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U N I V E R S I D A D E P A R A N A E N S E – U N I P A R
A I R T O N J O S É C E C C H I N
ASPECTOS PROBATÓRIOS DAS AÇÕES RELATIVAS A
ACIDENTES DE TRABALHO
UMUARAMA
2007
AIRTON JOSÉ CECCHIN
ASPECTOS PROBATÓRIOS DAS AÇÕES RELATIVAS A
ACIDENTES DE TRABALHO
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Universidade Paranaense – UNIPAR – Programa de Mestrado em Direito Processual e Cidadania, como exigência parcial para a obtenção do título de MESTRE em Direito. Orientador: Prof. Dr. José Miguel Garcia Medina
UMUARAMA
2007
AIRTON JOSÉ CECCHIN
ASPECTOS PROBATÓRIOS DAS AÇÕES RELATIVAS A ACIDENTES DE
TRABALHO
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Universidade Paranaense – UNIPAR – Programa de Mestrado em Direito Processual e Cidadania, como exigência parcial para a obtenção do título de MESTRE em Direito.
______________________________________________________________ Professor Doutor José Miguel Garcia Medina
Universidade Paranaense - UNIPAR
______________________________________________________________ Professor Doutor Ivan Aparecido Ruiz
Universidade Estadual de Maringá - UEL
______________________________________________________________ Professor Doutor Eduardo Cambi Universidade Paranaense - UNIPAR
Umuarama, de de 2007.
À minha esposa e colega de trabalho Denize, pelo carinho, amor, compreensão e colaboração.
Ao meu querido filho Eduardo, pela colaboração e por saber compreender minhas freqüentes ausências nesta longa caminhada. Aos meus pais, pela vida e pela educação.
AGRADECIMENTOS
A Deus, pela proteção e segurança, pela vida e pela esperança.
Ao Professor orientador, Doutor José Miguel Garcia Medina, jurista renomado,
exemplo ético e profissional, com extraordinária produção jurídica, meu reconhecimento
sincero e minha eterna gratidão pela orientação eficiente e segura, sem a qual esta pesquisa
não seria concluída.
Ao Professor, Doutor Jônatas Luiz Moreira de Paula, coordenador do curso de
mestrado, que, pela dedicação e presteza em suas atividades, tem oportunizado aos operadores
de direito a necessária atualização jurídica.
Ao Professor, Doutor José Aparecido de Souza, pela inestimável colaboração
metodológica a esta pesquisa.
Ao Professor, Doutor Celso Hiroshi Iocohama, pela incansável dedicação ao ensino
superior, formando profissionais da educação com zelo e sabedoria.
À Professora e Juíza do Trabalho, Dra. Ilse Marcelina Bernardi Lora, pelos
ensinamentos jurídicos e pela colaboração incondicional ao aperfeiçoamento profissional.
À Professora Sueli Bevilacqua Baleeiro de Lacerda, pela revisão desta pesquisa com
a presteza que lhe é peculiar.
Aos colegas de trabalho, em especial o Dr. Pedro Albino Vieira Vilande, motivador
incomparável.
Aos colegas de mestrado, especialmente os companheiros de viagem, Aline
Morelatto, Ademir Veiga e Giorge Lando.
Aos colegas professores da Unipar de Francisco Beltrão, pela colaboração e
incentivo, especialmente Aldina Pagani, Cristiane Gabriel Pacheco e Luiz Antônio Fabro de
Almeida.
Aos Professores do Programa de Mestrado em Direito da Unipar: Doutor Luiz
Fernando Coelho, Doutor Luiz Guilherme Bittencourt Marinoni, Doutor Paulo Roberto de
Souza, Doutora Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira, Doutora Tereza Rodrigues Vieira,
Doutor Zulmar Facchin, Doutor Adauto de Almeida Tomaszewski, a todos, meus sinceros
agradecimentos pelos conhecimentos que me foram transmitidos.
“Todas as fortunas de todos os homens não valem a vida
de um só homem honrado”
(Liebmann)
“O procedimento lógico de corrigir as desigualdades é o
de criar outras desigualdades”.
(Eduardo Couture)
CECCHIN, Airton José. Aspectos probatórios das ações relativas a acidentes de trabalho. Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito Processual e Cidadania da Universidade Paranaense. Umuarama, 2007.
RESUMO
A reforma do Poder Judiciário provocada pela Emenda Constitucional nº. 45/2004 trouxe profundas alterações na competência material da Justiça do Trabalho. A acirrada divergência jurisprudencial e doutrinária para apreciar pedido de indenização por danos morais e materiais decorrentes de acidente do trabalho foi superada por decisão do STF, após a edição da referida emenda, atribuindo à Justiça Especializada competência para dirimir conflitos acidentários de natureza civil. A alteração da competência determina ao operador jurídico a utilização do processo trabalhista, com regras e princípios próprios, especialmente no que se refere à distribuição do ônus da prova. Esta pesquisa visa apresentar critérios probatórios compatíveis com a modernidade processual, diante da necessidade de reparar os danos sofridos pelas vítimas de acidentes do trabalho. Examina-se a responsabilidade civil subjetiva, objetiva e subjetiva com inversão do ônus da prova, em consonância com a moderna teoria da carga dinâmica da prova. Para tanto, discute-se acerca do estabelecimento/exclusão do nexo causal e das concausas acidentárias, com análise detalhada dos acidentes de trabalho e situações equiparáveis, destacando-se a presunção legal acidentária, estabelecida pelo nexo técnico epidemiológico previdenciário (NTEP), que determina a inversão do ônus da prova. Com o objetivo de dar suporte jurídico à inversão do ônus da prova, apontam-se novas tendências da responsabilidade civil, dada a crescente flexibilização da responsabilidade subjetiva, através da teoria da culpa presumida do causador do dano, da responsabilidade contratual do empregador, da culpa contra a legalidade e da culpa por violação do dever geral de cautela. Analisa-se a responsabilidade objetiva pelo fato da coisa e nas atividades perigosas desenvolvidas pelo trabalhador, com fundamento na teoria do risco, aplicável em acidentes de trabalho e acolhida pelo art. 927, parágrafo único do Código Civil. Além disso, abordam-se aspectos gerais referentes à prova no processo do trabalho, procedimento adotado nas ações acidentárias, com destaque aos meios de prova, ao princípio da liciedade das provas e ao princípio da proporcionalidade. Considerando o entendimento majoritário de que a responsabilidade do tomador de serviços é subjetiva bem como a necessidade de reparação dos danos causados às vítimas de acidentes, pois o direito à prova é constitucionalmente garantido, produziu-se tópico específico sobre a correta distribuição do ônus da prova, com o objetivo de identificar a quem cabe o onus probandi no processo do trabalho, com análise de suas principais peculiaridades, à luz das normas legais e dos ensinamentos doutrinários e jurisprudenciais sobre a matéria. Examinam-se aspectos gerais e específicos do onus probandi, com apoio na doutrina, na teoria da carga dinâmica da prova e nos dispositivos legais insculpidos na Consolidação das Leis do Trabalho, no Código de Processo Civil e no Código de Defesa do Consumidor, com análise detida acerca da possibilidade de aplicação subsidiária desses Códigos ao processo do trabalho. Procede-se à pormenorização dos diversos critérios utilizados na distribuição da prova como instrumentos aptos à promoção da justiça, mediante uso da eqüidade.
PALAVRAS-CHAVE: Acidente de trabalho. Responsabilidade civil acidentária. Processo do trabalho. Ônus da prova. Critérios de distribuição do onus probandi.
CECCHIN, Airton José. Probatory aspects of the relative actions to you alter of work. Dissertation presented to the Program of Master's degree in Procedural Right and Citizenship of the Universidade Paranaense. Umuarama, 2007.
ABSTRACT
The reform of the Judiciary Power provoked by the Constitutional Amendment number 45/2004 brought deep alterations in the material competence of the Labor Justice. The intransigent jurisprudencial and doctrinaire divergence to appreciate compensation request for moral and material damages current of labor accident was overcome by decision of the STF, after the edition of the referred amendment, attributing to the Specialized Justice competence to clear accident conflicts of civil nature. The change of competence determines to the juridical operator the use of the labor process, with rules and own principles, especially in what refers to the distribution of proof onus. This research aims to present compatible probatory criteria with the procedural modernity, due the need to repair the suffered damages for the labor accident victims. The subjective, objective and subjective with inversion of the proof onus civil responsibility is examined, in consonance with the modern proof dynamic weight theory. So long, is discussed concerning the establishment/exclusion of the causal connection and the accident concausas, with detailed analysis of the labor accidents and comparable situations, standing out the legal accident presumption, established by the epidemic welfare technical connection, with the objective of giving juridical support to the onus proof inversion new tendencies of civil responsibilities are appointed due to growing flexibility of subjective responsibility throug damage maker`s presuntive culpability; of the employer`s contractual responsibility, of the guilty against legality and guilty by violation of general duty cautela. In this study is analyzed the objective responsability by the thing fact itself and in the dangerous activities developed by workers based in Risk Theory, applicable in labor accident and housed by article. 927, unique paragraph of the Civil Code. Besides, general aspects are approached regarding the proof in the labor process, procedure adopted in accident actions, with prominence in the instruments of proof, licit principle and the proportionality principle. Considering the majority understanding that the service consumer responsibility is subjective as well as the need of repairing the damages of accidents victims, because the right to the proof is constitutionally guaranteed, specific topic was produced about the correct distribution of the proof onus, with the objective to identify to whom onus probandi fits in the labor process, with analysis of their main peculiarities, on the light of the legal norms, jurisprudential and doctrinaire teachings. General and specific aspects of the onus probandi are examined, with support in the doctrine, in proof dynamic weight theory and in the legal instruments sculptured in the consolidation of the labor laws, in the Civil Process Code and in the Consumer Defense Code, with analysis concerning the possibilities of subsidiary application of those codes to the labor process. Going into details of the several criteria used in the distribution of the proof as capable instruments of justice promotion, by use of justness. KEY-WORDS: Labor accident. Accidental civil responsibility. Labor process. Proof onus. Onus probandi distribution criteria.
LISTAS DE ABREVIATURAS E SIGLAS
art. – Artigo CC – Código Civil. CDC – Código de Defesa do Consumidor. CF – Constituição Federal do Brasil de 1988 CID-10 – Código Internacional de Doenças CIPA – Comissão Interna de Prevenção de Acidentes CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas. CNA – Classificação Nacional de Atividades Econômicas CP – Código Penal CPC – Código de Processo Civil. Dec. – Decreto Des. – Desembargador DJU – Diário Oficial da Justiça da União EC – Emenda Constitucional FAT – Fator Acidentário de Prevenção FGTS – Fundo de garantia por tempo de serviço Inc. – Inciso INSS – Instituto Nacional da Seguridade Social LTCAT – Laudo Técnico de Condições Ambientais de Trabalho Min. – Ministro n.º – Número NRs – Normas Regulamentadoras NTEP – Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário OIT – Organização Internacional do Trabalho ONU – Organização das Nações Unidas p. – Página/ páginas PCMSO – Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional PPRA – Programa de Prevenção de Riscos Ambientais, rel. – Relator RT – Revista dos Tribunais s. – Seguinte/ seguintes SAT – Seguro de Acidentes do Trabalho SJTST – Súmula de Jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho STF – Supremo Tribunal Federal STJ – Superior Tribunal de Justiça TRF – Tribunal Regional Federal TRT – Tribunal Regional do Trabalho TST – Tribunal Superior do Trabalho v.g. – Verbi gratia (por exemplo) vol. – Volume
INTRODUÇÃO
Após a Emenda Constitucional nº. 45/2004, consolidou-se, definitivamente, a
competência da Justiça do Trabalho para apreciar pedido de indenização por danos morais e
materiais decorrentes de acidente do trabalho. Em decorrência disso, impõem-se, doravante, o
manejo dos procedimentos previstos no processo do trabalho, sem prejuízo da aplicação
subsidiária do direito processual comum, nos termos do art. 769 da CLT.
Dentre as inúmeras técnicas do processo do trabalho a serem observadas, são de
relevância ímpar os aspectos probatórios das ações relativas a acidentes de trabalho. Com o
propósito de oferecer ferramentas jurídicas compatíveis com os preceitos modernos de direito
e processo defendem-se critérios probatórios compatíveis com a modernidade processual.
A distribuição do ônus da prova entre as partes litigantes é tema que sempre
provocou significativa controvérsia na doutrina e na jurisprudência. Trata-se de matéria de
relevância incomparável, pois que, no desenrolar do processo, é através da prova que o direito
se efetiva, viabilizando ao lesado a reparação do direito cujo cumprimento espontâneo foi-lhe
negado pela parte adversa ou, ainda, propiciando ao réu defesa contra imputação injusta.
Porém, nem sempre alegar/contestar direitos em juízo é sinônimo de procedência do pedido,
uma vez que a lei processual impõe às partes a prova de suas alegações e veda ao magistrado
conferir direitos que não foram requeridos e/ou provados.
Antes de adentrar, porém, no aspecto probatório específico, faz-se necessário
rememorar aspectos relevantes da responsabilidade civil, iniciando-se pela evolução histórica
e os delineamentos da responsabilidade civil subjetiva e objetiva. Além de conceituar
preceitos básicos e fundamentais que justifiquem o dever de indenizar, examinam-se temas
relacionados com o estabelecimento do nexo causal, as concausas e as hipóteses de exclusão
do nexo causal, pois são aplicáveis diretamente ao processo, uma vez que o nexo é um dos
pressupostos da responsabilidade civil, inclusive na responsabilidade objetiva.
Após, analisa-se, detalhadamente, os acidentes de trabalho e situações equiparáveis
(acidente típico e doenças ocupacionais) previstos na legislação em vigor, demonstrando a
relevância do tema e a evolução histórica da infortunística. O intuito é estabelecer parâmetros
e distinções sobre a natureza acidentária previdenciária, de responsabilidade do INSS, e a
natureza acidentária civil, que pode gerar responsabilidades ao tomador de serviços. Além
disso, destaca-se a inovação legislativa que estabeleceu o Nexo Técnico Epidemiológico
Previdenciário (NTEP), com inegável repercussão no processo do trabalho, pois criou-se
regime especial de presunção legal, a qual determina a inversão do ônus da prova em prol da
vítima. Nesse contexto, defende-se que a predisposição acidentária pode impedir a
contratação ou determinar a dispensa de trabalhadores sem que isso configure discriminação.
Tópico especial foi destinado à responsabilidade acidentária do empregador, objetiva
ou subjetiva com inversão do ônus da prova, de especial aplicação ao processo do trabalho.
Nessa esteira, examina-se a crescente flexibilização da responsabilidade subjetiva, através da
teoria da culpa presumida do causador do dano (inversão do ônus da prova), como escala
intermediária entre a responsabilidade subjetiva e objetiva; destaca-se a teoria da
responsabilidade objetiva pelo fato da coisa ou pela guarda da coisa (teoria do risco criado), a
qual, inspirada na doutrina francesa, tem suas raízes na necessidade de se amparar as vítimas
de acidentes do trabalho. Salienta-se que, na concorrência de causas, deverá ser observado o
grau de culpabilidade da vítima e do agente causador do dano; defende-se a responsabilidade
contratual em acidentes de trabalho, presumindo-se a culpa do contratante, com inversão do
ônus da prova. Para dar suporte à responsabilidade civil sem culpa, estudam-se os degraus da
responsabilidade objetiva, com enfoque na teoria do risco criado, acolhida pelo parágrafo
único do art. 927 do Código Civil, a qual admite excludentes do nexo causal (caso fortuito,
força maior, culpa exclusiva da vítima e fato de terceiro); sustenta-se a responsabilidade
objetiva em atividades perigosas, pontuando a dimensão e o alcance do que sejam atividades
de risco em atividades normalmente desenvolvidas pelo trabalhador e dos riscos inerentes e
adquiridos durante a prestação laboral; discute-se, amplamente, a possibilidade de aplicação
do parágrafo único do art. 927 do Código Civil em acidentes de trabalho, com argumentos
persuasivos de respeitados doutrinadores pela aplicabilidade da teoria do risco, pois as novas
tendências da responsabilidade civil apontam para a socialização dos riscos, ampliando ainda
mais o campo da responsabilidade objetiva. Não menos relevante é a abordagem sobre dolo e
culpa em acidente do trabalho, esta subdividida em culpa contra a legalidade (violação da
norma legal) e culpa por violação do dever geral de cautela (exige-se conduta acima do
comportamento esperado do homo medius), que determinam a inversão do ônus da prova,
com especial aplicação ao processo do trabalho.
Não se pode olvidar, porém, que a nova competência da Justiça do Trabalho
determina utilização, pelos operadores jurídicos, dos procedimentos processuais trabalhistas
quanto à produção de prova em acidentes do trabalho. Foi com tal objetivo que, ao tratar da
prova no processo do trabalho, abordam-se os aspectos que lhe são peculiares como o objeto
da prova, os meios de prova, liciedade das provas e o princípio da proporcionalidade, com
destaque especial para o uso supletivo do Código de Processo Civil, quando omissa a
Consolidação das Leis do Trabalho.
Contudo, não se pode deixar de reconhecer a atual e forte corrente doutrinária sobre
a responsabilidade subjetiva do empregador em acidentes do trabalho, inclusive em atividades
perigosas. Por outro lado, também não se pode olvidar que o operador jurídico, mesmo na
responsabilidade subjetiva, dispõe de mecanismos eficientes para a solução da controvérsia,
distribuindo a prova com eqüidade e justiça processual. A crescente complexidade do
processo e suas naturais vicissitudes dificultam a exata compreensão, pelas partes e seus
patronos, das regras básicas que disciplinam a correta distribuição do ônus da prova, em
especial diante das posições contraditórias existentes sobre a matéria na literatura
especializada. Freqüentemente, profissionais da área jurídica, em razão da deficiente
familiaridade com as normas pertinentes ao onus probandi, não logram êxito em demandas
onde o direito se mostra plausível e de fácil amparo, com irremediável prejuízo aos interesses
de seus constituintes. Exatamente para desvendar os intricados ângulos desta relevante
matéria é que se sistematizou tópico específico sobre o ônus da prova no processo do
trabalho, pois a responsabilidade objetiva ou subjetiva com inversão do ônus da prova em
acidentes de trabalho, não é pacífica nos tribunais.
Para tanto, aborda-se a problemática do ônus da prova na responsabilidade subjetiva
no processo do trabalho, apontando vários critérios de distribuição, sempre com os olhos
postos na eqüidade e na justiça, em consonância com a teoria da carga dinâmica da prova.
Discute-se, ainda, a possibilidade de se aplicar, subsidiariamente, ao processo do trabalho, no
que respeita à distribuição do ônus da prova, o Código de Processo Civil e o Código de
Defesa do Consumidor. Busca-se esmiuçar as peculiaridades dos diplomas mencionados, pois
que freqüentes são as dúvidas quanto ao momento da inversão do ônus da prova, da
faculdade/obrigatoriedade do juiz de promover a inversão do ônus da prova, da aplicação do
princípio dispositivo ou inquisitivo na direção do processo, além de eventuais reflexos
decorrentes da inversão como o pagamento da antecipação dos honorários periciais. Os
Códigos em questão, a par de outras regras permitidas pelo ordenamento jurídico, oferecem
instrumentos preciosos para elucidar as questões envolvidas na temática relativa ao ônus da
prova.
A presente pesquisa visa demonstrar, sem, contudo, a pretensão de exaurir o assunto,
em face de sua amplitude, a relevância da correta compreensão da responsabilidade civil em
acidentes de trabalho, objetiva ou subjetiva, considerando a prova e o ônus da prova no
âmbito processual bem como apontar a melhor regra a ser seguida para obter a efetividade do
direito das vítimas de acidente de trabalho, em consonância com a teoria da carga dinâmica da
prova. Insta considerar que segmento expressivo da doutrina defende a similitude das
condições do credor trabalhista e do consumidor, ambos hipossuficientes, do que decorre a
aplicação homogênea das normas que disciplinam o ônus da prova. Trata-se de matéria
polêmica, a exigir estudo aprofundado, em especial diante das implicações práticas de tal
entendimento.
1 COMPETÊNCIA ACIDENTÁRIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO
Embora esta pesquisa não tenha como objetivo a competência da Justiça do
Trabalho, o momento histórico exige que se faça uma abordagem, ainda que sucinta, sobre a
competência acidentária da Justiça do Trabalho.
Depois de quase 20 anos de controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais sobre a
competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar ações acidentárias decorrentes de
acidente de trabalho, o STF, através do julgamento do conflito de competência nº. 7.204-1, no
dia 29 de junho de 2005, manifestou-se em prol da competência da Justiça Especializada. O
julgamento do STF foi motivado pela EC 45/2004, que ampliou a competência da Justiça do
Trabalho e reiterou a competência deste Órgão especializado para o julgamento de ações
acidentárias trabalhistas. 1
Em 1998, o STF já havia assinalado pela competência da Justiça do Trabalho, em
acórdão do Ministro Sepulveda Pertence. Contudo, o posicionamento foi revisto em 2003 pelo
próprio Ministro e mantido em março/2005, mesmo após a vigência da EC 45/2004:
No que respeita à competência da Justiça do Trabalho para apreciar e julgar ações fulcradas na responsabilidade civil do empregador, o Supremo Tribunal Federal, em acórdão da lavra do insigne Ministro Sepulveda Pertence2, proferido no julgamento de recurso extraordinário, onde era discutida a competência da Justiça Estadual e da Justiça do Trabalho, foi categórico ao asseverar ser irrelevante que o direito que a parte pretende esteja previsto na lei civil para definir a competência. Afirmou, no julgamento, o respeitado Magistrado: ‘Justiça do Trabalho: competência: ação de reparação de danos decorrentes da imputação caluniosa irrogada ao trabalhador pelo empregador a pretexto de justa causa para a despedida e, assim, decorrente da relação de trabalho, não importando deva a controvérsia ser dirimida à luz do Direito Civil’. Foi esta decisão pioneira que abriu caminho à interpretação ampliativa do art. 114 da Constituição Federal (com a redação anterior à EC 45/2004), que estabelece a competência da Justiça do Trabalho, saudada como benfazeja, na medida em que conferia à justiça especializada do trabalho o poder/dever de solucionar todos os
1 Art. 114, VI, CF/88: “Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: [...] VI - as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho”. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 08.12.2004, DOU 31.12.2004). 2 Recurso Extraordinário n.º 238.737-4 São Paulo. Relator: Min. Sepulveda Pertence. Recorrente: Fotóptica Ltda. 17.11.98. Disponível em: <http://www.stf.gov.br.>. Acesso em: 25 jul. 2007.
conflitos decorrentes da relação empregado/empregador, papel que nunca deveria lhe ter sido subtraído como o foi durante longos anos, mercê de interpretações literais e estreitas, que ignoravam as razões que ditaram a instituição de um ramo especializado do Judiciário para pacificar as relações capital-trabalho. Porém, em decisão publicada em 14 de março de 2003, o mesmo Ministro Sepúlveda Pertence, contrariamente ao que decidira anteriormente, afirmou que a indenização dos danos decorrentes de acidente do trabalho é da competência da Justiça Comum. 3 Novamente, em 09.03.2005, na vigência, portanto, da EC 45/2004, o Supremo Tribunal Federal, em acórdão proferido nos autos do Recurso Extraordinário (RE) 438639, entendeu que compete à Justiça dos Estados e do Distrito Federal, e não à Justiça do Trabalho, o julgamento das ações de indenização resultantes de acidente de trabalho. 4
Somente no dia 29.06.2005 o STF, por unanimidade, decidiu pela competência da
Justiça do Trabalho para apreciar indenizações por danos morais e materiais decorrentes de
acidente de trabalho (conflito de competência nº. 7.204-1 – Minas Gerais):
Teve o STF, então, a coragem, a grandeza intelectual e científica para mudar o entendimento, pouco mais de três meses após o julgamento de março de 2005. Com efeito, no dia 29 de junho de 2005, ao julgar o Conflito de Competência nº. 7.204-1, suscitado pelo Tribunal Superior de Trabalho em face do extinto Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais, a Corte Maior, por unanimidade, definiu a competência da Justiça do Trabalho, a partir da Emenda Constitucional nº. 45/04, para julgamento das ações por danos morais e patrimoniais decorrentes de acidente de trabalho. 5
Insta esclarecer que desde 1988 a competência foi atribuída à Justiça do Trabalho.
No entanto, a controvérsia nos tribunais foi acirrada, por razões jurídicas inexplicáveis,
3 ‘RECURSO EXTRAORDINÁRIO – (...) II – COMPETÊNCIA – JUSTIÇA COMUM – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO FUNDADA EM ACIDENTE DE TRABALHO, AINDA QUANDO MOVIDA CONTRA O EMPREGADOR – 1 – É da jurisprudência do STF que, em geral, compete à Justiça do Trabalho conhecer de ação indenizatória por danos decorrentes da relação de emprego, não importando deva a controvérsia ser dirimida à luz do direito comum e não do Direito do Trabalho. 2. Da regra geral são de excluir-se, porém, por força do art. 109, I, da Constituição, as ações fundadas em acidente de trabalho, sejam as movidas contra a autarquia seguradora, sejam as propostas contra o empregador’. (STF – RE 349160 – BA – 1ª T. – Rel. Min. Sepúlveda Pertence – DJU 19.03.2003 – p. 00040). Disponível em: <http://www.stf.gov.br.>. Acesso em: 25 jul. 2007. 4 LORA, Ilse Marcelina Bernardi. A Nova Competência da Justiça do Trabalho. Justiça do Trabalho: competência ampliada. Coordenadores: Grijaldo Fernandes Coutinho e Marcos Neves Fava. São Paulo: LTr, 2005, p. 211. 5 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 3. ed. São Paulo: LTr, 2007, p. 327.
consoante se observa do julgado, abaixo transcrito, da lavra da Juíza Ilse Marcelina Bernardi
Lora:
É manifesta a competência deste Juízo para apreciar o pedido de indenização decorrente de acidente de trabalho, ante o contido no art. 114 da Constituição Federal. Releva salientar, em razão dos argumentos deduzidos pelo segmento doutrinário e jurisprudencial que esposa o entendimento de que falece competência à Justiça do Trabalho, no particular, que a ressalva expressa no art. 109, I, da Constituição Federal não alcança a pretensão deduzida na exordial. Com efeito, o regramento contido no art. 109, I, da Constituição Federal e no art. 129, II, da Lei nº 9.213/91 diz respeito às ações deduzidas em face do órgão previdenciário, com vistas à satisfação dos benefícios previstos na Lei nº 8.213/91, inegavelmente da competência da Justiça Comum Estadual. Não alcança, contudo, as ações deduzidas em face do empregador, calcadas no art. 7º, XXVIII, da Constituição Federal. A Constituição Federal de 1967, disciplinava, em seu artigo 142, a competência da Justiça do Trabalho, nos seguintes termos: ‘Art. 142. Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre empregados e empregadores e, mediante lei, outras controvérsias oriundas da relação de trabalho. § 1º. A lei especificará as hipóteses em que as decisões, nos dissídios coletivos, poderão estabelecer normas e condições de trabalho. § 2º. Os litígios relativos a acidentes do trabalho são da competência da justiça ordinária dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, salvo exceções estabelecidas na Lei Orgânica da Magistratura Nacional.’ A Constituição Federal de 1988 estabeleceu, no art. 114, a competência da Justiça Laboral. Não há, nesse artigo, a ressalva que constava no § 2º do art. 142 da CF de 1967, do que decorre a necessária conclusão de que o art. 643, § 2º, da CLT não foi recepcionado pela nova ordem jurídica estabelecida pela Carta Magna de 1988. Assim, porque a controvérsia decorre da relação de emprego, inafastável a competência da Justiça do Trabalho para apreciá-la. [...] O Supremo Tribunal Federal, no dia 29.06.2005, ao julgar o conflito de competência 7.204-1 (Minas Gerais), por unanimidade, decidiu que a competência para apreciar pedido de indenização por danos morais e materiais decorrentes de acidente do trabalho é da Justiça do Trabalho, pacificando a celeuma que havia em torno do tema. 6
É lamentável, porém, que o reconhecimento da competência da Justiça do Trabalho
tenha-se delongado por duas décadas, com inegáveis prejuízos aos jurisdicionados, pois em se
tratando de Justiça idealizada para a resolução de conflitos envolvendo capital x trabalho, não
poderia deixar de julgar ações relativas a acidente de trabalho, quando no pólo passivo
constasse o tomador dos serviços:
[...] Aceite-se o desafio que, bem administrado, conferirá à Justiça do Trabalho o papel que sempre deveria ter desempenhado no cenário jurídico nacional, qual seja,
6 Sentença Trabalhista AIND-00016-2006, Vara do Trabalho de Francisco Beltrão-PR. Disponível em: <http://www.trt9.gov.br>. Acesso em: 25 jul. 2007.
de pacificar os conflitos conseqüentes do trabalho humano, independentemente da natureza da relação jurídica estabelecida entre o trabalhador e o tomador do serviço. O magistrado vocacionado para esse mister é sem dúvida o trabalhista. Ninguém melhor que ele conhece as vicissitudes que cercam o trabalho pessoal, em qualquer de suas modalidades. Sua familiaridade com os princípios laborais permite-lhe enxergar com maior clareza as diversas nuanças que cercam o dispêndio da energia pessoal da miríade de trabalhadores que diuturnamente exercem as mais diversas atividades em prol de não menor número de tomadores. Pode, assim, equacionar os eventuais conflitos com os olhos postos nas particularidades próprias que cercam a atividade laboral, afirmando a igualdade substancial das partes e garantindo a aplicação justa do direito, atividade que se viabiliza a partir da adequada determinação do sentido e do alcance das expressões do Direito. Não deve a justiça do trabalho sucumbir ao ilusório encanto de interpretações casuísticas, pródigas em tecnicismos artificiosos, que buscam alijar o trabalhador do acesso à justiça especializada e que, por adotar rito célere, desapegado do excessivo formalismo, logra decidir os conflitos com maior rapidez. Abdicar desse relevante papel equivale a subverter as razões que determinaram a própria instituição de juízes especializados para os conflitos laborais, fazendo das importantes inovações introduzidas pelo legislador, através da EC 45, mera peça de retórica. 7
Com a decisão do STF, a Justiça do Trabalho deverá julgar todos os processos
relacionados a acidente de trabalho. Quanto aos processos em andamento na Justiça Comum,
o STF determinou que os processos julgados até 31.12.2004 não serão remetidos à Justiça do
Trabalho:
Merece realce também a diretriz adotada pelo STF no sentido de solucionar as questões embaraçosas de direito intertemporal, especialmente para os processos em andamento. Ficou assentado, sem muito rigor técnico, mas como ‘imperativo de política judiciária’ e ‘em prol da segurança jurídica’ que nova orientação alcança os processos em andamento na Justiça Comum Estadual, desde que pendentes de julgamento de mérito. Em síntese, todos os processos que no dia 1º. de janeiro de 2005, data do início da vigência da Emenda Constitucional nº. 45/04, já tinham sentença proferida na Justiça Comum, lá deverão comparecer até o trânsito em julgado e respectiva execução; todos os demais deverão ser remetidos à Justiça do Trabalho, no estado em que se encontram, com total aproveitamento dos atos. 8
Dúvidas persistem em relação ao ajuizamento de ações quando o trabalhador sofre
acidente fatal e a ação é ajuizada pelos dependentes. O STJ, no Conflito de Competência nº.
54210, decidiu por 5 votos a 4 que a competência é da Justiça Comum. Foi relator do
processo o Ministro Carlos Alberto Menezes Direito:
7LORA, Ilse Marcelina Bernardi. A Nova Competência da Justiça do Trabalho. Justiça do Trabalho: competência ampliada. Coordenadores: Grijaldo Fernandes Coutinho e Marcos Neves Fava. São Paulo: LTr, 2005, p. 189. 8 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 3. ed. São Paulo: LTr, 2007, p. 327.
CONFLITO DE COMPETÊNCIA – ACIDENTE DO TRABALHO – MORTE DO EMPREGADO – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO PROPOSTA PELA ESPOSA E PELO FILHO DO FALECIDO – 1. Compete à justiça comum processar e julgar ação de indenização proposta pela mulher e pelo filho de trabalhador que morre em decorrência de acidente do trabalho. É que, neste caso, a demanda tem natureza exclusivamente civil, e não há direitos pleiteados pelo trabalhador ou, tampouco, por pessoas na condição de herdeiros ou sucessores destes direitos. Os autores postulam direitos próprios, ausente relação de trabalho entre estes e o réu. 2. Conflito conhecido para declarar a competência da justiça comum. (STJ – CC 200501407426 – (54210 RO) – 2ª S. – Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito – DJU 12.12.2005 – p. 00268). 9
A decisão do STJ deve ser reformada pelo STF, pois a competência da Justiça do
Trabalho foi fixada em razão da matéria e não em razão da pessoa (EC 45/2004). Os
argumentos jurídicos da decisão acima transcrita não subsistem diante do disposto no art. 114,
I, da Constituição Federal. Além disso, a decisão do STJ fere o princípio da unidade de
convicção, o qual determina que as lides com objetos conexos devem ser processadas e
julgadas em um mesmo órgão judiciário, para que se mantenha a harmonia das decisões e não
coloque em conflito o próprio sistema, gerando decisões conflitantes de tribunais diversos.
Ademais, foi a especialização da Justiça do Trabalho que atraiu a competência acidentária. As
decisões dos Tribunais Trabalhistas, salvo raras exceções, são pela competência da Justiça do
Trabalho em ações ajuizadas por dependentes, consoante se observa do julgamento proferido
pela Juíza do Trabalho Ilse Marcelina Bernardi Lora:
A alegada restrição da competência da Justiça do Trabalho somente para as ações em que a própria vítima busca a indenização decorrente de acidente de trabalho não se sustenta. A decisão do STF não fez qualquer ressalva quanto às ações ajuizadas por dependentes ou sucessores do ‘de cujus’, ainda que em nome próprio. A natureza civil da ação também não é argumento suficiente para afastar a competência desta Justiça Especializada, uma vez que, havendo litígio decorrente de relação de emprego, à Justiça do Trabalho incumbe julgá-lo, por força do contido no inciso I, do art. 114, da Constituição Federal. 10
É de se notar que o posicionamento do STJ leva à conclusão de que, se o acidentado
falecer após o ajuizamento da ação, o processo iniciado na Justiça do Trabalho deverá ser
9 Disponível em: <http://www.stj.gov.br.>. Acesso em: 25 jul. 2007. 10 Sentença Trabalhista AIND-00016-2006, Vara do Trabalho de Francisco Beltrão-PR. Disponível em: <http://www.trt9.gov.br>. Acesso em: 25 jul. 2007.
remetido à Justiça Comum. Curiosa também seria a situação em que o empregado acidentado
e inválido ajuíze ação na Justiça Comum, representado por seus parentes, sendo que estes,
podendo pleitear indenização por dano moral diante da incapacidade permanente da vítima,
venham a ajuizar ação por dano moral e direito próprio na Justiça do Trabalho.
Razões outras poderiam ser citadas para argumentar em face da limitação
injustificada da competência da Justiça do Trabalho pelo STJ. Todavia, em recente julgado, a
Primeira Turma do STF, por unanimidade, seguindo o voto do relator, Ministro Carlos Britto,
pronunciou-se pela competência da Justiça do Trabalho (RE-AgR 503043. Publicação: DJU
01-06-2007):
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E PATRIMONIAIS, DECORRENTES DE ACIDENTE DO TRABALHO. AÇÃO AJUIZADA OU ASSUMIDA PELOS DEPENDENTES DO TRABALHADOR FALECIDO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESPECIAL. Compete à Justiça do Trabalho apreciar e julgar pedido de indenização por danos morais e patrimoniais, decorrentes de acidente do trabalho, nos termos da redação originária do artigo 114 c/c inciso I do artigo 109 da Lei Maior. Precedente: CC 7.204. Competência que remanesce ainda quando a ação é ajuizada ou assumida pelos dependentes do trabalhador falecido, pois a causa do pedido de indenização continua sendo o acidente sofrido pelo trabalhador. Agravo regimental desprovido. 11
A decisão encontra amparo na norma constitucional e no princípio da unidade de
convicção. Portanto, firmando-se a jurisprudência do STF, todos os pedidos de indenização
por danos morais e materiais decorrentes de acidente do trabalho, ajuizados pelo trabalhador
ou seus dependentes, deverão ser julgadas pela Justiça do Trabalho.
11 Disponível em: <http://www.stf.gov.br.>. Acesso em: 25 jul. 2007.
2 ASPECTOS RELEVANTES DA RESPONSABILIDADE CIVIL EM ACIDENTES
DO TRABALHO
Com o intuito de dar suporte jurídico à responsabilidade civil do empregador,
decorrente de acidente do trabalho, faz-se necessário rememorar a parte histórica da
responsabilidade civil, os delineamentos da responsabilidade civil subjetiva e objetiva, além
de conceituar preceitos básicos e fundamentais que justifiquem o dever de indenizar. Além
disso, a exata compreensão do nexo causal, das concausas e de eventuais excludentes do nexo,
é indispensável ao exame minudente do ônus da prova, pois o nexo causal é pressuposto do
dever de indenizar.
2.1 Evolução histórica e conceito de responsabilidade civil
A teoria clássica informa que a responsabilidade civil está fundada no dano, na culpa
e no nexo entre o dano e o fato culposo. A essa responsabilidade, fundada na culpa,
denominou-se responsabilidade subjetiva que, hodiernamente, coexiste com a
responsabilidade objetiva, sem culpa. Feita essa observação, é importante mencionar a
origem da responsabilidade civil.
Para o estudo da evolução da responsabilidade civil destaca-se o trabalho
apresentado por Carlos Roberto Gonçalves, através de rápida abordagem ao longo da história,
sintetizado nos dois parágrafos subseqüentes. 12
12 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 4-9.
Nos primórdios da humanidade, não se falava em culpa, pois a reação a um dano
perpetrado era imediata, sem qualquer análise sobre eventual ausência de culpa do agente
causador. A reparação de um mal era feita por outro mal (vingança privada). Esse costume
foi regulamentado e ficou conhecido como a pena de talião (olho por olho, dente por dente).
Com o passar do tempo, firmou-se o período da composição, em que a vindita (vingança) foi
substituída pela compensação econômica, a critério da vítima. Até então, não se falava em
culpa. Posteriormente, com a crescente expansão do Estado, a vítima foi proibida de fazer
justiça pelas próprias mãos e a compensação econômica, que era voluntária, passou a ser
obrigatória, dentro de um criterioso regime de tarifação de danos. As indenizações foram
escalonadas, a depender do status do homem na sociedade (morte de homem livre ou
escravo), o membro do corpo afetado e demais critérios objetivos. Surgiram, assim, as tábuas
de indenizações preestabelecidas por acidentes do trabalho (foi nessa época que surgiu o
Código de Ur-Nammu, o Código de Manu e da Lei das XII Tábuas). Contudo, somente os
romanos fizeram a diferenciação entre “pena” e “reparação”. Na Roma Antiga, a pena
econômica imposta aos delitos públicos (as ofensas mais graves) era recolhida ao Estado e a
pena imposta aos delitos privados (ofensas mais leves) cabia à vítima, nascendo, assim, a ação
de indenização. Desde então, a responsabilidade civil passou a coexistir com a
responsabilidade penal.
Porém, foi a Lei Aquília que iniciou o processo regulador do dano, tendo a moderna
concepção de culpa aquiliana origem na referida lei. Contudo, a legislação romana foi
aperfeiçoada pelo direito francês, que abandonou o critério de enumerar os casos de
composição, estabeleceu princípios, tornou viáveis indenizações sempre que houvesse culpa,
inclusive leve; separou a responsabilidade civil (perante a vítima) da responsabilidade penal
(perante o Estado), admitiu a existência de culpa contratual (culpa que não se liga nem a
crime e nem a delito, pois tem fundamento na negligência ou imprudência). Generalizou,
enfim, o princípio aquiliano: In lege Aquilia et levissima culpa venit. (Na Lei Aquília,
considera-se até culpa levíssima - culpa extracontratual). No Código de Napoleão, constou a
distinção entre culpa delitual e culpa contratual, além da noção de culpa in abstracto, nos
termos dos arts. 1.382 e 1.383 do referido código. Com o desenvolvimento industrial, os
danos multiplicaram-se e surgiram novas formas de proteção à vítima. Nesse aspecto, tomou
corpo a teoria do risco (responsabilidade objetiva), que passou a coexistir com a teoria da
culpa (responsabilidade subjetiva), uma vez que a concepção tradicional mostrou-se
insuficiente à proteção das vítimas. A responsabilidade civil subjetiva e a objetiva serão
objeto do próximo item, com mais vagar. Examinada a parte histórica, passa-se ao conceito de
responsabilidade civil.
Antônio Houaiss, em seu dicionário eletrônico da língua portuguesa, conceitua
responsabilidade jurídica como o “dever jurídico resultante da violação de determinado
direito, através da prática de um ato contrário ao ordenamento jurídico”. 13
Maria Helena Diniz, após relatar a dificuldade enfrentada pela doutrina para
conceituar responsabilidade civil (subjetiva e objetiva), sintetiza conceito que merece
transcrição: “a responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a
reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesma
praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de
simples imposição legal”.14
Carlos Roberto Gonçalves, parafraseando Lyra Afrânio, diz que “quem pratica um
ato, ou incorre numa omissão de que resulte dano, deve suportar as conseqüências do seu
procedimento. Trata-se de uma regra elementar de equilíbrio social, na qual se resume, em
13 HOUAISS, Antônio. Dicionário eletrônico da língua portuguesa. 2001. Versão 1.0. 1 CD-ROM. 14 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 17. ed. aum. e atual. vol. 7. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 36.
verdade, o problema da responsabilidade. Vê-se, portanto, que a responsabilidade é um
fenômeno social”. 15
Rui Stoco destaca que “se resumir for possível, pode-se dizer que a responsabilidade
civil traduz a obrigação da pessoa física ou jurídica ofensora de reparar o dano causado por
conduta que viola um dever jurídico preexistente de não lesionar (neminem laedere) implícito
ou expresso na lei” .16
A conceituação enfocada por Rui Stoco (neminem laedere: não lesar ninguém)
informa que a responsabilidade civil não decorre somente de indenização por ato ilícito (art.
186 e 187 do CC), uma vez que o agente pode igualmente ser responsabilizado por ato lícito
(art. 188 do CC).
Humberto Theodoro Júnior faz importante observação para não confundir ou não
atrelar a responsabilidade civil como decorrente única e exclusivamente de ato ilícito:
Para o sistema de nosso Código, o ato jurídico ilícito (ato ilícito stricto sensu) sempre será causa da responsabilidade civil (dever de indenizar), mas, no campo do direito das obrigações há várias situações em que a indenização se tornará exigível fora da hipótese do art. 186, ou seja: mesmo sem a presença de elemento essencial à configuração do ato ilícito delineado pelo referido dispositivo, a responsabilidade civil acontecerá (arts. 927, parág. único, 928, 929, 931,932, 933, v.g).17
Os exemplos comumente citados pela doutrina na reparação de ato lícito são a
desapropriação e os atos praticados em estado de necessidade, valendo lembrar que, na seara
trabalhista, pode-se destacar o art. 486 da CLT (fato do príncipe), que determina ao governo a
responsabilidade pelo pagamento da indenização no caso de ato lícito praticado por
autoridade que tenha ocasionado a interrupção ou extinção do contrato de trabalho.
15 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 3. 16 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: RT, 2004, p. 120. 17 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Comentários ao novo Código Civil, vol. 3, t. 2: Dos atos jurídicos lícitos. Dos atos ilícitos. Da prescrição e da decadência. Da prova. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 20.
A exclusão de ilicitude determinada pelo art. 188 do CC não importa,
necessariamente, a exclusão da obrigação de indenizar, pois, como já visto, ato ilícito e
responsabilidade civil não são sinônimos.
Com supedâneo na valiosa obra de Pontes de Miranda (Tratado de direito privado),
Humberto Theodoro Júnior traz a lume os ensinamentos do festejado jurista sobre as mais
variadas fontes do dever de reparar:
Explica PONTES DE MIRANDA, com argúcia, que a fonte mais freqüente do dever de reparar é a falta cometida pelo autor do dano, e, então, entende-se como falta ‘a causa cometida pelo autor do dano’. No entanto, essa fonte ‘não é a única e muitos deveres de indenização surgem que não supõem culpa, nem sequer, ato’. Quando tal se passa, ‘ou o ato entra no mundo jurídico como ato-fato, ou apenas fato que entra no mundo jurídico e se faz fato ilícito stricto sensu, embora se estabeleça vínculo entre duas ou mais pessoas’. Assim, independentemente de agir autorizado por lei (art. 188, II) responde civilmente aquele que, em estado de necessidade, danifica bem alheio, não culpado pela situação perigosa (art. 929). Da mesma forma, quem desenvolve atividade perigosa (art. 927, parág. único) e quem, como empresário, coloca produtos no mercado (art.931), respondem, sem qualquer indagação de culpa, pelos danos advindos da atividade de risco e da comercialização dos bens de consumo. São, ainda, obrigados a indenizar, ainda que não haja culpa, as pessoas indicadas no art. 932, por atos danosos de outrem, baseando-se apenas no dano e no nexo objetivo de causalidade entre este e a situação do responsável prevista em lei (art. 933).18
A responsabilidade civil é instituto destinado a reparar danos decorrentes, como
regra, de atos ilícitos, mas também pode alcançar atos lícitos, sem qualquer indagação de
culpa ou, ainda, responsabilidades sem qualquer ato direto do responsável, pois a
responsabilidade é a “obrigação de responder pelas ações próprias ou dos outros”. 19
2.2 Responsabilidade civil subjetiva e objetiva
Para a exata compreensão do tema, é imprescindível examinar e delinear a
responsabilidade civil subjetiva e objetiva adotadas pelo sistema jurídico brasileiro.
18 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Comentários ao novo Código Civil, vol. 3, t. 2: Dos atos jurídicos lícitos. Dos atos ilícitos. Da prescrição e da decadência. Da prova. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 23-24. 19 HOUAISS, Antônio. Dicionário eletrônico da língua portuguesa. 2001. Versão 1.0. 1 CD-ROM.
Maria Helena Diniz destaca que a responsabilidade subjetiva tem “sua justificativa
na culpa ou dolo por ação ou omissão, lesiva a determinada pessoa [...] Desse modo, a prova
da culpa do agente será necessária para que surja o dever de reparar”. A responsabilidade
objetiva, por seu turno, “se funda no risco, que explica essa responsabilidade no fato de haver
o agente causado prejuízo à vítima ou a seus bens [...]. É irrelevante a conduta culposa ou
dolosa do causador do dano, uma vez que bastará a existência do nexo causal entre o prejuízo
sofrido pela vítima e a ação do agente para que surja o dever de indenizar”. 20
Na lição de Nelson Nery Junior, a responsabilidade civil subjetiva é o sistema geral
do Código Civil e fundamenta-se na teoria da culpa (art. 186 do CC). Nesta, para que haja o
dever de indenizar, é necessária a existência de três condições: o dano, o nexo de causalidade
(ligação existente entre o fato e o dano, ou seja, foi devido a determinado fato que ocorreu
determinado dano) e a culpa (culpa lato sensu, entendida como a imprudência, a negligência,
a imperícia ou o dolo). 21
A responsabilidade civil objetiva (ou legal), que é o sistema subsidiário do Código
Civil, alicerça-se na teoria do risco (art. 927, par. ún. do CC). Na teoria do risco (risco da
atividade, risco administrativo, etc.), para que haja o dever de indenizar é necessária a
existência de duas condições: o dano e o nexo de causalidade (ligação existente entre o fato e
o dano, ou seja, foi devido a determinado fato que ocorreu determinado dano). Portanto, é
irrelevante a conduta do agente (culpa ou dolo) para apurar a responsabilidade objetiva. O art.
927, parágrafo único do Código Civil, assim preceitua: “Haverá obrigação de reparar o dano,
independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade
normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os
20 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 17. ed. aum. e atual. vol. 7. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 120. 21 NERY JUNIOR, Nelson; ANDRADE NERY, Rosa Maria. Novo código civil e legislação extravagante anotados: atualizado até 15.03.2002. São Paulo: RT, 2002, p. 91.
direitos de outrem”. Tem-se, aqui, que a responsabilidade objetiva estará presente sempre que
a lei assim o determinar (art. 933 do CC – responsabilidade de terceiros; art. 37, § 6º da CF –
Administração Pública – art. 12 do CDC – relações de consumo, etc.) ou quando a própria
atividade do agente implicar riscos para o direito de outrem (serve para atividades cuja
execução evidencia risco – pode-se entender como a responsabilidade estabelecida no art. 6º,
VI e art. 18 do CDC).22
Para o Código Civil, a responsabilidade subjetiva é a regra, tendo como fundamento
de indenizar a culpa do agente, e a responsabilidade objetiva é a exceção e tem como
fundamento de indenizar o risco da atividade. Já para o CDC, a responsabilidade objetiva é a
regra (art. 6º, VI) e a responsabilidade subjetiva, a exceção (art. 14, § 4º - a responsabilidade
do profissional liberal é subjetiva, exceto em obrigação de resultado).
A evolução da responsabilidade subjetiva para a objetiva decorre do crescente
desenvolvimento industrial e tecnológico. Carlos Roberto Gonçalves diz que “nos últimos
tempos vem ganhando terreno a chamada teoria do risco que, sem substituir a teoria da culpa,
cobre muitas hipóteses em que o apelo às concepções tradicionais se revela insuficiente para
proteção da vítima” 23. O motivo ensejador dessa nova concepção reside principalmente no
exercício de atividades perigosas. Se, por um lado, a evolução tecnológica contribui para o
crescimento da produção, por outro, coloca em risco a vida de milhares de pessoas,
consumidores e trabalhadores.
Segundo o referido autor, “a responsabilidade seria encarada sob o aspecto objetivo:
o operário, vítima de acidente do trabalho, tem sempre direito à indenização, haja ou não
22 NERY JUNIOR, Nelson; ANDRADE NERY, Rosa Maria. Novo código civil e legislação extravagante anotados: atualizado até 15.03.2002. São Paulo: RT, 2002, p. 91-92. 23 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 6.
culpa do patrão ou do acidentado. O patrão indeniza, não porque tenha culpa, mas porque é o
dono da maquinaria ou dos instrumentos de trabalho que provocaram o infortúnio”. 24
As incisivas considerações de Carlos Roberto Gonçalves vão além: Na teoria do risco se subsume a idéia do exercício de atividade perigosa como fundamento da responsabilidade civil. O exercício de atividade que possa oferecer algum perigo representa um risco, que o agente assume, de ser obrigado a ressarcir os danos que venham resultar a terceiros dessa atividade. Na legislação civil italiana encontra-se o exercício de atividade perigosa como fundamento da responsabilidade civil, com inversão do ônus da prova [...]. Disposições semelhantes são encontradas no Código Civil mexicano, no espanhol, no português, no libanês e em outros. [...] A responsabilidade objetiva funda-se num princípio de eqüidade, existente desde o direito romano: aquele que lucra com uma situação deve responder pelo risco ou pelas desvantagens dela resultantes (ubi emolumentum, ibi onu; ubi commoda, ibi incommoda). Quem aufere os cômodos (ou lucros), deve suportar os incômodos (ou riscos). 25
A legislação italiana, aos moldes preconizados pelo referido autor, não está alinhada
à responsabilidade subjetiva ou objetiva, mas encontra-se amparada na responsabilidade por
culpa presumida, o que será abordado oportunamente.
Ressalte-se, contudo, que o princípio geral da responsabilidade civil adotado pelo
ordenamento jurídico brasileiro, como já afirmado, assenta-se na responsabilidade subjetiva,
comportando exceções com relação à responsabilidade objetiva, conforme ensina Rui Stoco:
O Direito Civil brasileiro estabelece que o princípio geral da responsabilidade civil, em direito privado, repousa na culpa. Isto não obstante, em alguns setores, e mesmo em algumas passagens deste vetusto instituto, imperar a teoria do risco. Assim é que a legislação sobre acidentes do trabalho é nitidamente objetiva; a que regula os transportes em geral (aéreo, ferroviário) invoca-a; a responsabilidade por fato das coisas repousa na responsabilidade objetiva. Há uma tendência para nela atrair as questões relativas à responsabilidade civil dos bancos. Com relação aos Direitos do Consumidor impera a responsabilidade objetiva. 26
Carlos Roberto Gonçalves, arremata: Adotou, assim, solução mais avançada e mais rigorosa que a do direito italiano, também acolhendo a teoria do exercício de atividade perigosa e o princípio da
24 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 6-7. 25 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 7. 26 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: RT, 2004, p. 151-152.
responsabilidade independentemente de culpa nos casos especificados em lei, a par da responsabilidade subjetiva como regra geral, não prevendo, porém, a possibilidade de o agente, mediante a inversão do ônus da prova, exonerar-se da responsabilidade de se provar que adotou todas as medidas aptas a evitar o dano. No regime do Código Civil de 1916, as atividades perigosas eram somente aquelas assim definidas em lei especial. As que não o fossem, enquadravam-se na norma geral do Código Civil, que consagrava a responsabilidade subjetiva. O referido parágrafo único do art. 927 do novo diploma, além de não revogar as leis especiais existentes, e de ressalvar as que vierem a ser promulgadas, permite que a jurisprudência considere determinadas atividades já existentes, ou que vieram a existir, como perigosas ou de risco. Esta é, sem dúvida, a principal inovação do novo Código Civil no campo da responsabilidade civil. 27
Quanto à aplicação da responsabilidade objetiva insculpida no parágrafo único do
art. 927 do CC a acidentes do trabalho, esta será objeto de análise em item próprio.
2.3 Nexo causal
A responsabilidade civil subjetiva tem pressupostos específicos para sua aferição.
Comporta três elementos que, ligados um ao outro, impõem o dever indenizar. O primeiro
elemento e pressuposto da responsabilidade civil é o fato, ou seja, a ofensa a uma norma, ou
um erro de conduta do agente; o segundo elemento é o dano, o prejuízo material ou imaterial
provocado; o último elemento, e talvez o mais complexo, é o nexo causal que deve existir
entre o fato e o dano.
A alegação de caso fortuito, força maior, culpa exclusiva da vítima e fato de terceiro
(quando o resultado é imputado exclusivamente ao terceiro) têm por objetivo excluir o nexo
causal ou demonstrar a inexistência de relação entre o fato e o dano. São causas do
rompimento do nexo causal
27 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 8-9.
Adverte Caio Mário ser “este o mais delicado dos elementos da responsabilidade
civil e o mais difícil de ser determinado. Aliás, sempre que um problema jurídico vai ter na
indagação ou na pesquisa da causa, desponta a sua complexidade maior. Mesmo que haja
culpa e dano, não existe obrigação de reparar, se entre ambos não se estabelecer a relação
causal [...]”. 28
Não há uma regra específica, uma fórmula predeterminada para encontrar o nexo
causal. Dependerá das provas colhidas nos autos e, principalmente, da acurada análise e
percepção do juiz. Somente após a comprovação do nexo causal é que se verificará se o
agente agiu com culpa ou não.
Maria Helena Diniz acrescenta que “o vínculo entre o prejuízo e a ação designa-se
‘nexo causal’, de modo que o fato lesivo deverá ser oriundo da ação, diretamente ou como sua
conseqüência previsível” 29. Deve haver uma relação entre a ação ou omissão do agente com o
fato lesivo experimentado pela vítima, pois a conduta ilícita, por si só, não garante o dever de
indenizar, muito menos a existência de um dano, de forma isolada. A junção desses dois
elementos será possível somente por um nexo de causalidade.
Importante observação feita por Sergio Cavalieri Filho é que “o conceito de nexo
causal não é jurídico; decorre das leis naturais. É o vínculo, a ligação ou relação de causa e
efeito entre a conduta e o resultado”. O nexo causal tem a finalidade de apontar quem foi o
causador do dano. Afirma o referido autor que o nexo causal “é elemento indispensável em
qualquer espécie de responsabilidade civil. Pode haver responsabilidade sem culpa, como
teremos oportunidade de ver quando estudarmos a responsabilidade objetiva, mas não pode
haver responsabilidade sem nexo causal”. 30
28 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: RT, 2004, p. 46. 29 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 17. ed. aum. e atual. vol. 7. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 100. 30 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 71.
Quando o evento danoso decorre de um fato simples, a apuração do nexo causal não
requer maiores indagações. O agente e o dano, a princípio, evidenciam-se naturalmente, pois é
direta a relação de causalidade; sendo múltipla a causalidade (concorrência de causas), porém,
há dificuldades em demonstrar a causa que motivou o evento danoso. Para resolver esta
embaraçosa questão, a doutrina tem apontado três teorias: a teoria da equivalência de
condições; a teoria da causalidade adequada e a teoria da causalidade direta ou imediata.
Contudo, como bem lembrou Sergio Cavalieri Filho, nenhuma teoria oferece uma
solução prática para todos os problemas envolvendo nexo causal. Representam apenas um
roteiro a ser seguido, com largo espaço para o julgador utilizar-se do princípio da
probabilidade, da razoabilidade, do bom senso e da eqüidade. 31
2.3.1 Teoria da equivalência das condições
Também conhecida por teoria da equivalência das causas ou teoria da equivalência
dos antecedentes ou, ainda, teoria da conditio sine qua non, a teoria da equivalência das
condições tem como fundamento atribuir a todas as causas que concorreram para o evento de
forma direta ou indireta a mesma força, o mesmo peso. As causas que antecederam ao evento
equivalem-se e são consideradas. Havendo mais de um agente, todos deverão responder. Esta
teoria não permite verificar qual das causas preponderou para o resultado. Forma-se uma
cadeia causal que caminha, de forma sucessiva, para o infinito.
Esta teoria, elaborada pelo alemão VON BURI, “não diferencia os antecedentes do
resultado danoso, de forma que tudo aquilo que concorra para o evento será considerado
31 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 71.
causa. Por isso se diz ‘equivalência de condições’: todos os fatores causais se equivalem, caso
tenham relação com o resultado”. 32
O exemplo referido por Nélson Hungria bem demonstra a impropriedade desta
teoria, conforme citação de Carlos Roberto Gonçalves:
Nélson Hungria, por sua vez, lembra que, na hipótese de um homicídio, poderia fazer-se estender, segundo tal teoria, a responsabilidade pelo evento danoso ao próprio fabricante da arma com a qual o dano se perpetrou. Ou talvez se tivesse de responsabilizar também, como partícipe do adultério, o próprio marceneiro que fabricou o leito no qual se deitou o casal amoroso... 33
Há um nítido deslocamento de foco para justificar a causa última, que efetivamente
causou o dano. Inicialmente, identifica-se o agente causador do dano e, após, persegue-se os
demais “agentes” não pela conduta, mas pela simples facilitação, equiparando-os a co-
responsáveis.
Outro exemplo que merece transcrição é citado por Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo
Pamplona Filho: “nessa linha, se o agente saca a arma e dispara o projétil, matando o seu
desafeto, seria considerado causa, não apenas o disparo, mas também a compra da arma, a sua
fabricação, a aquisição do ferro e da pólvora pela indústria etc., o que envolveria,
absurdamente, um número ilimitado de agentes na situação de ilicitude”. 34
O art. 13 do Código Penal adotou esta teoria ao estabelecer que “O resultado, de que
depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se
causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido”. Pablo Stolze Gagliano e
Rodolfo Pamplona Filho, ao analisarem a última parte do dispositivo, concluíram que o
inconveniente desta teoria é considerar todas as causas antecedentes para o desfecho danoso:
Observe que, da última parte do dispositivo, pode-se extrair uma fórmula de eliminação hipotética (de Thyrén), segundo a qual causa seria todo o antecedente
32 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 96-97. 33 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 522. 34 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 98.
que, se eliminado, faria com que o resultado desaparecesse. [...] Esta teoria, entretanto, apresenta um grave inconveniente. Por considerar causa todo o antecedente que contribua para o desfecho danoso, a cadeia causal, seguindo esta linha de intelecção, poderia levar a investigação ao infinito [...]. Nas palavras de GUSTAVO TEPEDINO [...] ‘Afirmou-se, com fina ironia, que a fórmula tenderia a tornar cada homem responsável por todos os males que atingem a humanidade’. 35(sem grifo no original).
A definição mais acentuada, entretanto, foi elaborada pelo belga DE PAGE,
lembrado por Caio Mário, em citação dos referidos autores:
Observa que esta teoria, ‘em sua essência, sustenta que, em havendo culpa, todas as ‘condições’ de um dano são ‘equivalentes’, isto é, todos os elementos que, ‘de uma certa maneira concorreram para a sua realização, consideram-se como ‘causas’, sem a necessidade de determinar, no encadeamento dos fatos que antecederam o evento danoso, qual deles pode ser apontado como sendo o que de modo imediato provocou a efetivação do prejuízo’. 36
A amplitude desta teoria não permite que seja transportada para a esfera civil. A
participação diminuta e indireta de outros fatores ou agentes somente poderia ser considerada
se houvesse intenção dolosa no resultado final.
2.3.2 Teoria da causalidade adequada
Enquanto a teoria da equivalência das condições generaliza os antecedentes, ligando-
os a todos os fatos pretéritos que influenciaram para o desfecho do evento danoso, a teoria da
causalidade adequada procura qualificar o fato preponderante e causador do resultado, visto,
quando possível, de forma individualizada.
Esta teoria, elaborada pelo alemão VON KRIES, segundo Sergio Cavalieri Filho, “é
a que mais se destaca entre aquelas que individualizam ou qualificam as condições. Causa,
35 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 97-98. 36 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 97.
para ela, é o antecedente não só necessário mas, também, adequado à produção do resultado.
Logo, nem todas as condições serão causa, mas apenas aquela que for a mais apropriada a
produzir o evento”. Entretanto, o problema persiste, pois, dentre várias condições, é
necessário separar somente a necessária e adequada para a produção do resultado. O referido
autor, prosseguindo em sua explanação, “considera como tal aquela que, de acordo com a
experiência comum, for a mais idônea para gerar o evento” 37. Além de ser a mais idônea, a
causa dever ser adequada, ou seja, a causa dever ter a força de causar o evento que
determinou.
Carlos Roberto Gonçalves citou exemplo que facilita a compreensão dessas duas
teorias:
As duas teorias podem ser facilmente compreendidas com o seguinte exemplo: A deu uma pancada ligeira no crânio de B, a qual seria insuficiente para causar o menor ferimento num indivíduo normalmente constituído, mas que causou a B, que tinha uma fraqueza particular dos ossos do crânio, uma fratura de que resultou a morte. O prejuízo deu-se, apesar de o fato ilícito praticado por A não ser causa adequada a produzir aquele dano em um homem adulto. Segundo a teoria da equivalência das condições, a pancada é uma condição sine qua non do prejuízo causado, pelo qual o seu autor terá de responder. Ao contrário, não haveria responsabilidade, em face da teoria da causalidade adequada (Cardoso de Gouveia, Da responsabilidade Contratual, nº. 69). 38
Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, comparando esta teoria com o
exemplo citado quando da análise da teoria da equivalência das condições - (arma de fogo),
disseram que, “na hipótese do disparo por arma de fogo, mencionado acima, a compra da
arma e sua fabricação não seriam ‘causas adequadas’ para a efetivação do evento morte”. 39
O exemplo de Antunes Varela, citado por Sergio Cavalieri Filho, também é
esclarecedor:
Não basta, como observa Antunes Varela, que o fato tenha sido, em concreto, uma condição sine qua non do prejuízo. É preciso, ainda, que o fato constitua, em
37 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p.72. 38 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 522. 39 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 100.
abstrato, uma causa adequada do dano. Assim, prossegue o festejado Autor, se alguém, retém ilicitamente uma pessoa que se apresentava para tomar certo avião, e teve, afinal, de pegar um outro, que caiu e provocou a morte de todos os passageiros, enquanto o primeiro chegou sem incidente ao aeroporto de destino, não se poderá considerar a retenção ilícita do indivíduo como causa (jurídica) do dano ocorrido, porque em abstrato, não era adequada a produzir tal efeito, embora se possa asseverar que este (nas condições em que se verificou) não se teria dado se não fora o fato ilícito. A idéia fundamental da doutrina é a de que só há uma relação de causalidade adequada entre fato e dano quando o ato ilícito praticado pelo agente seja de molde a provocar o dano sofrido pela vítima, segundo o curso normal das coisas e a experiência comum da vida (Obrigações, Forense, pp. 251-252). 40
Com apoio no mesmo exemplo citado por Carlos Roberto Gonçalves, os
doutrinadores Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho criticam as duas teorias, pois
o critério abstrato não tem o condão de apurar, em todos os casos, o nexo causal, que
dependerá, na maioria das vezes, da análise concreta de cada fato:
Se a teoria anterior peca por excesso, admitindo uma ilimitada investigação da cadeia causal, esta outra, a despeito de mais restrita, apresenta o inconveniente de admitir um acentuado grau de discricionariedade do julgador, a quem incumbe avaliar, no plano abstrato, e segundo o curso normal das coisas, se o fato ocorrido no caso concreto pode ser considerado, realmente, causa do resultado danoso. 41
A abstração, segundo os autores, pode levar a um afastamento absurdo da situação
concreta, uma vez que aumenta a discricionariedade e subjetividade do julgador, sem a devida
atenção aos elementos fáticos que circunscrevem o fato principal, pois o nexo causal é uma
quaestio facti (uma questão de fato, o caso concreto e suas circunstâncias).
2.3.3 Teoria da causalidade direta ou imediata.
Também conhecida na doutrina por teoria da interrupção do nexo causal ou teoria
da relação causal imediata ou teoria do dano direto e imediato ou, ainda, teoria da
necessariedade da causa.
40 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 73. 41 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 100.
Os defensores da teoria da causalidade direta e imediata sustentam que esta
representa o meio termo entre a teoria da equivalência das condições e a teoria da causalidade
adequada, que pecam pelo extremismo. Enquanto a primeira permite responsabilidades em
cascata (investiga-se a causa da causa), a segunda limita-se a uma análise abstrata do caso, ou
seja, o nexo só existirá se o fato (analisado in abstracto e não in concreto) era adequado a
produzir o evento, de modo que muitos danos ficariam sem o devido ressarcimento. Se o fato
produziu o evento in concreto, mas in abstracto não se esperava isso, ou não era adequado
para a produção daquele dano, o agente não responde. Vale lembrar que o nexo causal é uma
questio facti (questão de fato) e sua análise não pode ficar em suposições abstratas.
O mérito desta teoria é a mitigação das anteriores, levando o caso a uma solução
mais justa, pois além de não permitir a aferição do nexo causal em cascata, analisa a questão
in concreto, com fundamento na necessariedade da causa. Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo
Pamplona Filho, defensores ferrenhos desta tese, sustentam que “causa, para esta teoria, seria
apenas o antecedente fático que, ligado por um vínculo de necessidade ao resultado danoso,
determinasse este último como uma conseqüência sua, direta e imediata”. 42
Sergio Cavalieri Filho, que defende a teoria da causalidade adequada, informa que o
precursor da teoria da causalidade direta ou imediata é o professor Agostinho Alvim:
Agostinho Alvim, em sua clássica obra Da inexecução das obrigações e suas conseqüências, em face do disposto art. 1.060 do Código Civil de 1916 (atual art.403 C.C de 2002) – efeito direto e imediato -, sustenta que, dentre as várias teorias sobre o nexo causal, o nosso Código adotou a do dano direto e imediato e que, das escolas que explicam o dano direto e imediato, a mais autorizada é a que se reporta à necessariedade da causa. De acordo com essa teoria, rompe-se o nexo causal não só quando o credor ou terceiro é autor da causa próxima do novo dano mas, ainda, quando a causa próxima é fato natural.43
42 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 101. 43 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 76.
Muitos autores, porém, não mencionam essa teoria, outros não reconhecem que o art.
403 do Código Civil de 2002 (art. 1.060 CC 1916) tem a incumbência de difundi-la. Contudo,
os aspectos relevantes e esclarecedores decorrentes dessa teoria não podem ficar ao relento.
Rui Stoco entende que a aplicação do art. 403 refere-se apenas às conseqüências da
inexecução das obrigações, pressupondo que o nexo causal já tenha sido identificado. O
referido autor, com fundamento no art. 186 do Código Civil, sustenta que o código adotou a
teoria da causa eficiente, rejeitando as demais teorias. A teoria da causa eficiente elege a
causa que mais tenha contribuído para o evento, ainda que outras causas, anteriores ou
posteriores ao evento, tenham concorrido. 44
O art. 403 do Código Civil tem a seguinte redação: “Ainda que a inexecução resulte
de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes
por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual”.
Várias teorias foram formuladas para amenizar as dificuldades de compreensão da
teoria da causalidade direta e imediata. Carlos Roberto Gonçalves destaca a posição de
Agostinho Alvim que, dentre todas as teorias apontadas, optou pela teoria da necessariedade
da causa:
Assim, ‘é indenizável todo dano que se filia a uma causa, ainda que remota, desde que ela lhe seja causa necessária, por não existir outra que explique o mesmo dano. Quer a lei que o dano seja o efeito direto e imediato da inexecução’ (Da inexecução, cit., p. 339). O agente primeiro responderia tão-só pelos danos que se prendessem a seu ato por um vínculo de necessariedade. Pelos danos conseqüentes das causas estranhas responderiam os respectivos agentes. No clássico exemplo do acidentado que, ao ser conduzido em uma ambulância para o hospital, vem a falecer em virtude de tremenda colisão da ambulância com um outro veículo, responderia o autor do dano primeiro da vítima, o responsável pelo seu ferimento, apenas pelos prejuízos de tais ferimentos oriundos. Pelos danos da morte dessa mesma vítima em decorrência do abalroamento da ambulância, na qual era transportada ao hospital, com o outro veículo, responderia o motorista da ambulância ou o do carro abalroador, ou ambos. Mas o agente do primeiro evento não responderia por todos os danos, isto é, pelos ferimentos e pela morte. 45
44 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: RT, 2004, p.147. 45 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 523-524.
O referido autor cita, ainda, o exemplo do indivíduo que vende uma vaca pestilenta e
que contamina todo o rebanho do comprador. Neste caso o vendedor responderá pelo prejuízo
da vaca que vendeu mais os animais que morreram em virtude do contágio. Se o comprador
utilizava os animais que morreram no serviço de cultivo da propriedade e, em decorrência
disso, não cultivou a terra, esses danos não serão reparados, pois, embora filiados ao seu ato,
estão distantes do ato primeiro.
A causa, além de ser necessária para o evento, responsabiliza o agente apenas pelos
danos que impulsionou, ainda que desse evento surgisse outro dano, mas sem qualquer
relação direta com a causa primeira. Não é a toa que essa teoria também foi denominada de
teoria do rompimento causal. Aliás, a maior dificuldade é saber até onde vai o nexo causal e,
conseqüentemente, o dano. Quando um dano é verificado, outros danos podem decorrer deste,
por meios transversos. O importante, porém, é a caracterização do nexo causal de cada dano,
de forma independente. A extensão do dano ficará limitada à causa que detonou o evento.
Ocorrendo outro dano, há que se perquirir se a causa é a mesma. Havendo outra causa, com
esta o vínculo se formará.
Isso porque, “não se indenizam esperanças desfeitas, nem danos potenciais,
eventuais, supostos ou abstratos” 46. O agente responde pelos prejuízos que resultem direta ou
imediatamente do sinistro. Outro exemplo, do mesmo autor, é do indivíduo que sofre acidente
automobilístico quando se dirige ao aeroporto. O motorista do veículo causador do acidente
responderá pelas despesas médicas, os estragos do veículo, os lucros cessantes pelos dias de
serviço perdidos, etc. Mas não responderá por danos remotos, como por exemplo, por
eventuais lucros cessantes que poderia ter auferido se tivesse viajado e efetuado o negócio que
pretendia. As miragens de lucro não são indenizáveis. Portanto, o dano remoto não é
46 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 525.
indenizável, pois para a sua efetiva configuração outros fatores também poderiam ter
contribuído.
Carlos Roberto Gonçalves finaliza sua explanação parafraseando Agostinho Alvim:
Ao legislador, portanto, quando adotou a teoria do dano direto e imediato, repugnou-lhe sujeitar o autor do dano a todas as nefastas conseqüências do seu ato, quando já não ligadas a ele diretamente. Este foi, indubitavelmente, o seu ponto de vista. E o legislador, a nosso ver, está certo, porque não é justo decidir-se pela responsabilidade ilimitada do autor do primeiro dano (Agostinho Alvim, Da inexecução, cit., 353).47
Quando há interrupção do nexo por causa superveniente, a indenização não é devida.
A causa superveniente, ainda que relativamente independente da cadeia de acontecimentos, é
suficiente para elidir esta responsabilidade. A causa primeira deixa de ser considerada quando
há uma interposição de outra causa, estabelecendo-se outro nexo. Não se deve confundir,
porém, o dano reflexo com o dano remoto. O dano reflexo (ou em ricochete) é indenizável,
pois atinge pessoas próximas à vítima direta, como por exemplo, o alimentando que teve o pai
morto. 48
2.3.4 A teoria adotada no direito brasileiro
A teoria da equivalência das condições é inadequada e imprópria para o direito civil,
servindo, contudo, ao direito penal pelos motivos já expostos.
A teoria da causalidade adequada é mais prestigiada pelo sistema jurídico e pela
jurisprudência brasileira. Sergio Cavalieri Filho registrou a tendência:
Os nossos melhores autores, a começar por Aguiar Dias, sustentam que, enquanto a teoria da equivalência das condições predomina na esfera penal, a da causalidade adequada é a prevalecente na órbita civil. Logo, em sede de responsabilidade civil, nem todas as condições que concorreram para o resultado são equivalentes (como no caso da responsabilidade penal), mas somente aquela que foi a mais adequada a produzir concretamente o resultado. Além de se indagar se uma determinada
47 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 526. 48 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 102.
condição concorreu concretamente para o evento, é ainda preciso apurar se, em abstrato, ela era adequada a produzir aquele efeito. Entre duas ou mais circunstâncias que concretamente concorreram para a produção do resultado, causa adequada será aquela que teve interferência decisiva. 49
José de Aguiar Dias também demonstrou sua preferência pela teoria da causalidade
adequada:
Se, entanto, a questão envolve indagação mais importante, como a de saber, por exemplo, se a culpa de determinado agente excluiria, ou não a culpa de outro, então, o exame da matéria há de ser feito na ação. E, para nós, não pode obedecer a outro critério que não ao das autonomias das culpas. Se embora culposo, o fato de determinado agente era inócuo para a produção do dano, não pode ele, decerto, arcar com prejuízo nenhum. Não defendemos a teoria da causa eficiente, como pareceu a Martinho Garcez Neto (Prática da responsabilidade civil, p. 48), mas exatamente, a doutrina apoiada pelo eminente autor. Falamos em oportunidade melhor e mais eficiente de evitar o dano e não em causa. Consideramos em culpa quem teve não a last chance, mas a melhor oportunidade e não a utilizou. Isso é exatamente uma consagração da causalidade adequada, porque se alguém tem a melhor oportunidade de evitar o evento e não a aproveita, torna o fato do outro protagonista irrelevante para sua produção. Estamos de pleno acordo com a lição de Wilson Melo da Silva. 50
Carlos Roberto Gonçalves assevera que o art. 403 do Código Civil contemplou a
teoria da causalidade direta e imediata51. Nesta mesma linha, situa-se a posição de Pablo
Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho. Estes autores sustentam, inclusive, que tanto a
doutrina como a jurisprudência estão utilizando como sinônimos a teoria da causalidade
adequada e a teoria da causalidade direta e imediata, ao exigirem a causalidade necessária
entre a causa e o efeito para estabelecer a responsabilidade civil, ou seja, a jurisprudência e a
doutrina, por vezes, adotam a teoria da causa adequada, embora com os fundamentos da teoria
da causalidade direta e imediata. Este motivo seria suficiente para defender a causalidade
direta e imediata adotada pelo Código Civil brasileiro em seu art. 403. 52
49 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 73. 50 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 11. ed. revista, atualizada de acordo com o Código Civil de 2002, e aumentada por Rui Berford Dias. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 945-946. 51 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 524. 52 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 105.
Rui Stoco não se filiou a nenhuma das três teorias abordadas. Após rejeitar a
aplicação do art. 403 do Código Civil na apuração do nexo causal, sustentou a teoria da causa
eficiente, com fundamento no art. 186 do Código Civil. 53
A verdade é que nenhuma das teorias é suficiente para responder a todas as
indagações sobre o nexo causal. Por outro lado, as teorias indicam rumos a serem seguidos,
não se constituindo em fórmulas como bem argumentou Sergio Cavalieri Filho54. A
responsabilidade deverá ser dirigida ao agente causador do dano ou aos co-responsáveis,
incluindo-se aqui a vítima, que poderá concorrer para o dano. A responsabilidade poderá ser
total ou parcial e os danos divididos na medida de suas responsabilidades, pois “se a ofensa
tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação” (art. 942 do CC).
2.3.5 Causalidade na omissão
Quando a conduta do agente determinar um dano, o estabelecimento do nexo causal
é mais perceptível, embora, muitas vezes, como visto, nem sempre é fácil apurar com o
necessário discernimento a responsabilidade do agente e/ou co-responsável.
A omissão na conduta, a princípio, não teria qualquer relevância causal, pois nada foi
desencadeado para a ocorrência do resultado danoso. A ausência de comportamento, por si
só, não tem reflexo algum. Todavia, quando o dever de agir é imposto, não se pode negar a
existência de nexo causal por omissão. Sergio Cavalieri Filho destacou a existência de nexo
causal por omissão:
Ora, não impedir significa permitir que a causa opere. O omitente, portanto, coopera na realização do evento com uma condição negativa: ou deixando de se movimentar, ou não impedindo que o resultado se concretize. Responde por esse resultado não porque o causou com a omissão, mas porque não o impediu, realizando a conduta a que estava obrigado.
53 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: RT, 2004, p. 147. 54 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 77.
Conclui-se, do exposto, que a omissão adquire relevância causal porque a norma lhe empresta esse sopro vital, impondo ao sujeito um determinado comportamento. Quando não houver esse dever jurídico de agir, a omissão não terá relevância causal e, consequentemente, nem jurídica. 55
As indenizações por acidente de trabalho, na sua quase totalidade, decorrem de
omissão do empregador, que não implementou as medidas de segurança, higiene e saúde no
ambiente de trabalho. A omissão do empregador para impedir o resultado contraria o dever
legal e jurídico de agir, devendo responder pelo ato omisso.
2.4 Concausas
A doutrina, por vezes, tem denominado causas concorrentes ou concorrência de
causas quando quer demonstrar a culpa concorrente da vítima, reservando a expressão
concausa para explicar o dever de indenizar quando as causas preexistentes, concomitantes e
supervenientes não eliminam o dever de indenizar, ou seja, quando uma causa associa-se a
outra causa para a realização de um evento danoso.
As concausas podem ser simultâneas ou sucessivas. Serão simultâneas quando mais
de uma causa é responsável pelo mesmo dano. Serão sucessivas quando várias causas, em
cadeia, causam dano. Antônio Houaiss definiu a concepção jurídica de concausa como
“determinação de um fato delituoso, coexistência preexistente ou superveniente de causas que
torna o seu autor por ele responsável, a menos que a causa sobrevinda tenha sido
independente da sua vontade”. Acrescenta, ainda, que concausa, em sentido amplo, é a “causa
que se junta a outra preexistente para a produção de certo efeito”. 56
55 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 88. 56 HOUAISS, Antônio. Dicionário eletrônico da língua portuguesa. 2001. Versão 1.0. 1 CD-ROM.
