apesar do relativamente
grande número de alto-falantes, Leitner não está preocupado em testar ou simular a virtual posição
das fontes sonoras originais, como se os instrumentos gravados parecessem estar na sala, mas
constrói o percurso do som no espaço.
III – SOUND SWING
Sound Swing (1975) Sound Swing (1978)
Sound Swing (balanço sonoro) é um sistema em escala humana que envolve o ouvinte com
movimento pendular do som. Dois falantes marcam os pontos altos de cada lado do pêndulo; outros
dois são colocados próximos ao chão, rente à passarela do conjunto, à direita e à esquerda. Testes e
resultados explicados pelo criador apontam como necessários os falantes colocados embaixo porque
interligam os dois lados, com uma sensação interna de proximidade e continuidade. Assim, a
direção do balanço é sempre claramente estabelecida. Caso ausentes, tem-se a impressão de que
uma entidade sonora desaparece de um lado e reaparece do outro. Sound Swing 1975 é formado por
placas planas, enquanto Sound Swing 1978 é formado por superfícies curvas.
Apontamentos
Os alto-falantes são instalados em arcabouços de madeira que têm dupla função:
reverberação e reflexão. 1) a reverberação permite um aumento no corpo do som, fazendo com que
a fonte emissora deixe de ser um ponto destacado; distribui parte de sua energia nas superfícies,
prolonga o decaimento e interliga os elementos. 2) a reflexão atua na delimitação espacial do
conjunto em qualquer instante, pois o som disparado num dado alto-falante estabelece de imediato a
dimensão do lado em que está localizado e, com atraso mínimo, marca também a face oposta.
O livro é bilíngüe (alemão e inglês) e deixa transparecer nesta seção algumas peculiaridades
terminológicas: em alemão, é intitulada pêndulo espacial [Raum Wiege], e em inglês, balanço
sonoro [Sound Swing]; neste contexto de movimentação acústica, som e espaço são sinônimos para
o artista ou, pelo menos, têm igual valor prático.
Aspectos espaciais da arte sonora – Borys Duque
Bernhard Leitner | 35
Sound Swing, 1975 – configuração do atelier.
IV – GUIDING SPACES
Sound Gate Sound Locks
4 Path Accentuations Sound Lines, Descending
Wedge Space ORF Tube
Leading Path Inclined Sound Plane
Guiding Spaces (espaços guiadores) são diferentes traçados lineares delimitados por
seqüências de alto-falantes que induzem o percurso do ouvinte ou reforçam a experiência do
percurso quando visita a instalação. Neste caso, a forma não é importante, mas o efeito direcional
aplicado ao ouvinte.
Sound Gate (portão sonoro) ressalta a travessia de um pórtico simples ao balizar um dos
lados na chegada, seguido do contorno, até a saída pelo lado oposto. É um movimento em arco
acima do ouvinte, seguindo um eixo linear. Volume, altura, cor, velocidade e direção do movimento
em uma linha de som entre os 16 alto-falantes altera a medida acústica do pórtico, variando o
sentido e a escala através do som.
Aspectos espaciais da arte sonora – Borys Duque
Bernhard Leitner | 36
Sound Gate, 1971 – configuração do atelier
Wedge Space, 1972 – configuração do atelier
Sound Locks (comporta sonora) e Sound Lines, Descending (linhas sonoras, descendentes)
são trajetos marcados por segmentos descendentes, distintos apenas pela orientação dos falantes: no
primeiro, voltados para dentro do corredor, na direção da pessoa, no segundo, virados para cima.
Intensa acentuação da parte superior com movimento diminuendo para baixo, como o efeito de uma
comporta vertendo. 4 Paths Accentuations (quatro acentuações de percurso) é um projeto não
executado para as Olimpíada de Munique de 1972. O acesso aos bondes traria trajetos sonoros
segundo os modelos de pórticos e inclinações anteriormente desenvolvidos por Leitner e contaria
com os trechos: 1 Sound Gates, 2 Sound Slopes, 3 Echo Bridge e 4 Applause Lock.
4 Paths Accentuations, 1971
Aspectos espaciais da arte sonora – Borys Duque
Bernhard Leitner | 37
Inclined Sound Plane (plano sonoro inclinado) é semelhante aos dois exemplos anteriores,
porém as linhas inclinadas de falantes configuram um plano oblíquo permeável.
Wedge Space (espaço afunilado [em cunha]) é uma rampa que estuda propostas de expansão
ou achatamento vertical. Em movimento linear, convergindo-se as linhas de som, a sala se torna
mais estreita em direção ao vértice localizado no nível da cabeça. Em movimento contrário, o
espaço se abre em toda a altura da pessoa. Através das ligações verticais dos alto-falantes colocados
um acima do outro, a noção acústica da elevação do espaço sonoro é reduzida ou aumentada. O
movimento de descida de uma pessoa é enfatizado por linhas descendentes de som. Linhas sonoras
ascendentes e descendentes influenciam “bio-psicologicamente” a leitura do real ângulo de
inclinação da rampa (1978: 47).
ORF Tube (tubo da ORF). A idéia era transformar a passagem para um dos estúdios da ORF
(Rádio Austríaca) numa peça de arquitetura sonora, entrar e sair do edifício através de espaços
sonoros lineares direcionais. A parte central é um espaço em espiral que combina espaços sonoros
direcionais (entrada / saída).
Leading Path (caminho condutor) é um corredor feito com duas fileiras de falantes no chão.
V – CORRIDOR VARIATIONS
Sound Tube
Arch
Oito fileiras (com alto-falantes cada) definem a forma de um espaço “tubular” de 4m de
comprimento. O espaço tem 3,25m de altura e 7m de largura, com percurso medindo 2,75m. Quatro
variações espaciais são programadas e interpretadas graficamente:
1 Oscilação (pêndulo sonoro na metade inferior do tubo)
2 Círculo (movimento circular)
3 Concavidade (pêndulo sonoro na metade superior do tubo)
4 Condução (direção longitudinal do tubo)
Sound Tube (tubo sonoro) é formado por 4 pares de linhas de falantes (acima, abaixo e dos
lados) criam passagem tubular. Arch (arco) é semelhante ao Sound Tube, porém sem falantes na
parte de baixo.
Aspectos espaciais da arte sonora – Borys Duque
Bernhard Leitner | 38
Sound Tube, 1972. À esquerda - oscilação; à direita - concavidade.
Apontamentos
Como no caso anterior, Corridor Variations descreve uma forma preestabelecida na qual os
sons progridem. Em Guiding Spaces, a forma é estruturada sobre uma única linha ou plano continuo
que, limitando (intencionalmente) a profundidade de campo, oferece maior direcionalidade. Já em
Corridor Variations a estrutura-base é tridimensional, volumétrica.
A própria intitulação desta tipologia indica uma exploração mais aprofundada do espaço
sonoro e aponta para a distinção das camadas constituintes: a forma estrutural é fixa – um corredor
– e a forma superficial (contorno) é variável. Há uma primeira camada sonoro-espacial em que a
identificação da posição dos objetos está tridimensionalmente clara, compatível com o aspecto
visual. A forma estrutural é geométrica, implica na fonte sonora genericamente caracterizada, sem
qualificá-la. A segunda camada é um detalhamento da primeira, discrimina os parâmetros do som
em cada ponto imputando-lhe diferentes profundidades que, em conjunto, dão relevo à superfície.
Há ainda uma terceira camada, que é o desenvolvimento temporal da segunda. Independentemente
de se considerar o som nas duas primeiras camadas como eventos no tempo, o terceiro nível só é
possível com a variação temporal das qualidades sonoras. O tempo de evolução do desenho tem um
limite mínimo e máximo para inteligibilidade, que varia dependendo da configuração e da intenção
do espaço-som. Ou seja, para se perceber (por exemplo) um movimento circular no corredor, a
migração do som entre os alto-falantes não deve ser demasiadamente rápida, pois seria notada como
um evento concomitante vos falantes, apresentando uma interferência gerada pela diferença de fase;
perceber-se-ia uma massa sonora em forma tubular (como é de fato) sem a intenção do movimento.
Aspectos espaciais da arte sonora – Borys Duque
Bernhard Leitner | 39
As qualidades sonoras são altura, intensidade, duração e timbre, sendo que o timbre não sofre
alteração no percurso por ser inviável tecnicamente na ocasião (anos 1970) e a altura varia com
restrições (motivos apresentados a seguir).
N íve l
Camada 1
Camada 2
Camada 3
Camada 4
Im pl icação e s pacial
• forma geométrica
• contorno/relevo
• distribuição/ocupação do espaço
• textura
Re curs o
• posição dos alto-falantes
• qualidade dos sons
• variação da posição e da qualidade dos sons
• variação da qualidade dos sons
Re s u l tado
• volumetria
• profundidade de campo
• espacialização
• características “musicais” (melodia, etc.)
As sonoridades musicais hipnotizam em digressões auditivas de imagens e emoções,
afastando o ouvinte de outras referências sensoriais – da percepção do som através do corpo todo,
da profundidade espacial, do tato. A arte sonora permite atentar aos estímulos acústicos. Leitner
explica como conseguiu esse resultado: “O material sonoro que eu usei no início era
intencionalmente muito simples – por outro lado, porque eu não penso musicalmente no sentido
[mágico]. (...) Quando eu tenho um som vagante ao longo de uma fileira de alto-falantes como uma
forma no espaço, o material ‘sonoro’ não pode ser melodia” (Leitner 2008: 15).
VI – LYING WITHIN SOUND
Body Envelope
Narrow Sound Space Sound Chair (Deck Chair)
Reclining Chair with 6 Speakers Sound Chair
Sound Chair with 4 LSP Horizontal-Vertical
Pode-se ouvir objetos sonoros, senti-los pelo corpo e retraçar mentalmente o movimento. A
posição do corpo e o movimento espacial do som devem se relacionar. Deitar-se implica numa
particular rapidez para perceber sons ao redor, ao longo e através do corpo. Lying Within Sound
(repouso no interior do som) é um grupo de obras que criam espaços sonoros contíguos ao corpo,
com ouvinte sentado ou deitado sobre o artefato criado pelo artista.
Aspectos espaciais da arte sonora – Borys Duque
Bernhard Leitner | 40
Body Envelope (envelope corporal) é um experimento rudimentar que distribui oito
pequenos discos com falantes ao redor do ouvinte deitado no chão. (Faz parte ainda do período
conceitual, antes de se instalar no atelier).
Narrow Sound Space (espaço sonoro estreito) é um estrado para escuta deitado, com 4
falantes na altura do ouvinte, ao redor (norte/sul/leste/oeste), e 2 embaixo.