O aparecimento das concausas, em especial as concausas sucessivas, que são de
difícil resolução, ensejou a criação da teoria da equivalência das condições, a teoria da
causalidade adequada e a teoria da causalidade direta ou imediata. 57
Sem prejuízo das teorias estudadas, e com estas em mente, o importante no estudo
das concausas “diz respeito à circunstância de esta concausa interromper ou não o processo
naturalístico já iniciado, constituindo um novo nexo, caso em que o agente da primeira causa
não poderia ser responsabilizado pela segunda”. 58
Para Carlos Alberto Menezes Direito e Sérgio Cavalieri Filho, concausas são, em
outras palavras, “circunstâncias que concorrem para o agravamento do dano, mas que não têm
a virtude de excluir o nexo causal desencadeado pela conduta principal, nem de, por si sós,
produzirem o dano. O agente suporta esses riscos porque, não fosse a sua conduta, a vítima
não se encontraria na situação em que o evento danoso a colocou”. 59
A tudo o que se viu, nas teorias que buscam estabelecer o nexo causal, deve-se
acrescer uma particularidade especial, a existência ou não de concausas preexistentes,
concomitantes e supervenientes, pois estas, como já se afirmou, não eliminam o dever de
indenizar, por um motivo muito simples: não interrompem o processo natural do evento
danoso iniciado, apenas juntam-se para produzir efeitos mais graves.
A definição de Sergio Cavalieri Filho é convincente: “concausa é outra causa que,
juntando-se à principal, concorre para o resultado. Ela não inicia e nem interrompe o processo
causal, apenas o reforça, tal como um rio menor que deságua em outro maior, aumentando-lhe
57 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 521. 58 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 107. 59 DIREITO, Carlos Alberto Menezes; CAVALIERI FILHO, Sérgio. Comentários ao novo Código Civil, vol. XIII: da responsabilidade civil, das preferências e privilégios creditórios. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 83.
o caudal” 60. Importante frisar que o estabelecimento da concausa requer continuação do
processo causal já iniciado com a conduta do agente responsável, sem qualquer interrupção.
2.4.1 Concausas preexistentes
Concausa preexistente é a causa que já se encontra instalada na vítima quando da
conduta do agente e faz parte de sua condição pessoal. Está relacionada à saúde, criando uma
predisposição para determinados eventos. São causas que agravam o resultado sem eliminar a
responsabilidade pelo dano maior. O desconhecimento do agente causador do dano sobre as
condições pessoais da saúde da vítima não o exime de responder pelo dano que praticou.
Sergio Cavalieri Filho, ao definir e exemplificar concausa, fundou-se na teoria da causalidade
adequada:
Doutrina e jurisprudência entendem, coerentes com a teoria da causalidade adequada, que as concausas preexistentes não eliminam a relação causal, considerando-se como tais aquelas que já existiam quando da conduta do agente, que são antecedentes ao próprio desencadear do nexo causal. Assim, por exemplo, as condições pessoais de saúde da vítima, bem como as suas predisposições patológicas, embora agravantes do resultado, em nada diminuem a responsabilidade do agente. Será irrelevante, para tal fim, que de uma lesão leve resulte a morte por ser a vítima hemofílica; que de um atropelamento resultem complicações por ser a vítima diabética; que de pequeno golpe resulte fratura de crânio em razão da fragilidade congênita do osso frontal; etc. Em todos esses casos, o agente responde pelo resultado mais grave, independentemente de ter ou não conhecimento da concausa antecedente que agravou o dano. 61
Na concausa preexistente, o agente causador do dano assume o risco de produzir
dano que não quer ou não previu. Portanto, deverá responder pelo agravamento do dano,
exceto quando a causa, por si só, já seria suficiente a produzir o dano.
60 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 84. 61 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 85.
2.4.2 Concausas supervenientes
A causa superveniente é a causa que será adicionada ao evento após a sua ocorrência.
O processo causal teve início e terá o resultado agravado por esta causa superveniente. O
agravamento da situação anterior não exime o causador do dano do dever de indenizar, exceto
se houver interrupção do nexo causal. Carlos Roberto Gonçalves exemplifica o caso:
Embora concorra também para o agravamento do resultado, em nada favorece o agente. Se, por exemplo, a vítima de um atropelamento não é socorrida em tempo e perde muito sangue, vindo a falecer, essa causa superveniente, malgrado tenha concorrido para a morte da vítima, será irrelevante em relação ao agente, porque, por si só, não produziu o resultado, mas apenas o reforçou. A causa superveniente só terá relevância quando, rompendo o nexo causal anterior, erige-se em causa direta e imediata do novo dano. 62
Para se apurar a seqüência do nexo causal sem qualquer interrupção deve-se indagar
se a causa superveniente, por si só, produziria o resultado. No exemplo acima, não se
responsabilizaria o agente causador pela morte da vítima se o veículo em que a mesma estava
sendo transportada para o hospital vier a colidir com outro veículo, levando-a à morte. Nesse
caso, o evento, por si só, produziria o resultado, ou seja, a causa superveniente passou a ter
relevância e interrompeu o nexo causal.
2.4.3 Concausas concomitantes
A causa concomitante é a causa somada ao evento no exato momento da ocorrência
do dano. A simultaneidade de causas, sem qualquer interrupção do nexo causal, não exime o
causador do dano do dever de indenizar. Se a causa concomitante, por si só, acarreta o
resultado, houve interrupção do nexo, formando-se nova relação causal. Sergio Cavalieri
Filho, exemplifica:
62 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 527.
Durante a realização de um parto normal, a parturiente teve a ruptura de um aneurisma cerebral, vindo a falecer. [...] Aneurisma cerebral é um edema ou hematoma no cérebro, que não guarda nenhuma relação com o parto. Pode ser de origem congênita ou decorrente da dilatação de uma artéria, completamente imprevisível e indetectável nos exames do pré-natal. É quadro fisiológico independente da gravidez. Assim, a ruptura do edema, que acarreta, muitas vezes, a morte quase imediata da vitima, não obstante concomitante ao parto, foi causa absolutamente independente, que, por si só, ensejou o evento; foi a causa mortis adequada, imediata e exclusiva, não imputável aos médicos que realizaram o parto [...]. Não fosse a fatídica ruptura do insustentável aneurisma cerebral, repita-se, a parturiente nada teria sofrido de anormal. 63
Nesse caso, a causa concomitante é estranha à realização do parto e deu origem a
novo nexo causal. Trata-se de uma causa relevante e independente, suficiente para romper o
nexo causal primeiro.
2.4.4 Independência de causas
Para reforçar o entendimento acima exposto, destaca-se a metodologia utilizada por
Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho na solução das concausas, baseada na
independência de causas.
Quando a segunda causa (preexistente, concomitante ou superveniente), for
absolutamente independente em relação à conduta do agente, há o rompimento do nexo
originário e o agente não será responsabilizado, conforme exemplificam os referidos autores:
Imagine, por exemplo, a hipótese de um sujeito ser alvejado por um tiro, que o conduziria à morte, e, antes do seu passamento por esta causa, um violento terremoto matou-o. Por óbvio, esta causa superveniente, absolutamente independente em face do agente que deflagrou o tiro rompeu o nexo causal. O mesmo raciocínio aplica-se às causas preexistentes (a ingestão de veneno antes do tiro) e concomitantes (um derrame cerebral fulminante por força de diabetes, ao tempo que é atingido pelo projétil). 64
63 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 85. 64 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 107.
Porém, quando a segunda causa for relativamente independente à conduta do agente,
por incidir no curso do processo causal, não há rompimento do nexo causal e o agente
responde pelo dano agravado. Nas causas preexistentes e concomitantes, quando há causa
relativamente independente, em regra, transmite-se o nexo causal, conforme exemplo citado
pela doutrina:
Em geral, essas concausas, quando preexistentes ou concomitantes, não excluem o nexo causal, e, conseqüentemente, a obrigação de indenizar. Tomemos os seguintes exemplos: CAIO, portador de deficiência congênita e diabetes, é atingido por TÍCIO. Em face da sua situação clínica debilitada (anterior) a lesão é agravada e a vítima vem a falecer. No caso, o resultado continuará ao sujeito, eis que a causa preexistente relativamente independente não interrompeu a cadeia causal. O mesmo ocorre se o sujeito, em razão do disparo de arma de fogo, vem a falecer de susto (parada cardíaca), e não propriamente do ferimento causado. Também nesta hipótese, a concausa concomitante relativamente independente não impede que o agente seja responsabilizado pelo que cometeu. 65
Contudo, ao se tratar de causa superveniente, mesmo que observada relativa
independência, pode ocorrer a interrupção do nexo causal, quando a causa, por si só,
determinar o evento danoso:
É o clássico exemplo do sujeito que, ferido por outrem, é levado de ambulância para o hospital, e falece no caminho, por força do tombamento do veículo. Esta concausa, embora relativamente independente em face da conduta do agente infrator (se este não houvesse ferido a vítima, esta não estaria na ambulância e não morreria no acidente), determina, por si só, o evento fatal, de forma que o causador do ferimento apenas poderá ser responsabilizado, nas searas civil e criminal, pela lesão corporal causada. 66
Conclui-se, portanto, que as causas absolutamente independentes em relação à
conduta do agente rompem o nexo causal e, conseqüentemente, o dever de indenizar não
subsiste. Quando a causa for relativamente independente da conduta do agente, há de se
perquirir se, por si só, seria capaz de produzir o dano, o que ensejaria o rompimento do nexo
causal e a automática exclusão do dever de indenizar.
65 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 107-108. 66 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 107-108.
2.5 Exclusão do nexo causal
Não se pode imputar o dever de indenizar a quem não deu causa. Também não se
responsabiliza quem não deu cumprimento a uma obrigação quando foi impossibilitado de
agir, pois ad impossibilia nemo tenetur (ninguém está obrigado ao impossível). Quando isso
acontece, ocorre a exclusão do nexo causal e, conseqüentemente, da responsabilidade. As
“causas de exclusão do nexo causal são, pois, casos de impossibilidade superveniente do
cumprimento da obrigação não imputáveis ao devedor ou agente. Essa impossibilidade, de
acordo com a doutrina tradicional, ocorre nas hipóteses de caso fortuito, força maior, fato
exclusivo da vítima ou de terceiro”. 67
2.5.1 Caso fortuito e força maior
A doutrina e a jurisprudência não chegaram a um conceito preciso para identificar a
ocorrência de caso fortuito ou força maior. Muitos doutrinadores tratam os institutos como
sinônimos, outros, mais aguçados com a semântica, visualizam sutil distinção. Previstos no
art. 393 do Código Civil68, são de extrema relevância, pois possuem força liberatória do dever
de indenizar. Ressalte-se, também, que o caso fortuito comporta divisão (fortuito interno e
externo).
Fortuito é o “que acontece por acaso; não planejado; eventual, imprevisto,
inopinado”, enquanto força maior, na acepção jurídica, é o “poder ou razão mais forte,
decorrente da irresistibilidade do fato que, por sua influência, impeça a realização de
67 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 86. 68 Art. 393, CC: “O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir”.
obrigação a que se estava sujeito” 69. De Plácido e Silva condensou a problemática com as
seguintes palavras:
Desse modo, caso fortuito ou de força maior, análogos pelos efeitos jurídicos e assemelhados pela impossibilidade de serem evitados, previstos ou não previstos, possuem sua característica na inevitabilidade, porque possíveis de se prever ou de não se prever, eles vieram desde que nenhuma força os poderia impedir. E daí, com justa razão, não se pode confundir o caso fortuito ou de força maior com os casos impensados, os casos de imprevidência, os casos de negligência, os casos de imprudência ou de imperícia. Estes vieram pelas circunstâncias que os determinaram. Eram casos evitáveis pela ação ou vontade do homem. [...] Por princípio, ninguém responde pelos casos fortuitos e de força maior, pois que, inevitáveis por natureza e essência, aconteceram porque tinham que acontecer. 70
Em síntese, pode-se afirmar que o caso fortuito é o acaso, o imprevisto, o acidente
que não se pode prever e, por conseqüência, não se pode evitar. A força maior é algo que se
pode prever, mas, igualmente, não se pode evitar. Ambos se caracterizam pela inevitabilidade
e se distinguem pela previsibilidade/imprevisibilidade. Em resumo, caso fortuito (imprevisto)
e força maior (previsto) são inevitáveis e não indenizáveis. Não se confundem, porém, com
eventos danosos ocorridos pela imprevidência humana, plenamente evitáveis.
Maria Helena Diniz destaca que caso fortuito e força maior “se caracterizam pela
presença de dois requisitos: a) o objetivo, que se configura na inevitabilidade do
acontecimento, sendo impossível evitá-lo ou impedi-lo (CC art. 393, parágrafo único; RT,
444:122); logo, no caso fortuito e na força maior há sempre um fato que produz prejuízo, e b)
o subjetivo, que é a ausência de culpa na produção do evento”. 71
A alegação de força maior ou caso fortuito em processo judicial tem por objetivo
atacar o nexo causal para romper qualquer liame entre o fato e o dano bem como excluir o
dever de indenizar.
69 HOUAISS, Antônio. Dicionário eletrônico da língua portuguesa. 2001. Versão 1.0. 1 CD-ROM. 70 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 18. ed. Atual. por Nagib Slaibi Filho e Geraldo Magela Alves. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 159. 71 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral das obrigações. 17. ed. atual. vol. 2. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 352.
Mesmo reconhecendo a ínfima importância da distinção entre caso fortuito e força
maior, Maria Helena Diniz diferencia e exemplifica, apontando para a necessária atenção para
os danos causados por força maior, uma vez que para conceder a eficácia liberatória da
responsabilidade civil deste evento deve-se exigir cautela do julgador, pois dependerá das
circunstâncias em que ocorreu, já que se trata de fato previsto:
Na força maior conhece-se o motivo ou a causa que dá origem ao acontecimento, pois se trata de um fato da natureza, como, p. ex., um raio que provoca incêndio, inundação, que danifica produtos ou intercepta as vias de comunicação, impedindo a entrega da mercadoria prometida, ou um terremoto que ocasiona grandes prejuízos, etc. Implica, portanto, uma idéia de relatividade, já que a força do acontecimento é maior do que a suposta, devendo-se fazer uma consideração prévia do estado do sujeito e das circunstâncias espácio-temporais para que se caracterize como eficácia liberatória de responsabilidade civil. No caso fortuito o acidente que acarreta o dano advém de causa desconhecida, como cabo elétrico aéreo que se rompe e cai sobre fios telefônicos, causando incêndio, explosão de caldeira de usina, e provocando morte. 72
Dessume-se, portanto, que a configuração ou não de caso fortuito ou força maior
dependerá de prova cabal e contundente de que não houve culpa do agente na produção do
evento, pois a incúria não servirá de excludente, conforme exemplos extraídos da
jurisprudência, lembrados pela doutrina:
Eis a razão pela qual a jurisprudência tem entendido que o defeito mecânico em veículo, salvo em caso excepcional de total imprevisibilidade, não caracteriza o caso fortuito, por ser possível prevê-lo e evitá-lo com periódica e adequada manutenção. O mesmo entendimento tem sido adotado no caso de derrapagem em dia de chuva; além de previsível, pode ser evitada pelo cuidadoso ato de dirigir do motorista. 73
José de Aguiar Dias, conhecedor exímio da responsabilidade civil, após análise
pormenorizada da obra de Arnoldo Medeiros (Caso fortuito e teoria da imprevisão. Rio,
1943), destacou a inutilidade da distinção entre caso fortuito e força maior, por se tratar de
expressões sinônimas. O referido autor não hesitou em definir caso fortuito e força maior
amparado no nexo causal:
72 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral das obrigações. 17. ed. atual. vol. 2. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 352. 73 DIREITO, Carlos Alberto Menezes; CAVALIERI FILHO, Sérgio. Comentários ao novo Código Civil, vol. XIII: da responsabilidade civil, das preferências e privilégios creditórios. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 87.
O que anima as causas de isenção no seu papel de dirimentes é, em última análise, a supressão da relação de causalidade. Desaparecido o nexo causal, não é mais possível falar em obrigação de reparar. Esta noção atende melhor ao que se procura expressar com a noção de caso fortuito ou de força maior e prova, do mesmo passo a ausência de culpa não satisfaz como critério capaz de caracterizar essas causas de isenção. 74
Observa-se, assim, que a definição de caso fortuito ou força maior tem mais
relevância acadêmica e semântica do que jurídica, pois o dever de indenizar desaparece com a
inexistência de nexo causal. Além disso, o progresso da ciência tende a eliminar cada vez
mais as alegações de caso fortuito e força maior, conforme registrou Arnoldo Medeiros, em
1943, na feliz citação de José de Aguiar Dias:
Segundo a autorizada lição de Arnoldo Medeiros, a noção de caso fortuito ou de força maior decorre de dois elementos: um interno, de caráter objetivo, ou seja, a inevitabilidade do evento: outro, externo ou subjetivo, a ausência de culpa. Adota, pois, um conceito misto e não há senão aceitar-lhe a lição, no sentido de que ‘[...] não há acontecimentos que possam, a priori, ser sempre considerados casos fortuitos; tudo depende das condições de fato em que se verifique o evento. O que é hoje caso fortuito, amanhã deixará de sê-lo, em virtude do progresso da ciência ou da maior previdência humana’. 75
Carlos Alberto Menezes Direito e Sérgio Cavalieri Filho reconhecem que “muito já
se discutiu sobre a diferença entre o caso fortuito e a força maior, mas até hoje não se chegou
a um entendimento uniforme”. De fato a doutrina não é unânime a respeito e, por vezes, chega
a ser contraditória. Todavia, prosseguem os referidos autores, “o que é indiscutível é que tanto
um quanto outro estão fora dos limites da culpa. Fala-se em caso fortuito ou de força maior
quando se trata de acontecimento que escapa a toda diligência, inteiramente estranho à
vontade do devedor da obrigação”. 76
Importante, ainda, para o que se pretende defender com relação à indenização por
acidente de trabalho, é a divisão apontada pela doutrina do caso fortuito, em interno e externo:
74 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 11. ed. revista, atualizada de acordo com o Código Civil de 2002, e aumentada por Rui Berford Dias. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 936. 75 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 11. ed. revista, atualizada de acordo com o Código Civil de 2002, e aumentada por Rui Berford Dias. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 936. 76 DIREITO, Carlos Alberto Menezes; CAVALIERI FILHO, Sérgio. Comentários ao novo Código Civil, vol. XIII: da responsabilidade civil, das preferências e privilégios creditórios. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 86.
Entende-se por fortuito interno o fato imprevisível, e por isso inevitável, que se liga à organização da empresa, relaciona-se com os riscos da atividade desenvolvida pelo transportador. O estouro de um pneu do ônibus, o incêndio do veículo, o mal súbito do motorista etc. são exemplos do fortuito interno; por isso que, não obstante acontecimentos imprevisíveis, estão ligados à organização do negócio explorado pelo transportador. A imprensa noticiou, faz algum tempo, que o comandante de um Boeing em pleno vôo, sofreu um enfarte fulminante e morreu. Felizmente, o co-piloto assumiu o comando e conseguiu levar o avião são e salvo ao seu destino. Eis, aí, um típico caso de fortuito interno. O fortuito externo é também fato imprevisível e inevitável, mas estranho à organização do negócio. É o fato que não guarda nenhuma ligação com a empresa, como fenômenos da natureza: tempestades, enchentes, etc. Duas são, portanto, as características do fortuito externo: autonomia em relação aos riscos da empresa e inevitabilidade, razão pela qual alguns autores o denominam de força maior (Agostinho Alvim). 77
A distinção é relevante, pois a doutrina e a jurisprudência têm entendido que somente
o fortuito externo exclui a responsabilidade, conforme discorre Carlos Roberto Gonçalves:
Modernamente, na doutrina e na jurisprudência, se tem feito, como base na lição de Agostinho Alvim, a distinção entre ‘fortuito interno’ (ligado à pessoa, ou à coisa, ou à empresa do agente) e ‘fortuito externo’ (força maior, ou Act of God dos ingleses). Somente o fortuito externo, isto é, a causa ligada à natureza, estranha à pessoa do agente e à máquina, excluiria a responsabilidade, principalmente se esta se fundar no risco. O fortuito interno, não. Assim, tem-se decidido que o estouro dos pneus do veículo não afasta a responsabilidade, ainda que bem conservados, porque previsível e ligado à máquina. Confira-se: ‘Defeitos mecânicos em veículos, como o estouro dos pneus, não caracterizam caso fortuito ou força maior para isenção de responsabilidade civil’ (RJTJSP, 15:118, 33:88; JTACSP, Revista dos Tribunais, 117:22). 78
O referido autor salienta, ainda, que “o fortuito interno, em que a causa está ligada à
pessoa (como quando ocorre um mal súbito) ou à coisa (defeitos mecânicos, como estouro dos
pneus, rompimento dos “burrinhos” dos freios ou da barra de direção), não afasta a
responsabilidade do agente, ainda que o veículo esteja bem cuidado e conservado, porque
previsível. Defeitos mecânicos são previsíveis”.79
Infere-se, assim, que o mais importante não é distinguir caso fortuito de força maior,
uma vez que, juridicamente, terão o mesmo efeito, ou seja, excluem o nexo causal e, por
77 DIREITO, Carlos Alberto Menezes; CAVALIERI FILHO, Sérgio. Comentários ao novo Código Civil, vol. XIII: da responsabilidade civil, das preferências e privilégios creditórios. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 88. 78 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 737-738. 79 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 731.
conseguinte, o dever de indenizar. A alegação de fatos desta natureza requer prova de
inexistência de nexo causal. O caso fortuito (imprevisto) e a força maior (previsto), como
alhures afirmado, são inevitáveis e não indenizáveis. Contudo, a divisão do caso fortuito em
interno e externo tem relevância jurídica e efeitos distintos, uma vez que a doutrina e a
jurisprudência têm entendido que o caso fortuito interno é indenizável, pois presume-se que a
providência, nessas hipóteses, pode ser alcançada pelo homem, adotando-se a cautela
necessária para evitar o evento, uma vez que o dano está ligado à organização da empresa,
como ocorre com grande parte dos acidentes de trabalho.
Por derradeiro, volta-se à lição, sempre esclarecedora, de Carlos Roberto Gonçalves:
No cível, a culpa, ainda que levíssima, obriga a indenizar. É possível, no entanto, a total ausência de culpa, por exemplo, no estouro de um pneu novo. Mas tal fato sempre pode ser previsto, devendo o motorista adaptar a velocidade de modo a não perder o controle na eventualidade de um estouro. Na hipótese de não haver a menor culpa, incide a responsabilidade objetiva, decorrente unicamente do ônus da propriedade do veículo [...]. Aplica-se, nesses casos, a teoria do exercício da atividade perigosa, que não aceita o fortuito como excludente da responsabilidade. Quem assume o risco do uso da máquina, desfrutando os cômodos deve suportar também os incômodos. 80
Quando o risco é inerente à atividade desenvolvida, a alegação de caso fortuito ou
força maior fica prejudicada e não excluirá a responsabilidade do agente, porquanto o nexo
causal está intrínseco e associado ao fato danoso, independente de culpa.
2.5.2 Culpa exclusiva da vítima - fato exclusivo da vítima.
A vítima arcará integralmente com os prejuízos quando der causa ao evento danoso
de forma exclusiva. O Código Civil não traz nada específico sobre a culpa da vítima. O art.
945 do CC informa que “Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a
80 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 741.
sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a
do autor do dano”. É hipótese de culpa concorrente e não culpa exclusiva da vítima.
Contudo, pode-se extrair conclusão lógica a respeito da culpa exclusiva da vítima
pela própria definição do artigo supracitado, pois “se o juiz pode reduzir a indenização no
caso de culpa concorrente da vítima, pela mesma razão será possível excluir a
responsabilidade do aparente responsável no caso de culpa exclusiva da vítima, isto é, quando
o resultado decorrer exclusivamente da conduta desta”. 81
A contribuição exclusiva da vítima para o evento elimina o nexo causal e o dever de
indenizar. É evidente que o dever de indenizar, nesse aspecto, não poderá ser transferido a
quem não deu causa direta ou indireta ao evento. A responsabilidade civil não tem essa
abrangência, exceto em algumas remotas hipóteses, especialmente no campo do seguro
previdenciário, onde a culpa da vítima é irrelevante, dado o elevado grau de responsabilidade
objetiva expresso em leis previdenciárias (risco integral).
A conduta da vítima sempre deve ser analisada, pois, sustentam os doutrinadores,
que somente a exclusividade da vítima na culpa é capaz de excluir o nexo, o que torna
relevante o comportamento da vítima. Na verdade, não se visualiza a culpa, mas a existência
ou não do nexo causal, consoante entendimento doutrinário:
A boa técnica na nossa compreensão, recomenda falar em fato exclusivo da vítima, em lugar de culpa exclusiva. O problema, como se viu, desloca-se para o terreno do nexo causal e não da culpa. O direito italiano fala em relevância do comportamento da vítima para os fins do nexo de causalidade material. Para os fins de interrupção do nexo causal, basta que o comportamento da vítima represente o fato exclusivo do evento. 82
Afirma Maria Helena Diniz que a culpa exclusiva da vítima “exclui qualquer
responsabilidade do causador do dano. A vítima deverá arcar com todos os prejuízos, pois o
81 DIREITO, Carlos Alberto Menezes; CAVALIERI FILHO, Sérgio. Comentários ao novo Código Civil, vol. XIII: da responsabilidade civil, das preferências e privilégios creditórios. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 89. 82 DIREITO, Carlos Alberto Menezes; CAVALIERI FILHO, Sérgio. Comentários ao novo Código Civil, vol. XIII: da responsabilidade civil, das preferências e privilégios creditórios. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 89-90.
agente que causou o dano é apenas um instrumento do acidente, não se podendo falar em nexo
de causalidade entre a sua ação e a lesão [...]” 83. De fato, embora o agente tenha causado o
dano, foi a vítima que, em sua conduta culposa e/ou dolosa, utilizou o agente para causar o
dano.
O ato culposo da vítima, quando exclusivo, é estranho às atividades da empresa,
desconhecido do agente causador, imprevisível e inevitável, equiparando-se ao caso fortuito e
a força maior. José de Aguiar Dias destaca que o fato exclusivo da vítima elimina a
causalidade, permanecendo dissociado o fato do dano:
Admite-se como causa de isenção de responsabilidade o que se chama de culpa exclusiva da vítima. Com isso, na realidade, se alude a ato ou fato exclusivo da vítima, pela qual fica eliminada a causalidade em relação ao terceiro interveniente no ato danoso. É fácil de ver a vantagem que resulta de tal concepção, mais ampla que a da simples culpa, mediante um simples exemplo. Não responde, decerto, uma empresa de transportes urbano, pela morte do indivíduo que se atira voluntariamente sob as rodas do ônibus. Aí, é possível menção à culpa da vítima. Suponhamos, entretanto, que este indivíduo é louco. Não se pode cogitar de culpa de louco. Mas, por isso, responderá a empresa, quando o fato foi de todo estranho à sua atividade? Claro que não. De qualquer forma, entende-se que a culpa da vítima exclui ou atenua a responsabilidade do agente, conforme seja exclusiva ou concorrente. 84
A culpa também pode ser concorrente, e os prejuízos, após apurados, deverão ser
suportados pelas partes proporcionalmente ao grau de culpa. Para Rui Stoco “da idéia da
culpa exclusiva da vítima, que quebra um dos elos que conduzem à responsabilidade do
agente (o nexo causal), chega-se à concorrência de culpa, que se configura quando a essa
vítima, sem ter sido a única causadora do dano, concorreu para o resultado [...]” 85. Havendo
concorrência na culpa, a responsabilidade será proporcional ao grau de culpa, pois o nexo
causal não desaparece. Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho asseveram que
“somente se houver atuação exclusiva da vítima haverá quebra do nexo causal. Como vimos
83 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 17. ed. aum. e atual. vol. 7. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 103. 84 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 11. ed. revista, atualizada de acordo com o Código Civil de 2002, e aumentada por Rui Berford Dias. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 944. 85 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: RT, 2004, 177.
linhas acima, havendo concorrência de culpas (ou causas), a indenização deverá, como regra
geral, ser mitigada, na proporção da atuação de cada sujeito”. 86
Há culpa concorrente ou concorrência de causas, como a doutrina tem denominado,
“quando, paralelamente à conduta do agente causador do dono, há também conduta culposa
da vítima, de modo que o evento danoso decorre do comportamento culposo de ambos”. 87
Nesse sentido, Humberto Theodoro Júnior diz: “se a culpa do ofendido for de tal
proporção que se apresente como a única e determinante causa do evento danoso, o nexo
causal com a conduta do agente estará totalmente rompido. Nada terá este que indenizar,
porquanto a culpa exclusiva da vítima se equipara em efeitos ao caso fortuito ou de força
maior”. 88
Na culpa concorrente “haverá repartição de responsabilidades, de acordo com grau
de culpa. A indenização poderá ser reduzida pela metade, se a culpa da vítima corresponder a
uma parcela de 50%, como também poderá ser reduzida de 1/4, 2/5, dependendo de cada
caso”. 89
Há casos, porém, que, reconhecida à culpa de ambas as partes, a proporção ou o grau
de culpa de cada uma mostra-se de difícil equalização. Recomenda-se, assim, que os
prejuízos, nesta hipótese, sejam repartidos, à razão de 50%. 90
Ressalte-se, ainda, que somente no exame do caso concreto é possível verificar se a
culpa de determinado agente excluiria ou não a culpa de outro, ao que a doutrina denominou
de teoria da culpa eficiente. José de Aguiar Dias defende o critério da autonomia das culpas,
86 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 125. 87 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 66. 88 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Comentários ao novo Código Civil, vol. 3, t. 2: Dos atos jurídicos lícitos. Dos atos ilícitos. Da prescrição e da decadência. Da prova. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 109. 89 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 717. 90 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 11. ed. revista, atualizada de acordo com o Código Civil de 2002, e aumentada por Rui Berford Dias. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 945.
de modo que, embora culposo o fato de determinado agente, se não produziu o dano, não
responderá pelos prejuízos. O referido autor não defende a teoria da culpa mais eficiente,
entretanto fala em oportunidade melhor e mais eficiente de evitar o dano. Será
responsabilizado quem teve a melhor oportunidade de evitar o dano e não a utilizou. Portanto,
não se fala em causa ou culpa mais eficiente, mas em dever de agir mais eficiente para evitar
o dano. 91
Dessume-se, assim, que culpa exclusiva da vítima elimina o nexo causal entre o fato
e o dano, e a reparação dos prejuízos será suportada pela própria vítima, que deu causa ao
evento. Não sendo exclusiva a culpa da vítima, mas concorrendo esta para o evento danoso
(culpa concorrente), responderá na proporcionalidade de sua culpa, exceto quando não for
possível estabelecer o grau de culpabilidade, quando haverá divisão dos prejuízos, em partes
iguais.
Além disso, a concorrência de culpas somente deverá ser admitida “em casos
excepcionais, quando não se cogita de preponderância causal manifesta e provada da conduta
do agente” 92. Podem existir culpas que excluem outras culpas menos relevantes. Em tal caso,
a culpa grave absorve a culpa leve e não há que se falar em culpa concorrente.
2.5.3 Fato de terceiro - culpa de terceiro ou causa estranha O fato de terceiro é matéria de acirrada controvérsia na doutrina e jurisprudência.
De todas as excludentes de responsabilidade, talvez seja a que mais tenha gerado dúvidas e
incertezas no momento da aplicação. A legislação pátria não tem norma expressa a respeito,
91 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 11. ed. revista, atualizada de acordo com o Código Civil de 2002, e aumentada por Rui Berford Dias. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 945-946. 92 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 84.
mas entende-se que, mesmo de forma indireta, o Código Civil reconheceu o fato de terceiro
como excludente, consoante se observa nos art. 929 e 930, que fazem expressa remissão ao
art. 18893. Porém, o art. 930 do CC contempla somente a ação regressiva do autor do dano em
face do terceiro culpado, para haver a importância que pagou ao lesado. Deixa claro que o
dever de reparar é do causador do dano, independentemente de fato de terceiro; tem contra
este, entretanto, o direito de regresso. Sergio Cavalieri Filho, parafraseando José de Aguiar
Dias, afirma que terceiro “é qualquer pessoa além da vítima e do responsável, alguém que não
tem nenhuma ligação com o causador aparente do dano e o lesado. Pois, não raro, acontece
que o ato de terceiro é a causa exclusiva do evento, afastando qualquer relação de causalidade
entre a conduta do autor aparente e a vítima” 94. A exclusividade no evento determina que a
responsabilidade seja transferida ao terceiro, isentando o causador do dano direto.
Frise-se que a regra em responsabilidade civil é que a responsabilidade pelo dano é
do causador imediato do evento. Eventual culpa de terceiro não exime o autor direto do dever
de indenizar. Carlos Roberto Gonçalves afirma que “em matéria de responsabilidade civil, no
entanto, predomina o princípio da obrigatoriedade do causador direto em reparar o dano. A
culpa de terceiro não exonera o autor direto do dano do dever jurídico de indenizar”. 95
A regra, contudo, comporta exceções. A exoneração do dever de indenizar por culpa
ou fato de terceiro, pode ser alegada quando o terceiro é a causa exclusiva do prejuízo, ou
seja, quando há uma interferência autônoma de pessoa que não é o agente e nem a vítima.
93 Art. 188, CC: “Não constituem atos ilícitos: I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido; II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente. Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo”. Art. 929, CC: “Se a pessoa lesada, ou o dono da coisa, no caso do inciso II do art. 188, não forem culpados do perigo, assistir-lhes-á direito à indenização do prejuízo que sofreram”. Art. 930, CC: “No caso do inciso II do art. 188, se o perigo ocorrer por culpa de terceiro, contra este terá o autor do dano ação regressiva para haver a importância que tiver ressarcido ao lesado. Parágrafo único. A mesma ação competirá contra aquele em defesa de quem se causou o dano (art. 188, inciso I)”. 94 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 90. 95 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 721.
Maria Helena Diniz, entende que terceiro é “qualquer pessoa além da vítima ou do agente, de
modo que, se alguém for demandado para indenizar um prejuízo que lhe foi imputado pelo
autor, poderá pedir a exclusão de sua responsabilidade se a ação que provocou o dano foi
devida exclusivamente a terceiro”. 96
Caio Mário, citado por Rui Stoco, revela a importância de se estabelecer,
primeiramente, quem deve ser considerado terceiro e a natureza e extensão do comportamento
do terceiro:
Percute nos tribunais, encontrando soluções não raro contraditórias, e que, no desenvolvimento do tema, há que estabelecer com precisão dois conceitos fundamentais, quais sejam: 1) quem deve ser considerado terceiro, em matéria de responsabilidade civil; 2) qual a natureza e extensão do comportamento de terceiro, em relação ao evento danoso. Assentados esses dois pontos, os demais aspectos fluem com relativa facilidade. 97
Terceiro pode ser definido como qualquer pessoa estranha ao agente e à vítima, mas
que contribui para o dano, ressalvadas as pessoas por quem o agente responde, pois, nesta
qualidade, não são consideradas terceiro (prepostos, encarregados, etc.). O comportamento
do terceiro deve ser analisado minuciosamente, pois a causa do evento deve ter a participação
do terceiro, motivo pelo qual deve ficar evidenciado que o terceiro é o causador do dano. As
dificuldades na compreensão do tema levaram José de Aguiar Dias a estabelecer pressupostos
para caracterizar o fato de terceiro, como a causalidade, a inimputabilidade, a qualidade, a
identidade e a iliceidade:
A questão, entretanto, não é tão simples, do ponto de vista doutrinário. O fato de terceiro precisa, antes de mais nada, ser caracterizado. Isto se faz mediante a exigência destes pressupostos: a) causalidade: escusado dizer que, se não é causa do dano, nenhuma influência pode o fato de terceiro exercer no problema da responsabilidade; b) inimputabilidade: com efeito, se o fato danoso pode ser imputado ao devedor, fica fora de questão apurar em que medida terá influído, no resultado, o fato de terceiro, porque não foi este, mas aquele, o produtor do dano; c) qualidade: terceiro é qualquer pessoa além da vítima e do responsável. Ressalvam-se as pessoas por quem o agente responde, tanto no regime delitual (filhos, tutelados, prepostos, aprendizes, etc.) como no campo contratual (encarregados da execução do contrato em geral), porque essas não são terceiros, no sentido de estranhos à relação
96 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 17. ed. aum. e atual. vol. 7. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 104. 97 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: RT, 2004, p. 183.
que aqui nos interessa; quando muito, algumas de tais pessoas podem ser consideradas terceiros para efeito do direito de regresso, mas esta matéria não influi nas relações entre a vítima e o responsável; d) identidade: o fato de terceiro há de poder ser atribuído a alguém, o que não quer dizer que se imponha, necessariamente, a sua identificação. Sem dúvida, o fato de poder identificar o terceiro contribui para a melhor caracterização do fato que se lhe atribui. Mas isso não é condição essencial para tal configuração, como sucede, por exemplo, no dano produzido por terceiro que fugiu e não foi encontrado, tendo sido visto, entretanto, a praticar o ato de que resultou o prejuízo. Se o dano não pode ser atribuído a alguém, nesse sentido de que se deva a ação humana, estranha aos sujeitos da relação vítima-responsável, não há fato de terceiro, mas caso fortuito ou de força maior. Recorde-se, entretanto, que é muito difícil e delicado precisar a diferença entre o fato de terceiro e o produzido pelas forças naturais. O mau estado do caminho, por exemplo, será fato de terceiro, isto é, da pessoa, física ou jurídica, a quem incumbe a sua conservação, se provier de negligência desta obrigação. Não o será, entretanto, se de chuvas intensas; e) iliceidade: se o fato de terceiro é causa exclusiva do dano, não há que embargar se é ou não ilícito, para considerar-se como causa de isenção; se, porém, concorre com o do responsável, este não pode alegá-lo, senão quando seja culposo. 98 (sem grifo no original)
A doutrina utiliza, ainda, a expressão causa estranha ao invés de fato de terceiro, por
considerá-la mais apropriada. O fato de terceiro equipara-se ao caso fortuito e à força maior,
pois caracteriza-se por ser imprevisível e inevitável. Nessas condições é que a
responsabilidade civil do causador direto do dano será excluída. Não se deve confundir, no
entanto, causa estranha (fato de terceiro) com força maior. José de Aguiar Dias foi categórico
ao apontar as diferenças:
Não há confundir, pois, causa estranha e força maior. A assimilação de uma figura à outra decorre do fato de se deixarem alguns autores impressionar pelos efeitos que ambas exercem sobre a responsabilidade, a saber, fazer cessar a responsabilidade do agente. Mas a força maior atua de maneira absoluta e a causa estranha de maneira relativa, no sentido de que aquela influi para a nulificação total da responsabilidade e esta para a sujeição do caso à responsabilidade adequada às qualidades ou capacidades e aos deveres do agente. As duas noções são, portanto, independentes: Nada impede, porém, que coincidam no mesmo fato, caso em que o efeito mais forte absorverá o mais brando, tornando-o sem objeto. 99
Em termos de responsabilidade civil é de extrema importância abordar preceitos
estabelecidos quanto à responsabilidade do transportador, para que se possa visualizar o
sistema com um todo. O art. 735 do CC estabelece que “A responsabilidade contratual do
98 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 11. ed. revista, atualizada de acordo com o Código Civil de 2002, e aumentada por Rui Berford Dias. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 927-928. 99 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 11. ed. revista, atualizada de acordo com o Código Civil de 2002, e aumentada por Rui Berford Dias. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 933.
transportador por acidente com o passageiro não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual
tem ação regressiva”. Esta mesma previsão consta na Súmula 187 do STF. Esse
entendimento decorre da atividade de risco do transportador, conforme exemplo citado por
Carlos Alberto Menezes Direito e Sérgio Cavalieri Filho:
Assim, por exemplo, ainda que o acidente entre um ônibus e um caminhão tenha decorrido da imprudência do motorista deste último, ao invadir a contramão de direção, as vítimas que viajavam no coletivo deverão voltar-se contra a empresa transportadora. O fato culposo do motorista do caminhão não elide a responsabilidade da empresa transportadora. Esse é o sentido da súmula. E assim se tem entendido, porque o fato culposo de terceiro liga-se ao risco do transportador, guardando conexidade com a organização do seu negócio. 100
Pode-se afirmar, assim, em termos de equiparação, que se trata de caso fortuito
interno. Diverso, porém, quando o fato de terceiro é doloso, circunstância que determina o
rompimento do nexo causal (caso fortuito externo), pois não guarda nenhuma relação com o
risco do transportador, conforme acentuam os referidos autores:
Tal já não ocorre, entretanto, com o fato doloso de terceiro, como temos sustentado. Esse não pode ser considerado fortuito interno, porque, além de absolutamente imprevisível e inevitável, não guarda nenhuma ligação com os riscos do transportador; é fato estranho à organização do seu negócio, pelo qual não pode responder. Por isso, a melhor doutrina caracteriza o fato doloso de terceiro, vale dizer o fato exclusivo de terceiro como fortuito externo, com o que estamos de pleno acordo. Ele exclui o próprio nexo causal, equiparável à força maior, e, por via de conseqüência, exonera de responsabilidade o transportador. O transporte, em casos tais, não é causa do evento; é apenas a sua ocasião. E mais, após a vigência do código de defesa do consumidor, esse entendimento passou a ter base legal, porquanto, entre as causas exonerativas da responsabilidade do prestador de serviços, o § 3º, inc. II, do artigo 14 daquele Código inclui o fato exclusivo de terceiro. 101
Sergio Cavalhieri Filho ilustra com exemplos:
Com o correr do tempo a jurisprudência foi-se firmando [...] sob a consideração de que o fato exclusivo de terceiro, mormente quando doloso, caracteriza o fortuito externo, inteiramente estranho aos riscos do transporte. Não cabe ao transportador transformar o seu veículo em carro blindado, nem colocar uma escolta de policiais em cada ônibus para evitar os assaltos. A prevenção de atos dessa natureza cabe ao Estado, inexistindo fundamento jurídico para transferi-la ao transportador. [...]
100 DIREITO, Carlos Alberto Menezes; CAVALIERI FILHO, Sérgio. Comentários ao novo Código Civil, vol. XIII: da responsabilidade civil, das preferências e privilégios creditórios. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 91. 101 DIREITO, Carlos Alberto Menezes; CAVALIERI FILHO, Sérgio. Comentários ao novo Código Civil, vol. XIII: da responsabilidade civil, das preferências e privilégios creditórios. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 91.
Ressalte-se, por derradeiro, que a jurisprudência tem responsabilizado o transportador por assaltos, pedradas e outros fatos de terceiros ocorridos no curso da viagem somente quando fica provada a conivência dos seus prepostos, omissão ou qualquer outra forma de participação que caracterize a culpa do transportador, como, por exemplo: a) passageiro atingido, no interior do vagão, por pedrada vinda de fora através da porta que se encontrava aberta, com defeito; b) quando era comum, no trecho em que se deu o atentado, haver ataques com pedrada ou assaltos e a empresa transportadora deixou de tomar as providencias destinadas a evitar que tal tipo de atentado continuasse ou, pelo menos, de alertar a autoridade policial. 102
Não é nesse sentido, todavia, o entendimento de José Aguiar Dias que, após explicar
os motivos que deram origem à expressão causa estranha em substituição a fato de terceiro,
sustentou que o causador do dano direto, isento de responsabilidade, deve responder pelos
prejuízos diretamente, mantendo apenas a ação de regresso:
A expressão causa estranha é preferível a fato de terceiro, porque não se pode chamar fato, por exemplo, a intervenção do animal. Caso muito expressivo, a falar em favor da preferência, foi um desastre ocorrido no Distrito Federal. Uma árvore, carcomida pela ação do cupim, desabou sobre dois bondes que passavam pelo local. Chamar fato de terceiro a isso é impropriedade de expressão. Trata-se de causa estranha, se bem que determinada por omissão de terceiro, a saber, as autoridades encarregadas da guarda da árvore, que procederam negligentemente e assim permitiram o doloroso evento. Apesar de sua obrigação de levar os passageiros sãos e salvos ao lugar de destino, a empresa de transporte se nos afigura, no caso, isenta de responsabilidade, porque o acontecimento representou para ela um fato imprevisível e inevitável. Quando, por acaso, seja obrigada a compor os danos aos passageiros, não há dúvida que tem ação de regresso, pelo todo, contra a Municipalidade. 103
Carlos Roberto Gonçalves também ilustra com exemplos: “se dois passageiros
brigam no interior do ônibus e um fere o outro, também inexiste responsabilidade da
transportadora, porque o evento está desligado do fato do transporte. Mas haverá
responsabilidade quando o motorista do ônibus discute com o motorista de outro veículo e
este efetua disparo, ferindo passageiro do coletivo”. 104
102 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 326-328. 103 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 11. ed. revista, atualizada de acordo com o Código Civil de 2002, e aumentada por Rui Berford Dias. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 932. 104 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 723.
Na responsabilidade contratual, terceiro é a pessoa estranha ao negócio jurídico, que
não é parte, mas de algum modo interfere para alterar os efeitos do contrato. Na
responsabilidade extracontratual ou aquiliana o terceiro é qualquer pessoa, além da vítima e
do autor imediato, que interfere no resultado. 105
Havendo culpa concorrente do causador direto do dano e do terceiro, a
responsabilidade é solidária, nos termos do art. 942 do Código Civil106. Quanto à denunciação
da lide, a doutrina e a jurisprudência tendem a oferecer resistência, pois havendo o direito de
regresso, deve a parte pleitear esse direito com ação autônoma. Colhe-se, nesse sentido, a
jurisprudência citada por Carlos Roberto Gonçalves:
‘Admitir-se a denunciação em qualquer situação em que possa haver posterior direito de regresso do vencido contra um terceiro, poder-se-ia chegar a um resultado oposto àquele buscado pelo legislador, de maior delonga na situação da lide principal, o que constituiria ofensa ao princípio de celeridade processual e até mesmo uma denegação da Justiça’ (JTACSP, Saraiva, 81:210).107
Realmente, é de se perquirir qual a função do instituto. A denunciação da lide não
deve servir ao réu, mas sim ao autor da demanda. O réu deve buscar a solução da lide com o
denunciado da mesma forma que o autor do processo procura resolver suas pendências, ou
seja, interpondo a competente ação judicial. O processo que foi ajuizado pelo autor jamais
deve servir de palco para ajustar diferenças entre o réu e seu denunciado, exceto quando desta
pendenga resulte notável benefício ao autor.
José de Aguiar Dias observou a existência de duas correntes doutrinárias, uma que
sempre reconhece o fato de terceiro como excludente e outra que só exonera o dever de
105 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: RT, 2004, p. 184-185. 106Art. 942, CC: “Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação. Parágrafo único. São solidariamente responsáveis com os autores os co-autores e as pessoas designadas no art. 932”. 107 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 728.
indenizar pelo causador direto do dano quando o fato de terceiro constitui causa estranha ao
devedor, destacando que a questão é essencialmente ligada ao nexo causal:
Em relação ao fato de terceiro, que figura, ao lado do caso fortuito ou de força maior, como fundamento de isenção, naquela expressão genérica de causa estranha, usada pelo art. 1.382 do Código Civil Francês, há uma certa corrente de opinião que o reconhece sempre e sempre, como excludente de responsabilidade [...]. Outros, porém, só em determinadas condições lhe atribuem tal efeito. Para dar, em fórmula sintética, o pensamento da segunda corrente, a que aderimos, podemos dizer que o fato de terceiro só exonera quando realmente constitui causa estranha ao devedor, isto é, quando elimine, totalmente, a relação de causalidade entre o dano e o desempenho do contrato. A questão é essencialmente ligada ao problema do nexo causal e parece-nos que não tem sido estudada desse ponto de vista. Em última análise, todo fato que importe exoneração de responsabilidade tira esse efeito da circunstância de representar a negação da relação de causalidade. 108
O fato exclusivo de terceiro determina a exclusão no nexo causal entre o dano
perpetrado e a ação ou omissão do agente. O dever de indenizar é transferido ao verdadeiro
causador do dano, exonerando da responsabilidade civil o agente direto do evento. Há casos,
porém, em que a própria lei determina que o causador direto responda, resguardando o direito
de regresso para reaver o valor dos prejuízos que pagou à vítima (por exemplo, dano lícito do
art. 188 CC). Quando a culpa do terceiro e do agente forem concorrentes, ambos deverão
responder na medida de sua respectiva culpabilidade.
108 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 11. ed. revista, atualizada de acordo com o Código Civil de 2002, e aumentada por Rui Berford Dias. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 926.
3 ACIDENTES DO TRABALHO E SITUAÇÕES EQUIPARÁVEIS
Infortunística é o “conjunto de regras e princípios que, em medicina legal, são
adotados para o estudo dos riscos, acidentes e doenças a que alguém está sujeito em sua
atividade profissional”. 109
O estudo da infortunística começou a surgir com a Revolução Industrial, quando foi
substituído o trabalho manual pelo uso de máquinas como o tear e a máquina a vapor. Essas
máquinas causavam inúmeros acidentes de trabalho, levando o Estado a adotar algumas
medidas de proteção ao trabalhador. 110
O intuito deste tópico é estabelecer parâmetros e distinções sobre a natureza
acidentária previdenciária, de responsabilidade do INSS, e a natureza acidentária civil, que
pode gerar responsabilidades ao tomador de serviços. Além disso, destaca-se a inovação
legislativa que estabeleceu o Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário (NTEP), com
inegável repercussão no processo do trabalho, pois criou-se regime especial de presunção
legal, a qual determina a inversão do ônus da prova em prol da vítima. Nesse contexto,
defende-se que a predisposição acidentária pode impedir a contratação ou determinar a
dispensa de trabalhadores sem que isso configure discriminação.
No Brasil, não há uma legislação especifica sobre acidente do trabalho e situações
equiparadas a acidentes. Contudo, vale-se da legislação previdenciária e demais leis esparsas
para caracterizar e conceituar o acidente do trabalho. Antes de examinar os conceitos e
abrangências dos acidentes do trabalho, demonstrar-se-á a relevância do tema, além de
realizar uma incursão histórica sobre o assunto.
109 HOUAISS, Antônio. Dicionário eletrônico da língua portuguesa. 2001. Versão 1.0. 1 CD-ROM. 110 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da seguridade social. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 409.
3.1 A relevância do tema No mundo todo, é grande o número de acidentes de trabalho que ocorrem
diariamente, merendo atenção especial, tanto dos governos que, normalmente, arcam com os
custos da assistência médico-hospitalar e pensões decorrentes do infortúnio, quanto dos
empregadores, estes sujeitos a indenizarem o empregado quando o acidente ocorre por culpa
ou dolo, sem citar os prejuízos de ordem material e moral a que está sujeito o próprio
acidentado.
As estatísticas não deixam dúvidas sobre a relevância do tema em foco. Não há como
ignorar que os acidentes de trabalho matam milhares de pessoas todos os anos no mundo. No
Brasil, a realidade não é outra. Estatísticas revelam a dramática história do trabalhador
brasileiro submetido a condições degradantes de trabalho. O descaso do empregador tem
causado danos irreversíveis não só ao trabalhador e sua família mas também à sociedade que,
em última análise, deverá amparar a vítima e seus dependentes, com o dinheiro de todos os
contribuintes. Além disso, e ainda mais grave, são as conseqüências angustiantes decorrentes
dos acidentes, pois podem levar à invalidez permanente e até à morte, deixando cicatrizes que
maculam a dignidade da pessoa humana. Sebastião Geraldo de Oliveira afirmou que o
acidente “corta abruptamente a trajetória profissional, transforma sonhos em pesadelos e lança
um véu de sofrimento sobre vítimas inocentes, cujos lamentos ecoarão distante dos ouvidos
daqueles empresários displicentes que jogam com a vida e a saúde dos trabalhadores com a
mesma frieza com que cuidam das ferramentas utilizadas na sua atividade” 111. É imperdoável
e inaceitável, não havendo argumento que possa justificar negligência, imprudência e
imperícia do empregador ao atentar contra a integridade física e psicológica do prestador de
serviços.
111 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 25.
Para demonstrar a realidade brasileira em termos de acidentes de trabalho, elaborou-
se tabela com dados colhidos na obra de Sebastião Geraldo de Oliveira112. A estatística do ano
2005 foi extraída do Seminário Internacional (Previdência divulga números dos acidentes e
doenças ocupacionais em 2005) 113. Os acidentes mais comuns, segundo as estatísticas
brasileiras, podem ser classificados em acidente típico, doença ocupacional e acidente de
trajeto.
ANOS Trabalhadores
formais Total dos acidentes
Acidentes típicos
Acidentes de trajeto
Doenças ocupacionais
Mortes
1970 7.284.022 1.220111 1.199.672 14.502 5.937 2.232 1971 7.553.472 1330.523 1.308.335 18.138 4.050 2.587 1972 8.148.987 1.504.723 1.479.318 23.389 2.016 2.854 1973 10.956.956 1.632.696 1.602.517 28.395 1.784 3.173 1974 11.537.024 1.796.761 1.756.649 38.273 1.839 3.833 1975 12.996.796 1.916.187 1.869.689 44.307 2.191 4.001 1976 14.945.489 1.743.825 1.692.833 48.394 2.598 3.900 1977 16.589.605 1.614.750 1.562.957 48.780 3.013 4.445 1978 16.638.799 1.551.501 1.497.974 48.511 5.016 4.342 1979 17.637.127 1.444.627 1.388.525 52.279 3.823 4.673 1980 18.686.355 1.464.211 1.404.531 55.967 3.713 4.824 1981 19.188.536 1.270.465 1.215.539 51.722 3.204 4.808 1982 19.476.362 1.178.472 1.117.832 57.874 2.766 4.496 1983 19.671.128 1.003.115 943.110 56.989 3.016 4.214 1984 19.673.915 961.525 901.288 57.054 3.233 4.508 1985 21.151.994 1.077.861 1.010.340 63.515 4.006 4.384 1986 22.163.827 1.207.859 1.129.152 72.693 6.014 4.578 1987 22.617.787 1.137.124 1.065.912 64.830 6.382 5.738 1988 23.661.579 991.581 926.354 60.202 5.025 4.616 1989 24.486.553 888.343 825.081 58.524 4.838 4.554 1990 23.198.656 693.572 632.012 56.343 5.217 5.355 1991 23.004.264 632.322 579.362 46.679 6.281 4.527 1992 22.272.843 532.514 490.916 33.299 8.299 3.516 1993 23.165.027 412.293 374.167 22.709 15.417 3.110 1994 23.667.241 388.304 350.210 22.824 15.270 3.129 1995 23.755.736 424.137 374.700 28.791 20.646 3.967 1996 23.830.312 395.455 325.870 34.696 34.889 4.488 1997 24.104.428 421.343 347.482 37.213 36.648 3.469
112 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 29-30. 113Disponível em: <http://www.sintpq.org.br/arquivos/noticias2006/acidentesdetrabalho_28082006.htm>. Acesso em: 04 fev. 2007. Seminário Internacional (Previdência divulga números dos acidentes e doenças ocupacionais em 2005).
1998 24.491.635 414.341 347.738 36.114 30.489 3.793 1999 24.993.265 387.820 326.404 37.513 23.903 3.896 2000 26.228.629 363.868 304.963 39.300 19.605 3.094 2001 27.189.614 340.251 282.965 38.799 18.487 2.753 2002 28.683.913 393.071 323.879 46.881 22.311 2.968 2003 29.544.927 399.077 325.577 49.642 23.858 2.674 2004 31.068.203 458.956 371.482 59.887 27.587 2.801 2005 26.429.680 491.711 393.921 67.456 30.334 2.708
Deve-se ressaltar que os dados disponíveis não representam a efetiva realidade do
número de acidentes ocorridos no país, pois não se incluem os trabalhadores que estão na
informalidade; além disso, os próprios dados do INSS não são confiáveis, devido a problemas
no sistema de informações e cadastro das ocorrências. Muitos acidentes de trabalho não são
notificados por ignorância dos envolvidos, por receio das conseqüências ou por falta de
registro formal. A doutrina tem denunciado que os registros de acidentes de trabalho só
atingem 50% dos acidentes efetivamente ocorridos, principalmente após a edição do art. 118
da lei 8.213/91 que instituiu a garantia de emprego ao trabalhador acidentado, durante um
período de doze meses, após a cessação do auxílio-doença acidentário. Outro fator que
contribui para a parcialidade dos dados estatísticos reside no fato de que o empregador,
quando há uma doença ocupacional (equiparada a acidente do trabalho), encaminha o
empregado ao INSS para ser diagnosticado e tratado como doença comum, na tentativa de
reduzir sua responsabilidade (subnotificação). A constatação de que há registro parcial (50%)
dos acidentes efetivamente ocorridos eleva os dados estatísticos acima expostos ao absurdo;
concluindo-se, por exemplo, que, no ano de 2005, houve mais de cinco mil mortes por
acidente de trabalho. Considerando os dados de 2004, com base apenas na estatística oficial,
ocorrem no Brasil 8 mortes por dia por acidente de trabalho. Somando-se o número de mortes
(2.801) com o número de aposentados por incapacidade permanente (12.563), chega-se à
dramática conclusão de que 42 pessoas, diariamente, deixam o mercado de trabalho no
Brasil.114
Outro fato que merece atenção nos dados anteriormente apresentados é o número de
doenças ocupacionais, as quais têm aumentado significativamente, especialmente até o ano de
1997, quando se verifica uma estabilização e até mesmo redução na ocorrência dos acidentes
típicos. Esse resultado pode ser atribuído a dois fatores: maior número de notificações das
ocorrências de doença profissional e de trabalho, bem como aumento de funções sujeitas a
ambientes que provocam danos à saúde do trabalhador.
Na década de 70, o Brasil foi considerado o campeão mundial de acidentes de
trabalho. Desde então, muitas medidas legislativas foram tomadas para viabilizar melhores
condições de trabalho, inclusive com severas punições aos empregadores displicentes. Mesmo
assim, manteve-se a crescente e alarmante estatística. Em 1975, os acidentes de trabalho no
Brasil ficaram acima da média mundial. Nos vinte anos que sucederam (1975-1994), devido à
implementação de políticas mais severas, houve redução sistemática e sucessiva. Passou-se de
quase dois milhões de acidentes por ano, para aproximadamente 400 mil/ano. Porém, de 1994
a 2005, manteve-se praticamente os mesmos índices, demonstrando que as normas de saúde e
segurança do trabalho não mais estão surtindo efeitos. Há necessidade, assim, de um
aprimoramento nas medidas de segurança, de forma significativa. Há, também, um acelerado
custo para os empregadores com o pagamento de prêmios de seguro, despesas de primeiros
socorros, equipamentos destruídos, tempo perdido, interrupção da produção, salários pagos no
período de afastamento etc. O Estado tem gasto anual superior a 20 bilhões de reais que,
somados aos gastos dos empregadores, ultrapassa a 32 bilhões de reais por ano. Portanto, o
acidente de trabalho causa danos materiais para o empregado, para a empresa e para a
sociedade em geral. A prevenção de acidentes é medida que se impõe; contudo, deverá contar
114 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 30-32.
com a participação do empregado, do empregador, do Estado e da sociedade, uma vez que
todos, de forma direta ou indireta, são atingidos. A comunhão de esforços resultará em
aumento de produtividade, menor absenteísmo e, por conseguinte, maior produtividade. Para
conscientizar a sociedade sobre a necessidade de uma gestão adequada dos riscos para
preservar a saúde do trabalhador, a OIT (Organização Internacional do Trabalho) instituiu o
dia 28 de abril de cada ano como o Dia Mundial pela Saúde e Segurança do Trabalho. A data
teve origem na explosão da mina de Farmington, West Virgínia, nos Estados Unidos, que
matou 78 trabalhadores. No Brasil, o dia 28 de abril foi instituído pela Lei nº. 11.121/2005,
como o “Dia Nacional em Memória das Vítimas de Acidentes e Doenças do Trabalho”. 115
Em países em desenvolvimento, ou emergentes como o Brasil, os índices continuam
elevados, concluindo-se que o progresso é alcançado com o sacrifício de muitas vidas.
Ocorrem, no mundo, aproximadamente 740 mil acidentes por dia ou nove por segundo;
segundo a OIT, cerca de dois milhões de pessoas morrem a cada ano de acidente de trabalho,
o que representa quase 4 mortes por minuto. Houve considerável agravamento da situação,
pois em 1985 a cada três minutos um trabalhador perdia a vida; e, atualmente, a cada três
minutos, mais de 10 trabalhadores perdem a vida. 116
Os números apresentados não são preocupantes apenas porque resultam em grande
gasto para o país na manutenção, recuperação e indenização das vítimas de acidentes de
trabalho, mas também porque geram uma massa de trabalhadores mutilados, incapacitados
parcial ou totalmente para o trabalho que, normalmente, são excluídos do meio produtivo e
social, vivendo à margem da sociedade e privados de uma vida digna, face às dificuldades
115 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 25-32. 116 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 25-32.
econômicas e emocionais pelas quais passam após o acidente, isso quando não morrem em
decorrência deste. No caso, são os familiares que passam pelas dificuldades mencionadas.
Daí a necessidade da proteção jurídica acidentária, que tem por fundamento a
proteção da saúde e a segurança do trabalhador, através da adoção de medidas sanitárias,
higiênicas, de medicina preventiva e de segurança no trabalho, matérias estas afetas ao campo
da engenharia e da medicina, mas que, no âmbito da proteção, passam a interessar ao Direito,
pois este tem por finalidade o bem comum, através da aplicação, imperatividade, sanção e
coercitividade da norma jurídica. Por um lado, a doutrina tem destacado a preocupação
empresarial com relação à saúde e segurança do trabalhador e, por outro, os empresários
adotam medidas preventivas mais eficazes, pois temem o chamado “passivo patológico”:
Pode-se observar uma crescente preocupação dos empresários com a questão da saúde e segurança do trabalhador. A pressão sindical, as repercussões negativas na mídia, as atuações do Ministério Público do Trabalho e da Inspeção do Ministério do Trabalho e, especialmente, as indenizações judiciais estão promovendo mudanças no gerenciamento desse tema. Auditorias especializadas já mensuram o chamado ‘passivo patológico’ das organizações, comprovando que o investimento na prevenção de acidentes e doenças reflete-se positivamente no balanço, com reflexo na avaliação mercantil da empresa. 117
O empregador, enquanto empresário, deverá suportar os riscos do negócio (art. 2º,
CLT) e tem o dever de promover a organização racional do trabalho, higiene e segurança dos
locais de trabalho, prevenção de acidentes e, não sendo evitados estes, a reparação do sinistro
ou da incapacidade do trabalhador. Considerando as estatísticas, pode-se afirmar que “o local
de trabalho, que deveria servir para o homem ganhar a vida, está se transformando, em muitas
ocasiões, em lugar sinistro para encontrar a morte!”. 118
117 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 31. 118 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 29.
3.2 Evolução histórica da legislação acidentária no Brasil
Para melhor compreensão do assunto, apresenta-se a evolução histórica da legislação
acidentária no Brasil e no exterior. A abordagem, no direito brasileiro, terá fundamento na
obras dos autores: Irineu Antônio Pedrotti119, Sérgio Pinto Martins120, Sebastião Geraldo de
Oliveira121, Teresinha Lorena Pohlmann Saad122 e Roland Hasson123. Ressalte-se, apenas,
que a obra de Irineu Antonio Pedrotti foi a mais consultada; e, seguindo a obra de Sebastião
Geraldo de Oliveira, foi adotada a divisão histórica proposta, representada por sete etapas.
Sintetiza-se, assim, de acordo com os autores supracitados, a evolução da legislação
acidentária no Brasil.
A doutrina divide o histórico da legislação acidentária brasileira em sete etapas, que
vão desde o Decreto Legislativo nº. 3.724, de 1919 à Lei 8.213 de 1991. Porém, foi o Código
Comercial Brasileiro de 1850 o primeiro diploma legal a estabelecer orientação geral sobre
acidente de trabalho, com a seguinte previsão: “art. 79. Os Acidentes imprevistos e
inculpados, que impedirem aos prepostos o exercício de suas funções, não interromperão o
vencimento do seu salário, contanto que a inabilitação não exceda a 3 (três) meses contínuos”.
O art. 560 do mesmo Código assim dispunha: “art. 560. Não deixará de vencer a soldada
ajustada qualquer indivíduo da tripulação que adoecer durante a viagem em serviço do navio,
e o curativo será por conta deste; se, porém, a doença for adquirida fora do serviço do navio,
119 PEDROTTI, Irineu Antonio. Acidentes do Trabalho. 3. ed. São Paulo: Livraria e Editora Universitária de Direito Ltda, 1998, p. 1-35. 120 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da seguridade social. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 407-419. 121 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 32-35. 122 SAAD, Teresinha Lorena Pohlmann. Responsabilidade civil da empresa nos acidentes do trabalho. São Paulo: LTr, 1993, p. 48-114. 123 HASSON, Roland. Acidente de trabalho & Competência: conseqüências da sucessão das normas no tempo. Curitiba: Juruá, 2002, p. 21-38.
cessará o vencimento da soldada enquanto ela durar, e a despesa do curativo será por conta
das soldadas vencidas; e se estas não chegarem, por seus bens ou pelas soldadas que passam
vir a vencer”.
Primeira etapa: O Decreto Legislativo nº. 3.724, de 15/01/1919, foi a primeira lei
brasileira a tratar de acidentes do trabalho. Tinha por objetivo atingir os empregados das
indústrias e adotava a teoria do risco profissional, que já era defendida pela doutrina européia.
Não se discutia de quem era a culpa pelo acidente, adotando-se a teoria da responsabilidade
objetiva do empregador. Surgiu, assim, o seguro de acidentes do trabalho de natureza privada,
em que a empresa limitava-se à contratação do seguro com a empresa seguradora; na
ocorrência de acidente, pagava-se a importância assegurada à vítima, pois a indenização era
tarifada e o trabalhador não tinha qualquer outro direito; na hipótese de não pagamento pela
seguradora o empregador era obrigado a cobrir a apólice (Súmula 529 do STF). Apesar da
obrigação de pagar indenização, o seguro era facultativo; o conceito de acidente de trabalho
era restrito e caracterizado pela reunião de vários elementos: subitaneidade, violência,
involuntariedade e exterioridade.
Características:
Estava adstrito às atividades consideradas mais perigosas, desde que
houvesse a utilização de motores, inclusive agrícolas. As atividades
comerciais eram excluídas;
Já se estendia a proteção às doenças profissionais, excluindo-se, porém, as
concausas (doenças profissionais atípicas);
Obrigação de pagar indenização, porém, não se instituiu o seguro obrigatório;
Distinção da incapacidade temporária em total ou parcial, além da morte e da
incapacidade permanente;
Exigência da intervenção da autoridade policial em todos os processos
relacionados a acidentes de trabalho;
Nada previa sobre concurso de indenização acidentária e direito comum.
Segunda etapa: O Decreto nº. 24.367, de 10/07/1934, substituiu a Lei nº.
3.724/1919 e instituiu o depósito obrigatório para garantia da indenização, simplificou o
processo e aumentou o valor da indenização em caso de morte do acidentado, assimilando ao
acidente de trabalho a moléstia profissional que não estava prevista na lei anterior. Seu
fundamento jurídico consistia na teoria do risco profissional.
Características:
Equiparação da doença profissional atípica, denominada mesopatia, como
acidente do trabalho – admitiu-se a concausa;
Abrangência dos setores da indústria, comércio, serviços domésticos,
pecuária e agricultura motorizada;
Obrigação de o empregador optar entre o seguro privado e o depósito
obrigatório no Banco do Brasil ou na Caixa Econômica Federal, para garantia
do pagamento da indenização;
Além da indenização tarifada, foi instituída pensão para os herdeiros ou
beneficiários do acidentado.
Manutenção da distinção entre incapacidade temporária total e parcial;
Simplificação do processo, mas com a exigência de comunicação à
autoridade policial de todos os casos de acidente do trabalho.
Os herdeiros passaram a ter ação contra os terceiros responsáveis;
Excluía expressamente qualquer responsabilidade de direito comum do
empregador (art. 12).
A Constituição de 16/07/1934, em seu artigo 121, estabeleceu expressamente o
amparo à produção e às condições de trabalho na cidade e no campo, visando à proteção
social do trabalhador e aos interesses econômicos do país. Instituiu, também, no parágrafo
oitavo, do artigo mencionado, a indenização pela folha de pagamento nos casos de acidente
do trabalho em obras públicas da União, dos Estados e dos Municípios. A Constituição de
1937 previa a instituição de seguros nos casos de acidente do trabalho (art. 137, m).
Terceira etapa: O Decreto-lei nº. 7.036, de 10/11/1944, regulamentado pelo
Decreto nº. 18.809, de 05/05/1945, representou grande avanço sobre as legislações
anteriores. Definiu como acidente do trabalho não só o acidente típico e as doenças
profissionais relacionadas ao trabalho, mas também a concausa, prevendo que todo o evento
que tivesse relação de causa e efeito, ainda quando não responsável único e exclusivo da
causa de morte, perda ou redução da capacidade de trabalho, configuraria acidente do
trabalho. Previa a assistência, a indenização e a readaptação do acidentado e a prevenção de
acidentes. O conceito de acidente in itinere foi ampliado.
Tinha como fundamento jurídico a teoria do risco profissional, porém com
ampliação da teoria do risco de autoridade; seu objetivo essencial era a ampliação do conceito
de acidente do trabalho, mas também previu o monopólio estatal pela transformação gradativa
do regime de seguro que, até então, era explorado como seguro privado, fato que apenas foi
consolidado pela Lei nº. 5.316, de 1967.
Características:
Aplicação extensiva aos servidores públicos não sujeitos ao regime
estatutário;
Manutenção do seguro privado obrigatório como garantia de pagamento da
indenização, transitoriamente, até a implantação do monopólio estatal;
Supressão da distinção entre incapacidade temporária total e parcial, porque a
prática havia demonstrado a inexistência de incapacidade temporária parcial;
Dispensa da comunicação do acidente do trabalho à autoridade policial,
exceto em caso de morte; fixação do prazo de 30 dias para o término do
procedimento judicial; determinação de rápido andamento da ação;
Aceitação de que era mais interessante ao Estado e à coletividade a
manutenção ou a recuperação da capacidade de trabalho do acidentado, com
indicação das hipóteses de prevenção, higiene e reabilitação, além de normas
sobre assistência médica, farmacêutica e hospitalar;
A indenização acidentária poderia ser cumulada com prestações da
previdência social, inclusive com a de direito comum, caso ficasse provado o
dolo do empregador. Surgiu a Súmula 229 do STF que determinou
responsabilidade também por culpa grave;
Primeira lei a normatizar a possibilidade do concurso da indenização
acidentária e de direito comum em caso de dolo do empregador (art. 31).
A Constituição de 18/09/1946, em seu artigo 157, deu maior ênfase à proteção
acidentária e, no inciso XVII, estabeleceu a obrigatoriedade da instituição do seguro às custas
do empregador contra acidentes do trabalho, assim como a Constituição de 1967 estabeleceria
o seguro obrigatório pelo empregador contra acidentes do trabalho (art. 158, XVII).
Quarta etapa: O Decreto nº. 293, de 28/02/1967, baixado por força do Ato
Institucional nº. 4, deixou o seguro nas mãos das companhias seguradoras particulares, em
concorrência com o Instituto Nacional de Previdência Social; eliminou o conceito concausa
do acidente do trabalho; estabeleceu uma pensão mensal complementar à aposentadoria em
caso de incapacidade permanente ou morte e, também, uma indenização única quando a
incapacidade parcial ou permanente fosse inferior a 25%. Em vista da insatisfação com a
manutenção dos seguros privados, pois há muito se pretendia a estatização do seguro no país,
a norma teve rápida duração e foi revogada no mesmo ano pela Lei nº. 5.316/67.
Quinta etapa: A Lei nº. 5.316, de 14/09/1967, instituiu a integração do seguro
contra acidentes do trabalho no sistema da previdência social brasileira; criou o pecúlio-
acidente e o auxílio-acidente; estabeleceu taxas sobre a folha dos salários de contribuição das
empresas para fazer face ao seguro de acidentes e taxa individual por empresa, variável
segundo o número de acidentes ocorridos.
Seu fundamento jurídico era a teoria do risco profissional, com ampliação da
chamada teoria do risco social, esta como forma de justificar a proteção dada ao acidente in
itinere decorrente do risco genérico, ou seja, aqueles que ocorriam em condições que
escapavam à vigilância do empregador.
O objetivo principal era o monopólio do seguro pelo Instituto Nacional de
Previdência Social-INPS e maior entrosamento entre as prestações infortunísticas e as
previdenciárias.
Características:
Restauração das normas do Decreto-lei nº. 7.036, de 1944, com exceção do
conceito de acidente do trabalho e do de doença do trabalho:
o pelo período de transitoriedade até que o INPS assumisse, efetivamente,
o monopólio do seguro;
o para regular a situação de empregados e de empresas não abrangidos pela
Lei Orgânica da Previdência Social, compreendendo trabalhador rural e o
empregado doméstico;
o para aplicação subsidiária, no pertinente, inclusive sanções, dúvidas e
casos omissos;
Aplicação aos empregados e empresas sujeitas à Lei Orgânica da Previdência
Social e, também, aos trabalhadores avulsos e aos presidiários;
Excluiu a obrigação de indenizar as doenças degenerativas e as inerentes a
grupos etários;
Exigência do esgotamento da via recursal administrativa para promoção da
ação judicial;
Reparação, nos casos de morte, perda ou redução de capacidade, através das
vantagens:
o dispensa do período de carência;
o valor maior;
Criação de novos benefícios:
o pecúlio para os casos de incapacidade parcial e permanente de até 25%,
invalidez no caso indicado e morte;
o auxílio-acidente para as hipóteses de incapacidade parcial e permanente,
que impedisse o exercício de trabalho, superior a 25%;
Contribuição a cargo do empregador, calculada sobre a folha de salários de
contribuição da previdência social a título de custeio;
Reserva à Fundação Centro Nacional de Segurança, Higiene e Medicina do
Trabalho - Fundacentro de 0,5% da contribuição para custeio do seguro de
acidente do trabalho;
Os domésticos perderam os benefícios de acidente do trabalho;
Silenciou sobre o concurso de indenização acidentária e direito comum.
A Emenda Constitucional nº. 1, de 17/10/1969, no artigo 165, atendeu ao anseio
nacional e assegurou aos trabalhadores o direito à previdência social nos casos de doença,
velhice, invalidez e morte, seguro-desemprego, seguro contra acidentes do trabalho e proteção
da maternidade, mediante contribuição da União, do empregador e do empregado.
Com a Lei 6.195, de 1974, que tratava do regime rural de acidentes do trabalho, o
trabalhador rural passou a integrar o regime de acidentes do trabalho da Previdência Social
através de custeio por meio do Funrural; o Decreto-lei nº. 7.036/44 foi, então, definitivamente
revogado.
Sexta etapa: A Lei nº. 6.367, de 19/10/1976, manteve o monopólio estatal do
seguro de acidentes do trabalho, a assistência e as prestações por acidentes (no lugar de
indenização) e a readaptação, além das alterações sobre os benefícios para os casos de
incapacidade para o trabalho em favor dos segurados.
O fundamento jurídico repousava na teoria do risco social. O objetivo principal
estava na adaptação da lei ao dispositivo constitucional que determinou a integração do
seguro obrigatório de acidentes do trabalho na Previdência Social.
Características:
Revogou expressamente a Lei nº. 5.316/67;
Aplicação aos empregados segurados do regime da Lei Orgânica da
Previdência Social, trabalhadores temporários e avulsos, presidiários que
exercem atividade remunerada;
Identificação da doença profissional e da doença do trabalho como expressões
sinônimas, equiparando-as ao acidente do trabalho nas hipóteses constantes da
relação organizada pelo Ministério da Previdência e Assistência Social;
Exclusão das doenças degenerativas e das inerentes a grupos etários, com
exceção da equiparação de doença não incluída na lista quando estiver
relacionada de forma direta com o trabalho e resultar de condições especiais de
sua execução;
Acréscimo da contribuição previdenciária, a cargo exclusivo do empregador, no
valor de 0,4%, 1,2% da folha de salários de contribuição, conforme o risco de
acidente do trabalho no estabelecimento considerado leve, médio ou grave,
respectivamente, para o fundo de custeio, fato que suprimiu a tarifação
individual. Atualmente a contribuição é de 1%, 2% e 3% (leve, médio e grave);
Prestações acidentárias com vantagens:
o dispensa do período de carência;
o valor maior;
Criação de auxílio mensal devido quando, em conseqüência de perda anatômica
ou redução de capacidade, o exercício da atividade desenvolvida na época do
evento passe a exigir esforço maior do acidentado;
Auxílio-acidente uniforme, vitalício e devido quando, após o acidente, houvesse
condições de trabalhar, mas não na atividade habitual desenvolvida no momento
do evento;
Reabilitação profissional nos casos em que indicava; passou a ser garantida
obrigatoriamente tal como se dava antes com a assistência médica, farmacêutica
e hospitalar;
Suprimiu a exigência de esgotamento da via recursal administrativa para
promoção da ação de prestações por acidente do trabalho em juízo;
Silenciou sobre o concurso de indenização acidentária e direito comum.
O Decreto nº. 77.077, de 24/01/1976, expediu a Consolidação das Leis da
Previdência Social – CLPS -, cuidando no título V do Seguro de Acidentes do Trabalho. A
Lei nº. 6.439, de 1º/09/1977, instituiu o Sistema Nacional de Previdência e Assistência
Social e outras providências. O Decreto nº. 80.303, de 08/09/1977, deu competência ao
Ministro da Previdência e Assistência Social para adotar providências necessárias à
implantação do Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social - SINPAS, a fim de que
fosse efetivamente implantado até 1º de julho 1978. O Decreto nº. 80.887, de 30/11/1977,
dispôs sobre a administração financeira do SINPAS. O Decreto nº. 83.080, de 24/01/1979,
aprovou o Regulamento dos benefícios da Previdência Social, tratando no seu Título III dos
benefícios por acidente do trabalho. O Decreto 83.081, de 24/01/1979, aprovou o
regulamento do custeio da Previdência Social e, no Capítulo I, Seção I, Subseção única,
cuidou das contribuições referentes aos acidentes de trabalho. O Decreto nº. 89.312, de
23/01/1984, expediu nova Consolidação das Leis da Previdência Social – CLPS, reunindo a
legislação referente à previdência social urbana, constituída pela Lei nº. 3.807, de 26/08/1960,
e a legislação complementar. Substituiu a CLPS expedida pelo Decreto nº. 77.077, de 24 de
janeiro de 1976. Tratou no Capítulo V dos Acidentes do Trabalho.
A Constituição Federal, de 05/10/1988, estabeleceu em seu artigo 7º, inciso
XXVIII, que são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à
melhoria de sua condição social, seguro contra acidentes de trabalho a cargo do empregador,
sem excluir a indenização a que este está obrigado quando incorrer em dolo ou culpa.
Acrescenta no artigo 201, inciso I, que os planos de previdência social, mediante
contribuição, atenderão, nos termos da lei, a cobertura dos eventos de doença, invalidez,
morte, incluídos os resultantes de acidentes do trabalho, velhice e reclusão.
Sétima etapa: A Lei nº. 8.213, de 24/07/1991, instituiu o Plano de Benefícios em
harmonia com as diretrizes da Constituição da República de 1988. Previu a revogação das
disposições em contrário sem definir o que foi efetivamente revogado. A lei mencionada foi
regulamentada pelo Decreto nº. 3.048/1999.