Sound Chair - Deck Chair (cadeira sonora - espreguiçadeira), Reclining Chair with 6
Speakers (cadeira reclinável com 6 alto-falantes), Sound Chair e Sound Chair with 4 LSP (cadeira
reclinável com 4 alto-falantes) são variações de uma mesma idéia de envolver o ouvinte com sons
por todo o corpo, instalando alto-falantes no móvel onde a pessoa jaz, acrescido de algum falante
complementar, à frente e/ou atrás. Estas quatro peças seguem um padrão: os falantes estão ao longo
do eixo longitudinal. Desta maneira cria-se uma privacidade sonoro-espacial com movimentos sutis
que mantêm o comprimento do corpo e a pequenez do espaço. O corpo como forma reverberante,
um sistema de transformação das relações entre percepção e reflexão (intelectual), um meio de se
concentrar para além da relação tríplice de som, espaço e corpo – que engloba a essência de todo
espaço acústico interno.
Sound Chair with 4 LSP, 1975. Horizontal-Vertical, 1976.
Aspectos espaciais da arte sonora – Borys Duque
Bernhard Leitner | 41
Horizontal-Vertical oferece uma pulsação vertical para o ouvinte posicionado
horizontalmente. Com falantes sob o estrado e suspensos acima do tórax e abdômen, cria uma
relação com o ritmo da respiração, estimulando agitação ou relaxamento.
Apontamentos
Os estudos de Leitner vão além da percepção, com implicações formais, estéticas,
lingüísticas etc. Entretanto, a preocupação com o material sonoro, complexo em essência e diverso
em implicações, leva a um tipo de sinestesia que procura relacionar os sentidos não pela
comparação simbólica destes ou pela transposição bilateral de valores, mas simplesmente pela co-
participação dos sentidos na decifração de estímulos e mensagens externas. Cada sinal é recebido
simultaneamente por inúmeros receptores e transformado numa espécie de informação. A
orientação dessa informação para um uso prático específico ofusca a compreensão de sua origem,
pois a principal fonte de constituição aparece em destaque. Em meio às agitadas tarefas do mundo
urbano contemporâneo, dissociam-se as múltiplas entidades do indivíduo. A integridade é
ameaçada.
Na década de 1980, foram feitos experimentos médico-científicos com doentes que
apresentavam tenção e ansiedade em quadro pré-operatório. Os pacientes foram colocados na Sound
Chair, onde, após cerca de vinte minutos, “muitos deles puderam se recompor, aceitando um tipo de
pensamento holístico” (Leitner 2008: 19). Os estímulos provocados permitem identificar parte do
corpo esquecidas, ligá-las a outras, refletir sobre o processo de descoberta, experimentar níveis de
controle, associando “mente, alma e corpo” (idem). Uma participação passiva do público frente à
obra, contudo, intelectualmente ativa. Longe de pretender ser um estudo científico ou um
tratamento médico, a obra de Leitner visa a despertar um ponto de vista alternativo, provocar uma
reação, como, de fato, é de se esperar da arte.
VII – PORTABLE OBJECTS
Sound Suit Hand Sound Object
Portable Space
O princípio dos objetos portáteis é montá-los diretamente sobre o corpo. A pessoa veste o
movimento do som. A consciência de partes individuais e das relações entre elas é ampliada quando
ativadas pelo som. A experiência psico-fisiológica depende do modo como o som viaja:
ritmicamente, com acentuações, em espiral, esticando sforzando, etc. Estes são um radicalização do
modelo anterior de estímulo corporal. As implicações são semelhantes.
Aspectos espaciais da arte sonora – Borys Duque
Bernhard Leitner | 42
Sound Suit (traje sonoro) é um macacão reticulado em que são instalados falantes. Hand
Sound Object (objeto sonoro de mão) são alto-falantes com alça para serem usados e velados nas
mãos. Portable Space (espaço portátil) é um colete com um alto-falante no peito e um nas costas.
Sound Suit, 1975. Portable Space, 1976.
VIII – VERTICAL SPACES
Wall Grid
Wave Walk Sound Columns, Bouncing
Vertical Space Vertical Space I Vertical Space II
A sala teste de 3,5m é emoldurada de dois lados por elementos verticais com alto-falantes.
Quatro falantes definem uma linha horizontal, oito formam um plano horizontal. Movimentos
Aspectos espaciais da arte sonora – Borys Duque
Bernhard Leitner | 43
verticais, alterações nas dimensões verticais, relação entre mudança de sons e percepção de espaços
verticais foram testados neste estrutura.
Wall Grid (malha de parede) é uma configuração de uso geral formado por uma malha de
alto-falantes em uma parede, alterando a altura do espaço com linhas verticais de som. Wave Walk
Corridor (corredor de caminhada ondulante) se estabelece com dois planos verticais laterais em
ziguezague. Sound Columns, Bouncing (colunas sonoras, balançando) são linhas verticais
periféricas esparsas. Vertical Space (espaço vertical) Uma linha de falantes acima; duas linhas
complementares no chão. Vertical Space I marca a verticalidade com um falante sob o ouvinte,
numa base de madeira, e um acima, de altura regulável. Vertical Space II é como o primeiro, porém
maior.
IX – EXPANDING-CONTRACTING SPACES
Sound Field I Cross Space
Um crescendo para dentro produz uma forte contração do espaço, um decrescendo para fora
enfatiza a expansão do espaço. Nos últimos experimentos, o número de falantes foi reduzido às
linhas interna e externa, que são os limites mínimo e máximo do espaço.
Cross Space, 1977.
Apontamentos gerais sobre a fase de experimentação
Percebe-se que a divisão é feita sobre as propostas de espacialização, as experimentações de
validação e os conseqüentes resultados; é referente, portanto, ao processo criativo inteiro, da
concepção ao resultado. Deste modo, ele pôde organizar metodologicamente seus ensaios.
Aspectos espaciais da arte sonora – Borys Duque
Bernhard Leitner | 44
4.1.2. Variações
Muitas criações voltam a aparecer como “variações” das originais ou como releituras de
conceitos empregados. Considerando o repertório como um todo e o distanciamento temporal do
presente estudo em relação a Leitner, as nove categorias contempladas no bloco anterior são
revisadas, simplificadas e então utilizadas de maneira sintética. Interessante notar que as
peculiaridades concentram-se rigorosamente no aspecto espacial – a qualidade do som não é uma
variável que possibilite, genericamente, a distinção dos trabalhos entre si. Fatores como
interatividade e fruição temporal tem uma importância tênue na divisão: o primeiro diz respeito ao
deslocamento do visitante como forma de participar da obra, o segundo apresenta-se sob uma forma
clara (com começo e fim definidos) ou vaga (fluxo sonoro atemporal).
Após compreender os métodos e os resultados, propõem-se, neste tópico, duas classes para
análise: uma relativa a obras que explorem espaços contíguos ao ouvinte e estimulem sonoramente
todo o corpo, outra ligada a configurações espaciais mais amplas. Apesar desta redução categorial,
permanece a atenção dada às características-padrão anteriores: orientação do espaço
(vertical/longitudinal/transversal), nível dimensional (eixo/plano/volume), variação de amplitude
(expansão/contração).
A) Configurações espaciais adjacentes ao corpo
Estruturas sonoras próximas ou diretamente acopladas ao corpo do ouvinte procuram
estimular a sensação de que o som atravessa a pessoa ou que o espaço contíguo é dimensionalmente
pulsante. Geram-se, portanto, configurações espaciais adjacentes ao corpo.
Expanding / Contracting
Firmament Wing Space Double Arch
Inside Expanding
Estas cinco peças trabalham com movimento de expansão-contração ou pendular,
lateralmente ou acima. Quando da concentração do som na parte superior, são descrito arcos que
rompem a extrema verticalização.
Expanding / Contracting (expansão / contração) e Inside Expanding (expansão interior),
semelhante a poltronas em madeira, são equipamentos constituídos por um assento com um alto-
Aspectos espaciais da arte sonora – Borys Duque
Bernhard Leitner | 45
falante nas costas e dois laterais. O primeiro expande os lados com falantes no mesmo eixo do
encosto, voltados para frente, a cerca de 1,5 m de distância do centro; o som migra simetricamente
do centro para os lados ou inversamente de fora para dentro, gerando sensações antagônicas. O
segundo envolve o ouvinte num campo mais estreito, com duas camadas de abas de cada lado;
também estimula sensações de expansão/contração, porém num plano horizontal. Ambos são
compostos em três canais.
Firmament (firmamento) e Double Arch (duplo arco) seguem o mesmo princípio das
poltronas, focando agora no espaço acima da cabeça.
Wing Space (espaço alado) oferece uma estrutura maior para que se observe a oscilação de
tamanho para os lados em pé. Pelo tamanho e formato aparente da estrutura, poderia ser enquadrada
como uma configuração espacial aberta (a seguir) como é o caso dos grandes pórticos de
passagem. Entretanto, a organismo sonoro é mais fechado, com ouvinte parado e sem uma
cobertura sobre a cabeça; as abas laterais curvilíneas funcionam como rebatedores que concentram
a energia num ponto focal, resultando uma experiência circunscrita ao corpo.
Sound Field II Sound Chair III
Obras com usuário em repouso, propõem espaços mais fechados. Sound Field II (campo
sonoro) é como o de 1972, com ouvinte deitado. Tem 6 falantes. Sound Chair III Novo design.
Sound Cube Cross-Sound-Body
São pequenas salas ou espaços confinados pelo som, como câmaras. Em Sound Cube, ocorre
a aplicação dos conceitos desenvolvidos nos primeiros Sound Cubes, em um cubo translúcido
fechado. É reduzido o número de falantes. O ouvinte fica deitado. Trabalho montado no Museu de
Arte Moderna de Vienna, em 1981; publicado no Documenta 7, Kassel, 1982.
Cross-Sound-Body (corpo-som-cruz) Câmara projetada pelo artista com planta em cruz.
Ouvinte sentado no centro.
Aspectos espaciais da arte sonora – Borys Duque
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Vertical Space
Vertical Space é um espaço vertical como Vertical Space I de 1975, com aro de aço acima,
como uma grande coroa, servindo de ressonador. Apesar de ser a base conceitual das cúpulas
(enquadradas nas configurações espaciais abertas a seguir), ambos são espaços verticais, maw
diferem-se pela escala e pela amplitude da parte superior, portanto pela relação espacial e percepção
do ouvinte.
Géométrie d’un Dialogue
Um espaço sonoro misto, abarcando características de outros grupos: espaço aberto +
adjacente + expansão-contração.
Géométrie d’un Dialogue (geometria de um dialogo) é composta de três partes: duas
estruturas semelhantes à poltrona de Expanding / Contracting, de 1979, uma de frente para a outra;
e oito alto-falantes circundando ambiente. Movimentos e projeções sonoras são concebidos como
um diálogo entre duas pessoas.
B) Configurações espaciais abertas
Sound Square Sound Space TU Berlin
Sound Stars
(Cubo | Grid)
Sound Square Alto-falantes são colocados em quatro torres e nas paredes externas do
quadrado. Platéia ao centro.
Sound Space TU Berlin Sala cúbica de metal perfurado, com 34 falantes e 18 falantes de alta
freqüência não visíveis. TU (Universidade Técnica), 1984; premiado em competição internacional
de arte sobre arquitetura.
Sound Stars Quinze cubos livremente suspensos no espaço formam a constelação.
Aspectos espaciais da arte sonora – Borys Duque
Bernhard Leitner | 47
Large Sound Swing Sound Tower Sound Gate
Pendulum Plataform I Pendulum Plataform II
Large Tube Sound Mirror Path
Estes trabalhos têm características de passagens, aberturas espaciais que convidam o
espectador a se deslocar e percorre-las.
Large Sound Swing Passarela cruzando duas estruturas como no 2º Sound Swing.
Sound Tower Documenta 7, Kassel.
Sound Gate Pórtico que aplica os conceitos do “Sound Gate” de 1971. Peça arquitetônica
comemorativa dos 175 anos da Universidade Técnica de Viena.
Pendulum Plataform I Anel vertical de som. Ouvinte deitado.
Pendulum Plataform II Estrutura mais delicada que a primeira, com configuração
semicircular em U.
Large Tube Semelhante a Sound Tube (1972).
Sound Mirror Path Passagem sobre tablado com duas fontes sonoras; acima, chapa metálica
refletora em arco. Georg Kargl Fine Arts 2011.
Sound Space Buchberg
Ton-Höhe (Sound Dome) Sound Dome
Gothic Dome. Elevating Gothic
Também tem características de verticalidade, mas a largura da parte superior é maior,
formando uma espécie de cúpula.
Sound Space Buchberg (espaço sonoro Buchberg) Instalação no castelo (Buchberg Art
Space). Do centro do pátio, o trombone ascende em expansão num majestoso domo virtual no
polígono da cornija. 1991 / 1998.
Ton-Höhe (Sound Dome – cúpula sonora) Intervenção na cúpula da Kollegienkirche em
Salzburg, encomendada pela Fischer-von-Erlach-Gesellschaft, em comemoração aos 300 anos de
fundação. Técnica semelhante à de Buchberg, utilizando mais recursos.
Aspectos espaciais da arte sonora – Borys Duque
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Sound Dome Recriação acústica da cúpula da Parochialkirche em Berlim, destruída na
guerra. Procedimento técnico semelhante a Vertical Space I.
Gothic Dome. Elevating Gothic (cúpula gótica. elevação gótica) Semelhante a Sound Dome
(2005). Klangraum Krems, Minoritenkirche, Baixa Áustria.
Sound Field III Sound Field IV
Espaço sonoro horizontal: campo-sonoro.
Sound Field III é um campo sonoro composto de falantes em colunas pretas de pouco mais
de 1m de altura, como caixas distribuídas num salão.
Sound Field IV Doze bancos de pedra verde polida (70x70x8cm) sobre alto-falantes
livremente distribuídos numa sala. Movimento aleatório dos sons.
Serpentinata 04
Serpentinata Atelier setup Serpentinata 06
Peças com aspecto escultórico. Serpentinata 04 e Serpentinata Atelier setup são esculturas
sonoras feitas com tubos flexíveis de PVC de 25m e 16m, 40 alto-falantes. O cabeamento dentro do
tubo permite ao visitante livre movimentação. Kunstfest Weimar 2004. Schloss Ettersburg,
Armoury.
Serpentinata 06 Como Serpentinata 04. 48 alto-falantes. Akademie der Künste Berlin.
Sonambiente 2006.
4.1.3. Parabólicas | refletores
Leitner tem feito trabalhos com feixes de sons (ou raios sonoros) lançados contra uma
parede a partir de um espelho parabólico. O som aparece na parede, onde não há nenhum alto-
falante. “Eu separo os falantes do fenômeno sonoro. Numa composição de três projeções sonoras na
parede, é criado um tipo de pintura acústico-gestual” (Leitner 2008: 19).
Aspectos espaciais da arte sonora – Borys Duque
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Sound Umbrela Sound Columns Field
Guarda-chuvas suspensos num salão com pequenos alto-falantes na parte interna direcionam
os sons sobre o visitante. A mesma idéia do campo sonoro aplicada no alto do espaço.
Streaming
Parabolic Dishes.Beaming Gallery of Mirrors
Cascade
A idéia de espelho ou rebatedor côncavo implícita nos guarda-chuvas sonoros é então
explorada objetivamente para tal função. A fonte sonora é composta de um alto-falante fixado no
ponto focal da parábola dirigido contra ela, gerando assim uma propagação sonora em feixe
paralelo (difusão cilíndrica ou em cone suficientemente fechado), em vez da típica propagação
cônica de um alto-falante (fazer ilustração/esquema). Deste modo, é possível se obter maior
controle do alvo, como uma “lanterna” sonora que ilumina uma área delimitada.
Moving Heads Moving Head. Sound Beam
Space Reflection Space Reflection MZ
Estas obras mais recentes passam a incorporar um aspecto escultórico, de maior concisão, e
direcionam o som ao ambiente com pequenos agrupamentos de fontes sonoras parabólicas. Ao
eliminar os rebatedores usados em trabalhos anteriores, Leitner configura o espaço posicionando
criteriosamente a obra no ambiente escolhido e apropriando-se das reflexões específicas do lugar.
Aspectos espaciais da arte sonora – Borys Duque
Bernhard Leitner | 50
4.1.4. Obras permanentes | arquiteturas sonoras
Este perfil de obras está espacialmente ligado à criação de produtos com propriedade e
escala de edificação, uma peça projetada e estruturada em si mesma que cria um lugar e conforma
um particular espaço sonoro.
Le Cylindre Sonore
Inserido no jardim de bambus do Parc de la Villette, em Paris, Le Cylindre Sonore (cilindro
sonoro) foi criado como uma intervenção artística pública para uma das seções do parque. O duplo
cilindro, cujo topo aberto está no mesmo nível das alamedas arborizadas do entorno, é parte
integrante do passeio. Os sons atraem curiosos e os convidam a parar, ouvir atentamente e
permanecer. Embora construído como um sólido estático inserido na paisagem – medindo 10m de
diâmetro (internamente) e 5m de altura –, foi concebido e estruturado como um evento no tempo,
uma seqüência de experiências com um início e um fim.
Le Cylindre Sonore, 1987. Vista geral.
Atrás de cada um dos oito painéis perfurados de concreto pré-fabricado (medindo 1,2 x 3,7
metros) que compõem o interior do cilindro, estão montados três alto-falantes em diferentes alturas.
Diversos espaços sonoros são construídos, desenvolvidos e variados em meio às colunas de som dos
painéis, entre 24 alto-falantes. Os vãos entre os painéis agem como rebatedores para as quais o som
é composto. Hoje, este sistema não funciona mais, porém o cilindro continua a funcionar como uma
câmara de ressonância. O espaço entre os dois cilindros, além de servir como corredor de serviço
Aspectos espaciais da arte sonora – Borys Duque
Bernhard Leitner | 51
com acesso à sala controle no subsolo, funciona como ressonador. Oito feixes de água estreitos e
verticais são dispositivos acústicos de ajuste fino, podem ser controlados para extrair determinadas
intensidades sonoras, bandas de freqüência, regiões espaço.
Le Cylindre Sonore, 1987. À esquerda – acesso; à direita – interior.
O cilindro propõe prestar atenção aos pequenos barulhos em mutação, sons da natureza em
contraste com barulhos mecânicos, aumentados por sutis reverberações. Mesmo fora do recinto, a
experiência é bastante particular, pois concentra os ruídos do entorno. O desenho de som é montado em
camadas simultaneamente simbólica e perceptível, com linhas auxiliares de som circular que reforçam a
forma do instrumento arquitetônico, um tecido de guitarra como material estático de preenchimento,
sons agudos perfurantes ao longo das paredes contrastam com o estático e arcaico cilindro, o som da
água fluindo. Todo esse material, com tempo de reverberação retardado, suaviza o concreto.
Le Cylindre Sonore, 1987.
À squerda - projeto; ao centro - detalhe da soleira do acesso; à direita - detalhe do painel perfurado.
Aspectos espaciais da arte sonora – Borys Duque
Bernhard Leitner | 52
Sound Field 1020 Vienna
Composto de colunas de mármore preto de 2,25m, assentadas em valas ressonantes de
1x1x0.6m com alto-falante e fonte luminosa. 1992
Agoraphon
Exposição Mediale, Deichtorhalle Hamburg Ltd. Sete colunas de 3,4m em círculo: uma
ligação transparente entre os salões e o cenário urbano. 1993
Water Mirror
Uma abóboda metálica é suspensa entre as quatro colunas de um pequeno mirante num
parque da cidade de Donaueschingen, em plena Floresta Negra, de modo a refletir o som da água
vertendo no rio Brigach (afluente do Danúbio). Water Mirror (1997) funciona literalmente como
um espelho d’água, ou melhor, um espelho para a água.
A inclusão desse elemento arquitetônico autônomo filtra naturalmente os sons da correnteza,
sem microfones, amplificadores, alto-falantes ou eletrônica. No arco de metal, que também reflete a
imagem difusa da superfície da água, várias freqüências são filtradas a partir das faixas mais
agudas. Através da exploração auditiva do espaço, ao procurar posições com a cabeça e o corpo, a
pessoa pode encontrar diferentes sons em pontos específicos. O arista sugere a movimentação
corporal do visitante como uma dança em diálogo com o Danúbio.
Space Sources
Espelho d’água: objeto sonoro que define seu lugar no espaço e fonte sonora que fornece
material para filtragem eletrônico-acústica das estelas. O som natural permanece localizado;
enquanto o som das estelas dinamiza a forma acústica do átrio. Berlim, Friedrichstrasse, 1997.