Disciplinou os aspectos centrais do acidente do trabalho nos artigos 19 a 23 da lei
supramencionada. Excluiu o auxílio mensal ou suplementar e definiu o auxílio acidente em
30%, 40% e 60%, que passou, através da Lei 9.032/95, ao percentual único de 50%,
independentemente do grau de incapacidade.
Os recursos interpostos pela Previdência Social, em processos que envolvam
prestações, passaram a ser recebidos exclusivamente no efeito devolutivo. Havendo reforma
da decisão será suspenso o benefício e exonerado o beneficiário de restituir os valores
recebidos por força da liquidação.
Definiu-se que segurado obrigatório da Previdência Social, como empregado, é
aquele que presta serviço de natureza urbana ou rural à empresa, em caráter não eventual, sob
sua subordinação e mediante remuneração, inclusive como diretor (art. 11, inciso I, “a”).
Assim, determinou forma adequada para o reajustamento dos benefícios ao enquadramento
dos trabalhadores rurais ao Regime Geral de Previdência Social.
As autoridades previdenciárias poderão efetuar desistências ou abster-se de recorrer
nos processos judiciais sempre que a ação versar matéria sobre a qual haja declaração de
inconstitucionalidade proferida pelo Supremo Tribunal Federal - STF, súmula ou
jurisprudência consolidada do STF ou dos tribunais superiores (art. 131). Foi instituído o
Conselho Nacional de Previdência Social para acompanhar e avaliar a previdência social no
concernente à adoção de políticas e uso dos recursos (art. 3º e 4º).
O segurado especial foi definido como o produtor, o parceiro, o meeiro e o
arrendatário rural, o garimpeiro, o pescador artesanal e seus assemelhados bem como seus
respectivos cônjuges ou companheiros, filhos maiores de catorze anos de idade, ou a eles
equiparados, desde que trabalhem comprovadamente com o grupo familiar respectivo e que
exerçam essas atividades individualmente ou em regime de economia familiar, com ou sem
auxílio eventual de terceiros. (Art. 11, VII).
Nessa estapa foram implantados benefícios previdenciários instituídos pela
Constituição Federal de 1988:
Piso de um salário mínimo para os benefícios previdenciários de prestação
continuada;
Nova fórmula de cálculo do salário de benefício, que passou a consistir na
média aritmética simples dos 36 últimos salários de contribuição, atualizados
monetariamente, mês a mês, pela variação integral do INPC. Anteriormente
corrigiam-se apenas os 24 primeiros salários de contribuição, o que tornava
maior a inflação em relação aos últimos 12 meses;
Pensão para os homens pela morte do cônjuge ou da companheira;
Abono anual, adotado desde dezembro de 1990;
Salário maternidade de 120 dias, adotado desde 1989;
Enquadrou os rurícolas no Regime Geral da Previdência Social.
O princípio da uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações
urbanas e rurais foi implantado e regulamentado. Os trabalhadores sem vínculo de emprego
têm direito assegurado como autônomos urbanos. Para a concessão de pensão por morte, de
auxílio-reclusão, aposentadoria por invalidez e auxílio-doença, desde que motivados por
acidente de qualquer natureza ou causa, foi suprimida a exigência do cumprimento de
carência. O benefício referente à aposentadoria por invalidez acidentária de qualquer natureza
ou causa passou para 100%, com aplicação do mesmo cálculo de renda mensal adotado para
os outros benefícios. Na qualidade de segurado obrigatório, também foi incluído o trabalhador
rural assalariado sazonal, ou safrista, com direito a todos os benefícios do Regime Geral de
Previdência Social.
Além disso, outras normas podem ser citadas: O Decreto nº. 357, de 07/12/1991,
aprovou o Regulamento dos Benefícios da Previdência Social e cuidou, no Capítulo III, do
Acidente do Trabalho. A Lei nº. 8.542, de 23/12/1992, revogou o inciso II do artigo 41 da
Lei nº. 8.213, de 24/07/1991, que previa o reajuste dos valores dos benefícios em manutenção
nas épocas em que o salário mínimo fosse alterado. A Lei nº. 9.032, de 28/04/1995, revogou
vários dispositivos da Lei 8.213 de 24/07/1991. A Lei nº. 9.129, de 20/11/1995, revogou o
artigo 81 da Lei nº. 9.213/1991, que tratava dos pecúlios, e deu nova redação ao artigo 86
daquela Lei. O Decreto nº. 2.172, de 05/03/1997, aprovou o novo Regulamento dos
Benefícios da Previdência Social e, no Capítulo III, tratou do acidente do trabalho. Continha
diversas impropriedades em relação à terminologia jurídica. Foi revogado pelo Decreto nº.
3.048, de 06/05/1999. A Lei nº. 9.528, de 10/12/1997, em relação a acidente do trabalho,
restabeleceu o §4º do artigo 86 dando nova redação aos artigos 31, 34, 75 e 86, todos da Lei
nº. 8.213/1991.
Especial atenção, porém, deve ser dada à Lei nº. 9.032, de 28/04/1995, já
mencionada, que revogou vários dispositivos da Lei 8.213, de 24/07/1991. Raimundo Simão
de Melo, ao discorrer sobre as mudanças legislativas impostas por esta lei, taxou como graves
muitas alterações que passaram a prejudicar o trabalhador brasileiro.124
A primeira alteração considerada grave foi a que igualou os valores dos benefícios
acidentários aos comuns, pois o trabalhador acidentado em decorrência do trabalho deveria
receber atenção mais especial. A composição do salário-de-benefício, com base nos últimos
36 meses, passou a ser calculada com base na média dos salários-de-contribuição
correspondentes a 80% do período que se inicia em 1994.
A segunda alteração, e considerada das mais graves, foi com relação à concessão do
benefício do auxílio-acidente. O valor do benefício variava de acordo com o grau de
incapacidade (30%, 40% ou 60%). Entretanto, passou a ser devido somente na base de 50%,
independentemente do grau de incapacidade. Proibiu-se, ainda, a acumulação do auxílio-
acidente com outro benefício decorrente de novo acidente, ou outro benefício previdenciário
de qualquer natureza, durante a vida do segurado. Após a morte do segurado (morte natural),
não se permitiu mais a incorporação de 50% do auxílio-acidente na pensão e de 100% no caso
de morte decorrente de outro acidente. Perdeu, assim, seu caráter de vitalicidade como
124 MELO, Raimundo Simão de. Direito ambiental do trabalho e a saúde do trabalhador. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 206-208.
sempre fora, não podendo mais ser acumulável com qualquer outro auxílio decorrente de
acidente ou aposentadoria.
Também foram revogados os pecúlios (reserva em dinheiro) para os casos de
invalidez e morte decorrentes de acidentes do trabalho. O intento, segundo a doutrina, pode
ter sido para beneficiar as seguradoras privadas que passariam, com a Emenda Constitucional
nº. 20, a concorrer com o seguro oficial do Estado, nos termos do art. 201, §10º da
Constituição Federal de 1988, com a seguinte redação: “Lei disciplinará a cobertura do risco
de acidente do trabalho, a ser atendida concorrentemente pelo regime geral de previdência
social e pelo setor privado”. A lei, porém, ainda não disciplinou a matéria relativa a este
dispositivo constitucional.
3.3 Evolução histórica da legislação acidentária no direito comparado
Em 1884, a Alemanha foi o primeiro país a editar uma lei sobre acidentes de
trabalho; exemplo seguido por diversos países como a Áustria (1887), Noruega (1894),
Inglaterra (1897), França (1898), Dinamarca (1898), Itália (1898), Espanha (1900) e Brasil
(1919). No direito comparado, os acidentes de trabalho podem ser divididos em três sistemas:
Germânico; Anglo-saxão e Francês. A divisão, contudo, não é rígida, servindo apenas para
agrupar e confrontar as principais características de cada sistema. Para abordar estes
aspectos, foram fundamentais as obras dos seguintes autores: Irineu Antônio Pedrotti125,
Sérgio Pinto Martins126 e Teresinha Lorena Pohlmann Saad127 .
125 PEDROTTI, Irineu Antonio. Acidentes do Trabalho. 3. ed. São Paulo: Livraria e Editora Universitária de Direito Ltda, 1998, p. 33-35. 126 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da seguridade social. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 409-410. 127 SAAD, Teresinha Lorena Pohlmann. Responsabilidade civil da empresa nos acidentes do trabalho. São Paulo: LTr, 1993, p. 26-28.
Sistema Germânico: pertencem a este grupo os Estados que saíram das corporações
e, de forma direta, passaram para um regime em que a assistência e a previdência eram
organizadas, em caráter oficial, pelo Estado. As características principais do sistema são:
seguro obrigatório contra acidentes de trabalho, monopólio do Estado, instituição de uma
jurisdição especial e fixação das indenizações por via da lei. As principais nações que
pertencem a este sistema são a Alemanha, a Áustria, Noruega, Dinamarca, Luxemburgo,
Suíça, Portugal e Polônia.
A primeira legislação a tratar do acidente de trabalho surgiu na Alemanha, em 1884,
por intermédio de Bismarck. Deu-se ampla definição a acidente de trabalho, com pagamento
salarial durante a incapacidade laborativa, assistência médica e farmacêutica, auxílio-funeral e
pensão aos familiares em caso de morte. A lei dirigia-se apenas às indústrias que tinham
atividades perigosas. Em Portugal, a primeira lei acidentária foi editada em 1913.
Sistema Anglo-saxão: Com o fim do regime das corporações, os trabalhadores, em
muitos países, solidarizaram-se; foi um período marcado pela união dos esforços dos
trabalhadores e elevado sentimento de solidariedade. Esta solidariedade representa, ainda,
hoje, importante norteador do sistema previdenciário de todos os países do mundo; contudo,
não havia a obrigatoriedade de seguro, jurisdição especial e fixação de indenização legal. A
reparação dos danos sofridos por acidentes, para este sistema, é contratual. A este grupo
filiam-se, entre outros países, a Inglaterra, os Estados Unidos e o Canadá.
Na Inglaterra, a primeira lei surgiu em 1897. Não havia previsão de assistência
médica; os dependentes do falecido não recebiam pensão, mas recebiam benefícios, embora
limitados a um prazo máximo de três anos. O empregador não se responsabilizava pelo
empregado, podendo dispensá-lo desde a ocorrência do acidente. A culpa do empregado
impedia o reconhecimento do infortúnio como acidente do trabalho. Aplica-se, hoje, o
sistema implantado, e 1946, pelo plano Beveridg, consubstanciado na “Consolidation Act”,
de 1965. Há um sistema tripartite de contribuições, com proteção para incapacidade, morte,
assistência médica e hospitalar, reabilitação, etc. Nos Estados Unidos, a legislação começou a
ser expedida a partir de 1908, para os funcionários públicos da União. A partir de 1911,
passou a se adotar legislações específicas em cada Estado.
Sistema Francês: Na França, o regime corporativista foi derrubado em caráter
sangrento, nas ruas de Paris, pela Revolução de 1789. Mais tarde, sob o império das idéias
liberais, desenvolveu-se um programa restrito de obras de assistência e previdência social de
caráter eclético. Porém, este programa não chegou, declaradamente, ao regime do monopólio
estatal ou ao regime da jurisdição especial. Pertencem a este sistema a França, a Itália, a
Espanha, a Grécia etc.
A primeira lei, na França, sobre acidente de trabalho, surgiu, em 1898, com aplicação
restrita a algumas atividades consideradas perigosas como as indústrias de construção, de
manufatura, de transporte terrestre e fluvial, de carga e descarga, mineira. Consideravam-se
trabalhadores apenas os com vínculo de emprego. O conceito de acidente de trabalho incluía
as doenças profissionais. A renda paga ao acidentado e aos dependentes era vitalícia ou
temporária; havia, ainda, auxílio-funeral, assistência médica e financeira e o seguro não era
obrigatório. Na Itália, em 1898, estabeleceu-se a primeira lei sobre acidentes do trabalho,
aplicada, inicialmente, a algumas indústrias; na Espanha, a primeira lei de acidente do
trabalho foi editada em 1900, sendo que o seguro era facultativo. O conceito era amplo e
considerava acidente do trabalho toda lesão corporal sofrida por ocasião do trabalho ou em
decorrência deste. A amplitude do conceito tornou-o aplicável até nos dias de hoje.
No plano internacional, a OIT (Organização Internacional do Trabalho) e a OMS
(Organização Mundial da Saúde) realizam estudos, pesquisas, conferências e estabelecem
princípios diretivos da organização do trabalhador, visando à melhoria das condições
ambientais de trabalho. São inúmeras as Convenções editadas pela OIT que tratam de
acidente de trabalho ao longo dos últimos cem anos.
Pode-se, afirmar, assim, que, enquanto o sistema germânico mantém coação quanto à
obrigatoriedade do seguro, o sistema anglo-saxão assumiu posição liberal absoluta e o sistema
francês buscou uma posição intermediária.
Note-se, ainda, que o sistema brasileiro possui mais semelhança com o sistema
germânico. Embora relevante, a historicidade evolutiva da legislação previdenciária no direito
comparado tende a perder importância ante a notória migração do seguro de acidente de
trabalho na esfera internacional para integrar a Seguridade Social.
3.4 Acidente e doença do trabalho: conceito e abrangência
No decorrer das décadas, ampliou-se o conceito de acidente do trabalho. A evolução
da infortunística, representada pelo conjunto de regras e princípios adotados para o estudo dos
riscos do meio ambiente do trabalho, contribuiu para o alargamento deste conceito. As
primeiras leis acidentárias, devido à força capitalista, enumeram apenas algumas hipóteses
acidentárias, porém, houve necessidade de se considerar acidente do trabalho todo e qualquer
sinistro que decorresse do trabalho, de forma direta ou indireta. Com a Constituição Federal,
consolidou-se ainda mais o conceito e a abrangência do leque acidentário, especialmente após
a edição da Lei 8.213/91. Além dos benefícios devidos objetivamente pela Previdência
Social, o empregador arca com o ônus de sua negligência, imprudência ou imperícia (Art. 7º,
XXVIII), sem prejuízo de eventual responsabilidade objetiva nas atividades de risco.
Na definição jurídica, abalizada por Antônio Houaiss, acidente do trabalho, em sua
concepção genérica, incluindo as doenças, é “qualquer lesão corporal, perturbação funcional
ou doença que, ocorrendo no exercício do trabalho ou em conseqüência dele, determine a
morte do empregado ou a perda, total ou parcial, permanente ou temporária, de sua
capacidade para o trabalho”. 128
Cláudio Brandão, citando José Martins Catharino, faz a distinção entre acidente e
doença do trabalho. Para o doutrinador “o elemento caracterizador do conceito de acidente
está ligado à sua natureza súbita e imprevista, causando perda para a vítima”. Já as doenças
“distinguem-se pela causa (critério etiológico) e pelo tempo (critério cronológico). Isso ocorre
porque na doença ‘a causa jamais é súbita ou imprevista e violenta, e entre ela e o efeito, ou
lesão, há um lapso de tempo mais prolongado’, forma-se no tempo, sendo, ainda, interna e
mórbida”. Prossegue o referido autor que “doença, seja qual for, implica a existência de um
processo mais ou menos demorado e insidioso, de natureza patológica, havendo mediatismo
entre sua causa e seu efeito, surgindo de um processo que se desenvolve no tempo, tendo,
assim, a sua história”. 129
O acidente e a doença do trabalho são indenizáveis. Na qualidade de empregado, a
vitima poderá requerer do empregador indenização por danos materiais, morais, estéticos etc.
No entanto, para ser considerado acidente do trabalho, é necessário que o evento esteja
enquadrado nas hipóteses previstas na Lei 8.213/9, que traça as diretrizes básicas. Nem
sempre é tarefa fácil efetuar esse enquadramento. Segundo Sebastião Geraldo de Oliveira, a
primeira dificuldade em reconhecer como acidente do trabalho está ligada ao fato de que
muitos acidentes não têm uma vinculação direta ou indireta com a execução do trabalho.
Outra dificuldade ocorre quando o empregador tenta obstaculizar o reconhecimento, temendo
as conseqüências jurídicas como a indenização pela responsabilidade civil, o direito à garantia
provisória de emprego (art. 118 da Lei 8.213/91) e a ação regressiva do INSS (art. 120 da Lei
128 HOUAISS, Antônio. Dicionário eletrônico da língua portuguesa. 2001. Versão 1.0. 1 CD-ROM. 129 BRANDÃO, Cláudio. Acidente do trabalho e responsabilidade civil do empregador. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 115.
8.213/91). Além disso, existem muitos trabalhadores que, embora sejam empregados, não
foram registrados pelo empregador. Trabalham, geralmente, em contratos fraudulentos, de
empreitada, cooperativa, estágio, parceria, representante comercial, sociedade ou prestação de
serviços autônomos. Para garantir o direito à indenização civil e ao benefício previdenciário,
esses obstáculos devem ser superados. 130
Ressalte-se que o trabalhador doméstico não tem direito ao benefício acidentário, por
expressa previsão constitucional, pois aos direitos previstos no parágrafo único do art. 7º da
Constituição Federal, não se somou o inciso XXVIII. Entretanto, havendo acidente, receberá
o benefício comum, sem prejuízo de ação contra o empregador. Também não é necessário
ostentar a qualidade de empregado para receber indenização do empregador. O trabalhador
sem vínculo de emprego como o estagiário, o cooperado, o autônomo, podem responsabilizar
o tomador dos serviços pelos danos sofridos, conforme a doutrina tem destacado:
É certo que também cabe indenização por responsabilidade civil decorrente de qualquer ato ilícito do tomador dos serviços que tenha causado danos à vítima, conforme preceitua o Código Civil, independentemente da condição de empregado. Nessa situação enquadram-se as hipóteses de acidentes com trabalhadores sem vínculo de emprego, tais como os estagiários, os cooperados, os autônomos, os empreiteiros, os representantes comerciais e os prestadores de serviço em geral. Todavia, convém assinalar que os deveres quanto às normas de segurança, higiene e saúde do simples tomador ou usuário de serviços são diferentes daqueles que são atribuídos ao empregador, em razão do caráter marcadamente tutelar da legislação trabalhista. Assim, o acidente sofrido pelo trabalhador que mantém relação de emprego com o beneficiário do serviço acarreta maiores conseqüências jurídicas e gera possibilidades mais amplas de deferimento ao acidentado das indenizações por responsabilidade civil. 131
O pleito não terá fundamento no art. 7º, inciso XXVIII, que faz referência expressa
ao empregador. A vítima do dano poderá fundamentar seu pedido no arts. 186 e 927,
parágrafo único do Código Civil de 2002.
130 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 36. 131 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 37.
A lei, no entanto, apenas conceituou o acidente do trabalho em sentido estrito, isto é,
o acidente típico ou acidente tipo. O art. 19 da Lei 8.213/91 assim dispôs: “Acidente do
trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do
trabalho dos segurados referidos no inciso VII do artigo 11 desta Lei, provocando lesão
corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou
temporária, da capacidade para o trabalho”. A pobreza conceitual do acidente do trabalho foi
compensada com a edição dos art. 20 e 21 da Lei 8.213/91, ampliando as hipóteses de
acidente, que se equiparam ao acidente tipo. São os chamados acidentes por equiparação. Os
acidentes mais comuns, que fazem parte das estatísticas brasileiras, podem ser classificados
em acidente típico, doença ocupacional e acidente de trajeto.
3.4.1 Acidente típico O acidente típico ou tipo é o mais comum nas atividades empresariais, liderando as
estatísticas previdenciárias. O acidente típico é de fácil identificação, pois há uma causalidade
direta entre o trabalho executado e o acidente sofrido. É o acidente cujo impacto, como regra,
causa lesões imediatas e instantâneas como cair de uma escada e fraturar o pé, cortar um
dedo, sofrer um desabamento, furar um olho, estourar os tímpanos com o barulho etc. O
acidente típico ou tipo está previsto no art. 19 da Lei 8.213/91:
Art. 19. Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do artigo 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.
Maria Helena Diniz conceitua acidente típico como o que “advier de um
acontecimento súbito, violento e involuntário na prática do trabalho, que atinge a integridade
física e psíquica do empregado”132. O acidente de trabalho típico pode ser assim definido:
O fato gerador do acidente típico geralmente mostra-se como evento súbito, inesperado, externo ao trabalhador e fortuito no sentido de que não foi provocado pela vítima. Os efeitos danosos normalmente são imediatos e o evento é perfeitamente identificável, tanto com relação ao local da ocorrência quanto no que tange ao momento do sinistro, diferentemente do que ocorre nas doenças ocupacionais. 133
É súbito porque é inesperado, imprevisto, embora a lesão possa não aparecer
instantaneamente; a imprevisibilidade não é do acidente, mas está ligado a um fato não
desejado. Os acidentes, como regra, são previsíveis e evitáveis. É externo ao trabalhador
porque a lesão não tem causa na constituição orgânica da vítima, ou seja, não é uma
enfermidade preexistente ou congênita uma vez que decorre de fatores estranhos à vítima
(máquinas, ferramentas etc). A violência não é essencial à sua caracterização, pois, conforme
afirmado, a lesão pode não aparecer instantaneamente; além disso, sua identificação é
facilmente perceptível já que a lesão, como regra, surge no momento do acidente
evidenciando o nexo causal. Outro aspecto importante é que, para ser considerado acidente
do trabalho, deverá haver lesão corporal ou perturbação funcional, ou seja, o acidente deve ser
nocivo, capaz de acarretar a morte ou a perda ou a redução, permanente ou temporária, da
capacidade laborativa, pois, nos termos art. 20, § 1º, “c”, não será considerada doença do
trabalho a que não produza incapacidade laborativa. Destaque-se que “a incapacidade
temporária não significa necessariamente afastamento do trabalho, pode ser mesmo apenas o
tempo para realizar um pequeno curativo ou da visita a um hospital”134. Afastado ou não de
132 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 17. ed. aum. e atual. vol. 7. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 433. 133 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 42. 134 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 43.
suas atividades, o acidente sempre deverá ser comunicado ao INSS, através da emissão da
CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho).
Cláudio Brandão, parafraseando Antônio Lopes Monteiro, diz que se trata “de um
evento único, subitâneo, imprevisto, bem configurado no espaço e no tempo e de
conseqüências geralmente imediatas, não sendo essencial a violência, podendo ocorrer sem
provocar alarde ou impacto, ocasionando, meses ou anos depois de sua ocorrência, danos
graves e até fatais, exigindo-se, apenas, o nexo de causalidade e a lesividade”. 135
Dessume-se, assim, que o acidente tipo ficará caracterizado quando há subitaneidade,
exterioridade, nocividade e causalidade. Sebastião Geraldo de Oliveira sintetiza o conceito de
acidente de trabalho nos seguintes termos: “pode ser observada uma seqüência lógica
necessária no conceito: trabalho de um empregado, durante o qual ocorre acidente, que
provoca lesão ou perturbação funcional, que acarreta a incapacidade para o trabalho, podendo
esta ser total, parcial ou temporária. (Trabalho → acidente → lesão ou perturbação
funcional→ incapacidade)”. 136
3.4.2 Doenças ocupacionais
Além do acidente do trabalho típico, a lei equiparou ao acidente do trabalho o gênero
doenças ocupacionais, das quais são espécies as doenças profissionais e as doenças do
trabalho. A previsão está contida no art. 20 da Lei 8.213/91:
Art. 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas:
135 BRANDÃO, Cláudio. Acidente do trabalho e responsabilidade civil do empregador. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 120. 136 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 430.
I - doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social; II - doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I. [...] § 2º. Em caso excepcional, constatando-se que a doença não incluída na relação prevista nos incisos I e II deste artigo resultou das condições especiais em que o trabalho é executado e com ele se relaciona diretamente, a Previdência Social deve considerá-la acidente do trabalho.
A relação a que se referem os incisos supra é a constante do Anexo II do Decreto nº.
3.048/99 que regulamentou a lei 8.213/91.
A doença ocupacional, ao contrário do acidente típico, não tem natureza súbita,
inesperada ou repentina. Talvez esta seja a linha divisória mais acentuada entre acidente do
trabalho e doença ocupacional; além disso, o acidente tem uma causa externa e há
simultaneidade entre a causa e o efeito enquanto, na doença ocupacional, a causa é interna e
pode demorar a aparecer a lesão, conforme assinala a doutrina:
a) o acidente é caracterizado, em regra, pela subitaneidade e violência, ao passo que a doença decorre de um processo que tem certa duração, embora se desencadeie num momento certo, gerando a impossibilidade do exercício das atividades pelo empregado; b) no acidente a causa é externa, enquanto a doença, em geral, apresenta-se internamente, num processo silencioso peculiar às moléstias orgânicas do homem; c) o acidente pode ser provocado, intencionalmente, ao passo que a doença não, ainda que seja possível a simulação pelo empregado; d) no acidente a causa e o efeito, em geral, são simultâneos, enquanto que na doença o mediatismo é a sua característica. 137
Sebastião Geraldo de Oliveira, parafraseando Mozart Victor Russomano, também
fez importante distinção entre acidente de trabalho e doença ocupacional:
Como adverte Russomano, o acidente e a enfermidade têm conceitos próprios. A equiparação entre eles se faz apenas no plano jurídico, com efeitos nas reparações e nos direitos que resultam para o trabalhador nos dois casos. Enquanto o acidente é um fato que provoca lesão, a enfermidade profissional é um estado patológico ou mórbido, ou seja, perturbação da saúde do trabalhador. O acidente caracteriza-se pela ocorrência de um fato súbito e externo ao trabalhador, ao passo que a doença
137 BRANDÃO, Cláudio. Acidente do trabalho e responsabilidade civil do empregador. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 157.
ocupacional normalmente vai se instalando insidiosamente e se manifesta internamente, com tendência de agravamento. 138
Apontadas as diferenças, passa-se a conceituar e distinguir doença profissional de
doença do trabalho, com efeitos, inclusive, no ônus da prova.
As doenças profissionais estão diretamente ligadas à profissão do trabalhador, isto
é, são doenças inerentes a determinadas profissões. O simples exercício destas é o suficiente
para desencadear uma doença ocupacional, conforme se infere do art. 20, I, da Lei 8.213/91.
O avanço da medicina permitiu avaliações conclusivas a respeito do desenvolvimento de
determinadas doenças em certas atividades ou profissões. Para ilustrar, pode-se afirmar que
algumas profissões possuem doenças e o trabalhador sadio, em contato com tais profissões,
contagia-se; não sendo suficientes medidas preventivas para eliminar o risco de contágio.
Também são conhecidas por ergopatias, tecnopatias, idiopatias ou doença profissional típica.
Cláudio Brandão discorre sobre o assunto:
Possuem no trabalho a sua causa única, eficiente, por sua própria natureza, ou seja, insalubridade. São doenças típicas de algumas atividades, peculiares a profissões e reconhecidas pela Previdência Social. [...] São, em regra, causadas por agentes físicos, químicos ou biológicos peculiares a determinadas funções e caracterizadas, como tais, na lei. Doenças que persistem, ainda que sejam adotadas medidas preventivas. [...] Osvaldo Opitz e Sílvia Opitz, recorrendo à lição de Flamínio Fávero, compreendem-nas como sendo os ‘males inexoravelmente ligados ao tipo especial de atividade’, enfermidades que acompanham implacavelmente alguns tipos de trabalho e que são inevitáveis na maioria das vezes ou aquelas em que ‘[...] malgrado os recursos profiláticos pessoais ou mesológicos, persiste uma agressividade específica do trabalho, que atua diluidamente, mas perseverantemente e, no envolver do tempo, um dia, se revela num mal irreversível, que invalida até total e permanentemente a sua presa’. 139
As lesões decorrem de microtraumas que agridem lentamente o organismo da vítima,
dia após dia, até atingir estágio avançado e provocar o desencadeamento da doença.
Geralmente atinge pessoas profissionalmente qualificadas, daí a denominação de doença
profissional.
138 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 44. 139 BRANDÃO, Cláudio. Acidente do trabalho e responsabilidade civil do empregador. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, 158-159.
Quanto à prova, há uma presunção juris et de jure de que a doença tem origem no
exercício do trabalho. Portanto, não admite prova em contrário, necessitando-se apenas
comprovar a prestação de serviço e a existência da doença profissional, pois o nexo de
causalidade, nestas circunstâncias, presume-se. A princípio, as doenças profissionais estão
previstas no anexo II do Decreto nº. 3.048/99. O nexo etiológico é determinado apenas pela
realização da atividade; assim, o trabalhador de uma mineradora, que fica exposto ao pó de
sílica e contrai silicose, é exemplo de doença profissional, conforme observado por Sebastião
Geraldo de Oliveira. 140
As doenças do trabalho, também chamadas de mesopatia, doença profissional
indireta, ou doença profissional atípica, são as doenças adquiridas em função de condições
especiais em que o trabalho é realizado (art. 20, II, da Lei 8.213/91). Essas doenças, como a
doença profissional, também têm origem no trabalho, mas não estão vinculadas a uma
profissão determinada; não estão ligadas diretamente a um tipo especial de ocupação ou
trabalho, embora sejam mais freqüentes em certas atividades. São as condições em que o
trabalho é desenvolvido que desencadeiam a doença. As doenças profissionais possuem, no
trabalho, sua única causa, enquanto as doenças do trabalho não têm sua única e exclusiva
causa no trabalho, mas este é o fator determinante para produzir a lesão, conforme preceitua a
doutrina:
Não possuem no trabalho a sua causa única ou exclusiva, mas assim são classificadas porque o ambiente de trabalho é o fator que põe a causa mórbida em condições de produzir lesões incapacitantes. [...] Russomano as conceitua como as doenças cujo aparecimento e progresso resultam de circunstâncias que cercam a prestação de serviços, exemplificando com o serviço executado num pântano que pode ocasionar doenças especiais, como o impaludismo [malária], sem que seja doença profissional. [...] Não se caracterizam pelo fato de serem próprias de determinadas atividades, mas são consideradas como acidentes do trabalho em virtude da equiparação feita pela lei. 141
140 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 44. 141 BRANDÃO, Cláudio. Acidente do trabalho e responsabilidade civil do empregador. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 160-161.
Vem corroborar o entendimento acima, a definição precisa de José de Oliveira,
citado por Sebastião Geraldo de Oliveira: “nas doenças do trabalho ‘as condições
excepcionais ou especiais do trabalho determinam a quebra da resistência orgânica com a
conseqüente eclosão ou a exacerbação do quadro mórbido, e até mesmo o seu agravamento’ ”
142. (sem grifo no original).
As lesões decorrem de microtraumas que agridem lentamente o organismo da vítima,
dia após dia, até atingir estágio avançado e provocar o desencadeamento da doença, assim
como ocorre na doença profissional. Para a doutrina, “o grupo atual das LER/DORT é um
exemplo oportuno das doenças do trabalho, já que podem ser adquiridas ou desencadeadas em
qualquer atividade, sem vinculação direta a determinada profissão”143. As normas técnicas
que tratam das LER/DOR estão previstas, atualmente, na Instrução Normativa DC/INSS nº.
98, de dezembro de 1993, com duas Seções: Seção I - Atualização clínica: Lesões por
Esforços Repetitivos ou Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho. Seção II -
Norma Técnica de Avaliação da Incapacidade Laborativa.
Quanto à prova, não há presunção de que o desenvolvimento desta doença tenha
ligação direta com o trabalho, uma vez que pode acometer qualquer pessoa. É necessária a
realização de prova pericial, testemunhal e, especialmente, vistoria no ambiente de trabalho,
para comprovar a existência do nexo etiológico. Portanto, além de comprovar a existência do
agente causador da doença, deverá demonstrar que a doença decorreu das condições especiais
em que o trabalho era realizado, pois, “diferentemente das doenças profissionais, as
mesopatias não têm nexo causal presumido, exigindo comprovação de que a patologia
142 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 45. 143 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 45.
desenvolveu-se em razão das condições especiais em que o trabalho foi realizado”144. Vale
lembrar que a perícia é extremamente importante para evitar qualquer confusão entre a doença
comum e a doença do trabalho.
Para arrematar, observe-se a distinção entre doença profissional e doença do
trabalho, apontada por Rui Stoco:
A doença será profissional quando decorra do exercício normal da atividade laborativa, mas fica condicionada a uma classificação prévia em regulamento, embora os tribunais tenham alargado esse universo restrito da legislação. A doença será do trabalho quando, adquirida ou desencadeada em função das condições especiais em que a tarefa é realizada, apresentar relação de causa e efeito com ele. Significa o exercício de atividades agressivas, insalubres, degenerativas ou perigosas. 145
Estabelecida a distinção entre doença profissional e doença do trabalho, outros
aspectos igualmente importantes merecem ser abordados, o que se fará com fundamento na
obra de Sebastião Geraldo de Oliveira. 146
O art. 20 da Lei 8.213/91 faz referência à lista de doenças profissionais e do trabalho,
elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência social, a qual foi inserida no Anexo II
do Decreto nº. 3.048/99, que regulamenta a Previdência Social. O Anexo II relaciona,
inicialmente, os “Agentes patogênicos causadores de doenças profissionais ou do trabalho,
conforme previsto no art. 20 da lei nº. 8.213, de 1991”. Na primeira coluna, os agentes
patogênicos que causam doenças e, na segunda coluna, os trabalhos que contêm o risco; mais
adiante, traz duas listas. A Lista “A” aponta “Agentes ou fatores de risco de natureza
ocupacional relacionados com a etiologia de doenças profissionais e de outras doenças
relacionadas com o trabalho”; a Lista “B” indica as “doenças infecciosas e parasitárias
relacionadas com o trabalho (grupo I da CID-10)”. Utilizando-se a Lista “A”, localiza-se a
144 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 45. 145 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: RT, 2004, p. 610. 146 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 46-47.
doença a partir do agente causal; utilizando a Lista “B”, localiza-se o agente causal a partir
da doença. Considerando o objeto desta pesquisa e a extensão das listas referidas, não se
mostra razoável reproduzi-la, nem mesmo por anexo, recomendando-se a consulta
diretamente no Decreto nº. 3.048/99, de fácil acesso via internet.
Observa-se, claramente, que, no Anexo II, não há qualquer distinção entre doença
profissional e doença do trabalho. Embora a doutrina sustente as diferenças conceituais, a
verdade é que o legislador preferiu não distingui-las, pois a sutil distinção pode não trazer
qualquer relevância prática. Além disso, o enquadramento não se dá de forma direta e
depende de diversos fatores. O entendimento de Primo A. Brandimiller, médico do trabalho, é
apontado pela doutrina:
O médico do trabalho Primo A. Brandimiller assevera que ‘o mais razoável é deixar de lado estas conceituações formalmente defeituosas e ater-se aos princípios e ao sentido geral da legislação acidentária que, a propósito, nunca conseguiu conceituar precisamente os dois tipos de doenças a que se refere. A lei anterior referia-se à doença profissional ou doença do trabalho como sinônimos’. Para demonstrar as sutilezas do enquadramento entre doenças profissionais e do trabalho, formula o seguinte exemplo: ‘Se o segurado é jateador de areia e apresenta silicose, sendo o risco inerente à atividade, trata-se de doença profissional. Se o silicótico é operador de empilhadeira em uma cerâmica, trata-se de doença do trabalho, por não ser o risco inerente à sua atividade de operador de empilhadeira, mas decorrente das condições especiais em que está é realizada’. Cf. Perícia Judicial em acidentes do trabalho, 1996, p. 152. 147
Nesse aspecto, não se sustenta, em parte, o argumento de que há presunção juris et
de jure nas doenças profissionais, pois sempre haverá a necessidade de perícia para averiguar
o local de trabalho, tanto nas doenças profissionais como nas doenças do trabalho.
Comprovando-se a prestação de serviço e a existência da doença profissional haverá, sim,
presunção absoluta do nexo causal. O problema, no entanto, reside no fato de que o juiz
dificilmente conseguirá, sem a realização de perícia, afirmar que se trata de doença
profissional. O próprio perito, sem fazer visitação ao local e analisar fatores internos e
externos ao trabalho, como o tempo de exposição do trabalhador, não chegará à conclusão. É
147 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 46.
recomendável, portanto, a realização da perícia em todos os casos de alegação de doença
ocupacional. Mesmo com apoio na literatura médica, o julgador pode encontrar dificuldades
para afirmar que se trata de doença profissional, a menos que desconsidere por inteiro o meio
ambiente do trabalho. A presunção juris et de jure nas doenças profissionais pode ser
utilizada com base apenas nas informações fornecidas pelas partes, sem visitação ao local de
trabalho como, de fato, concluem muitos peritos do INSS; contudo, há grande probabilidade
de cometer equívocos no enquadramento. Na esfera judicial, a cautela deve ser redobrada,
pois espera-se que todas as provas sejam consideradas e avaliadas.
Outra observação importante relaciona-se ao fato de que o Anexo II não é exaustivo
ou taxativo, apenas exemplificativo, pois seria utópica a pretensão de se tipificar todas as
hipóteses que podem gerar doença profissional e doença do trabalho, mormente quando a
medicina evolui geometricamente, comparando-se com a evolução do direito. A conclusão
exemplificativa decorre da própria legislação, que previu esta possibilidade:
Art. 20. [...] § 2º. Em caso excepcional, constatando-se que a doença não incluída na relação prevista nos incisos I e II deste artigo resultou das condições especiais em que o trabalho é executado e com ele se relaciona diretamente, a Previdência Social deve considerá-la acidente do trabalho.
Mesmo sem constar no Anexo II, uma vez comprovado o nexo causal entre a doença
e as condições em que o trabalho era executado, será considerado acidente do trabalho,
enquadrada como doença ocupacional. A doutrina cita o exemplo verídico da empregada que
foi violentada pelo filho do proprietário. A vítima, que necessita de acompanhamento
psiquiátrico, contraiu herpes, enfrenta momentos de pânico e ficou sem condições psíquicas
para trabalhar. O INSS não hesitou em enquadrar o fato como acidente do trabalho. 148
148 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 47.
3.4.3 Exclusões admitidas para a doença do trabalho
O art. 20, §1º da Lei 8.213/91 traz hipóteses que determinam a não consideração
para fins de doença do trabalho:
Art. 20 [...] § 1º. Não são consideradas como doença do trabalho: a) a doença degenerativa; b) a inerente a grupo etário; c) a que não produza incapacidade laborativa; d) a doença endêmica adquirida por segurado habitante de região em que ela se desenvolva, salvo comprovação de que é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho.
Genericamente, pode-se afirmar que são doenças que não possuem nexo causal com
o trabalho, isto é, aparecem no trabalho, mas não em decorrência deste.
A doença degenerativa é a que “está ligada ao envelhecimento ou à aceleração
deste”149. Para Irineu Pedrotti, “é a perda das qualidades que se tinha quando se foi
gerado”150. São doenças que tem origem na idade, sem qualquer relação com o trabalho
desempenhado. “é a enfermidade decorrente do processo natural de desgaste do órgão ou do
corpo humano”151. O referido autor cita como exemplos as doenças da coluna, como a
espondiloartrose, artrose, lombalgias, etc. Há grande controvérsia, contudo, pois muitas
doenças do trabalho são degenerativas, o que exige uma avaliação mais acurada de cada caso,
tarefa de incumbência do perito nomeado pelo Juízo; havendo relação com o trabalho, não
são consideradas degenerativas, pois entra em cena a chamada “concausa”, suficiente para
caracterizá-las como doença do trabalho. Sebastião Geraldo de Oliveira, citando o médico do
trabalho Primo Brandimiller, teceu as seguintes considerações:
É preciso cuidado, porém, para não se apegar demasiadamente à interpretação literal do dispositivo, porquanto muitas doenças ocupacionais são de natureza degenerativa, como alerta o médico do trabalho Primo Brandimiller: ‘O processo
149 HOUAISS, Antônio. Dicionário eletrônico da língua portuguesa. 2001. Versão 1.0. 1 CD-ROM. 150 PEDROTTI, Irineu Antonio. Acidentes do Trabalho. 3. ed. São Paulo: Livraria e Editora Universitária de Direito Ltda, 1998, p. 286. 151 BRANDÃO, Cláudio. Acidente do trabalho e responsabilidade civil do empregador. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 165.
degenerativo pode ser de natureza biomecânica, microtraumática ou mesmo macrotraumática. O câncer ocupacional também é doença degenerativa, causada por agentes cancerígenos ocupacionais, alguns deles listados na NR-15. A própria surdez ocupacional é um processo degenerativo das células nervosas do órgão de Corti. Provada sua relação direta com a atividade laborativa, deve o processo degenerativo ser caracterizado como doença do trabalho. Na traumatologia ocupacional e desportiva, cabe considerar especialmente o processo degenerativo osteoarticular de origem mecânica, representado por microtraumatismos repetitivos (esforços repetitivos, impacto articular) e as posturas viciosas prolongadas. Destaca-se ainda um tipo de degeneração articular induzida por vibrações mecânicas nas mãos, decorrentes da utilização de equipamentos elétricos e principalmente pneumáticos, como furadeiras, lixadeiras, parafusadeiras, britadeiras, serras portáteis, etc’. Nem sempre é fácil garantir a existência ou inexistência de causalidade da ocupação com a doença – especialmente diante das possibilidades das concausas [...] -, exigindo-se, muitas vezes, um bom diagnóstico diferencial, após cuidadosa anamnese ocupacional e exames complementares específicos. 152 (sem grifo no original).
A anamnese é o histórico dos sintomas relatados pelo paciente; a anamnese
ocupacional, por sua vez, segundo o Manual de Procedimentos para os Serviços de Saúde
elaborado pelo Ministério da Saúde em 2001, “faz parte da entrevista médica, que
compreende a história clínica atual, a investigação sobre os diversos sistemas ou aparelhos, os
antecedentes pessoais e familiares, a história ocupacional, hábitos e estilo de vida, o exame
físico e a propedêutica complementar [...]”. 153
Portanto, somente uma análise aprofundada do caso, através de conhecimentos
técnicos específicos, é capaz de identificar se determinada doença degenerativa tem ou não
relação com o trabalho. Por isso a necessidade imprescindível de se nomear peritos altamente
qualificados.
A doença inerente ao grupo etário é doença própria da idade (etário é relativo à
idade), sem relação com o trabalho. É similar à doença degenerativa, pois também está ligada
à perda natural da capacidade funcional do corpo em decorrência do tempo, sendo a idade o
fator determinante da doença. Ocorre, por exemplo, com a presbiacusia, que é a perda da
152 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 48. 153 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 49.
acuidade auditiva iniciada a partir dos 30 anos de idade e com progressiva redução das
freqüências agudas154. Havendo relação com o trabalho, o processo desencadeante da doença
deve ser considerado como doença do trabalho. As observações feitas acima, em relação às
doenças degenerativas, servem para justificar também as dificuldades de se indicar, com
precisão, a existência ou não de causalidade da ocupação com a doença.
A doença que não produz incapacidade laborativa é a lesão que foi incapaz de
causar qualquer perturbação funcional, ou seja, o acidente ou a doença não foi nocivo a ponto
de determinar a perda ou a redução, permanente ou temporária, da capacidade laborativa.
Dúvidas persistem, contudo, quanto ao lapso temporal da incapacidade temporária; esta não
significa necessariamente afastamento do trabalho, pode ser entendida como o tempo para
fazer um curativo ou ir até o hospital, de modo que é obrigatória a comunicação do acidente
ao INSS, independentemente do afastamento do trabalhador155. Para Cláudio Brandão, a perda
da capacidade de execução das atividades pelo empregado deve ser superior a 15 dias, pois,
nos primeiros 15 dias, o pagamento dos salários ficará a cargo do empregador (art. 60, §3º, lei
8.213/91)156. Nesse lapso de afastamento, ainda que para fazer um curativo, houve interrupção
da capacidade laborativa, ou seja, ficou incapaz de exercer a atividade. Contudo, a
incapacidade laborativa talvez não esteja relacionada somente ao tempo de afastamento, pois
este, ainda que ocorra, poderá ser cessado pela melhora do empregado. Retornando ao
trabalho, há que se avaliar se a capacidade laborativa do empregado sofreu ou não redução.
A doença endêmica é uma enfermidade que prevalece, de forma continuada, como a
malária e a doença de chagas, em determinado local; é muito comum na região Norte e
154 BRANDÃO, Cláudio. Acidente do trabalho e responsabilidade civil do empregador. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 166. 155 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 43. 156 BRANDÃO, Cláudio. Acidente do trabalho e responsabilidade civil do empregador. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 166.
Nordeste. A expressão endêmica vem de endemia, que, segundo Antônio Houaiss, é a
“doença infecciosa que ocorre habitualmente e com incidência significativa em dada
população e/ou região”. Não se confunde com doença epidêmica, “que acomete
simultaneamente grande número de pessoas em um dado local, sem no entanto lá prevalecer
continuamente”157. A doença epidêmica é extraordinária e transitória. O próprio dispositivo,
porém, faz expressa ressalva quanto à possibilidade da doença endêmica ser considerada
doença do trabalho. Isso ocorre quando há exposição ou contato direto com doença endêmica
em função do trabalho. O exemplo citado por Cláudio Brandão, que caracteriza doença do
trabalho, refere-se ao empregado que é picado pelo mosquito transmissor da malária, por
força de seu trabalho, na condição de “caça-mosquitos”. 158
O referido autor, citando Mozart Victor Russomano, relata, ainda, o caso do
empregado que é transferido de uma região onde não existia a endemia, vindo a contrair a
doença por trabalhar em região endêmica; ou habitando-a, não sendo portador da doença,
adquire-a por ter sido exposto ao contágio. Neste último caso, porém, é mais difícil a
caracterização como doença do trabalho, pois o trabalhador tem sua vida cotidiana na região
onde a enfermidade é comum. 159
Os exemplos bem demonstram a amplitude da problemática, de forma que somente o
caso concreto poderá dar subsídios para o julgador averiguar a existência ou não de
causalidade ocupacional, após a realização de perícia, evidentemente. A dificuldade tende a
aumentar quando se acrescenta o fator de que cabe ao empregador proteger o ambiente de
trabalho. Assim, mesmo na doença endêmica há que se analisar se o empregador tinha
157 HOUAISS, Antônio. Dicionário eletrônico da língua portuguesa. 2001. Versão 1.0. 1 CD-ROM. 158 BRANDÃO, Cláudio. Acidente do trabalho e responsabilidade civil do empregador. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 168. 159 BRANDÃO, Cláudio. Acidente do trabalho e responsabilidade civil do empregador. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 167.
condições fáticas de evitar a contaminação. Não sendo possível a eliminação do contágio,
devido à generalidade da própria doença, não se reconhece como doença do trabalho.
Observa-se, contudo, que, mesmo em regiões não endêmicas, a doença de natureza
endêmica poderá manifestar-se sob a forma epidêmica, “o que não permitirá afastar a
circunstância excludente, em virtude do caráter de extraordinariedade, como no episódio
fartamente noticiado pela imprensa de ocorrência de inúmeros casos de doença de Chagas em
Santa Catarina, no ano de 2005”. 160
O Conselho Federal de Medicina, através da Resolução nº. 1.488/98, determinou que,
além dos exames clínicos (físico e mental), deve o médico considerar diversos fatores
relacionados ao meio ambiente de trabalho e ao trabalhador, conforme assinalou José Cairo
Júnior161. Ressalte-se, assim, a necessidade de se determinar a realização de perícia para o
estabelecimento do nexo causal, especialmente quando há alegação das excludentes do art. 20,
§1º da Lei 8.213/91.
3.4.4 Concausas em acidente do trabalho ou situação equiparável
Abordou-se em tópico específico item sobre concausas, que pode ser consultado pelo
leitor. Mesmo assim, rememoram-se aspectos importantes, agora direcionados ao acidente de
trabalho.
A doutrina, por vezes, tem denominado causas concorrentes ou concorrência de
causas quando quer demonstrar a culpa concorrente da vítima, reservando a expressão
160 BRANDÃO, Cláudio. Acidente do trabalho e responsabilidade civil do empregador. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, 168. 161 CAIRO JÚNIOR, José. O acidente do trabalho e a responsabilidade civil do empregador. 3. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 52.
concausa para explicar o dever de indenizar quando as causas preexistentes, concomitantes e
supervenientes não eliminam o dever de indenizar, ou seja, quando uma causa associa-se à
outra causa para a realização de um evento danoso.
A História bem demonstra que a responsabilidade civil do empregador por acidente
do trabalho ganhou fôlego no início do Século XIX. Inicialmente, não se admitia a
responsabilidade do empregador. Em 1919, com a edição da primeira lei acidentária (Lei
3.724/19), responsabilizou-se o empregador por acidente do trabalho e doença profissional,
mas originados apenas de causa única. Porém, desde o Decreto-lei nº. 7.036/44, admitiu-se a
teoria das concausas. A previsão atual consta no art. 21, inciso I, da Lei 8.213/91:
Art. 21. Equiparam-se também ao acidente do trabalho, para efeitos desta Lei: I - o acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa única, haja contribuído diretamente para a morte do segurado, para redução ou perda da sua capacidade para o trabalho, ou produzido lesão que exija atenção médica para a sua recuperação;
A concausa nada mais é do que a causa que se junta a outra causa para produzir um
dano. É uma causa concorrente, não ligada ao trabalho, mas agrava os efeitos do acidente.
Antônio Houaiss definiu a concepção jurídica de concausa: “na determinação de um fato
delituoso, coexistência preexistente ou superveniente de causas que torna o seu autor por ele
responsável, a menos que a causa sobrevinda tenha sido independente da sua vontade”. 162
As concausas são, em outras palavras, “circunstâncias que concorrem para o
agravamento do dano, mas que não têm a virtude de excluir o nexo causal desencadeado pela
conduta principal, nem de, por si sós, produzirem o dano. O agente suporta esses riscos
porque, não fosse a sua conduta, a vítima não se encontraria na situação em que o evento
danoso a colocou”. 163
162 HOUAISS, Antônio. Dicionário eletrônico da língua portuguesa. 2001. Versão 1.0. 1 CD-ROM. 163DIREITO, Carlos Alberto Menezes; CAVALIERI FILHO, Sérgio. Comentários ao novo Código Civil, vol. XIII: da responsabilidade civil, das preferências e privilégios creditórios. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 83.
As concausas não eliminam o dever de indenizar, por um motivo muito simples: não
interrompem o processo natural do evento danoso iniciado, apenas juntam-se para produzir
efeitos mais graves.
O acidente do trabalho pode ter causa única no próprio trabalho, mas também poderá
decorrer de duas ou mais causas, isto é, uma causa ligada à execução dos trabalhos e as
demais extralaborais, sem qualquer vínculo com a função desempenhada. O importante para
a caracterização da concausa acidentária é que, pelo menos, uma causa esteja ligada ao
trabalho, de forma eficiente, conforme assinala doutrina:
No entanto, a aceitação normativa da etiologia multicausal não dispensa a existência de uma causa eficiente, decorrente da atividade laboral, que ‘haja contribuído diretamente’ para o acidente do trabalho ou situação equiparável ou, em outras palavras a concausa não dispensa a causa de origem ocupacional. Deve-se verificar se o trabalho atuou como fator contributivo do acidente ou doença ocupacional; se atuou como fator desencadeante ou agravante de doenças preexistentes ou, ainda, se provocou a precocidade de doenças comuns, mesmo daquelas de cunho degenerativo ou inerente ao grupo etário. 164 (sem grifo no original).
A definição de Sergio Cavalieri Filho é convincente: “concausa é outra causa que,
juntando-se à principal, concorre para o resultado. Ela não inicia e nem interrompe o processo
causal, apenas o reforça, tal como um rio menor que deságua em outro maior, aumentando-
lhe o caudal”165. A concausa “não é proveniente da causa laboral; simplesmente ela auxilia na
produção do resultado”166. Importante frisar que o estabelecimento da concausa requer
continuação do processo causal já iniciado com a conduta do agente responsável, sem
qualquer interrupção.
164 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 50. 165 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 84. 166 BRANDÃO, Cláudio. Acidente do trabalho e responsabilidade civil do empregador. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 171.
As concausas podem ser preexistentes, concomitantes e supervenientes. Sérgio Pinto
Martins transcreve o exemplo citado por Octávio Bueno Magano, que apresenta as três
espécies de concausas:
Esclarece Octávio Bueno Magano [...] ‘Se o trabalhador sofre ferimento leve e não obstante vem a morrer porque era diabético, tem-se que a concausa é preexistente. Se o trabalhador recebe ferimento leve e vem a morrer em virtude do tétano, trata-se de concausa superveniente. Se o trabalhador, acometido de mal súbito, cai de um andaime, morrendo em conseqüência, configura-se a concausa simultânea’. 167
Antônio Lopes Monteiro também identificou as três espécies de concausas. A
transcrição foi destacada por Sebastião Geraldo de Oliveira nos seguintes termos:
‘Nem sempre o acidente se apresenta como causa única e exclusiva de lesões ou doença. Pode haver a conjunção de outros fatores – concausas. Uns podem preexistir ao acidente – concausas antecedentes; outros podem sucedê-lo – concausas supervenientes; por fim, há, também, os que se verificam concomitantemente – concausas simultâneas. Exemplo do primeiro caso é o diabético que venha a sofrer um pequeno ferimento que para outro trabalhador sadio não teria maiores conseqüências. Mas o diabético falece devido a intensa hemorragia causada. Temos assim uma morte para a qual concorre o acidente associado a um fator preexistente, a diabete. Já os fatores supervenientes verificam-se após o acidente do trabalho ou da eclosão da doença ocupacional. Se de um infortúnio do trabalho sobrevierem complicações como as provocadas por micróbios, patogênicos (estafilococos, estreptococos etc.), determinado, por exemplo, amputação de um dedo ou até a morte, estaremos diante de uma concausa superveniente. As causas concomitantes, por sua vez, coexistem ao sinistro. Concretizavam-se ao mesmo tempo: o acidente e a concausa extralaborativa. O exemplo típico é a disacusia (PAIR), da qual é portador um tecelão de 50 anos. A perda auditiva é conseqüência da exposição a dois tipos de ruído concomitantes: o ambiente do trabalho, muitas vezes elevado durante vinte ou trinta anos, e, durante o mesmo tempo o do fator etário (extralaborativa): concausa simultânea’. 168
A concausa, como regra, é causa invisível aos olhos do empregador e, até mesmo, do
empregado. A cautela do empregador para evitar acidentes do trabalho e doenças
ocupacionais deve ser redobrada, isto é, deverá averiguar se determinado empregado tem
predisposição para ocasionar um acidente de trabalho ou para desenvolver uma determinada
doença. Sobre predisposição acidentária, recomenda-se a leitura do item próprio.
167 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da seguridade social. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 425. 168 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 51.
3.4.5 Acidente ocorrido no local e no horário de trabalho por ato de terceiro, ato de
companheiro de trabalho, caso fortuito e força maior.
São acidentes ocorridos no local e no horário de trabalho por ato de terceiro, ato de
companheiro de trabalho, caso fortuito e força maior, mas não estão relacionados com a
execução do trabalho, embora o trabalho, de forma indireta, tenha proporcionado as
condições para o ato lesivo. São as chamadas concausalidades indiretas. As disposições estão
expressas nas alíneas do art. 21, inciso, II, da Lei 8.213/91:
Art. 21. Equiparam-se também ao acidente do trabalho, para efeitos desta Lei: [...]. II - o acidente sofrido pelo segurado no local e no horário do trabalho, em conseqüência de: a) ato de agressão, sabotagem ou terrorismo praticado por terceiro ou companheiro de trabalho; b) ofensa física intencional, inclusive de terceiro, por motivo de disputa relacionada ao trabalho; c) ato de imprudência, de negligência ou de imperícia de terceiro ou de companheiro de trabalho; d) ato de pessoa privada do uso da razão; e) desabamento, inundação, incêndio e outros casos fortuitos ou decorrentes de força maior;
Para Cláudio Brandão “é o que se denomina de concausalidade indireta, na medida
em que não há uma relação de causa e efeito entre o dano sofrido pelo empregado e a
atividade que estava executando no momento em que ocorreu, mas foi o trabalho que,
indiretamente, propiciou a ocorrência da lesão”169. O local de trabalho sofrerá variação,
dependendo da atividade desempenhada, que pode ser externa, interna, no domicílio do
empregado, enfim, onde o empregado estiver desenvolvendo suas atividades, permanente ou
provisoriamente. O horário de trabalho comporta, além do horário fixo, o laborado
extraordinariamente. A seguir, de forma sucinta, passa-se a analisar as alíneas do referido
inciso.
169 BRANDÃO, Cláudio. Acidente do trabalho e responsabilidade civil do empregador. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 174.
Ato de agressão, sabotagem ou terrorismo praticado por terceiro ou companheiro
de trabalho: Agredir é atacar a integridade física ou moral do trabalhador; já a sabotagem é a
intenção de danificar uma máquina, por exemplo, que venha, por esse motivo, causar
ferimento ao trabalhador; o terrorismo é a violência que provoca terror, é a prática de atentado
contra a empresa, provocando lesões aos empregados.
Ofensa física intencional, inclusive de terceiro, por motivo de disputa relacionada
ao trabalho: a ofensa física é intencional, está relacionada com o trabalho e é praticada por
terceiro ou companheiro de trabalho; tal fato tem origem no trabalho como rixas internas,
preterição em promoções, disputas por postos de trabalho, insatisfação por punições sofridas
etc. 170. Embora o legislador não contemple as ofensas morais, deverá o julgador buscar no
arcabouço jurídico subsídios para considerar essas ofensas acidente do trabalho.
Ato de imprudência, de negligência ou de imperícia de terceiro ou de companheiro
de trabalho: quando a lesão for praticada por terceiro ou companheiro de trabalho que agiu
com imprudência, negligência ou imperícia fica caracterizado o acidente do trabalho.
Imprudente é o indivíduo que despreza todas as regras para o desenvolvimento de uma
atividade; negligente é o indivíduo descuidado que age com desleixo e preguiça e imperito é o
indivíduo que não tem habilidade suficiente para praticar um ato.
Ato de pessoa privada do uso da razão: pessoa privada do uso da razão é a pessoa
demente, com reduzida ou sem nenhuma capacidade de discernimento. Contudo, a proteção
da integridade física do empregado é de responsabilidade do empregador, independente das
condições do agente que provocou o dano, podendo ser, inclusive, por uma criança. 171
170 BRANDÃO, Cláudio. Acidente do trabalho e responsabilidade civil do empregador. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 177. 171 BRANDÃO, Cláudio. Acidente do trabalho e responsabilidade civil do empregador. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 185.
Desabamento, inundação, incêndio e outros casos fortuitos ou decorrentes de força
maior: será acidente de trabalho quando fenômenos naturais ou fatos oriundos da ação
humana, decorrentes de casos fortuitos ou força maior, atingirem a integridade física do
trabalhador.
Resta averiguar, todavia, qual será a responsabilidade do empregador quando há ato
de terceiro, ato de companheiro, caso fortuito ou força maior. Para o direito previdenciário, a
ocorrência dos fatos acima expostos caracteriza-se como acidente do trabalho
automaticamente. Contudo, para fins de responsabilidade civil do empregador, pode sofrer
ajustes. Na teoria do risco criado, admite-se a exclusão do nexo causal quando há caso
fortuito, força maior, culpa exclusiva da vítima e fato de terceiro. Exceto a excludente culpa
exclusiva da vítima, as demais, para elidir a responsabilidade do empregador, dependem da
análise de diversos fatores relacionados ou não com o trabalho.
A princípio, o empregador responde civilmente em todos os casos acima tratados,
pois o acidente ocorreu no ambiente de trabalho organizado e dirigido pelo empregador.
Cláudio Brandão destacou o dever de vigilância do empregador: “no mínimo, poder-se-ia
argumentar que se descurou o empregador do seu dever de vigilância, ensejando a
caracterização do fato como acidente, até mesmo diante da amplitude do conceito legal que
abrange episódios inteiramente desvinculados do contrato de trabalho”172. O empregador
deverá adotar medidas efetivas para proteger o empregado no ambiente de trabalho.
Presume-se, assim, que o fato de terceiro (incluindo outros empregados, mas estes
não são terceiros) poderia ser evitado pelo empregador. Rui Stoco, comentando o art. 21 da
Lei 8.213/91, disse que o legislador “deixou evidente que o fato de terceiro não afasta a
culpabilidade do empregador e palmar que também os prepostos que ajam em nome do patrão
172 BRANDÃO, Cláudio. Acidente do trabalho e responsabilidade civil do empregador. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 179.
são responsáveis”173. Quanto ao caso fortuito e a força maior, as alegações deverão ser
fartamente comprovadas, pois qualquer ato de displicência do empregador poderá gerar o
dever de indenizar. Mesmo fortuito ou decorrente de força maior, a base da discussão ficará
centrada na real capacidade que o empregador detinha para evitar o acidente.
3.4.6 Doenças provenientes de contaminação acidental no exercício de atividades
Merece destaque o estudo sobre doenças adquiridas em decorrência da contaminação
acidental do empregado no exercício de suas atividades, mormente após o surgimento nas
últimas décadas de inúmeras doenças contagiosas e fatais, como a AIDS, por exemplo.
Também chamada de doença acidental, a contaminação deverá ter nexo causal com o
exercício do trabalho. A doença acidental está prevista no art. 21, inciso III, da Lei 8.213/91:
Art. 21. Equiparam-se também ao acidente do trabalho, para efeitos desta Lei: [...] III - a doença proveniente de contaminação acidental do empregado no exercício de sua atividade;
Da contaminação ou infecção poderá resultar doença grave e incurável, cabendo ao
empregador tomar medidas necessárias para que os trabalhadores exerçam sua profissão sem
riscos, sob pena de responder pela omissão. Os empregados devem receber treinamento
específico e adequado para desenvolverem as atividades, além de equipamentos de proteção
modernos e eficientes. A doença acidental “é a situação de contágio, infecção ou doença
adquirida pelo empregado de forma imprevista, causal, fortuita durante a execução de suas
tarefas, no local e em horário de trabalho ou outra circunstância amparada pelo legislador, que
173 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: RT, 2004, p. 610.
amplia o conceito de infortúnio (trajeto, durante as refeições, nos intervalos, dentre
outros)”.174
A doença é adquirida com mais facilidade em clínicas, laboratórios e hospitais, no
entanto, o contágio pode ocorrer em qualquer profissão, conforme destaca Cláudio Brandão:
Profissionais que atuam diretamente com pacientes portadores de vírus, como médicos, enfermeiras, odontólogos, técnicos de bancos de sangue, pessoal de limpeza, biólogos, ascensoristas, podem vir a se contaminar no manuseio de sangue, fezes, urina ou sêmen contaminados ou lidando com pessoas doentes, e cabeleireiros, barbeiros, esteticistas, maquiadores, manicures, pedicuros, que venham a infectar-se em virtude de contato com sangue contaminado. 175
Ressalta, ainda, o autor, a ocorrência regular de contaminação dos auxiliares de
odontologia por inalação de mercúrio, cujo vapor atravessa a membrana alveolar e atinge a
circulação sangüínea. Portanto, entra em cena, mais uma vez, o dever indelegável do
empregador em proteger o meio ambiente do trabalho, sem dispensar, é claro, e na mesma
proporção, a obrigação do profissional desta área de cumprir fielmente as medidas adotadas,
já que, como regra, são pessoas capacitadas, esperando-se conduta compatível com o grau de
conhecimento.
3.4.7 Acidente ocorrido fora do local e do horário de trabalho
O leque acidentário estende-se para os casos em que o empregado, embora fora do
local e do horário de trabalho, sofrer alguma espécie de lesão. O acidente está relacionado ao
trabalho, ou seja, pode decorrer da execução do trabalho ou em conseqüência deste, conforme
expressa previsão do art. 21, inciso IV, da Lei 8.213/91:
Art. 21. Equiparam-se também ao acidente do trabalho, para efeitos desta Lei: [...] 174 BRANDÃO, Cláudio. Acidente do trabalho e responsabilidade civil do empregador. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 164. 175 BRANDÃO, Cláudio. Acidente do trabalho e responsabilidade civil do empregador. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 164.
IV - o acidente sofrido pelo segurado, ainda que fora do local e horário de trabalho: a) na execução de ordem ou na realização de serviço sob a autoridade da empresa; b) na prestação espontânea de qualquer serviço à empresa para lhe evitar prejuízo ou proporcionar proveito; c) em viagem a serviço da empresa, inclusive para estudo quando financiada por esta dentro de seus planos para melhor capacitação da mão-de-obra, independentemente do meio de locomoção utilizado, inclusive veículo de propriedade do segurado; d) no percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela, qualquer que seja o meio de locomoção, inclusive veículo de propriedade do segurado. § 1º. Nos períodos destinados à refeição ou descanso, ou por ocasião da satisfação de outras necessidades fisiológicas, no local do trabalho ou durante este, o empregado é considerado no exercício do trabalho.
De forma sucinta, passa-se a analisar o referido dispositivo com o objetivo de
esclarecer as hipóteses aventadas pelo legislador.
Na execução de ordem ou na realização de serviço sob a autoridade da empresa: o
empregado, enquanto executa ordens do empregador, está subordinado a este, mesmo fora do
local e do horário de trabalho, não havendo necessidade, ainda, de que o trabalho seja o
mesmo desempenhado na empresa. Poderá ser qualquer serviço como, por exemplo, ir à
residência particular do empregador entregar um pacote, ir ao banco, levar o malote ao
correio após o expediente etc. 176
Na prestação espontânea de qualquer serviço à empresa para lhe evitar prejuízo ou
proporcionar proveito: o empregado diligente e comprometido com o crescimento da
empresa não necessita de ordens para tomar providências inadiáveis que podem evitar
prejuízos ou gerar lucros ao empregador. Se, sob o comando do patrão, recebe a proteção
legal, como visto na alínea “a”, com mais razão na voluntariedade, pois através de um ato de
solidariedade defende interesse do empregador. Até porque, se presente estivesse o
empregador, dar-lhe-ia a ordem que, voluntariamente, pretende cumprir.
Em viagem a serviço da empresa, inclusive para estudo quando financiada por esta
dentro de seus planos para melhor capacitação da mão-de-obra, independentemente do meio
176 BRANDÃO, Cláudio. Acidente do trabalho e responsabilidade civil do empregador. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 187.
de locomoção utilizado, inclusive veículo de propriedade do segurado: estando a serviço da
empresa, pouco importa a finalidade e o transporte utilizado para caracterizar acidente do
trabalho. O legislador preferiu, mesmo assim, destacar que as viagens a serviço da empresa,
inclusive para estudos, recebem a proteção legal acidentária. Quando o estudo representar
meta de capacitação e qualificação de mão-de-obra para benefício da empresa, não há
necessidade que esta financie o estudo. Somente quando há interesse estritamente particular
do empregado em sua qualificação pessoal é que a norma não se aplica, uma vez que o
custeio pelo empregador não deve servir de requisito para atrair responsabilidades, pois os
estudos poderão ser desenvolvidos em escolas públicas, sem qualquer custo para o
empregador. Ressalte-se, contudo, que a viagem referida não constitui o habitual modo de
execução do seu trabalho, pois se decorrer de trabalho normalmente executado externamente
(vendedor viajante), eventual acidente será enquadrado como acidente tipo, conforme
entendimento doutrinário abalizado por Cláudio Brandão. 177
No percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela, qualquer
que seja o meio de locomoção, inclusive veículo de propriedade do segurado. O acidente de
trajeto ou in itinere foi tratado, na seqüência deste tópico, devido à relevância do tema ante o
elevando índice estatístico de acidentes desta natureza.
Nos períodos destinados à refeição ou descanso, ou por ocasião da satisfação de
outras necessidades fisiológicas, no local do trabalho ou durante este, o empregado é
considerado no exercício do trabalho: o parágrafo primeiro do art. 21 é destinado à
ocorrência de eventual acidente de trabalho nos períodos destinadas a refeição, descanso ou
quando necessária a satisfação das necessidades fisiológicas, dentro ou fora do local de
trabalho, mas durante a jornada laboral. A doutrina faz duas distinções para este caso. A
primeira está relacionada ao acidente que acontece durante os intervalos intrajornada,
177 BRANDÃO, Cláudio. Acidente do trabalho e responsabilidade civil do empregador. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 189.
usufruídos no local de trabalho ou fora dele (empregado que almoça no restaurante fora da
empresa). A segunda está relacionada ao acidente que ocorre no local, ainda que fora da
jornada de trabalho (empregado que cai quando vai beber água). Para caracterizar o acidente
de trabalho os fatos deverão demonstrar que o acidente aconteceu no exercício do trabalho, ou
em decorrência deste. Controvérsias surgem quando o empregador fornece residência ou
alojamento ao empregado na própria empresa. Seriam acidentes do trabalho todos os que
ocorrem em intervalos para repouso como entre duas jornadas, entre duas semanas, férias
etc.178
A configuração de acidente do trabalho para fins previdenciários não tem maiores
controvérsias, inclusive quanto ao enquadramento, uma vez que estará relacionado com a
execução do trabalho ou em conseqüência do trabalho. Na maioria das vezes, há uma ligação
direta com o trabalho. A responsabilidade civil do empregador dependerá da análise do caso
concreto, com avaliação do risco a que foi exposto o trabalhador bem como o dever legal e
geral de cautela do empregador.
3.4.7.1 Acidente de trajeto ou in itinere
As estatísticas revelam que os acidentes in itinere ocupam o segundo lugar na escala
acidentária, só perdendo para os acidentes típicos e as doenças ocupacionais. O art. 21, inciso
IV, alínea “d”, da Lei 8.213/91 regulamentou o acidente de trajeto:
Art. 21. Equiparam-se também ao acidente do trabalho, para efeitos desta Lei: [...] IV - o acidente sofrido pelo segurado, ainda que fora do local e horário de trabalho: [...] d) no percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela, qualquer que seja o meio de locomoção, inclusive veículo de propriedade do segurado.
178 BRANDÃO, Cláudio. Acidente do trabalho e responsabilidade civil do empregador. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 197.
O acidente de trajeto, acidente de itinerário ou acidente de percurso, tem fundamento
na necessidade de o empregado deslocar-se de sua residência para o trabalho e vice-versa. É
um prolongamento de seu trabalho e é em razão deste que fica submetido a riscos durante o
percurso. Também é considerado acidente de trajeto quando o empregado desloca-se (ida e
volta) para fazer as refeições.
A configuração do acidente de trajeto pode ensejar algumas dificuldades,
principalmente quando o empregado desvia-se de seu curso normal para atender interesses
particulares. Nesse caso, a doutrina tem tolerado eventuais desvios, desde que não sejam
substanciais, ou seja, o tempo de deslocamento e o trajeto habitual não podem sofrer
variações consideráveis.
Sebastião Geraldo de Oliveira, após destacar que no Brasil ocorrem mais de um
milhão de acidentes de trânsito por ano, deixando por volta de 350.000 vítimas com lesões
permanentes, comentou sobre a tolerância possível em acidente de trajeto quando o
trabalhador desvia-se do curso normal:
Surgem grandes controvérsias quando ao entendimento do que seja o ‘percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela’. O trabalhador com freqüência desvia-se desse percurso por algum interesse particular, para uma atividade de lazer ou compras em um supermercado ou farmácia, por exemplo. Como será necessário estabelecer o nexo causal do acidente com o trabalho, são aceitáveis pequenos desvios e toleradas algumas variações quanto ao tempo de deslocamento, desde que ‘compatíveis com o percurso do referido trajeto’, porquanto a Previdência Social, na esfera administrativa, não considera acidente do trabalho quando o segurado, por interesse pessoal, interrompe ou altera o percurso habitual. 179
Também vale mencionar a interpretação conferida por Cláudio Brandão em
comentário ao dispositivo:
Contudo, a melhor interpretação não remete para o caráter rotineiro do percurso, mas para a finalidade: ida e volta para o trabalho. A razoabilidade na análise do caso concreto estabelecerá o limite de alcance na hipótese de afastamento do empregado, sobretudo levando-se em consideração o motivo que o levou a modificar o trajeto percorrido cotidianamente. [...]
179 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 52-53.
Se o empregado é agredido por um desafeto por motivo não relacionado ao deslocamento em si, não há que se falar em acidente do trabalho, pois a lesão não surgiu do trajeto em si, deixando de existir, assim, nexo etiológico, ainda que indireto, com o labor. 180
Configurado o acidente de trajeto, a responsabilidade previdenciária é medida que se
impõe com fundamento da teoria do risco integral, ainda que a culpa seja exclusiva da vítima.
A responsabilidade civil do empregador, porém, dificilmente ocorrerá nesse caso,
pois não é de sua responsabilidade o transporte do empregado da residência para a empresa e
vice-versa. Em que pese estar obrigado a fornecer o vale-transporte, quando necessário para a
locomoção do empregado, tanto não tem o condão de atrair responsabilidade por eventual
dano no transporte, que ficará a cargo da concessionária transportadora.
Diversa é, contudo, a situação em que o empregador fornece a condução para o
empregado. Nos termos do art. 58, §2º da CLT, “O tempo despendido pelo empregado até o
local de trabalho e para o seu retorno, por qualquer meio de transporte, não será computado
na jornada de trabalho, salvo quando, tratando-se de local de difícil acesso ou não servido
por transporte público, o empregador fornecer a condução”. Se o tempo despendido pelo
empregado em condução fornecida pelo empregador é considerado jornada de trabalho,
devendo o empregador somar ao horário normal e pagar como se efetivamente estivesse
trabalhando, não se tem motivos para excluir da responsabilidade o empregador por eventuais
acidentes no percurso.
Durante o transporte, o empregado está à disposição do empregador, sob sua guarda
e responsabilidade, como se no serviço estivesse. Além disso, aplica-se, analogicamente, a
responsabilidade da concessionária transportadora frente aos consumidores passageiros, que é
objetiva. Seria até mesmo ilógico admitir que o empregador fosse responsável pelo
180 BRANDÃO, Cláudio. Acidente do trabalho e responsabilidade civil do empregador. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 195.
pagamento do tempo despendido pelo empregado durante o transporte e não se
responsabilizasse por eventual acidente durante o trajeto. Todavia, o fornecimento de veículo
para o empregado deslocar-se individualmente, sob sua guarda e responsabilidade, não
acarreta responsabilidade do empregador por eventual infortúnio, salvo se ficar comprovado
que o acidente decorreu de da má conservação do veículo, pela qual o empregado não se
responsabilizou.
3.4.8 Agravamento da lesão por outro acidente
Há casos em que o acidente sofrido pode ser agravado por outra lesão, ao que se
pode chamar de concausa. No entanto, não será considerado agravamento ou complicação da
lesão quando a lesão anterior já estiver consolidada e o novo acidente se superponha às
conseqüências do anterior. O art. 21, §2º da Lei 8.213/91 tem a seguinte redação:
Art. 21. Equiparam-se também ao acidente do trabalho, para efeitos desta Lei: [...] § 2º. Não é considerada agravação ou complicação de acidente do trabalho a lesão que, resultante de acidente de outra origem, se associe ou se superponha às conseqüências do anterior.
Pode-se concluir que somente não será considerada agravação ou complicação da
lesão anterior quando esta estiver consolidada. A redação do referido artigo não é clara e
deixa muitas incertezas na sua aplicação, principalmente ao utilizar o termo “se associe”, uma
vez que um acidente associado a outro pode ser identificado como concausa ou causas
concorrentes. Sempre que uma lesão concorrer com outra lesão para formar um dano ainda
maior, estar-se-ia diante da concausa, portanto, passível de reparação.
É mister repetir que o importante é conhecer o estado da lesão anterior; se a lesão
estiver consolidada, nova lesão será independente, ainda que no mesmo local. Cláudio
Brandão cita dois exemplos para melhor elucidar a questão. O primeiro caso está relacionado
ao empregado que, já convalescido de uma fratura que sofreu na perna durante o trabalho na
empresa, venha a cair em sua casa e sofra nova fratura no mesmo local. A nova lesão não tem
qualquer relação com a lesão anterior e tem causa independente. Contudo, o mesmo não pode
ser argumentado quando o empregado, sujeito a freqüentes vertigens, provocadas por acidente
de trabalho, sofre um acesso, cai e falece. A queda do empregado, mesmo fora do local de
trabalho, é causa superveniente relevante e concorreu para o infortúnio devido ao estado de
debilidade física proveniente do acidente anterior.181
A pretensão da lei pode ter mais relevância para o direito previdenciário, de modo
que o empregador responde civilmente por todas as lesões ocorridas, pouco importando se há
sobreposição de lesões. O dano, principalmente moral, acontece a cada nova lesão, pois a
lesão anterior não reduz ou diminui o sofrimento da nova lesão.
3.5 Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário (NTEP) – inversão do ônus da prova
Epidemiológico é relativo à epidemiologia que, segundo Houaiss, é o “ramo da
medicina que estuda os diferentes fatores que intervêm na difusão e propagação de doenças,
sua freqüência, seu modo de distribuição, sua evolução e a colocação dos meios necessários a
sua prevenção”.182
O Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário será averiguado pelo perito do INSS
quando o segurado requerer afastamento de suas atividades para tratamento de saúde. Para
tanto, utilizar-se-á de critérios eminentemente objetivos, estabelecidos na legislação em vigor,
181 BRANDÃO, Cláudio. Acidente do trabalho e responsabilidade civil do empregador. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 173. 182 HOUAISS, Antônio. Dicionário eletrônico da língua portuguesa. 2001. Versão 1.0. 1 CD-ROM.
a qual criou inúmeras presunções (relativas) de que determinadas doenças, e/ou o
agravamento destas, estejam diretamente ligadas ao exercício de certas atividades. Ao perito
cabe determinar a existência de relação entre a doença alegada e as atividades desenvolvidas
pela empresa, através de dados preestabelecidos pela lei. A análise do caso requer uma
apresentação pormenorizada das normas que regem a matéria, o que se fará discorrer a seguir.
Inovação legislativa significante consolidou-se através da Lei nº. 11.430, de
26.12.2006 (conversão da Medida Provisória nº. 316, de 11.08.2006). A referida lei
acrescentou à Lei 8.213/1991 (regulamenta os Planos de Benefícios da Previdência Social) o
art. 21-A, com a seguinte redação:
Art. 21-A. A perícia médica do INSS considerará caracterizada a natureza acidentária da incapacidade quando constatar ocorrência de nexo técnico epidemiológico entre o trabalho e o agravo, decorrente da relação entre a atividade da empresa e a entidade mórbida motivadora da incapacidade elencada na Classificação Internacional de Doenças - CID, em conformidade com o que dispuser o regulamento. §1º A perícia médica do INSS deixará de aplicar o disposto neste artigo quando demonstrada a inexistência do nexo de que trata o caput deste artigo. §2º A empresa poderá requerer a não aplicação do nexo técnico epidemiológico, de cuja decisão caberá recurso com efeito suspensivo, da empresa ou do segurado, ao Conselho de Recursos da Previdência Social.
Em decorrência da alteração introduzida, o Decreto nº. 3.048/1999 (Regulamento da
Previdência Social) também sofreu modificações determinadas pelo Decreto nº. 6.042, de
12.02.007. O art. 337 do Decreto nº. 3.048/99 passou a vigorar com a seguinte redação:
Art. 337. O acidente do trabalho será caracterizado tecnicamente pela perícia médica do INSS, mediante a identificação do nexo entre o trabalho e o agravo. [...] § 3º Considera-se estabelecido o nexo entre o trabalho e o agravo quando se verificar nexo técnico epidemiológico entre a atividade da empresa e a entidade mórbida motivadora da incapacidade, elencada na Classificação Internacional de Doenças (CID) em conformidade com o disposto na Lista B do Anexo II deste Regulamento. § 4º Para os fins deste artigo, considera-se agravo a lesão, doença, transtorno de saúde, distúrbio, disfunção ou síndrome de evolução aguda, subaguda ou crônica, de natureza clínica ou subclínica, inclusive morte, independentemente do tempo de latência. § 5º Reconhecidos pela perícia médica do INSS a incapacidade para o trabalho e o nexo entre o trabalho e o agravo, na forma do §3º, serão devidas as prestações acidentárias a que o beneficiário tenha direito.