Aspectos espaciais da arte sonora – Borys Duque
Bernhard Leitner | 53
4.1.5. Obras com ressonadores
4xBlue
Falantes fixados magneticamente no exterior de quatro colunas metálicas de 4m de altura
agrupadas em cruz lhes geram ondas estacionárias. 1996.
Tuba Architecture
Sessenta laminas de aço suspensas, com falantes fixados nos centros, criam corredores de
passagem. As placas ressonantes com som de tuba baixo envolvem o corpo do visitante.
Klangkunstforum Berlim. 1999
Passages
Pórticos de aço formado por colunas ressonantes de 30x30x200cm e um pórtico laminar de
3x65x250cm com vibração magnética. Ondas de baixa freqüência percorrem o sistema via barras de
metal. 2004.
Pulsating Silence Pulsating Silence / Tower
Grandes chapas de metal
suspensas vibram a freqüências
sobrepostas de 74 e 85 herz
[batimento de 11Hz]. Uma pulsação
profunda e inaudível é percebida
pelo espectador.
Pulsating Silence / Tower é
semelhante a Pulsating Silence,
formado por apenas duas placas
suspensas.
Pulsating Silence / Tower, 2008
Aspectos espaciais da arte sonora – Borys Duque
Bernhard Leitner | 54
4.1.6. Obras atípicas
Sound Space / Scarred
Espaço sonoro sem som. Ouvindo a história de uma vila em ruína da segunda guerra. 1990
Blue Vaulting
Colunas sonoras; reflexão no teto por abóbodas ajustáveis em movimento repetido: o teto
fica alternadamente plano ou com pequenas abóbodas. [Colaboração: Hans Walter Müller]
HörSaal
De modo geral, sua pesquisa foca numa escala espacial relativamente grande (escala
arquitetônica) e com grande número de alto-falantes, tendo como resultado plástico sonoro
movimento e transitoriedade do espaço. Posteriormente, o artista migra do movimento do som para
fontes sonoras pontuais, sem passar explicitamente pela simulação da posição de fontes sonoras
com múltiplos alto-falantes em sistemas de reprodução multicanal com objetivo de recriar uma dada
realidade sonora.
Ao poucos, as fontes emissoras (esculturas ou objetos sonoros) passam a explorar o espaço
construído por meio de reflexões controladas, até certo ponto, com direcionamento de anteparos
como parábolas e chapas. Em 2010, montou HörSaal no auditório da Technische Universitat de
Berlim, uma instalação estruturada em WFS (Wave Field Synthesis5) com 832 canais de áudio, o
que rotulou de wave field instalation em vez de sound instalation.
Mas mesmo este incremento tecnológico (WFS), que agrega elementos em sua linguagem,
não altera essencialmente sua relativa autonomia em relação à arquitetura. Compor uma obra
artística em WFS é específico por questões técnicas, como isolamento acústico, equipamentos
precisamente distribuídos e ajustados etc., mas não é essencialmente site-specific, pois a
apropriação do espaço é de ordem estrutural. Diversos espaço podem ser simulados pelo mesmo
princípio matemático.
Leitner: múltiplos falantes = movimento WFS: múltiplos falantes = objeto
falantes grupados = objeto falantes grupados = movimento
5 Síntese de campo sonoro; também entendido como uma espécie de “holofonia”, uma holografia sonora.
Aspectos espaciais da arte sonora – Borys Duque
Bernhard Leitner | 55
Conclusões
Algumas características gerais de Leitner podem ser extraídas do repertório selecionado.
Relativização do espaço, ao ser configurado pelo movimento do som
Os espaços sonoros criados pelo artista são fruto da elaboração de planos sonoros
demarcados por alto-falantes estrategicamente posicionados. O lugar toma forma com o
deslocamento dos sons entre tais alto-falantes, realçando sua disposição padrão e ampliando
virtualmente sua delimitação. O ouvinte, imóvel ou percorrendo um trajeto, recebe o estímulo
sonoro e infere acusticamente o tamanho ou a variação de tamanho do espaço. Esta variação ocorre
de um fração de segundo a alguns segundos. O visitante, ao perceber rapidamente as alterações, cria
uma relação de interdependência entre os estados espaciais produzidos, relegando o espaço extra
sistema. Ou seja, Leitner relativiza espaço sonoro, tornando-o autônomo frente a um local maior
que o comporte, interno ou externo. As características acústicas da edificação são sobrepujadas pela
instalação artística; não que elas não sejam audíveis, mas, proporcionalmente, sua interferência no
sistema é diminuta. A “Rampa Sonora”, por exemplo, é construída rente a uma das paredes de seu
atelier, claramente comprometendo o equilíbrio acústico do aparato. Porém, isto não ocorre. O que
se evidenciam são as linhas sonoras ascendentes ou descendentes que acompanham o sentido da
rampa, pouco importando sua assimetria. Portanto, há hierarquia dos eixos sonoros em diversas
obras: com forte estruturação sonora para uma percepção longitudinal, o eixo transversal se
enfraquece e vice-versa.
Abordagem fenomenológica: como os sons são percebidos no espaço = como o espaço é percebido
através do som
Seguindo as referências de Husserl, mediadas por Schaeffer, Merleau-Ponty, por Chion, e
Heidegger, por Cage, vemos uma vasta aplicação dos conceitos fenomenológicos. “Testes em
estúdio têm esclarecido que a experiência de certos espaços sonoros não dependem da
perceptividade acústico-musical da pessoa. É uma sensação bio-acústica, psico-fisiológica
imediata” (Leitner 1978: 16).
“John Cage escreveu que a música do passado estava ‘lidando com concepções e sua
comunicação, porém a nova música que está sendo criada não tem nada a ver com comunicação de
conceito, mas com percepção’” (Cage apud Leitner 1994: 30).
Aspectos espaciais da arte sonora – Borys Duque
Bernhard Leitner | 56
Som como material concreto
Desde os objets sonores de Schaeffer, o fenômeno sonoro vem sendo tratado concretamente
como material manipulável, moldável. A percepção desta e de outras entidades naturais e artificiais
torna-se cada vez mais clara, proporcionando maior relação entre objetos através dos sentidos. A
sinestesia entendida pragmaticamente, como inter-relação dos sentidos e sua mutua colaboração na
interpretação de fenômenos e mensagens, torna possível a expansão e interpenetração dos vários
campos de conhecimento. Leitner procura entender “o quão tátil é a acústica” (2008: 19).
Analogia entre estruturas espaciais e musicais pelo caráter teleológico implícito no movimento do som:
Segundo Leitner, conformação do espaço com recursos sonoros é suficiente, em si, para lhe
imputar um caráter temporal. É necessário repensar e redefinir o termo “espaço”. Os limites destes espaços não podem ser experimentados de uma só vez, e não são espaços “dinâmicos, fluidos” na interpretação convencional. É um espaço que tem um início e um fim. O espaço aqui é uma seqüência de sensações espaciais – em sua grande essência um evento do tempo. O espaço se desdobra no tempo; é desenvolvido, repetido e transformado no tempo (Leitner1978: 13).
Se, de um lado, o som está intrinsecamente relacionado ao tempo em sua manifestação
física, de outro, o século 20 nos ensinou que existem diversas formas de lidar com ele. Da música
de mobília à paisagem sonora e posterior surgimento das instalações sonoras, o som é encarado em
sua natureza estática, circular; um fluxo oscilante que não conduz a um fim. O caráter teleológico
da música tradicional européia – em que uma idéia é apresentada, desenvolvida e concluída – se dá
graças à mecanismos de memória. A reiteração dos dados musicais apresentados e sua apreensão
pelo ouvinte permitem-no estabelecer relações de anterioridade e posterioridade. Temporalidade e
discursividade do som estão, portanto, na repetição, na objetivação e na referencialidade.
No caso dos ensaios desenvolvidos por Leitner, a modelagem espacial se constrói com o
som em movimento, atribuindo grande importância a cada estado momentâneo do som-espaço, pois
é a percepção desses estados que gera, sensorialmente, o dimensionamento do espaço. As
instalações sonoras estão imbuídas de temporalidade, mas não necessitam nem empregam
sonoridades ad hoc, pois a percepção do espaço já é um fenômeno desdobrado no tempo.
Entretanto, a espacialização com sons móveis, vagantes, cria certa discursividade espacial.
“Acentuar pontos no espaço (acima, abaixo, dos lados, à frente e atrás) é modelar o espaço por meio
do ritmo: uma experiência físico-auditiva tridimensional” (Leitner1978: 26).
Aspectos espaciais da arte sonora – Borys Duque
Bernhard Leitner | 57
Desta maneira, pode-se deduzir um paralelo entre uma estrutura temporal típica da música e
o arcabouço espacial:
espaço estático tempo discursivo
tempo estático espaço discursivo
Talvez, essas idéias se apliquem predominantemente obras em que movimentos sonoros
estejam associados a um percurso condicionado do espectador, resultando, portanto, em arcos
discursivos, mesmo que de pequena duração (da ordem de segundos).
Aspectos espaciais da arte sonora – Borys Duque
Christina Kubisch | 58
5. Christina Kubisch
Uma artista do som que tem usado cada vez mais a luz como meio de expressão ao lado da
efemeridade de tons, ruídos, timbres, silêncios. Os trabalhos que Kubisch vem criando há mais de
30 anos podem ser claramente marcados pelas diversas disciplinas com que teve contato. Estudou
artes visuais (1967/68), depois flauta, piano, composição e música eletrônica. Em 1973, dá início à
concertos e performances multimídia ao lado do vídeo-artista Fabrizio Plessi. Na década de 1970,
Kubisch teve contato com Cage, do qual recebeu grande influência, como p. ex., o processo de
ouvir sons produzidos naturalmente e artificialmente como uma experiência musical completa.
Cage partilha da idéia de Heidegger de tecnologia e natureza constituírem um mesmo ser, porém
argumenta diferentemente, sugerindo que basta abrir caminho a todo som circundante para que seja
ouvido integralmente, sem distinção de categoria (Graevenitz 2000: 24-25).
Estudou engenharia elétrica em Milão (1980/81) também como forma de empregar a
tecnologia em suas instalações. Em 1980, o amadurecimento proporcionado pelo compartilhamento
de experiências ao lado de Plessi a levou a deixar a performance como forma de expressão,
afastando-se do público como executante para dar ao visitante maior liberdade de atuação, fato que
acompanhou a crise geral da action art6 naquele momento (Seinsoth 2008: 45). Por volta de 1986, a
artista volta a explorar intensamente os interiores e muda radicalmente a condição de iluminação
dos locais de exposição com uso de luz negra; neste momento elabora seu vocabulário artístico
básico: “espaço - luz - som - homem” (Ruth 2008: 50).
Ela lida com uma estrutura baseada em sonoridades e sons que beiram o não-som, mais do
que com composição propriamente dita. Sua música-som pertence ao espaço. Erik Satie cunhou a
Musique d’Ameublement (música de mobília), em que sons podem preencher salas como mobília, p.
ex. Vexations, de 1888. Mas para Kubisch, o estranhamento sempre está presente, pois o ouvinte
percebe que foram introduzidas qualidades sonoras adicionais, como se o ambiente estivesse recém-
adornado. Ela prefere recorrer a elementos ligados à ambientação, ao clima.
6 Action art é o conjunto das modalidades artísticas que valorizam o processo, a execução de uma obra, como é o caso da performance e da intervenção.
Aspectos espaciais da arte sonora – Borys Duque
Christina Kubisch | 59
5.1. Análise do repertório selecionado
Em linhas gerais, suas obras se caracterizam pela mínima interferência construtiva no local
da instalação, seja o ambiente natural ou dentro de edificações, valorizando elementos do próprio
ambiente. Entenda-se interferência construtiva como alteração de estruturas ou construção de
apêndices, acessórios. A leveza das intervenções permite que o visitante rapidamente se familiarize
visual e auditivamente com o espaço. Quando em recintos fechados, principalmente, equiparam-se
som e luz em importância e nível de detalhamento. A artista cria um ambiente verossímil ao revelar
parcialmente os elementos constituintes da obra, com os quais o espectador tem a impressão
apreender o todo; num segundo momento a percepção torna-se incerta sobre causa e efeito, sobre o
que é criação e o que é inerente ao local. Declara: “Estou sempre preocupada em deixar visíveis
certas estruturas no espaço, em revelar também contextos arquitetônicos e em tirar o observador da
sua maneira normal de ver o espaço” (Kubisch apud Ahrens 2000: 57). A ambigüidade criada leva o
espectador a encarar a estranheza daquele local comum e a se concentrar na própria percepção para
decodificar a mensagem implícita.
Christina Kubisch trabalha tanto com espaços sonoros quanto com instalações luminosas,
em sua maioria fundidos num só projeto, em obras que convidam o espectador a explorar todo o
edifício da exposição. Os trabalhos de 1980 em diante focam na reflexão sobre a multiplicidade de
silêncios, nas condições de nossa percepção sensorial e nas relações entre natureza, arte e
tecnologia. A ambigüidade entre silêncio e uma sutil (porém perceptível) intervenção
sonora/ruidosa é típica em seu trabalho, uma clara influência do pensamento de Cage acerca da
escuta e da relatividade dos sons. Sobre o próprio trabalho, ela afirma que “nada é realmente do
jeito que parece, e mesmo a primeira impressão de quietude é ilusória” (Kubisch apud Gieltowski
2000: 7).
Pretende tornar o espaço experimentável simultaneamente acústica e visualmente. Procura
fugir da neutralidade de um museu, pois deseja um lugar que ofereça algo em troca, uma resposta,
uma história. O espaço deve dialogar com sua maneira de investigar a realidade. Diversas paisagens
naturais são preparadas com alto-falantes emitindo sons de aparência natural, levantando a questão:
verdadeiro ou falso?.
A artista categoriza suas obras em seis temas: Instalações, Electrical Walks, Performances,
Esculturas Sonoras, Composições, e Trabalhos Gráficos [Photos and Graphics], dos quais apenas
Instalações, Electrical Walks e Esculturas Sonoras são apreciados nesta análise por se considerarem
Aspectos espaciais da arte sonora – Borys Duque
Christina Kubisch | 60
arte sonora7. Diferentemente de Leitner, que separa seus trabalhos pela morfologia sonoro-espacial,
Kubisch elenca suas obras de acordo com a técnica empregada (tecnologia e materiais). Pode ser
entendida também como uma categorização estilística, destacando séries de obras criadas em
momentos de redefinição das relações entre forma e material.
Igualmente ao estudo de caso anterior, a divisão em categorias em si já exprime o resultado
das primeiras análises e não deve ser tomada restritivamente, pois as características secundárias de
cada caso podem estar em todo o repertório.
A produção de Kubisch parece estar voltada a famílias de obras, o que direcionou a
abordagem dos apontamentos analíticos por agrupamento e reduzindo o número de peças
examinadas. Suas séries são volumosas e podem conter dezenas de realizações (como Consecutio
Temporum e Electrical Walks), mas todo o processo é semelhante, da concepção ao resultado
plástico, sendo estudadas como uma só entidade, relevando eventuais detalhes que distingam
individualmente um trabalho.
Os apontamentos analíticos das obras são separados em duas seções: Indução
eletromagnética (dividido em Trabalhos gerais e Electrical Walks) e Consecutio Temporum (uma
série bastante peculiar).
5.1.1. Indução eletromagnética
Neste perfil, a tecnologia tem um papel estrutural fundamental, mesmo que pareça arcaica
sem a utilização de computador. A simplicidade torna os trabalhos factíveis também em ambientes
externos de grande amplitude. Essencialmente, explora o campo magnético ao redor de fios e
dispositivos condutores produzido por qualquer corrente elétrica, algumas muito fracas e
imperceptíveis, que são captadas por aparelhos inicialmente usados por técnicos de telefonia para
identificação de interferências na rede. A interação mútua dos campos magnéticos excita os
sensores nos fones de ouvido. A transmissão de som é obtido por bobinas internas que respondem
às ondas eletromagnéticas em nosso ambiente.
7 Embora não se deseje rotular uma obra de arte, mas sim relevar o aspecto espacial de certos trabalhos sonoros, as Esculturas Sonoras são incluídas pois, no contexto da produção de Kubisch, consideram-se inseridas na arte sonora. Ficam de fora as categorias: Performances e Composições, por serem trabalhos que a representam enquanto musicista, e Trabalhos Gráficos enquadram-se nas artes plásticas e fotografia. Dentro do que a artista chama de Instalação, também não são estudadas obras exclusivamente visuais, com luz.
Aspectos espaciais da arte sonora – Borys Duque
Christina Kubisch | 61
Kubisch, no momento de transição, dos palcos para a interação do público, procurava
maneiras transformar as relações do público com a obra. Ela explica:
Eu me perguntei, como posso entrar numa sala e ouvir algo sem ter que me sentar e sem ter limite de tempo. E então, por coincidência, durante meus últimos estudos de eletrônica, me deparei com esses pequenos cubos indutores normalmente usados como amplificadores de telefone (Kubisch apud Metzger 2000: 87).
Diversos campos de cabos elétricos são distribuídos pelo espaço, formando vários
emaranhados em que sons são armazenados. Isto produz campos eletromagnéticos transmitidos e
recebidos por indução. Inicialmente, foi executado com pequenos cubos com alto-falantes que
podem ser colocados contra o ouvido. Depois, liberdade de movimento e qualidade sonora são
melhorados por meios magnéticos, isto é, fones de ouvido sem fio que a própria artista projetou.
Isto permitiu que o espectador se movesse livremente pelo salão. Cada movimento, mesmo um sutil
movimento de cabeça, criava diferentes combinações sonoras; “o visitante torna-se seu próprio
mixer e pode compor sua própria peça” (Kubisch apud Gerke 2000: 46).
Assim, desde o final dos anos 1970 e especialmente na década de 1980, Kubisch utiliza o
sistema de indução eletromagnética que se desenvolveu como uma ferramenta artística individual.
Criou incontáveis trabalhos com indução em jardins, porões, parques, igrejas, fábricas velhas,
edifícios abandonados, etc. Cada obra é simultaneamente uma exploração visual e acústica de cada
espaço.
Em 2003, começou sua pesquisa sobre uma nova série de obras no espaço público, ao
rastrear os campos eletromagnéticos de ambientes urbanos na forma de caminhadas da cidade. O
primeiro percurso da série Electrical Walks (caminhadas elétricas) ocorreu em Colônia, em 2004.
A) Trabalhos diversos
O que diferencia este grupo em relação à série Electrical Walks (a ser mostrada em seguida)
é a criação de um ambiente preparado pela artista. Sob encomenda ou criadas para uma exposição,
estas são obras projetadas e apresentam intenções mais específicas. Algumas delas são quase
programáticas, como Klanglabyrinth (labirinto sonoro), que sugere um início e um fim para o
labirinto confeccionado com fios elétricos esticados através de simples estacas de madeira num
gramado.
Aspectos espaciais da arte sonora – Borys Duque
Christina Kubisch | 62
Klanglabyrinth – Ars Eletronica, Linz, 1987. Composição em doze canais.
Nem todos os trabalhos tem documentação acessível, especialmente os mais antigos, sendo
listados a seguir alguns deles:
» Il re s pi ro de l m are - 1981 » Écouter les murs - 1981 » Murmures en sous-sol - 1982 » On Air - 1984 » Magnetic Air - 1985 » Ocigam Trazon - 1985 » Listen Through the Air - 1983 » De r Voge lbaum - 1987 » K langlabyrin th - 1987 » Le Jardin Magnétique - 1987
» Die Konferenz der Bäume - 1988/89 » Oase - 2000 » Oas i s 2000 - Music for a concrete jungle - 2000 » Magnetic Garden - 2001 » Der Magnetic Hair - 2001 » Spaces for You - 2004 » Klänge und ein Raum - 2004 » Magnetic Nets - 2005 » Dichte Wolken - 2011 » Wolken - 2012
Aspectos espaciais da arte sonora – Borys Duque
Christina Kubisch | 63
Oasis 2000 é menos inofensivo do que parece. Hoje, com espaços cibernéticos, realidade
virtual e a internet, mas principalmente com a tecnologia genética, o que consideramos natural pode
ser artificial e vice-versa. Kubisch questiona o que »verdadeiro« e o que é »falso« no seu oásis, ao
tomar conhecimento de um projeto dinamarquês que previa a fabricação laboratorial da árvore de
natal perfeita.
Oasis 2000 - Music for a concrete jungle – Hayward Gallery, Londres, 2000. Composição em quatorze canais.
Em Il respiro del mare, sons regulares das ondas do mar são armazenados num labirinto de
fio azul, enquanto o labirinto vermelho tem sons de respiração tranqüila. Se o visitante se posicionar
entre estes dois campos, as seqüências sonoras serão mixadas. [Universa Ars, Capo d’Orlando,
Sicilia, 1981. Fio elétrico vermelho e azul, cubos de indução magnética; composição em dois
canais.]