§6ºA perícia médica do INSS deixará de aplicar o disposto no §3º quando demonstrada a inexistência de nexo causal entre o trabalho e o agravo, sem prejuízo do disposto nos §§ 7 º e 12. §7º A empresa poderá requerer ao INSS a não aplicação do nexo técnico epidemiológico ao caso concreto mediante a demonstração de inexistência de correspondente nexo causal entre o trabalho e o agravo. §8º O requerimento de que trata o §7º poderá ser apresentado no prazo de quinze dias da data para a entrega, na forma do inciso IV do art. 225, da GFIP que registre a movimentação do trabalhador, sob pena de não conhecimento da alegação em instância administrativa. §9º Caracterizada a impossibilidade de atendimento ao disposto no §8º, motivada pelo não conhecimento tempestivo do diagnóstico do agravo, o requerimento de que trata o §7º poderá ser apresentado no prazo de quinze dias da data em que a empresa tomar ciência da decisão da perícia médica do INSS referida no §5º. §10. Juntamente com o requerimento de que tratam os §§8º e 9º, a empresa formulará as alegações que entender necessárias e apresentará as provas que possuir demonstrando a inexistência de nexo causal entre o trabalho e o agravo. § 11. A documentação probatória poderá trazer, entre outros meios de prova, evidências técnicas circunstanciadas e tempestivas à exposição do segurado, podendo ser produzidas no âmbito de programas de gestão de risco, a cargo da empresa, que possuam responsável técnico legalmente habilitado. § 12. O INSS informará ao segurado sobre a contestação da empresa, para, querendo, impugná-la, obedecendo quanto à produção de provas o disposto no §10, sempre que a instrução do pedido evidenciar a possibilidade de reconhecimento de inexistência do nexo causal entre o trabalho e o agravo. § 13. Da decisão do requerimento de que trata o § 7º cabe recurso, com efeito suspensivo, por parte da empresa ou, conforme o caso, do segurado ao Conselho de Recursos da Previdência Social, nos termos dos arts. 305 a 310.
A Lista “B” do Anexos II do Decreto nº. 3.048/99 (agentes patogênicos causadores
de doenças profissionais ou do trabalho, conforme previsto no art. 20 da lei nº 8.213, de 1991)
foi alterada pelo Decreto nº. 6.042, de 12.02.2007. A título de exemplo, para melhor análise
do exposto, reproduz-se parte do referido Anexo:
ANEXO II (Redação dada pelo Decreto nº. 6.042, de 2007).
AGENTES PATOGÊNICOS CAUSADORES DE DOENÇAS PROFISSIONAIS OU DO TRABALHO, CONFORME PREVISTO NO ART. 20 DA LEI No 8.213, DE 1991
..................................................................................................................................... LISTA B
Notas: 1 - Ao final de cada agrupamento estão indicados intervalos de CID-10 em que se reconhece Nexo Técnico Epidemiológico, na forma do § 1o do art. 337, entre a entidade mórbida e as classes de CNAE indicadas, nelas incluídas todas as subclasses cujos quatro dígitos iniciais sejam comuns. 2 - As doenças e respectivos agentes etiológicos ou fatores de risco de natureza ocupacional listados são exemplificativos e complementares.
DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS RELACIONADAS COM O TRABALHO (Grupo I da CID-10)
DOENÇAS AGENTES ETIOLÓGICOS OU FATORES DE RISCO DE NATUREZA OCUPACIONAL
I - Tuberculose (A15-A19.-) Exposição ocupacional ao Mycobacterium tuberculosis (Bacilo de Koch) ou Mycobacterium bovis, em atividades em laboratórios de biologia, e atividades realizadas por pessoal de saúde, que propiciam contato direto com produtos contaminados ou com doentes cujos exames bacteriológicos são positivos (Z57.8) (Quadro XXV) Hipersuscetibilidade do trabalhador exposto a poeiras de sílica (Sílico-tuberculose) (J65.-)
II - Carbúnculo (A22.-)
Zoonose causada pela exposição ocupacional ao Bacillus anthracis, em atividades suscetíveis de colocar os trabalhadores em contato direto com animais infectados ou com cadáveres desses animais; trabalhos artesanais ou industriais com pêlos, pele, couro ou lã. (Z57.8) (Quadro XXV)
[...]
INTERVALO CID-10 CNAE A15-A19 0810 1091 1411 1412 1533 1540 2330 3011
3701 3702 3811 3812 3821 3822 3839 3900 4120 4211 4213 4222 4223 4291 4299 4312 4321 4391 4399 4687 4711 4713 4721 4741 4742 4743 4744 4789 4921 4923 4924 4929 5611 7810 7820 7830 8121 8122 8129 8610 9420 9601
[...]
O CNAE corresponde à relação, disposta no Anexo V, de atividades preponderantes
da empresa e correspondentes graus de risco, conforme a Classificação Nacional de
Atividades Econômicas – CNAE, também alterada pelo Decreto nº. 6.042, de 12.02.2007,
parcialmente reproduzida abaixo:
ANEXO V RELAÇÃO DE ATIVIDADES PREPONDERANTES E CORRESPONDENTES GRAUS DE RISCO
(CONFORME A CLASSIFICAÇÃO NACIONAL DE ATIVIDADES ECONÔMICAS) (Redação dada pelo Decreto nº. 6.042, de 2007)
CNAE 7 DESCRIÇÃO %NOVO 0111-3/01 Cultivo de arroz 2% 0111-3/02 Cultivo de milho 2% 0111-3/03 Cultivo de trigo 2% 0111-3/99 Cultivo de outros cereais não especificados anteriormente 2%
[...]
0121-1/01 Horticultura, exceto morango 1% 0121-1/02 Cultivo de morango 1%
[...]
CNAE 7 DESCRIÇÃO %NOVO
0220-9/01 Extração de madeira em florestas nativas 3% 0220-9/02 Produção de carvão vegetal - florestas nativas 3% 0220-9/03 Coleta de castanha-do-pará em florestas nativas 3% 0220-9/04 Coleta de látex em florestas nativas 3%
[...]
O estabelecimento do Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário (NTEP) será
possível com a simples confrontação entre os resultados obtidos durante a avaliação clínica do
segurado e a atividade preponderante da empresa, conforme enquadramento legal
preestabelecido. O perito do INSS, após identificar o CID-10 (Código Internacional de
Doenças) do segurado, buscará no “INTERVALO CID-10” o “CNAE” correspondente da
empresa. Havendo relação, caracterizado estará o Nexo Técnico Epidemiológico
Previdenciário, dispensando qualquer vistoria ao local de trabalho. Criou-se, assim, uma
presunção relativa de que certas doenças têm origem na execução de determinadas atividades,
cabendo à empresa o ônus de comprovar a inexistência de nexo técnico.
O INSS editou a Instrução Normativa INSS/PRES Nº 16, de 27 de março de 2007.
Dentre as principais orientações, citam-se os seguintes artigos:
Art. 1º Estabelecer critérios para aplicação do NTEP pelo INSS como uma das espécies do gênero nexo causal.
Art. 2º A perícia médica do INSS caracterizará tecnicamente o acidente do trabalho mediante o reconhecimento do nexo entre o trabalho e o agravo.
§ 1º Para os fins do disposto neste artigo, considera-se agravo: a lesão, a doença, o transtorno de saúde, o distúrbio, a disfunção ou a síndrome de evolução aguda, subaguda ou crônica, de natureza clínica ou subclínica, inclusive morte, independentemente do tempo de latência.
§ 2º Os agravos decorrentes dos agentes etiológicos ou fatores de risco de natureza ocupacional da Lista A do Anexo II do RPS, presentes nas atividades econômicas dos empregadores, cujo segurado tenha sido exposto, ainda que parcial e indiretamente, serão considerados doenças profissionais ou do trabalho, independentemente do NTEP, não se aplicando, neste caso, o disposto no § 5º deste artigo e no art. 4° desta Instrução Normativa.
§ 3º Considera-se estabelecido nexo entre o trabalho e o agravo sempre que se verificar a ocorrência de nexo técnico epidemiológico entre o ramo de atividade econômica da empresa, expressa pela Classificação Nacional de Atividade Econômica - CNAE, e a entidade mórbida motivadora da incapacidade, relacionada na Classificação Internacional de Doenças, em conformidade com o disposto na Lista B do Anexo II do RPS.
§ 4º A inexistência de nexo técnico epidemiológico não elide o nexo causal entre o trabalho e o agravo, cabendo à perícia médica a caracterização técnica do acidente do trabalho fundamentadamente, sendo obrigatório o registro e a análise do relatório do médico assistente, além dos exames complementares que eventualmente o acompanhem.
§ 5º Na hipótese prevista no parágrafo anterior, a perícia médica poderá, se necessário, solicitar as demonstrações ambientais da empresa, efetuar pesquisa ou realizar vistoria do local de trabalho ou solicitar o Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP, diretamente ao empregador. [...] Art. 4º A empresa poderá requerer ao INSS, até quinze dias após a data para a entrega da Guia de Recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e Informações à Previdência Social - GFIP, a não aplicação do nexo técnico epidemiológico, ao caso concreto, quando dispuser de dados e informações que demonstrem que os agravos não possuem nexo causal com o trabalho exercido pelo trabalhador, sob pena de não conhecimento da alegação em instância administrativa.[...]
A grande inovação processual reside na inversão do ônus da prova, com expressa
determinação de que cabe à empresa, após o enquadramento epidemiológico, desconstituir as
conclusões periciais que levaram ao estabelecimento de nexo entre a doença (agravo) e as
atividades desenvolvidas no ambiente de trabalho. Trata-se de alteração substancial na esfera
previdenciária, com inegável repercussão nas ações acidentárias ajuizadas na Justiça do
Trabalho. Sebastião Geraldo de Oliveira disse que “essa inovação legal reforça sobremaneira
o princípio da inversão do ônus da prova em favor do acidentado, pois consagra a figura do
nexo causal epidemiológico, ou seja, de acordo com os dados estatísticos das doenças
ocupacionais em determinada empresa, ocorrerá a presunção de que o adoecimento foi
causado pelo exercício do trabalho”183. Todavia, por se tratar de presunção juris tantum,
183 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 3. ed. São Paulo: LTr, 2007, p. 136.
admite-se prova em contrário, podendo o empregador apresentar provas e demonstrar “que o
adoecimento não teve vínculo causal com a execução do contrato de trabalho”.184
Sidnei Machado fez importantes observações sobre o regime da presunção legal
como prova de doença ocupacional:
O regime da prova é fundamental para o sistema de reparação dos acidentes de trabalho e doenças ocupacionais. A preocupação com a proteção jurídica dos trabalhadores contra os riscos profissionais inerentes ao trabalho fez evoluir, ao longo de quase um século, a legislação e a jurisprudência a fim de propiciar a efetiva reparação do dano à saúde e à integridade física do trabalhador. A técnica da presunção legal é um dos mecanismos utilizados pela lei e pela jurisprudência para indicar, de partida, que deve haver sempre a presunção de que toda e qualquer lesão ocorrida durante o trabalho e no local de trabalho constitui um acidente imputável ao trabalho. Trata-se de presunção favorável à vítima de risco calculável do acidente de trabalho, um dos flagelos mais emblemáticos da nossa sociedade.[...]
Os movimentos sociais de promoção da saúde do trabalhador e organismos internacionais ligados à proteção social, há muito tempo, denunciam os equívocos interpretativos da Seguridade Social e, muitas vezes, do próprio judiciário, que condicionavam a caracterização da doença ocupacional à prova inequívoca do nexo casual, com o pesado ônus para a vítima. De fato, a ausência de um tratamento equitativo, específico para a prova das doenças ocupacionais tem levado à dramática situação de toda uma legião de vitimados pelo trabalho que, justamente por dificuldades de prova, não têm acesso ao seguro dos acidentes de trabalho e, como conseqüência, não conseguem responsabilizar os seus empregadores pelos danos suportados.[...]
Isso significa que o acidente de trabalho por doença ocupacional pode ser provado por meio da presunção, um dos mecanismos legais de prova dos fatos jurídicos admitidos no nosso ordenamento jurídico (art. 212, IV do Código Civil). A presunção legal introduzida é a juris tantum, relativa e, assim, admite prova em contrário. Mas a finalidade da presunção acolhida pela lei é justamente a de facilitar a prova da doença ocupacional pela vítima. Sendo relativa a presunção legal, pode a autarquia previdenciária produzir prova em contrário, no entanto, deverá demonstrar de modo inequívoco a possibilidade dessa prova para afastar a regra da presunção legal.[...]
O chamado nexo epidemiológico amplia substancialmente a noção de doenças ocupacionais para fins de acidentes de trabalho. Antes definidas e catalogadas apenas como doenças profissionais ou do trabalho (art. 20 da Lei nº. 82.13/91), o critério da presunção permite a inclusão de um número indefinido de patologias ocupacionais, muitas delas antes ocultadas ou dissimuladas como simples patologias. Fixado o nexo técnico epidemiológico - agregado à demonstração dos requisitos da lesão e da incapacidade temporária ou permanente do trabalhador - tem-se como comprovado o nexo causal, confirmando a prova do acidente de trabalho.[...]185
184 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 3. ed. São Paulo: LTr, 2007, p. 138. 185 MACHADO, Sidnei. Prova do acidente de trabalho: presunção legal faz prova da doença ocupacional. Revista de Previdência Social, vol. 30, p. 626-627, 2006.
Ao discorrer sobre o ônus da prova, o referido autor destacou a importância da
mudança legislativa com efeitos na prova da reparação civil:
Embora o nexo técnico epidemiológico seja dirigido à Previdência Social, a caracterização do acidente de trabalho pelo critério da presunção, repercutirá na prova do acidente de trabalho para fins de reparação de dano pelo regime da reparação civil. Uma vez admitida pela Previdência Social que a doença caracterizadora do acidente foi desencadeada pelas condições ambientais de trabalho de risco, certamente que os elementos de convicção da Previdência Social servirão como prova da efetiva ocorrência do acidente de trabalho (nexo causal) e, em algumas situações, da culpa do empregador.
Há uma tendência na jurisprudência brasileira (em que pese ainda minoritária), que, compreendendo as dificuldades de prova por parte da vítima, já vem, gradativamente, adotando critérios abertos e amplos de interpretação da ocorrência do acidente e da existência de culpa, quer para afastar a exigência da prova robusta, quer para inverter o ônus da prova. A existência de certo grau de probabilidade entre a doença e o ambiente de trabalho, segundo esse entendimento, é o suficiente para a convicção da caracterização da relação da causalidade. A capacidade de prova, por outro lado, é muito maior do empregador, pois detém todas as informações ambientais do local de trabalho (laudos periciais) e, assim, tem melhores condições de prova. A inversão do ônus da prova ganhou reforço também com a redação do art. 927, parágrafo único, do Código Civil.
A presunção da doença ocupacional permite compreender que, tanto nas ações acidentárias contra autarquia quanto nas ações reparatórias, a prova por presunção não é somente um meio admissível de prova, mas um valor jurídico fundamental. A presunção tem, neste particular, uma importante diretriz interpretativa dos fatos pelo juiz, para que o dever de reparar o acidente alcance situações antes indefinidas e ambíguas de delimitação do nexo causal. É uma nova política social de proteção afirmativa assumida pelo Estado para propiciar uma maior eficácia dos direitos sociais correlatos, promovendo assim a justiça social de caráter distributivo. A saúde do trabalhador é um bem fundamental que reclama um critério de igualdade (justiça comutativa), que esteja em harmonia com a necessária socialização do risco social dos acidentes de trabalho.
Embora a convicção do julgador nas demandas judiciais dependa do auxílio técnico da prova pericial (que é apenas um meio de prova), nas ações em que envolvam a questão da fixação do nexo causal, para que possa a perícia subsidiar o julgador no seu convencimento, devem necessariamente trazer elementos técnicos da atividade e do ambiente de trabalho que possam indicar a existência ou não de nexo técnico epidemiológico. É a partir desses elementos que o juiz terá condições de fazer uma análise da presença de nexo técnico, ou seja, da relação de presunção entre a atividade e a doença. Como a nossa legislação admite também a concausa como acidente de trabalho, o nexo causal de natureza eminentemente epidemiológica pode ainda ser fator agravador de doença preexistente. Ainda podemos lembrar que o sistema do processo civil dispensa a prova de fatos que podem ser provados por mera presunção legal (CPC, art 334, IV). Assim, evidenciado o nexo técnico não há sequer a necessidade de outra dilação probatória, pois a presunção da doença ocupacional já estaria firmada.186
186 MACHADO, Sidnei. Prova do acidente de trabalho: presunção legal faz prova da doença ocupacional. Revista de Previdência Social, vol. 30, p. 628-629, 2006.
O fato é que, uma vez estabelecido o Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário,
presume-se a culpa do empregador, que poderá desincumbir-se do ônus mediante a
apresentação de elementos convincentes ao Órgão Previdenciário. Na esfera judicial, a parte
interessada deverá juntar aos autos o processo administrativo com as razões de sua defesa.
Sobre a culpa presumida, recomenda-se a leitura de tópico especial desenvolvido nesta
pesquisa (Teoria da culpa presumida do causador do dano - presunção em favor da vítima-
inversão do ônus da prova).
Na mesma legislação que inseriu a presunção NTEP, determinou-se também a
criação do Fator Acidentário de Prevenção (FAP) por empresa, que poderá determinar a
majoração (até 6%) ou diminuição (até 0,5%) do SAT (Seguro de Acidentes do Trabalho).
Luciana Pignatari Nardy discorreu sobre o NTEP e as alterações do SAT:
O nexo técnico epidemiológico - NTEP, é, portanto, um dos critérios de concessão de benefício acidentário para aqueles segurados que estão incapacitados para o trabalho por doença estatisticamente freqüente em seu ramo econômico, independente da emissão de Comunicação de Acidente de Trabalho - CAT pela empresa. Dizemos um dos critérios por ser necessária a demonstração da existência da incapacidade temporária ou permanente do trabalhador. Fixado o nexo técnico epidemiológico - agregado à demonstração dos requisitos da lesão e da incapacidade temporária ou permanente do trabalhador - tem-se como comprovado o nexo causal, confirmando a prova do acidente de trabalho. [...] Ademais, além da presunção da doença profissional, antes de entrar em vigor o nexo técnico epidemiológico, as empresas pagavam ao INSS, a título de seguro acidente do trabalho – SAT (a nossa Constituição prevê em seu art. 7º, XXVIII o seguro contra acidentes de trabalho (SAT), de responsabilidade do empregador, uma vez que as atividades laborais podem originar ou agravar determinadas doenças) a mesma cota de 1, 2 ou 3%, de modo rígido, pelo simples fato de pertencerem a um mesmo segmento econômico, definido segundo a Classificação Nacional de Atividades Econômicas – CNAE, independentemente de terem índice de doenças ou de óbitos maiores ou menores que as suas concorrentes. Agora, baseado na maior ou menor incidência de doenças e acidentes de trabalho, o Fator Acidentário de Prevenção (FAP) irá penalizar as empresas com o aumento em até 100% (cem por cento) da alíquota do Seguro de Acidente de Trabalho (SAT) ou reduzi-la em até 50% (cinqüenta), caso os números do INSS indiquem redução nas ocorrências. O Ministério da Previdência Social publicará, anualmente, no Diário Oficial da União, sempre no mesmo mês, os índices de freqüência, gravidade e custo, por atividade econômica, e disponibilizará, na Internet, o FAP por empresa, com as informações que possibilitem a esta verificar a correção dos dados utilizados na apuração do seu desempenho.[...] Para os que defendem a implementação do nexo técnico epidemiológico, entre outros aspectos positivos, sua utilização contribuirá para a diminuição da sub-notificação de doenças relacionadas ao trabalho (que impedia, na prática, a
concessão do benefício auxílio-doença acidentário (B91), que é um direito do trabalhador, sendo que nas hipóteses de concessão apenas do costumeiro auxílio-doença previdenciário (B31), há um favorecimento ao empregador que fica autorizado a despedir o empregado, assim que este receber alta previdenciária) e, instrumentalizará o Ministério da Previdência Social, para impetrar as ações regressivas. Segundo estimativa da Organização Mundial de Saúde - OMS, na América Latina, incluindo o Brasil, apenas 1% a 4% das doenças do trabalho são notificadas. Além disso, sustentam que além das empresas estarem economizando ao investirem em prevenção, podendo diminuir a alíquota referente ao SAT, estarão contribuindo para a melhoria das condições de trabalho de seus empregados. Para os que criticam a utilização do nexo técnico epidemiológico, a presunção, por mera dedução estatística, de que o mal adquirido é necessariamente fruto da atividade desenvolvida, abre um perigoso precedente sobre as relações de trabalho, pois tal presunção ignora as pré-disposições genéticas da pessoa, o histórico familiar, etc. Sustentam, ainda, que historicamente, a adoção de mecanismos que ampliam as garantias aos trabalhadores tem o condão de se voltar contra eles mesmos a curto ou médio prazo, na medida em que o aumento de custos, encargos e obrigações na folha de pagamento determinam um ritmo cada vez maior das empresas na busca da substituição do trabalho humano pela automação. Todas estas medidas fazem parte de uma Política Nacional de Segurança e Saúde do Trabalhador, que está sendo desenvolvida de modo articulado e cooperado pelos Ministérios do Trabalho, da Previdência Social e da Saúde com vistas a garantir que o trabalho, base da organização social e direito humano fundamental, seja realizado em condições que contribuam para a melhoria da qualidade de vida, a realização pessoal e social dos trabalhadores e sem prejuízo para sua saúde, integridade física e mental. 187
O legislador tem demonstrado preocupação com os acidentes de trabalho, como se
infere da exposição de motivos quando da edição da Medida Provisória 316/2006, destacada
por Sebastião Geraldo de Oliveira188. Em que pese os argumentos contrários à inserção do
187 NARDY, Luciana Pignatari. Benefício Acidentário e o Nexo Técnico Epidemiológico. Disponível em <http://www.apriori.com.br>. Acesso em: 25 jul. 2007. 188 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 3. ed. São Paulo: LTr, 2007, p. 137: ‘7. Diante do descumprimento sistemático da regras que determinam a emissão da CAT, e da dificuldade de fiscalização por se tratar de fato individualizado, os trabalhadores acabam prejudicados nos seus direitos, em face da incorreta caracterização de seu benefício. Necessário, pois, que a Previdência Social adote um novo mecanismo que segregue os benefícios acidentários dos comuns, de forma a neutralizar os efeitos da sonegação da CAT. 8. Para entender a tal mister, e por se tratar de presunção, matéria regulada por lei e não por meio de regulamento, está-se presumindo o estabelecimento do nexo entre o trabalho e o agravo, e conseqüentemente o evento será considerado como acidentário, sempre que se verificar nexo técnico epidemiológico entre o ramo de atividade da empresa e a entidade mórbida relacionada na CID motivadora da incapacidade. 9. Essa metodologia está embasada na CID, que se encontra atualmente na 10ª Revisão. Em cada processo de solicitação de benefício por incapacidade junto à Previdência Social, consta obrigatoriamente o registro do diagnóstico (CID-10) identificador do problema de saúde que motivou a solicitação. Esse dado, que é exigido para a concessão de benefício por incapacidade laborativa, independentemente de sua natureza acidentária ou previdenciária, e cujo registro é de responsabilidade do médico que prestou o atendimento ao segurado, estabelece a relação intrínseca entre a incapacidade laboral e a entidade mórbida que a provocou. 10. Assim, denomina-se Nexo Técnico Epidemiológico a relação entre Classificação Nacional de Atividades Econômicas – CNAE e o agrupamento CID-10. É, na verdade, uma medida de associação estatística, que
regime de presunção legal, há que se ter presente que a responsabilidade da empresa não se
transformou em objetiva. Pretende a norma que a responsabilidade seja subjetiva com
inversão do ônus da prova. A medida encontra apoio na doutrina moderna sobre o ônus da
prova, principalmente no princípio da aptidão probatória. Ademais, cabe às empresas
promoverem a segurança no ambiente laboral, especialmente com a contratação de
profissionais habilitados em medicina e segurança do trabalho. Deixou de ser conveniente
para o empregador economizar na prevenção de acidentes do trabalho, pois a redução de
custos na segurança é inversamente proporcional ao aumento da alíquota do SAT. Em outra
palavras, quanto maior o investimento no meio ambiente de trabalho menor serão as alíquotas
do SAT, além de evitar reparações de natureza civil por culpa (negligência, imprudência,
imperícia).
Contudo, deve o perito do INSS evitar arbitrariedades para fixar o NTEP,
ponderando todos os fatores relevantes. A lei não determina vistoria ao local de trabalho,
conforme expressa recomendação do Conselho Federal de Medicina (Resolução nº. 1.488/98,
art. 2º). A objetividade no estabelecimento do NTEP pode acarretar prejuízos irreparáveis ao
empregador. Nada impede, porém, que o perito do INSS faça a vistoria no local de trabalho. É
sabido, porém, que o INSS não dispõe de estrutura e funcionários suficientes para visitar a
empresa sempre que houver solicitação de benefício previdenciário, circunstância que reforça
a tese de que o ônus da prova é da empresa. Para tanto, deverá manter em seus quadros
pessoal altamente qualificado em medicina e segurança do trabalho, além de toda a
documentação necessária para apresentar ao Órgão Administrativo e, num segundo momento,
servecomo um dos requisitos de causalidade entre um fator (nesse caso, pertencer a um determinado CNAE – classe) e um desfecho de saúde, mediante um agrupamento CID, como diagnóstico clínico. Por meio desse nexo, chega-se à conclusão de que pertencer a um determinado segmento econômico (CNAE – classe) constitui fator de risco para o trabalhador apresentar uma determinada patologia (agrupamento CID-10)’. Disponível em www.planalto.gov.br.
se necessário for, ao Poder Judiciário, sob pena de se presumirem verdadeiras as constatações
objetivas determinadas pela lei e ratificadas pelos peritos.
3.6 Predisposição acidentária X Discriminação
A predisposição acidentária é a tendência natural, avaliadas as condições físicas,
psíquicas e de saúde, que determinado empregado tem para desencadear a ocorrência de um
acidente de trabalho ou de uma doença ocupacional.
Existem muitos fatores relacionados ao empregado que podem ocasionar um
acidente do trabalho típico. São fatores pessoais como “deficiências físicas, psicofísicas,
mentais e nervosas, preocupações com outros problemas, insatisfação com o trabalho da
empresa e atitude contrária à segurança”189. Daí a importância de manter vigilância sobre o
empregado, não somente na condição de dirigente dos trabalhos desenvolvidos, mas também
com relação à saúde física e mental, através do necessário e periódico acompanhamento
médico.
Os fatores da predisposição para doença ocupacional são ainda mais amplos, pois
geralmente são ocultos e de difícil percepção. A predisposição é a “propensão do organismo
para contrair determinada doença”190. Para prevenir a deflagração da doença ocupacional,
deve o empregador submeter o empregado a exames médicos periódicos, conforme determina
a legislação em vigor. A avaliação clínica tem por objetivo indicar o atual estado de saúde do
trabalhador, com larga margem para apontar eventual predisposição ao desenvolvimento de
doenças ocupacionais.
189 BRANDÃO, Cláudio. Acidente do trabalho e responsabilidade civil do empregador. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 132. 190 HOUAISS, Antônio. Dicionário eletrônico da língua portuguesa. 2001. Versão 1.0. 1 CD-ROM.
A predisposição do empregado, porém, não afasta o nexo causal, pois, como regra,
todas as pessoas tem predisposição para doenças ou acidentes. Cláudio Brandão, com apoio
em outros doutrinadores, enfatizou este aspecto:
Irineu Antonio Pedrotti denomina ‘causas predisponentes’ e as entende como as circunstâncias que antecedem o aparecimento da doença ou do acidente, sustentando, com apoio em Marco Segre e Hilário Veiga de Carvalho, que todas as pessoas possuem certa predisposição para vários males, não se podendo, por isso, admitir, com base nessa causa, o afastamento do nexo.191 (sem grifo no original).
Não havendo exclusão do nexo causal, nem sendo possível eliminar a predisposição,
o empregador deve valer-se do direito potestativo como instrumento eficaz para evitar
acidentes e doenças ocupacionais.
Identificado que o empregado tem predisposição para determinado acidente ou
doença, deve o empregador, imediatamente, transferi-lo de setor. Não sendo isso possível,
pois há empresas que têm apenas um setor, ou um só empregado, estaria autorizado a
dispensá-lo, sem que isso caracterize discriminação, uma vez que o objetivo é preservar a
integridade física e moral deste trabalhador, valor supremo, se comparado com o direito ao
trabalho. Revelada a predisposição nos exames preliminares para a contratação, fica também
autorizado o empregador a não formalizar o contrato de trabalho, pois estaria colocando em
risco a própria saúde do trabalhador. Se saúde é vida, indaga-se, então, qual argumento seria
capaz de contrapor-se à atitude do empregador? Por esse motivo, não se pode confundir
discriminação com proteção à vida. A natureza das atribuições admite a distinção, mas não é
discriminação, conforme já decidiu o STF (Súmula 683).
Aliás, não se trata de opção do empregador afastar ou não trabalhadores com
predisposição acidentária ou ocupacional, mas dever indelegável, na medida em que a própria
Constituição Federal determina como obrigação do empregador a “redução dos riscos
191 BRANDÃO, Cláudio. Acidente do trabalho e responsabilidade civil do empregador. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 132.
inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança” (art. 7º, XXII,
CF/88); além disso, seria demagógico exigir-se que o empregador contrate empregado
propenso a determinado infortúnio e, ao mesmo tempo, responsabilizá-lo por eventual dano.
No entanto, se a decisão do empregador representar mero capricho ou excessiva conduta de
zelo, configurada estará a discriminação, devendo responder pela prática, nos termos do art.
7º, incisos XXX e XXXI, da CF/88 e da Lei 9.029/95. Lembre-se, ainda, que, se a propensão
puder ser elidida por mecanismos de segurança ou adaptação do local de trabalho, nada
justifica a dispensa ou não contratação de empregados.
4 RESPONSABILIDADE ACIDENTÁRIA DO EMPREGADOR: SUBJETIVA COM
INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA E OBJETIVA
“Todas as fortunas de todos os homens não valem a vida
de um só homem honrado”
(Liebmann)
Este tópico foi destinado à responsabilidade acidentária do empregador, objetiva ou
subjetiva com inversão do ônus da prova, de especial aplicação ao processo do trabalho.
Nessa esteira, examina-se a crescente flexibilização da responsabilidade subjetiva, através da
teoria da culpa presumida do causador do dano (inversão do ônus da prova), como escala
intermediária entre a responsabilidade subjetiva e objetiva; destaca-se a teoria da
responsabilidade objetiva pelo fato da coisa ou pela guarda da coisa (teoria do risco criado), a
qual, inspirada na doutrina francesa, tem suas raízes na necessidade de se amparar as vítimas
de acidentes do trabalho. Salienta-se que, na concorrência de causas, deverá ser observado o
grau de culpabilidade da vítima e do agente causador do dano; defende-se a responsabilidade
contratual em acidentes de trabalho, presumindo-se a culpa do contratante, com inversão do
ônus da prova. Para dar suporte à responsabilidade civil sem culpa, estudam-se os degraus da
responsabilidade objetiva, com enfoque na teoria do risco criado, acolhida pelo parágrafo
único do art. 927 do Código Civil, a qual admite excludentes do nexo causal (caso fortuito,
força maior, culpa exclusiva da vítima e fato de terceiro); sustenta-se a responsabilidade
objetiva em atividades perigosas, pontuando a dimensão e o alcance do que sejam atividades
de risco em atividades normalmente desenvolvidas pelo trabalhador e dos riscos inerentes e
adquiridos durante a prestação laboral; discute-se, amplamente, a possibilidade de aplicação
do parágrafo único do art. 927 do Código Civil em acidentes de trabalho, com argumentos
persuasivos de respeitados doutrinadores pela aplicabilidade da teoria do risco, pois as novas
tendências da responsabilidade civil apontam para a socialização dos riscos, ampliando ainda
mais o campo da responsabilidade objetiva. Não menos relevante é a abordagem sobre dolo e
culpa em acidente do trabalho, esta subdividida em culpa contra a legalidade (violação da
norma legal) e culpa por violação do dever geral de cautela (exige-se conduta acima do
comportamento esperado do homo medius), que determinam a inversão do ônus da prova,
com especial aplicação ao processo do trabalho.
4.1 Teoria da culpa presumida do causador do dano - presunção em favor da vítima
(inversão do ônus da prova)
Dados históricos demonstram que a responsabilidade objetiva não é inovação. Aliás,
quando abordada a incursão histórica, evidenciou-se a existência da responsabilidade objetiva
antes mesmo da responsabilidade subjetiva. A reação a um dano era revidada com outro dano,
sem perquirir eventual ausência culpa do agente agressor. Com a proibição de se fazer justiça
pelas próprias mãos, a idéia de culpa ganhou importância e a responsabilidade subjetiva
perdurou por toda a história, relegando a segundo plano a responsabilidade objetiva que,
somente na metade do século XIX, corporificou-se com mais autonomia. Carlos Roberto
Gonçalves focalizou o tema com precisão:
Primitivamente, a responsabilidade era objetiva, como acentuam os autores, referindo-se aos primeiros tempos do direito romano, mas sem que por isso se fundasse no risco, tal como o concebemos hoje. Mas tarde, e representando essa mudança uma verdadeira evolução ou progresso, abandonou-se a idéia de vingança e passou-se à pesquisa da culpa do autor do dano.
Atualmente, volta ela ao objetivismo. Não por abraçar, de novo, a idéia de vingança, mas por se entender que a culpa é insuficiente para regular todos os casos de responsabilidade.192
A evolução da teoria da responsabilidade civil vem determinando a flexibilização da
prova da culpa que, inicialmente, deveria ser cabalmente demonstrada. O primeiro passo
dessa longa evolução foi a flexibilização da prova da culpa em face à dificuldade de prová-la
em determinados casos. Os Tribunais examinaram-na com tolerância, observando as
circunstâncias em que se dava o evento. É a chamada culpa in re ipsa (culpa na coisa, culpa
presumida), quando determinado fato sofre uma presunção natural. Cita-se o exemplo do dano
moral, cuja jurisprudência consolidou o princípio de que, demonstrado o fato causador do
dano, nada mais será preciso provar, exceto a pretensão de demonstrar a extensão desse dano
para melhor quantificá-lo. Exemplifica-se, ainda, esta flexibilização com a “culpa contra a
legalidade”, quando um dever violado resulta de texto expresso de lei ou regulamento. Essa
infração à norma é suficiente para gerar a responsabilidade civil, por exemplo, o
descumprimento de normas de trânsito, desobediência a certas regras técnicas no desempenho
de profissões ou atividade regulamentadas. E, num segundo estágio desta evolução, a
admissão da culpa presumida foi o meio encontrado para favorecer a posição da vítima diante
da dificuldade por ela encontrada para provar a culpa do causador do dano em determinadas
situações, devido à resistência dos subjetivistas em aceitar a responsabilidade objetiva.193
A culpa presumida é instituto jurídico que não se confunde com a responsabilidade
subjetiva e objetiva, mas representa o meio termo, com dose subjetiva e objetiva. É subjetiva
porque mantém a culpa e objetiva porque a prova não cabe à vítima. Houve mitigação de
responsabilidades, mantendo-se subjetividade e objetividade. Sua origem está ligada ao
192 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 22. 193 DIREITO, Carlos Alberto Menezes; CAVALIERI FILHO, Sérgio. Comentários ao novo Código Civil, vol. XIII: da responsabilidade civil, das preferências e privilégios creditórios. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 5-6.
direito processual e tem fundamento no ônus da prova, cujo mérito está na inversão do ônus
da prova.
Rui Stoco, ao tratar da responsabilidade por culpa presumida, apontou a escala
intermediária do instituto:
Trata-se de uma espécie de solução transacional ou escala intermediária, em que se considera não perder a culpa a condição de suporte da responsabilidade civil, embora aí já se deparem indícios de sua degradação como elemento etiológico fundamental da reparação e aflorem fatores de consideração da vítima como centro da estrutura ressarcitória, para atentar diretamente para as condições do lesado e a necessidade de ser indenizado.194
A responsabilidade por culpa presumida também é conhecida na doutrina por
responsabilidade objetiva imprópria ou impura, para diferenciar da tradicional
responsabilidade objetiva própria ou pura. Carlos Roberto Gonçalves esclarece com a
singeleza que lhe é peculiar:
Nos casos de responsabilidade objetiva, não se exige prova de culpa do agente para que seja obrigado a reparar o dano. Em alguns, ela é presumida pela lei. Em outros é de todo prescindível, porque a responsabilidade se funda no risco (objetiva propriamente dita ou pura). Quando a culpa é presumida, inverte-se o ônus da prova. O autor da ação só precisa provar a ação ou omissão e o dano resultante da conduta do réu, porque sua culpa já é presumida. Trata-se, portanto, de classificação baseada no ônus da prova. É objetiva porque dispensa a vítima do referido ônus. Mas, como se baseia em culpa presumida, denomina-se objetiva imprópria ou impura. É o caso, por exemplo, previsto no art. 936 do Código Civil, que presume a culpa do dono do animal que venha a causar dano a outrem. Mas faculta-lhe a prova das excludentes ali mencionadas, com inversão do onus probandi. Se o réu não provar a existência de alguma excludente, será considerado culpado, pois sua culpa é presumida. Há casos em que se prescindem totalmente da prova da culpa. São as hipóteses de responsabilidade independentemente de culpa. Basta que haja relação de causalidade entre a ação e o dano.195
O simples fato de a responsabilidade por culpa presumida admitir contraprova torna
evidente não se cuidar de responsabilidade objetiva. A denominação de objetiva imprópria ou
impura não está incorreta, como também não o está se denominada fosse de subjetiva
194 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: RT, 2004, p. 149. 195 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 21-22.
imprópria ou impura. Humberto Theodoro Júnior informa que a culpa presumida não
prescinde do elemento culpa:
Não se trata de apreciar a responsabilidade como se fosse objetiva e prescindisse do elemento culpa. É justamente porque os elementos circunstanciais autorizam o reconhecimento da culpa que se acolhe, em tais casos, a responsabilidade civil do agente que se comportou fora da normalidade. Tanto não é objetiva a responsabilidade que ao demandado é possível afastar a presunção de culpa mediante contraprova no sentido de, in concreto, não ter tido responsabilidade pelo dano. A presunção de culpa cria uma inversão do ônus da prova: em lugar de ter o autor da demanda de provar a culpa do réu, este é que tem de comprovar a ausência de culpa.196
Ao discorrer sobre a teoria da culpa presumida, Alvino Lima destacou a presunção
juris tantum da culpa, reforçando a idéia de que se trata de instituto intermediário:
As presunções de culpa consagradas na lei, invertendo o ônus da prova, vieram melhorar a situação da vítima, criando-se ao seu favor uma posição privilegiada. Tratando-se, contudo, de presunção juris tantum, não nos afastamos do conceito de culpa da teoria clássica, mas apenas derrogamos um princípio dominante em matéria de prova. Tais presunções são, em geral, criadas nos casos de responsabilidades complexas, isto é, das que decorrem de fatos de outrem, ou fato das coisas inanimadas. Fixadas por lei as presunções juris tantum, o fato lesivo é considerado, em si mesmo, um fato culposo e como tal determinará a responsabilidade do autor, se este não provar a ausência de causa estranha causadora do dano, como a força maior, o caso fortuito, a culpa da própria vítima ou o fato de terceiro.197
José de Aguiar Dias vê na culpa presumida o reconhecimento da teoria objetiva pelos
defensores inflexíveis da teoria subjetiva: Não confundimos, pelo menos propositadamente, os casos de responsabilidade objetiva com os de presunção de culpa. Na realidade, como já tivemos ocasião de dizer, o expediente da presunção de culpa é, embora o não confessem os subjetivistas, mero reconhecimento da necessidade de admitir o critério objetivo. Teoricamente, porém, observa-se a distinção, motivo por que só incluímos como casos de responsabilidade objetiva os que são confessadamente filiados a esse sistema.198
Ainda que não seja objetiva a responsabilidade na presunção de culpa, é inegável o
avanço da ciência jurídica para evitar que muitos danos permaneçam irreparáveis devido à
196 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Comentários ao novo Código Civil, vol. 3, t. 2: Dos atos jurídicos lícitos. Dos atos ilícitos. Da prescrição e da decadência. Da prova. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 107. 197 LIMA, Alvino. Culpa e Risco. 2 ed., atualizada por Ovídio Rocha Barros Sandoval. São Paulo: RT, 1999, p. 72. 198 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 11. ed. revista, atualizada de acordo com o Código Civil de 2002, e aumentada por Rui Berford Dias. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 104.
sistemática inadequada aos tempos modernos dos critérios de apuração probatória exigidos na
responsabilidade subjetiva.
4.2 Teoria da responsabilidade pelo fato da coisa ou pela guarda da coisa
(responsabilidade objetiva – teoria do risco criado)
A responsabilidade pelo fato da coisa (ou pela guarda da coisa, ou pela guarda das
coisas inanimadas) teve origem ainda no Direito Romano. As pessoas, além de responderem
pelos danos por elas causados, respondem também pelos danos causados pelas coisas que
estão sob sua guarda. A impropriedade da denominação “fato da coisa” é latente, pois as
coisas, por si só, não são capazes de fatos e os danos causados a terceiros, “por intermédio de
coisas, são, realmente, conseqüência ou de falta de vigilância ou de prudência” de quem ficou
responsável pela guarda da coisa, conforme sustenta José de Aguiar Dias199. A ação humana é
quem embala a coisa, ou seja, antes do fato da coisa ou concomitante a este há o fato do
homem.
O Código Civil, contudo, não tem disposição expressa a respeito. Os art. 936, 937 e
938200 tratam de danos que decorrem de animais, ruína de edifícios e responsabilidade do
habitante, genericamente concebidos pelo Código Civil como fato da coisa. Mas não há
confundir coisas com animais, sendo imprópria a denominação fato da coisa. São mais
199 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 11. ed. revista, atualizada de acordo com o Código Civil de 2002, e aumentada por Rui Berford Dias. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p 578. 200 Art. 936, CC: “O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por este causado, se não provar culpa da vítima ou força maior”. Art. 937, CC: “O dono de edifício ou construção responde pelos danos que resultarem de sua ruína, se esta provier de falta de reparos, cuja necessidade fosse manifesta”. Art. 938, CC: “Aquele que habitar prédio, ou parte dele, responde pelo dano proveniente das coisas que dele caírem ou forem lançadas em lugar indevido”.
convincentes as expressões responsabilidade pela guarda da coisa e/ou responsabilidade
pela guarda das coisas inanimadas.
O Código Civil de 2002 deveria ter suprido a lacuna. Não o fazendo, coube à
jurisprudência e à doutrina estabelecerem critérios para indenizações da espécie, pois seria
“ilógico, ademais, responsabilizar o proprietário do animal e do imóvel e não responsabilizar,
em medida igual, o proprietário das demais coisas”.201
A justificativa protecionista para os danos causados pelas coisas, quando há
negligência ou imprudência do responsável pela guarda, pode ser extraída da lição de Sergio
Cavalieri Filho:
A vida moderna colocou à nossa disposição um grande número de coisas que nos trazem comodidade, conforto e bem-estar mas que, por serem perigosas, são capazes de acarretar danos aos outros. Superiores razões de política social impõem-nos, então, o dever jurídico de vigilância e cuidado das coisas que usamos, sob pena de sermos obrigados a reparar o dano por elas produzido. É o que se convencionou chamar de responsabilidade pelo fato das coisas – ou, como preferem outros, responsabilidade pela guarda das coisas inanimadas. 202
As dificuldades processuais impostas à vítima, em especial quanto ao ônus
probatório, levaram ao desenvolvimento da teoria da responsabilidade pelo fato da coisa (ou
teoria da guarda). Os doutrinadores brasileiros foram buscar inspiração na jurisprudência
francesa. O art. 1.384 do Código de Napoleão estabelecia que “Cada um é responsável não só
pelo prejuízo que causa pelo seu próprio ato, mas também pelo que é causado pelas pessoas
por quem deve responder ou das coisas de que tem a guarda”. O mencionado dispositivo,
porém, não apresentava solução adequada às vítimas que precisavam comprovar suas
alegações.
Para dar efetividade ao direito, a jurisprudência francesa utilizou-se, basicamente, de
dois critérios, mencionados pela doutrina:
201 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 11. ed. revista, atualizada de acordo com o Código Civil de 2002, e aumentada por Rui Berford Dias. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 586. 202 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 221.
a) maior rigor na apreciação dos deveres do patrão, de forma a considerá-lo em falta desde que não houvesse tomado todas as precauções capazes de evitar os acidentes conseqüentes do trabalho; b) concepção de uma teoria de responsabilidade pelo fato das coisas, inspirada, principalmente, na consideração de que a maioria dos acidentes derivava da ação da máquina ou instrumento do trabalho. Essa teoria, nascida da necessidade de proporcionar reparação eqüitativa ao operário vítima da execução do seu trabalho, iria, contudo, exorbitar de seus primitivos limites, para se transformar em responsabilidade geral pelo fato da coisa.203
Formava-se, assim, a idéia de responsabilidade objetiva, ante a necessidade de
reparação dos acidentes de trabalho, os quais oneravam o trabalhador, processualmente
injustiçado pelo ônus que lhe incumbia de responsabilizar o empregador, fundado na teoria da
responsabilidade por culpa.
Luiz Fernando Coelho, destacou a vulnerabilidade da teoria subjetiva na sociedade
moderna:
A falta de sintonia entre a teoria subjetiva e o desenvolvimento da sociedade fez com que a doutrina e a jurisprudência admitissem a responsabilidade objetiva, pois a responsabilidade civil baseada na prova da culpa não oferecia resposta satisfatória para a solução de inúmeras demandas. Em muitas situações, a teoria da culpa mostrava-se inadequada para fundamentar a obrigação de reparar. Havia casos em que a aferição das provas constantes nos autos não eram convincentes quanto à culpa, muito embora se admitisse que a vítima teria sido realmente lesada e que existia supremacia econômica e organizacional dos agentes causadores do dano. Diante da exigência da prova do erro de conduta do agente, imposta à vítima, esta ficava sem a devida reparação em inúmeros casos. Em face dessa situação, desenvolveu-se a doutrina no sentido da extensão da responsabilidade, estruturando-se a teoria da responsabilidade sem culpa. Partindo desse ponto, surge a ‘teoria da responsabilidade objetiva’ ou ‘teoria do risco’, pela qual não há que se fazer prova da culpa, mas apenas do nexo de causalidade e do dano [...]. 204
Rui Stoco, citando Savatier e Josserand, relatou a preocupação da doutrina em
distribuir com eqüidade o onus probandi, atribuindo-se ao empregador o dever de guarda das
máquinas e, conseqüentemente, o dever de indenizar eventual dano causado ao trabalhador:
203 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 11. ed. revista, atualizada de acordo com o Código Civil de 2002, e aumentada por Rui Berford Dias. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 586-587. 204 COELHO, Luiz Fernando. Aulas de introdução ao direito. Barueri, SP: Manole, 2004, p. 227.
Invoca comentário de Savatier quando expunha: ‘Autores como Josserand, preocupados com o problema da eqüidade levantado pela reparação dos acidentes do trabalho, tiveram a idéia de utilizar o art. 1.384 (do Código de Napoleão) para tornar sistematicamente o dono de uma coisa inanimada responsável pelos danos por esta causados. Embora seja certo que o sentido dos textos deva evoluir com a vida do direito e as novas necessidades sociais, a fórmula utilizada se prestava muito mal ao resultado procurado: não era, realmente, o dono da coisa que ela tornava responsável pelo dano por esta produzido, mas aquele que tivesse a guarda da coisa’. ‘Ora, o fim perseguido pelos intérpretes do (referido) art. 1.384 (da legislação alienígena) fora fazer o patrão responsável pelos acidentes causados por suas máquinas, mas o texto levava a atribuir a responsabilidade ao operário encarregado de manejar essas máquinas, visto ser este o verdadeiro guardião delas. Tornou-se necessário, portanto, considerar que o ‘guardião’ não era o ‘operador’, mas o ‘dono da máquina’ (Cours de droit civil, t. 2, n. 301, p. 149)205
Identificar o guardião da coisa é fundamental para caracterizar a responsabilidade
oriunda deste instituto, pois “a aplicação das regras pertinentes à responsabilidade pela guarda
da coisa – repetimos – só terá lugar quando não houver prova da participação direta do guarda
da coisa do evento danoso”206. Havendo prova de participação direta do guardião da coisa ou
de terceiro pode ficar configurada qualquer outra responsabilidade, mas jamais pela guarda da
coisa. Parafraseando Serpa Lopes, Maria Helena Diniz esclarece que “deverá haver, pelo
menos, um vínculo entre o prejuízo ocasionado pela coisa e o comportamento comissivo ou
omissivo do seu titular, que deverá ser o autor indireto do referido evento danoso”.207
Um acidente pode gerar diversas fontes de responsabilidade, porém, somente uma
análise apurada sobre os sujeitos e objetos (coisas) dessa relação irá identificar a espécie de
responsabilidade. Nesse sentido, a distinção elucidativa de Sergio Cavalieri Filho com
exemplos pertinentes:
Uma observação, entretanto, deve ser feita desde logo, para afastar confusão constantemente verificada. Não há falar em responsabilidade pelo fato da coisa quando o dano decorre da conduta direta do agente ou do seu preposto. Assim, se a vítima é atropelada quando o proprietário do veículo se encontrava ao volante, caso será de responsabilidade aquiliana por fato próprio; se o veículo era dirigido por um
205 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: RT, 2004, p. 934. 206 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 222. 207 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 17. ed. aum. e atual. vol. 7. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 481.
preposto seu, haverá responsabilidade por fato de terceiro; se a vítima viajava com passageiro do veículo, teremos a responsabilidade contratual, e assim por diante.
Só se deve falar em responsabilidade pelo fato da coisa quando ela dá causa ao evento sem a conduta direta do dono ou de seu preposto – como, por exemplo, a explosão de um transformador de energia elétrica; o elevador que, por mau funcionamento, abre a porta indevidamente acarretando a precipitação da vítima no vazio; a escada rolante que prende a mão ou pé de uma criança; o automóvel abandonado na via pública sem sinalização ou sem estar devidamente travado.208
A doutrina acrescenta outros exemplos como o rompimento de um fio elétrico de alta
tensão, a explosão de caldeira, o desprendimento do aro da roda de um veículo, explosão em
shopping center, queda de placa de propaganda, queda de árvore, queda de carga transportada
em carreta, queda de painel de publicidade, queda de ponte, etc.209 Quando tais fatos causam
dano, há que se verificar a responsabilidade do guardião dessas coisas.
Definir responsabilidade pela guarda da coisa e caracterizá-la em evento danoso é
tarefa árdua. O ponto de partida, no entanto, e de fundamental importância, é identificar o
guardião, conforme destacado. A explicar com precisão o alcance da palavra guardião, cita-se
a pontualidade de Sergio Cavalieri Filho, com fundamento na doutrina de Caio Mário:
Estabeleceu-se depois que para alguém ser considerado guardião, mais do que mera detenção da coisa, terá que ter poder de comando sobre ela. É por isso que o preposto não pode ser considerado guarda da coisa, posto que, embora tenha sua detenção material, a conduz sob as ordens ou direção do preponente. Chegou-se, por esses caminhos, à noção de guarda intelectual como sendo a que mais atende ao conceito. Guarda é aquele que tem a direção intelectual da coisa, que se define como poder de dar ordens, poder de comando, esteja ou não em contato material com ela (Caio Mário da Silva Pereira). Guardar a coisa implica, em última instância, a obrigação de impedir que ela escape ao controle humano. Para estabelecer a responsabilidade pelo fato da coisa, portanto, cumpre apurar quem tinha o efetivo poder de comando ou direção sobre ela no momento em que provocou o dano – e não, simplesmente, quem a detinha.210 (sem grifo no original).
208 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 222. 209 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 233-234. 210 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 223-224.
A guarda material da coisa não implica reconhecimento de que se tratava do
verdadeiro guardião. Por isso, há uma presunção, ainda que relativa, de que o proprietário é o
guardião da coisa, pois possui a guarda jurídica. Essa presunção poderá ser elidida se o
proprietário provar a transferência da coisa, inclusive o poder de direção que lhe incumbia.
Pouco importa a que título foi transferida a coisa (locação, comodato, depósito, furto, etc.).
Não se perquire, inclusive, sobre a licitude ou não da transferência. No caso de furto,
obviamente, verificar-se-á a negligência ou não do proprietário.
A responsabilidade por culpa presumida do proprietário é sugerida por Mazeaud et
Mazeaud, transcrito por José de Aguiar Dias:
Então, cumpre estabelecer a quem incumbe essa obrigação de guarda. Em regra, será o proprietário. Mas é pouco satisfatório e não proporciona solução adequada a definição que limite a ele só o quadro dos responsáveis. A fórmula geral vem ainda de Mazeaud et Mazeaud: ‘A lei não pode atribuir a obrigação de guarda senão àqueles que estão em condições de desempenhá-la, como capazes de impedir que a coisa escape ao seu controle. Eis por que a guarda, o responsável, é aquele que tem sobre a coisa um direito de direção; este poder jurídico lhe permite, e somente a ele, exercer ou fazer exercer por outrem a guarda material da coisa; somente ele é capaz de praticar a falta na guarda’. 211
Identificado o dano, a vítima e o guardião responsável, resta apurar em quais das
espécies de responsabilidade haverá o enquadramento: na responsabilidade objetiva ou na
responsabilidade por culpa presumida.
Ante a falta de legislação específica, há quem defenda a aplicação analógica dos art.
936, 937 e 938 do Código Civil na responsabilidade pela guarda da coisa. Para os defensores
da aplicação analógica, não pairam dúvidas de que os artigos mencionados contemplam a
responsabilidade objetiva, e o tratamento dispensado ao proprietário de animais e de edifícios
não deve ser diferente do tratamento conferido para os guardiões das coisas. O dever de
indenizar pela responsabilidade de guarda da coisa independe de culpa e a exoneração fica
restrita às hipóteses de exclusão do próprio nexo causal (caso fortuito, força maior, culpa
211 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 11. ed. revista, atualizada de acordo com o Código Civil de 2002, e aumentada por Rui Berford Dias. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 581.
exclusiva da vítima e fato de terceiro). Trata-se, portanto, de responsabilidade objetiva pela
guarda da coisa212. A barreira a esta teoria encontra-se no fato de que a responsabilidade
objetiva deve vir expressamente prevista em lei (não há norma específica de responsabilidade
pelo fato da coisa), pois trata-se de exceção.
Sergio Cavalhieri Filho, estudando os dutrinadores franceses (Mazeaud et Mazeaud),
observou que os mesmos chegaram à conclusão de que a responsabilidade pela guarda da
coisa só seria exonerada com alegação de caso fortuito ou culpa exclusiva da vítima, ou seja,
em via transversa acolheram a responsabilidade objetiva com fundamento na teoria do risco
criado.213
Doutrinadores outros, como José de Aguiar Dias, defendem que se deve recorrer,
nessa hipótese, à regra geral de responsabilidade civil, prevista no art. 186 do Código Civil214.
Contudo, como se verá abaixo, este mesmo autor defende a teoria do risco na
responsabilidade pela guarda da coisa (art. 927, parágrafo único, do Código Civil).
A responsabilidade decorrente do exercício de atividades perigosas desdobrou-se,
possuindo sentido dinâmico e estático. Carlos Roberto Gonçalves relata que “tem a doutrina
anotado, dentro da teoria do risco, uma responsabilidade decorrente do exercício de atividade
perigosa, tomada em sentido dinâmico, relativa à utilização de diferentes veículos, máquinas,
objetos e utensílios; e outra responsabilidade, de cunho estático dos bens, que se incluem na
responsabilidade pelo fato das coisas”.215
José de Aguiar Dias faz relação entre responsabilidade pelo guarda da coisa
inanimada com o art. 927, parágrafo único do Código Civil, e sustenta que o dever de
212 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 228-229. 213 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 228. 214 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 11. ed. revista, atualizada de acordo com o Código Civil de 2002, e aumentada por Rui Berford Dias. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 586. 215 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 253.
guardião não se limita a uma noção comum de vigiar, pois o risco criado deve ser assumido
pelo seu criador, cooptando a teoria do risco:
A noção de guarda da coisa, em que repousa a responsabilidade pelos danos em cujo evento intervém a coisa como instrumento não pode ser a noção comum de obrigação de vigiar. Ripert esclarece bem a questão, ao observar que se deve tomá-la como noção nova, criada para definir uma obrigação legal que pesa sobre o possuidor, em razão da detenção da coisa: ‘Se qualificamos uma pessoa de guarda, é para a encarregar de um risco’. Assim, o responsável é, no caso, a pessoa que assume o risco criado pela coisa que tem a seu serviço, por ou para sua recreação. É, nem mais nem menos, a adoção da teoria do risco, que as legislações, em princípio, não acolhem. Em face das dificuldades crescentes encontradas na aplicação do mero critério da culpa, esse é mais um expediente semelhante aos da presunção da culpa e da ampliação do domínio da responsabilidade contratual. 216
Ocorre, porém, que, a princípio, a responsabilidade objetiva deve estar prevista em
lei. Como não há lei regulando a matéria, surgem entendimentos de que o fato dependerá de
prova. Na ausência de norma expressa tem-se entendido pela presunção de culpa (inversão do
ônus da prova). O atualizador da obra “Da responsabilidade Civil”, de José de Aguiar Dias,
fez constar ressalva em nota de rodapé, discordando do referido autor, por entender
inaplicável a teoria do risco na responsabilidade pela guarda da coisa, pois sustenta que é caso
de culpa presumida.217
Entretanto, Rui Stoco assevera que é praticamente pacífico “o entendimento de que a
teoria da responsabilidade na guarda da coisa consagra inteiramente o princípio da
responsabilidade objetiva”218. Trata-se de presunção juris et de jure, que não admite prova em
contrário, mas o dono da coisa poderá alegar culpa da vítima ou caso fortuito para elidir sua
responsabilidade.
216 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 11. ed. revista, atualizada de acordo com o Código Civil de 2002, e aumentada por Rui Berford Dias. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 580. 217 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 11. ed. revista, atualizada de acordo com o Código Civil de 2002, e aumentada por Rui Berford Dias. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 589. 218 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: RT, 2004, p. 935.
Não se pode deixar de transcrever os ensinamentos de José de Aguiar Dias. Após
abordar aspectos relevantes da doutrina e jurisprudência francesa em prol da teoria do risco no
exercício de atividades perigosas, fez a seguinte observação:
Ora, esse esforço doutrinário visava especialmente aos acidentes do trabalho e, com relação a eles, na França, em 1898 e, a seguir, nos outros países, a legislação interveio, consagrando proteção especial ao operário [...]. Se o Código Civil francês admitiu a solução, nenhuma dúvida pode existir de que ela tem cabimento também em nosso direito, que se inspirou naquele, no tocante à definição e fundamentação da responsabilidade civil. Nem devem impressionar as manifestações, de inspiração capitalística, no sentido de que reconhecer a presunção contra o dono da coisa geradora de perigo e, principalmente, a responsabilidade objetiva das empresas de transporte, importa em desequilibrar a sua economia e prejudicar, por via indireta, o serviço público. Às objeções desse teor respondeu magistralmente o sábio Pedro Lessa, acentuando que os desastres produzidos não se repetem com tanta freqüência (e se se repetem, evidenciam má execução dos serviços), sobretudo em face do corretivo das ações de indenização, que tornam os prepostos mais atentos e os patrões mais vigilantes sobre o serviço. Mas, que sucedesse o contrário. Nem assim se poderia deixar, ainda em face da total absorção dos lucros e do desfalque do patrimônio das empresas, de conceder nos mesmos termos a sua responsabilidade, porque ‘todas as fortunas de todos os homens não valem a vida de um só homem honrado’ 219 (de acordo com o autor a frase em itálico é de Liebmann).
Tem-se, assim, a teoria do risco e a teoria da guarda da coisa, que deságuam na
responsabilidade objetiva. Além disso, a responsabilidade pela culpa presumida com inversão
do ônus da prova. Prevalece, contudo, que a responsabilidade pela guarda da coisa é objetiva,
com fundamento na teoria do risco criado.
Por derradeiro, uma importante observação, a título de homenagem e
reconhecimento ao grande jurista brasileiro Teixeira de Freitas.
Muitos doutrinadores buscam no direito comparado fundamentos para as teorias que
pretendem defender. A inspiração na responsabilidade pelo fato das coisas é creditada à
doutrina francesa; porém, o brasileiro Teixeira de Freitas foi o grande precursor desta
responsabilidade, antes mesmo de os franceses criarem leis e jurisprudências a respeito.
219 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 11. ed. revista, atualizada de acordo com o Código Civil de 2002, e aumentada por Rui Berford Dias. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p 587-588.
Augusto Teixeira de Freitas, mundialmente conhecido e estudado, inclusive na atualidade,
não tem o devido reconhecimento na casa onde nasceu. Sergio Cavalieri Filho não hesitou em
registrar a passagem deste brilhante jurista, que merece ser homenageado:
Foi pioneira nesta questão a jurisprudência francesa com base na 1ª alínea do art.1.384 do Código Napoleônico, que reza: ‘Cada um é responsável não só pelo prejuízo que causa pelo seu próprio ato, mas também pelo que é causado pelas pessoas por quem deve responder ou das coisas de que tem guarda’. A expressão grifada - ou das coisas de que tem a guarda -, a que jamais tinha sido atribuído pela doutrina e jurisprudência francesas um tamanho alcance, passou a ser a inspiradora de uma nova jurisprudência, que acabou sendo acolhida por muitos países. No Brasil – Justiça seja feita -, o genial Teixeira de Freitas, sem dúvida um dos maiores dos nossos juristas, antecipou-se aos franceses na formulação da teoria. No art. 3.690 do seu Esboço, subordinado ao titulo ‘Do Dano Causado pelas Coisas Inanimadas’, firmou, com extraordinária clarividência: ‘Quando de qualquer coisa inanimada resultar dano a alguém, seu dono responderá pela indenização, a não provar que de sua parte não houve culpa’. Tendo em vista que o Esboço data de 1865, é de se concluir que, antes de Laurent e Josserand aludirem à responsabilidade pelo fato da coisa, Teixeira de Freitas já havia concebido uma presunção de culpa em relação ao proprietário de ‘qualquer coisa inanimada’. Infelizmente, as concepções desse genial Jurista estavam muito avançadas para a sua época, o que não permitiu que elas fossem devidamente aproveitadas. Somente muito tempo depois, a doutrina brasileira veio a acolher com entusiasmo essa nova concepção de responsabilidade, engendrada pela jurisprudência francesa.220
Feita esta observação, de caráter apenas informativo, conclui-se este tópico para
reafirmar entendimento de que a responsabilidade pela guarda da coisa é objetiva, com
fundamento na teoria do risco criado.
4.3 Culpa concorrente - concorrência de causas. Ao abordar a culpa exclusiva da vítima, teceram-se alguns comentários sobre a culpa
concorrente, uma vez que interligadas.
220 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 221-226.
O art. 945 do Código Civil estabelece que “Se a vítima tiver concorrido
culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a
gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano”. É hipótese de culpa
concorrente
Há culpa concorrente quando, “paralelamente à conduta do agente causador do dono,
há também conduta culposa da vítima, de modo que o evento danoso decorre do
comportamento culposo de ambos. A doutrina atual tem preferido falar, em lugar de
concorrência de culpas, em concorrência de causas ou de responsabilidade [...]”.221
Na culpa concorrente, os prejuízos, após apurados, deverão ser suportados pelas
partes, proporcionalmente ao grau de culpa. Para Rui Stoco, “da idéia da culpa exclusiva da
vítima, que quebra um dos elos que conduzem à responsabilidade do agente (o nexo causal),
chega-se à concorrência de culpa, que se configura quando a essa vítima, sem ter sido a única
causadora do dano, concorreu para o resultado [...]”.222
Sergio Cavalieri Filho demonstrou a necessidade de se mensurar a culpa de cada um
com cautela:
Havendo culpa concorrente, a doutrina e a jurisprudência recomendam dividir a indenização, não necessariamente pela metade, como querem alguns, mas proporcionalmente ao grau de culpabilidade de cada um dos envolvidos. Esta é a lição de Cunha Gonçalves, citada por Silvio Rodrigues: ‘A melhor doutrina é a que propõe a partilha dos prejuízos: em partes iguais, se forem iguais as culpas ou não for possível provar o grau de culpabilidade de cada um dos co-autores; em partes proporcionais aos graus de culpas, quando estas forem desiguais. Note-se que a gravidade da culpa deve ser apreciada objetivamente, isto é, segundo o grau de causalidade do acto de cada um [...]’.223
O critério, além de justo, foi contemplado no art. 945 do Código Civil, acima
exposto. O grau de culpa deverá ser observado e a indenização será reduzida pela metade “se
221 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 66. 222 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: RT, 2004, p. 177. 223 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p.68.
a culpa da vítima corresponder a uma parcela de 50%, como também poderá ser reduzida de
1/4, 2/5, dependendo de cada caso”. 224
Há casos, todavia, que, reconhecida a culpa de ambas as partes, a proporção ou o
grau de culpa de cada uma mostra-se de difícil equalização. Recomenda-se, assim, que os
prejuízos, em tal hipótese, sejam repartidos, à razão de 50%. 225
Além disso, a concorrência de culpas somente deverá ser admitida “em casos
excepcionais, quando não se cogita de preponderância causal manifesta e provada da conduta
do agente”226. Podem existir culpas que excluem outras culpas menos relevantes. Nesse caso,
a culpa grave absorve a culpa leve e não há que se falar em culpa concorrente; tal ocorrência
será detectada quando a culpa mais grave for decisiva para o evento. Frise-se, ainda, que
somente a culpa exclusiva da vítima poderá romper o nexo causal e, por conseguinte, eliminar
o dever de indenizar. A concorrência de culpas é indenizável na medida da culpabilidade de
cada um.
Conclui-se, assim, que, sendo exclusiva a culpa da vítima, mas concorrendo esta para
o evento danoso (culpa concorrente), responderá na proporcionalidade de sua culpa, exceto
quando não for possível estabelecer o grau de culpabilidade, quando, então, haverá divisão
dos prejuízos em partes iguais.
4.4 Responsabilidade contratual e extracontratual (aquiliana) em acidentes do trabalho
No sistema jurídico brasileiro, percebe-se nítida divisão da responsabilidade civil em
contratual e extracontratual. A responsabilidade contratual tem como origem o próprio
224 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 717. 225 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 11. ed. revista, atualizada de acordo com o Código Civil de 2002, e aumentada por Rui Berford Dias. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 945. 226 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p.84.
contrato entabulado pelas partes. Os deveres decorrentes da relação negocial, quando não
adimplidos, ensejam o dever de indenizar pelo contratante que faltou com o dever jurídico.
Quando há violação do dever jurídico fora dos contratos, quer da lei, quer da ordem jurídica,
a responsabilidade é extracontratual ou aquiliana. A responsabilidade contratual encontra
amparo nos arts. 389 e s. e 395 e s. do Código Civil, enquanto a responsabilidade
extracontratual, a princípio, pode ser constatada nos arts. 186 a 188 e 927 a 954 do mesmo
Código. Sergio Cavalieri Filho sintetizou o conceito das duas responsabilidades:
Em suma: tanto na responsabilidade extracontratual como na contratual há a violação de um dever de jurídico preexistente. A distinção está na sede desse dever. Haverá responsabilidade contratual quando o dever jurídico violado (inadimplemento ou ilícito contratual) estiver previsto no contrato. A norma convencional já define o comportamento dos contratantes e o dever específico a cuja observância ficam adstritos. E como o contrato estabelece um vínculo jurídico entre os contratantes, costuma-se também dizer que na responsabilidade contratual já há uma relação jurídica preexistente entre as partes (relação jurídica, e não dever jurídico, preexistente, porque este sempre se faz presente em qualquer espécie de responsabilidade). Haverá, por seu turno, responsabilidade extracontratual se o dever jurídico violado não estiver previsto no contrato, mas sim na lei ou na ordem jurídica.227
O referido autor argumenta que a divisão não é estanque, pois muitas regras previstas
no Código Civil para a responsabilidade contratual (arts. 393, 402 e 403) aplicam-se à
responsabilidade extracontratual. Essa interação entre as duas responsabilidades dá suporte
aos adeptos da teoria monista ou unitária, que não admitem a dicotomia, já que os efeitos
jurídicos decorrentes na inadimplência de ambas as responsabilidades são uniformes.228
A uniformidade de efeitos diz respeito ao dever de indenizar, pois conclusões outras
podem ser extraídas dessa divisão. Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho
destacaram a existência de três elementos diferenciadores: necessária preexistência de uma
relação jurídica; ônus da prova quanto à culpa e capacidade da parte.229
227 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 38. 228 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 39. 229 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 19-20.
O primeiro refere-se à necessária preexistência de uma relação jurídica entre o
lesionado e o lesionante. Na responsabilidade contratual, a vítima e o autor do dano já estão
ligados por uma relação negocial e a culpa contratual decorre do inadimplemento deste objeto
contratual, enquanto na responsabilidade extracontratual o vínculo anterior não existe, mas há
um dever geral de não causar dano a ninguém.
O segundo elemento diferenciador, e talvez o mais importante, refere-se ao ônus da
prova quanto à culpa. Na responsabilidade contratual, como regra, presume-se a culpa, com
inversão do ônus da prova. O devedor deverá provar que não agiu com culpa ou que está ao
abrigo de uma das excludentes de responsabilidade (caso fortuito, força maior, culpa
exclusiva da vítima, fato de terceiro); a vítima comprovará apenas que a obrigação não foi
cumprida. Na responsabilidade extracontratual, cabe à vítima provar a culpa do autor do dano.
O elevado encargo atribuído de forma objetiva à vitima, contribuiu para deixar muitos danos
sem a devida reparação; assim, as dificuldades enfrentadas para demonstrar a culpa do agente
causador do dano proporcionaram a evolução doutrinária da responsabilidade contratual,
cuidando a lei de ampliar o rol que prevê esta espécie de responsabilidade.
O último elemento é a diferença quanto à capacidade, pois o menor púbere não se
vincula ao contrato, exceto quando assistido por seu representante legal ou quando declarou-
se, maliciosamente, maior (art. 180 CC). Contratos dessa natureza são nulos e eventuais danos
não serão suportados pelo menor. Na responsabilidade extracontratual, o ato do incapaz
ficará sujeito à reparação e os danos serão suportados por quem detém a guarda legal.
Portanto, a capacidade jurídica na responsabilidade contratual é mais restrita do que na
responsabilidade derivada de atos ilícitos.
Carlos Roberto Gonçalves aponta ainda um outro elemento de diferenciação: a
gradação da culpa. Segundo o autor, em regra, a responsabilidade contratual (art. 389 e art.
392) ou extracontratual (art. 186) funda-se na culpa; porém, enquanto na responsabilidade
delitual (extracontratual) a apuração dos fatos é mais rigorosa, na responsabilidade contratual,
a culpa obedece a certo escalonamento, a depender do caso.230
Não há dúvidas, assim, que o dever de indenizar deve estar, salvo expressas
exceções, fundado na culpa. Na responsabilidade contratual “deixando de lado a questão da
responsabilidade sem culpa, ou seja, a responsabilidade objetiva (RT, 448:114), não se deve
olvidar que, em regra, a responsabilidade contratual se funda na ocorrência de dolo ou
culpa”.231
A mesma autora, ao tratar da responsabilidade extracontratual, disse que esta, “em
regra, funda-se na culpa [...]. Mas poderá abranger ainda a responsabilidade sem culpa,
baseada na idéia de risco (CC, art. 927, parágrafo único). Duas são as modalidades de
responsabilidade civil extracontratual quanto ao fundamento: a subjetiva, se fundada na culpa,
e a objetiva, se ligada ao risco”.232
Considerando os aspectos norteadores da presente pesquisa, indaga-se se a
responsabilidade civil em acidentes do trabalho é contratual ou extracontratual. Para Rui
Stoco, a responsabilidade é extracontratual, com fundamento imediato no art. 7º, XXVII da
Constituição Federal e mediato no art. 186 do Código Civil. Argumenta o autor que “não se
trata de responsabilidade contratual, pois o ato ilícito não pode ser objeto de avença ou de
acordo de vontades”.233
No mesmo sentido, Sebastião Geraldo de Oliveira diz:
A indenização por acidente do trabalho ou doença ocupacional, em princípio, enquadra-se como responsabilidade extracontratual porque decorre de algum ato ilícito do empregador, por violação dos deveres previstos nas normas gerais de proteção ao trabalhador e ao meio ambiente do trabalho. Essa responsabilidade não
230 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 29. 231 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 17. ed. aum. e atual. vol. 7. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 211. 232 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 17. ed. aum. e atual. vol. 7. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 459. 233 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: RT, 2004, p. 603.
tem natureza contratual porque não há cláusula do contrato de trabalho prevendo a garantia de integridade psicobiofísica do empregado.234
Em oposição ao argumento de Rui Stoco, há que se afirmar que o fundamento não
serve às razões expostas, pois o referido autor desconsiderou que no contrato de trabalho são
inúmeras as cláusulas implícitas, igualmente importantes, conforme se fará discorrer.
José Cairo Júnior defende que a existência de um contrato de trabalho é suficiente
para que a responsabilidade seja contratual, pois há uma cláusula de incolumidade implícita
no contrato de trabalho. Realizado o contrato, a principal obrigação do empregador é pagar os
salários ajustados e a do empregado consiste em prestar serviços. Além dessas obrigações, o
pacto laboral é constituído por outras cláusulas de natureza acessória, que podem ter origem
na lei, nas convenções coletivas, acordos coletivos, sentenças normativas ou pelo contrato.
Exige-se, apenas, que as cláusulas contratuais não contrariem os princípios fundamentais do
Direito do Trabalho. O referido autor sustenta que “dentre as cláusulas acessórias, existe uma
implícita, mas importante, que impõe ao empregador o dever de proporcionar segurança,
higiene e saúde para os seus empregados, também denominada obrigação de custódia, dever
de segurança ou cláusula de incolumidade”. 235
O contrato de trabalho é um contrato realidade, e não requer formalidade alguma
para ser pactuado (art. 443 da CLT). A lei, de forma imperativa, estabelece as condições
mínimas que devem ser respeitadas pelo empregador. Salvo raríssimas exceções, geralmente
já previstas em lei, admitem-se renúncia ou transação de direitos trabalhistas. Pode-se afirmar,
como regra, que existem mais cláusulas contratuais trabalhistas implícitas do que explícitas.
Ademais, seria inócuo transcrever no contrato de trabalho direitos previstos em lei, que não
234 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 88. 235 CAIRO JÚNIOR, José. O acidente do trabalho e a responsabilidade civil do empregador. 3. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 76.
podem ser renunciados e nem transacionados. Por outro lado, seria nula toda e qualquer
cláusula contratual trabalhista prevendo, de forma explícita, renúncia a direitos.
O art. 7º, XXII, da Constituição Federal tem a seguinte redação: “São direitos dos
trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
[...] XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde,
higiene e segurança”. A determinação, para ser cumprida, por óbvio, não necessita ser
acordada entre as partes, pois é inerente à execução do contrato de trabalho, como também o é
o direito ao aviso-prévio, ao décimo terceiro, às férias, ao FGTS, etc. Se a violação desses
direitos trabalhistas é uma violação contratual, não há razão para considerar extracontratual a
violação à integridade física desse mesmo trabalhador, no exercício de suas atividades. São
inúmeras as normas relativas à medicina e segurança no trabalho que devem ser fielmente
cumpridas pelo empregador.
José Cairo Júnior, após análise pormenorizada do assunto, não hesitou em defender a
natureza contratual do pacto laboral:
Analisadas todas as premissas supramencionadas, como a cláusula de incolumidade implícita no contrato de trabalho, a questão do conteúdo mínimo legal do pacto laboral, formado por cláusulas determinadoras da obrigação de segurança, os fatores criados ou potencializados pelo empregador, que aumentam o risco do acidente do trabalho, forçoso concluir que a responsabilidade civil decorrente do acidente do trabalho é de natureza contratual. A própria existência de um liame prévio serve para corroborar a assertiva em relação à contratualidade da responsabilidade civil. As disposições legais específicas e imperativas, que se transmudam em cláusulas contratuais, determinando ao empregador adotar medidas de prevenção contra acidentes no trabalho, também reforçam a tese da responsabilidade civil contratual.236
Afirmou, ainda, que a “a causa remota do acidente é a existência do contrato de
trabalho com todas as suas cláusulas legais, convencionais, implícitas e explícitas. A causa
236 CAIRO JÚNIOR, José. O acidente do trabalho e a responsabilidade civil do empregador. 3. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 93.
próxima é o evento danoso, decorrente da omissão do empregador em não adotar as medidas
preventivas relativas à segurança, medicina e higiene do trabalho”.237
José de Aguiar Dias, ao escrever sobre as influências que concorrem na
caracterização da responsabilidade contratual, foi claro e preciso ao afirmar que as normas
imperativas são incorporadas ao contrato. Com este argumento, o referido autor rechaçou a
idéia de considerar extracontratual a responsabilidade pelo descumprimento dessas normas:
Assim como dispõe supletivamente, prevenindo a omissão das partes, caso em que, naturalmente, só se aplica na falta de disposição contratual, a lei pode impor normas imperativas, a respeito das quais não há possibilidade de cláusula em contrário. Dir-se-ia que a responsabilidade, no caso, é delitual, porque não está no contrato, e, sim, na lei, a regra violada. Mas erradamente, porque o princípio assim imposto se incorpora ao contrato como condição obrigatória. De tal forma que a estipulação que a excluísse seria nula, o que positiva o seu caráter de norma regulamentadora. E, como exatamente se faz notar, seria estranho que o legislador, incluindo imperativamente a norma no contrato, do mesmo passo a retirasse para o domínio da responsabilidade extracontratual.238 (sem grifo no original).
Não se justifica, realmente, que os direitos trabalhistas decorrentes de normas
cogentes sejam considerados contratuais, enquanto os direitos decorrentes de acidentes do
trabalho recebam tratamento diferenciado, pois “o acidente que provoca dano ao empregado
não pode ser considerado, à luz da doutrina da responsabilidade civil, como um ato ilícito
stricto sensu, mas sim como efeito do não-cumprimento de obrigações contratuais
específicas”. 239
O doutrinador trabalhista, Sebastião Geraldo de Oliveira, ao defender a
responsabilidade extracontratual, observou, em nota de rodapé, a plausibilidade dos
argumentos em prol da doutrina que defende a responsabilidade contratual, fundada em
cláusula implícita. Salientou, apenas, que “o progresso da teoria objetiva ou do risco
237 CAIRO JÚNIOR, José. O acidente do trabalho e a responsabilidade civil do empregador. 3. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 93. 238 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 11. ed. revista, atualizada de acordo com o Código Civil de 2002, e aumentada por Rui Berford Dias. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 218. 239 CAIRO JÚNIOR, José. O acidente do trabalho e a responsabilidade civil do empregador. 3. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 94.
mostrou-se mais eficaz para a proteção da vítima, porquanto o pressuposto da culpa fica
definitivamente dispensado, bastando, para gerar a indenização, a presença do dano e do nexo
causal” 240 (sem grifo no original).