Aspectos espaciais da arte sonora – Borys Duque
Christina Kubisch | 64
Em Der Vogelbaum (a árvore dos pássaros), o mesmo princípio de Il respiro del mare é
utilizado, em vez de ondas do mar armazena sons de pássaros de várias partes do mundo que são
raros na natureza.
Der Vogelbaum – Primeira exibição em Bremen, Alemanha, 1987.
Fio elétrico verde-amarelo para aterramento, fones de ouvido eletromagnéticos; composição em doze canais.
B) Electrical Walks
Electrical Walks é um trabalho em progresso, um passeio público com fones de ouvido
especiais, sem fio, capazes de detectar campos eletromagnéticos aéreos e subterrâneos,
amplificando-os e tornando audíveis.
A gama de ruídos, o timbre e o volume variam de lugar para lugar e de país para país. Eles
têm uma coisa em comum: são onipresentes, mesmo onde não se esperaria. Sistemas de iluminação,
sistemas de comunicação sem fio, sistemas de radar, dispositivos de segurança anti-roubo, câmeras
de vigilância, telefones celulares, computadores, cabos elétricos, antenas, sistemas de navegação,
caixas eletrônicos, internet sem fio, neon de placas de publicidade, redes de transporte público, etc.
criam campos elétricos ocultos, mas de extraordinária presença.
Aspectos espaciais da arte sonora – Borys Duque
Christina Kubisch | 65
Os sons são muito mais musicais do que se poderia esperar. Há complexas camadas de alta e
baixa freqüências, loops de seqüências rítmicas, grupos de pequenos sinais, longos zumbidos.
Alguns sons são muito parecidos em todo o mundo, outros são específicos para uma cidade ou país
e não podem ser encontrados em qualquer lugar.
Huddersfield - Contemporary Music Festival 2007
Krems an der Donau - Festival Kontraste 2011
Com o fone de ouvido magnético e um mapa dos arredores, em que as possíveis rotas e
campos elétricos especialmente interessantes são marcados, o visitante pode desencadear por conta
própria ou em grupo. A percepção da realidade muda todos os dias quando se ouve os campos
eletromagnéticos, o que está acostumado aparece em um contexto diferente. Nada parece a maneira
como soa.
Linz - Ars Electronica Linz 2010
Aspectos espaciais da arte sonora – Borys Duque
Christina Kubisch | 66
Electrical Walks – cidades percorridas
1. Co l oni a
Festival Klangraum-Raumklang 2004 Faculdade de Mídia Arte
2. Oxfo rd
Festival Vent 2005
Ovada Gallery
3. Berl i m
Exposição Prolog 2005 Academia de Artes
4. Ka rl sruhe
Exposição Resonanzen 2005 ZKM
5. B rem en
Cidade da Ciência 2005
Novo Museu de Weserburg Galeria de Steinernen Kreuz
6. Londres
Festival Her Noise 2005
e Goethe-Institut
7. Ha a rl em
Festival )toon) 7 2006
8. B i rm i ng ha m
Galeria Ikon 2006
9. Londres
Expo Road motiroti/priceless 2006
10. Ri g a
Festival Skanu Mezs 2006 e Goethe-Institut
11. Nov a York
Mostra Invisible Geographies 2006
The Kitchen
12. Ol denburg
Exposição Sound//Bytes 2007 Edith-Ruß-Haus para Arte-Mídia
13. Kort r i j k
Festival Happy Ears 2007
14. Chi c a g o
Outer Ear Festival 2007 e Goethe-Institut
15. Cra c óv i a
Festival Audio Art 2007 e Goethe-Institut Bunkier Sztuki
16. Huddersf i el d
Huddersfield Music Festival 2007
17. Ci da de do Méxi c o
Festival Sonic Clouds 2008 Laboratorio de Arte Alameda
18. B rem en
Kunsthalle Bremen 2008
Sammlung / permanent collection
19. Mont rea l
OBORO e Goethe-Institut 2008
20. Quebec
Festival Mois Multi / Meduse 2008
21. Po i t i ers
Ville de Poitiers 2008
22. Da rm st a dt
INMM / Akademie für Tonkunst 2008
23. M i l ã o
Palazzo della Triennale 2009 Festival InContemporanea
24. Copenha g ue
Wundergrund Festival e Goethe-Institut 2009
25. Leeds
Expo Festival 2009
26. Rec k l i ng ha usen
Salão Recklinghausen / RUHR2010
27. Gel senk i rc hen
Museu de Arte Geksenkirchen / RUHR.2010
28. Dorst en
Jüdisches Museum / RUHR.2010
29. Ma rl
Museu da Escultura Glaskasten / RUHR.2010
30. Oberha usen
Visitorcenter / RUHR.2010
31. Li nz
Ars Electronica Linz 2010
32. Port o
Museo de Serralves 2010 Trama Festival
33. Ut rec ht
Impakt Festival 2010
34. Ta l l i nn
KUMU, Museum of Modern Art 2011
35. Turku
Festival Turku is listening 2011
36. Na nc y
Goethe-Institut Nancy 2011
37. Dort m und
Museum am Ostwall im U Dortmund 2011
38. Krem s a n der Dona u
Festival Kontraste 2011
39. Co l oni a
Festival Visual Sounds 2011
40. Hong kong
Run Run Shaw Creative Media Centre 2012
41. Ba sel
Exposição Sensing places 2012 Centro de Artes Eletrônicas Percurso permanente
42. Kosi c e
Sound City Days 2012 project of Košice 2013 European Capital of Culture
43. Aa rhus
DIEM, Danish Royal Academy of Music 2012
44. A t ena s
Hertz Festival und Goethe-Institut Athen
2012
45. Kort r i j k
Festival van Vlaanderen Kortrijk 2013 festival e caminhada permanente
46. Mosc ou
SA )))) sound artist festival 2013 e Goethe-Institut
47. B ruxel a s
Tuned City Brussels 2013
Jardim Botânico
Aspectos espaciais da arte sonora – Borys Duque
Christina Kubisch | 67
Apontamentos
O processo de criação/participação do público em Electrical Walks, já presente nos
trabalhos de indução eletromagnética anteriores, agora inclui o participante na cidade. O ato de
andar implica em lidar com questões mutáveis que afetam os cinco sentidos, transformando
experiências, alterando constantemente pontos de vista. Ao caminhar pela cidade, o indivíduo se
orienta por suas experiências passadas e presentes, pela interação com o ambiente e está sujeito
também às experiências do coletivo, implicitamente traduzidas em cidade pelo espaço
hipoteticamente programado e edifícios projetados.
Cria-se uma relação do eu/nós (participantes) com a cidade, em que o elementos já estão lá
colocados. Ao caminhar com dispositivo sonoro móvel, os sons transportados se misturam aos sons
da paisagem urbana. O ouvinte é envolvido num processo de interiorização dos elementos com os
quais entra em contato, similar à autonomia causada pelo walkman e a musica mobilis nos anos ’80,
com a ressalva de que no caso presente a ocorrência de interatividade é inequívoca. O walkman,
criado e lançado no Japão em 1980, afetou as transformações urbanas práticas e semânticas.
Hosokawa define musica mobilis (música móvel) como “aquela cuja fonte se move
voluntária ou involuntariamente de um ponto a outro, coordenado pelo transporte corporal do
possuidor da fonte” (Hosokawa 1984: 166). Destaca quatro fases de geração musical: a) na cidade,
não há divisão entre música e ruído e ambos se fundem; b) existem músicos de rua e outras fontes
musicais, criando música coletivamente; c) há também eventos transitórios (um carro que passa
com som alto, etc.) que tornam as pessoas ouvintes, ouvindo música coletivamente; d) e há o
ouvinte de walkman, que ouve música sozinho.
O aparelho walkman é o escutador solitário por excelência, porque depois que adquire
outras funções (relógio, calculadora, etc.) dispersa seu objetivo, distrai o usuário. “O walkman não é
causa nem efeito desta autonomia, tampouco a evoca ou a pratica. Ele é a autonomia, ou ainda a
autonomia do andar em si (idem). A redução de tamanho dos aparelhos tecnológicos contribui para
a mobilidade e os elementos portáteis são incorporados aos gestos quotidianos.
Mas a autonomia nem sempre é sinônimo de isolamento, individualização, separação da
realidade; não obstante, em aparente paradoxo, é indispensável para o processo de auto-unificação
(id: 170), ou seja, uma tomada de consciência de si do que o cerca, uma atuação constante com o
interior e a realidade externa representada pelo nomadismo (em detrimento do sedentarismo).
Aspectos espaciais da arte sonora – Borys Duque
Christina Kubisch | 68
Electrical Walks oferece um percurso ativo com a cidade e entre os participantes, conhecendo uma
cidade invisível e normalmente inaudível. Muitas vezes solitário, mas também coletivo.
5.1.2. Consecutio Temporum
Consecutio temporum (passagem do tempo) dá título a uma serie de instalações criadas em
salas que passaram por transformações históricas. A primeira delas foi realizada em 1993 no antigo
atelier de Joseph Beuys na cidade de Kleves, atual arquivo municipal. Começou com um convite
para criar uma instalação de luz e som, sem autorização para mudar nenhum elemento do lugar.
Kubischse deparou com um problema cuja solução se tornaria uma de suas marcas registradas,
recorrendo a elementos imateriais como som, luz, memória. No final, a sala ficou bem diferente
pela mudança radical na iluminação e pela rede acústica de geradores ultra-sônicos, quase
imperceptíveis.
Comum a todas essas obras é o fato de usar intencionalmente partes salientes para
delicadamente realçar traços de sua história. A exposição dos traços de decadência e de mudanças
espaciais que ocorreram desencadeia uma introspecção associativa para dentro da história, mas sem
o caráter historicista. Os meios artísticos de modelagem são limitados a luz e som.
As instalações têm o caráter de um processo temporal cujo curso não é determinado ou
previsível – como o próprio curso da história.
Aspectos espaciais da arte sonora – Borys Duque
Christina Kubisch | 69
Obras da s é rie Cons e cu t io Te m porum
1 consecutio temporum
passagem do tempo, 1993
Kleve, Alemanha, arquivo municipal de Kleve / Antigo estúdio de Joseph Beuys
2 consecutio temporum II
passagem do tempo II, 1994
Berlin, Academia de Artes, Leste
3 consecutio temporum III
passagem do tempo III, 1994
Rio de Janeiro, Brasil, Paço Imperial
4 Sechs Spiegel
seis espelhos, 1994
Saarbrücken, Alemanha, Ludwigskirche
5 Wintergarten
jardim de inverno, 1995
Berlin, Haus am Waldsee, antigo jardim de inverno
6 Sky Lights
luzes celestes, 1995
Filadélfia, Estados Unidos, Eastern State Penitentiary
7 Zwei Wände und acht Klänge
doze paredes e oito sons, 1995
Hanover, Alemanha, fábrica de gelo
8 Elf Fenster und elf Klänge
onze janelas e onze sons, 1996
Saarbrücken, Alemanha, mercado municipal de St. Johanner
9 Acht Säulen und ein Raum
oito colunas e um espaço, 1996
Ulm, Alemanha, Associação de Artes de Ulm, Schuhhaussaal
10 Neun Türen und neun Klänge
nove portas e nove sons, 1996
Berlim, Podewil, antigo palácio de Podewilssches
11 A roof and twelve sounds
um telhado e doze sons, 1997
Utrecht, Holanda, Akademiegebouw, groot Kapitelhuis van de Dom
12 in memoriam
in memoriam, 1997
Kassel, Alemanha, igreja São Martin, cripta do príncipe
13 Sieben Fenster und acht Klänge
sete janelas e oito sons, 1997
Backnang, Germany, Turmschulhaus, ehem. Gotischer Chor St. Michael
14 dodici luci e undici suoni
doze luzes e doze sons, 1997
Roma, Itália, igreja de Santa Caterina de Funari
15 Zehn Säulen und zehn Klänge
dez colunas e dez sons, 1999
Paderborn, Alemanha, Capela de Bartolomeu
16 Klangquelle
fonte sonora, 1999
Paderborn, Alemanha, fonte da adega - Palácio Imperial
17 Souvenirs Fragiles
frágeis lembranças, 2000
Luxemburgo, fórum de arte contemporânea, antiga adega do cassino Luxemburgo
18 Zwölf Säulen und elf Klänge
doze colunas e onze sons, 2000
Munique, Alemanha, Igreja Carmelita
19 Zwölf Türen und zwölf Klänge
doze portas e doze sons 2000
Rüsselsheim, Alemanha, andar de funcionários da antiga vila Opel
20 Minnen
minas, 2003
Estocolmo, Suécia, Museu de Arquitetura
21 Arkadien
Arcádia, 2004
Oberhausen, Alemanha, Bunkermuseum
22 Großes Tor
grande portão, 2005
Hanover, Alemanha, Marktkirche
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5.2. Conclusões
Criação de espaços a partir de montagens escultóricas
Os trabalhos com característica escultóricas são predominantes no universo da arte sonora,
podendo encontrar semelhanças entre Christina Kubisch e Robin Minard, dentre outros. As peças
são montadas com múltiplos alto-falantes pequenos, concentrados, formando desenhos visualmente
interessantes, com aspectos escultóricos, mas que também configuram regiões e pontos focais a
partir do som. As freqüências agudas dos falantes de pequeno porte fornecem maior
direcionalidade, facilitando a criação de campos sonoros demarcados.
O espaço-tempo alcançado pela memória
O efeito da memória pessoal e da história do local colocados no centro da percepção do
espaço; a artista lida com a relatividade psicológica do tempo.
Arte sonora além do som
Uso de iluminação especial, sobretudo luz negra, dão equilíbrio no uso de estímulos visuais
e auditivos. Se mantém fortemente atrelada à idéia de site specific porque estuda cada local de
instalação das obras, compondo-as em função do que é descoberto. Ela explora detalhes
arquitetônicos únicos, como colunas, portas e janelas (que em seqüência ou com abertura para
mundos distintos despertam nela ligações para compor), ranhuras e manchas nas paredes (que
remetem à história vivida ali), coberturas frágeis, etc.
Aspectos espaciais da arte sonora – Borys Duque
Análises Gerais | 71
6. Análises gerais
6.1. Confrontação Leitner/Kubisch
A comparação se dá sob os domínios fenomenológico e conceitual, isto é, sob os modos de
abordagem da percepção do visitante e certas implicações abstratas.
Em ambos, o fenômeno sonoro e a sensação são importantes, mas em Kubisch a sensação
pode freqüentemente se expandir para um tipo de sensação-sentimento. Atribui ao som uma
significação abstrata, ao associá-lo, muitas vezes, à aparência visual da fonte, à memória histórica
do lugar ou à memória afetiva do espectador. As sutilezas são atingidas na sua potencialidade
quando ocorre a entrega do visitante aos detalhes cuidadosamente oferecidos.
Concretamente, Leitner é menos visual do que Kubisch. Para ele a experiência espacial é
suficientemente completa pela audição, embora não deixe de trabalhar com acabamentos
visualmente resolvidos que se incorporam ao conjunto. Em grande parte das obras de Leitner, a
movimentação é o que leva à experiência do espaço sonoro. Em Kubisch, o som funciona mais
como uma ambientação, a criação de uma atmosfera sensível que instiga a procura por referenciais.
O grande interesse de Kubisch na porção visual está patente no uso elaborado de luz negra e outras
forma de iluminação, com as quais revela elementos quase invisíveis.
Paradoxalmente (pelo fato de Leitner ser arquiteto), Leitner inclui muito pouco a arquitetura
em suas obras ou o faz numa camada de superfície. Grande parte dos trabalhos podem não ser
considerados site specific devido à sua reprodutibilidade. Modifica a dimensão espacial sem se
preocupar fundamentalmente com o controle acústico do conjunto, a exemplo da posição dos
objetos em relação às paredes (como visto anteriormente nas conclusões sobre o artista: na
relativização do espaço provocada pelo movimento, portanto “independente” do entorno)
Evidentemente, existem muitas obras mais arraigadas à construção, como as instalações
permanentes e aquelas estruturadas na reflexão do ambiente.
Por outro lado, Kubisch, diferentemente de Leitner e de muitos colegas, incorpora
totalmente o lugar com uso de som, luz, extensas instalações, ligações internas e externas, inclusive
trazendo suas memórias.
Aspectos espaciais da arte sonora – Borys Duque
Análises Gerais | 72
Leitner se aproxima de Kubisch em:
• Le Cylindre Sonore - pela fusão entre sons do ambiente e sons produzidos, sons “naturais” e
“artificiais”. Os aspectos visual e sensorial da arquitetura são incorporados pelo artista como
uma ruína bucólica no parque.
• Sound Space / Scarred – é um espaço sonoro sem som, apropriando-se da memória histórica
do local. São sugeridos ruídos de guerra pela associação das peças instaladas junto a marcas
nas paredes do edifício em ruínas.
• Syn/Ergon (2006) – é uma intervenção artística mais cenográfica do que de arte sonora. Foi
encomendada comemorativamente para a fachada/entrada da Linz AG (um conglomerado
austríaco na área de infra-estrutura, transportes e telecomunicações). Apresenta painéis de
acrílico com textos aludindo à grande gama de atividades da empresa, uma paisagem sonora
urbana de 24 canais, e luz negra como principal iluminação.
Este tipo de abordagem – arquitetura sensorial e visual, memória histórica e afetiva de um
local uso de luz negra como uma forma de escuridão (silêncio relativo) – são mais recorrentes em
Kubisch, quase uma marca registrada.
Interatividade
• Leitner: o lugar está configurado, “basta” o público percorrê-lo.
• Kubisch: mais interativa / pró atividade do público;
Forma e conteúdo
• Leitner: a proposta de diferentes materiais num novo trabalho pode alterar a superfície
estética, mas preserva forma e conteúdo numa apreensão global (percepção espacial,
movimento, visão, audição etc.).
• Kubisch: algumas mudanças de material podem afetar forma e conteúdo; cada novo
mecanismo criado proporciona diferentes investigações pelo público.
Aspectos espaciais da arte sonora – Borys Duque
Análises Gerais | 73
6.2. Apontamentos sobre Arte Sonora
Ao estudar os dois artistas, as relações entre eles e sua inserção na arte sonora, foram
constatadas noções de maior abrangência e alguns conceitos potencialmente aplicáveis globalmente
à arte sonora. Algumas idéia estiveram patentes no decorrer do texto e integram de forma
reconhecível as generalidades da arte sonora, como p. ex., a diluição do tempo. Outras questões são
sugeridas a seguir e podem também ser pertinentes a outros campos artísticos.
Processo e presença
A interatividade de uma obra tem a ver com a idéia da arte processual, em que produto e
processo são a mesma coisa, incluída a interferência do público. A experiência acústica ocorre
durante a composição/execução, pois não é o efeito aural que está prescrito, mas o ação de gerá-lo.
Neste caso, não se questiona a reprodução de uma experiência: cada visita produz uma obra pela
primeira vez.
Registro | Gravação
Identificam-se problemas de reprodutibilidade da imersão sonoro-espacial comparáveis à
representação da escultura via fotografia. A experiência vivida ao visitar uma instalação não pode
ser reproduzida em outro ambiente, com outra estrutura. É uma questão de especificidade local (site
specificity). Mas não há a intenção do registro per se. “Inúmeras performances de Tony Conrad, La
Monte Young, Alvin Lucier, Charlemagne Palestine, Nam June Paik e outros nunca foram feitas
com a intenção de serem gravadas e preservadas. Existiram apenas no momento da própria ação”
(Assche 2002: 12).
Quando é feito o registro apenas do áudio, resulta em redução e fusão das camadas para uma
reprodução em estéreo; utilizam-se apenas dois canais, mesmo que aparelhos mais amplos já
estejam comercialmente bastante difundidos, como o sistema surround 5.1, utilizado
domesticamente em home theathers. Esses registros aparecem como idéia de peça artística em outro
plano, outra linguagem, quase uma peça eletroacústica. Podem resultar em peças audiovisuais
editadas como videoclipe ou documentário de curta/média-metragem, sobrepostos por rudimentos
ficcionais e técnicas mistas. Cria-se um “filme” tão interessante quanto a obra que este divulga,
procurando instigar o espectador a experimentá-la em toda potência, presencialmente. Portanto, o
processo de gravação/reprodução não é exatamente um problema, é apenas um registro
conscientemente limitado, que eventualmente procura complementar a obra original pela criação de
uma peça artística em outra mídia.
Aspectos espaciais da arte sonora – Borys Duque
Análises Gerais | 74
Arte e Ciência
“A fusão de som e imagem em um único espaço, ao mesmo tempo aberto e fechado, também tem a ver com igualdade entre arte e não-arte: a sobrevivência artística compete com a reprodução infinita; tal como operações de computador competem com o ritmo de gongos ancestrais e com o rangido de ferramentas mecânicas; tal como a manipulação de microfones compete com a evocação dos mortos; a crítica social com o tabuleiro de jogo; e a reciclagem de fragmentos e lixo com a perda no grande oceano primordial” (Rancière 2002: 18).