4.5 Degraus da responsabilidade objetiva e teorias do risco Falar em responsabilidade objetiva é falar na teoria do risco. Quando a
responsabilidade fundada na culpa (responsabilidade subjetiva) não mais satisfazia os
fundamentos da responsabilidade civil, iniciou-se um processo de amadurecimento do direito,
pois muitos danos ficavam sem a devida reparação, mais por razões de ordem processual do
que por questões de direito material. O risco, então, passou a ser a mola mestra
desencadeando a corporificação da tese objetiva que, hodiernamente, ocupa notório espaço no
ordenamento jurídico brasileiro. Assim, a teoria do risco foi desenvolvida para dar guarida à
responsabilidade objetiva.
A problemática toda gira em torno do ônus da prova. Os processualistas demoraram
a compreender que muitos dos obstáculos poderiam ser resolvidos com a simples inversão do
ônus da prova, realizada nos autos do próprio processo, com fundamentos em princípios e
regras gerais de direito. Como é sabido, a norma insculpida no art. 333 do Código de Processo
Civil é arcaica, inflexível e não se presta a resolver todas as questões postas. Aliás, é fórmula
matemática, com critérios objetivos, dissociados, na maioria das vezes, da eqüidade esperada
pelos jurisdicionados. A idéia arraigada de que “o ônus da prova incumbe ao autor, quanto ao
240 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 88.
fato constitutivo do seu direito” enrijeceu os ouvidos dos operadores jurídicos por longas
décadas e continua a perseguir os subjetivistas convictos.
Diante da necessidade de se implantar um sistema paralelo ao critério geral utilizado
para a apuração dos fatos, outro caminho não restou senão a deflagração objetiva da
responsabilidade fundamentada no risco da atividade. O elemento culpa deixou de ter
relevância, pois trata-se de responsabilidade que independe de culpa. Permaneceu, porém,
mesmo na responsabilidade objetiva, o dano e o nexo causal. A teoria do risco foi idealizada
com o fim precípuo de amparar as vítimas de acidente de trabalho, conforme assevera a
doutrina:
Na busca de um fundamento para a responsabilidade objetiva, os juristas, principalmente na França, conceberam a teoria do risco, justamente no final do século XIX, quando o desenvolvimento industrial agitava o problema da reparação dos acidentes de trabalho. Risco é perigo, é probabilidade de dano, importando, isso, dizer que aquele que exerce uma atividade perigosa deve-lhe assumir os riscos e reparar o dano dela decorrente. A doutrina do risco pode ser, então, assim resumida: todo prejuízo deve ser atribuído ao seu autor e reparado por quem o causou, independentemente de ter ou não agido com culpa. Resolve-se o problema na relação de causalidade, dispensável qualquer juízo de valor sobre a culpa do responsável, que é aquele que materialmente causou o dano.241
Contudo, não se pode responsabilizar a quem não deu causa ao evento, de modo que
são plenamente aceitáveis as excludentes do nexo causal, como o caso fortuito, a força maior,
o fato exclusivo da vítima e o fato de terceiro.
Da responsabilidade civil fundada na culpa evolui-se para a responsabilidade por
culpa presumida (inversão do ônus da prova). A dicotomia entre responsabilidade contratual e
extracontratual acelerou o processo rumo à responsabilidade objetiva, pois foram ampliados
os casos de responsabilidade contratual com culpa presumida. O trabalho ardoroso da doutrina
e da jurisprudência culminou por acatar, por fim, a responsabilidade objetiva ou sem culpa,
em alguns casos.
241 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 155.
A responsabilidade decorrente do exercício de atividades perigosas desdobrou-se,
possuindo sentido dinâmico e estático. Carlos Roberto Gonçalves relata que “tem a doutrina
anotado, dentro da teoria do risco, uma responsabilidade decorrente do exercício de atividade
perigosa, tomada em sentido dinâmico, relativa à utilização de diferentes veículos, máquinas,
objetos e utensílios; e outra responsabilidade, de cunho estático dos bens, que se incluem na
responsabilidade pelo fato das coisas”.242
Quando se abordou a responsabilidade pelo fato da coisa (ou pela guarda da coisa),
conclui-se pela objetividade desta responsabilidade, pois as dificuldades processuais impostas
à vítima, em especial quanto ao ônus probatório, eram desproporcionais à eqüidade desejada.
Rui Stoco assevera que é praticamente pacífico “o entendimento de que a teoria da
responsabilidade na guarda da coisa consagra inteiramente o princípio da responsabilidade
objetiva”.243 Trata-se de presunção juris et de jure, que não admite prova em contrário, mas o
dono da coisa poderá alegar culpa da vítima ou caso fortuito para elidir sua responsabilidade.
A eclosão da teoria da responsabilidade na guarda da coisa também teve fundamento
inicial na necessidade de se amparar as vítimas de acidente de trabalho. Rui Stoco, citando
Savatier e Josserand, ressalta a preocupação da doutrina em distribuir com eqüidade o onus
probandi, atribuindo-se ao empregador o dever de guarda das máquinas e, conseqüentemente,
o dever de indenizar eventual dano causado ao trabalhador. Embora se trate de doutrina já
citada nesta pesquisa, merece nova transcrição, diante da importância do tema e da
possibilidade de leitura separada dos tópicos:
Invoca comentário de Savatier quando expunha: ‘Autores como Josserand, preocupados com o problema da eqüidade levantado pela reparação dos acidentes do trabalho, tiveram a idéia de utilizar o art. 1.384 (do Código de Napoleão) para tornar sistematicamente o dono de uma coisa inanimada responsável pelos danos por esta causados. Embora seja certo que o sentido dos textos deva evoluir com a vida do direito e as novas necessidades sociais, a fórmula utilizada se prestava muito mal ao resultado procurado: não era, realmente, o dono da coisa que ela tornava responsável pelo dano por esta produzido, mas aquele que tivesse a guarda da coisa’.
242 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 253. 243 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: RT, 2004, p. 935.
‘Ora, o fim perseguido pelos intérpretes do (referido) art. 1.384 (da legislação alienígena) fora fazer o patrão responsável pelos acidentes causados por suas máquinas, mas o texto levava a atribuir a responsabilidade ao operário encarregado de manejar essas máquinas, visto ser este o verdadeiro guardião delas. Tornou-se necessário, portanto, considerar que o ‘guardião’ não era o ‘operador’, mas o ‘dono da máquina’ (Cours de droit civil, t. 2, n. 301, p. 149). 244
Os dispositivos legais sobre responsabilidade objetiva foram, paulatinamente,
inseridos nos ordenamentos jurídicos do mundo todo. Muitos não alcançaram a finalidade
desejada, outros sofreram adaptações pela força da doutrina e da jurisprudência. A tecnologia
em expansão geométrica justifica a responsabilidade objetiva. Os equipamentos utilizados
para facilitar a atividade humana trouxeram, na mesma proporcionalidade da eficiência,
riscos à saúde e à integridade física do trabalhador. Os danos perpetrados, além de difícil
mensuração, poderiam ficar sem a devida reparação, não fosse a teoria do risco desenvolver a
responsabilidade objetiva.
Volta-se a Sergio Cavalieri Filho, que bem citou a dificuldade do trabalhador e do
usuário de transportes coletivos em provar a culpa do agente causador do dano:
Foi no campo dos acidentes de trabalho que a noção de culpa, como fundamento da responsabilidade, revelou-se primeiramente insuficiente. Na medida em que a produção passou a ser mecanizada, aumentou vertiginosamente o número de acidentes, não só em razão do despreparo dos operários mas, também, e principalmente, pelo empirismo das máquinas então utilizadas, expondo os trabalhadores a grandes riscos. O operário ficava desamparado diante da dificuldade – não raro, impossibilidade – de provar a culpa do patrão. A injustiça que esse desamparo representava estava a exigir uma revisão do fundamento da responsabilidade civil. Algo idêntico ocorreu com os transportes coletivos, principalmente trens, na medida em que foram surgindo. Os acidentes multiplicaram-se, deixando as vítimas em situação de desvantagens. Como iriam provar a culpa do transportador por um acidente ocorrido a centenas de quilômetros de casa, em condições desconhecidas para as vítimas ou seus familiares? 245
Nota-se, porém, que a adoção da responsabilidade objetiva tem levado a extremos
indesejáveis; enquanto alguns doutrinadores, com viés subjetivista mais acentuado, buscam
reduzi-la a quase nada, outros, mais aguçados, impulsionam-na para uma responsabilidade
244 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: RT, 2004, p. 934. 245 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 154.
sem limites, negando qualquer excludente. Surgiram, assim, dentro da responsabilidade
objetiva, como subespécies, várias modalidades de risco, todas com fundamento na teoria do
risco. As teorias sobre a natureza do risco que se pretende destacar são as seguintes: Teoria do
risco-proveito, teoria do risco profissional, teoria do risco de autoridade, teoria do risco
excepcional, teoria do risco criado e teoria do risco integral.
4.5.1 Teoria do risco-proveito.
A teoria do risco-proveito informa que o responsável é o agente que tira proveito da
atividade danosa, ou seja, ubi emolumentum, et onus debet (onde há vantagem, aí deve estar o
ônus). “Quem colhe os frutos da utilização de coisas ou atividades perigosas deve
experimentar as conseqüências prejudiciais que dela decorram” 246. Não se tem, contudo, a
real definição da expressão “proveito”; este pode estar relacionado somente ao lucro ou com
qualquer outro tipo de vantagem. Entendendo-se pelo proveito econômico, a teoria é
restritiva, pois a responsabilidade recairia somente sobre quem difunde atividade com fins
econômicos, de forma que estariam excluídas todas as atividades não lucrativas; além disso,
poderia a vítima ficar incumbida de provar que o agente causador do dano obteve proveito.
Devido às possíveis restrições ao dever de indenizar, a teoria do risco-proveito não tem sido
acolhida com louvor pela doutrina e jurisprudência.
4.5.2 Teoria do risco profissional
O dever de indenizar, para esta teoria, decorre do risco inerente à atividade
profissional de determinados trabalhadores. Muitos dos acidentes tinham origem no risco da
246 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 156.
própria atividade laborativa. Essa teoria “foi concebida especificamente para fundamentar os
casos de acidente de trabalho, ocorridos sem culpa do empregador”. 247
A doutrina justificou a criação de tal teoria, estritamente ligada aos acidentes de
trabalho:
A responsabilidade fundada na culpa levava, quase sempre, à improcedência da ação acidentária. A desigualdade econômica, a força de pressão do empregador, a dificuldade do empregado de produzir provas, sem se falar nos casos em que o acidente decorria das próprias condições físicas do trabalhador, quer pela sua exaustão, que pela monotonia da atividade, tudo isso, acabava por dar lugar a um grande número de acidentes não indenizados, de sorte que a teoria do risco profissional veio para afastar esses inconvenientes.248
Porém, a teoria do risco restringia-se aos trabalhadores em atividades industriais, sem
considerar atividades igualmente perigosas, existentes tanto no comércio em geral como na
agricultura. A incompletude desta teoria revelou insuficiência para a resolução dos mais
variados casos de responsabilidade civil.
4.5.3 Teoria do risco de autoridade
Essa teoria relaciona-se com a idéia de que a subordinação do empregado ao
empregador é motivo suficiente para responsabilizar este pelos danos sofridos. O empregado
acidentado, ao cumprir ordens do empregador, é vitima de ato patronal. A simples
subordinação ensejaria o dever de indenizar.
247 BRANDÃO, Cláudio. Acidente do trabalho e responsabilidade civil do empregador. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 222. 248 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 156.
Surgiu com a necessidade de se incluir outros trabalhadores, não contemplados pela
teoria do risco profissional, mas que exerciam atividades perigosas. Foi abandonada porque
havia a possibilidade de expansão a trabalhadores sem qualquer relação empregatícia. 249
4.5.4 Teoria do risco excepcional
Há risco excepcional quando as atividades, por sua própria natureza, oferecem risco
acima do normal, ou seja, quando a atividade acarreta excepcional risco ao lesionado, ainda
que estranho ao trabalho normalmente exercido. A doutrina conceituou:
A teoria do risco excepcional justifica o dever de indenizar, independentemente da comprovação de culpa, sempre que a atividade desenvolvida pelo lesado constituir-se em risco acentuado ou excepcional pela sua natureza perigosa. São exemplos: atividades com redes elétricas de alta tensão, exploração de energia nuclear, materiais radioativos etc.250
A reparação sempre é devida quando o risco, de forma excepcional (pois escapa à
atividade normal da vítima), produzir o evento danoso, independente de culpa, uma vez que a
vítima, exposta à aceleração tecnológica, está sujeita a sofrer os efeitos desse avanço.
Sebastião Geraldo de Oliveira, citando Carlos Alberto Bittar, disse que a exploração do átomo
fez incidir automaticamente a responsabilidade, em caso de acidente nuclear, em face da
extraordinária exacerbação dos riscos nesse setor.251
249 BRANDÃO, Cláudio. Acidente do trabalho e responsabilidade civil do empregador. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 223. 250 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, 98. 251 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 99.
4.5.5 Teoria do risco criado
O simples fato de exercer atividades que possam gerar riscos para outros justifica o
dever de indenizar, sem perquirir se o agente responsável obteve ou não vantagem (proveito)
com o fato danoso. Mesmo isento de culpa, o agente deve responder, pois eventual
conseqüência desastrosa no desempenho de atividades desta natureza, não poderá ficar sem a
devida reparação. Sergio Cavalieri Filho, com fundamento na doutrina de Caio Mário,
defensor ferrenho da teoria do risco, assim se manifestou:
A teoria do risco criado tem, entre nós, como seu mais ardoroso adepto, o insigne Caio Mário, que assim a sintetiza: ‘aquele que, em razão de sua atividade ou profissão, cria um perigo, está sujeito à reparação do dano que causar, salvo prova de haver adotado todas as medidas idôneas a evitá-lo’ (Responsabilidade civil, 3ª ed., Forense, 1992, p. 24). No entender do ilustre Mestre, o conceito de risco que melhor se adapta às condições de vida social é o que se fixa no fato de que, se alguém põe em funcionamento uma qualquer atividade, responde pelos eventos danosos que esta atividade gera para os indivíduos, independentemente de determinar se em cada caso, isoladamente, o dano é devido a imprudência, a negligência, a um erro de conduta, e assim se configura a teoria do risco criado. Fazendo abstração da idéia de culpa, mas atentando apenas no fato danoso, responde civilmente aquele que, por sua atividade ou por sua profissão, expõe alguém ao risco de sofrer um dano. 252
A preferência por esta teoria, em detrimento da teoria do risco-proveito, reside no
fato de que a teoria do risco criado não exige que o dano esteja correlacionado com uma
vantagem ou proveito do agente causador. O dever de indenizar não tem esse pressuposto. A
teoria do risco criado ampliou o conceito de risco-proveito e requer como pressuposto apenas
uma atividade que gere risco. A doutrina mais abalizada informa que o parágrafo único do art.
927 do Código Civil adotou a teoria do risco criado.
252 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 157.
4.5.6 Teoria do risco integral
Das teorias do risco, é a modalidade mais extremada, pois admite o dever de
indenizar mesmo inexistente o nexo causal. Não há que se falar em causas excludentes do
dever de indenizar, como caso fortuito, força maior, culpa exclusiva da vítima e fato de
terceiro; basta o dano para que o dever de indenizar seja completado. A teoria do risco
integral comporta exceção entre todas as teorias do risco vistas até então. Embora dispensado
o elemento culpa na responsabilidade objetiva, a relação de causalidade persiste, exceto na
hipótese em que apenas o dano efetivo é suficiente para garantir o dever de indenizar.
Essa teoria foi adotada no sistema brasileiro, mas somente em alguns casos
excepcionais, como a cobertura proporcionada pelo seguro obrigatório de veículos
automotores (DPVAT); a indenização por acidente de trabalho a cargo da Previdência Social;
a concessão de auxílio-doença acidentário (afastamento do trabalho a partir do 16º dia). Todos
esses casos são devidos mesmo que presentes as causas excludente do nexo causal.253
4.6 Acolhimento da teoria do risco pelo novo Código Civil - art. 927, parágrafo único
A teoria do risco foi positivada pelo Código Civil de 2002, cujo art. 927, no seu
parágrafo único, tem a seguinte redação: “haverá obrigação de reparar o dano,
independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade
normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os
direitos de outrem”.
253 BRANDÃO, Cláudio. Acidente do trabalho e responsabilidade civil do empregador. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 225.
A positivação da teoria do risco é um grande e ousado avanço do novo Código Civil
porque amplia, consideravelmente, o seu campo de aplicação, pois não especifica em que
circunstância poderá a atividade será considerada de risco, conforme demonstra Carlos
Roberto Gonçalves:
A inovação constante do parágrafo único do art. 927 do Código Civil será significativa e representará, sem dúvida, um avanço, entre nós, em matéria de responsabilidade civil. Pois a admissão da responsabilidade sem culpa pelo exercício de atividade que, por sua natureza, representa risco para os direitos de outrem, da forma genérica como consta do texto, possibilitará ao judiciário uma ampliação dos casos de dano indenizável. [...] E que maior será o risco da atividade conforme o proveito visado. Ademais, se houve dano, poder-se-á entender que tal ocorreu porque não foram empregadas as medidas preventivas tecnicamente adequadas.254
Como visto em tópico específico, para o Código Civil, a responsabilidade subjetiva é
a regra, tendo como fundamento de indenizar a culpa do agente (art. 186 CC) e a
responsabilidade objetiva é a exceção, tendo como fundamento de indenizar o risco da
atividade. Já para o CDC, a responsabilidade objetiva é a regra (art. 6º, VI) e a
responsabilidade subjetiva a exceção (art. 14, § 4º - a responsabilidade do profissional liberal
é subjetiva, exceto em obrigação de resultado).
Há quem defenda, todavia, que, após o advento do Código Civil de 2002,
especialmente o parágrafo único do art. 927, a responsabilidade civil objetiva não é mais
exceção, pois tem o mesmo patamar de importância e generalidade da responsabilidade
subjetiva255. De fato, considerando todo o sistema jurídico brasileiro, as duas espécies de
responsabilidade equivalem-se na importância e na aplicabilidade, pois a cláusula geral que
faltava à responsabilidade civil objetiva foi preenchida pelo mencionado artigo.
A responsabilidade objetiva, como regra, deve estar expressamente prevista em lei. O
parágrafo único do art. 927 prevê essa responsabilidade, mas de uma forma genérica, sem
254 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 25. 255 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 101.
especificar os casos; trata-se, pois, de mais uma cláusula aberta, com aplicabilidade sujeita à
interpretação.
Não restam dúvidas, no entanto, de que a teoria do risco foi amplamente acolhida
pelo parágrafo único do art. 927 do Código Civil. A teoria que melhor se adapta ao artigo do
novo Código é a teoria do risco criado, conforme se depreende do comentário de Regina
Beatriz Tavares da Silva ao Novo Código Civil: “o novo Código Civil, ao regular a
responsabilidade civil, alarga a aplicação da responsabilidade objetiva, com a adoção do
risco-criado, mas mantém o sistema vigente de que a regra geral é a responsabilidade
subjetiva”.256
Maria Helena Diniz também relacionou a teoria do risco criado às atividades
perigosas:
Como se verifica na teoria do risco criado, a responsabilidade civil é realmente objetiva, por prescindir de qualquer elemento subjetivo, de qualquer fator anímico; basta a ocorrência de dano ligado causalmente a uma atividade geradora de risco, normalmente exercida pelo agente. Embora a teoria do risco tenha galgado espaço em face da introdução de atividades perigosas na sociedade, sendo ditada por leis especiais, a teoria subjetiva ou da culpa ainda é o grande ‘fundo animador’ da responsabilidade civil em nosso ordenamento jurídico.257
Para tal teoria, toda pessoa que exerce alguma atividade perigosa cria um risco de
dano a terceiros, ainda que sua conduta seja isenta de culpa. A teoria do risco criado funda-se
no princípio segundo o qual é reparável o dano causado a outrem em conseqüência de uma
atividade que cria risco a direitos e interesses alheios.
Caio Mario assim se manifesta a respeito da responsabilidade objetiva:
[...] a regra geral, que deve presidir a responsabilidade civil, é a sua fundamentação na idéia da culpa; mas sendo insuficiente esta para atender às imposições do progresso, cumpre ao legislador fixar especialmente os casos em que deverá ocorrer a obrigação de reparar, independentemente daquela noção. Não será sempre que a reparação do dano se abstrairá do conceito de culpa, porém quando o autorizar a
256 SILVA, Regina Beatriz Tavares da. Novo Código Civil Comentado. Coordenador Ricardo Fiuza, 1. ed. São Paulo, Saraiva, 2003, p. 820. 257 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 17. ed. aum. e atual. vol. 7. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 55.
ordem jurídica positiva. É neste sentido que os sistemas modernos se encaminham, como, por exemplo, o italiano, reconhecendo em casos particulares e em matéria especial a responsabilidade objetiva, mas conservando o princípio tradicional da imputabilidade do fato lesivo. Insurgir-se contra a idéia tradicional da culpa é criar uma dogmática desafinada de todos os sistemas jurídicos. Ficar somente nela é entravar o progresso.258
O Código Civil vigente é inovador no sentido, também, de que traz diversos artigos
que dão a idéia de estarem “semi-acabados”, ou seja, não estão claramente delimitados, o que
a doutrina tem denominado como “princípio da operabilidade” e visa possibilitar ao julgador
maior liberdade e aplicação da norma ao caso concreto. Portanto, ficará a cargo da doutrina e
da jurisprudência definir o alcance da teoria do risco a que se refere o parágrafo único do
artigo 927 do Novo Código Civil bem como delimitar quais as atividades consideradas de
risco. Há, contudo, uma acentuada tendência em admitir, dentre as várias espécies de teoria do
risco, a teoria do risco criado.
José de Aguiar Dias, relatando a influência do positivismo penal na teoria do risco,
aponta a contradição dos adeptos inflexíveis da responsabilidade subjetiva:
De que não é decisiva nem essencial aquela influência, temos prova no fato de ser precisamente à eqüidade, ao sentimento de solidariedade social, à revolta em face da desigualdade de fortuna, influindo com que se procura justificar a chamada teoria do risco. E, coisa curiosa, são precisamente os adeptos da doutrina tradicional, fervorosos defensores da dignidade da pessoa humana, supostamente sacrificada na teoria do risco, que chegam a escarnecer da eqüidade e da solidariedade social, classificadas como formas de mera caridade. 259
A realidade tem demonstrado que a teoria do risco é processo irreversível nos
sistemas jurídicos do mundo. A teoria subjetiva trabalha, na maioria dos casos, em sintonia
com o causador do dano, favorecendo-o demasiadamente; a vítima fica refém dos atos do
agente, sem uma defesa eficaz. Rui Stoco afirma que “pouco a pouco a responsabilidade civil
258 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. 6. ed. São Paulo: Forense, 1993, p. 123. 259 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 11. ed. revista, atualizada de acordo com o Código Civil de 2002, e aumentada por Rui Berford Dias. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 72.
marcha a passos largos para a doutrina objetiva, que encontra maior supedâneo na ‘doutrina
do risco”.260
De acordo com José de Aguiar Dias, o pensamento do doutrinador Francês Saleilles,
um dos responsáveis pelo nascimento da doutrina objetiva, merece destaque:
E aqui está uma síntese do pensamento Saleilles: ‘A lei deixa a cada um a liberdade de seus atos; ela não proíbe senão aqueles que se conhecem como causa direta do dano. Não poderia proibir aqueles que apenas trazem em si a virtualidade de atos danosos, uma vez que se possa crer fundamentalmente que tais perigos possam ser evitados, à base de prudência e habilidade. Mas, se a lei os permite, impõe àqueles que tomam o risco a seu cargo a obrigação de pagar os gastos respectivos, sejam ou não resultados de culpa. Entre eles e as vítimas não há equiparação. Ocorrido o dano, é preciso que alguém o suporte. Não há culpa positiva de nenhum deles. Qual seria, então, o critério de imputação do risco? A prática exige que aquele que obtém proveito de iniciativa lhe suporte os encargos, pelo menos a título de sua causa material, uma vez que essa iniciativa constitui um fato que, em si e por si, encerra perigos potenciais contra os quais os terceiros não dispõem de defesa eficaz. É um balanceamento a fazer. A justiça quer que se faça inclinar o prato da responsabilidade para o lado do iniciador do risco’. 261
A responsabilidade deve ser atribuída a quem, efetivamente, proporciona o risco. A
realização de atividade, empresarial ou não, requer mais prudência dos responsáveis. Espera-
se que a integridade física e moral sejam sempre preservadas, a todo custo, pois o bem maior
do ser humano é a vida, o corpo, a saúde; o patrimônio material é mera conseqüência do
trabalho humano, mas jamais poderá substituir valores ligados à própria existência do ser
humano.
A atribuição subjetiva da responsabilidade, quando há riscos, coloca a vítima em
posição inferior e humilhante, mormente nas relações trabalhistas; haveria ela que suportar o
peso da lesão (material e moral), eventual incapacidade funcional, o ônus de comprovar a
culpa do agente, o dano marginal do processo, as dificuldades em manter o lar em que vive,
além de outros danos reflexos. No outro lado, o causador do dano ficaria inerte, passivo,
260 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: RT, 2004, p. 151. 261 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 11. ed. revista, atualizada de acordo com o Código Civil de 2002, e aumentada por Rui Berford Dias. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 77.
fazendo uso da presunção de inocência que julga ter; da esfera deste nada foi retirado,
portanto, nada tem a recuperar.
Para mudar esse quadro desolador, impõe-se a responsabilidade objetiva que, como
bem argumentou Saleilles, vem equilibrar a balança da responsabilidade.
4.7 Dimensão e alcance das atividades de risco - atividades perigosas
Interessa, neste particular, estudar o alcance dos termos da cláusula geral da
responsabilidade objetiva. O parágrafo único do art. 927 do Código Civil dispõe que “Haverá
obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou
quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua
natureza, risco para os direitos de outrem”.
São inúmeras as controvérsias sobre a aplicabilidade do dispositivo em comento.
Enquanto alguns doutrinadores, mais subjetivistas, buscam reduzir seu alcance, outros,
impulsionados pelo fascínio da doutrina objetiva, ultrapassam as barreiras restritivas da
legislação. Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho perceberam a polêmica:
Trata-se, portanto, de um dos dispositivos mais polêmicos do Novo Código Civil, que, pela sua característica de conceito jurídico indeterminado, ampliará consideravelmente os poderes do magistrado. Isso porque o conceito de atividade de risco – fora da previsão legal específica – somente poderá ser balizado jurisprudencialmente, com a análise dos casos concretos submetidos à apreciação judicial. 262
262 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 155.
Somente em caso concreto, terá o intérprete condições de sopesar todos os dados
coligidos aos autos, pois “a questão deverá ser analisada casuisticamente, considerando a
natureza da atividade, ou seja, o seu grau específico de risco, daí a expressão explicativa
colocada no texto legal ‘por sua natureza’” 263. Contudo, não se pode deixar de traduzir as
expressões inseridas no texto legal, abalizadas pela doutrina moderna.
A responsabilidade objetiva, como regra, vem especificada em lei e a indenização,
nesses casos, é independentemente de culpa. Porém, a existência do dano é imprescindível,
pois a responsabilidade surge quando o exercício da atividade perigosa causar dano, conforme
expresso no texto legal.
A exceção à legalidade dessa responsabilidade dependerá da interpretação da lei,
tendo em vista que o mencionado artigo é portador de cláusula geral e aberta; também não há
no arcabouço jurídico definição das expressões “atividade normalmente desenvolvida” e
“implicar, por sua natureza, risco”, objetos da presente análise.
A expressão atividade não tem o mesmo sentido de ação ou omissão, conforme
definição do art. 186 do Código Civil, em que é necessário averiguar a conduta pessoal e
individual do agente. Na responsabilidade objetiva estuda-se que “não se tem em conta a
conduta individual, isolada, mas sim a atividade como conduta reiterada, habitualmente
exercida, organizada de forma profissional ou empresarial para realizar fins econômicos”264.
A expressão atividade é sinônima de serviços.
Nesse sentido, Sebastião Geraldo de Oliveira também traça os contornos da atividade
em acidente do trabalho:
Ao mencionar a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano, o texto legal deixa claro que a indenização não decorre do comportamento do sujeito, ou seja, não é necessário que haja qualquer ação ou omissão, como previsto no art. 186 do Código Civil, para gerar o direito, porquanto ele decorre tão-somente do
263 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 107. 264 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 182.
exercício da atividade de risco, dentro da concepção histórica da responsabilidade objetiva. É oportuno lembra que o vocábulo ‘atividade’ especialmente quando analisado para a hipótese do acidente do trabalho, indica a prestação de serviço conduzida pelo empregador, tanto pelo conceito estampado no art. 2º da CLT, quanto pelo que estabelece o art. 3º, § 2 º, do Código de Defesa do Consumidor, ao mencionar que ‘serviço é qualquer atividade’.265
O termo normalmente tem gerado algumas indagações. Para Pablo Stolze Gagliano e
Rodolfo Pamplona Filho o advérbio “normalmente” expressa o sentido de “regularidade”, isto
é, os agentes causadores de dano devem exercer com regularidade atividade potencialmente
nociva ou danosa, de forma que atividades perigosas e esporádicas não estaria contempladas.
Com esse entendimento excluem-se, por exemplo, os condutores de veículos.266
Já Caio Mário, autor do primeiro projeto do Código Civil, correlacionou
normalidade com a expressão anormalidade, enfatizando que não é necessário o
comportamento anormal ou excessivo do agente para reparar o prejuízo, tampouco trata-se de
atividade habitual. O agente responderá pelo comportamento normal e, com mais razão, pelo
comportamento anormal que propiciar dano. O tema torna-se interessante quando a questão
entra no campo probatório. Sebastião Geraldo de Oliveira, citando Caio Mário, esclareceu a
controvérsia:
Nada melhor do que consultar o pensamento do autor do primeiro Projeto, cuja proposta original acabou sendo acolhida no texto legal do novo Código. Esclarece, mais uma vez, o mestre Caio Mário: ‘Desde logo exclui-se a idéia de anormalidade do ato danoso, uma vez que o Projeto cogita de vincular a obrigação ressarcitória a uma ‘atividade normalmente desenvolvida’ pelo causador do dano. Encarada, pois a questão sob esse aspecto, ou seja, tendo em vista tratar-se de ato normal, o que se leva em conta, no primeiro plano, é que a vítima não necessita de provar se o agente estava ou não estava no exercício de sua atividade habitual, ou se procedia dentro dos usos e costumes do ambiente social em que opera. Por outro lado, descabe para o causador do dano a escusativa de não haver incidido em um comportamento
265 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006,p. 106. 266 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 155.
excessivo. A eliminação destas qualificações retira, portanto, a doutrina do risco criado de qualquer influência da teoria subjetiva’. 267
Outra relevância, relatada por Miguel Reale, sobre a qual não se pode deixar de tecer
comentários, está ligada ao fato de que não foi admitida proposta de inclusão de ressalva no
parágrafo único do art. 927, com o seguinte teor: “salvo se comprovado o emprego de medida
de prevenção tecnicamente adequada”. Como conseqüência, não poderá o agente exonerar-se
da obrigação com alegação de que adotou todas as medidas necessárias para evitar o dano. 268
Além da atividade normalmente desenvolvida, há que, por sua natureza, implicar
risco. A definição de risco é das mais debatidas. Importante se faz distinguir risco inerente e
risco adquirido, conceitos desenvolvidos pelo direito do consumidor.
Os riscos inerentes (ou periculosidade inerente) estão intrinsecamente ligados à
própria natureza das atividades, os quais não podem ser evitados mesmo que utilizada toda a
técnica e a diligência necessárias. O agente não será responsabilizado, sob pena de se
inviabilizar a própria atividade. Nada há a fazer, senão controlar a execução dessas atividades,
ou seja, deverão ser executadas com segurança e técnica adequadas. Trata-se de
periculosidade inerente e legítima. Legítima porque há uma expectativa sobre o risco desta
atividade, de modo que não surpreende o agente nem a vítima. A vítima de consumo ou de
serviços deverá estar ciente da inerência do risco.
Sergio Cavalhieri Filho escreveu a respeito:
Há riscos que são inerentes a certos serviços, intrinsecamente atados à sua própria natureza e modo de funcionamento – como, por exemplo, os serviços médico-hospitalares. A cirurgia de uma pessoa idosa – ou mesmo outros tipos de cirurgia ou tratamentos -, por si só, representa riscos que não podem ser evitados ainda que o serviço seja prestado com toda a técnica e segurança. Transferir as conseqüências desses riscos (inerentes) para o prestador do serviço seria ônus insuportável; acabaria por inviabilizar a própria atividade. Daí por que, na medida em que o risco inerente está associado a inúmeros serviços tidos como imprescindíveis à vida
267 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 110. 268 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 109.
moderna, o caminho que se tem é controlar a sua execução. Desde que executados com segurança, acompanhados de informações adequadas, não acarretarão responsabilidade para seus operadores pelos eventuais danos decorrentes da periculosidade inerente. Se a cirurgia de uma pessoa idosa, embora realizada com toda técnica e segurança, não for bem-sucedida, o insucesso não poderá ser imputado a quem prestou o serviço. Se o usuário de energia elétrica sofrer um choque de alta voltagem por descuido próprio, o fornecedor do serviço não estará obrigado a indenizar o dano.269
Considerando a doutrina de Miguel Reale, seria irrelevante ao agente alegar e
comprovar que adotou todas as técnicas necessárias, pois o dever de indenizar persiste. Cabe,
porém, a alegação das excludentes do nexo causal, em especial caso fortuito, força maior e
culpa da vítima. Vale lembrar que se aplica a teoria do risco criado e não a teoria do risco
integral (esta não admite excludentes).
Os riscos adquiridos (ou periculosidade adquirida), como o próprio nome diz,
referem-se aos riscos que são agregados aos já existentes e legítimos (riscos inerentes).
Quando o risco transcender ao normalmente esperado, há um risco adquirido, portanto,
indenizável, conforme preleciona a doutrina:
Fala-se em risco adquirido quando bens e serviços não apresentam riscos superiores àqueles legitimamente esperados, mas tornam-se perigosos por apresentarem algum defeito. Imprevisibilidade e anormalidade são as características. Elucidativa e precisa a lição de Herman Benjamin, um dos autores do Código do Consumidor e seu principal doutrinador: ‘Em matéria de proteção da saúde e segurança dos consumidores vige a noção geral da expectativa legítima. Isto é, a idéia de que os produtos e serviços colocados no mercado devem atender às exigências de segurança que deles legitimamente se espera. As expectativas são legítimas quando, confrontadas com o estágio técnico e as condições econômicas da época, mostram-se plausíveis, justificadas e reais. É basicamente o desvio deste parâmetro que transforma a periculosidade inerente de um produto ou serviço em periculosidade adquirida’. 270
Nessa linha de raciocínio, a periculosidade inerente raramente seria causa de
indenização, enquanto pela periculosidade adquirida deverá responder o agente causador do
269 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 183-184. 270 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p.184.
dano. Portanto, além de analisar a natureza da atividade, é importante destacar o risco
inerente do risco adquirido.
Diz-se que há risco quando há probabilidade de perigo; contudo, não se pode
confundir o risco a que todos estão sujeitos pelo simples fato de estarem vivos, com o risco
que não abrange toda a coletividade. Quando a probabilidade de risco, em determinadas
ocupações, for superior ao risco médio da coletividade, o exercício da atividade é suficiente
para impor o dever de indenizar. O fato é que todas as atividades, de alguma forma, oferecem
riscos. A teoria do risco não tem o objetivo de estender a todas as atividades responsabilidade
objetiva, mas tão-somente em casos especiais, quando há um risco adquirido, exagerado,
excessivo.
O Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal aprovou o
Enunciado 38, na Jornada de Direito Civil, com o seguinte teor: “art. 927: a responsabilidade
fundada no risco da atividade, como prevista na segunda parte do parágrafo único do art. 927
do novo Código Civil, configura-se quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor
do dano causar a pessoa determinada um ônus maior do que aos demais membros da
coletividade”.
Sebastião Geraldo de Oliveira, em comentário ao referido Enunciado, destacou o
importante caminho apontado na solução de lides:
Pelos parâmetros desse Enunciado doutrinário, para que haja indenização será necessário comparar o risco da atividade que gerou o dano com o nível de exposição ao perigo dos demais membros da coletividade. Qualquer um pode tropeçar, escorregar e cair em casa ou na rua, ser atropelado na calçada por um automóvel descontrolado, independentemente de estar ou não no exercício de qualquer atividade, podendo mesmo ser um desempregado ou aposentado. No entanto, acima desse risco genérico que afeta indistintamente toda coletividade, de certa forma inerente à vida atual, outros riscos específicos ocorrem pelo exercício de determinadas atividades, dentro da concepção da teoria do ‘risco criado’. Se o risco a que se expõe o trabalhador estiver acima do risco médio da coletividade em geral, caberá o deferimento da indenização, tão-somente pelo exercício dessa atividade. 271
271 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 108.
Por se tratar de cláusula geral e aberta, é antiproducente qualquer tentativa de
conceituar risco, perigo, ou atividades perigosas. Quando a lei determinar que certa atividade
é perigosa, o será somente para aquela atividade. Nada limita, porém, a capacidade de
interpretação do juiz que, valendo-se da persuasão racional ou livre convencimento motivado,
após a análise do caso concreto, considera qualquer outra atividade perigosa. O constante
processo evolutivo não permite conclusão diversa, pois, “em verdade, não há, a priori, como
especificar quais atividades são perigosas, posto que a dinâmica dos fatos cria novas hipóteses
e o avanço tecnológico e científico pode converter atividades perigosas em não-perigosas”. 272
Para o direito do trabalho, a noção de perigo e risco pode não ficar tão evidente; daí a
importância da cláusula genérica, pois “permite que se inclua no conceito de risco atividades
que, embora não tenham em si ínsita a noção de perigo, possuem uma notável potencialidade
danosa, uma grande probabilidade de causar danos à saúde do empregado, o que pode se
constatado por meio de dados estatísticos, como ocorre com as Lesões por Esforço Repetitivo
– LERs no setor bancário”.273
Trazer isso para o direito do trabalho, em específico para acidentes do trabalho,
impõe considerações que somente doutrinadores trabalhistas poderiam tecer com mais
propriedade. A doutrina tem dividido as espécies de risco em grupo, com as seguintes
modalidades: risco ocupacional, risco genérico, risco específico, risco no Código de Defesa
do Consumidor.
O risco opucacional encontra-se no ambiente de trabalho e pode ocasionar riscos à
integridade física e mental do trabalhador que fica exposto a diversos agentes físicos (calor,
eletricidade, vibrações), químicos (produtos químicos) e biológicos (doenças infecciosas). O
avanço da tecnologia tem levado, ainda, ao estresse e a condições ergonômicas inadequadas.
272 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: RT, 2004, p. 168. 273 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 251.
O risco genérico é o risco suportado pela coletividade em geral, independente da atividade
ocupacional exercida; é próprio da vida humana e é produzido pela própria atividade de
viver. O risco específico decorre da atividade laboral e também pode ser chamado de risco
profissional. O risco no Código de Defesa do Consumidor comporta a divisão em risco
inerente (não indenizável – expectativa legítima) e risco adquirido (indenizável – expectativa
extrapolada), anteriormente estudados274. Este último pode ter sua aplicabilidade na esfera
trabalhista, desde que sejam observadas as condições gerais de submissão do trabalhador ao
emprego.
No que tange a acidentes de trabalho, é importante observar que cabe ao empregador
dirigir, executar e organizar o desenvolvimento das atividades. Quando o empregado sentir-se
ameaçado pela atividade de risco imposta pelo empregador, sem as medidas de segurança
necessárias, poderá rescindir o contrato de trabalho. Acontece, porém, que este aparente
equilíbrio conferido pela lei não tem aplicação prática, pois o trabalhador assalariado,
premido pela necessidade, aventura-se em qualquer atividade perigosa. É mister, então,
observar as razões, assinaladas pela doutrina, que envolvem este trabalhador:
a) o empregado depende do seu salário para a garantia do seu sustento e, tanto quanto possível, luta para preservar o seu posto de trabalho, notadamente numa permanente crise de desemprego; b) a desinformação quanto à natureza dos riscos ocupacionais é uma realidade no mundo do trabalho, o que reduz a um nível desprezível a razoabilidade dos motivos de que pode valer-se para considerar plausível o grau de perigo a que está submetido; c) muitos produtos utilizados na atividade empresarial (indústria, comércio, serviços, agricultura e pecuária) possuem propriedades nocivas por ele desconhecidas (e não raras vezes até mesmo do empregador); d) a falta de fornecimentos de EPIs ou o seu uso inadequado são práticas corriqueiras nos ambientes de trabalho, o que implica a manutenção do risco; e) o empregado sente-se estimulado, por razões de ordem econômica, a trabalhar em ambientes nocivos para que possa perceber o adicional correspondente (de periculosidade ou insalubridade), numa falsa perspectiva de que está aumentando o
274 BRANDÃO, Cláudio. Acidente do trabalho e responsabilidade civil do empregador. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 244.
seu ganho mensal, quando, na verdade, está envolvido numa situação de dano à sua saúde, que pode se tornar até mesmo irreparável.275
Razões outras ainda podem ser apontadas. Embora a hipossuficiência econômica,
técnica e intelectual sejam características de muitos trabalhadores e consumidores, estes, na
maioria das vezes, podem optar pelo uso de determinado produto que oferece risco, enquanto
àqueles, a opção fica reduzida entre um meio de sobrevivência e o desemprego.
O dever de segurança é atribuído a quem exercer atividade perigosa. A ordem
jurídica, ao permitir a liberdade de ação e a livre iniciativa, não eliminou e nem reduziu a
absoluta e plena proteção do ser humano. A violação da segurança determina a obrigação de
indenizar o dano, independente de culpa. Portanto, “a obrigação de indenizar parte da idéia de
violação do dever de segurança”. 276
Contudo, há doutrinadores defendendo a irrelevância de se saber se uma atividade é
perigosa ou não. Jorge Luiz Souto Maior reconhece a reparação decorrente de acidente do
trabalho como um direito fundando na responsabilidade social e não na responsabilidade civil:
O direito à reparação pela ocorrência de um dano, ademais, é um bem jurídico pertinente à teoria geral do direito, que quando se insere na órbita do direito social adquire as feições que lhe são próprias, isto é, o abandono da idéia de culpabilidade nas relações de trabalho subordinado. A discussão no sentido de saber se o risco é próprio de certas atividades é, conseqüentemente, um típico debate sobre a responsabilidade na ótica do direito civil, já que no contexto do direito social, partindo-se do reconhecimento de que o empregado está sob o comando do empregador, exercendo suas tarefas dentro das delimitações que lhe são específicas, o risco está sempre presente e deve ser assumido pelo empregador e não pelo empregado. O risco, assim, como já explicava Evaristo de Moraes, nos idos de 1900, ‘é uma das condições normais do exercício da profissão, um dos encargos que ela implica, e deve figurar entre as despesas gerais que a produção acarreta. [...] No contrato do empregador com o empregado fica incluída a obrigação de reparar o acidente, que constitui, afinal, uma das despesas da produção industrial. O operário não corre o risco pessoal do acidente’.277
275 BRANDÃO, Cláudio. Acidente do trabalho e responsabilidade civil do empregador. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 245-246. 276 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 186. 277 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. A prescrição do direito de ação para pleitear indenização por dano moral e material decorrente de acidente do trabalho. São Paulo: Revista Ltr, ano 70, nº 05, pág. 535-547, maio de 2006, p. 544.
Nesse sentido, toda e qualquer atividade gera risco; de modo que a discussão sobre
atividades, perigosas ou não, deixa de ser importante devido à submissão do empregado ao
contrato de trabalho.
4.8 Aplicabilidade da teoria do risco em acidentes do trabalho - art. 927, parágrafo
único do Código Civil
A teoria do risco implica responsabilidade objetiva, como fartamente discutido. Dos
vários degraus da responsabilidade civil objetiva, aponta-se como a mais coerente com os
preceitos modernos, desde que não haja lei reguladora da matéria, a teoria do risco criado. Por
essa teoria admitem-se as excludentes do nexo causal como o caso fortuito, a força maior, a
culpa exclusiva da vítima e o fato de terceiro.
A doutrina mostra-se oscilante quanto à aplicabilidade do parágrafo único do art.
927 do Código Civil em acidentes de trabalho. O entendimento predominante, porém, tem
acatado a tese da responsabilidade subjetiva por força do disposto no art. 7º, XXVIII, da
Constituição Federal, com a seguinte redação: “São direitos dos trabalhadores urbanos e
rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: [...] seguro contra
acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está
obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa”.
A parte primeira do dispositivo (seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do
empregador) refere-se, notadamente, ao seguro de acidente do trabalho pago pelo empregador
ao INSS, proporcional ao risco da atividade preponderante da empresa (leve, médio, grave) no
percentual respectivo de 1%, 2% e 3% sobre o total da remuneração paga ou creditada ao
segurado, nos termos do art. 22, II, da Lei 8.212/91. Não pairam dúvidas na doutrina e
jurisprudência de que se trata de responsabilidade objetiva a cargo do INSS. Adotou-se, aqui,
por expressa determinação legal, a teoria do risco integral, não havendo possibilidade de
exclusão do nexo causal. Vale dizer, o Órgão Previdenciário não poderá alegar excludentes
como caso fortuito, força maior, culpa exclusiva da vítima e fato de terceiro. Poderá alegar,
porém, embora raro, eventual dolo da vítima para receber benefícios previdenciários.
A parte final do dispositivo (sem excluir a indenização a que este está obrigado,
quando incorrer em dolo ou culpa) é dirigida ao empregador. Havendo acidente de trabalho,
além da indenização devida objetivamente pelo INSS, o empregador poderá ser
responsabilizado pelos danos sofridos pelo empregado se incorrer, segundo o artigo citado,
em dolo ou culpa.
Para a doutrina subjetivista, as expressões dolo ou culpa, incluídas na redação do
artigo constitucional, determinam responsabilidade subjetiva; a expressa ressalva do
legislador constituinte, para essa corrente, não admite interpretação diversa.
A obrigação de indenizar nasce para a vítima quando prestar serviços, a qualquer
título. Para Rui Stoco, “essa responsabilidade do patrão perante seus funcionários, quando em
serviço ou nas condições especificadas na lei, segue a regra geral estabelecida no art. 186 do
Código Civil, fundando-se no dolo ou na culpa stricto sensu como expressamente estabelece o
art. 7º, inciso XXVIII, da Constituição Federal”.278
Sergio Cavalieri Filho, adepto subjetivista, relatou que o campo de incidência do art.
927, parágrafo único do Código Civil é outro, sendo inaplicável em acidentes de trabalho, em
face do disposto no art. 7º, XXVIII:
Sustentam alguns autores que a responsabilidade do empregador por acidente de trabalho ou doença profissional do empregado passou a ser objetiva depois da vigência do Código Civil de 2002. Entendem que a teoria do risco criado, adotada no parágrafo único do seu art. 927 (risco profissional, para outros), ajusta-se como luva àquelas atividades de risco excepcional a que são submetidos os empregados
278 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: RT, 2004, p. 603.
que trabalham em pedreiras, minas de carvão, motoristas de ônibus (sujeitos a constantes assaltos).
Embora ponderáveis os fundamentos que o sustentam, não partilhamos desse entendimento, porque a responsabilidade do empregador em relação ao empregado pelo acidente de trabalho ou doença profissional está disciplinada no art. 7º, XXVIII, da Constituição Federal (responsabilidade subjetiva, bastando para configurá-la a culpa leve) – o que torna inaplicável à espécie, por força do princípio da hierarquia, o parágrafo único do art. 927 do Código Civil.279
Embora se fundamente o referido autor no princípio da hierarquia, sustentou que não
se trata de norma inconstitucional, mas norma inaplicável à responsabilidade civil do
empregador, pois a este não é dirigida, uma vez que a disciplina da matéria encontra amparo
na própria Constituição Federal e o art. 927 do Código Civil é infraconstitucional.
José de Aguiar Dias, também com fundamento na hierarquia das normas, sustenta a
responsabilidade subjetiva do empregador e vai além, ao afirmar que nem a Constituição
Federal de 1988 e nem o art. 927, parágrafo único do Código Civil cuidam de acidente de
trabalho. Segundo o autor, trata-se apenas da “possibilidade de indenização de direito comum,
à margem da ação acidentária”. 280
Carlos Roberto Gonçalves, salientando o avanço da legislação, fala de sua
incompletude e indica na própria redação do art. 7º, XXVIII, da Constituição Federal a
responsabilidade subjetiva, mas aponta os novos rumos da responsabilidade acidentária:
Nota-se um grande avanço em termos de legislação, pois admitiu-se a possibilidade de ser pleiteada a indenização pelo direito comum, cumulável com a acidentária, no caso de dolo ou culpa do empregador, sem fazer qualquer distinção quanto aos graus de culpa.
O avanço, no entanto, não foi completo, adotando apenas a responsabilidade subjetiva, que condiciona o pagamento da indenização à prova de culpa ou dolo do empregador, enquanto a indenização acidentária e securitária é objetiva.
Os novos rumos da responsabilidade civil, no entanto, caminham no sentido de considerar objetiva a responsabilidade das empresas pelos danos causados aos
279 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 188. 280 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 11. ed. revista, atualizada de acordo com o Código Civil de 2002, e aumentada por Rui Berford Dias. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 229.
empregados, com base na teoria do risco-criado, cabendo a estes somente a prova do dano e do nexo causal. 281
Apesar de associar-se à corrente subjetivista, o referido autor foi categórico em
afirmar a tendência objetiva da responsabilidade civil do empregador. Vê-se claramente o
ressentimento deste autor quanto aos termos utilizados pelo constituinte federal.
O inconformismo, entretanto, não tem apenas aspectos de frustração; é possível,
juridicamente, sustentar que se trata de responsabilidade objetiva, com base na teoria do risco
criado, admitindo-se apenas excludentes do nexo causal (o caso fortuito, a força maior, a
culpa exclusiva da vítima e o fato de terceiro).
Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, após muita discussão, uma vez
que o primeiro propugna pela responsabilidade subjetiva e o segundo pela responsabilidade
objetiva, concluem que a jurisprudência nacional será firmada na responsabilidade objetiva.
Salientam que, como regra geral, a responsabilidade civil do empregador é subjetiva, contudo,
há uma contradição jurídica gritante nesse entendimento. Os referidos autores chegaram ao
seguinte raciocínio:
Todavia, parece-nos inexplicável admitir a situação de um sujeito que: • por força de lei, assume os riscos da atividade econômica; • por exercer uma determinada atividade (que implica, por sua própria natureza,
risco para os direitos de outrem) responde objetivamente pelos danos causados; • ainda assim, em relação aos seus empregados, tenha o direito subjetivo de
somente responder, pelos seus atos, se os hipossuficientes provarem culpa.... A aceitar tal posicionamento, vemo-nos obrigados a reconhecer o seguinte paradoxo: o empregador, pela atividade exercida, responderia objetivamente pelos danos por si causados, mas, em relação a seus empregados, por causa de danos causados justamente pelo exercício da mesma atividade que atraiu a responsabilização objetiva, teria um direito a responder subjetivamente... A questão não é, porém, definitivamente simples, devendo ser devidamente dirimida por nossa jurisprudência. 282
281 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 461. 282 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 275.
De fato, impressiona que a relação do empregador para com um terceiro seja
objetiva, enquanto sua relação para com quem lhe presta serviços seja subjetiva. O trabalho é
a fonte maior de todas as riquezas e a origem de tudo o que se adquire. Haveria, nesse
aspecto, desproporcionalidade jurídica de tratamento. O contrário até poder-se-ia admitir, uma
vez que se presume juridicamente, com base no Código Civil, equivalentes relações entre
particulares. O zelo e cuidados com terceiros, por conseqüência, seriam superiores ao zelo
praticado com os trabalhadores, responsáveis pela produção. Se aos consumidores, como
regra geral, a responsabilidade é objetiva, pode-se argumentar, com mais razão, em prol de
quem trabalha para produzir bens e serviços destinados ao consumo.
Sebastião Geraldo de Oliveira também aborda a contradição:
Por outro lado, a prevalecer o entendimento da primeira corrente [inaplicabilidade do art. 927 do CC.], chegaríamos a conclusões que beiram o absurdo ou ferem a boa lógica. Se um autônomo ou um empreiteiro sofrer acidente, o tomador dos serviços responde pela indenização, independentemente de culpa, com o apoio na teoria do risco; no entanto, o trabalhador permanente, com os devidos registros formalizados, não tem assegurada essa reparação! Se um bem ou equipamento de terceiros for danificado pela atividade empresarial, haverá indenização, considerando os pressupostos da responsabilidade objetiva, mas o trabalhador, exatamente aquele que executa a referida atividade, ficará excluído.... Conforme menciona Adib Salim, ‘não se poderia pensar que, em um acidente que atingisse diversas pessoas, dentro do exercício de uma atividade empresarial com risco inerente, a empresa responde objetivamente em relação a todos, à exceção do seus empregados’.283
A responsabilidade civil do empregador, no decorrer da História, galgou para a
objetividade. Inicialmente, a responsabilidade civil do empregador por acidentes de trabalho
não existia. Com a evolução da ciência jurídica, o empregador passou a responder por dolo e,
posteriormente, por culpa grave. A Constituição Federal de 1988 estendeu ainda mais a
responsabilidade do empregador, que passou a responder por qualquer grau de culpa (grave,
leve e levíssima). Discute-se, agora, a responsabilidade do empregador sem culpa, nos termos
283 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 104.
do parágrafo único do art. 927 do Código Civil. As novas tendências são destacadas pela
doutrina:
Nota-se um nítido deslocamento do pensamento jurídico em direção à responsabilidade objetiva, especialmente nas questões que envolvem maior alcance social. Uma observação cuidadosa permite mesmo identificar o ritmo de certo movimento nesse sentido, em razão do qual é possível intuir os próximos passos, com boa margem de acerto. A indenização baseada no rigor da culpa está cedendo espaço para o objetivo maior de reparar os danos, buscando amparar as vítimas dos infortúnios, mesmo sem a presença da culpa comprovada, em harmonia com o objetivo fundamental de construir uma sociedade livre, justa e solidária, com erradicação da pobreza e da marginalização, conforme exposto no art. 3º da Constituição Federal da República. Além disso, os pressupostos da responsabilidade objetiva guardam maior sintonia e coerência com o comando do art. 170 da Lei Maior, determinando que a ordem econômica deve estar fundada na valorização do trabalho e a propriedade deve ter uma função social. Como concluiu Giselda Hironaka, ‘o evoluir jurisprudencial, então, cada vez mais, passa a registrar decisões que se expressam em termos de presunção de responsabilidade e não presunção de culpa’.284
A plausibilidade de argumentos em defesa da responsabilidade civil objetiva do
empregador (teoria do risco criado) é perceptível pela doutrina e jurisprudência. Relatos
históricos demonstram incontestavelmente que a teoria do risco, que deu origem à
responsabilidade civil objetiva, tem seu fundamento principal nos inúmeros acidentes de
trabalho que ficam sem a devida reparação. Embora já abordado em itens pretéritos, retoma-se
o aspecto histórico como argumento persuasivo, pedindo vênia ao leitor para recitar duas
passagens fundamentais, quanto à origem da responsabilidade objetiva, destacadas por Sérgio
Cavalieri filho e Rui Stoco.
Sergio Cavalieri Filho aponta como origem da teoria objetiva os acidentes de
trabalho:
Foi no campo dos acidentes de trabalho que a noção de culpa, como fundamento da responsabilidade, revelou-se primeiramente insuficiente. Na medida em que a produção passou a ser mecanizada, aumentou vertiginosamente o número de acidentes, não só em razão do despreparo dos operários mas, também, e principalmente, pelo empirismo das máquinas então utilizadas, expondo os trabalhadores a grandes riscos. O operário ficava desamparado diante da dificuldade – não raro, impossibilidade – de provar a culpa do patrão. A injustiça que esse desamparo representava estava a exigir uma revisão do fundamento da
284 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 115.
responsabilidade civil. Algo idêntico ocorreu com os transportes coletivos, principalmente trens, na medida em que foram surgindo. Os acidentes multiplicaram-se, deixando as vítimas em situação de desvantagens. Como iriam provar a culpa do transportador por um acidente ocorrido a centenas de quilômetros de casa, em condições desconhecidas para as vítimas ou seus familiares?285
A eclosão da teoria da responsabilidade na guarda da coisa (responsabilidade
objetiva) também teve fundamento inicial na necessidade de se amparar as vítimas de acidente
de trabalho. Ruis Stoco, citando Savatier e Josserand, mostra a preocupação da doutrina em
distribuir com eqüidade o onus probandi, atribuindo-se ao empregador o dever de guarda das
máquinas e, conseqüentemente, o dever de indenizar eventual dano causado ao trabalhador:
Invoca comentário de Savatier quando expunha: ‘Autores como Josserand, preocupados com o problema da eqüidade levantado pela reparação dos acidentes do trabalho, tiveram a idéia de utilizar o art. 1.384 (do Código de Napoleão) para tornar sistematicamente o dono de uma coisa inanimada responsável pelos danos por esta causados. Embora seja certo que o sentido dos textos deva evoluir com a vida do direito e as novas necessidades sociais, a fórmula utilizada se prestava muito mal ao resultado procurado: não era, realmente, o dono da coisa que ela tornava responsável pelo dano por esta produzido, mas aquele que tivesse a guarda da coisa’. ‘Ora, o fim perseguido pelos intérpretes do (referido) art. 1.384 (da legislação alienígena) fora fazer o patrão responsável pelos acidentes causados por suas máquinas, mas o texto levava a atribuir a responsabilidade ao operário encarregado de manejar essas máquinas, visto se este o verdadeiro guardião delas. Tornou-se necessário, portanto, considerar que o ‘guardião’ não era o ‘operador’, mas o ‘dono da máquina’ ’ (Cours de droit civil, t. 2, n. 301, p. 149). 286
Como visto, o art. 1.384 do Código de Napoleão, que data de 1804, chegou a sofrer
interpretação doutrinária em prol do trabalhador. No entanto, os doutrinadores Rui Stoco e
Sergio Cavalieri Filho, pelos motivos já expostos, associaram-se à corrente subjetivista.
Caio Mário, um dos idealizadores do novo Código Civil, sustentou, com fundamento
na História, a responsabilidade objetiva por acidentes de trabalho. Sebastião Geraldo de
Oliveira transcreveu os ensinamentos de Caio Mário:
Vale reproduzir, neste sentido, a lição sempre abalizada do mestre Caio Mário: ‘O caso mais flagrante de aplicação da doutrina do risco é o da indenização por acidente no trabalho. Historicamente, assenta na concepção doutrinária enunciada por Sauzet na França, e por Sainctelette na Bélgica, com a observação de que na
285 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 154. 286 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: RT, 2004, p. 934.
grande maioria dos casos os acidentes ocorridos no trabalho ou por ocasião dele, restavam não indenizados. A desigualdade econômica, a força de pressão do empregador, a menor disponibilidade de provas por parte do empregado levavam freqüentemente à improcedência da ação de indenização. Por outro lado, nem sempre seria possível vincular o acidente a uma possível culpa do patrão, porém, causada direta ou indiretamente pelo desgaste do material ou até pelas condições físicas do empregado, cuja exaustão na jornada de trabalho e na monotonia da atividade proporcionava o acidente. A aplicação da teoria da culpa levava bastas vezes à absolvição do empregador. Em tais hipóteses, muito numerosas e freqüentes, a aplicação dos princípios jurídicos aceitos deixava a vítima sem reparação, contrariamente ao princípio ideal de justiça, embora sem contrariedade ao direito em vigor. Observa-se, portanto, um divórcio entre o legal e o justo’.287
Miguel Reale, um dos grandes idealizadores do Código Civil, tinha em mira a
responsabilidade objetiva para acidentes de trabalho em atividades perigosas, conforme relato
da doutrina:
Esclarece o jurista Miguel Reale, o grande maestro do projeto do Código Civil: ‘quando a estrutura ou natureza de um negócio jurídico como o de transporte ou de trabalho, só para lembrar os exemplos mais conhecidos, implica a existência de riscos inerentes à atividade desenvolvida, impõe-se a responsabilidade objetiva de quem dela tira proveito, haja ou não culpa’. 288 (sem grifo no original).
Maria Helena Diniz concluiu pela responsabilidade subjetiva, mas teceu argumentos
consideráveis em prol da responsabilidade objetiva, pois é visível a deficiência da teoria da
culpa para atender ao conceito moderno de responsabilidade civil. O crescente
desenvolvimento tecnológico e a necessidade de se implantar um processo de humanização
capaz de preservar a dignidade da pessoa humana devem balizar os rumos do direito nas
próximas décadas. A autora civilista destacou o dever de proteção aos trabalhadores:
A insuficiência da culpa para cobrir todos os prejuízos, por obrigar a perquirição do elemento subjetivo na ação, e a crescente tecnização dos tempos modernos, caracterizado pela introdução de máquinas, pela produção de bens em larga escala e pela circulação de pessoas por meio de veículos automotores, aumentando assim os perigos à vida e à saúde humana, levaram a uma reformulação da teoria da responsabilidade civil dentro de um processo de humanização. Este representa uma objetivação da responsabilidade, sob a idéia de que todo o risco deve ser garantido, visando a proteção jurídica à pessoa humana, em particular aos trabalhadores e às vítimas de acidentes, contra a insegurança material, e todo dano deve ter um responsável. A noção de risco prescinde da prova de culpa do lesante, contentando-se com a simples causação externa, bastando a prova de que
287 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 105. 288 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 107.
o evento decorreu do exercício da atividade, para que o prejuízo por ela criado seja indenizado. Baseia-se no princípio do ubi emolumentum, ibi ius (ou ibi onus), isto é, a pessoa que se aproveita dos riscos ocasionados deverá arcar com as conseqüências. 289(sem grifo no original).
Para refutar a idéia subjetiva, são necessários argumentos jurídicos convincentes;
primeiramente, deve-se destacar que o art. 7º da Constituição Federal não é taxativo, isto é, os
direitos conferidos aos trabalhadores podem estar previstos em outras normas jurídicas,
inclusive em diplomas inferiores, desde que mais benéficas ao trabalhador. Assim, trata-se de
rol exemplificativo. O próprio dispositivo contém essa ressalva: “São direitos dos
trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição
social”.
Vale repetir que outros direitos podem ser previstos aos trabalhadores, não havendo
qualquer restrição constitucional, de modo que o STF reconheceu como constitucional o art.
118 da Lei 8.213/91290 - Ação Direta de Inconstitucionalidade, STF, nº. 639-8. A
Constitucionalidade também foi reconhecida pelo TST (Súmula 378). Segundo Sebastião
Geraldo de Oliveira, o fundamento da doutrina discordante quanto à garantia provisória de
emprego encontra-se no art. 7º, I, da CF/88, pois somente lei complementar poderia criar nova
estabilidade 291. Pode-se afirmar, assim, que não há contradição ou inconstitucionalidade
entre o parágrafo único do art. 927 do Código Civil e o art. 7º, XXXIII da Constituição
Federal, uma vez que é clara a possibilidade de se conceder outros direitos aos trabalhadores.
Além disso, o princípio da proteção ao trabalhador permite a prevalência de normas
inferiores sobre normas superiores quando estas se mostrarem desfavoráveis ao trabalhador.
289 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 17. ed. aum. e atual. vol. 7. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 11 290 Art. 118, Lei 8.213/91: “O segurado que sofreu acidente do trabalho tem garantida, pelo prazo mínimo de doze meses, a manutenção do seu contrato de trabalho na empresa, após a cessação do auxílio-doença acidentário, independentemente de percepção de auxílio-acidente”. 291 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 104.
Observa-se, assim, que a hierarquia normativa rígida e inflexível do Direito Civil não pode ser
transportada para o Direito do Trabalho, pois neste vige o princípio da norma mais favorável
ao trabalhador; por conseguinte, pode-se afirmar que a Constituição Federal nada mais fez do
que constitucionalizar direitos mínimos, que podem ser majorados por normas inferiores. Pelo
princípio da norma mais favorável, havendo pluralidade de normas, com vigência simultânea,
aplicáveis à mesma situação jurídica, deve-se optar pela mais favorável ao trabalhador292.
Nesse contexto, são evasivos os argumentos fundados na hierarquia normativa, pois para o
Direito do Trabalho a norma é hierarquicamente superior somente quando for mais benéfica
ao trabalhador.
Cláudio Brandão sustenta a responsabilidade objetiva nas próprias disposições
constitucionais. Para o referido autor, também não se trata de normas incompatíveis, motivo
pelo qual não há que se falar em antinomia normativa (contradição). Ademais, o princípio da
compatibilidade vertical, consagrado pelo caput do art. 7º da Constituição Federal, determina
que as leis inferiores não poderão ser aprovadas quando frustrarem a melhoria das condições
sociais do trabalhador. No presente caso, não há uma frustração, mas sim um melhoramento.
Nem mesmo a alegação de natureza constitucional do art. 7º, XXVIII, da CF/88 é suficiente
para eliminar a aplicação do parágrafo único do art. 927 do CC. Nesse caso, prevalecem as
normas constitucionais que estabelecem direitos fundamentais como as destinadas à proteção
do trabalhador.293
Destaque-se, ainda, que, dentre os direitos estabelecidos pelo art. 7º da CF/88, o
inciso XXII garante ao trabalhador a “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de
normas de saúde, higiene e segurança”. A dignidade da pessoa humana é princípio inarredável
292 BRANDÃO, Cláudio. Acidente do trabalho e responsabilidade civil do empregador. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 277. 293 BRANDÃO, Cláudio. Acidente do trabalho e responsabilidade civil do empregador. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 279-285.
do ordenamento jurídico (art. 1º, III, CF) e todas as leis devem submeter-se a esse critério,
uma vez que o direito caminha para o amadurecimento social, com a valorização do ser e não
do ter.
Não se pode deixar de abordar, ainda, questão relevante sobre o meio ambiente de
trabalho. Nos termos do caput do art. 225 da CF/88 “Todos têm direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de
vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para
as presentes e futuras gerações”. O meio ambiente foi classificado, para fins didáticos e
práticos, em meio ambiente natural, artificial, cultural e do trabalho. Além disso, o art. 200,
VIII, da CF/88 incluiu o local de trabalho no conceito de meio ambiente.
Raimundo Simão de Melo, valendo-se da doutrina de Celso Antonio Pacheco
Fiorillo, conceitua o meio ambiente de trabalho:
O meio ambiente do trabalho é ‘o local onde as pessoas desempenham suas atividades laborais, sejam remuneradas ou não, cujo equilíbrio está baseado na salubridade do meio e na ausência de agentes que comprometam a incolumidade físico-psíquica dos trabalhadores, independentemente da condição que ostentem (homens ou mulheres, maiores ou menores de idade, celetistas, servidores públicos, autônomos, etc)’. 294
O meio ambiente de trabalho é direito fundamental de todos os cidadãos. Ao
empregador, em especial, cabe a proteção do meio ambiente do trabalho. A responsabilidade
civil decorrente da violação do meio ambiente é objetiva, inclusive com relação ao meio
ambiente do trabalho, nos termos do parágrafo 3º do art. 225 da CF/88, que não cogita de dolo
ou culpa: “§ 3º. As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os
infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente
da obrigação de reparar os danos causados”. O art. 14, § 1º da Lei nº. 6.938/81 (Lei da
294 MELO, Raimundo Simão de. Direito ambiental do trabalho e a saúde do trabalhador. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 24.
Política Nacional do Meio Ambiente) já determinava responsabilidade objetiva ao agente
poluidor, incluindo-se, aí, o empregador.
Indaga-se, então, qual o critério utilizado pelo legislador constituinte para a proteção
à saúde do trabalhador, na medida em que há notável contradição entre a responsabilidade
objetiva do meio ambiente de trabalho (art. 225 da CF) e a responsabilidade subjetiva do
empregador com relação aos seus empregados (art. 7º, XXVII, CF).
Sebastião Geraldo de Oliveira sintetizou o problema e demonstrou seu
inconformismo:
Vale dizer, a propósito, que não faz sentido a norma ambiental proteger todos os seres vivos e deixar apenas o trabalhador, o produtor direto dos bens de consumo, que, muitas vezes, consome-se no processo produtivo, sem a proteção legal adequada. Ora, não se pode esquecer – apesar de óbvio, deve ser dito – que o trabalhador também faz parte da população e é um terceiro em relação ao empregador poluidor. Além disso, não há dúvida de que o ruído, a poeira, os gases e vapores, os resíduos, os agentes biológicos e vários produtos químicos degradam a qualidade do ambiente de trabalho, gerando conseqüências nefastas para a saúde do empregado. 295
Além disso, há outras e também evidentes contradições, conforme assevera Cláudio
Brandão:
É certo que Júlio César de Sá da Rocha já diagnosticou uma aparente antinomia entre o art. 7º, XXIII e os dispositivos do art. 1º, III, art. 3º, IV, art. 5º, art. 225, caput, art. 200, VIII e art. 7º, XXII, todos da Constituição Federal, ao parecer contraditória a garantia a todos do direito à vida digna, a um ambiente ecologicamente equilibrado, a um bem-estar efetivo e ao mesmo tempo a previsão de pagamento de adicionais de periculosidade, insalubridade e penosidade, que equivalem à monetização do risco profissional e mercantilização da saúde do trabalhador. [...] Também Ana Paola dos Santos Machado Diniz, para quem a monetarização do risco no trabalho é fruto de ‘uma lógica perversa do sistema que admite a barganha dos males decorrentes das condições de trabalho, atuando, também de modo oblíquo, no adoecimento do trabalhador’. Significa, em outras palavras, o direito atribuído ao empregador de, mediante o pagamento de adicionais irrisórios, manter condições de trabalho insalubres e, por conseguinte, capazes de matar aos poucos o empregado ou de lhe causar danos irreversíveis, num cenário onde a fiscalização das normas de Segurança e Medicina do trabalho se revela precária e ineficiente, diante do reduzido número de fiscais.296
295 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 95. 296 BRANDÃO, Cláudio. Acidente do trabalho e responsabilidade civil do empregador. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 286.
Há quem defenda, porém que o art. 7º, XXVIII, está relacionado somente ao acidente
de trabalho tipo individual. Havendo doença ocupacional decorrente da poluição ambiental, a
responsabilidade é objetiva (art. 225, § 3 º, CF). Em tal caso, haveria dano ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, direito eminentemente metaindividual, conforme doutrina de
Julio César de Sá da Rocha, citado por Sebastião Geraldo de Oliveira297. Nessa linha, Maria
Helena Diniz, para quem só haveria responsabilidade objetiva quando o dano, decorrente do
meio ambiente de trabalho, violar direito coletivo ou difuso298. A entender dessa forma, o
disparate continua como bem aponta a doutrina:
João José Sady aponta inquietante contradição lógica, que reforça a tese da responsabilidade objetiva para o caso das indenizações provenientes das doenças ocupacionais: ‘Imaginemos, por exemplo, que o poluidor-pagador deve reparar, independentemente de culpa, o prejuízo gerado pelo dano ambiental ao terceiro. Como hipótese, examine-se o caso de uma empresa que polui um rio destilando um poluente orgânico persistente, que gera doenças terríveis para o empregado, assim como a degradação do curso de água. O terceiro que tem uma propriedade ribeirinha prejudicada irá gozar do conforto de tal responsabilidade objetiva do poluidor, enquanto o empregado doente terá que provar a culpa da empresa?’ 299
Raimundo Simão de Melo escreveu artigo sobre a responsabilidade objetiva e
inversão da prova nos acidentes de trabalho, cuja conclusão transcreve-se:
a) A responsabilidade pelos danos causados à saúde do trabalhador, quanto ao fundamento, aplica-se, além do inciso XXVIII do art. 7º da Constituição, o § 3º do art. 225 da CF, o § 1º do art. 14 da Lei nº. 6.938/81, o parágrafo único do art. 927 e os arts. 932-III, 933 e 942, parágrafo único do Código Civil; b) Nas doenças ocupacionais e acidentes decorrentes dos danos ao meio ambiente, a responsabilidade do empregador é objetiva;
c) Nos acidentes de trabalho decorrentes de atividades de risco, a responsabilidade do empregador é objetiva; d) Nos acidentes em atividades comuns, por condições inseguras de trabalho (descumprimento das normas-padrão de segurança e higiene do trabalho), a
297 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 96. 298 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 17. ed. aum. e atual. vol. 7. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 439. 299 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 97.
responsabilidade do empregador é subjetiva, com inversão do ônus da prova para autor do dano; e) Por ato inseguro de culpa exclusiva do trabalhador, devidamente comprovado pelo empregador, este ficará isento do dever de reparação; f) Pelos danos causados à saúde do trabalhador por ato ou fato de terceiro (terceirização, quarteirização etc.) responde o empregador ou tomador de serviços solidária e objetivamente; g) Nos acidentes de trabalho envolvendo servidor público, a responsabilidade do servidor público, a responsabilidade do Estado é objetiva.300
Sebastião Geraldo de Oliveira, depois de citar vários doutrinadores, não hesitou em
afirmar que a responsabilidade civil objetiva por acidentes do trabalho é mera questão de
tempo. Muitos dos doutrinadores citados pelo referido autor têm viés subjetivista; no entanto
sustentam que os riscos da atividade desenvolvida, inclusive em atividades laborais, implicam
responsabilidade objetiva. O referido autor, assim conclui: “por tudo que foi exposto e
considerando o centro de gravidade das lições dos doutrinadores mencionados, é
possível concluir que a implementação da responsabilidade civil objetiva ou teoria do
risco, na questão do acidente do trabalho, é mera questão de tempo”301 (sem grifo no
original).
Sustentam alguns doutrinadores que a implantação da responsabilidade civil objetiva
pode levar à ruína determinadas empresas, que não terão ativo suficiente para cobrir os danos
causados, inviabilizando-se, inclusive, a atividade empresarial. A doutrina tem sinalizado pelo
que denomina de “socialização dos riscos”, mediante seguro de responsabilidade civil,
conforme dispõe o art. 787 do Código Civil: “No seguro de responsabilidade civil, o
segurador garante o pagamento de perdas e danos devidos pelo segurado a terceiro”. Sobre a
socialização do risco, a manifestação doutrinária:
300 MELO, Raimundo Simão de. Responsabiliade objetiva e inversão da prova nos acidentes de trabalho. São Paulo: Ltr, ano 70, nº 01, janeiro de 2006. p. 33. 301 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 121.
Pode-se argumentar, com razão, que a indenização representará um custo elevado para o empregador, sendo que, em alguns casos, poderá até inviabilizar o prosseguimento da sua atividade. No entanto, é provável que a técnica da socialização dos riscos, por intermédio do mecanismo inteligente do seguro de responsabilidade civil, venha a ser o ponto de equilíbrio para acomodar todos os interesses, sem ônus excessivos para ninguém. Como enfatizou a rainha Elizabeth I, há mais de três séculos: ‘Com o seguro, o dano é um fardo que pesa levemente sobre um grande número de pessoas, em vez de insuportavelmente sobre um pequeno número’. 302
Não se pode confundir, todavia, seguro de “coisas” com seguro de “pessoas”.
Quando se faz o seguro de um objeto, tende-se a reduzir os cuidados com esse objeto,
justamente por estar assegurado e, na eventual hipótese de dano, terá ressarcido seu valor. Um
veículo automotor, por exemplo, poderá ser estacionado em qualquer rua sem maiores
preocupações com furto, quando se paga a apólice de seguro. O mesmo não se pode afirmar
quando o veículo ficar somente sobre a guarda de seu proprietário que, certamente, não
medirá esforços para proteger seu bem. Uma vez assegurado o trabalhador contra eventual
risco por acidentes de trabalho, é presumível que os cuidados que devem circunscrever o
ambiente de trabalho sejam drasticamente reduzidos pelo empregador, por conta do seguro.
Ademais, não se sabe a extensão do dano, e a seguradora estipulará um valor fixo indenizável,
que poderá não ser suficiente para reparar os prejuízos. O seguro pessoal do trabalhador
poderá suavizar a indenização devida pelo empregador, mas jamais substituirá o dever de
cuidado deste.
Isso é facilmente perceptível quando o empregador alega em sua defesa que
contribuiu com o seguro obrigatório instituído pela Previdência Social para cobrir eventuais
riscos, como se suficiente fosse para eximir-se da culpa pelo acidente ocorrido. Tanto é, que
persiste divergência jurisprudencial sobre a cumulação de indenização civil com a
previdenciária, prevalecendo o entendimento de que são cumuláveis. A justificativa é muito
302 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 2. ed.
São Paulo: LTr, 2006, p. 121-122.
simples: o tratamento dispensado às coisas não pode ser igual ao dispensado às pessoas.
Aquelas são substituíveis, estas são únicas e indivisíveis. Tem-se, assim, que a socialização
do risco servirá apenas para garantir um mínimo desejável, como ocorre com o seguro contra
acidentes de trabalho instituído pelo Governo Federal. Outra questão que vale observar:
exceto o Estado, quem mais disponibilizaria seguro com cobertura integral e ilimitada de
todos os danos (material, moral, estético etc.)?
Na verdade, existem muitas propostas para solucionar problemas e poucos debates
para evitar problemas. Deve-se fazer uso de medidas preventivas, com fiscalização adequada
e eficiente no ambiente do trabalho, a cargo do empregador e do Estado. Não havendo
mudança radical no comportamento empresarial, muitas pessoas terão suas vidas ceifadas e
outras tantas ficarão sem parte de seu corpo, inválidas, readaptadas etc.
4.9 Responsabilidade civil: novas tendências
Diante do exposto até o momento, resta indagar para onde caminha a
responsabilidade civil e que rumos tomará daqui para diante.
Para Carlos Alberto Menezes Direito e Sérgio Cavalieri Filho, a tendência é a
socialização dos riscos, que ganhará reforços, ampliando cada vez mais o campo da
responsabilidade civil objetiva. Se antes a regra era a irresponsabilidade, de agora em diante,
cada vez mais o manto da culpa será abrandado pela solidariedade social e pela proteção ao
cidadão, consumidor e usuários de serviços públicos e privados. 303
303 DIREITO, Carlos Alberto Menezes; CAVALIERI FILHO, Sérgio. Comentários ao novo Código Civil, vol. XIII: da responsabilidade civil, das preferências e privilégios creditórios. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 39-40.
Buscam a doutrina, a jurisprudência e o legislador, através de meios e processos
técnicos apropriados, voltar-se para a vítima do dano e não mais enfocar como central o autor
do ato ilícito. Em outras palavras, assim preceitua a doutrina:
A responsabilidade, antes centrada no sujeito responsável, volta-se agora para a vítima e a reparação do dano por ela sofrido. O dano, nessa nova perspectiva, deixa de ser apenas contra a vítima para ser contra a própria coletividade, passando a ser um problema de toda a sociedade. Ao fim e ao cabo, a sociedade de nossos dias está em busca de uma melhor qualidade de vida, e o direito é instrumento poderoso para garantir essa aspiração maior das pessoas humanas.304
Rui Stoco faz importante ponderação a respeito do sentimento de insatisfação,
decorrente da utilização generalizada da teoria da responsabilidade subjetiva como forma de
caracterizar a obrigação de reparar o dano causado:
A insatisfação com a teoria subjetiva, magistralmente posta à calva por Caio Mário, tornou-se cada vez maior, e evidenciou-se a sua incompatibilidade com o impulso desenvolvimentista de nosso tempo. A multiplicação de oportunidades e das causas de danos evidenciaram que a responsabilidade subjetiva mostrou-se inadequada para cobrir todos os casos de reparação.305
No dizer de Carlos Roberto Gonçalves "a inovação constante do parágrafo único do
art. 927 do Código Civil será significativa e representará, sem dúvida, um avanço, entre nós,
em matéria de responsabilidade civil. Pois a admissão da responsabilidade sem culpa pelo
exercício de atividade que, por sua natureza, representa risco para os direitos de outrem, da
forma genérica como consta do texto, possibilitará ao Judiciário uma ampliação dos casos de
dano indenizável.” 306
Com efeito, a alteração introduzida pelo dispositivo em comento é efetivamente
aquela que pode ser considerada como uma das mais importantes no campo da
responsabilidade civil, porquanto delega ao Judiciário a tarefa de interpretar a atividade
304 DIREITO, Carlos Alberto Menezes; CAVALIERI FILHO, Sérgio. Comentários ao novo Código Civil, vol. XIII: da responsabilidade civil, das preferências e privilégios creditórios. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 40. 305 STOCO, Rui. Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial. 4. ed. São Paulo: RT, 1999, p. 76. 306 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 25.
desenvolvida como de risco ou não para efeitos de definir a responsabilidade como objetiva.
Este também é o posicionamento de Sílvio Rodrigues, ao comentar o parágrafo único do
artigo 927 do Código Civil:
A segunda hipótese é de considerável interesse, pois se inspira diretamente na teoria do risco em sua maior pureza. Segundo esta, como vimos, se alguém (o empresário, por exemplo), na busca de seu interesse, cria um risco de causar dano a terceiros, deve repará-lo, mesmo se agir sem culpa, se tal dano adveio. [...] Muito aplauso merece o legislador de 2002 pela inovação por ele consagrada. Em conclusão, poder-se-ia dizer que o preceito do novo Código representa um passo à frente na legislação sobre a responsabilidade civil, pois abre uma porta para ampliar os casos de responsabilidade civil, confiando no prudente arbítrio do Poder Judiciário o exame do caso concreto, para decidi-lo não só de acordo com o direito estrito, mas também, indiretamente, por eqüidade.307
Admitindo-se a tendência atual da doutrina e jurisprudência de ampliar o acesso à
reparabilidade plena e aceitando a teoria do risco, não se pode negar que a atividade do
Judiciário, no sentido de responsabilizar objetivamente o empresário ou comerciante pelos
danos que causar em função do exercício de sua atividade, será um caminho fértil para o
enraizamento da responsabilidade objetiva como regra geral.
Assim, a responsabilidade civil evoluiu sob uma legislação estratificada, onde juízes,
advogados e membros do Ministério Público formam a alma do progresso jurídico, os
artífices de um novo direito em contraposição às velhas fórmulas do direito tradicional.
Visa-se, hodiernamente, mais do que nunca, o empenho na realização da Justiça, na
construção de uma sociedade mais justa, solidária e com melhor qualidade de vida. E, sendo a
justiça um sistema aberto de valores em constante mutação, por mais brilhante que seja a lei
ou um código, será sempre necessária à criação de novas fórmulas jurídicas para ajustar a
norma às constantes transformações sociais e aos novos ideais da justiça.
Assim, o legislador criando a lei, e o direito sendo muito maior do que a lei, a
primeira não passa de uma forma de positivação do direito. Logo, quem dá vida à lei,
307 RODRIGUES, Silvio. Curso de Direito Civil. 19. ed. VOL. 4. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 227.
tornando-a efetiva e eficaz, são os profissionais do direito em conjunto com os destinatários
da lei, sem os quais o direito não passará de uma estrutura formal e a justiça de mera
utopia.308
José de Aguiar Dias, discorrendo sobre as novas tendências da responsabilidade civil,
apontou como melhor trabalho desenvolvido nesse aspecto, o apresentado por Anderson
Schreiber, publicado na Revista Trimestral de Direito Civil, Editora Padma, ano 6, vol. 22,
abr/jun, 2005, os. 45/69. A seguir, apontam-se as novas tendências indicadas pelos referidos
autores e registrada na obra de José de Aguiar Dias309:
a) Flexibilidade dos tribunais na exigência da prova do nexo causal – os tribunais
estão mais flexíveis na exigência da prova do nexo causal, pois são inúmeros os danos que
ficam sem ressarcimento devido à dificuldade de se provar o nexo. Juízes e partes, não raras
vezes, têm absoluta certeza de que determinado produto ou bem, por sua própria natureza,
provocou lesão à vítima. Porém, o prejuízo não pode ser ressarcido, ante a dificuldade de se
estabelecer o nexo causal. Admite-se, então, recurso a novas teorias sobre a causalidade
flexível, virtual, moral e demais teses que interferem na atual concepção do nexo de
causalidade.
b) Coletivização das ações de responsabilidade civil – essa tendência, além de
superar as dificuldades de acesso individual à justiça, tem o compromisso de agrupar as ações
e de unificar as decisões para todas as vítimas de forma mais coerente. O agrupamento de
ações facilitará a análise do caso com maior profundidade e justiça, evitando decisões
contraditórias. Além disso, há concentração dos mais diversos atos processuais como prazos,
recursos, manifestações, provas etc.
308 DIREITO, Carlos Alberto Menezes; CAVALIERI FILHO, Sérgio. Comentários ao novo Código Civil, vol. XIII: da responsabilidade civil, das preferências e privilégios creditórios. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 41-42. 309 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 11. ed. revista, atualizada de acordo com o Código Civil de 2002, e aumentada por Rui Berford Dias. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 52-53.
c) Expansão do dano ressarcível – os danos provocados, que passaram
imperceptíveis ao longo da história da humanidade, estão assumindo dimensões diversas. Não
faz muito que o dano moral foi concebido em nosso país. Hoje, como bem situou Anderson
Schreiber, fala-se em dano à vida sexual, dano por nascimento indesejado, dano à identidade
pessoal, dano hedonístico (prazer), dano de mobbing (assédio moral), dano de mass media
(meios de comunicação de massa como televisão, rádio, revista, jornal, etc), dano de férias
arruinadas, dano de brincadeiras cruéis, dano à honra, dano à imagem, dano estético, etc.
d) Despatrimonialização da reparação – a reparação material do dano nem sempre
se mostra a mais adequada. Existem situações em que, para se voltar ao status quo ante, é
necessário que o dano sofra um caminho inverso, ou seja, retorne em sua origem e seja
esvaziado. A retratação pública é o instrumento mais utilizado e os tribunais utilizam-na em
larga escala, inclusive nos casos em que ela não está prevista.
e) Prevenção do dano – (perda de exclusividade da responsabilidade civil como
remédio à produção de danos) – é cada vez maior o interesse doutrinário pela prevenção do
dano. Vários institutos preventivos foram criados para esse fim como as cautelares, ações
inibitórias e demais medidas do gênero, com o objetivo específico de prevenir dano iminente.
O próprio Estado tem trabalhado mais no método preventivo para evitar inúmeros fatos
passíveis de indenizações. Nesse aspecto, a responsabilidade civil perdeu a exclusividade
como remédio à produção de danos.
4.10 Culpa e dolo no acidente do trabalho
A culpa pode ser dividida em dolo e culpa em sentido estrito (stricto sensu). O dolo
decorre da vontade do agente em produzir um resultado antijurídico. A culpa em sentido
estrito deriva de comportamento equivocado do agente, ou seja, é o agir com negligência,
imperícia e imprudência
A responsabilidade objetiva independe de culpa, pois pela teoria do risco basta
comprovar o nexo causal existente entre o acidente e a atividade do empregador. Já a
responsabilidade subjetiva repousa na culpa, exigindo-se o dano, o nexo e a culpa do
empregador. Contudo, mesmo na responsabilidade objetiva, é importante destacar a culpa do
empregador, pois a pretensão terá mais êxito e a indenização poderá sofrer majoração por
conta disso, especialmente o dano moral. A doutrina assinala que tanto a culpa como o dolo
podem gerar, além de responsabilidade civil, repercussões jurídicas na esfera penal, na
modalidade dolosa ou culposa, respectivamente310. Ou seja, o empregador poderá responder
por lesões corporais ou homicídio, culposo ou doloso.
O dolo dispensa maiores indagações, pois é rara a ocorrência desta modalidade em
acidente de trabalho. Ainda que possa existir, basta a culpa para garantir o dever de indenizar.
E é na culpa em sentido estrito que deságua a maioria dos acidentes de trabalho. Carlos
Roberto Gonçalves definiu a culpa nos seguintes termos:
A conduta imprudente consiste em agir o sujeito sem as cautelas necessárias, com açodamento e arrojo, e implica sempre pequena consideração pelos interesses alheios. A negligência é a falta de atenção, a ausência de reflexão necessária, uma espécie de preguiça psíquica, em virtude da qual deixa o agente de prever o resultado que podia e devia ser previsto. A imperícia consiste sobretudo na inaptidão técnica, na ausência de conhecimentos para a prática de um ato, ou omissão de providência que se fazia necessária; é, em suma, a culpa profissional.311(sem grifo no original).
Rui Stoco apontou a culpa do empregador através da classificação:
A culpa stricto sensu decorrerá da ação ou da omissão voluntária do empregador ou de seus prepostos, ou seja, a negligência, que apresenta inúmeras facetas, podendo decorrer da falta da obligatio ad diligenciam, da culpa in ommitendo ou in vigilando ou, ainda, da culpa in custodiendo; a imprudência, que significa o descumprimento das regras de segurança do trabalho e a imperícia, quando o desconhecimento, por
310 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 147. 311 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 11.
parte do patrão, das condições profissionais e das normas técnicas das rotinas de trabalho e da forma de executá-lo conduzam ao evento lesivo.312 313
A culpa é tratada no art. 186 do Código Civil de 2002: “Aquele que, por ação ou
omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda
que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Embora não conste o termo imperícia no
conceito legal de culpa, entende-se que a expressão negligência abrange também a imperícia.
Também interessa a esta pesquisa a distinção entre culpa contra a legalidade, que
decorre de violação da norma legal, e culpa por violação do dever geral de cautela, quando
decorre de violação de qualquer direito, em sentido lato, conforme expressão ampla do art.
186 do Código Civil (violar direito).
4.10.1 Culpa contra a legalidade
A culpa contra a legalidade ocorre quando o dever transgredido resulta de texto
expresso de lei ou regulamento. No direito do trabalho, são inúmeras as normas que tratam da
saúde, proteção, segurança e higiene do trabalhador; há lei que proíbe ou estabelece
determinada conduta, cabendo aos responsáveis tomar todas as providências necessárias para
evitar danos. Quando se viola norma legalmente imposta, presume-se a culpa do agente, com
inversão do ônus da prova (culpa presumida). A CLT comporta várias regras jurídicas, que
acabam criando verdadeira presunção de veracidade em prol do empregado. Trata-se de
presunção relativa, elidível por prova em contrário. Sergio Cavalieri Filho discorreu sobre a
culpa contra a legalidade:
312 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: RT, 2004, p. 603. 313Culpas: obligatio ad diligenciam (falta da obrigação de ser diligente); in ommitendo (por omissão); in vigilando (por falta de vigilância); in custodiendo (pela falta na guarda de pessoa, animal ou objeto).
Fala-se em culpa contra a legalidade quando o dever violado resulta de texto expresso de lei ou regulamento, como ocorre, por exemplo, com o dever de obediência aos regulamentos de trânsito de veículos motorizados, ou com o dever de obediência a certas regras técnicas no desempenho de profissões ou atividades regulamentares. A mera infração da norma regulamentar é fator determinante da responsabilidade civil; cria em desfavor do agente uma presunção de ter agido culpavelmente, incumbindo-lhe o difícil ônus da prova em contrário. O insigne Des. Martinho Garcez Neto, baseado nas lições de Jorge Peirano Facio, Rabut e Deliyannis, assim caracteriza a culpa contra a legalidade: ‘O resultado prático dessas considerações consiste nisto: se o dano resultou da violação de determinada obrigação imposta por lei ou regulamento, não há que apreciar a conduta do agente. Estabelecido o nexo causal, entre o fato danoso e a infração da norma regulamentar, nada mais resta a investigar: a culpa – que é in re ipsa – está caracterizada, sem que se torne necessário demonstrar que houve imprudência ou imperícia’ (Prática da Responsabilidade Civil, 2ª, ed., p. 128).( sem grifo no original).314 315
Mesmo que se considere vencida a tese objetiva do risco criado em acidentes do
trabalho, há que se argumentar, ainda, em prol da doutrina da culpa contra a legalidade (culpa
presumida), antes de se acolher a responsabilidade subjetiva. Isso porque, como já relatado,
as normas trabalhistas, em sua quase plenitude, possuem caráter imperativo, dirigidas ao
empregador, especialmente quando se trata de medicina e segurança do trabalhado.
Se a doutrina subjetivista sustenta que o art. 7º, XXVIII, da CF/88 exige culpa ou
dolo do empregador e não admite sequer a inversão do ônus da prova, dúvidas pairam, então,
quanto à finalidade do disposto no inciso XXII, do mesmo artigo, que garante ao trabalhador a
“redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”.
Não se pode negar que se trata de norma imperativa, determinando o cumprimento ao
empregador, uma vez que estão em jogo direitos fundamentais inalienáveis como a vida e a
integridade física do ser humano. Havendo burla a esta norma, há incidência da teoria da
culpa contra a legalidade, presumindo-se que o empregador não adotou todas as medidas
necessárias ao meio ambiente do trabalho. Se a culpa é presumida, inverte-se o ônus da prova.
314 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 65. 315 in re ipsa (culpa na coisa, culpa presumida).
Como cabe ao empregador dirigir e monitorar as atividades, é de sua responsabilidade manter
o ambiente de trabalho salubre.
A conduta do empregador em desacordo com a norma expressa gera o dever de
indenizar. O simples descumprimento da norma confirma sua negligência, imperícia e
imprudência. Poderá alegar, porém, as excludentes do nexo causal, além de produzir
contraprova com relação à negligencia, imperícia e imprudência.
Para abordar o assunto com mais precisão, é mister utilizar os apontamentos de
Sebastião Geraldo de Oliveira, que indicou os principais dispositivos legais de observância
obrigatória do empregador316. As normas sobre medicina e segurança no trabalho estão
previstas em diversos dispositivos legais: Constituição Federal, Convenções da OIT, Leis
Ordinárias, Portarias etc.
Conforme salientado, a Constituição Federal de 1988 estabelece, no art. 7º, XXII,
como direitos dos trabalhadores urbanos e rurais: “XXII - redução dos riscos inerentes ao
trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”. Por esse inciso, o empregador
deverá promover a redução de todos os riscos que afetam os trabalhadores como os riscos
físicos, químicos, biológicos, fisiológicos, estressantes, psíquicos etc. O art. 225 da CF/88 diz
que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do
povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o
dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. O meio ambiente do
trabalho inclui-se também no conceito geral de meio ambiente previsto no referido artigo. A
saúde do trabalhador deve ser preservada, pois é direito fundamental indissociável.
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) formalizou e fez valer em vários
países membros normas de segurança e medicina do trabalho por meio de Convenções;
muitas delas ratificadas pelo Brasil e que se encontram em vigor. Não comporta transcrever
316 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 150-160.
aqui todos os dispositivos e medidas preventivas em acidentes de trabalho. No entanto, é bom
frisar que as Convenções da OIT, como regra, contêm preceitos avançados, com normas
inovadoras e modernas. Existem Convenções específicas para determinadas atividades:
Convenção 115 (radiação ionizantes); Convenção 139 (substâncias ou produtos
cancerígenos); Convenção 148 (contaminação do ar, ruído e vibrações); Convenção 170
(produtos químicos) etc. Também há Convenções com aplicação mais genérica como
estabelece o art. 5 da Convenção 161 sobre Serviços de Saúde no Trabalho:
Artigo 5: Sem prejuízo da responsabilidade de cada empregador a respeito da saúde e a segurança dos trabalhadores que emprega e considerando a necessidade de que os trabalhadores participem em matéria de saúde e segurança no trabalho, os serviços de saúde no trabalho deverão assegurar as funções seguintes que sejam adequadas e apropriadas aos riscos da empresa para a saúde no trabalho: a) identificação e avaliação dos riscos que possam afetar a saúde no lugar de trabalho; b) vigilância dos fatores do meio ambiente de trabalho e das práticas de trabalho que possam afetar a saúde dos trabalhadores, incluídas as instalações sanitárias, refeitórios e alojamentos, quando estas facilidades forem proporcionadas pelo empregador; c) assessoramento sobre o planejamento e a organização do trabalho, incluído o desenho dos lugares de trabalho, sobre a seleção, a manutenção e o estado da maquinaria e dos equipamentos e sobre as substâncias utilizadas no trabalho; d) participação no desenvolvimento de programas para o melhoramento das práticas de trabalho, bem como nos testes e a avaliação de novos equipamentos, em relação com a saúde; e) assessoramento em matéria de saúde, de segurança e de higiene no trabalho e de ergonomia, bem como em matéria de equipamentos de proteção individual e coletiva; f) vigilância da saúde dos trabalhadores em relação com o trabalho; g) fomento da adaptação do trabalho aos trabalhadores; h) assistência em prol da adoção de medidas de reabilitação profissional; i) colaboração na difusão de informações, na formação e educação em matéria de saúde e higiene no trabalho e de ergonomia; j) organização dos primeiros socorros e do atendimento de urgência; k) participação na análise dos acidentes do trabalho e das doenças profissionais.317
Vê-se, claramente, a preocupação da OIT quanto à saúde do trabalhador. O
empregador será responsabilizado quando deixar de cumprir as normas de medicina e
segurança. Muitas vezes, porém, o empresário não tem conhecimento das medidas
317Disponível em: <http://www.trabalhoseguro.com/OIT/OIT_161_servicos_saude.htm>. Acesso em: 20 fev 2007.
preventivas que deve tomar. Para suprir esta necessidade, deverá contratar pessoas
especializadas na área, como Médicos do Trabalho e Engenheiros do Trabalho.
Além disso, há vasta legislação ordinária que trata da saúde e segurança do
trabalhador; muitos dos dispositivos estão previstos na CLT, do art. 154 a 201. O art. 200 da
CLT delega competência ao Ministério do Trabalho para estabelecer disposições
complementares e regular as normas relativas à Segurança e Medicina do Trabalho. O
Ministério do Trabalho editou, por conta disso, a Portaria nº. 3.214/78, atualmente com 32 NR
(Normas Regulamentadoras) de observância obrigatória pelas empresas.
Nos termos do art. 157 da CLT318, a empresa deverá, além de fornecer os
equipamentos de proteção e orientar o uso, exigir o cumprimento das normas de segurança. A
Súmula 289 do TST diz que “o simples fornecimento do aparelho de proteção pelo
empregador não o exime do pagamento do adicional de insalubridade. Cabe-lhe tomar as
medidas que conduzam à diminuição ou eliminação da nocividade, entre as quais as relativas
ao uso efetivo do equipamento pelo empregado”. A recusa injustificada do empregado ao
cumprimento das ordens do empregador constitui ato faltoso, passível de demissão por justa
causa, nos termos do art. 158, parágrafo único, da CLT.
A lei também determina a constituição de Comissão Interna de Prevenção de
Acidentes (CIPA), conforme dispõe o art. 163 da CLT. A CIPA foi regulamentada pela NR-5
da Portaria nº. 3.214/78 do Ministério do Trabalho, e tem como objetivo “a prevenção de
acidentes e doenças decorrentes do trabalho, de modo a tornar compatível permanentemente o
trabalho com a preservação da vida e a promoção da saúde do trabalhador” - (NR-5.1); sua
composição dar-se-á por representantes dos empregadores e dos empregados. O empregador
318Art. 157, CLT: “Cabe às empresas: I - cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho; II - instruir os empregados, através de ordens de serviço, quanto às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais; III - adotar as medidas que lhes sejam determinadas pelo órgão regional competente; IV - facilitar o exercício da fiscalização pela autoridade competente”.
deverá exibir em juízo documentos que comprovem a regular instituição e funcionamento da
CIPA, sob pena de se presumirem verdadeiros os fatos articulados pelo autor.
Os equipamentos individuais de proteção serão fornecidos gratuitamente aos
empregados; devem ser adequados e em perfeito estado de conservação (art. 166 da CLT e
NR-6 da Portaria nº. 3.214/78); serão realizados exames médicos obrigatórios, por conta do
empregador, na admissão, na demissão e periodicamente (art. 168 da CLT e NR-7 da Portaria
nº. 3.214/78). O objetivo é a promoção e a prevenção de doenças. Constatada a lesão, o
empregado deverá ser submetido a tratamento e, se necessário for, afastado do setor em que
há riscos.
As edificações físicas da empresa devem obedecer a critérios técnicos mínimos,
suficientes para garantir segurança e conforto ao trabalhador, conforme disposto nos art. 170 a
174 da CLT e NR-8 da Portaria nº. 3.214/78; já para os empregados que trabalharem em
instalações elétricas serão observados os art. 179 a 181 da CLT, regulamentado pela NR-10
da Portaria nº. 3.214/78. Um elevado número de acidentes acontece por acionamento
acidental de máquinas e equipamentos, por falta de dispositivos adequados como o de partida
e parada; esta matéria é tratada no art. 184 da CLT e na NR-12 da Portaria nº. 3.214/78.
A sinalização de segurança será feita através de rótulos e cores. Esse mecanismo tem
por objetivo identificar os equipamentos de segurança, especialmente quando há canalização
de gases e líquidos; observa-se o padrão internacional e está previsto no art. 197 da CLT e na
NR-26. Em matéria ergonômica, além do disposto no art. 198 e 199 da CLT, a NR-17 da
Portaria nº. 3.214/78 estabelece “parâmetros que permitam a adaptação das condições de
trabalho às características psico-fisiológicas dos trabalhadores, de modo a proporcionar um
máximo de conforto, segurança e desempenho eficiente” (NR-017.1).
O empregador deverá dar ciência inequívoca quanto aos riscos de determinada
atividade, pois “é dever da empresa prestar informações pormenorizadas sobre os riscos da
operação a executar e do produto a manipular” – art. 19, §3º da Lei 8.212/91; desse modo, há
maior controle preventivo de acidentes, evitando-se muitos danos indesejáveis à saúde do
trabalhador e à saúde financeira da empresa. Haverá culpa in eligendo do empregador quando
gerente e prepostos não determinam ou não cumprem as medidas de segurança. Os agentes
nocivos e perigosos à saúde deverão ser eliminados, pois o empregador responderá pela
ausência de fiscalização (culpa in vigilando) e pela omissão ( culpa in omittendo).
Além dos dispositivos celetários e das NR (Normas Regulamentadoras), o perito do
Juízo, responsável pelo laudo acidentário, poderá buscar subsídios em outros regulamentos,
inclusive da empresa. O perito não deve ficar adstrito às disposições legais, conforme destaca
a doutrina:
Com efeito, em muitas ocasiões o Perito do Juízo vai pesquisar, dentre outras, regras de trânsito, normas da ABNT, regras instituídas em posturas municipais, estaduais ou corporações profissionais ou ainda buscar os procedimentos geralmente aceitos e implantados, de acordo com a época, os recursos tecnológicos disponíveis e a área onde atuava a vítima. Tudo isso para apurar qual era o dever de segurança que o empregador deveria cumprir. 319
Identificado o descumprimento das normas de segurança e medicina do trabalho
pelo empregador, presume-se a culpa deste. Reconhece-se, porém, que o dever de diligência
do empregador, em muitas hipóteses, é demasiado; tal exagero, contudo, tem justificativa no
princípio da dignidade humana. O poder diretivo do empregador deve ser exercitado não
somente em relação às atividades da empresa, mas especialmente sobre o empregado
displicente. Se de um lado a lei faz imposições severas ao empresário, por outro, também lhe
concede o direito de dispensar, inclusive por justa causa, empregados que menosprezam
cuidados com o próprio corpo.
319 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 160.
4.10.2 Culpa por violação do dever geral de cautela
Embora vasta a legislação pertinente à segurança e saúde do trabalhador, é certo que
não alcança todas as condutas do empregador e do empregado. Além disso, muitas das regras
preventivas apontam diretrizes gerais para a conduta patronal que, por vezes, dificulta o
enquadramento direto em uma norma específica. Nestes casos, é necessário observar se a
conduta da empresa era como se esperava, ou se ficou aquém do dever geral de cautela.
A investigação passará, obrigatoriamente, pelo caso concreto. Analisa-se a
previsibilidade de ocorrência de acidentes e o comportamento esperado do homo medius,
consoante se observa na doutrina:
É consenso geral que não se pode prescindir, para a correta conceituação de culpa, dos elementos ‘previsibilidade’ e comportamento do homo medius. Só se pode, com efeito, cogitar de culpa quando o evento é previsível. Se, ao contrário, é imprevisível, não há cogitar de culpa. O art. 159 do Código Civil de 1916 [atual art. 186] pressupunha sempre a existência de culpa lato sensu, que abrange o dolo (pleno conhecimento do mal e perfeita intenção de o praticar) e a culpa stricto sensu ou aquiliana (violação de um dever que o agente podia conhecer e observar, segundo os padrões de comportamento médio). 320
Far-se-á um processo comparativo entre o comportamento do empregador e a
conduta esperada deste mesmo empregador. Se, na avaliação, ficar demonstrado que o
empregador poderia e deveria ter adotado medidas aptas para evitar o acidente, impõe-se a
condenação.
Observe-se, todavia, que a conduta do empregador no dever geral de cautela, em
acidentes do trabalho, vai além da conduta esperada do homem médio, pois cabe à empresa
adotar todas as medidas possíveis para prevenir acidentes. Nesse sentido, a doutrina mais
abalizada destaca a conduta do empregador no dever geral de cautela:
Como se verifica, qualquer descuido ou negligência do empregador com relação à segurança, higiene e saúde do trabalhador pode caracterizar a sua culpa nos acidentes ou doenças ocupacionais e ensejar o pagamento de indenizações à vítima. É importante assinalar que a conduta exigida do empregador vai além daquela
320 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 10.
esperada do homem médio nos atos da vida civil (bonus pater famílias), uma vez que a empresa tem o dever legal de adotar as medidas preventivas cabíveis para afastar os riscos inerentes ao trabalho, aplicando os conhecimentos técnicos até então disponíveis para eliminar as responsabilidades de acidentes ou doenças ocupacionais. 321 322(sem grifo no original).
A inobservância do dever geral de cautela, ainda que ínfima, determinará a culpa do
empregador, pois, como ficou demonstrado, exige-se do empresário conduta acima da
normalmente esperada, que vai além do homem médio. O exercício de qualquer atividade que
põe em risco a integridade física de terceiros, incluído o trabalhador, é suficiente para estatuir
cláusula implícita que responsabiliza o agente por violação do dever geral de cautela nos
termos do art. 186 do Código Civil. O dever legal que determina a adoção de medidas
preventivas, capaz de exigir do empregador conduta além daquela esperada do homem médio,
encontra-se em diversos dispositivos normativos, sendo o mais importante o determinado pela
Constituição Federal ao decretar a “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de
normas de saúde, higiene e segurança”. – art. 7º, XXII, CF/88.
321 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 162. 322 Bonus pater famílias: Bom pai de família. Parâmetro para a avaliação da culpa abstrata e da responsabilidade.
5 PROVA NO PROCESSO DO TRABALHO
Não se pode olvidar, porém, que a nova competência da Justiça do Trabalho
determina utilização, pelos operadores jurídicos, dos procedimentos processuais trabalhistas
quanto à produção de prova em acidentes do trabalho. Foi com tal objetivo que, ao tratar da
prova no processo do trabalho, abordam-se os aspectos que lhe são peculiares como o objeto
da prova, os meios de prova, liciedade das provas e o princípio da proporcionalidade, com
destaque especial para o uso supletivo do Código de Processo Civil, quando omissa a
Consolidação das Leis do Trabalho.
Não há que se falar em onus probandi sem antes conhecer a prova e suas
peculiaridades. Antecedente lógico-necessário, a prova, ou melhor, o direito à prova, é
instrumento processual relevante e imprescindível na constituição de um estado democrático
de direito. O doutrinador Eduardo Cambi observou a amplitude do fenômeno probatório:
A comprensão do fenômeno probatório, todavia, não pode ficar confinada à situação jurídica do onus probandi, porque essa categoria é eminentemente negativa, já que é levada em consideração, pelo juiz, sobretudo, no momento em que deve sentenciar. É, pois, no contexto da efetividade do processo, uma técnica insuficiente na busca da elucidação das questões fáticas, devendo ser complementada pela perspectiva ativa consagrada a partir da visualização do direito à prova. 323
Jônatas Luiz Moreira de Paulo conceituou prova nos seguintes termos:
Neste ponto, a palavra prova apresenta duplo significado: como meio e como resultado. Como meio, vale a definição de Eduardo Couture, ao afirmar que a prova é um meio de verificação das proposições que os litigantes formulam em juízo. Como resultado, a prova é o produto obtido mediante procedimento com a finalidade de convencer o juiz acerca da existência de um fato ou de uma relação jurídica.
Na esfera processual, a palavra prova representa um comportamento das partes, quando ela se torna um ônus processual, e também significa uma situação jurídica consistente em estar ou não provada determinada proposição. Interessante notar que, neste aspecto, o primeiro é causa, o segundo conseqüência.
Em face do exposto, define-se direito probatório como o conjunto de normas que visam regulamentar o procedimento da produção e obtenção de provas e seu efeito
323 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 17-18.
na lide, seja por iniciativa das partes, seja por iniciativa do Ministério Público ou do juiz. 324
No processo trabalhista, a utilização subsidiária do Código de Processo Civil, quando
omissa a CLT ou quando houver compatibilidade com os princípios desta, é tarefa árdua para
o profissional do direito, eis que sempre pairam dúvidas sobre qual dos diplomas será
utilizado, em especial porque a CLT não disciplina a matéria de forma ordenada,
referenciando o assunto em artigos esparsos, o que dificulta a operacionalidade do direito. O
presente capítulo visa fornecer conhecimentos gerais sobre a prova, além de examinar os
critérios a serem seguidos para a correta aplicação subsidiária do Código de Processo Civil.
5.1 Histórico do direito probatório
Segundo Carlos Alberto Reis de Paula, a prova tem origem bíblica e relata que, na
Antigüidade, duas mulheres, alegando serem mães de um menino, produziram prova dividida,
ou melhor, não produziram prova, apenas alegaram. Tendo que decidir, Salomão proferiu
sentença, determinando que a criança fosse cortada ao meio, para dar metade a cada uma das
partes, na medida proporcional da prova produzida, uma vez que dividida. No entanto, no
momento da execução da sentença, uma das mulheres renunciou ao direito de obter sua
metade. A atitude da renunciante tornou consumada a prova, pois que Salomão comprovou no
sentimento da mulher a verdadeira mãe, entregando-lhe o filho por inteiro325. O fato está
324 PAULA, Jônatas Luiz Moreira de. Teoria Geral do Processo. 3. ed. Barueri: Manole, 2002, p. 223-224. 325 REIS DE PAULA, Carlos Alberto. A especificidade do ônus da prova no Processo do Trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2001, p. 35.
registrado na Bíblia Sagrada, no Livro de I Reis, capítulo "3", versículo "16" a "28", in
verbis:
16 Ora, vieram duas prostitutas ao rei, e se puseram perante ele. 17 Disse-lhe uma das mulheres: Ah! senhor meu, eu e esta mulher moramos na mesma casa. Eu tive um filho, estando com ela naquela casa. 18 No terceiro dia depois do meu parto, também esta mulher teve um filho. Estávamos juntas; nenhuma pessoa estranha estava conosco na casa, somente nós duas estávamos ali. 19 De noite morreu o filho desta mulher, porque se deitou sobre ele. 20 Assim ela se levantou no meio da noite e, enquanto dormia a tua serva, tirou do meu lado o meu filho, deitou-o no seu seio, e a seu filho morto deitou no meu seio. 21 Levantando-me pela manhã, para dar de mamar o meu filho, vi que estava morto. Mas atentando eu para ele à luz do dia, percebi que não era o filho que eu dera à luz. 22 Então disse a outra mulher: Não, mas o vivo é meu filho, o teu é o morto. Porém esta disse: Não, o morto é teu filho, o meu é o vivo. Assim falaram perante o rei. 23 Disse o rei: Trazei-me uma espada. E trouxeram um espada diante dele. 25 Ordenou o rei: Dividi em duas partes o menino vivo, e dai metade a uma, e metade a outra. 26 Mas a mulher, cujo filho era o vivo, disse ao rei (pois as suas entranhas se lhe enterneceram por seu filho): Ah, senhor meu! Dai-lhe o menino vivo, e de modo nenhum o mateis. A outra, porém, dizia: Nem meu nem teu. Seja dividido. 27 Então respondeu o rei: Dai à primeira o menino vivo. De modo nenhum o mateis; esta é a mãe. 28 Quando todo o Israel ouviu a sentença que o rei proferira, temeu ao rei, porque viu que havia nele a sabedoria de Deus para fazer justiça. 326
A prova, portanto, é de relevância ímpar para que o julgador seja convencido das
alegações feitas. No caso acima exposto, poderia, ainda, Salomão alegar que a questão não
estava esclarecida, esquivando-se do julgamento, como freqüentemente acontecia naqueles
tempos. Hoje, todavia, ao julgador é imperativa a decisão, pois constitui negativa do próprio
direito denunciar insuficiência de provas para não decidir, uma vez que a lesão ou ameaça a
direito deverá ser apreciada pelo Poder Judiciário (art. 5º, XXXV, da CF/88), não podendo o
juiz eximir-se de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei (art. 126 do
CPC).
Eduardo Cambi, em citação a Mauro Cappelletti, afirma que “[...] para se obter a
tutela jurisdicional, é necessário alegar, conquanto isso nem sempre baste para convencer o
juiz de que se tem razão, sendo também necessário provar aquilo que se alega. Por isso, pode-
326 BÍBLIA Sagrada. Trad. em português por João Ferreira de Almeida. Revista e atualizada no Brasil. 2. ed. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 1993, Livro de I Reis, capítulo “3”, versículo “16” a “28”.
se afirmar que há um vínculo natural entre alegar e provar, na medida em que as afirmações
dos fatos precisam ser verificadas pelas provas (allegata probanda sunt)”. 327
Márcio Túlio Viana, em obra escrita em Memória de Celso Agrícola Barbi, no
compêndio coordenado por Alice Moteiro de Barros, afirma que "[...] desde os mais velhos
tempos, o Homem julga os seus semelhantes – e não há como julgar sem provar” 328. Discorre
o referido autor que, na Antigüidade, acreditava-se que Deus, envolvido que era nas coisas
terrenas, apontava culpas e impunha castigos. Essa época ficou conhecida como o tempo das
ordálias. O julgador não participava ativamente da coleta da prova, cabendo apenas declarar a
sentença obtida através de rituais predeterminados, já que a prova se manifestava pelo que
acreditavam ser a "revelação divina", quando, na verdade, a defesa era levada à própria sorte.
A doutrina bem destacou esta fase:
Deve-se notar que, por tradição dos povos antigos e sua vinculação e influência à religião, erigiram-se como meios de provas as ordálias e o juramento. Justifíca-se a admissão desses meios de provas ao fato de a religião explicar o que a razão humana não explicava, pois o homem era impotente para descobrir a verdade por meio do raciocínio. Daí os Juízos de Deus. Assim, acreditava-se que Deus não abandonaria o inocente e ninguém se atreveria a tomar Deus como testemunho de uma falsidade... 329
A incursão histórica sobre o direito probatório, relatada nos parágrafos subseqüentes,
tem fundamento na doutrina de Carlos Alberto Reis de Paula330 e Márcio Túlio Viana 331.
O Código de Hammurabi trazia vários rituais probatórios destinados à solução de
eventual litígio. A prova do cadáver incumbia o réu acusado de homicídio de provar sua
inocência. Este, pretendendo provar sua inocência, deveria tocar as feridas ou o umbigo do
327 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 27. 328 BARROS, Alice Monteiro de (Coordenadora).Compêndio de Direito Processual do Trabalho. Obra em Memória de Celso Agrícola Barbi. 1. ed., São Paulo: LTr, 1998, pág. 313. 329 PAULA, Jônatas Luiz Moreira de. Teoria Geral do Processo. 3. ed. Barueri: Manole, 2002, p. 226. 330 REIS DE PAULA, Carlos Alberto. A especificidade do ônus da prova no Processo do Trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2001, p. 35-55. 331 BARROS, Alice Monteiro de (Coordenadora).Compêndio de Direito Processual do Trabalho. Obra em Memória de Celso Agrícola Barbi. 1. ed. São Paulo: LTr, 1998, p. 312-315.
morto. Caso este voltasse a sangrar, espumar ou esbravejar, certa seria a culpa do réu. Já a
prova do fogo consistia em andar sobre brasas ou tocar com a língua em um ferro quente.
Saindo o réu ileso do ritual, gratificava-se-lhe com a liberdade; caso contrário, executava-se a
sentença. Na prova das serpentes, jogava-se o acusado no meio de víboras venenosas; neste
caso, o próprio ritual executava a sentença, a menos que as víboras permanecessem inertes.
Para as mulheres acusadas de adultério, havia a prova das bebidas amargas, que nada mais era
que um coquetel cuja mistura se desconhece. Após a ingestão da bebida, se o rosto se
contraísse ou os olhos se enchessem de sangue, a culpa era evidente. A prova do pão e do
queijo obrigava o acusado a comer quantidade exagerada, assim, se estivesse faminto até
poderia ser inocentado. O Código de Hammurabi previa que, no caso de uma pessoa acusar
outra de feitiçaria sem que pudesse provar, ao acusado caberia a defesa, já que, lançado ao rio,
deveria vencer as águas, sob pena de perder a casa para o acusador. Curiosa também era a
prova do pão bento. O acusado tomava um pão abençoado, o qual deveria fazer um
movimento de ondulação para torná-lo culpado. Não havendo movimento algum, era
considerado inocente. Diferentemente do que acontece nos demais rituais citados, neste
último o acusado encontrava-se em posição privilegiada, uma vez que não se tem
conhecimento de que os pães se movimentem voluntariamente.
Observa-se, assim, que, desde a Antigüidade, havia norma seletiva (prova do pão
bento), com previsão de leis/procedimentos diferenciados, aplicados a certas pessoas,
notadamente pelo status, a exemplo do que ocorre no Código Penal vigente no Brasil, que
tipificou com penas mais severas crimes cuja prática ocorre normalmente entre as classes
menos favorecidas.
Antes do início do ritual, havia a necessidade do juramento, em que se pedia a Deus
que o réu fosse castigado caso mentisse, mas, como suspeitavam que o castigo divino não era
muito confiável, criaram leis com penas corporais severas. Havia casos em que o próprio
ritual era fatal, hipóteses em que atribuíam o castigo à providência divina, que, em tal caso,
parecia-lhes confiável. Originou-se, daí, o juramento ou o compromisso que existe ainda hoje.
O duelo era a mais famosa de todas as ordálias e provinha do costume dos germanos,
conhecido como o combate judiciário, não demorou a se tornar lei. Como, na época, não havia
recurso contra as decisões, ao vencido na demanda era dado o direito de lutar com o vencedor,
se assim o quisesse. Os presentes eram, inicialmente, intimados pelos juízes, podendo optar
em se retirar ou não do espetáculo; porém, se permanecessem, não poderiam prestar qualquer
auxílio às partes, ainda que a morte fosse o motivo. Os duelos poderiam ocorrer entre plebeus
ou entre nobres e, ainda, plebeus contra nobres, caso em que os nobres deveriam descer do
cavalo e tirar a armadura. Algumas pessoas (mulheres, crianças, velhos) poderiam lutar
através de seus campeões, como numa espécie de procuração outorgada para representar a
parte. Mesmo considerando-se que não havia recurso, pode-se entender que o duelo
corresponderia ao que atualmente se conhece como duplo grau de jurisdição, uma vez que ao
vencido cabia uma nova oportunidade. O duelo persistiu por longos anos até que, em 1306,
Felipe, o Belo, que reinou na França, proibiu-o, exemplo que foi seguido por outros povos.
Vencidas as ordálias, Roma conheceu o sistema legal ou positivo. As provas eram
tarifadas e inflexíveis, num total de 96 regras a serem seguidas: para as testemunha de ouvir
dizer eram necessárias sete; para as oculares bastavam duas. Com duas testemunhas, a prova
era plena; uma só, porém, não provava nada. Se a testemunha era fidedigna valia meia prova;
se duvidosa, menos de meia. Uma testemunha fidedigna e mais uma testemunha duvidosa
valia mais de meia prova. Ao juiz cabia contar as provas tarifadas e decidir aritmeticamente.
No caso de duas testemunhas, havia prova plena mesmo que os fatos narrados contrariassem a
realidade, por absurdos e sem fundamento, uma vez que o juiz não dispunha de poder de
análise.
Não demorou muito, o sistema tarifado de provas foi substituído pela livre convicção
ou íntima convicção, liberdade absoluta e sem limites do julgador, fundada no princípio da
livre convicção, que, naquela época, dispensava a motivação da sentença e autorizava, em
caso de dúvida, o julgador a não decidir. Nesse período, a prova e o direito não eram
importantes, pois valia-se o julgador do convencimento íntimo que poderia provir do
conhecimento pessoal do juiz (regras de experiência ordinária) e até mesmo de impressões
pessoais e/ou conhecimentos privados que pudesse ter dos fatos.
No curso do tempo, tal liberdade sofreu restrições com a adoção do sistema da
persuasão racional ou convencimento racional, que conjugou os dois últimos sistemas na
medida em que determina ao juiz análise da prova e da norma, objetiva e subjetivamente,
através de decisão racional. Nesse sistema, o juiz aprecia as provas livremente (livre
convencimento motivado, art. 131 do CPC), porém, não poderá seguir suas impressões
pessoais; deve formar sua convicção a partir das provas produzidas, condicionadas às regras
jurídicas, às regras de experiência e proferir sentença motivada (art. 93, IX, da CF). Se, por
um lado, não agirá com absoluta liberdade, por outro, também não estará aprisionado à rigidez
das normas.
Conheceram-se, portanto, no decorrer dos tempos, quatro sistemas na apreciação da
prova: ordálias ou juízos de Deus, legal ou positivo, livre convicção ou íntima convicção
(liberdade absoluta) e persuasão racional (liberdade relativa). Alguns autores classificam
apenas em três os sistemas, considerando as ordálias inclusas no sistema legal ou positivo,
uma vez que houve épocas em que coexistiram, isto é, quando as ordálias foram cedendo
espaço à prova tarifada, que consistiu no elo entre o sistema das ordálias e o da livre ou íntima
convicção. A persuasão racional é o sistema adotado pelo ordenamento jurídico pátrio quanto
à avaliação das provas.
A evolução do sistema probatório contribui largamente com a dignidade humana,
especialmente a dignidade do réu. Além de propiciar defesa adequada, não mais se impõem
castigos desmedidos, pois o valor humanístico nas relações capitalistas teve significativo
acréscimo axiológico no decorrer dos tempos. Passou-se do arbitrário irracional para uma
solução racional e ponderada. Contudo, “o direito à prova não é absoluto, devendo as partes
respeitar os requisitos temporais e formais para a sua dedução”. 332
5.2 Natureza jurídica da prova
Mostra-se complexa a tarefa de estabelecer a natureza jurídica das provas.
Destacam-se, sobre o tema, cinco correntes: a) a que atribui às normas relativas a prova
natureza de direito material; b) a que inclui tais normas no direito processual (pois destinadas
ao convencimento do julgador); c) a que entende que ostentam natureza mista (material e
processual); d) a que defende que cada prova tem sua natureza própria, podendo ser material
ou processual; e) por fim, a que defende serem de direito judicial, entendido como a relação
jurídica entre a justiça e o indivíduo. 333
Os doutrinadores que defendem a natureza material da prova entendem que esta é
regulada pelo direito material, portanto, fora do processo. Os que defendem a natureza mista
alegam que existem normas que disciplinam a prova fora do processo e outras que são
dirigidas ao juiz, nos próprios autos, cabendo ao julgador aplicá-las. Os adeptos da natureza
própria da prova dividem-na em dois ramos distintos, um substancial e outro processual,
denunciando o caso concreto a que natureza jurídica pertence a prova. Quanto à natureza
332CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 32. 333 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 30.
jurídica denominada direito judicial, entende-se como a aplicação da justiça levando em
consideração a relação existente entre esta e o indivíduo, através do Poder Judiciário.
Todavia, é praticamente pacífico, na doutrina e jurisprudência pátrias, o
entendimento de que a prova tem natureza processual. Para Manoel Antonio Teixeira Filho,
com o advento do novo CPC, a prova passou a ser de natureza exclusivamente processual.
Cita, a propósito, Pestana de Aguiar, que vê na ciência do processo “[...] a única que se dedica
ao estudo sistematizado e completo do instituto da prova, perquirindo sob todos os ângulos
seus fins, suas causas e efeitos”. 334
Nesse sentido, também a lição de Eduardo Cambi:
Interessante observar que o Código de Processo Civil de 1939 já afirmava, no art. 208, que seriam “admissíveis em juízo tôdas as espécies de prova reconhecidas nas leis civis e comerciais”. Contudo, como se percebe, a prova era tratada como tendo natureza de direito material, remetendo a questão da sua tipicidade às leis substanciais. Esse problema foi superado pelo Código vigente que tratou a prova como um instrumento destinado ao conhecimento das questões fáticas, inerentes à causa, para que o juiz, podendo formar a sua convicção, possa decidi-la com justiça.335
No mesmo raciocínio, Christovão Piragibe Tostes Malta ressalta que, embora a prova
possa ser regulada pelo direito material (por exemplo, escritura pública), rege-se na verdade
pelo direito processual336. Tal argumentação encontra fundamento no próprio processo, posto
ser este o momento em que as provas podem ser produzidas, contendo as regras de
apreciação, as formas a que estão sujeitas, visando ao convencimento do juiz. O direito
material pode regular a forma da escritura pública ou outro documento qualquer. No entanto,
é no processo que tais documentos poderão ser apresentados como prova, para serem
valorados, uma vez que, se não alegados e trazidos aos autos, por si sós, não servem de prova.
334 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed, São Paulo: LTr, 2003, p. 31. 335 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 41. 336 TOSTES MALTA, Christovão Piragibe. Prática do Processo Trabalhista. 30. ed. São Paulo:LTr, 2000, p. 26.
5.3 Classificação das provas
Quanto à classificação, embora o acentuado dissenso doutrinário, trata-se de matéria
de pouca importância prática. Os autores que abordam o tema, não obstante revelem
conhecimento profundo sobre a matéria, mostram dificuldade para estabelecer critérios
distintivos, seguros e precisos, o que determina o registro de inúmeras classificações que, a
rigor, não detêm relevância no plano processual, prestando-se essencialmente ao mero debate
acadêmico.
Isis de Almeida classifica as provas, condensando-as da seguinte forma:
Quanto ao sujeito ou à sua origem as provas podem ser pessoais (são as afirmações da pessoa), reais (são as atestações emanadas da coisa) e diretas (quando seu objeto imediato é o próprio fato: o instrumento, o depoimento, etc.). Quando diretas podem ser causais (quando são constituídas post-facto, com o objetivo determinado de convencer o juiz sobre a existência do fato) e testemunhais (feitas pela pessoa que participou do ou assistiu ao fato). Quanto ao objeto ou à sua natureza podem ser indiretas (quando resultam de raciocínio e não têm por objeto o fato probando, mas outros fatos a este ligados) e pré-constituídas (não se destinam ao processo, e haviam sido produzidas para a comprovação de fatos, normalmente ocorridos, mas são aproveitadas no feito). Quanto à forma ou à maneira de serem produzidas em juízo podem ser, literais (quando escritas, dos atos judiciais e extrajudiciais) e materiais (quando, como as "reais", são as atestações emanadas da coisa). 337
Na medida em que vão ocorrendo, há, paralelamente, a documentação dos fatos, ou
por força dos métodos adotados na administração ou exigência de leis fiscais, comerciais e
trabalhistas (recibos, ordens de serviços, folhas de ponto, vistorias, etc.). Essa documentação
consiste nas chamadas provas pré-constituídas, que são ad perpetuam memorim – para a
memória perpétua; não são destinadas a futuros processos; não há preocupação em serem
utilizadas neste ou naquele caso, ainda que, futuramente, isso possa ocorrer; fluem
naturalmente da atividade empresarial, como forma de assegurar o direito, mas sempre antes
337 ALMEIDA, Isis de. Manual de Direito Processual do Trabalho. 2 vol. 4. ed. São Paulo: LTr,1991, p.114.
no início da demanda. Já as provas causais são as produzidas pelas partes no curso do
processo (depoimento das partes, testemunhas, perícias, presunções, indícios, etc.). As
presunções e indícios são provas indiretas ou circunstanciais, posto que, para serem utilizadas,
dependem de um raciocínio lógico. São utilizadas para fatos cuja cognoscibilidade se faz
melhor sob o aspecto subjetivo do que materialmente, uma vez que se procura mais a intenção
do que a manifestação expressa. 338
Jônatas Moreira de Paula condensou e citou a classificação de três grandes
doutrinadores: Malatesta, Carnelutti e Bentham. Com fundamento na obra do referido autor,
citam-se os aspectos relevantes da classificação, a título ilustrativo: Classificação de
Malatesta: a) quanto ao objeto: a prova pode ser direta e indireta; b) quanto ao sujeito: as
provas podem ser pessoal ou real; c) quanto à forma: a prova pode ser oral, documental e
material. Classificação de Carnelutti: a) segundo sua estrutura: as provas podem ser
constituídas por pessoas ou por coisas; b) segundo a proveniência: as provas podem ser
provenientes das partes ou provenientes de terceiros; c) segundo a inspeção: tem-se a prova
constituída, pré-constituída e prova que deve constituir-se; d) segundo a valoração: a
avaliação pode ser livre ou legal. Classificação de Bentham: a) prova pessoal e prova real; b)
prova direta e prova indireta ou circunstancial; c) prova pessoal voluntária e prova pessoal
involuntária; d) prova por depoimento e prova por documento; e) provas literais causais e
provas literais preconstituídas; f) provas independentes e provas emprestadas; g) prova
original e prova inoriginal; h) prova perfeita e prova imperfeita; i) prova inteira e prova
mutilada. 339
338 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 82-84. 339 PAULA, Jônatas Luiz Moreira de. Teoria Geral do Processo. 3. ed. Barueri: Manole, 2002, p. 231-235.
5.4 Objeto da prova
Os sujeitos da prova são as coisas ou as pessoas (juiz e partes). Mas a prova tem
como objeto os fatos controvertidos, uma vez que, conforme preceitua o art. 334 do CPC, não
dependem de prova os fatos:
I - notórios; II - afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária; III - admitidos, no processo, como incontroversos; IV - em cujo favor milita presunção legal de existência ou de veracidade.
A contrario sensu do art. 334 do CPC, entende-se que somente os fatos
controvertidos necessitam de prova, excluindo-se os acima indicados por se auto-afirmarem
como existentes e suficientes ao convencimento motivado do julgador, pois que fatos
incontroversos não podem ser objeto de prova. Controvertido é todo o fato afirmado por uma
parte e contestado especificamente por outra. Neste sentido, Nelson Nery Junior diz:
O fato probatório, isto é, o fato objeto da prova, é o fato controvertido. É controvertido o fato afirmado por uma parte e contestado especificamente pela outra parte. Os fatos incontrovertidos não podem ser objeto da prova (CPC 334). O direito também não pode ser objeto da prova porque da mihi factum, dablo tibi jus, o que significa que a parte deve dar os fatos ao juiz, a quem cabe aplicar o direito (iura novit curia). Excepcionalmente o sistema admite a prova do direito (municipal, estadual, estrangeiro ou consuetudinário) (CPC 337). 340
Neste sentido, a posição de Jônatas Moreira de Paula:
A prova tem um destinatário específico: o juiz, porque será através dela que solucionará a lide, aplicando o direito material. É corrente o princípio de que o juiz conhece o direito (iura novit cúria), razão pela qual precisa tomar conhecimentos dos fatos para aplicar o direito (daha mihi factum dabu tibi jus). Desta forma, o objeto da prova é o fato narrado na ação ou na defesa. Mas essa regra não é absoluta.
Com efeito. Ficam isentas as provas manifestamente impertinentes ou protelatórias, as que se referem a fatos dispensados de provas (CPC, arts. 334, 420, § único, 427, e CPP, art. 158, a contrario sensu) ou de meios de provas dispensados (CPC, art. 406 e CPP, arts. 206, segunda parte, e 207). 341
340 NERY JUNIOR, Nelson; ANDRADE NERY, Rosa Maria. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 9. ed. São Paulo: RT, 2006, p. 528. 341 PAULA, Jônatas Luiz Moreira de. Teoria Geral do Processo. 3. ed. Barueri: Manole, 2002, p. 230-231.
Eduardo Cambi, após distinguir fato de thema probandum, faz importante ilação
sobre os fatos objeto da prova, que devem ser controvertidos, pertinentes e relevantes:
Há, todavia, de ser feita uma pequena e às vezes insignificante distinção entre thema probandum e objeto da prova, designando a primeira expressão o conjunto de fatos que são necessários para servir de fundamento da decisão, e a segunda, ao fato particular que determinada prova tende a demonstrar [...]. No entanto, para o fato ser objeto da prova e integrar o thema probandum, deve ser, geralmente, controvertido, pertinente e relevante. Contudo, antes de proceder à análise dessas características, é preciso que o fato probando seja determinado objetivamente; caso contrário, é desnecessário perquirir a controvérsia, pertinência e relevância desse fato. Em primeiro lugar, os fatos devem ser controvertidos, porque, como o processo é um método instrumental para a resolução de conflitos de interesses, somente interessa provar acerca daquilo sobre o que se litiga. São controvertidos os fatos alegados por uma das partes e impugnados pela parte contrária. Por exemplo, em uma ação de reparação de danos decorrente de acidente de trânsito, o réu pode simplesmente negar a ocorrência da conduta culposa a ele atribuída pelo autor da ação, mas também pode alegar um fato novo (v. g., que já pagou pelo conserto). Todavia, se algum dos fatos afirmados pelo autor na inicial ou pelo réu na contestação não for impugnado, tornam-se incontroversos, não necessitando mais de provas (art. 334, inc. III, CPC), a não ser que versem sobre direitos indisponíveis. São pertinentes aqueles fatos que dizem respeito à causa ou que não são estranhos ao objeto do processo, isto é, a res in iudicium deducta. Por exemplo, na ação de reparação de danos por acidente de trânsito, é pertinente saber qual foi a extensão dos danos causados, se havia placas de sinalização no local, se o semáforo estava verde ou vermelho; por outro lado, é impertinente saber se o motorista é católico ou protestante, solteiro ou casado, gaúcho ou baiano etc. São fatos relevantes aqueles que, sendo pertinentes, também são capazes de influir positivamente na decisão da causa. Por exemplo, saber se, naquela mesma ação de reparação de danos, o motorista estava alcoolizado, trafegava na contramão, ultrapassava em local proibido etc. Contudo, esses fatos merecem outras considerações, justificando um tratamento mais aprofundado no tópico subseqüente.342
Fato notório é o fato de todos conhecido, ou melhor, é do conhecimento de todos,
mas pode ser restrito ao grupo social onde ocorreu. Não há necessidade, portanto, que a
notoriedade atravesse fronteiras longínquas, basta que a comunidade local tenha
conhecimento e, obviamente, o juiz. O fato notório “é o de conhecimento pleno pelo grupo
342 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 296, 299-300.
social onde ele ocorreu ou desperta interesse, no tempo e no lugar onde o processo tramita e
para cujo deslinde sua existência tem relevância”. 343
Os fatos confessados também independem de prova. A confissão pode ser judicial
(espontânea ou provocada – no próprio processo) e extrajudicial. Contudo, nem tudo o que é
confessado pode ter validade probatória. Não vale como confissão a admissão, em juízo, de
fatos relativos a direitos indisponíveis (art. 351 do CPC). Portanto, para a confissão ter
validade, deve ser admitida por lei. A confissão ficta do art. 319 do CPC (revelia), pode ser
elidida por uma das hipóteses do art. 320 do CPC. De igual forma, pode-se elidir a confissão
ficta do art. 302 do CPC, ainda que os fatos não tenham sido impugnados especificamente
(princípio do ônus da impugnação específica), quando ocorrer uma das hipótese ressalvadas
nos incisos do mencionado artigo. Trata-se de dispositivo lógico, “pois o pressuposto da
prova quanto aos fatos é que, em relação a eles, haja controvérsia”. 344
Os fatos incontroversos são os considerados, a princípio, indiscutíveis, devido à
presunção relativa de veracidade. Pelo princípio do ônus da impugnação específica do art. 302
do CPC, caput, a contestação não poderá ser genérica, sob pena de serem considerados
verdadeiros os fatos não impugnados, com os mesmos efeitos da revelia. Porém, mesmo
incontroversos os fatos, nada impede que o juiz determine prova em hipóteses específicas, a
exemplo do que ocorre nos casos de conluio com finalidade de validar fato inexistente (art.
129 do CPC), como ocorre, não raras vezes, na seara trabalhista, em que são verificadas
postulações simuladas com objetivo de declarar o vínculo de emprego e, com isso, auferir
benefícios previdenciários. 345
343 NERY JUNIOR, Nelson; ANDRADE NERY, Rosa Maria. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 9. ed. São Paulo: RT, 2006, p. 534. 344TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 52. 345TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 53-54.
Sobre os fatos incontroversos, Eduardo Cambi assinala:
A existência e/ou eficácia dos fatos devem ser controvertidas, pois, sendo o processo um método institucional para a resolução de conflitos, somente interessa provar aquilo sobre o que se litiga. Se não há controvérsia a respeito do fato, a lei presume estarem as partes de acordo com a sua ocorrência, não sendo necessária a prova. [...] Entretanto, a não-controvérsia sobre o fato não implica dever o juiz, automaticamente, considerá-lo verdadeiro e dá-lo como definitivamente provado. 346
As presunções de veracidade visam unicamente munir o julgador e as partes,
antecipadamente, de elementos à solução probatória de determinado fato. Antecipadamente,
porque as presunções se fazem acompanhar, de forma intrínseca, do elemento certeza, sendo-
lhes inerente a verdade, ainda que algumas possam ser contestadas, pois admitem prova em
contrário. As que se originam de um processo de raciocínio lógico do juiz são simples
(presunção comum ou do homem) e as que se originam de um preceito de lei são legais.
Todavia, sempre que a lei afirmar que tais fatos ou condições independem de provas e a parte
invocar a presunção legal em seu favor, deverá provar que pode invocá-la, ou seja, deverá
demonstrar a situação que a beneficia. 347
Sobre a presunção de veracidade a doutrina tem assim se manifestado:
Em alguns casos, o legislador se antecipa ao eventual conflito que possa surgir entre as partes e faz presumir, de maneira relativa ou absoluta, a veracidade do fato que especifica. Se a presunção é relativa, iuris tantum, admite-se prova em contrário. Se absoluta, iuris et de iure, o direito não admite prova em contrário. Os efeitos da revelia tornam os fatos afirmados pelo autor como presumivelmente verdadeiros, de sorte que independem de prova em audiência (CPC 319). 348
A CLT contempla algumas dessas hipóteses, como o disposto no art. 447 da CLT:
“Na falta de acordo ou prova sobre condição essencial ao contrato verbal, esta se presume
existente, como se a tivessem estatuído os interessados, na conformidade dos preceitos
jurídicos adequados à sua legitimidade". De igual forma verifica-se a presunção no caso de
346 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 390. 347 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 55. 348 NERY JUNIOR, Nelson; ANDRADE NERY, Rosa Maria. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 9. ed. São Paulo: R T, 2006, p. 535.
falta de anotação da CTPS (Carteira de Trabalho e Previdência Social) ou qualquer outro
documento que prove o pactuado no contrato individual do trabalho, nos termos do parágrafo
único do art. 456 da CLT “À falta de prova ou inexistindo cláusula expressa a tal respeito,
entender-se-á que o empregado se obrigou a todo e qualquer serviço compatível com a sua
condição pessoal". As presunções podem ser relativas (juris tantum – admitem prova em
contrário) ou absolutas (juris et de jure- não admitem prova em contrário).349
É importante observar que os dispositivos legais do direito e processo do trabalho
trazem inúmeras presunções de existência e veracidade em prol do trabalhador devido ao
desequilíbrio negocial das partes, circunstância que determina a inversão do ônus da prova.
Além disso, vale lembrar que o direito e o processo do trabalho foram praticamente
sumulados, contando com mais de 1.000 (mil) Súmulas e Orientações Jurisprudenciais
editadas pelo TST, muitas das quais estabelecem critérios com força presumida de veracidade.
Sobre presunções e indícios recomenda-se a leitura de tópico específico, desenvolvido nesta
pesquisa.
O direito também não precisa ser objeto de prova, uma vez que da minhi factum,
dabo tibi jus (dê-me o fato e eu lhe dou o direito), posto que os Juízes jura novit curia
(conhecem o direito). Contudo, em se tratando de direito municipal, estadual, estrangeiro ou
consuetudinário, poderá o juiz determinar à parte que faça prova de seu teor e vigência, nos
termos do disposto no art. 337 do CPC, conforme assevera a doutrina:
O nosso art. 337 do CPC afirma dever a parte que alegar o direito municipal, estadual, estrangeiro ou consuetudinário provar o seu teor e a sua vigência, se assim, determinar o juiz. [...] De qualquer modo, o que importa para poder interpretar o art. 337 do CPC é asseverar que as questões de direito não se equiparam às questões de fato, não integrando, por isso, o objeto da prova nem podendo ser enquadradas na categoria do ônus da prova, já que, se o juiz tiver conhecimento de quaisquer regras jurídicas, incluindo as de direito municipal, estadual, estrangeiro ou consuetudinário, tem o
349 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 54-55.
dever de aplicá-las, mesmo porque o princípio dispositivo não pode impedir que o magistrado “descubra” a norma e dela extraia os seus efeitos. [...] Por conseguinte, nas hipóteses previstas no art. 337 do CPC, não é que o juiz necessariamente ignore o direito, mas, desde que sinta a necessidade de ser auxiliado, pode determinar a colaboração da parte que alegar a existência desse direito, sob pena de a norma não poder ser descoberta e acarretar prejuízos para a justiça da decisão e para a parte interessada. 350
No direito do trabalho, o teor e vigência dos acordos (CLT, art. 611, § 1º) e
convenções coletivas (CLT, art. 611 "caput") devem, segundo entendimento dominante, ser
comprovados nos autos, uma vez que seu conteúdo não pode ser considerado notório, posto
que, embora seja obrigatório o depósito do respectivo instrumento junto aos Órgãos
competentes, a publicação não é exigência legal. O teor dos regulamentos de empresas
também deve ser comprovado pela parte interessada, pois que lhe falta a publicidade
conferida às normas emanadas do Poder Estatal. Na esteira de tal raciocínio, a parte deverá
comprovar a existência, conteúdo e vigência dos tratados e convenções internacionais (pode-
se concluir, aqui, que estão insertos na exceção do art. 337 do CPC), exceto, quanto às
últimas, se ratificadas pelo Brasil, quando passam a integrar o ordenamento jurídico pátrio,
com status de lei ordinária. 351
Contudo, tendo o magistrado conhecimento da existência de qualquer norma prevista
na exceção do art. 337 do CPC, não poderá deixar de aplicá-la pelo simples fato de a parte
não alegar, pois o dispositivo requer que o juiz determine a prova do teor e da vigência das
leis, se assim necessitar. Ademais, “o princípio da ignorância iuris non excusat contemplado
na regra do art. 3.º da LICC deve ser repensado, não podendo prejudicar a população, sob
pena de sermos hipócritas e, com isso, serem cometidas injustiças, pois essa exigência é uma
350 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 278, 280 e 281. 351 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p.58-64.
mera ficção, visto que, na realidade, nem juízes nem muitas vezes especialistas nas matérias
jurídicas conseguem conhecer e compreender toda a legislação aplicável”. 352
5.5 Destinatário da prova
O juiz é o principal destinatário da prova. Isso porque é a ele que a parte procura
convencer no decorrer do processo, exigindo a lei que a decisão seja motivada. Eduardo
Cambi, citando Enrico Tullio Liebman, destaca os poderes probatórios do juiz, em atividade
complementar às partes, estas verdadeiras legitimadas ao direito à prova:
O juiz não tem direito à prova, o que não significa que não possa participar ativamente da atividade probatória, uma vez que o ordenamento processual lhe confere poderes probatórios. Sendo conveniente a produção da prova, o magistrado pode dar início à atividade probatória, sem a necessidade de uma posição anterior. Isso porque o juiz é o destinatário da prova, sendo-lhe legalmente permitido buscar elementos cognitivos que tenham a função de auxiliar a formação de sua convicção (art. 130-1, CPC). O juiz, destarte, não precisa pedir, bastando-lhe fazer. No entanto, o magistrado não tem o dever de mandar produzir a prova, porque sua atividade probatória é complementar, ao contrário das partes que sempre têm ônus probatórios, os quais consistem na necessidade de realizar uma determinada ação, seja para evitar certo efeito danoso, seja para obter o resultado útil. 353
Para alguns doutrinadores o destinatário das provas é o processo, posto que o
julgador deverá ater-se ao alegado nos autos, pois o que não está nos autos não está no
mundo, consoante axioma largamente difundido no meio jurídico. Neste sentido, Nelson Nery
Junior:
Destinatário da prova. É o processo. O juiz deve julgar segundo o alegado no processo, vale dizer, o instrumento que reúne elementos objetivos para que o juiz possa julgar a causa. Portanto, a parte faz a prova para que seja adquirida pelo processo. Feita a prova, compete à parte convencer o juiz da existência do fato e do conteúdo da prova. Ainda que o magistrado esteja convencido da existência de um
352 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 279. 353 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 21.
fato, não pode dispensar a prova se o fato for controvertido, não existir nos autos prova do referido fato e, ainda, a parte insistir na prova. Caso indefira a prova, nessas circunstâncias, haverá cerceamento de defesa. 354
Lato sensu, pode-se dizer que a prova destina-se ao juiz, às partes, ao Ministério
Público e à sociedade como um todo, ante a necessidade de resolução dos conflitos, o que é
do interesse geral, pois o processo é um instrumento público destinado à paz social.
5.6 Finalidade e importância da prova
A prova tem por finalidade essencial evidenciar que determinados fatos ocorreram e
formar o convencimento do julgador, seu principal destinatário355; visa à formação do
convencimento e/ou a certeza jurídica do juiz a fim de alcançar a justa solução do litígio. Os
fundamentos da sentença emanam da prova produzida, consoante a livre convicção motivada
do julgador (princípio da persuasão racional). Contudo, deve o juiz atender aos fatos e
circunstâncias constantes dos autos (art. 131 do CPC).
Para Manoel Antonio Teixeira Filho, “embora vise a prova, precipuamente, a
convencer o juiz, não se pode negar que, em um plano secundário, ela se destina, por igual, à
persuasão da parte contra a qual foi produzida, embora esta finalidade a latere raramente
obtenha êxito, na prática”. 356
A prova é a justificativa da decisão e tem por finalidade apurar a verdade, sempre
perseguida pelo Poder Judiciário. Terá o juiz que, necessariamente, adentrar às provas para
354 NERY JUNIOR, Nelson; ANDRADE NERY, Rosa Maria. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 9. ed. São Paulo: RT, 2006, p. 528-529. 355 TOSTES MALTA, Christovão Piragibe. A prova no Processo Trabalhista. São Paulo: LTr, 1997, p. 19. 356 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 66.
julgar e justificar a decisão, tendo a prova, portanto, a finalidade de convencimento. Diz-se,
por isso, que o coração do processo é a prova. Como o processo é uma forma de intervenção
direta da sociedade no Estado, a prova tem importância política, pois é através dela que as
partes podem manifestar-se na solução do litígio.
5.7 Meios de prova
Os meios de provas são métodos legalmente previstos ou moralmente aceitos para
apurar a verdade, conforme estabelece o art. 332 do CPC: "Todos os meios legais, bem como
os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis para provar a
verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa". O art. 32 da Lei 9.099/95 (Lei dos
Juizados Especiais) possui redação semelhante357. Os meios de prova são os instrumentos
utilizados pelos interessados para provarem as alegações em Juízo. Os dispositivos acima têm
supedâneo no art. 5º, inciso LV, CF/88: “aos litigantes, em processo judicial ou
administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com
os meios e recursos a ela inerentes”. A Constituição Federal, ao declarar em seu art. 5º, inciso
LVI, que “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”, não limitou
os meios de prova. Ao contrário, ao reconhecer o direito à prova de forma ampla, deixou
evidente a necessidade de uma decisão justa, sem afrontar o princípio do contraditório e da
ampla defesa. A esse respeito a doutrina assinala:
O reconhecimento da existência de um direito constitucional à prova implica a adoção do critério da máxima virtualidade e eficácia, o qual procura admitir todas as provas que sejam hipoteticamente idôneas a trazer elementos cognitivos, a respeito dos fatos da causa, dependentes de prova, procurando excluir as regras jurídicas que
357 Art. 32, Lei 9.099/95: “Todos os meios de prova moralmente legítimos, ainda que não especificados em lei, são hábeis para provar a veracidade dos fatos alegados pelas partes”.
tornem impossível ou excessivamente difícil a utilização dos meios probatórios. Esse critério amplo está calcado na pretensão de justiça assegurada no princípio constitucional do Estado de Democrático de Direito. 358
No sistema jurídico, os meios de prova podem ser enumerativos (que enumera os
meios possíveis, limitando-os de forma taxativa) e exemplificativos (que enumera alguns
meios de prova, possibilitando ao juiz outros meios). Vale lembrar que “a idéia da
taxatividade do rol dos meios de prova é contrária à busca da máxima potencialidade do
mecanismo probatório, inerente à noção de direito à prova”. 359
As provas, portanto, observada a regra geral estabelecida pela Constituição Federal,
também contemplada em dispositivos infraconstitucionais, podem ser classificadas em típicas
e atípicas, conforme distinção apontada pela doutrina:
São denominadas de provas típicas ou nominadas aquelas que estão previamente reguladas em lei. Ao contrário, as provas atípicas ou inominadas são aquelas que podem constituir úteis elementos de conhecimento dos fatos da causa, mas não estão especificamente reguladas em lei, sendo exemplos destas provas: (a) a prova emprestada; (b) as constatações, realizadas por oficial de justiça com o objetivo de verificar o eventual estado de abandono do imóvel locado (Lei 8.245/1991, art.66); (c) a inquirição de testemunhas técnicas (expert testimony), cuja admissão, embora não consagrada explicitamente, pode ser deduzida da regra do art. 421, §2º, do CPC, que admite a perícia informal, quando a natureza do fato permitir, consistente apenas na inquirição pelo juiz do perito e dos assistentes técnicos, por ocasião da audiência de instrução e julgamento. 360
Com o advento do art. 332 do CPC, em 1973, os meios legais e taxativos de prova
previstos no CPC de 1939 foram banidos do ordenamento jurídico brasileiro. A inovação
permitiu a utilização de mecanismos mais eficientes para a apuração dos fatos, considerando
os avanços científicos e tecnológicos e, ao mesmo tempo, exigindo maior responsabilidade na
produção dessas provas, conforme enfatiza Eduardo Cambi:
A abertura do sistema processual às provas atípicas ou inominadas estimula a busca de meios mais adequados para influenciar a formação do convencimento judicial,
358 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 35. 359 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 40. 360 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 40.
aumentando a liberdade das partes e do órgão jurisdicional, mas também as suas responsabilidades no desempenho das suas funções no processo. Essa abertura também permite que o direito processual civil seja influenciado pelos avanços científicos e tecnológicos, possibilitando a verificação mais exata e verossímil dos fatos que servem de base para que as partes possam convencer o juiz de que têm razão. 361
Prossegue o referido autor na defesa da amplitude probatória ao “afirmar que a
construção de regras gerais que excluíssem as provas atípicas esbarraria na noção de direito à
prova, o qual admite eventuais restrições da atividade probatória somente no caso de haver
um justo motivo para isso”. 362
Não se pode, contudo, fazer uso indiscriminado de provas atípicas, mormente quando
a própria Constituição Federal estabelece o princípio do contraditório e da ampla defesa, pois,
“ambas as partes devem ter iguais oportunidades de se manifestar sobre a prova atípica, antes
que o juiz possa formar a sua convicção. Desse modo, observa-se a garantia constitucional do
contraditório, que passa a ser um mecanismo de legitimação das provas atípicas no processo
civil”. 363
Não é da essência probatória perquirir qual o meio utilizado para fazer prova dos
fatos alegados (típica ou atípica), mas a maneira como são aplicadas e inseridas no bojo dos
autos. Eduardo Cambi, com a perspicácia que lhe é peculiar, diz que “o problema a ser
considerado não é tanto saber quais os meios de prova que devem ser admitidos, mas como
essas provas são obtidas e utilizadas no processo. Nessa seara, alguns critérios devem ser
buscados para que se possam encontrar limites à utilização das provas inominadas”. 364
Esses limites devem ser ponderados, conforme exigir o caso concreto, atendendo ao
princípio da proporcionalidade, sem excluir das partes envolvidas os direitos
361 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 41. 362 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 43. 363 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 46. 364 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 45-56.
constitucionalmente garantidos, mas apenas reduzir a eficácia desses direitos em determinada
situação. Nesse contexto, a doutrina tem admitido:
[...] apenas as provas que se justifiquem racionalmente, sob pena de, em nome da “verdade absoluta”, retornar-se aos métodos medievais utilizados nas ordálias. Assim, a verdade, a que faz referência ao art. 332 do CPC, é uma verdade relativa, isto é, objetivável segundo métodos razoáveis e dentro dos limites e das possibilidades inerentes ao mecanismo probatório. 365
O CPC prevê alguns meios de prova típica: depoimento pessoal (arts. 342 a 347);
confissão (arts. 348 a 354); prova documental (arts. 364 a 391); prova testemunhal (arts. 400 a
419); prova pericial (arts. 420 a 439); inspeção judicial (arts. 440 a 443); exibição de
documentos (arts. 355 a 363 e 844, 845). Contudo, admitem-se todos os meios possíveis de
prova (típicas e atípicas), desde que legítimos.
Como visto, o CPC tem previsão sistemática para os meios de prova. O mesmo não
ocorre com a CLT, que apenas faz referências, não havendo definição sistemática a facilitar a
operacionalidade do direito. As referências podem ser encontradas na CLT, como a seguir se
expõe: interrogatório das partes (art. 848); confissão (art. 844, “caput”); prova documental
(arts. 787, 830); prova testemunhal (art. 819, 820, 821 a 825, 828, 829, 848, § 2º); prova
pericial (arts. 195, § 2º, 827, 848, § 2º - Lei 5.584/70, art. 3º - Assistência Judiciária na Justiça
do Trabalho). Quanto à inspeção judicial, a CLT não faz qualquer referência. 366
Pode-se dizer que a CLT disciplina suficientemente o interrogatório das partes e a
prova testemunhal, sendo parcialmente omissa nos demais casos, exceto quanto à inspeção
judicial, sobre o que não há qualquer referência no texto consolidado.
Contudo, por força do art. 769 da CLT, aplica-se supletivamente o CPC, devendo o
intérprete do direito do trabalho socorrer-se das normas do direito processual comum, quando
compatíveis com as normas trabalhistas. O art. 769 da CLT dispõe que “Nos casos omissos, o
365 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 52. 366 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 94.
direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto
naquilo em que for incompatível com as normas deste Título”.
Pode-se, ainda, incluir como meios de provas as máximas de experiência (regras de
experiência provindas da cultura geral, tanto científica como pessoal) e os fatos notórios (são
fatos que por si só evidenciam uma situação). Os usos e costumes (fatos que comumente
acontecem numa sociedade) não são provas, mas sim fontes diretas do direito. 367
A doutrina diverge no que refere aos indícios e as presunções como meio de prova
(são fatos que, pelas circunstâncias do caso concreto, conduzem à dedução de algum ato). A
divergência também alcança a prova prima facie, tida como a prova de primeira aparência. O
entendimento doutrinário de que indícios e presunções não são meios de prova, mas mero
raciocínio lógico do juiz ao exercitar seu livre convencimento, resulta de os indícios e as
presunções sempre estarem correlacionados com outros fatos dos autos. Para Eduardo Cambi,
“os indícios não são fontes de prova, mas são fatos que podem ser conhecidos, indiretamente,
pelo juiz mediante outras fontes de prova” 368. Trata-se de divergência doutrinária que será
abordada, com mais vagar, em tópico específico.
5.7.1 Prova emprestada
Dentre os inúmeros meios de provas atípicas, merece destaque a prova emprestada,
de uso habitual pelas partes e juízes. Consiste na prova já feita em causa diversa daquela em
que se pretende reutilizá-la. É prova juridicamente constituída em outros autos. Como regra,
refere-se somente à prova oral (depoimento das partes, testemunhas, peritos, etc). Todavia, as
367 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 104-109. 368 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 43.
provas documentais e periciais produzidas em outras causas poderão ser utilizadas
novamente, desde que observado o contraditório e a ampla defesa. Portanto, “considerada-se
prova emprestada a produzida em um processo, para nele gerar efeitos, sendo, depois,
transportada documentalmente a um outro processo, em que visa a gerar efeitos. Assim, não
integra a noção de prova emprestada a prova produzida no juízo deprecado, porque este juízo
é um prolongamento do primeiro [...]”. 369
A prova emprestada contribui para a economia e celeridade processuais, devendo o
juiz, sempre que entender conveniente, fazer uso, em especial no processo trabalhista, onde as
situações emergem, freqüentemente, dos mesmos fatos vivenciados pelas partes. A economia
processual busca a máxima efetividade do direito material através do emprego mínimo de
procedimentos processuais, evitando-se, assim, que a prova seja produzida novamente.
Contudo, a validade e eficácia da prova emprestada devem obedecer ao princípio do
contraditório e da ampla defesa, ou seja, há necessidade de prévia intervenção e participação
das partes. Além disso, há que se observar a validade da prova emprestada:
Com efeito, somente as provas não eivadas de nulidade, em sua admissão ou em sua formação, podem ser emprestadas, lembrando-se que os atos processuais estão interligados, mas podem apresentar certo grau de interdependência a ponto de o vício não invalidar todo o processo (art. 248 do CPC). Por exemplo, quando a citação é nula, não ocorre a formação regular da relação jurídica processual; assim, todas as provas trazidas aos autos não possuem nenhum efeito, não podendo ser emprestadas. Por outro lado, a nulidade causada pela inobservância do disposto no paráfrago único do art. 459 do CPC, que impede o juiz de proferir sentença ilíquida quando o autor formulou o pedido certo, não inviabiliza o empréstimo da prova produzida adequadamente. 370
Eduardo Cambi, após análise pormenorizada, afirma que a prova emprestada exige a
participação da parte contra quem deve operar:
Para que a prova emprestada seja admitida, é necessário que tenha sido recolhida, a princípio, de um processo entre as mesmas partes e com o mesmo objeto.
369 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 53. 370 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 58-59.