Nos anos 2000, as escolas de arte austríacas foram convertidas em Universidades. Sob da
orientação da Universidade Kunstlerausbildung estabeleceu-se uma forte idéia baseada no modelo
da teoria da arte dos anos 90 de que arte é uma forma de ciência. Na verdade, muitos são os artistas
neo-conceitualistas orientados dos anos 90 genuinamente científicos, que utilizam métodos como
etnógrafos, ambientalistas, urbanistas, pesquisadores sociais, dentre outros (Wagner 2005: 9). O que
é novo, desde então, é que os alunos (pelo menos teoricamente) não têm mais um professor, o
"mestre" fixo; dentro de uma instituição, toda a gama de ensino segue este modelo. O perigo de que
a relação mestre-estudante gere uma cópia do mestre é portanto, reduzida. Na verdade, os antigos
"master classes" permanecem intactos. As aulas ocorrem presencialmente e em conferencias
multimídia, recorrendo-se a outros professores apenas em caso de emergência. Por isso ainda
depende muito da amplitude do currículo, variedade de formações dentro de uma classe.
O atual acesso a informações permite conhecer o outro campo e lidar com certa autoridade
sem ter de tornar-se um “especialista”, pois o conhecimento está tacitamente estabelecido, um lado
implica o outro. “O som não é mais somente um instrumento da expressão musical; projetado com
precisão, torna-se elemento construtivo do espaço” (Leitner 1994: 30).
Isto permite maior liberdade técnico-criativa devido à não-dependência de outros envolvidos
na resolução de problemas; porém, o perigo de superficialidade é constante – mesmo estando numa
posição polivalente, a pessoa não é capaz de apreender a integral complexidade de dado assunto,
mas tem a ilusão de pleno domínio.
Na esfera do som, a técnica como arte e a arte como técnica aparecem, por exemplo, nos
dispositivos e sistemas destinados a simulação de ambientes acústicos tridimensionais que “saem
hoje do domínio da pesquisa científica para se tornarem ferramentas destinadas também à criação
musical e sonora” (Genevois 1998: 13).
Aspectos espaciais da arte sonora – Borys Duque
Análises Gerais | 75
Espaço sonoro: uma tradução do contínuo espaço-tempo
Os parâmetros musicais são referenciais para compreensão do som na arte sonora e na
identificação de conceitos, processos e estéticas envolvidos. A música como ferramenta de análise
do espaço em relação ao som oferece diferentes tratamentos do tema, conforme aponta Solomos:
Através dessas três etapas (esp aç o c omo metá f ora , esp ac ia l izaç ão d o som e p esq uisa sob re o c ontinuo esp aç o-som), vê-se o espaço penetrar cada vez mais na música desde, paradoxalmente, o sonho debussysta de uma música cósmica sob forma de levitação sem quebrar as das paredes da sala de concerto. (Solomos 1998: 107)
O contínuo espaço-som remete ao espaço-tempo da física moderna. Como visto
anteriormente, há uma confluência de arte e ciência. Cada vez mais procura-se aplicar
concretamente conceitos científicos em diversos campos, como o contínuo espaço-tempo, mas sem
a complexidade e a rigidez da física quântica na qual se baseia.
Para explicar essa idéia, Xenakis (1992: 255-267) recorre à teoria de Einstein da relatividade
do tempo, que interliga tempo e espaço graças à finitude da velocidade da luz; portanto, tempo não
é absoluto. Explica que somente percebemos o tempo devido a mudanças de estado, alterações. Não
é possível ir de um ponto a outro do espaço instantaneamente. Deslocamento demanda tempo. A
percepção de cada estado depende da relação com o estado anterior (anterioridade), apreendido pela
memória. É preciso distinguir entidades para identificar as mudanças. A seqüência de estados
anteriores e posteriores, um após o outro, gera uma continuidade de transformações, um fluxo
contínuo. Este sistema (tempo) é compreendido pelo processo inverso: existe um contínuo no qual
identificam-se pontos de referência. Esses pontos de referência são comparáveis, mensuráveis, o
que “nos permite lhes atribuir distâncias, intervalos, durações. Uma distância, traduzida
espacialmente, pode ser considerada como deslocamento, um passo, o salto de um ponto a outro,
um salto não-temporal, uma distância espacial” (Xenakis 1992: 264-5). Intervalos e durações
também estão relacionados ao fenômeno sonoro, mas Xenakis aprofunda ainda mais a ligação entre
tempo e espaço na composição musical8, concernente à forma, estrutura e sistema:
Uma regra ou lei significa procedimentos finitos ou infinitos, sempre iguais, aplicados a elementos contínuos ou “discretos”. Esta definição implica na noção de repetição, de recorrência no tempo ou simetria em domínios fora do tempo (hors temps). Portanto, para uma regra existir, deve ser aplicável inúmeras vezes na eternidade do tempo e espaço. Se uma regra existir somente uma vez, será engolida nessa imensidão e reduzida a um único ponto, portanto inobservável. Para ser observável, deve ser repetível um infinito número de vezes. (idem: 258)
8 Para esta análise, as idéias e teorias de Xenakis relativas à música são consideradas aplicáveis à composição do som como um todo, portanto, também à arte sonora.
Aspectos espaciais da arte sonora – Borys Duque
Análises Gerais | 76
Espaço sonoro: paradigma do canal de comunicação
Em arte sonora, freqüentemente chega-se ao comum termo “espaço sonoro” quando em
trabalhos mais amplos, sintetizando esta linguagem ao destacar seus elementos mais particulares, ou
pelo menos uma combinação peculiar desses dois elementos – espaço e som (interação e tempo
estão de certo modo implícitos e o aspecto visual pode-lhe ser considerado historicamente
pertencente). O espaço é tão concreto quanto complexo. Historicamente, seu curso extrapola o
aspecto visual, com sons que “se desdobram em formas tridimensionais como esculturas, ativa ou
passivamente, estaticamente ou em movimento. Sua individualidade, história e evidência não são só
o meio, mas também a mensagem” (Gerke 2000: 48). Sobre os conceitos implicados nessa
associação, pode-se fazer um paralelo com as artes visuais em geral (até extrapolando para a arte de
rua), compreendendo-as como um ganho territorial para fora das galerias, ocupando a cidade.
Antes de haver uma mudança de ambiente, do salão a espaços diversos e até à rua, há que se
notar a incorporação do meio enquanto suporte, conteúdo e mensagem: desde o modernismo, as
arte plásticas rompem os limites físicos de sua manifestação. Sobre a evolução espacial da pintura
no século XX e sua expansão para além da moldura, O’Doherty discorre que “à medida que o
suporte do conteúdo se torna cada vez mais ralo, a composição e o tema e a metafísica transbordam
a beirada até que, como disse Gertrude Stein a respeito de Picasso, o esvaziamento seja total”
(O’Doherty 2007: 14). A mudança do paradigma espacial reside, antes, na ampliação da relação
objeto/observador. De um lado, o objeto passa a fazer parte de um contexto, deixa de ser
independente do entorno e o incorpora para um significado total: a arte do objeto ocupa mais que o
próprio objeto. De outro, o observador é posto imerso no círculo da obra e com ela interage, não
mais encarando-a num binômio apartado, frio, imediato.
Até meados do século XX, a música oferece alguns exemplos de tentativa de
“espacialização” dos sons sem que isso se tornasse, no entanto, uma prática recorrente e uma
qualidade universal para música. Com a acusmática, antigo procedimento recuperado pela música
eletroacústica, esta realização se torna mais freqüente, com ampliação de possibilidades. A relação
entre som e ouvinte se amplia para além de si mesmos, por meio do espaço que ocupam. O espaço
se torna parte do som e ambos acolhem o observador/ouvinte.
Invisibilidade e temporalidade, interpretadas num processo ativo, conferem características
de não-ser ao som, cuja habilidade de mesclar-se a outros sons e sua ausência de fronteiras
representam um fenômeno equivalente aos conceitos artísticos de interpenetração, não-objetividade
e não-obstrução (Leitner 1994: 30).
Aspectos espaciais da arte sonora – Borys Duque
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Considerações finais
Inicialmente, a pesquisa baseou-se no estudo de aspectos espaciais da música a partir da
década de 1950. Esperava-se estabelecer relações entre a espacialização musical e as mais variadas
atividades artísticas contemporâneas que utilizem som e espaço como matérias primas. No entanto,
percebeu-se que não há uma relação causal entre música e arte sonora, pois esta adveio dum
intercâmbio não-linear e não-delimitado de práticas artísticas, mesclando música, artes plásticas,
arquitetura. Esta averiguação levou à alteração do recorte da pesquisa, elegendo a arte sonora como
enfoque. Todavia, a música não foi de modo algum deixada de lado, pois sempre oferece subsídios
para o emprego do som enquanto material expressivo.
Seria desejável maior aprofundamento nos estudos de caso, entender como cada artista
resolveu, da concepção à materialização das obras, empírica ou cientificamente, problemas técnicos
de: a) acústica – se ouve medição acústica das salas e materiais utilizados; como foi feito o
posicionamento das fontes sonoras, rebatedores, etc.; qual o processo da escolha de freqüências e
timbres específicos para atingir resultados com tamanha objetividade; b) tecnologia – quais
equipamentos foram usados, etc.; c) vínculos e apoios institucionais diretamente envolvidos na
produção; d) feedback do público, uma vez que são trabalhos interativos com propostas e
abordagens bem especificas, tecnicamente, receptivamente, etc. Apesar das implicações técnico-
artísticas, centrais na arte contemporânea, trata-se de trabalhos artísticos, não científicos, não sendo
necessário para boa apreciação saber quais os métodos usados. O memorial do projeto, que pode
acompanhar uma criação, geralmente ofereça informações variadas que ajudam a entender a obra,
mas muitas vezes é nada mais que uma descrição poética. Compreende-se, portanto, o nível de
aprofundamento possível.
Outro ponto da pesquisa foi o contato com o material feito à distância, sem visitar as obras,
o que, como visto no decorrer da pesquisa, implicam numa compreensão incompleta, não-imersiva;
a presença é fator intrínseco à arte sonora mesmo que determinada obra não seja site specific.
Todavia, a metodologia usada permitiu direcionar os dados para a organização das obras em
categorias e a construção parâmetros de comparação.
Assim, pelo porte da pesquisa de iniciação científica, consideram-se bastante satisfatórios os
resultados obtidos.
Aspectos espaciais da arte sonora – Borys Duque
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