A prévia intervenção e participação das partes são necessárias, porque, se uma das partes do segundo processo não fosse a mesma do primeiro processo, haveria violação da garantia constitucional do contraditório e, mais especificamente, do próprio direito constitucional à prova. Entretanto, não há violação ao contraditório quando um terceiro, que não participou do processo em que a prova foi produzida, possa, na qualidade de parte do segundo processo, pedir o empréstimo daquela prova, desde que a parte contra quem a prova emprestada seja usada tenha participado do primeiro processo. (v.g., em acidente aéreo que deixou várias vítimas, uma vez produzida a perícia que aponta falhas da companhia aérea, esse mesmo laudo pode ser emprestado para todos os processos decorrentes de ações de reparação de danos, movidas, em face da empresa aérea, pelas famílias que perderam seus entes queridos). Pode-se, pois, afirmar que a prova emprestada não vale quando foi colhida sem a participação da parte contra quem deve operar, sob pena de gerar a nulidade da decisão por inobservância do contraditório, na formação da prova. Contudo, não se exige que o contraditório seja sempre efetivo, salvo em processos civis cujo objeto envolva direitos indisponíveis, não inviabilizando, destarte, a possibilidade de emprestar a prova de processo em que a parte, embora regularmente citada ou intimada, não exercitou o seu direito à prova (v.g., quando o réu é revel ou quando deixa de comparecer à audiência de instrução). 371
Diverge a doutrina sobre a admissão ou não desse meio de prova em outros autos. É
frágil a argumentação de que não é possível utilizar-se a prova emprestada. O principal
fundamento da corrente que se opõe à prova emprestada é no sentido de que fere o princípio
da identidade física do juiz e, conseqüentemente, o princípio da oralidade, uma vez que a
prova não é produzida em sua presença. Não há suporte jurídico plausível para a afirmação,
posto que, mesmo atendendo ao princípio da identidade física do juiz, há casos em que a
prova é delegada a outro juiz, como ocorre na oitiva de testemunha que reside em outra
jurisdição, circunstância em que a coleta da prova é feita através de carta precatória. Além
disso, o princípio da identidade física do juiz, não é aplicável ao processo do trabalho,
conforme entendimento sumulado pelo TST (Súmula 136): “Juiz. Identidade física. Não se
aplica às Varas do Trabalho o princípio da identidade física do juiz”.
Portanto, não se faz necessário que o juiz do segundo processo seja o mesmo que
instruiu o primeiro processo, pois tal exigência inviabilizaria a utilização da prova
emprestada, em afronta ao princípio da economia processual. Também não viola o princípio
da oralidade quem tem sido mitigado, a exemplo da oitiva de testemunhas por carta
371 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 53-54.
precatória. Não se vislumbra ofensa ao princípio da identidade física do juiz (corolário ao
princípio do juiz natural), que deve sofrer mitigação para garantir o acesso à ordem jurídica e
o aproveitamento de atos não decisórios como a prova emprestada. A prova emprestada é
possível, ainda, quando produzida em juízo relativamente incompetente. Também o é quando
produzida em juízo absolutamente incompetente, pois somente os atos decisórios são nulos
(art.113, §2º do CPC). O importante é a existência de contraditório e ampla defesa no
processo anterior. Além disso, toda a prova emprestada trazida aos autos deve ser submetida
ao contraditório para verificar o preenchimento dos requisitos de admissibilidade. 372
Contudo, “a prova emprestada há de ser sempre analisada no contexto probatório e,
caso seja uma prova frágil, isto é, da qual não se possa ressaltar ao menos um juízo de
probabilidade sobre a existência dos fatos, deve ser admitida, embora mereça uma valoração
negativa, especialmente se for a única prova disponível para a verificação da questão
controvertida”. 373
Manoel Antonio Teixeira Filho também faz imporantes observações sobre a prova
emprestada, com enfoque trabalhista. Para o doutrinador, a prova produzida no processo
anterior, que se pretende transpor a outros processos, pode ter sido realizada entre as mesmas
partes, entre uma das partes daquele e terceiro, entre terceiros ou, ainda, produzida no Juízo
Criminal. 374
A prova produzida entre as mesmas partes pode ter eficácia absoluta, desde que
transitada em julgado a sentença. Pode ocorrer que, em processo diverso, restou provado que
o reclamante trabalhava em horário extraordinário realizado no período noturno. Todavia,
elencou em seus pedidos somente horas extras. Transitada em julgado a decisão, ingressa com
nova ação postulando o adicional noturno. Nesse caso não há necessidade de se produzir
372 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 55-60. 373 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 61. 374 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 99.
provas do horário trabalhado, por já suficientemente esclarecidos os fatos, com a devida
obediência ao princípio do contraditório. Evitam-se, assim, sentenças conflitantes, uma vez
que, se ao autor for determinado provar novamente o fato, não logrando êxito, terá decisão
desfavorável, ainda que já provada a jornada em outros autos. Poderá o réu, contudo, fazer
prova de outros fatos; por exemplo, que pagou o adicional noturno, trazendo aos autos os
documentos probantes. 375
A prova produzida entre uma das partes e terceiro também pode ter eficácia
absoluta, desde que transitada em julgado a decisão. Pode ocorrer que certo empregador,
possuindo dois empregados, venha a sofrer um processo trabalhista. Na audiência de instrução
e julgamento restou cabalmente provado que o empregado reclamante iniciava seu trabalho às
06 horas e encerrava às 18 horas, juntamente com o outro empregado. O empregado
remanescente, pouco tempo depois, ingressa com a reclamatória trabalhista com pedido de
horas extras alegando que sua jornada era igual àquela de seu colega de serviço. Por certo que
a jornada extraordinária não precisa de mais provas, devendo o juiz dispensar qualquer
tentativa nesse sentido, tendo em vista o princípio da economia e celeridade processuais. Tal
meio de prova é freqüentemente utilizado na Justiça do Trabalho. Poderá o réu, contudo, fazer
prova de outros fatos; por exemplo, que pagou as horas extraordinárias, trazendo aos autos os
documentos correspondentes. 376
Nos dois casos acima, ainda que não tenha transitado em julgado a decisão, é
possível a utilização de provas emprestadas, mas com eficácia relativa, uma vez que o juiz
destes autos, no exercício do livre convencimento motivado, poderá entender que o
empregado não tem direito algum.
375 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 99-100. 376 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 101-102.
A prova produzida entre terceiros também pode ser admitida, porém não terá a
mesma eficácia que as anteriores, em razão de estar ausente o princípio do contraditório, pois
nenhuma das partes dos autos em que se pretende o aproveitamento teve oportunidade de
oferecer contraprova, sendo, por este motivo, de pouca utilidade prática. 377
Quanto à prova produzida no Juízo Criminal, ainda que admissível no processo
trabalhista, há que se ter cautela, posto que os princípios de um e de outro são diversos,
influindo diretamente na colheita da provas. O juiz trabalhista não está obrigado a aceitar
prova produzida no Juízo Criminal ou em outro juízo, pois não há dispositivo legal que o
obrigue a utilizar a prova emprestada. Porém, poderá dar início à coleta das provas a partir
daquelas produzidas no Juízo Criminal, devendo, contudo, fixar-se nos princípios que
norteiam o processo do trabalho. Não pode, evidentemente, aceitá-las livremente, sem
quaisquer outras perquirições, uma vez que os objetivos da colheita das provas são diversos.
O mesmo pode ser afirmado sobre os inquéritos policiais, em especial por estar nestes
praticamente ausente o contraditório. Todavia, não há dúvidas de que o juiz poderá se valer
dessas valiosas informações, principalmente quando ratificadas, em audiência, pela parte
cujas conclusões não lhe são favoráveis378. Um exemplo é o assédio sexual, que somente
ficará caracterizado no Juízo Criminal no sentido vertical (art. 216-A, CP), enquanto para o
direito do trabalho o assédio sexual poderá ser vertical (superior hierárquico) e horizontal
(entre colegas), ou seja, nem sempre será necessária uma relação de poder entre a vítima e o
assediador.
377 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 102. 378 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 103-104.
Eduardo Cambi faz importante observação sobre a inexistência de eficácia vinculante
na prova emprestada bem como a inexistência de cerceamento de defesa pelo indeferimento
na repetição da prova:
Nesse contexto, importante ressaltar não ter a prova emprestada eficácia vinculante, devendo ser avaliada no contexto do princípio do livre convencimento (art. 131 do CPC), o que resulta na possibilidade de se atribuírem efeitos diversos à mesma prova ou até mesmo de não lhe atribuir nenhuma importância, em face dos outros elementos probatórios trazidos ao processo em que a causa está sendo discutida. De qualquer modo, sendo válida a prova emprestada (pelo preenchimento dos requisitos da identidade de partes, da observância do contraditório e da simetria do objetivo da prova), com a finalidade de agilizar a prestação jurisdicional, deve-se primar pela efetivação do princípio da economia processual, sendo, pois, desnecessária a repetição da prova já produzida, o que implica a assertiva de que o indeferimento da produção dessa prova não restringe indevidamente o direito à prova, não acarretando o cerceamento de defesa. 379
Contudo, há que se observar que todas as provas coligidas, ainda que licitamente,
terão que ser dotadas de certa legitimidade quanto ao meio utilizado para obtê-las, sob pena
de não serem acolhidas pelo julgador. A mesma dose de legitimidade deve socorrer as provas
obtidas ilicitamente, quando imprescindíveis à solução do litígio, adotando-se o princípio da
proporcionalidade para a solução do conflito.
5.8 Liceidade das provas e o princípio da proporcionalidade
5.8.1 Prova lícita e moralmente legítima
Prova lícita é aquela obtida através dos meios legais ou meios considerados
moralmente legítimos, conforme extrai-se do disposto no art. 332 do CPC380. A prova lícita
379 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 62. 380 Art. 332, CPC: “Todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa”.
comporta, assim, todos os meios de prova (típicos e atípicos), pois “a prova atípica pode ser
lícita ou ilícita, bem como a prova ilícita pode ser típica ou atípica” 381.
Os meios legais são os previstos no CPC ou na CLT (depoimento pessoal, confissão,
prova documental, prova testemunhal, prova pericial, inspeção judicial, exibição de
documentos, etc.) ou, ainda, em qualquer outro diploma que disponha sobre a matéria. Como
o sistema legal de provas adotado no Brasil é exemplificativo, possibilitando ao juiz outros
meios que não os expressos em lei, há outras várias formas de se obter a prova, tanto que o
artigo supramencionado admite todos os meios considerados moralmente legítimos, ainda que
não especificados no Código.
Prova moralmente legítima é a prova obtida sem ofender os direitos fundamentais do
cidadão. São imorais, assim, “os meios que atentem contra os direitos da personalidade,
particularmente quanto à liberdade de pensamento e à privacidade, que foram alcandorados à
categoria dos direitos constitucionais (art. 5º, IV, X, XI, XII)”. 382
Nessa linha de raciocínio, a prova (típica ou atípica) deverá ser lícita e moralmente
legítima, sob pena de não ser acolhida pelo juízo, pois o intérprete poderá rejeitá-la, ainda que
o meio esteja previsto em lei. Os indícios, as presunções e até a prova emprestada submetem-
se também ao crivo da moralidade.
É válida, portanto, não somente a prova autorizada por lei, mas também a que a lei
não proibiu, desde que moralmente legítimas.
5.8.2 Prova ilícita e moralmente ilegítima
381 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 64. 382 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 95.
Prova ilícita é a prova obtida através de meio ilícito, expressamente vedado pela
Constituição Federal383. O art. 5º da CF/88, inciso LVI, prescreve que “são inadmissíveis, no
processo, as provas obtidas por meios ilícitos”. Trata-se do princípio da liceidade das provas,
posto que veda os meios ilícitos para a produção das provas, inclusive com algumas previsões
na própria Constituição Federal, que serão estudadas a seguir. O meio ilícito não é a prova
obtida fora dos meios legalmente previstos, uma vez que é possível, como já visto, obterem-se
provas através de quaisquer meios, desde que moralmente legítimos e não proibidos por lei.
Portanto, prova ilícita é a obtida através de meios expressamente proibidos por lei ou que,
embora não proibidos, sejam moralmente ilegítimos.
Prova moralmente ilegítima é o contrário do acima exposto sobre a prova legítima, ou
seja, é aquela prova que não é moralmente aceita porque obtida com ofensa aos direitos
fundamentais do cidadão.
Eduardo Cambi, embora não concorde com a suposta divisão em prova ilícita e
ilegítima, destacou a diferença entre ambas:
Provas ilícitas seriam aquelas que violariam normas de direito substancial (v.g., prova roubada ou subtraída com violência) e que a ilicitude ocorre no momento da colheita da prova. Já as provas ilegítimas seriam aquelas que infringiriam normas de direito processual e a transgressão se daria no momento da sua produção no processo (v.g., a quebra do sigilo fiscal sem motivação judicial). Essa diferenciação ganha relevância quando se apontam as conseqüências das provas ilícitas em relação às provas ilegítimas. Enquanto as primeiras dariam ensejo a um ato ilícito stricto sensu, capaz de gerar a responsabilidade referente ao direito substancial violado (v.g., civil, penal, administrativo), as outras serviriam de limite de admissibilidade dos meios de prova. 384
Considera-se, ainda, prova ilícita, aquela obtida mediante tortura, narcoanálise,
coação, enfim, todos os meios clandestinos, considerados como os não previstos em lei, além
de eivados de imoralidade. 385
É inválida, portanto, não somente a prova proibida por lei, mas também a que a lei não
proibiu, desde que moralmente ilegítima.
383 NERY JUNIOR, Nelson; ANDRADE NERY, Rosa Maria. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 9. ed. São Paulo: RT, 2006, p. 528. 384 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 65. 385 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 96.
5.8.3 Prova legal e ilegal (ilícita e ilegítima)
Prova legal é a que é exigida por lei, como substância do ato, devendo o juiz atribuir
o valor probante que a lei conferir. Nos termos do art. 366 do CPC: “Quando a lei exigir,
como da substância do ato, o instrumento público, nenhuma outra prova, por mais especial
que seja, pode suprir-lhe a falta”. A princípio, se a prova legal realmente existir o juiz não
poderá lhe dar valor diverso do que a lei confere, porquanto o livre convencimento motivado
(CPC, art. 131) encontra limites nas provas legais386. Há que se observar, porém, que até
mesmo as presunções absolutas têm admitido prova em contrário.
Prova ilegal é a que viola o ordenamento jurídico e seus princípios, como um todo,
de natureza material e processual387. A prova ilegal é o gênero de que são espécies as provas
ilícitas e as provas ilegítimas. Nesse sentido, Luiz Geraldo Floeter Guimarães, citando
Alexandre de Morais diz:
“Segundo ALEXANDRE DE MORAES, ‘As provas ilícitas não se confundem com as provas ilegais e as ilegítimas. Enquanto (...) as provas ilícitas são aquelas obtidas com infringência ao direito material, as provas ilegítimas são as obtidas com desrespeito ao direito processual. Por sua vez, as provas ilegais seriam o gênero do qual as espécies são as provas ilícitas e as ilegítimas, pois configuram-se pela obtenção com violação de natureza material ou processual ao ordenamento jurídico’”. (MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada. São Paulo: Atlas, 2002, p.102). 388
Contudo, muitos doutrinadores rejeitam a distinção entre prova ilegal, ilícita e
ilegítima. Eduardo Cambi, citando Ada Pellegrini Grinover, sustenta que deve ser dado
tratamento sancionatório unitário à ilicitude, pois “extrai-se da exege do art. 5º, inc. LVI, que
386 NERY JUNIOR, Nelson; ANDRADE NERY, Rosa Maria. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 9. ed. São Paulo: RT, 2006, p. 548. 387 NERY JUNIOR, Nelson; ANDRADE NERY, Rosa Maria. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 9. ed. São Paulo: RT, 2006, p. 332. 388 GUIMARÃES, Luiz Geraldo Floeter. Direito de defesa como garantia constitucional. (Publicada no Juris Síntese nº 42 - JUL/AGO de 2003). Cd jan/fev 2007.
a Constituição considera a prova materialmente ilícita também processualmente ilegítima,
estabelecendo a sanção processual de inadmissibilidade à ilicitude material”. 389
5.8.4 Provas ilícitas e moralmente ilegítimas e o princípio da proporcionalidade
Como visto, a doutrina tem apontado o art. 332 do CPC e, especialmente, o art. 5º,
inciso LVI da CF/88 como fundamento da vedação de utilização de prova ilícita. Porém, a
previsão normativa não é imprescindível, uma vez que a norma pode ser deduzida do sistema
jurídico como, por exemplo, a garantia do devido processo legal prevista no art.5º, inciso LIV
da CF/88: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo
legal”.390
Importa mencionar a posição de Eduardo Cambi, que faz severas críticas à separação
entre a ilicitude material (prova ilícita) e a processual (prova ilegítima). Para o referido autor,
o conceito de prova ilícita abrange indistintamente a ilicitude material e a processual:
Adotando a rígida separação entre a ilicitude material e a processual, poder-se-ia chegar à conclusão de que toda prova obtida mediante violação do direito material poderia ser utilizada em juízo, caso não houvesse uma proibição correspondente na legislação processual. Essa visão separa, pois, o direito processual do direito material, cabendo a cada um desses ramos do direito disciplinar as suas respectivas sanções. Por hipótese, a confissão obtida mediante tortura poderia ser utilizada no processo, desde que não estivesse expressamente vedada pelas leis processuais. Com isso, o inquisitor poderia ser punido (v.g., o agente policial que se valeu da tortura poderia responder pelo crime correspondente), mas a prova poderia ser utilizada no processo: “Male captum bene retentum”. Para essa doutrina, a prova decorrente de ilícito exclusivamente material é admitida no processo; por isso, a admissibilidade é um critério autônomo ao processo, devendo-se indagar, em cada caso, se as ilicitudes materiais correspondem às regras processuais proibitórias. A nomenclatura das provas ilícitas e ilegítimas deve ser rejeitada porque: i) o conceito de ilegitimidade não se aplica tão-só ao processo, podendo ser considerados ilegítimos também os atos praticados em contrariedade ao direito substancial; ii) a ilicitude, conforme acima referido, é uma categoria geral, que inclui tanto o direito processual quanto o direito material; iii) toda a prova ilícita, isto é, contrária ao direito processual ou material, pode ser considerada inadmissível no processo ou,
389 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 68. 390 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p, 64-65.
caso equivocadamente admitida, ser considerada nula, sendo excluída do thema probandum e não integrando a esfera do livre convencimento do juiz; iv) essa classificação serviria de estímulo à prática da ilicitude, porque somente o ilícito cometido fora do processo seria repreendido, o que constituiria um modo insuficiente para tutelar adequadamente a dignidade da pessoa humana; afinal, não se pode conceber como irrelevante a prática de ato ilícito ocorrido fora do processo, com o intuito de produzir provas a serem utilizadas judicialmente; caso contrário, todas as provas pré-constituídas poderiam ser admitidas no processo, independentemente de terem sido obtidas ilicitamente (v.g., declaração de terceiro obtida mediante grave ameaça ou coação física, psíquica e moral; fita magnética objeto de interceptação ilegal; documentos furtados ou roubados etc.); ademais, esse problema não é exclusivo da provas pré-constituídas, envolvendo também as provas constituendas (v.g., depoimento de testemunha que tomou conhecimento do fato mediante violação do sigilo da correspondência). A propósito, esse exemplo é bastante ilustrativo e suficiente para chegarmos à conclusão de que o conceito de prova ilícita abrange indistintamente a ilicitude material e a processual. 391
E prossegue o referido autor:
Para se poder abandonar definitivamente a dicotomia provas ilícitas-provas ilegítimas, dando tratamento sancionatório unitário à ilicitude, é possível extrair da regra do art. 5º, inc. LVI, a noção de provas inconstitucionais. Assim, toda prova que violar os direitos fundamentais tutelados constitucionalmente não pode ser admitida ou utilizada em juízo, independentemente de a ilicitude ter se originado fora ou dentro do processo. Com efeito, o importante é que fique caracterizada a violação do direito fundamental, sendo irrelevante o momento (processual ou extraprocessual) em que essa infração tenha ocorrido, e da norma infringida ter caráter material ou formal, já que esses fatores indistintamente causam a mesma conseqüência: a inadmissibilidade do meio de prova no processo. 392
Ao final, conceitua prova ilícita:
Dessa maneira, amplia-se a noção de provas ilícitas, podendo a vedação probatória estar expressamente prevista nas leis processuais ou nas leis materiais, além de poder ser deduzida implicitamente do sistema jurídico-constitucional. Dentro dessa concepção, poder-se-ia concluir que a prova ilícita é aquela que contraria o ordenamento jurídico, visto pelo prisma dilatado da Constituição, que abrange tanto a ordem constitucional e a infraconstitucional quanto os bons costumes, a moral e os princípios gerais do direito. Essa compreensão ampla, aliás, parece coadunar-se com as regras contidas no art. 5º, inc. LVI, combinadas com a do art. 5 º, § 2, CF, e inclusive, com a prevista no art. 332 do CPC, que admite todos os meios probatórios, “moralmente legítimos”, que sejam hábeis para demonstrar a veracidade dos fatos alegados em juízo. 393
391 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 66-67. 392 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 67. 393 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 69-70
A apreciação do que é moralmente legítimo é de extrema complexidade, por não
haver critérios objetivos de como essa prova possa ser produzida. Todavia, a matéria, para
bem ser compreendida, talvez deva ser examinada a contrario sensu do que seja prova
moralmente legítima.
A regra é que a prova seja moralmente concebível e lícito o meio utilizado, sendo
exceção as provas consideradas imorais e ilícitas, pelo que se passará a estudar a moralidade e
licitude das provas através das exceções, ou seja, as provas que encontram barreiras na sua
própria legitimação, seja de ordem legal ou moral.
Não obstante a importância dos conceitos supra-enunciados, mostra-se de maior
relevo a análise do aspecto pertinente às provas obtidas ilicitamente ou maculadas de
imoralidade, admitindo a doutrina e a jurisprudência que sejam temperadas pelo princípio da
proporcionalidade, que lhe daria eficácia plena quando há valores fundamentais conflitantes,
cabendo ao intérprete, em seu livre convencimento motivado, exercitar com eqüidade sua
capacidade axiológica de raciocínio, decidindo pelo valor fundamental de maior relevância.
A Constituição Federal, no que se refere aos direitos e garantias fundamentais, em
especial aos incisos do art. 5º, que dizem respeito ao direito de personalidade (liberdade de
pensamento, privacidade, sigilo, etc.), impõe limites à validade das provas obtidas através da
violação desses valores fundamentais, visando assegurar um bem maior, ainda que em
detrimento da verdade, in verbis:
art. 5º da CF: [...] IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; [...] X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial; XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal; [...].
Porém, não basta apenas assegurar os direitos e garantias dos indivíduos. É preciso
que da violação não resulte prejuízo ainda maior ao lesado. Não pode, por exemplo, o
indivíduo ter sua privacidade invadida e os fatos que então vieram à tona, sem o seu
consentimento, serem usados como meio de prova. Se assim fosse, seriam letra morta as
normas constitucionais supratranscritas. Para coibir tal situação, o art. 5º, inciso LVI,
prescreve que “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”. Buscou,
assim, o legislador, através do princípio da liciedade das provas, garantir o mínimo de
segurança jurídica aos cidadãos, cuja inobservância poderá causar caos social sem
precedentes, pois com os eficientes e modernos meios de comunicações, a invasão de
privacidade está facilitada ao extremo. Se os métodos proibitivos de tal prática não forem
revistos amplamente, estará em risco o que o ser humano sempre almejou durante sua
trajetória: liberdade com segurança.
Contudo, tal liberdade deve sofrer limitações, uma vez que o uso abusivo, livre e
desenfreado das garantias constitucionais não deve servir para acobertar condutas criminosas
de grandes proporções, que tenham relevante interesse social. Se, de um lado, a privacidade
não pode ser invadida, de outro, o uso clandestino e indiscriminado do sigilo absoluto poderá
ter efeitos perversos, tanto quanto a livre invasão de privacidade. Não pode o indivíduo, ante a
liberdade constitucionalmente garantida, fazer uso de tal prerrogativa na prática de ilícitos. A
divergência doutrinária a respeito do uso dos meios de provas obtidas de forma ilícita tem
contribuído para evitar os excessos no uso indevido de um direito, uma vez que, embora o
sigilo seja garantido, não constitui, entretanto, direito absoluto. A dúvida lançada ao
jurisdicionado limita-o, inibindo a intenção dolosa ou, pelo menos, faz o indivíduo analisar
previamente os riscos de tal conduta.
A doutrina dominante aponta o princípio da proporcionalidade como critério
norteador na solução da controvérsia:
Assim, o princípio da proporcionalidade serve como um mecanismo de abertura do sistema jurídico, sensível às interpretações teleológicas capazes de viabilizar a obtenção de resultados mais justos. Portanto, pretende-se tomar o art. 5º, inc. LVI, CF, não como uma regra rígida que impeça toda e qualquer prova ilícita, mas uma regra aberta às circunstâncias que possam aparecer nos casos concretos, confiando aos juízes a possibilidade de ponderar acerca dos valores constitucionais em conflito e, deste modo, evitar que a interpretação literal dessa regra jurídica impossibilite a construção de uma sociedade justa e democrática. 394
Tal princípio visa proibir o excesso, determinando que o julgador use da proporção
ao analisar a situação fática, ponderando a intensidade da prática ilícita na coleta de provas
em relação ao interesse público ou alheio. Deve o julgador, primeiramente, detectar a
existência de dois direitos legitimamente tuteláveis e juridicamente protegidos. Após,
analisará os direitos fundamentais de um e outro, e decidirá em prol do interesse mais
relevante, na medida do que é razoavelmente aceito e tolerável. Evita-se, assim, que os
extremos sejam analisados sem qualquer outra indagação. São dois pesos e duas medidas,
devendo o intérprete analisar as provas obtidas por meios ilícitos, mas com as cautelas que
exige o caso concreto.
A título de exemplificação, pode-se considerar que as gravações telefônicas
clandestinas de traficantes, que mesmo presos comandam o tráfico, devem servir como meio
de prova, uma vez que o princípio da proporcionalidade manda escolher qual dos direitos
fundamentais está sofrendo violação mais profunda e relevante. Nesse caso concreto,
obviamente, o direito coletivo suplanta o direito individual, em especial quando o indivíduo é
reconhecidamente inescrupuloso e/ou esta prova for a única possível. Todavia, “a análise da
questão do balanceamento dos valores em jogo vai ficar relegada às circunstâncias de cada
caso concreto (case-by-case basis)”. 395
Eduardo Cambi, após conceituar a intimidade e a privacidade, observou a
possibilidade de aplicação do princípio da proporcionalidade na colisão de valores:
394 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 72. 395 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 76.
Com efeito, quando a Constituição tutela a intimidade e a privacidade, um extenso conjunto de relações jurídicas fica abrangido, já que a esfera íntima refere-se ao âmbito pessoal de cada um, preservando do mundo exterior, onde se encontram as possibilidades para desenvolver a sua personalidade, enquanto a esfera privada é um conceito um pouco mais amplo, referindo-se ao setor da vida que se manifesta e é acessível a qualquer pessoa (filhos, amigos, parentes, cônjuge etc.). Pode-se, então, para fins didáticos, adotar a teoria das três esferas jurídicas: i) a vida íntima, que abrange a pessoa em seu âmbito mais restrito; ii) a vida privada, que engloba os acontecimentos compartilhados pela pessoa com um número restrito de indivíduos e, por fim, iii) a vida pública, que são eventos suscetíveis de ser conhecidos por todas as pessoas. Como a esfera da intimidade e da privacidade é muito ampla, colide, invariavelmente, com outros valores menos ou mais importantes para o ordenamento jurídico, devendo, eventualmente, ser sacrificada para que outro direito possa vir a ser tutelado. Desse modo, o direito à intimidade e à privacidade não pode ser considerado absoluto, estando sujeito ao princípio da proporcionalidade, pelo qual pode ser limitado, para possibilitar a proteção de outros direitos, valores e interesses considerados mais relevantes para o ordenamento jurídico. Logo, a liberdade de a parte produzir prova em juízo não está, a priori, rejeitada, mas pode ser efetivada, desde que o valor que se procure tutelar jurisdicionalmente justifique a restrição do direito à intimidade ou da privacidade da parte contrária ou de terceiros. Portanto, o princípio da proporcionalidade permite a flexibilização desses direitos, com o intuito de evitar que sua proteção seja nociva à tutela de outros interesses considerados mais importantes e, destarte, assegurar a realização de decisões justas. 396
Nos termos do art. 5º, XII da CF/88 são absolutamente invioláveis o sigilo da
correspondência, das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas,
exceto neste último caso, para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.
Percebe-se, de início, que o processo penal recebeu tratamento diferenciado com relação ao
processo civil. No entanto, as regras do referido dispositivo devem se aplicadas ao processo
civil, pois a ilicitude é uma regra geral válida para todos os processos397. Além disso,
observado o princípio da proporcionalidade, não existe direito absoluto, nem mesmo com
relação ao sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas e de dados.
Com relação às gravações clandestinas e interceptações telefônicas, destacam-se as
importantes ilações de Eduardo Cambi sobre o assunto:
Três são as hipóteses que devem ser examinadas: i) quando a conversa entre duas pessoas é gravada com o consentimento de ambas; ii) quando a conversa é gravada por uma das pessoas que participa do diálogo, mas sem o consentimento da outra;
396 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 85-87. 397 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 96.
iii) quando a gravação se dá por um terceiro e as pessoas que participam da conversa não têm conhecimento de que estão sendo gravadas. Nesse último caso, está-se diante de uma interceptação telefônica. O que a caracteriza é a existência de um terceiro, estranho à conversa, que tem a intenção de captar a comunicação existente na passagem de um emitente para um destinatário. Contudo, a interceptação não se descaracteriza se um dos interlocutores sabe da ocorrência da interceptação; nesse caso, ocorre uma escuta telefônica, que é uma espécie daquele gênero. Pode-se, então, falar em interceptação telefônica, quando executada à revelia de ambos os interlocutores, mas também quando ela é conhecida e consentida por um deles, já que em ambos os casos a terzietà está presente. Por outro lado, quando um dos interlocutores grava a própria conversa, não resta caracterizada a interceptação, embora a gravação eventualmente possa ser considerada clandestina. 398
Quando a gravação é consentida pelas partes, não há que se falar em ofensa à
intimidade e à privacidade. É controversa, porém, a utilização de gravações clandestinas e
interceptações telefônicas. Quanto às gravações clandestinas, “podem ser admitidas, desde
que, pela aplicação do princípio da proporcionalidade, fique caracterizada um justa causa que
a legitime como meio de prova” 399. No que refere às interceptações telefônicas, “a prova
gravada pode ser aproveitada, desde que a sua captação não resulte de meios ardilosos e não
represente uma injustificável restrição da esfera dos direito da personalidade”. 400
As provas ilícitas por derivação (doutrina dos frutos da árvore envenenada) são
lícitas, mas devem ser consideradas ilícitas diante da ilicitude primária. Contudo, “melhor do
que afirmar não poder toda e qualquer prova ilícita por derivação ser admitida no processo,
correndo-se o risco de não se efetivar o direito à prova, quando se mostre um instrumento
indispensável para a realização de outro valor considerado mais relevante que aquele o qual se
procura restringir, é adotar a mesma solução empregada no tratamento das provas ilícitas
originárias, aceitando-se, pois, a aplicação do princípio da proporcionalidade”. 401
398 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 100. 399 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 104. 400 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 108. 401 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 116.
A utilização da prova protegida pelo manto constitucional pode ocorrer em duas
situações, sem dispensar a aplicação do princípio da proporcionalidade. A primeira, quando
há autorização judicial para que a prova seja produzida e a segunda, quando a prova foi obtida
por meio ilícito:
A autorização prévia inerente ao juízo de admissibilidade, para a produção da prova, permite que o juiz valore antecipadamente os bens em conflito, aplicando adequadamente o princípio da proporcionalidade e procurando, com isso, evitar, preventivamente, o cometimento de atos ilícitos. Afora isso, também é recomendável que o magistrado delimite a diligência, descrevendo qual é o objeto a ser investigado e em que condições isso deve ocorrer, devendo, sempre que possível, observar, previamente, as garantias constitucionais do processo. Com efeito, quando o juiz autoriza a realização prévia da prova e essa diligência se justifica em face do princípio da proporcionalidade, não se estará diante de provas ilícitas, porque não haveria nenhum ato ilícito a ser reprimido. Todavia, mesmo a prova obtida por meio ilícito pode, excepcionalmente, ser considerada válida e eficaz, caso o juiz, aplicando o princípio da proporcionalidade, a posteriori, considere que a prova ilícita se justifica na medida em que a esfera jurídica violada, pela atividade probatória, pode ser limitada para que outro direito, reputado mais relevante, possa ser tutelado. 402
Como critério único para dar guarida às provas obtidas por meios ilícitos e imorais,
passa-se a melhor conhecer o princípio da proporcionalidade, cuja dimensão propicia ao
intérprete a aplicação justa da lei, ainda que contra ela tenha que decidir. A doutrina aponta
pressupostos a serem observados pelo juiz:
Na aplicação do princípio da proporcionalidade, o juiz deve atentar para, pelo menos, três pressupostos: i) a clara determinação dos valores em jogo; ii) a prioridade do elemento normativo a ser utilizado; iii) a proporção entre o meio empregado e os fins perseguidos. Observados esses parâmetros, a utilização desse princípio pode ser um instrumento importante para a tutela de valores considerados mais relevantes que, para serem amparados no plano material, requerem a necessidade de comprovação probatória. 403
O princípio da proporcionalidade decorre de interpretação, não havendo, na
legislação pátria, norma expressa acerca de sua aplicabilidade, visto que oriundo de teorias
estrangeiras (direito alemão); tal omissão legislativa é apontada por alguns juristas como
402 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 74-75. 403 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 76.
inviabilizadora de sua utilização no sistema processual, pois que o art. 5º, inciso LVI, não
dispensa nenhuma exceção à sua aplicabilidade, apenas considera “inadmissíveis, no
processo, as provas obtidas por meios ilícitos”, ou seja, a CF não prevê qualquer
flexibilização na utilização do art. 5º, inciso LVI. Para Nelson Nery Júnior, “o fundamento
constitucional do princípio da proporcionalidade encontra-se no conteúdo do princípio do
Estado de Direito, havendo, ainda, quem entenda situar-se no princípio do devido processo
legal”. 404
Ao admitir-se a utilização do princípio da proporcionalidade, reconhece-se também
que não existem direitos absolutos, os quais poderão ser ponderados, tirando-lhes o rigor
excessivo ou atribuindo-lhes força que não lhes é peculiar:
Segundo o princípio da proporcionalidade, também denominado de ‘lei da ponderação’, na interpretação de determinada norma jurídica, constitucional ou infraconstitucional, devem ser sopesados os interesses e direitos em jogo, de modo a dar-se a solução concreta mais justa. Assim, o desatendimento de um preceito não pode ser mais forte e nem ir além do que indica a finalidade da medida a ser tomada contra o preceito a ser sacrificado. 405
Por outro lado, também não há direito absoluto à prova:
O direito à prova está sujeito às restrições que decorrem da necessidade que o ordenamento jurídico tem de tutelar outros valores e interesses igualmentes dignos de proteção. O direito à prova não é absoluto, comportando limitações jurídicas (que se dão pelo crivo do juízo de admissibilidade, cuja finalidade é a proteção de outros valores fundamentais) e lógicas (por intermédio dos juízos de relevância e de pertinência, que almejam proporcionar a economia e a celeridade processuais, evitando a perda de tempo e a confusão no raciocínio do juiz). 406
Ainda em relação ao princípio da proporcionalidade, há que se falar em ponderação
pré-normativa e pós-normativa. A primeira refere-se à aplicação do referido princípio antes de
editar a lei, pelo legislador. A segunda refere-se à aplicação pelo intérprete, após a vigência da
lei.
404 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. 8. ed. São Paulo: RT, 2004, p. 197-198. 405 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. 8. ed. São Paulo: RT, 2004, p. 197. 406 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 37-38.
Para o legislador aplicar o princípio da proporcionalidade (ponderação pré-
normativa), indispensável à edição de qualquer norma, devem coexistir três subprincípios, que
o compõem: a) aptidão ou adequação; b) necessidade ou exigibilidade; e c) proporcionalidade
strictu sensu.
A aptidão ou adequação propõe que o legislador tenha uma visão futura sobre a
necessária suficiência da lei para atingir o fim almejado, ou seja, há um juízo para ver se a
norma a ser editada é apta e adequada ao objetivo pretendido.
A necessidade ou exigibilidade decorre do fato de que o legislador só editará a norma
se necessária ou imprescindível. Do contrário a norma seria vazia e sem utilidade prática.
A proporcionalidade strictu sensu determina que o legislador analise se os benefícios
que a norma trará superarão os malefícios que também pode acarretar, visto que o legislador
não tem como prever todas as possibilidades do cotidiano, e parte do geral para o particular.
Como se vê, é impossível legislar sobre cada caso que, hipoteticamente, poderá
ocorrer, por isso a necessidade de se flexibilizar certas normas para que a justiça prospere,
sendo certo que o legislador flexibilizaria a norma se lhe fosse apresentado o caso concreto.
Quando da edição da lei, buscou-se proteger a proporção maior, onde a incidência mostrou-se
mais acentuada. Porém, não descartou o direito dos que se achavam excluídos pela própria lei;
apenas ponderou para melhor legislar.
Necessária se faz, portanto, uma flexibilização pós-normativa, conferida ao intérprete
do direito, quando a hipótese geral mostrar-se mais particular no caso concreto. O legislador,
ante a notória complexidade social, não tem como normatizar de forma rígida e absoluta,
porquanto o direito é flexível por natureza e transforma-se rapidamente, havendo, inclusive,
várias dimensões que, por vezes, são até opostas, dependendo da esfera social em que o
indivíduo estiver integrado.
Ora, se o legislador utiliza-se do princípio da proporção é porque espera que o
intérprete também tenha bom senso na aplicação da lei. Do contrário, seria mero pesquisador
de artigos para enquadrar em casos concretos e não intérprete/julgador, como é conhecido.
A doutrina divergente assevera que o legislador, ao fazer a ponderação pré-normativa
do art. 5º, inciso LVI, da CF teria excluído, peremptoriamente, a possibilidade de se transferir
ao intérprete qualquer forma de ponderação pós-normativa, o que não se afina com o
entendimento dominante, acima exposto, cujos fundamentos demonstram satisfatoriamente a
impropriedade dos argumentos esgrimidos pelo segmento minoritário.
Por derradeiro, destaque-se que as “sentenças que não observam as garantias do
contraditório e da ampla defesa, bem como aquelas calcadas no uso indevido de provas
ilícitas, são eivadas de nulidade absoluta, não são inexistentes” 407. Porém, a nulidade não
contamina toda a atividade probatória e ficará restrita aos atos dependentes do ato nulo, nos
termos do art. 248 do CPC. 408
5.9 Momento e local da prova
O processo é composto de procedimentos com seqüências previamente definidas,
rumo à composição do litígio. A marcha processual é determinada com o propósito de
estabelecer regras a serem cumpridas, evitando que as partes abusem indiscriminadamente do
direito de requererem e/ou defenderem seus interesses, pois que se não o fizerem em
momento oportuno poderão incorrer na preclusão. Trata-se de disciplinar o andamento
407 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 120. 408 Art. 248 do CPC: “Anulado o ato, reputam-se de nenhum efeito todos os subseqüentes, que dele dependam; todavia, a nulidade de uma parte do ato não prejudicará as outras, que dela sejam independentes”.
processual, devendo as partes submeterem-se à norma estabelecida, cujo objetivo é assegurar
o contraditório e a ampla defesa dentro dos limites legais. A lei determina o momento e, em
alguns casos, o lugar das provas.
Nelson Nery Junior sintetizou o assunto:
Há regras especiais quanto à produção da prova documental, da prova legal e da prova pré-constituída. O autor deve instruir a petição inicial com os documentos destinados a provar-lhe as alegações (CPC 283), sob pena de seu indeferimento (CPC 284 par. ún.). O réu deve, por sua vez, instruir sua defesa com os documentos que provem suas alegações. Só podem ser juntados depois dessa oportunidade os documentos novos (CPC 397). O instrumento público que a lei considerar da substância do ato deve acompanhar a inicial, sob pena de ela vir a ser indeferida (CPC 283, 284 par. ún. e 295 VI) e impedir o efeito da revelia (CPC 302 II e 320 III). 409
Como regra geral, as provas devem ser produzidas em audiência, conforme
estabelece o art. 336, caput, do CPC: "Salvo disposição especial em contrário, as provas
devem ser produzidas em audiência". A CLT tem dispositivo semelhante ao estabelecer no
art. 845 que “O reclamante e o reclamado comparecerão à audiência acompanhados das suas
testemunhas, apresentando, nessa ocasião, as demais provas".
A audiência é o lugar para a produção de toda a prova oral e daquela que, embora
não oral, necessita ser finalizada oralmente. Privilegia-se aqui o princípio da oralidade, que
está ligado ao princípio da imediatidade, cujo objetivo é o contato pessoal do juiz na produção
de provas. A oralidade contribui de forma decisiva na apuração da justiça, além de sua grande
importância na redução da demora excessiva dos processos.
Porém, poderá ocorrer que a prova seja colhida fora da audiência como, por
exemplo, na exceção à regra do art. 336, parágrafo único do CPC, nos casos de enfermidade
ou outro motivo relevante das partes ou testemunhas.
409 NERY JUNIOR, Nelson; ANDRADE NERY, Rosa Maria. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 9. ed. São Paulo: RT, 2006, p. 536.
No processo civil, o autor deverá instruir a petição inicial com os documentos
necessários à prova de suas alegações, nos termos do art. 283 do CPC410. Caso esse requisito
não seja obedecido, o autor terá prazo para emendar a inicial, sob pena de indeferimento,
conforme estabelece o art. 284 do CPC411. O réu deverá, por sua vez, instruir a defesa com
todos os documentos que provem as suas alegações, de acordo com o art. 396 do CPC.412
Superadas essas fases, somente poderão ser juntados documentos novos, desde que
observado o disposto no art. 397 do CPC: “É lícito às partes, em qualquer tempo, juntar aos
autos documentos novos, quando destinados a fazer prova de fatos ocorridos depois dos
articulados, ou para contrapô-los aos que foram produzidos nos autos”.
O autor deverá requerer as provas com que pretende demonstrar a verdade dos fatos
alegados desde a inicial (art. 282, IV do CPC). O réu, por sua vez, deverá, na contestação,
especificar as provas que pretende produzir (art. 300 do CPC).
Na Justiça do Trabalho, em que pese a determinação do art. 849 da CLT para que a
audiência seja una, como regra, por questão de funcionalidade e praticidade, há cisão da
audiência em três momentos assim conhecidos: audiência inicial ou de conciliação, instrução
e, por fim, a audiência de julgamento.
A audiência inicial destina-se à tentativa do acordo, durante a qual as partes, por
intermédio do juiz, buscam conciliar a controvérsia. Não surtindo efeito, a contestação deverá
ser apresentada, sendo designada audiência de instrução. Na audiência de instrução os
410 Art. 283, CPC: “A petição inicial será instruída com os documentos indispensáveis à propositura da ação”. 411 Art. 284, CPC: “Verificando o juiz que a petição inicial não preenche os requisitos exigidos nos artigos 282 e 283, ou que apresenta defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito, determinará que o autor a emende, ou a complete, no prazo de 10 (dez) dias. Parágrafo único. Se o autor não cumprir a diligência, o juiz indeferirá a petição inicial”. 412 Art. 396, CPC: “Compete à parte instruir a petição inicial (artigo 283), ou a resposta (artigo 297), com os documentos destinados a provar-lhe as alegações”.
litigantes serão interrogados e, em seguida, as testemunhas, os peritos e os técnicos, conforme
prescreve o art. 848 da CLT413. Realizada a instrução, remetem-se os autos ao julgamento.
Como no processo civil (art. 283 do CPC), a CLT prevê, no art. 787, que os
documentos necessários devem ser juntados com a inicial414. Quanto à defesa, na Justiça do
Trabalho, aplica-se o art. 845 da CLT que determina a apresentação das demais provas em
audiência e, subsidiariamente, o art. 396 do CPC por força do art. 769 da CLT. 415
Considerando que já na inicial é necessária a juntada de documentos, conclui-se que
a prova documental tem início quando da propositura da ação, encerrando-se com a segunda
audiência.
Existem, portanto, na Justiça do Trabalho, três momentos próprios para a produção
das provas: na inicial (deve estar acompanhada dos documentos necessários); na audiência de
conciliação (é a primeira audiência designada, devendo o réu apresentar sua resposta em
forma de contestação, além de juntar os documentos necessários), e a audiência de instrução
(é a segunda audiência, destinada principalmente à coleta de prova oral). 416
Porém, se a audiência for una, conforme previsto no diploma trabalhista consolidado
(art. 849 da CLT), restam apenas duas oportunidade para a apresentação de provas: com a
petição inicial (para o autor) e na audiência de instrução (para o réu apresentar a contestação e
demais provas que pretende produzir e para o autor apresentar as demais provas).
Em ambos os casos, pode-se, contudo, juntar documentos novos, nos termos do art.
397 do CPC. A juntada de documentos novos a qualquer momento, condiciona-se à
413Art. 848, CLT. “Terminada a defesa, seguir-se-á a instrução do processo, podendo o presidente, ex-officio ou a requerimento de qualquer juiz temporário, interrogar os litigantes. § 1º. Findo o interrogatório, poderá qualquer dos litigantes retirar-se, prosseguindo a instrução com o seu representante. § 2º. Serão, a seguir, ouvidas as testemunhas, os peritos e os técnicos, se houver”. 414 Art. 787, CLT: “A reclamação escrita deverá ser formulada em duas vias e desde logo acompanhada dos documentos em que se fundar". 415 Art. 769, CLT: "Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título". 416 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 79.
necessidade de provar fatos ocorridos após os alegados ou, simplesmente, para contrapor os
fatos que foram alegados nos autos. Deve o juiz agir com cautela e prudência para evitar que
as partes provoquem indesejável tumulto processual. 417
No processo trabalhista, não há permissão para juntada de documentos na fase
recursal, exceto quando houver justo motivo ou fato ocorrido posteriormente à sentença. O
entendimento está consolidado na Súmula nº. 8 do TST: “Juntada de documento. A juntada de
documentos na fase recursal só se justifica quando provado o justo impedimento para sua
oportuna apresentação ou se referir a fato posterior à sentença”.
Há casos em que as partes, com o fim de surpreender o adversário, somente juntam
os documentos na audiência de instrução. Tal conduta deve, na medida do possível, ser
coibida pelo juiz, posto que está prejudicando o direito de defesa da parte adversa. Todavia,
para assegurar a observância do princípio do contraditório418, tem direito a parte contrária a
prazo razoável para manifestação, em regra de 5 dias, caso não consiga pronunciar-se
satisfatoriamente na audiência de instrução (art. 398 do CPC). 419
A juntada de documentos fora do prazo deve ser indeferida, salvo quando verificada
a exceção prevista no art. 397 do CPC. Não há cerceamento de defesa, uma vez que as partes
estão submetidas à disciplina processual, com o fim precípuo de viabilizar a marcha
processual, devendo-se evitar ao máximo a discussão de matéria já ventilada, cuja
oportunidade de manifestação já fora deferida. A não observância da disciplina processual
privilegia a negligência ou má-fé das partes, determinando o procrastinamento do feito, em
prejuízo às partes e ao próprio Estado, dado o interesse deste na rápida pacificação do
conflito. Contudo, o art. 397 do CPC tem sido interpretado extensivamente “para admitir
417 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 79. 418 THEODORO JÚNIOR. Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 34. ed. vol. 1. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 408. 419 Art. 398 do CPC: "Sempre que uma das partes requerer a juntada de documento aos autos, o juiz ouvirá, a seu respeito, a outra, no prazo de 5 (cinco) dias".
igualmente a produção de outros documentos, contanto que não sejam considerados
indispensáveis, isto é, cuja ausência não é capaz de ensejar o indeferimento da petição inicial
(art. 295, inc. VI, CPC) e a extinção do processo sem julgamento de mérito (art. 267, incs. I e
III, CPC”. 420
A prova testemunhal, como de regra, será produzida em audiência (art. 410 do CPC).
Privilegia-se a oitiva em audiência, em detrimento das declarações obtidas extrajudicialmente,
pois que estas, por unilaterais, inviabilizam os princípios do contraditório e da imediatidade,
além de admitir eventual vício de consentimento e precariedade das informações prestadas. 421
Contudo, o próprio art. 410 do CPC elenca as exceções, como ocorre com as
testemunhas que prestam depoimento antecipadamente; as que são inquiridas por carta; as que
estão impossibilitadas de comparecer em juízo, por doença ou outro motivo relevante. Neste
último caso, o juiz dirige-se à testemunha para inquiri-la (art. 336, parágrafo único). Quanto
aos dois primeiros casos, os depoimentos, embora não sejam prestados diretamente ao juiz
que está presidindo o processo, são, em geral, realizados em audiência. 422
Há, ainda, determinadas pessoas que, em virtude do cargo que exercem, têm a
prerrogativa de serem inquiridas fora da audiência, podendo ser em sua residência ou no local
onde exercem sua função. Cabe ao juiz solicitar à autoridade que designe dia, hora e local a
fim de ser inquirida, remetendo-lhe cópia da petição inicial ou da defesa oferecida pela parte
que a arrolou como testemunha. A previsão legal está contida no art. 411 e parágrafo único do
CPC. 423
420 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 225. 421 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 80. 422 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 81. 423 Art. 411 e parágrafo único, CPC: “São inquiridos em sua residência, ou onde exercem a sua função: I - o Presidente e o Vice-Presidente da República; II - o presidente do Senado e o da Câmara dos Deputados; III - os ministros de Estado; IV - os ministros do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, do Superior Tribunal Militar, do Tribunal Superior Eleitoral, do Tribunal Superior do Trabalho e do Tribunal de Contas da União; V - o procurador-geral da República; VI - os senadores e deputados federais; VII - os governadores dos Estados, dos Territórios e do Distrito Federal; VIII - os deputados estaduais; IX - os desembargadores dos Tribunais de Justiça, os juízes dos Tribunais de Alçada, os juízes dos Tribunais Regionais
Ressalte-se que não se aplica o princípio da incomunicabilidade previsto no art. 413
do CPC e 824 da CLT (determina a oitiva das testemunhas separadas e sucessivamente, sem
que uma ouça o depoimento da outra) com relação às testemunhas ouvidas nos termos
previsto nos incisos do art. 410 e 411 do CPC. De igual forma, ocorre com as testemunhas
referidas (art. 418 do CPC), que são ouvidas em outra audiência, não havendo observância da
regra da incomunicabilidade.
Além das exceções legalmente previstas, existem provas que, pela própria natureza,
são realizadas fora da audiência, como no caso da prova pericial e da inspeção judicial.
Contudo, há fatos que, embora exijam conhecimentos técnicos, podem ser elucidados em
audiência, podendo o juiz inquirir peritos de sua confiança, conforme preceitua o art. 35 da
Lei 9.099/95424. Pode, ainda, a prova pericial ocorrer em audiência, de forma suplementar,
quando visa somente esclarecer algumas questões do laudo já apresentado, com a simples
inquirição do perito e do assistente técnico.
O doutrinador trabalhista Manoel Teixeira Filho destaca o problema da prova pré-
constituída que, conforme conceituação feita quando da classificação das provas, acontece
quando há documentação dos fatos, por força dos métodos adotados na administração ou
exigência de leis fiscais, comerciais e trabalhistas (recibos, ordens de serviços, folhas de
ponto, vistorias, etc.). Não são destinadas a futuros processos. Não há uma preocupação para
serem utilizadas neste ou naquele caso, ainda que, futuramente, isto possa ocorrer. Fluem
naturalmente da atividade empresarial como forma de assegurar o direito, mas sempre antes
no início da demanda.
do Trabalho e dos Tribunais Regionais Eleitorais e os conselheiros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal; X - o embaixador de país que, por lei ou tratado, concede idêntica prerrogativa ao agente diplomático do Brasil. Parágrafo único. O juiz solicitará à autoridade que designe dia, hora e local a fim de ser inquirida, remetendo-lhe cópia da petição inicial ou da defesa oferecida pela parte, que arrolou como testemunha”. 424Art. 35, Lei 9.099/95: “Quando a prova do fato exigir, o juiz poderá inquirir técnicos de sua confiança, permitida às partes a apresentação de parecer técnico”.
A prévia constituição de provas, segundo o referido autor, pode ferir vários
princípios fundamentais, em especial o da contradição, assegurado constitucionalmente. A
eficácia probante dos documentos pré-constituídos, produzidos em decorrência da relação
empregatícia (avaliações periódicas do estado de saúde do trabalhador, cartões-ponto, recibos
de pagamento, comprovante de depósito de fundo de garantia etc.) não é absoluta, admitido-se
prova em contrário para invalidar a declaração expressa, quando há indícios de que vício os
contaminou.425
Há casos em que as provas pré-constituídas não têm valor algum, em especial
quando se tratar de renúncia, ainda que o direito renunciado não seja de ordem pública.
Nesses casos, cabe ao empregador provar que o empregado renunciou a direito em prol do
empregador, posto que é difícil conceber, ante os princípios que informam o direito do
trabalho, que tal situação tenha sido livremente pactuada.
Sendo a prova documental, como de regra, pré-constituída, o juiz trabalhista deverá
examiná-la com cautela ante a notória inferioridade negocial do trabalhador frente ao
empregador, não servindo de amparo os preceitos norteadores do Código de Processo Civil no
que se refere à prova documental. Eventual alegação do autor de que os documentos padecem
de vício ostenta presunção de veracidade, ainda que relativa, dado o inescondível
desequilíbrio existente na relação capital x trabalho.
5.10 Princípios da prova
Na esfera constitucional são encontrados, basicamente, dois dispositivos que
norteiam o sistema probatório. Ao tratar da ampla defesa, com direito à prova, o inciso LV do
425 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 82-
84.
art. 5º da Constituição Federal preceitua que "aos litigantes, em processo judicial ou
administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com
os meios e recursos a ela inerentes". Quanto à obtenção dessas provas, o inciso LVI do
mesmo artigo informa que "são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios
ilícitos". Todavia, este princípio, conhecido como o princípio da proibição da prova obtida
ilicitamente, deve ser temperado com o princípio da proporcionalidade, conforme defendido
em tópico específico.
Jônatas Luiz Moreira de Paula cita vários princípios aplicáveis ao direito probatório,
tais como o princípio da vedação da obtenção de provas ilícitas, princípio do ônus da prova,
princípios da verdade real e da verdade formal, princípios da imediatidade e da concentração
das provas, princípio da persuasão racional ou livre convencimento fundamentado. 426
Considerando o viés trabalhista da pesquisa, destacam-se os seguintes princípios,
extraídos de normas infraconstitucionais, com fundamento no CPC e na CLT.
O princípio do livre convencimento motivado do juiz (art. 131 do CPC e art. 832,
caput da CLT), segundo o qual a apreciação da prova é livre, devendo, contudo, o julgador
declinar as razões de seu entendimento.
O princípio da oralidade (art. 336 do CPC: "Salvo disposição especial em contrário,
as provas devem ser produzidas em audiência" e art. 848 da CLT: “Terminada a defesa,
seguir-se-á a instrução do processo, podendo o presidente, ex-officio ou a requerimento de
qualquer juiz temporário, interrogar os litigantes”), que privilegia a produção das provas na
audiência de instrução e julgamento.
O princípio da imediação (art. 446, II, do CPC: "Compete ao Juiz em especial: II -
proceder direta e pessoalmente à colheita das provas" e art. 848 da CLT), que atribui ao juiz a
coleta das provas direta e imediatamente, facultando reperguntas às partes. Esse princípio
426 PAULA, Jônatas Luiz Moreira de. Teoria Geral do Processo. 3. ed. Barueri: Manole, 2002, p. 227-230.
determina que o juiz conduza o andamento do processo, em especial para coibir diligências
absurdas eventualmente pretendidas pelas partes, conforme estabelece o princípio inquisitivo
insculpido no art. 765 da CLT.
O princípio da identidade física do juiz (art. 132 do CPC) prevê que o juiz que iniciar
a prova oral deverá concluir a instrução e julgar a lide, ficando vinculado ao processo. Tal
princípio não é aplicável ao processo do trabalho, conforme entendimento consubstanciado na
Súmula 136 do TST: “Juiz. Identidade física. Não se aplica às Varas do Trabalho o princípio
da identidade física do juiz”.
Amauri Mascaro Nascimento aponta vários princípios regentes da prova no processo
do trabalho, que podem ser resumidos em: princípio da necessidade da prova – não bastam
meras alegações, é preciso provar os fatos alegados; princípio da lealdade ou probidade da
prova – as partes devem valer-se de meios leais e éticos, não podendo alterar a verdade dos
fatos, sob pena de serem condenadas como litigantes de má-fé (CPC, art. 17); princípio da
contradição ou contraditório – as partes têm o direito de vista aos documentos, bem como de
impugnar a prova, contraditando testemunhas, recusando peritos, dentre outras formas de
oposição. É o direito de defesa amplamente difundido pela Carta Magna. Poderá, ainda, a
parte produzir a contraprova, ou seja, apresentar prova que, além de elidir a prova elaborada
pelo adversário, constitui outra prova a ponto de inverter por inteiro a relação discutida,
passando de devedor a credor, por exemplo; princípio da igualdade de oportunidades – as
partes terão tratamento igualitário quando requererem ou produzirem a prova. Não há
exigência legal na produção das provas, mas que se assegure a oportunidade para ser
produzida; princípio da legalidade – as provas devem ser produzidas de acordo com o
comando legal, devendo subordinar-se ao tempo, meio, lugar, etc. A disciplina probatória
deve ser seguida fielmente, evitando-se o livre arbítrio das partes; princípio da
obrigatoriedade da prova - as partes estariam obrigadas a provarem os fatos, considerando
que a prova não é só do interesse das partes, mas também do Estado, a quem importa o
esclarecimento da verdade. Contudo, a doutrina diverge, pois entende que provar não é
obrigação, mas sim faculdade das partes; princípio da unidade (ou comunhão) da prova - as
provas, embora produzida por diversos meios, devem ser apreciadas em seu conjunto,
globalmente. 427
Celso Hiroshi Iocohama ao destacar a importância da lealdade processual das partes
(princípio da lealdade), salientou a necessidade da imposição de limites aos litigantes e seus
defensores:
Ainda que no processo se verifique uma estrutura contraditória, permitindo a cada uma das partes a apresentação de seus interesses e incumbindo-lhes a sustentação de suas próprias razões, não é simplesmente admissível que tal comportamento seja ilimitado. Enrico Túlio Liebman afirma uma necessidade de limitação voltada aos termos que os costumes e a moral impõem, além da ética profissional para os defensores e, comentando o disposto pelo art. 88 do Código de Processo Civil italiano (que estabelece o dever das partes e dos seus defensores ‘de comportar-se em juízo com lealdade e probidade’), anota que ‘a formula da lei, necessariamente elástica e genérica, deve ser adaptada pelo intérprete à variedade dos casos e circunstâncias. Ela significa, em substância, que, embora no processo se trave uma luta em que cada um se vale livremente das armas disponíveis, essa liberdade encontra limite no dever de respeitar as regras do jogo, e estas exigem que os contendores se respeitem reciprocamente na sua qualidade de contraditores em juízo, segundo o princípio da igualdade das suas respectivas posições’. 428
Quanto ao princípio da aquisição processual ou da comunhão da prova, destaca-se a
doutrina de Eduardo Cambi:
As provas, depois de ingressarem ou serem produzidas no processo, tornam-se públicas e passam a integrar um único conjunto, em que o resultado das atividades processuais são comuns a ambas as partes, não se levando em consideração o litigante que trouxe ou produziu o meio de prova. Assim, as provas, ao ingressarem no processo, são subtraídas da disposição das partes, que as introduziram ou produziram-nas, servindo aos litisconsortes, independentemente de qual seja a sua natureza (unitário ou simples/ necessário ou facultativo), mas também à parte contrária. 429
427 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 65-76. 428 ICOHAMA, Celso Hiroshi. Litigância de má-fé e lealdade processual. Curitiba: Juruá, 2006, p. 48. 429 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 319.
A observação dos princípios da prova pelas partes e juízes tornam o processo mais
sublime, pois em sintonia com o princípio do direito à prova.
5.11 Hierarquia das provas
Não há, a princípio, hierarquia das provas, posto que o juiz decide através do livre
convencimento motivado (art. 131 do CPC). Contudo, a doutrina processual civil estabeleceu
certa prevalência entre elas, com distribuição segundo a seguinte ordem de valoração: prova
legal; confissão; prova pericial indispensável; prova documental; prova testemunhal; e prova
por indícios e presunções430. Para Christovão Piragibe Tostes Malta, não há hierarquia dos
meios probantes:
Nosso sistema de apreciação da prova é o do conhecimento motivado do juiz (arbitrium iudicis), também denominado persuasão racional. O juiz, conquanto deve amparar-se na prova dos autos e esclarecer na sentença suas razões de decidir (CPC, 131), julga pela sua convicção pessoal, sem ficar sujeito a uma hierarquia dos meios probantes. 431
A prova legal (art. 366 do CPC), como regra, é tida como incontestável, uma vez que
a lei já lhe tarifa o valor que possui, devendo prevalecer sobre qualquer outro meio probatório.
No caso de existência de prova legal, o livre convencimento do magistrado fica, de certa
forma, limitado, posto que não é dado ao julgador considerá-la inexistente. Se a realização do
casamento fora comprovada com a certidão de registro civil, o magistrado simplesmente a
430 NERY JUNIOR, Nelson; ANDRADE NERY, Rosa Maria. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 9. ed. São Paulo: RT, 2006, p. 528. 431 TOSTES MALTA, Christovão Piragibe. A prova no Processo Trabalhista. São Paulo: LTr, 1997, p. 140.
terá como prova inquestionável, dado o caráter legal que estabelece uma carga valorativa de
extrema relevância. 432
Na Justiça do Trabalho a prova testemunhal é de grande valia, uma vez que as provas
documentais pré-constituídas, não raras vezes, são meramente formais, visando
exclusivamente ao atendimento à legislação trabalhista na esfera escritural, mas não refletem
a verdade real, ou seja, os fatos não são fielmente documentados com o intuito de burlar as
leis trabalhistas, fiscais e previdenciárias.
Importante, contudo, mencionar que, salvo raras exceções, a prova pericial é
imprescindível para a correta análise e extensão dos acidentes de trabalho, inclusive para
verificar a existência do próprio nexo causal, o que tornaria essa prova hierarquicamente
superior às demais.
5.12 Poder de instrução do juiz – princípios dispositivo e inquisitivo
O princípio dispositivo determina que o juiz somente possa julgar sobre o alegado e
provado, ou seja, atribui às partes a produção das provas. O princípio inquisitivo ou
autoritário, como alguns doutrinadores o classificam, determina que o juiz tenha a iniciativa
na direção do processo e da prova. 433
Como tradição, tem prevalência no processo civil o princípio dispositivo, que atribui
às partes larga margem de atuação na condução das provas sem que o juiz intervenha de
forma conclusiva ou inibitória sobre as provas produzidas. Contudo, a leitura do art. 130 do
432 NERY JUNIOR, Nelson; ANDRADE NERY, Rosa Maria. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 9. ed. São Paulo: RT, 2006, p. 528. 433 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 141.
CPC autoriza conclusão diversa: “Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte,
determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou
meramente protelatórias”. Vê-se claramente que o juiz pode, ex officio, determinar as provas
necessárias à instrução, ainda que o interesse das partes verse sobre direito disponível.
É assente na doutrina civilística que a atividade probatória do juiz não encontra
limites quando o direito discutido é de cunho indisponível. Esse viés inquisitório também é
presente nos procedimentos de jurisdição voluntária. Sálvio de Figueiredo, em citação de
Nelson Nery Junior, fez importante observação sobre o poder instrutório do juiz:
Iniciativa probatória do juiz: O juiz pode assumir uma posição ativa, que lhe permite, dentre outras prerrogativas, determinar a produção de provas, desde que o faça, é certo, com imparcialidade e resguardando o princípio do contraditório. Tem o julgador iniciativa probatória quando presentes razões de ordem pública e igualitária, como, por exemplo, quando esteja diante de causa que tenha por objeto direito indisponível (ações de estado), ou quando o julgador, em face das provas produzidas, se encontre em estado de perplexidade ou, ainda, quando haja significativa desproporção econômica ou sociocultural entre as partes (STJ, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, RT 729/155). 434
Quando o direito é disponível, as partes têm mais liberdade na produção de provas,
mas permanece o poder instrutório do juiz, diretor do processo:
Princípio dispositivo: Respeita às questões deduzidas em juízo, não podendo o juiz conhecer de matéria a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte. Proposta a ação por iniciativa da parte, o processo se desenvolve por impulso oficial (CPC 262). O poder instrutório do juiz, principalmente de determinar ex officio a realização de provas que entender pertinentes, não se configura como exceção ao princípio dispositivo. 435
A tendência moderna determina que o juiz dirija o processo, não lhe sendo mais
possível a atribuição de simples árbitro diante do duelo das partes. Pode-se entender que é
dispositivo o direito de ação, mas o impulso dos autos deve ser ex officio, conforme determina
o art. 262 do CPC: “O processo civil começa por iniciativa da parte, mas se desenvolve por
434 NERY JUNIOR, Nelson; ANDRADE NERY, Rosa Maria. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 9. ed. São Paulo: RT, 2006, p. 339. 435 NERY JUNIOR, Nelson; ANDRADE NERY, Rosa Maria. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 9. ed. São Paulo: RT, 2006, p. 338.
impulso oficial”. Evidente que o julgador, trantando-se de direito disponível, não pode
interferir quando a parte não contesta a ação ou não impugna especificamente os fatos
alegados na inicial ou, ainda, quando a confissão é expressa, uma vez que há presunção legal
em prol da parte adversa quanto à conduta de uma das partes nesses casos.
No processo trabalhista, a atividade do magistrado vai além, ante a vigência do
princípio inquisitivo, na melhor acepção do art. 765 da CLT: “Os juízos e Tribunais do
Trabalho terão ampla liberdade na direção do processo e velarão pelo andamento rápido das
causas, podendo determinar qualquer diligência necessária ao esclarecimento delas”. O
princípio inquisitivo dá ampla liberdade ao magistrado para a apuração dos fatos, o que,
entretanto, não se confunde com autoridade ou arbitrariedade do juiz. Deve valer-se o
julgador de todos os meios probatórios e diligências possíveis na apuração da verdade, não
cabendo às partes, a seu livre arbítrio, conduzirem os autos para rumos alheios aos limites da
lide, com intuito procrastinatório, em especial porque os feitos trabalhistas versam, em regra,
sobre verbas de natureza alimentar, sendo a celeridade, por isso, meta inafastável.
Manuel Antonio Teixeira Filho sustenta que, nas ações coletivas, o processo do
trabalho é iminentemente inquisitivo, com predomínio do princípio dispositivo nas ações
individuais. 436 Não obstante judiciosos os argumentos expendidos pelo autor em defesa de
sua tese, há que se considerar que, a teor dos princípios que norteiam o processo trabalhista,
deve prevalecer, sem prejuízo da conjugação de ambos os princípios, a natureza inquisitiva,
pois que indispensável à prestação jurisdicional célere e eficiente, cabendo ao magistrado, na
presidência do processo, zelar pela rápida solução do litígio. Considere-se, ainda, a
imperatividade conferida à norma trabalhista, material e processual, ante o notório
desequilíbrio entre empregados e empregadores, a exigir uma participação mais ativa do
julgador, principalmente na produção de provas.
436 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 143-144.
Luiz Guilherme Marinoni destacou a necessária interveniência do juiz:
Um processo verdadeiramente democrático, fundado na isonomia substancial, exige uma postura ativa do magistrado. A produção da prova não é mais monopólio das partes. Como a atuação do juiz, para o bem da parte, agora é mais intensa, cabe-lhe lembrá-la sobre o ônus da prova, sobre a importância de manifestar-se sobre determinado fato, e, ainda, quando necessário, determinar provas ex officio com o objetivo de elucidar os fatos. Não é mais justificável que os fatos não sejam devidamente verificados em razão da menor sorte econômica ou da menor astúcia de um dos litigantes. 437
A “verdade real”, sempre perquirida no processo trabalhista, também orienta o
processo moderno civil, exigindo-se apenas do magistrado que mantenha a necessária
imparcialidade na coleta das provas e, principalmente, que assegure a igualdade de tratamento
às partes quando do exercício do poder instrutório.
5.13 Procedimento probatório
Um dos procedimentos do processo diz respeito à prova e é conhecido,
doutrinariamente como procedimento probatório, que pode ser dividido em três estágios: a
proposição, o deferimento e a produção. 438
Na proposição, a parte que requerer a prova deverá indicar o fato e o meio a ser
utilizado na apuração da prova, o que será feito, como regra, na inicial ou na defesa.
O autor deverá requerer as provas com que pretende demonstrar a verdade dos fatos
alegados desde a inicial (art. 282, VI, CPC) 439. A resposta do réu também deverá indicar o
fato e o meio da prova. Na contestação, o réu deverá especificar as provas que pretende
437 MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil: teoria geral do processo. vol. 1. São Paulo: RT, 2006, p. 414-415. 438 THEODORO JÚNIOR. Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 34. ed. vol. 1. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 376. 439 Art. 282, VI, CPC: "A petição inicial indicará: [...] VI - as provas com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados".
produzir no momento de sua apresentação (art. 300, CPC) 440. De igual forma deverá
proceder quando reconvir (art. 315 do CPC) ou apresentar exceção de incompetência (art. 307
do CPC); exceção de impedimento ou suspeição (art. 312 do CPC). Quando da impugnação
(ou réplica) à contestação pelo autor, nos casos dos arts. 326 e 327 do CPC, deverá o mesmo,
caso alegue outros fatos, indicar a prova que pretende produzir, e assim sucessivamente, até
esgotarem-se as controvérsias.
Como regra, as provas já constituídas deverão acompanhar a inicial ou a contestação,
entretanto, somente as provas constituendas ou para serem produzidas serão objeto de
proposição (depoimento das partes, testemunhas, perícia, etc.). 441
Na esfera trabalhista, a regra não difere, pois à petição inicial será colacionada a
prova já constituída, conforme previsto no art. 787 da CLT442. Na resposta aplica-se,
subsidiariamente, o CPC, devendo os documentos destinados a provarem as alegações da
defesa ser juntados quando de sua apresentação (art. 396, CPC). 443
Tanto a inicial como a contestação deverão ser instruídas com os documentos
indispensáveis à prova dos fatos alegados. Todavia, havendo fatos novos, outras provas
poderão ser juntadas nos termos da exceção prevista no art. 397 do CPC.
A prova da existência ou vigência de norma de direito municipal, estadual ou
consuetudinário poderá aguardar a determinação do juiz para ser juntada aos autos (art. 337,
CPC). Porém, a celeridade processual tão preconizada no processo do trabalho determina que
440 Art. 300, CPC: "Compete ao réu alegar, na contestação, toda a matéria de defesa, expondo as razões de fato e de direito, com que impugna o pedido do autor e especificando as provas que pretende produzir". 441 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 135. 442 Art. 787, CLT: "A reclamação escrita deverá ser formulada em duas vias e desde logo acompanhada dos documentos em que se fundar". 443 Art. 396, CPC: "Compete à parte instruir a petição inicial (artigo 283), ou a resposta (artigo 297), com os documentos destinados a provar-lhe as alegações".
as partes, em especial o autor, não fiquem no aguardo do comando judicial para praticarem
atos processuais que sabem de antemão ser de sua incumbência.
Como já destacado, o teor e vigência dos acordos (CLT, art. 611, § 1º) e convenções
coletivas (CLT, art. 611 "caput") devem, segundo entendimento dominante, ser comprovados
nos autos, uma vez que seu conteúdo não pode ser considerado notório, posto que, embora
seja obrigatório o depósito do respectivo instrumento junto aos Órgãos competentes, a
publicação não é exigência legal. O teor dos regulamentos de empresas também deve ser
comprovado pela parte interessada, pois que lhe falta a publicidade conferida às normas
emanadas do Poder Estatal. 444
Organizada a fase da proposição, o estágio seguinte diz respeito ao deferimento pelo
juiz das provas propostas, pois, nos termos do art. 130 do CPC, somente ao julgador cabe tal
atribuição. Para tanto, deverá formular juízo de admissibilidade e relevância da prova,
evitando-se o uso de provas ilícitas e inúteis:
O juízo de admissibilidade difere do de relevância, porque a admissibilidade é um requisito de legalidade e de constitucionalidade, já que, para ser a prova admitida, deve respeitar as formas e o procedimento previsto na lei, bem como não estar em contraste com nenhum outro valor ou bem, assegurado na Constituição e nas leis, que impeçam o ingresso da prova em juízo. As regras de admissibilidade são, pois, regras de exclusão ou regras que limitam a possibilidade de se valer de determinados meios de prova. Já o juízo de relevância implica um juízo preliminar de utilidade da prova, isto é, somente as provas que possam contribuir à demonstração do fato jurídico é que podem ser consideradas relevantes. 445
No processo civil, como regra, a admissibilidade ou não das provas propostas ocorre
no saneamento do processo, feito através do conhecido despacho saneador. Com efeito, “se,
por qualquer motivo, não for obtida a conciliação, o juiz fixará os pontos controvertidos,
decidirá as questões processuais pendentes e determinará as provas a serem produzidas,
designando audiência de instrução e julgamento, se necessário” (art. 331, § 2º do CPC). Nada
444 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p.58-64. 445 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 262.
impede, porém, que o juiz aprecie a prova no momento ou antes de sua produção, do mesmo
modo que ocorre com testemunhas impedidas de depor ou que não foram arroladas
previamente.
No processo do trabalho, contudo, não existe o despacho saneador. O juiz do
trabalho, em regra, tem o primeiro contato com os autos por ocasião da audiência inaugural,
oportunidade em que o réu deve apresentar a contestação. Como já visto, na Justiça do
Trabalho, em que pese a determinação do art. 849 da CLT para que a audiência seja una, por
questão de funcionalidade e praticidade, há cisão da audiência em três oportunidades, assim
conhecidas: audiência inicial ou de conciliação, instrução e, por fim, a audiência de
julgamento. Embora, tecnicamente, exista única audiência, ainda que fracionada em diversos
atos, a nomenclatura citada já se incorporou ao jargão forense trabalhista. Assim, a audiência
inicial destina-se à tentativa de acordo. Não surtindo efeito, a contestação deverá ser
apresentada, sendo designada audiência de instrução. Feita esta, remetem-se os autos ao
julgamento.
É na chamada primeira audiência (audiência inicial) e, em especial na segunda
(audiência de instrução), que o juiz trabalhista aprecia as provas propostas pelas partes. O
procedimento é simples, cabendo ao juiz determinar que as partes especifiquem os meios e as
provas que pretendem produzir. Porém, na prática, raramente isso ocorre, uma vez que ao
juiz são conferidos, pelo princípio inquisitivo, insculpido no art. 765, da CLT, amplos poderes
na direção do processo. Cumpre ressaltar que o princípio inquisitivo não deve, em momento
algum, substituir as partes ou suprir sua negligência, uma vez que tal princípio, a par de
conceder liberdade ao juiz para determinar as provas que entender necessárias, objetiva coibir
que as partes e seus procuradores, desordenadamente, e muitas vezes sem conhecer o que fora
por eles próprios colacionado aos autos, tumultuem o andamento do feito em prejuízo da
prestação jurisdicional. 446
Neste estágio de apreciação dos requerimentos de provas, havendo eventual
indeferimento, a decisão não poderá ser de imediato atacada por Recurso de Agravo, como
ocorre no processo civil, em que pese as recentes mudanças ocorridas no CPC. Deve a parte
aguardar o momento oportuno, que é o Recurso Ordinário, para insurgir-se contra a decisão.
Porém, e sob pena de preclusão temporal, a parte deverá, tão logo indeferida a produção,
manifestar seu protesto, renovando-o em suas razões finais, para que lhe seja lícito revolver a
matéria na fase recursal (recurso ordinário).447
Uma vez requerida e deferida a prova, começa a fase de sua produção que, regra
geral, ocorre na audiência, conforme já analisado no item “momento e local da prova”.
O art. 848 da CLT estabelece a ordem legal do interrogatório: partes, testemunhas,
perito. No entanto, a ordem da produção de provas é flexível, podendo-se considerar
primeiramente a prova documental, após o depoimento das partes e testemunhas e, por fim, a
prova pericial. Não poderá, contudo, ser admitida prova documental fora do momento
oportuno e nem serem ouvidas as testemunhas antes do interrogatório das partes. 448
No processo do trabalho, as partes somente estão obrigadas ao comparecimento
quando da audiência inicial (o autor para evitar o arquivamento dos autos e o réu para evitar a
revelia) e da audiência de instrução, momento em que será colhido o depoimento das partes.
Eventual ausência nesta oportunidade implicará confissão ficta. Havendo necessidade da
oitiva de testemunhas em outra audiência a ser designada ou por Carta Precatória, as partes
446 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 137-138. 447 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 138. 448 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 139.
podem ser dispensadas, pois já inquiridas pelo juízo. Pelo princípio da concentração deve-se
produzir toda a prova oral em uma única audiência, uma vez que não é salutar que as
testemunhas tenham acesso aos depoimentos já prestados, ante a notória influência que
poderão sofrer quando instadas a depor.
5.14 Valoração da prova e o princípio da persuasão racional
Quando da análise do tópico “histórico do direito probatório”, pôde-se conhecer
quatro sistemas na apreciação da prova: ordálias ou juízos de Deus, legal ou positivo, livre
convicção ou íntima convicção (liberdade absoluta) e persuasão racional (liberdade relativa).
A persuasão racional é o sistema adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro
quanto à avaliação das provas (art. 131 do CPC). Nesse sistema, a interpretação, além de
motivada, há que ser livre e consciente, porém, nos limites impostos pelos fatos e provas dos
autos, aliada às regras legais e máximas da experiência.
O sistema da persuasão racional (liberdade relativa), adotado pelo ordenamento
jurídico brasileiro, parte do princípio da liberdade de convicção do juiz. Contudo, ao contrário
do sistema da livre convicção (liberdade absoluta), o julgador obriga-se a fundamentar os
motivos que o levaram à decisão, ou seja, ao acolher ou rejeitar determinada prova deverá
demonstrar suas razões de convencimento. Há, nisso tudo, a obrigatoriedade de estabelecer
um nexo entre a prova produzida e os motivos da decisão, pois não é dado ao julgador o livre
arbítrio sem amparo na lei e/ou nas provas produzidas. Alberga o artigo 93, IX, da
Constituição Federal o princípio da motivação das decisões ao determinar que “todos os
julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as
decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei, se o interesse público o exigir, limitar a
presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes”.
Em consonância com esse princípio constitucional, o art. 131 do CPC estabelece que "O juiz
apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda
que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que lhe formaram
o convencimento". Atendidas essas normas, verifica-se que, na persuasão racional, há que se
motivar a decisão e para isso deverá o julgador observar os elementos coligidos aos autos. De
igual forma, o art. 5º dos Juizados Especiais Cíveis: "O Juiz dirigirá o processo com liberdade
para determinar as provas a serem produzidas, para apreciá-las e para dar especial valor às
regras de experiência comum ou técnica".
No direito processual do trabalho há norma semelhante que acolhe o sistema da
persuasão racional, na medida em que o art. 832, "caput", da CLT, combinado com a norma
supletiva do art. 131 do CPC, faz alusão à apreciação da prova e aos fundamentos da decisão.
Nos termos do art. 832 da CLT, “Da decisão deverão constar o nome das partes, o resumo do
pedido e da defesa, a apreciação das provas, os fundamentos da decisão e a respectiva
conclusão.” 449
Moacyr Amaral Santos reconhece a liberdade do juiz na apreciação das provas,
contudo, condiciona tal liberdade e destaca:
A liberdade que se concede ao juiz na apreciação da prova não é mero arbítrio, senão critério de atuação ajustado aos deveres profissionais. Há liberdade no sentido de que o juiz aprecia as provas livremente, uma vez que na apreciação não se afaste dos fatos estabelecidos, das provas colhidas, das regras científicas – regras jurídicas, regras da lógica, regras da experiência. A convicção fica, assim, condicionada: a) aos fatos nos quais se funda a relação jurídica controvertida; b) às provas desses fatos, colhidas no processo; c) às regras legais e às máximas da experiência; e por isso que é condicionada; d) deverá ser motivada. 450
449 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 150. 450 SANTOS, Moacyr Amaral. Comentários ao Código de Processo Civil. 6. ed. vol. IV. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 14.
O livre convencimento traduz-se na liberdade atribuída ao juiz para a valoração da
prova ou na determinação da força que a mesma possui. Para tanto, há que se usar do bom
senso, da ponderação e da livre consciência, diante das circunstâncias constantes nos autos. A
interpretação, além de motivada, há que ser livre e consciente, porém, nos limites impostos
pelos fatos e provas dos autos, aliada a regras legais e máximas da experiência. A persuasão
deriva do latim persuasivo, de persuadere, que quer dizer convencer, persuadir, aconselhar.
Racional é aquilo que usa da razão, que raciocina, que se deduz pela razão ou conforme a
razão451. Tem-se, então, que persuasão racional é o ato de convencer pela razão, de concluir
pelas razões expostas nos autos.
Humberto Theodoro Júnior assim esclareceu a questão:
Adotou o Código, como se vê, o sistema da persuasão racional, ou `livre convencimento motivado', pois: a) embora livre o convencimento, este não pode ser arbitrário, pois fica condicionado às alegações das partes e às provas dos autos; b) a observância de certos critérios legais sobre provas e sua validade não pode ser desprezada pelo juiz (arts. 335 e 366) nem as regras sobre presunções legais; c) o juiz fica adstrito às regras de experiência, quando faltam normas legais sobre as provas, isto é, os dados científicos e culturais do alcance do magistrado são úteis e não podem ser desprezados na decisão da lide; d) as sentenças devem ser sempre fundamentadas, o que impede julgamentos arbitrários ou divorciados da prova dos autos. 452
A persuasão racional ou convencimento racional exige que o juiz atenha-se aos fatos,
às provas desses fatos, às regras legais e às máximas da experiência. Sua decisão será
motivada, sendo-lhe vedado valer-se de conhecimentos alheios ao processo. Deverá
considerar os elementos probatórios produzidos; os debates; se houve ou não recusa em dar
informações; em prestar depoimentos; a atitude das partes e testemunhas quando inquiridas,
enfim, todos os procedimentos e atos processuais que ocorreram durante o processo.
451 HOUAISS, Antônio. Dicionário eletrônico da língua portuguesa. 2001. Versão 1.0. 1 CD-ROM. 452 THEODORO JÚNIOR. Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 34. ed. vol. 1. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 371.
5.15 Interrogatório e depoimento da parte no CPC
Necessária se faz a distinção entre interrogatório e depoimento, também meios de
prova, posto que a doutrina conceitua-os de ângulos diferentes, tendo em vista as
conseqüências que um e outro podem acarretar.
O interrogatório é faculdade do juiz; somente este poderá determiná-lo. O art. 342
do CPC prescreve que “o juiz pode, de ofício, em qualquer estado do processo, determinar o
comparecimento pessoal das partes, a fim de interrogá-las sobre os fatos da causa”. Serve para
colocar o juiz em contato direto com as partes com o objetivo de esclarecer os fatos
controvertidos, além de evitar que o processo seja informado somente por seus representantes.
Não há a intenção de obter a confissão da parte no interrogatório, pois este visa ao
esclarecimento, dando-se oportunidade ao interrogado para explicar suas razões e fornecer ao
juiz os elementos que achar importantes para a decisão.
O depoimento dever ser requerido pelas partes, nos termos do art. 343 do CPC:
“Quando o juiz não o determinar de ofício, compete a cada parte requerer o depoimento
pessoal da outra, a fim de interrogá-la na audiência de instrução e julgamento. § 1º. A parte
será intimada pessoalmente, constando do mandado que se presumirão confessados os fatos
contra ela alegados, caso não compareça ou, comparecendo, se recuse a depor. § 2º. Se a parte
intimada não comparecer, ou comparecendo, se recusar a depor, o juiz lhe aplicará a pena de
confissão”. A finalidade do depoimento é fazer com que a parte que o requereu obtenha a
confissão da parte contrária, conforme se verifica nos parágrafos do referido artigo. Serve,
ainda, para elucidar todos os fatos necessários ao esclarecimento da controvérsia.
O interrogatório pode ser único ou repetido por diversas vezes, a critério do juiz, que
poderá ter interesse em ouvir as partes em qualquer fase do processo, bastando, para tanto,
determinar o comparecimento das mesmas. Já o depoimento, como de regra, ocorre uma única
vez e na audiência de instrução e julgamento, devendo ser requerido pela parte adversa. 453
Todavia, na prática, além do interrogatório servir como tentativa de elucidação dos
fatos, pode auxiliar para obter a eventual confissão da parte, ainda que esta não seja da
essência do interrogatório. Nesse sentido, Nelson Nery Junior afirma que “durante o
interrogatório, pode sobrevir a confissão da parte, mas não é da essência do interrogatório,
como o é do depoimento pessoal, a obtenção da confissão” 454. Moacyr Amaral Santos,
embora reconhecendo não ser essa a finalidade do interrogatório, admite a confissão da parte
mediante interrogatório. 455
Para Eduardo Cambi, “o interrogatório informal, ao contrário do depoimento formal,
previsto no art. 343 do CPC, não tem a finalidade de provocar a confissão da parte contrária.
Logo, se a parte não comparecer em juízo, não ocorre a admissão dos fatos não impugnados,
nem a inversão do ônus da prova [...]”. 456. Tal entendimento também é compartilhado por
Manoel Antonio Teixeira Filho ao afirmar que o interrogatório não admite confissão, pois que
esta deve ser obtida através do depoimento da parte. 457
Para evitar maiores percalços, poderá o magistrado intimar as partes com base no art.
342 do CPC (interrogatório) combinado com o art. 343, § 2º do mesmo diploma (depoimento
da parte), que determina seja havida confessa a parte que, intimada, não comparecer, ou
comparecendo, recusar-se a depor. Porém, é procedimento dúbio, na medida em que, em
453 THEODORO JÚNIOR. Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 34. ed. vol. 1. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 379. 454 NERY JUNIOR, Nelson; ANDRADE NERY, Rosa Maria. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 9. ed. São Paulo: RT, 2006, p. 539. 455SANTOS, Moacyr Amaral. Comentários ao Código de Processo Civil. 6. ed. vol. IV. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 39. 456 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 130. 457 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 229.
ambos os casos, a determinação parte do magistrado e não da parte, ou seja, seria um
interrogatório.
5.16 Interrogatório e depoimento da parte na CLT
Não é precisa a CLT quando trata do interrogatório e do depoimento das partes. Por
vezes, refere-se a depoimento; em outras, a interrogatório. O art. 848 da CLT determina o
interrogatório, pois dispõe que “terminada a defesa, seguir-se-á a instrução do processo,
podendo o presidente, ex-officio ou a requerimento de qualquer juiz temporário, interrogar os
litigantes.” Já o art. 819 do mesmo diploma determina que “o depoimento das partes e
testemunhas que não souberem falar a língua nacional será feito por meio de intérprete
nomeado pelo juiz ou presidente”.
Porém, é obrigatória a presença das partes na audiência, nos termos do art. 843,
caput da CLT: “na audiência de julgamento deverão estar presentes o reclamante e o
reclamado, independentemente do comparecimento de seus representantes, salvo nos casos de
Reclamatórias Plúrimas ou Ações de Cumprimento, quando os empregados poderão fazer-se
representar pelo sindicato de sua categoria”. Tal dispositivo tem como objetivo a conciliação
e ouvida das partes.
Manoel Antonio Teixeira Filho, após análise de diversos artigos, conclui que a CLT
trata apenas do interrogatório e, conforme entendimento deste doutrinador, do interrogatório
não é possível obter a confissão. 458
458 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 232.
A falta de sistematização da CLT dificulta a interpretação e leva à conclusão de que,
no processo do trabalho, os efeitos do interrogatório e do depoimento são os mesmos em que
pese os argumentos da doutrina divergente. Com efeito, estando obrigadas ao
comparecimento, as partes poderão ser interrogadas pelo juiz ou prestarem depoimento, a
pedido da parte adversa. O objetivo, tanto do interrogatório como do depoimento é esclarecer
a verdade dos fatos. A confissão, ainda que não mais possa ser considerada a “rainha das
provas”, não poderá ser relegada a segundo plano só porque foi obtida pelo interrogatório. Há
que se ter presente que o processo existe para as partes informarem ao juízo com lealdade os
fatos ocorridos, e, uma vez diante do magistrado, a confissão deverá ser reconhecida, sendo
irrelevante se a técnica utilizada não tinha como fundamento este objetivo.
Ademais, no processo do trabalho, como salientado, a CLT não é clara e usa,
indiscriminadamente, como sinônimos, interrogatório e depoimento da parte, motivo pelo
qual, na seara trabalhista, é extremamente tormentoso separar os efeitos de um e outro.
Para os que defendem que do interrogatório não pode resultar confissão da parte, não
se vislumbra, assim, no processo do trabalho, praticidade no trato da referida questão. Isso
porque, se a parte interrogada confessar e não servir como prova e, ao mesmo tempo, for
inquirida para prestar depoimento, declarando conteúdo diverso da confissão, haverá nos
autos uma contradição; o julgador, instado a dirimir a controvérsia, voltará aos status quo
ante, ainda que já tenha obtido a confissão da parte por meio tecnicamente considerado
incorreto por alguns doutrinadores. Não há plausibilidade no argumento que rejeita a
confissão da parte pelo simples fato de não ser esta a finalidade do interrogatório. O apego ao
formalismo exagerado, sem a observância dos demais elementos processuais, cuja finalidade é
apurar a verdade sobre os fatos, já não se sustenta, em especial ante a reconhecida natureza
instrumental do processo.
Não mais se admite, na doutrina moderna, que o magistrado se mantenha inerte no
processo ou preso a formalidades inúteis. O princípio dispositivo, amplamente prestigiado
pela doutrina tradicional, esgarçou-se pois que propiciou a lentidão processual severamente
combatida ante a insegurança social que provoca. Seu enfraquecimento, motivado pela
necessidade de o Estado rapidamente solucionar as demandas, conferiu ímpeto ao princípio
inquisitivo, que confere ampla liberdade ao magistrado na condução do feito, mantida,
contudo, a imparcialidade. Atendido tal princípio, inarredável concluir-se que deverá ser
considerada, no processo do trabalho, a confissão decorrente do interrogatório, pois que o
destinatário da prova é o juiz, a quem cabe ainda proferir o julgamento.
Mesmo que não seja requerido o depoimento das partes, deve o magistrado interrogá-
las, se assim entender conveniente, com a finalidade de obter a confissão, além de esclarecer
os fatos. Trata-se de aplicar o princípio inquisitivo expressamente consagrado no art. 765 da
CLT.
A jurisprudência admite a confissão decorrente do depoimento da parte. Tanto se
extrai do teor da Súmula 74 do TST: “Confissão. Aplica-se a pena de confissão à parte que,
expressamente intimada com aquela cominação, não comparecer à audiência em
prosseguimento, na qual deveria depor”. Vale ressaltar que a intimação da parte prevista na
referida súmula não faz distinção entre a determinação de ofício pelo juiz e a pedido da parte
adversa.
5.17 Quem deve depor como parte no processo do trabalho
O autor e o réu é que deverão depor, pessoalmente, sobre os fatos que alegam, pois
nada mais óbvio que compareçam em juízo para esclarecer os fatos narrados na exordial e na
defesa.
Há casos em que, excepcionalmente, podem fazer-se representar como nas ações
individuais plúrimas, onde o autor poderá ser representado pela entidade sindical a que for
filiado (art. 843, caput, CLT). O empregado também poderá fazer-se representar por outro
empregado que pertença à mesma profissão ou por seu sindicato, no caso de doença grave ou
de outro motivo ponderoso, nos termos do §2º do art. 843 da CLT459. Todavia, esta
representação presta-se apenas para justificar o adiamento da audiência, não podendo o
representante prestar depoimento ou ser interrogado.
Quanto ao réu, pessoa física ou jurídica, o art. 843, § 1º, diz que “é facultado ao
empregador fazer-se substituir pelo gerente, ou qualquer outro preposto que tenha
conhecimento do fato, e cujas declarações obrigarão o proponente”. O preposto deve ser
empregado, conforme entendimento majoritário da doutrina e jurisprudência, em especial
porque precisa ter conhecimento dos fatos. Tal entendimento foi contemplado pela Súmula
377 do TST460. O advogado não pode atuar simultaneamente como defensor e preposto, pois
não lhe é dado “funcionar no mesmo processo simultaneamente como patrono e preposto do
empregador” (Provimento nº. 60 do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil de
4.11.1987). Todavia, se o advogado também for empregado do réu, não há óbice à sua
nomeação como preposto. Releva salientar que o exercício simultâneo das duas funções
poderá acarretar sanção administrativa, embora não determine revelia e/ou confissão ficta. 461
O empregador doméstico poderá fazer-se representar por pessoa da família, desde
que resida no local onde o obreiro prestou serviços, além de possuir conhecimento dos fatos,
eis que o art. 1º da Lei 5.859/72 (Lei dos empregados domésticos) dispõe que empregado
459 Art. 843, §2º, CLT: “Se por doença ou qualquer outro motivo ponderoso, devidamente comprovado, não for possível ao empregado comparecer pessoalmente, poderá fazer-se representar por outro empregado que pertença à mesma profissão, ou pelo seu sindicato”. 460 Súmula 377, TST: “Preposto. Exigência da condição de empregado. Exceto quanto à reclamação de empregado doméstico, o preposto deve ser necessariamente empregado do reclamado. Inteligência do art. 843, § 1º, da CLT” 461 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 236.
doméstico é aquele que presta serviços à pessoa ou à família. Nos termos da Súmula 377 do
TST ao empregador doméstico é dado comparecer pessoalmente ou por preposto, podendo
este ser da família ou outro empregado. O empregado doméstico também pode fazer-se
representar por outro empregado, nos termos do §2º do art. 843 da CLT. 462
O art. 12 do CPC enumera vários casos em que as partes serão representadas em
juízo, ativa e passivamente como é o caso do Município, que poderá ser representado por seu
Prefeito ou procurador. Mesmo nessas hipóteses, é possível que esses representantes nomeiem
prepostos, nos termos do art. 843, § 1º da CLT. Frise-se, porém, que o representante não é
parte no processo, apenas age em nome e por conta do representado. 463
É de extrema importância conhecer exatamente quem pode ou não ser representado
em juízo, uma vez que a representação incorreta pode acarretar o arquivamento dos autos para
o autor da demanda e a revelia e confissão para o réu. Se a audiência não for una, a
representação incorreta do autor e do réu pode gerar a confissão na audiência em que
deveriam depor (segunda audiência).
O menor de 18 anos, quando parte, também pode prestar depoimento ou ser
interrogado pelo juiz, desde que assistido ou representado (art. 792 e 793 da CLT). A
presença do representante ou assistente é indispensável, tornando-se nulos os atos processuais
praticados sem essa observância. O menor, desde que devidamente assistido ou representado,
poderá também sofrer os efeitos da confissão. 464
O depoimento ou interrogatório dos mudos e dos surdos-mudos que não saibam
escrever será efetuado por meio de intérprete. Se a parte não souber falar a língua nacional
462 MARTINS, Sergio Pinto. Comentários à CLT. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 821. 463 NERY JUNIOR, Nelson; ANDRADE NERY, Rosa Maria. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 9. ed. São Paulo: RT, 2006, p. 173. 464 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 237.
também será nomeado intérprete, nos termos do art. 819, caput e § 1º da CLT465. Para Sérgio
Pinto Martins, a CLT usa o termo “intérprete” e não “tradutor juramentado”, motivo pelo qual
basta que o juiz nomeie apenas um intérprete. 466
O empregado, quando tiver que comparecer em juízo, na qualidade de testemunha
(art. 829, CLT) ou na condição de parte (art. 473, VIII, CLT) não sofrerá qualquer desconto
ao salário pela ausência ao serviço durante o tempo que se fizer necessário. A Súmula 155 do
TST prevê que “as horas em que o empregado falta ao serviço para comparecimento
necessário, como parte, à Justiça do Trabalho não serão descontadas de seus salários”.
Observe-se, porém, que a referida súmula restringe às hipóteses de comparecimento do
empregado à Justiça do Trabalho, não contemplando os demais Órgãos do Poder Judiciário.
Essa restrição não está prevista nos dispositivos legais mencionados, merecendo revisão a
Súmula 155 do TST.
A CLT não indica a ordem da ouvida das partes, apenas informando que terminada a
defesa passar-se-á a interrogar os litigantes (art. 848). O art. 344 do CPC determina que “a
parte será interrogada na forma prescrita para a inquirição de testemunhas”, remetendo para o
art. 413 do mesmo diploma que estabelece que “o juiz inquirirá as testemunhas separada e
sucessivamente; primeiro as do autor e depois as do réu, providenciando de modo que uma
não ouça o depoimento das outras”. Disposição semelhante ao art. 413 do CPC está previsto
no art. 824 da CLT: primeiro será ouvido o autor e depois o réu. Nada impede, porém, que o
juiz resolva ouvir antes o réu e depois o autor, posto que, “nos processos sujeitos à apreciação
da Justiça do Trabalho só haverá nulidade quando resultar dos atos inquinados manifesto
prejuízo às partes litigantes” (art. 794 da CLT). Pode ser de grande utilidade ouvir o autor
465 Art. 819, caput e § 1º da CLT: “O depoimento das partes e testemunhas que não souberem falar a língua nacional será feito por meio de intérprete nomeado pelo juiz ou presidente. § 1º. Proceder-se-á da forma indicada neste artigo, quando se tratar de surdo-mudo, ou de mudo, que não saiba escrever”. 466 MARTINS, Sergio Pinto. Comentários à CLT. 7. ed. – São Paulo: Atlas, 2003, p. 785.
depois do réu, ante a possibilidade de o demandado confessar os fatos narrados pelo autor. Em
ambos os casos “é defeso, a quem ainda não depôs, assistir ao interrogatório da outra parte”
(art. 344, Parágrafo único do CPC). Pode-se permitir, contudo, que a parte que está
desacompanhada do advogado, tendo em vista o jus postulandi na Justiça do Trabalho, ou
postulando em causa própria, ouça o depoimento da parte contrária. Isso é necessário para
fazer as perguntas à parte adversa, já que não constituiu procurador. 467
Fixados os pontos controvertidos (art. 451 do CPC), as partes serão interrogadas pelo
juiz, devendo constar na ata da audiência somente o que tiver relevância. Indagada a parte,
tem direito a parte contrária a fazer reperguntas (nova inquirição). Não se permite, todavia,
que o procurador constituído formule perguntas ao seu próprio constituído, evitando-se,
assim, eventual conluio entre ambos. Quanto à fixação de pontos controvertidos, a prática
trabalhista tem demonstrado que juízes e procuradores raramente estabelecem pontos
controvertidos antes da instrução. Essa ausência não decorre de negligência, mas deve-se à
complexidade na apuração de inúmeros fatos que circunscrevem uma reclamatória trabalhista,
o que dificulta sobremaneira estabelecer qualquer parâmetro fático com relação aos pedidos.
Tanto as partes assim como as testemunhas devem ser mantidas na sala das
audiências após prestarem depoimento, pois que, fora do alcance do juiz, poderão contatar
com as testemunhas que aguardam para depor, em que pese o contido no art. 848, § 1º da
CLT: “Findo o interrogatório, poderá qualquer dos litigantes retirar-se, prosseguindo a
instrução com o seu representante”.
Observa-se, ainda, quando à recusa da parte a depor, que pode dar-se de duas formas:
deixando de responder sem motivo justificado (tem conhecimento dos fatos e cala-se) ou
respondendo mediante evasivas (cria um estado de incerteza, procurando confundir o juiz).
Tal conduta, se verificada, poderá conduzir à confissão da parte, que deverá ser declarada em
467 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 242.
sentença, nos termos do art. 345 do CPC: “Quando a parte, sem motivo justificado, deixar de
responder ao que lhe for perguntado, ou empregar evasivas, o juiz, apreciando as demais
circunstâncias e elementos de prova, declarará, na sentença, se houve recusa de depor”.
Importante observar que o “ônus da parte não é apenas o de depor, mas o de responder a todas
as perguntas formuladas pelo juiz, com clareza e lealdade”. 468
Porém, com relação a alguns fatos, a parte não é obrigada a depor, não configurando
a recusa em depor, nos termos do art. 347 do CPC469. Quanto ao inciso I do referido artigo, há
que se fazer ressalvas, uma vez que a própria conduta da parte pode estar sendo apurada,
como é o caso de justa causa por improbidade. Se a parte calar, seu silêncio poderá ser
entendido como recusa de depor (que equivale à confissão). O fundamento do referido inciso
está no fato de que ninguém está obrigado a produzir prova contra si, ou dizer aquilo que lhe
possa prejudicar ou importar em desonra própria. Quanto ao inciso II, deve guardar sigilo,
por estado ou profissão, cabendo à parte o risco de ser havido confesso, por eventual
entendimento do magistrado de que houve mero pretexto para esquivar-se de responder. 470
5.18 A confissão e seus efeitos
Os fatos confessados, nos termos do art. 334, II, do CPC, independem de prova. A
confissão é meio de prova e tem sua definição genérica estabelecida pelo art. 348 do CPC:
“Há confissão, quando a parte admite a verdade de um fato, contrário ao seu interesse e
468 THEODORO JÚNIOR. Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 34. ed. vol. 1. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 379. 469 Art. 347, CPC: “A parte não é obrigada a depor de fatos: I - criminosos ou torpes, que lhe forem imputados; II - a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar sigilo. Parágrafo único. Esta disposição não se aplica às ações de filiação, de desquite e de anulação de casamento”. 470 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 254-255.
favorável ao adversário. A confissão pode ser judicial ou extrajudicial.”. Contudo, a confissão
“somente pode ser considerada prova se houver uma declaração de ciência ou um depoimento
qualificado”. 471
A confissão é considerada, segundo opinião de muitos doutrinadores, como “a rainha
da prova” – regina probationum, uma vez que não existe maior prova do que a confissão
proferida pela própria boca, podendo ser judicial ou extrajudicial 472. Contudo, como se verá
adiante, a confissão deixou de ser uma prova privilegiada (prova plena), pois deve ser
analisada no contexto do princípio do livre convencimento do juiz e demais provas produzidas
nos autos. 473
Além da confissão judicial e extrajudicial, fala-se em confissão ficta (ficta confessio),
que não provém da declaração da parte, mas da presunção que se estabelece em prol dos
interesses do adversário. A confissão ficta é tida como verdadeira por força de presunção
legal, porém, não há uma declaração expressa da parte. Nesse sentido, é “equívoca a
expressão confissão ficta”, pois o reconhecimento da confissão dependerá, necessariamente,
de uma declaração, ou seja, a confissão deverá ser expressa. Assim, a ausência de contestação
ou impugnação torna o fato apenas incontroverso, mas não confesso, isto é, cria-se uma
presunção de veracidade e inverte-se o ônus da prova. Os inúmeros dispositivos do CPC que
contém a noção de confissão ficta (v.g, arts. 302 e 343) geram apenas presunções relativas,
sem os efeitos probatórios de uma confissão. 474 A mesma interpretação pode ser acolhida
com relação aos dispositivos da CLT.
A doutrina distingue a confissão do reconhecimento do pedido. Nos termos do art.
269, II do CPC, “Haverá resolução de mérito: II - quando o réu reconhecer a procedência do
471 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 127. 472 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 260. 473 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 135. 474 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 127.
pedido”, tendo portanto, seu curso normal prejudicado. Já na confissão o processo prosseguirá
até ulterior prolação da sentença. O curso do processo também terá seu fim abreviado quando
o réu não comparecer, injustificadamente, à audiência inaugural, pois que além de revel é
confesso, ensejando o julgamento antecipado da lide, nos termos do art. 330, II do CPC475.
Tem-se, ainda, que o reconhecimento jurídico do pedido conduz sempre ao acolhimento da
pretensão do autor. Já a confissão e/ou revelia, nem sempre produz a perda da demanda pelo
confitente ou revel. Além disso, a confissão “recai sobre fatos, não sobre a qualificação desses
fatos”. 476
A CLT, em seu art. 844, prevê a confissão ficta do empregador, nos seguintes
termos: “O não comparecimento do reclamante à audiência importa o arquivamento da
reclamação, e o não comparecimento do reclamado importa revelia, além de confissão, quanto
à matéria de fato”.
A CLT, contudo, é omissa quanto à confissão ficta do empregado, uma vez que prevê
apenas o arquivamento para a hipótese de ausência do autor à audiência (art. 844). Porém, é
necessária a correta interpretação do dispositivo. Como já mencionado neste capítulo, no item
“momento e local da prova”, na Justiça do Trabalho, em que pese a determinação do art. 849
da CLT477 para que a audiência seja una, como regra, por questão de funcionalidade e
praticidade, há cisão da audiência em três oportunidades, assim conhecidas: audiência inicial
ou de conciliação, instrução e, por fim, a audiência de julgamento.
Como a lei determina audiência una, o legislador não previu a possibilidade de
confissão ficta do empregado. No caso de audiência una, a ausência do autor importa
475 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 261. 476 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 128. 477 Art. 849, CLT: “A audiência de julgamento será contínua; mas, se não for possível, por motivo de força maior, concluí-la no mesmo dia, o juiz ou presidente marcará a sua continuação para a primeira desimpedida, independentemente de nova notificação”.
arquivamento do processo e a do réu revelia e confissão. Com o fracionamento, as partes
serão intimadas para a audiência de prosseguimento, durante a qual serão ouvidas. Nesse
caso, se o autor, intimado para esse fim, não comparecer, será havido confesso, ainda que
ausente previsão legal, conforme orientação prevista na Súmula 9 do TST: “a ausência do
reclamante, quando adiada a instrução após contestada a ação em audiência, não importa
arquivamento do processo”. Não sendo arquivado o processo, aplica-se-lhe os efeitos da
confissão ficta. Portanto, o autor, se intimado para a audiência em prosseguimento para depor
e não comparecer, é havido confesso tal qual ocorre com o réu, se deixar de comparecer à
segunda audiência.
Em resumo, comparecendo o autor à primeira audiência evitará o arquivamento dos
autos. Todavia, se deixar de comparecer à audiência em prosseguimento, em que deveria
depor, será havido confesso. Já o réu, se comparecer à primeira audiência, impedirá a revelia e
confissão. Contudo, se deixar de comparecer à audiência em prosseguimento, será havido
confesso. O entendimento do TST, através da Súmula 74, I, é pela aplicação da pena de
confissão: “I - Aplica-se a pena de confissão à parte que, expressamente intimada com aquela
cominação, não comparecer à audiência em prosseguimento, na qual deveria depor”.
Registre-se, porém, que o doutrinador trabalhista, Manoel Antonio Teixeira Filho,
sustenta a inexistência de confissão ficta por parte do empregado, por ausência de previsão
legal na CLT, uma vez que esta prevê apenas a confissão do empregador (art. 844, caput) e o
interrogatório das partes (art. 848 da CLT). O interrogatório, contudo, não possui o mesmo
efeito da confissão478. Tal entendimento, embora respeitável, não se coaduna com a evolução
processual civil, ocorrida nas últimas décadas, de aplicação subsidiária ao processo do
trabalho (art. 769 da CLT). Quanto ao fato de o interrogatório não possuir o mesmo efeito da
confissão, apregoado pela doutrina civilista, há que se ter presente as peculiaridade do
478 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 269.
processo do trabalho, conforme tratado em tópico específico (interrogatório e depoimento da
parte na CLT).
Frise-se, por oportuno, que a confissão ficta gera presunção de veracidade dos fatos
alegados. Porém, tal presunção é relativa (juris tantum), uma vez que pelo conjunto
probatório pode-se decidir em favor da parte confessa, em especial quando os fatos alegados
pela outra parte não forem suficientes ao convencimento do julgador. Portanto, poderá haver
julgamento contrário aos interesses da outra parte na medida em que a presunção de
veracidade admite prova em contrário (documental, pericial, testemunhal etc), justamente por
ser juris tantum. Conclui-se que a parte que não comparecer à audiência designada para
depor, poderá utilizar-se dos demais meios de provas, inclusive testemunhal. Considerando
que há apenas presunção de veracidade na confissão ficta, a audiência poderá prosseguir por
determinação do juiz ou a requerimento dos advogados, inclusive daquele da parte ausente,
com a inquirição do litigante presente, das testemunhas, desde que se encontrem no local ou
tenham sido arroladas, juntando-se documentos, eis que a parte será declarada confessa
quando da prolação da sentença e não no momento da instrução.
Não é, porém, este o entendimento do C. TST, que determina apenas a análise da
prova pré-constituída, autorizando o indeferimento de outras provas, conforme previsto na
Súmula 74, II: “A prova pré-constituída nos autos pode ser levada em conta para confronto
com a confissão ficta (art. 400, I, CPC), não implicando cerceamento de defesa o
indeferimento de provas posteriores”.
O art. 400, I, do CPC tem a seguinte redação: “Art. 400. A prova testemunhal é
sempre admissível, não dispondo a lei de modo diverso. O juiz indeferirá a inquirição de
testemunhas sobre fatos: I - já provados por documento ou confissão da parte;”. Sobre o
dispositivo em comento, Eduardo Cambi tece as críticas pertinentes:
Portanto, o ordenamento jurídico processual, para não violar o direito à prova, não pode conferir status de prova legal à confissão. Por isso, a regra contida no inc. I do
art. 400 do CPC não pode inviabilizar a admissibilidade da prova testemunhal sobre fatos que já tenham sido provados pela confissão. Se essa regra jurídica fosse interpretada literalmente, constituiria uma limitação injustificada ao direito à prova.479
Resta equivocado, assim, o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho, na
medida em que há cerceamento de defesa, pois violado o direito, constitucionalmente
garantido, à prova.
A confissão pode ser judicial (espontânea ou provocada, escrita ou oral – no próprio
processo) e extrajudicial480. Contudo, quando há confissão de fatos (confissão real ou ficta) a
validade probatório não é plena, dependerá das demais provas colhidas aos autos, observadas,
ainda, as restrições sobre a confissão determinada pela própria lei, a exemplo do disposto no
art. 351 do CPC: “Não vale como confissão a admissão, em juízo, de fatos relativos a direitos
indisponíveis”. Nesse caso, não vale a confissão feita pelo trabalhador de que não quis receber
pelas horas extras laboradas, uma vez que a contraprestação do labor extraordinário constitui
norma de ordem pública, irrenunciável.
A confissão ficta, todavia, pode conduzir à inversão do ônus da prova:
Se a parte não comparece em juízo, ou se comparece, mas se recusa a depor, ao contrário do que faz crer os §§ 1.º e 2.º do art. 343 do CPC, não ocorre a confissão, que é sempre um depoimento qualificado, mas o juiz pode atribuir um sentido ao silencio da parte, considerando-o um indício capaz de gerar a presunção de veracidade e a incontrovérsia dos fatos alegados e, com isso, desobrigar a parte contrária dos seus ônus probatórios.481
A confissão ficta do art. 844 da CLT e do art. 319 do CPC482, pode ser elidida por
uma das hipóteses do art. 320 do CPC483 . De igual forma, pode-se elidir a confissão ficta do
479 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 137. 480 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006,p. 128. 481 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 129. 482 Art. 319, CPC: “Se o réu não contestar a ação, reputar-se-ão verdadeiros os fatos afirmados pelo autor”. 483 Art. 320, CPC: “A revelia não induz, contudo, o efeito mencionado no artigo antecedente: I - se, havendo pluralidade de réus, algum deles contestar a ação; II - se o litígio versar sobre direitos indisponíveis; III - se a petição inicial não estiver acompanhada do instrumento público, que a lei considere indispensável à prova do ato”.
art. 302 do CPC, ainda que os fatos não tenham sido impugnados especificamente (princípio
do ônus da impugnação específica), se ocorrer uma das hipótese ressalvadas nos incisos do
mencionado artigo. 484
Sobre o princípio do ônus da impugnação específica, destaca-se o posicionamento de
Eduardo Cambi:
Nesse contexto, a falta de contestação passa a ser considerada um ato de disposição da parte, que torna supérflua a prova, excluindo os fatos do thema probandum, e a presunção legal de veracidade desses fatos não impugnados nada mais é senão uma decorrência do princípio da economia processual, que parte de um dado da experiência, segundo o qual quem não contesta um fato afirmado pela parte contrária o admite implicitamente ou, pelo menos, demonstra não estar em condições de produzir a prova contrária. [...] Por outro lado, a ausência da contestação é um comportamento neutro que não tem valor de confissão ficta, pois a presunção legal de veracidade dos fatos afirmados pelo autor e não contestadas pelo réu está sujeita ao princípio do livre convencimento do juiz (art. 131 do CPC), que pode desconsiderá-la com base nas provas contidas nos autos, em fatos notórios, na própria lei ou em máximas de experiência. Essa presunção é, pois, relativa, podendo o juiz, mesmo não tendo o réu contestado os fatos afirmados pelo autor na inicial, rejeitar a sua pretensão. [...] Conseqüentemente, não se podem considerar verdadeiras alegações de fatos impossíveis, inverossímeis, improváveis (ou seja, aqueles cujos motivos divergentes, para sua aceitação, são mais fortes que os convergentes), exagerados ou contrários às demais provas constantes dos autos, porque, se assim não fosse, o juiz teria o dever de acolher demandas infundadas, incluindo as que visassem à obtenção de vantagens ilegais ou imorais. Por exemplo, em uma ação de reparação de danos decorrente de acidente de trânsito, o autor pede indenização no valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) para consertar seu Volkswagen, ano 1978, que vale menos que R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Mesmo não tendo o réu contestado o valor pleiteado, o magistrado não precisa aceitar o valor pedido, por ser exagerado. 485
Pode-se identificar na confissão três elementos: a) elemento objetivo, que tem como
finalidade os fatos confessados, desfavoráveis ao confitente e favoráveis à parte contrária; b)
elemento subjetivo, que se refere à pessoa do confitente, quanto à sua capacidade e
legitimação; c) elemento intencional, que diz respeito à intenção de confessar. A análise
484 Art. 302, CPC: “Cabe também ao réu manifestar-se precisamente sobre os fatos narrados na petição inicial. Presumem-se verdadeiros os fatos não impugnados, salvo: I - se não for admissível, a seu respeito, a confissão; II - se a petição inicial não estiver acompanhada do instrumento público que a lei considerar da substância do ato; III - se estiverem em contradição com a defesa, considerada em seu conjunto. Parágrafo único. Esta regra, quanto ao ônus da impugnação especificada dos fatos, não se aplica ao advogado dativo, ao curador especial e ao órgão do Ministério Público”. 485 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 393,394,395.
desses elementos, direcionados a área trabalhista, far-se-á com fundamento nos ensinamentos
de Manoel Antonio Teixeira Filho. 486
No elemento objetivo existem algumas condições para que o fato possa ser
considerado confessado: a) que seja próprio e pessoal do confitente, não podendo o fato ser de
terceiro; b) que seja favorável à parte que o invoca e desfavorável ao confitente, de modo que
a confissão somente prejudicará o confitente e não os terceiros ou litisconsortes, nos termos
do art. 350 do CPC487, uma vez que os litisconsortes são considerados distintos com relação à
parte adversa, conforme disposto no art. 48 do CPC488; c) que o fato seja suscetível de
renúncia, não valendo para fatos cujo direito é irrenunciável, pois não se admite confissão
sobre direitos indisponíveis (art. 351 do CPC) 489; d) que o fato seja de natureza que a sua
prova não exija forma especial. Se a forma para determinado ato é exigida em lei, a
confissão, salvo outras circunstâncias especiais que poderão ser evidenciadas, não poderá
substituir esse meio de prova, que já vem tarifado, a exemplo do disposto no art. 428 da CLT,
que exige forma escrita para o contrato de aprendizagem. Se não houver o contrato escrito,
eventual confissão do autor de que fora admitido na condição de aprendiz não terá qualquer
efeito.
No elemento subjetivo analisa-se a pessoa do confitente, quanto à sua capacidade e
legitimação. Verifica-se se o confitente é capaz e maior de idade. A doutrina diverge se o
menor de 18 anos pode confessar. Para alguns autores a confissão é inadmissível; outros
entendem que somente é inadmissível para os menores de 16 anos, salvo na condição de
486 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 261-264. 487 Art. 350, CPC: “A confissão judicial faz prova contra o confitente, não prejudicando, todavia, os litisconsortes”. 488 Art. 48, CPC: “Salvo disposição em contrário, os litisconsortes serão considerados, em suas relações com a parte adversa, como litigantes distintos; os atos e as omissões de um não prejudicarão nem beneficiarão os outros”. 489 Art. 351, CPC: “Não vale como confissão a admissão, em juízo, de fatos relativos a direitos indisponíveis”.
aprendiz, a partir de quatorze anos, idade de trabalho permitido pelo art. 7º, XXXIII da CF.
Não há, contudo, que se restringir a confissão pela idade, uma vez que a confissão não é pena,
mas serve para esclarecer a verdade. Se o trabalho ocorreu de forma ilícita (menores de 16
anos) e a parte comparecer representada ou assistida, não há nulidade no ato que ensejou a
confissão. Portanto, para o menor de 18 anos, quando parte, desde que assistido, ou o menor
de 16 anos, representado, a confissão é válida e apta a formar o convencimento do juiz.
Quanto à legitimação, a mesma decorre da lei que permite a confissão por intermédio
de representante. No processo civil, admite-se a confissão provocada, se feita pela própria
parte. Já a confissão espontânea necessita de poderes especiais, embora também possa ser
feita pela própria parte (art. 349 do CPC) 490. O advogado, como mandatário, também precisa
de poderes especiais para confessar, valendo lembrar que o art. 38 do CPC491 não inclui esses
poderes. No processo do trabalho, os poderes do preposto estão implícitos na credencial que
lhe é outorgada (carta de preposição), consoante expressa previsão do art. 843 da CLT, § 1º:
“É facultado ao empregador fazer-se substituir pelo gerente, ou qualquer outro preposto que
tenha conhecimento do fato, e cujas declarações obrigarão o proponente”. Portanto, no
processo do trabalho não há necessidade de poderes especiais, pois as declarações obrigarão o
proponente (o empregador), tanto na confissão espontânea como na confissão provocada. Não
se admite, todavia, a confissão do colega de profissão do empregado, ou de representante do
sindicato, no caso de doença grave ou de outro motivo ponderoso, nos termos do §2º do art.
490 Art. 349, CPC: “A confissão judicial pode ser espontânea ou provocada. Da confissão espontânea, tanto que requerida pela parte, se lavrará o respectivo termo nos autos; a confissão provocada constará do depoimento pessoal prestado pela parte. Parágrafo único. A confissão espontânea pode ser feita pela própria parte, ou por mandatário com poderes especiais”. 491 Art. 38, CPC: “A procuração geral para o foro, conferida por instrumento público, ou particular assinado pela parte, habilita o advogado a praticar todos os atos do processo, salvo para receber citação inicial, confessar, reconhecer a procedência do pedido, transigir, desistir, renunciar ao direito sobre que se funda a ação, receber, dar quitação e firmar compromisso”.
843 da CLT492, posto que essa representação terá efeito de simplesmente determinar o
adiamento da audiência.
No elemento intencional, há a intenção de confessar, supondo a vontade da parte em
confessar. Nesse sentido, verifica-se que nem sempre a parte tem o animus confitendi, exceto
se a confissão for espontânea. Na confissão provocada e na confissão ficta não se verifica a
vontade de confessar, uma vez que na primeira o fato é extraído da parte e na segunda existe
uma presunção de veracidade.
Sobre os poderes para confessar, Eduardo Cambi faz importante observação:
Ainda, para que a confissão possa produzir efeitos, é necessário que o confitente tenha capacidade para confessar. Afinal, a confissão é um ato personalíssimo e deve ser feita pela pessoa que tem a capacidade para dispor do direito ao qual o fato confessado se refere. Na hipótese da pessoa jurídica, pode haver a confissão, desde que seja feita pelo seu representante legal ou por qualquer pessoa física habilitada pela pessoa jurídica para confessar. [...] Por conseguinte, se o advogado afirma ou não impugna a existência de fatos desfavoráveis ao seu cliente, pode ocorrer a admissão desses fatos, os quais podem tornar-se incontroversos, mas não ocorre a confissão, salvo se tiver poderes para confessar, compara-se aos efeitos da não-contestação dos fatos afirmados, porque, apesar de tornar os fatos incontroversos, não impede que a parte, no depoimento pessoal, impugne a existência do fato, com a conseqüência de ter o ônus de fazer a prova de não ser o fato verdadeiro. 493
Como já mencionado, a confissão pode ser judicial ou extrajudicial (art.348 do CPC).
A confissão judicial é feita em juízo, podendo ser espontânea, provocada ou ficta. A confissão
espontânea é voluntária, por petição ou oralmente, em depoimento, feita pela parte ou
mandatário com poderes especiais, exceto no processo do trabalho em que as declarações
obrigarão o proponente, sem a necessidade de poderes especiais (art. 843, §1º, CLT). A
confissão provocada é involuntária, originada do depoimento da parte. Essas duas espécies de
492 Art. 843, § 2º, CLT: “Se por doença ou qualquer outro motivo poderoso, devidamente comprovado, não for possível ao empregado comparecer pessoalmente, poderá fazer-se representar por outro empregado que pertença à mesma profissão, ou pelo seu sindicato”. 493 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 133-134.
confissão são expressas (por escrito ou oralmente). Nesses dois casos, a confissão é real,
concreta. A confissão ficta é presumida e tácita, uma vez que decorre na inércia da parte. 494
A confissão extrajudicial tem a mesma eficácia probatória que a confissão judicial
quando feita por escrito pela parte ou por quem a represente (art. 353, caput, do CPC). Essa
confissão não é obtida perante o Órgão Judicial; decorre de outros meios (pode ser oral ou por
escrito, diretamente à parte, seu representante, a terceiro, ou constituída em testamento etc).
Tratando-se de confissão real, deverá, especialmente no processo do trabalho, sofrer restrições
severas, uma vez que o trabalhador poderá tê-la feita enquanto sujeito às ordens do
empregador. Para que tenha validade deverá ser ratificada em juízo, verificando-se se houve
vontade livre do confitente. A confissão extrajudicial também pode ser oral (art. 353,
parágrafo único), todavia, é necessária a ratificação em juízo através de testemunhas495.
Quando a confissão feita pela parte for verbal ou for feita por terceiro ou, ainda, por
testamento, terá eficácia probatória, mas não será confissão judicial. 496
Quanto ao interrogatório, a doutrina tem assinalado que o mesmo não tem a
finalidade de provocar a confissão da parte:
A confissão judicial também pode ser obtida por ocasião do interrogatório informal (art. 342 do CPC). Entretanto, não obstante estejam disciplinadas na mesma seção do Código de Processo Civil, o interrogatório informal não se confunde com o depoimento pessoal, porque é o juiz quem determina de ofício o comparecimento da parte, para permitir que tenha contato direto com o litigante e vir a obter informações que possam elucidar as alegações de fato submetidas a julgamento. O interrogatório informal, ao contrário do depoimento formal, previsto no art. 343 do CPC, não tem a finalidade de provocar a confissão da parte contrária. Logo, se a parte não comparecer em juízo, não ocorre a admissão dos fatos não impugnados, nem a inversão do ônus da prova, embora o juiz possa deduzir elementos de convicção subjetiva (argumentos de prova) a serem compreendidos dentro do alcance do princípio do livre convencimento judicial. 497
494 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 265. 495 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 265-266 496 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 130. 497 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 130.
Ressalte-se, porém, que, na esfera trabalhista, a CLT não faz distinção entre
interrogatório e depoimento da parte, usando indiscriminadamente um e outro como
sinônimos, motivo pelo qual, como analisado em tópico específico (Interrogatório e
depoimento da parte na CLT), os efeitos do interrogatório e do depoimento das partes, no
processo do trabalho, são os mesmos, ou seja, é possível extrair a confissão da parte.
A confissão é, como regra, indivisível, não podendo a parte cindi-la para beneficiar-
se do que lhe for favorável, rejeitando-a na parte que a prejudique. Poderá, no entanto, cindi-
la quando sobrevierem fatos novos, nos termos do art. 354 do CPC: “A confissão é, de regra,
indivisível, não podendo a parte, que a quiser invocar como prova, aceitá-la no tópico que a
beneficiar e rejeitá-la no que lhe for desfavorável. Cindir-se-á, todavia, quando o confitente
lhe aduzir fatos novos, suscetíveis de constituir fundamento de defesa de direito material ou
de reconvenção”. Trata-se do princípio legal da indivisibilidade da confissão (confessio dividi
non debet). Eduardo Cambi comentou as disposições do referido artigo:
No entanto, o juiz não pode considerar confessados os fatos que a parte não afirmou expressamente em juízo. Quando o confitente presta declaração dúbia, ora admitindo, ora negando, a veracidade dos fatos que interessam à parte contrária, a declaração perde o sentido da confissão propriamente dita, uma vez que a sua eficácia probatória está ligada ao seu caráter indivisível, por não poder o litigante invocá-la como prova, valendo-se somente da parte que o beneficia (art. 354 do CPC). Situação diversa, contudo, dá-se quando o confitente admite a veracidade dos fatos que interessam ao seu opositor, mas também aduz fatos novos, para dar suporte à sua defesa (fatos impeditivos, modificativos ou extintivos) ou à sua reconvenção (fatos constitutivos). Nesses casos, a confissão é complexa por abranger aspectos diversos e poder ser dividida, mas nem sempre produzirá benefícios ao adversário do confitente. Por exemplo, quando o réu confessa que está devendo para o autor, mas alega que possui crédito em valor superior, o qual deve ser compensado, a confissão da dívida não beneficia a parte contrária, porque o crédito é maior que o débito. No entanto, se o juiz considerar inexistentes, por falta de prova, os fatos novos alegados ou se verificar que as provas trazidas não servem para atestar a eficácia pretendida, os fatos confessados e que são favoráveis à tese do adversário do confitente podem ser considerados verdadeiros, ficando o litigante beneficiado pela confissão, que opera a inversão do ônus da prova. Com efeito, a confissão não implica a renúncia do direito à prova, podendo a parte que confessou trazer outros elementos de prova para demonstar que a confissão não gera os efeitos pretendidos pelo adversário. Com isso, contudo, não se constitui a revogação da confissão, que é situação que restringe à hipótese de erro, dolo ou coação (art. 352 do CPC). Ademais, eventual retratação não invalida a confissão anteriormente firmada, sendo ambos os elementos de prova a serem valorados pelo juiz. Por conseguinte, a confissão não
pode ser considerada uma prova plena capaz de gerar a preclusão do direito à prova.498
Observada as peculiaridades do processo do trabalho, deve-se buscar a correta
adequação do referido artigo, para além do já exposto, pois se a confissão se der relativamente
a vários fatos, deverão estes ser considerados indistintamente, especialmente nas demandas
trabalhistas cuja causa petendi e o pedido são vários. Com base nisso, desaconselha-se a
aplicação do princípio da indivisibilidade da confissão no processo do trabalho,
indistintamente, uma vez que numa ação são alegados vários fatos. “Na hipótese, todavia, de a
ação concernir a um único fato, é palmar que a confissão, acaso existente, não possibilitará ser
fracionada: a unidade do fato exigirá a unidade da confissão”. 499
A confissão pode ser revogada, em que pese seu caráter irretratável, nos caso de erro,
dolo ou coação. A revogação deverá ser proposta pelo confitente, através de ação anulatória
(caso o processo esteja em andamento) ou ação rescisória (processo cuja sentença transitou
em julgado), nos termos do art. 352 do CPC500. No processo do trabalho, constatado o vício
pelo juiz, deverá este desconsiderar a confissão, não sendo viável, ante o princípio da
celeridade processual, esperar a iniciativa do confitente, quando a ação estiver em andamento.
O mesmo não acontece se a sentença já transitou em julgado, devendo o confitente buscar a
revogação por ação rescisória.
Pode-se, afirmar, assim, que a confissão não é um direito disponível, que pode ser
utilizado pelas partes livremente, pois o processo está à disposição da justiça e não das partes,
conforme argumenta Eduardo Cambi:
498 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 131-132. 499 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 279. 500 Art. 352, CPC: “A confissão, quando emanar de erro, dolo ou coação, pode ser revogada: I - por ação anulatória, se pendente o processo em que foi feita; II - por ação rescisória, depois de transitada em julgado a sentença, da qual constituir o único fundamento. Parágrafo único. Cabe ao confitente o direito de propor ação, nos casos de que trata este artigo; mas, uma vez iniciada, passa aos seus herdeiros”.
Se o processo civil é um instrumento público para a realização da justiça, a confissão não pode ser compreendida como um ato negocial, pelo qual a parte pode livremente dispor dos direitos. Destarte, a confissão não vincula o juiz, que é livre para julgar a causa, inclusive para desconsiderar os fatos confessados. Por exemplo, em ação de reparação de danos por acidente de trânsito, o pai pode confessar que estava dirigindo o veículo, para que o ato ilícito não seja imputado ao seu filho menor e sem habilitação, com o intuito de vir a receber o seguro, mas as outras provas, tais como as documentais (v.g., o boletim de ocorrências) e as testemunhais, podem evidenciar ter sido o menor quem provocou o acidente. 501
A validade da confissão fica condicionada à “sinceridade com que é feita ou pela
verdade nela contida, desde que corroborada por outros elementos de prova” 502. Dessa
forma, “para formar a sua convicção, o juiz não está limitado à confissão e nem às provas
produzidas pelas partes, pois também tem a faculdade de usar outras fontes de conhecimento,
que decorrem do poder instrutório (art. 130 do CPC). Dessa maneira, a confissão não vincula
o magistrado, não retira os seus poderes instrutórios, muito menos o exime de realizar
investigações próprias”. 503
Em linhas gerais, tanto a confissão espontânea como a provocada são reais, concretas
e possuem efeitos praticamente absolutos, mas admitem prova em contrário. A confissão ficta
é tácita, pois que inexpressa, envolvendo uma ficção, que gera presunção relativa de
veracidade dos fatos.
5.19 Prova documental
Prova documental é todo meio de prova idôneo capaz de comprovar materialmente
um fato. Pode ser por escrito, através de gráficos, fotografias, reproduções cinematográficas,
501 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 136. 502 NERY JUNIOR, Nelson; ANDRADE NERY, Rosa Maria. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 9. ed. São Paulo: RT, 2006, p. 543. 503 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 387.
registros fonográficos (representação de sons por meio de letras ou gráficos) etc. 504 Para
Eduardo Cambi, “os documentos são provas pré-constituídas, mas pode haver o controle da
sua admissibilidade, posteriormente, pelo juiz e pela parte contrária (art. 398 do CPC)”. 505
Sobre a prova documental, Nelson Nery Junior tece as seguintes considerações: A prova documental preexiste à lide e deve vir acompanhando a inicial (CPC 283), ou a contestação (CPC 297), se for indispensável à propositura da ação ou à defesa do réu (CPC 396). Depois, pode a parte fazer a juntada de documentos novos (CPC 397) e o autor contrapor com prova documental as preliminares opostas pelo réu (CPC 327).
A CLT trata ligeiramente da prova documental (arts. 787 e 830). Contudo, por força
do art. 769 da CLT, aplica-se, supletivamente, o CPC, devendo o intérprete socorrer-se das
normas do direito processual comum, quando compatíveis com as normas trabalhistas. O
CPC, que tem previsão sistemática para os meios de prova, prevê, entre outros, a prova
documental (arts. 364 a 391).
Eduardo Cambi alerta para o prazo preclusivo na juntada de documentos, exceto com
relação a documentos novos:
Caso a petição inicial não seja instruída com os documentos indispensáveis, fundamentais ou substanciais, o juiz deve determinar que o autor emende ou complete a inicial, no prazo de dez dias (arts. 284 e 616 do CPC). Todavia, se o autor não cumprir a diligência, cabe ao magistrado indeferir a petição inicial (art. 295, inc. VI, CPC) e extinguir o processo sem julgamento do mérito (art. 267, incs. I e III, CPC. O mesmo tratamento deve ser considerado ao réu. Assim, caso não apresente os documentos indispensáveis juntamente à sua resposta, deve ser fixado prazo de dez dias para que emende ou complete a sua petição, sob pena de ficar precluso o seu direito à prova documental. Por outro lado, a juntada de documentos novos é admissível para fazer prova dos fatos ocorridos depois dos articulados ou para contrapô-los aos que forem produzidos nos autos (art. 397 do CPC). 506
504 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 285-286. 505 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 224. 506 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 224-225.
Neste tópico serão demonstradas, resumidamente, as espécies, a formação e eficácia
dos documentos, bem como a forma de requerê-los, exibi-los e argüir sua falsidade.
O documento público (art. 364 do CPC) faz prova, além de sua formação, dos fatos
que foram declarados ao escrivão. Na verdade, o documento público prova que as declarações
foram feitas (sua formação) perante escrivão ou tabelião habilitado, porém, podem não ser
verdadeiras, posto que o Oficial não tem como averiguar sua veracidade ou não. Admitem,
portanto, prova em contrário, pois possuem eficácia relativa. Caso o documento público tenha
sido elaborado por Oficial incompetente ou, mesmo competente, sem observância das
formalidades legais, terá a mesma eficácia dos documentos particulares, desde que subscrito
pelas partes (art. 367 do CPC) 507. O documento público é conceito que abrange o instrumento
público (redigido por oficial público destinado a preservar e provar fatos) e o documento
público stricto sensu (também elaborado por oficial público, mas não destinado à prova,
embora para esse fim possa ser utilizado). 508
Quanto aos documentos não originais, estes terão a mesma força probante que os
originais, desde que autenticados. A CLT disciplina a matéria no art. 830: “O documento
oferecido para prova só será aceito se estiver no original ou em certidão autêntica, ou quando
conferida a respectiva pública-forma ou cópia perante o juiz ou tribunal”. Quanto à pública-
forma ou cópia há que se ter presente que o juiz ou tribunal a que se refere o dispositivo pode
ser substituído por tabelião, devendo apenas estar autenticado por oficial público, aplicando-
se, subsidiariamente o art. 365, III do CPC509, posto que também disciplina a matéria.
507 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 289-290. 508 NERY JUNIOR, Nelson; ANDRADE NERY, Rosa Maria. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 9. ed. São Paulo: RT, 2006, p. 547. 509 Art. 365, III, CPC: “Fazem a mesma prova que os originais: [...] III - as reproduções dos documentos públicos, desde que autenticadas por oficial público ou conferidas em cartório, com os respectivos originais”.
Contudo, a formalidade prevista no art. 830 da CLT não é literalmente aplicada,
exigindo-se autenticação de documentos fotocopiados somente quando houver dúvida sobre a
idoneidade dos mesmos. A parte deverá impugnar expressamente o conteúdo e requerer a
juntada dos originais ou que os documentos sejam autenticados. O objetivo é evitar
onerosidade excessiva e injustificável. Portanto, no processo do trabalho, as partes estão
autorizadas a juntarem todos e quaisquer documentos sem autenticação. A impugnação dos
documentos pela parte contrária requer motivo relevante e justificável, não servindo meras
alegações fundamentadas na pura e simples ausência de autenticações.
A Lei nº. 10.352, de 26.12.2001, alterou o art. 544 do CPC que trata do Agravo de
Instrumento, autorizando, em seu parágrafo primeiro, que “[...] As cópias das peças do
processo poderão ser declaradas autênticas pelo próprio advogado, sob sua responsabilidade
pessoal”. Ato contínuo o TST editou a Resolução Administrativa número 115/02, acatando a
inovação legislativa introduzida no CPC que autoriza o advogado a declarar a autenticidade
das peças que compõem o Agravo de Instrumento. Posteriormente, editou o Ato nº. 27/2004,
que dispõe sobre autenticação de cópias de documentos no âmbito do TST. O art. 544 do CPC
passou a ser utilizado, na esfera trabalhista, para todos os atos processuais, não ficando
restrito ao Agravo de Instrumento.
Porém, em 2006, houve significativa mudança quanto à validade de documentos não
originais juntados pelos interessados, através das alterações acrescentadas no art. 365 do CPC
pelas Leis 11.382/06 e 11.419/2006. 510
510 Art. 365, CPC: “Fazem a mesma prova que os originais: [...] IV - as cópias reprográficas de peças do próprio processo judicial declaradas autênticas pelo próprio advogado sob sua responsabilidade pessoal, se não lhes for impugnada a autenticidade. V - os extratos digitais de bancos de dados, públicos e privados, desde que atestado pelo seu emitente, sob as penas da lei, que as informações conferem com o que consta na origem; e VI - as reproduções digitalizadas de qualquer documento, público ou particular, quando juntados aos autos pelos órgãos da Justiça e seus auxiliares, pelo Ministério Público e seus auxiliares, pelas procuradorias, pelas repartições públicas em geral e por advogados públicos ou privados, ressalvada a alegação motivada e fundamentada de adulteração antes ou durante o processo de digitalização. § 1º Os originais dos documentos digitalizados, mencionados no inciso VI do caput deste artigo, deverão ser preservados pelo seu detentor até o final do prazo para interposição de ação rescisória. § 2º Tratando-se de cópia digital de título executivo extrajudicial ou outro documento relevante à instrução do processo, o juiz poderá determinar o seu depósito em cartório ou secretaria”.
Dispõe o art. 368, caput, do CPC que “As declarações constantes do documento
particular, escrito e assinado, ou somente assinado, presumem-se verdadeiras em relação ao
signatário”. Todavia, no processo do trabalho, as declarações constantes em documentos
particulares – elaborados ou assinados sem a intervenção do oficial público -, têm valor
probante mínimo. Não raras vezes, o empregado apenas assina o documento, cujo conteúdo
foi elaborado em seu nome pelo empregador. O art. 368, parágrafo único do CPC, informa:
“Quando, todavia, contiver declaração de ciência, relativa a determinado fato, o documento
particular prova a declaração, mas não o fato declarado, competindo ao interessado em sua
veracidade o ônus de provar o fato”. Tal documento serve para provar a declaração, mas não o
fato que a constituiu, ou seja, o conteúdo. No caso de suspensão disciplinar do empregado ou
rescisão por falta grave, embora o trabalhador aponha seu ciente no documento que lhe é
apresentado, não significa que concorda com o fato que lhe é imputado, cabendo a prova ao
empregador . 511
No documento público, não há necessidade de se reconhecer firma; já no documento
particular deverá a firma ser reconhecida, eis que elaborado sem a presença do oficial público
(art. 369 do CPC). Para tanto não há a necessidade de a assinatura ser aposta na presença do
tabelião, como determina a lei, em especial quando a parte adversa não impugna. É válido o
documento que foi reconhecido por semelhança (compara a assinatura do documento com a
assinatura constante em seus registros), ainda que gere presunção relativa de sua
autenticidade. Para desconstituí-lo basta que seja impugnado. O documento particular, quando
datado, pode gerar controvérsias sobre a veracidade da data lançada. Nesse caso e, em
511 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 292-293.
especial na Justiça do Trabalho, a data poderá ser impugnada por qualquer outro meio de
prova, inclusive testemunhal (art. 370 do CPC). 512
Quanto aos assentos domésticos, ainda que sem assinatura, poderão ter valor
probante. O art. 371, III do CPC diz que “Reputa-se autor do documento particular: [...] III -
aquele que, mandando compô-lo, não o firmou, porque, conforme a experiência comum, não
se costuma assinar, como livros comerciais e assentos domésticos”. Se o trabalhador
doméstico não assinou o recibo de pagamento, pode-se concluir, pela experiência comum, que
efetivamente recebeu o valor consignado. Mesmo assim, poderá argumentar em sentido
contrário, pois que a experiência comum também demonstra que nem sempre esses
empregados recebem seus salários e, como regra, assinam vários documentos sem o devido
preenchimento, a critério do empregador.
Embora os livros comerciais provem contra o seu autor (art. 379 do CPC), no
processo do trabalho há que se fazer ressalvas. Havendo alegação da parte de que existe
contabilidade paralela, é cabível perícia, com o intuito de verificar eventual fraude nas
operações contábeis, inclusive em detrimento dos direitos trabalhistas. Pelo disposto no art.
381 e 382 do CPC, o juiz pode, de ofício ou a requerimento da parte, requerer a exibição
integral ou parcial dos livros comerciais e documentos, conforme exigirem os fatos narrados.
Com relação à juntada de fotografias (art. 385 do CPC, parágrafo primeiro), devem vir
acompanhadas do negativo. Isso porque facilitará eventual conferência entre a cópia e o
original. Se a fotografia foi publicada em jornal deverá, da mesma forma, ser juntado o
original e o negativo. A ausência de impugnação à cópia de documento particular, ainda que
sem autenticação, tem valor probante do original (art. 385 do CPC). Para impugnar o
documento particular a parte deverá observar o prazo do art. 372 do CPC: “Compete à parte,
contra quem foi produzido documento particular, alegar, no prazo estabelecido no artigo 390,
512 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 295.
se lhe admite ou não a autenticidade da assinatura e a veracidade do contexto; presumindo-se,
com o silêncio, que o tem por verdadeiro”. Todavia, qualquer documento, público ou
particular, poderá ser objeto de incidente de falsidade, que será suscitado no prazo da
contestação ou nos 10 dias seguintes da intimação da sua juntada aos autos (art. 390 CPC). 513
No processo do trabalho, o incidente poderá ser requerido nos próprios autos, quando
o documento for oferecido antes de encerrada a instrução (art. 391 do CPC), pelo que deverá
ser decidido como preliminar na sentença final. No caso de haver sido encerrada a instrução, o
incidente correrá em apenso aos autos principais (art. 393 do CPC). Porém, no processo do
trabalho, nada impede que seja alegado nos próprios autos, mesmo após o enceramento da
instrução, bastando que a parte acautele-se com relação ao prazo dos autos principais e do
incidente. A lei determina a suspensão do processo no caso de argüição de incidente (art. 394
do CPC), porém, nem sempre é necessário, pois que os pedidos que não estão afetos ao
incidente poderão ter seu curso normal.
No caso de haver entrelinhas, emendas, borrões, cancelamento ou qualquer outro
vício extrínseco, o documento deverá acompanhar as ressalvas necessárias (art. 386 do CPC).
Não as tendo, o julgador apreciará livremente a fé que deva merecer (princípio da persuasão
racional). Haverá falsidade material quando se elabora ou utiliza documento falso,
adulterando-o, suprimindo-o, ocultando-o. A falsidade ideológica relaciona-se com o
conteúdo do documento. 514
513 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 299-302. 514 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 303-306.
O documento particular tem sua fé facilmente cessada através de simples
impugnação, ou seja, basta ser impugnado o documento ou sua assinatura para ensejar dilação
probatória, conforme se extrai da redação do art. 388 do CPC. 515
O art. 389 do CPC516 estabelece critérios de distribuição do ônus da prova, não
sujeito à regra geral do art. 333 do CPC517. Especificamente, no caso de assinatura em recibos
salariais ou outros documentos a que o empregado se submeteu, principalmente os
relacionadas à medicina e segurança do trabalho, caberá à parte que produziu o documento -
no caso, o empregador -, comprovar a autenticidade da assinatura, nos termos do art. 389, II
do CPC. Se o empregado alega não ser de seu punho a assinatura lançada nos recibos, ao
empregador cabe provar a veracidade da assinatura. Não o fazendo, o documento não tem
validade, não servindo para comprovar o pagamento do valor consignado. No entanto, cabe à
parte que argüir a falsidade do documento o ônus da prova, nos termos do art. 389, I do CPC.
Em resumo, “à parte que argüir a falsidade (material ou ideológica) do documento incumbirá
o ônus da prova; em se tratando de contestação à assinatura, como vimos, o ônus será da parte
que produziu o documento (CPC, art. 389, I e II)” 518. Como a averiguação da veracidade de
documentos determina, na maioria das vezes, a realização de perícia, o juiz, havendo
controvérsia, poderá determinar de ofício, nos termos do art. 765 da CLT, pois o julgador
necessita de subsídios convincentes para decidir a causa.
515 Art. 388, CPC: “Cessa a fé do documento particular quando: I - lhe for contestada a assinatura e enquanto não se lhe comprovar a veracidade; II - assinado em branco, for abusivamente preenchido. Parágrafo único. Dar-se-á abuso quando aquele, que recebeu documento assinado, com texto não escrito no todo ou em parte, o formar ou o completar, por si ou por meio de outrem, violando o pacto feito com o signatário”. 516 Art. 389, CPC: “Incumbe o ônus da prova quando: I - se tratar de falsidade de documento, à parte que a argüir; II - se tratar de contestação de assinatura, à parte que produziu o documento”. 517 NERY JUNIOR, Nelson; ANDRADE NERY, Rosa Maria. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 9. ed. São Paulo: RT, 2006, p. 523. 518 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 306.
Como meio de prova, a exibição de documento ou coisa poderá ser feita em caráter
preparatório (art. 844 e 845 do CPC) ou incidental (art. 355 a 363 do CPC), conforme análise
em tópico específico (Exibição de documentos).
No que refere aos documentos estrangeiros, deve-se observar as formalidades
necessárias exigidas pela lei:
Para que os documentos estrangeiros possam ser juntados aos autos, devem ser inscritos no Registro de Títulos e Documentos (art. 129, nº. 6, Lei 6.015/1973, salvo se autenticados pela via consular, e serem traduzidos por tradutor juramentado (art. 157 do CPC e 224 CC), pois os atos processuais devem ser expressados na língua portuguesa (art. 156 do CPC), que é o idioma oficial da República Federativa do Brasil (art. 13, caput, CF), mesmo tendo o juiz conhecimento do idioma estrangeiro.519
O juiz poderá, ainda, de ofício ou a requerimento das partes, requisitar às repartições
públicas em qualquer tempo ou grau de jurisdição os documentos que entender necessários
(art. 735 da CLT e art. 399 do CPC). Trata-se do poder instrutório do juiz previsto no art. 765
da CLT e 130 do CPC:
O art. 399 do CPC é um desdobramento do poder instrutório do juiz (art. 130 do CPC) e a sua aplicação se justifica não somente quando a parte, demonstrando dificuldade extraordinária para obter o documento, pede auxílio ao Poder Judiciário, mas também quando o próprio juiz, de ofício, com o intuito de aproximar da justiça da decisão, busca maiores esclarecimentos para julgar a causa. Ainda, os poderes instrutórios do juiz não se exaurem no âmbito das repartições públicas, podendo o art. 130 do CPC ser interpretado em conjunto com o art. 339 do CPC, a fim de a requisição se dirigir a entidades privadas, como bancos, empresas de telefonia etc. O Ministério Público, quando intervém como fiscal da lei, também pode juntar os documentos e as certidões necessárias para o descobrimento da verdade (art. 83, inc. II, CPC). O Agente ministerial pode requerer seja oficiado às repartições públicas, com fundamento no art. 399 do CPC, bem como a entidades privadas, com base no art. 339 do CPC [...]. 520
A CLT determina ao empregador o registro de inúmeros documentos, que devem ser
apresentados durante a instrução processual, sob pena de se considerar verdadeiras as
alegações do autor da demanda. Contudo, tal presunção é apenas relativa e apenas inverte o
519 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 228-229. 520 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 227-228.
ônus da prova. Dentre os vários registros que devem ser mantidos pelo empregador,
destacam-se os relacionados à medicina e segurança no trabalho, exigidos pela legislação em
vigor.
5.20 Prova testemunhal
Prevista sistematicamente no CPC (arts. 400 a 419), a prova testemunhal também
pode ser encontrada na CLT (arts. 819, 820, 821 a 825, 828, 829, 848, § 2º). Porém, em
alguns casos, não pode ser dispensada a aplicação supletiva do CPC, ainda que a CLT
discipline de forma minudente este aspecto.
A prova testemunhal, juntamente com a confissão, é o meio mais antigo de prova.
Com o surgimento dos meios escritos tal tipo de prova foi cedendo espaço. Porém, nos
tempos modernos, utiliza-se a prova testemunhal em larga escala, inclusive para elidir a prova
documental. Contudo, há certo desprestígio da prova testemunhal, pois a testemunha, por
motivos de afinidade ou interesse pessoal, tende a inclinar-se em prol da parte que a
arrolou.521
Eduardo Cambi registrou a dificuldade de se apurar a verdade dos fatos por meio da
prova testemunhal, quem tem valor reduzido no sistema civil law522 :
Os sistemas processuais da civil law, ao contrário dos da common law, tendem a dar menor credibilidade à prova testemunhal. Sob o aspecto técnico, não é atribuída às provas testemunhais grande eficácia, porque não permitem o conhecimento direto do fato, que é conhecido, apenas, indiretamente. Enquanto na prova documental os fatos são representados em um documento escrito ou por um conjunto de símbolos (imagens, sons, sinais, etc.), ficando os equívocos reduzidos à conversão do fato representado no documento
521 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 323-324. 522 O sistema processual civil law adotado pelo Brasil, de origem romano-germânico, é estabelecido pelo Poder Legislativo e privilegia a escrita e os códigos, enquanto que o sistema common law, adotado pelos Estados Unidos, de origem inglesa, é sistema não escrito, guia-se pelos usos, costumes e precedentes jurisprudenciais.
representativo, nas provas testemunhais há de confiar na memória humana, que está, com o passar do tempo, mais sujeita a distorções, além de os depoimentos das testemunhas poderem ser prejudicados por outros fatores (v.g., a testemunha que não se lembra exatamente dos fatos, que imagina coisas as quais não aconteceram, que, em razão da sua timidez, não sabe expressar-se devidamente, que mente, que tem medo ou algum receio), ficando a veracidade das suas declarações condicionadas à análise dos interesses inerentes à controvérsia judicial (v.g., a testemunha não é obrigada a depor sobre fatos que lhe possam causar, ou a seu cônjuge ou parente, grave dano; art. 406, inc. I, CPC).523
A testemunha pode ser definida como “toda a pessoa física, distinta dos sujeitos do
processo, que, admitida como tal pela lei, é inquirida pelo magistrado, em Juízo ou não,
voluntariamente ou por força de intimação, a respeito de fatos controvertidos, pertinentes e
relevantes, acerca dos quais tem conhecimento próprio”. 524
As testemunhas podem ser classificadas de acordo com os fatos que cada uma tenha
vivenciado. Dentre outras classificações, com fundamento na doutrina de Gabriel de Rezende
Filho, citam-se as seguintes: a) instrumentárias – são as testemunhas que estiveram presentes
quando da ocorrência do fato e apuseram a sua assinatura; b) judiciais – são as que têm
condições de depor em juízo, pois que presenciaram os fatos, casualmente ou não; c) oculares
e auriculares – são as que presenciarem os fatos ou tiveram notícias (por ouvir dizer),
respectivamente; d) originárias e referidas - indicadas pelas partes ou mencionadas por outras
testemunhas, respectivamente; e) idôneas e inidôneas – as idôneas possuem maior
credibilidade, enquanto que as inidôneas são afetadas por algum vício (como condenada por
falso testemunho); f) diretas e indiretas – as diretas são as que presenciaram os próprios fatos,
enquanto que as indiretas têm conhecimento dos fatos através de outros fatos e
circunstâncias.525
523 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 138-139. 524 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 327. 525 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 330-331.
A princípio, todas as pessoas estão obrigadas a testemunhar, conforme se infere da
redação do art. 339 do CPC: “Ninguém se exime do dever de colaborar com o Poder
Judiciário para o descobrimento da verdade”. Contudo, existem exceções, pois esse dever não
alcança os incapazes, impedidos, suspeitos (art. 405 do CPC) bem como os que não estão
obrigados a depor a respeito de fatos sobre os quais devam guardar sigilo ou lhes cause dano
(art. 406 do CPC). Porém, “as restrições à admissibilidade da prova testemunhal devem ser
analisadas à luz do direito constitucional à prova, procurando indagar se essas limitações
podem ser recepcionadas pela Constituição e em que medida se justificam”. 526
Será conduzida coercitivamente a testemunha que não comparecer sem motivo
justificado, respondendo pelas despesas do adiamento (art. 412, caput, do CPC) 527. No
processo do trabalho, a regra está disciplinada no art. 730 da CLT: “Aqueles que se recusarem
a depor como testemunhas, sem motivo justificado, incorrerão na multa de 3 (três) a 30
(trinta) valores-de-referência regionais”. A multa aplicada será recolhida aos cofres da União.
Nada impede, porém, que o juiz do trabalho determine o pagamento das despesas do
adiamento, nos termos do art. 412 do CPC. Deve-se, evitar, contudo, a aplicação cumulativa
de multa e despesas de adiamento.
Utiliza-se, no Brasil, o sistema latino ou francês, que relaciona os incapazes, os
impedidos e os suspeitos como proibidos de depor. 528
A CLT trata da matéria no art. 829: “A testemunha que for parente até o terceiro grau
civil, amigo íntimo ou inimigo de qualquer das partes, não prestará compromisso, e seu
depoimento valerá como simples informação”.
526 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 140. 527 NERY JUNIOR, Nelson; ANDRADE NERY, Rosa Maria. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 9. ed. São Paulo: RT, 2006, p. 563. 528 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 333.
Porém, é no art. 405 do CPC que a matéria está sistematizada, merecendo estudo
sobre os diversos casos, o que se faz de forma sucinta. Nos termos do art. 405 do CPC:
“Podem depor como testemunhas todas as pessoas, exceto as incapazes, impedidas ou
suspeitas”. O referido artigo deve ser interpretado considerando as disposições do art. 228 do
CC529. Primeiramente, vale lembrar que “a rigidez dessa regra jurídica precisa ser testada à
luz da Constituição para que se consigam apreender os seus limites e as suas possibilidades,
na tentativa de proporcionar juízos de admissibilidade que permitam o exercício do direito à
prova”. 530
Os incapazes são os que não têm aptidão para depor como testemunhas, devido à
ausência de capacidade de discernimento, nos termos do art. 405, § 1º do CPC: “§ 1º. São
incapazes: I - o interdito por demência; II - o que, acometido por enfermidade, ou debilidade
mental, ao tempo em que ocorreram os fatos, não podia discerni-los; ou, ao tempo em que
deve depor, não está habilitado a transmitir as percepções; III - o menor de 16 (dezesseis)
anos; IV- o cego e o surdo, quando a ciência do fato depender dos sentidos que lhes faltam.”.
No inciso I, há necessidade de sentença judicial para declarar a interdição, devendo
ser nomeado perito para avaliar as condições mentais da testemunha. A incapacidade prevista
no inciso II também requer avaliação por perito antes do juízo de admissibilidade. Porém,
sempre que for possível dar credibilidade às declarações dessas testemunhas (inciso I e II), o
juiz deverá ouvi-las e valorar o depoimento considerando as demais provas dos autos. Quanto
ao menor de 16 anos, há que se ter presente que o fundamento da incapacidade é a ausência de
discernimento e não a idade, de modo que havendo o necessário discernimento deverá ser
529 Art. 228, CC: “Não podem ser admitidos como testemunhas: I - os menores de dezesseis anos; II - aqueles que, por enfermidade ou retardamento mental, não tiverem discernimento para a prática dos atos da vida civil; III - os cegos e surdos, quando a ciência do fato que se quer provar dependa dos sentidos que lhes faltam; IV - o interessado no litígio, o amigo íntimo ou o inimigo capital das partes; V - os cônjuges, os ascendentes, os descendentes e os colaterais, até o terceiro grau de alguma das partes, por consangüinidade, ou afinidade. Parágrafo único. Para a prova de fatos que só elas conheçam, pode o juiz admitir o depoimento das pessoas a que se refere este artigo”. 530 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 146.
ouvido como testemunha. Os modernos meios de comunicação (internet, televisão, etc)
permitem aceleração no desenvolvimento das crianças e dos adolescentes, que adquirem
capacidade de discernimento ainda muito jovens. Nesse contexto, pode-se afirmar que o
dispositivo é inconstitucional, pois fere o direito à prova. Além disso, haveria tratamento
desigual com relação ao processo penal, na medida em que o art. 208 do CPP permite o
depoimento de menores de 14 anos, embora sem prestar compromisso. Se o depoimento do
menor serve para aplicar uma pena, também poderá ser útil para elucidar uma relação civil.
Por isso, o depoimento do menor deve ser incluído no §4º do art. 405 do CPC, ouvido como
informante, sem prestar compromisso. Mesmo que preste compromisso, não há como
responsabilizá-lo por crime de falso testemunho (art. 342 do CP), pois os menores de 18 anos
são inimputáveis (art. 26 do CP). A valoração da prova do menor ouvido como informante
(art. 405, §4º, CPC) não é inferior à valoração da prova das demais testemunhas, pois não há
justificativa para admitir a oitiva do menor e considerar seu depoimento de menor
importância531. A solução aponta que a testemunha, independente de idade, pode ser ouvida
se o juiz entender necessário, dando o valor que merecer, como informante ou não. Se maior
de 16 anos deve prestar o compromisso, ainda que inócua eventual responsabilidade por crime
de falso testemunho, quando não atingidos os 18 anos de idade.
No que refere aos cegos e surdos, a limitação sempre será injustificável quando por
algum meio puderem exprimir os fatos que presenciaram ou ouviram. Obviamente que o cego
não poderá depor de fato que não pôde ver e o surdo de fato que não pôde ouvir. Contudo, se
a doença não for congênita, nada impede que se manifestem de fatos que tomaram
conhecimento antes de adquirir a cegueira ou a surdez.
Os impedidos, embora capazes, não estão habilitados devido à condição em que se
encontram em relação às partes na demanda, sendo incompatíveis com a função de
531 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 146-155.
testemunhar, por razões objetivas532, nos termos do art. art. 405, § 2º do CPC: “§ 2º. São
impedidos: I - o cônjuge, bem como o ascendente e o descendente em qualquer grau, ou
colateral, até o terceiro grau, de alguma das partes, por consangüinidade ou afinidade, salvo se
o exigir o interesse público, ou, tratando-se de causa relativa ao estado da pessoa, não se
puder obter de outro modo a prova, que o juiz repute necessária ao julgamento do mérito; II -
o que é parte na causa; III - o que intervém em nome de uma parte, como o tutor na causa do
menor, o representante legal da pessoa jurídica, o juiz, o advogado e outros, que assistam ou
tenham assistido as partes”.
No caso do inciso I, não há impedimento absoluto de testemunhar em juízo, o que
seria inconstitucional, pois, se exigir o interesse público, as pessoas arroladas no dispositivo
poderão ser ouvidas, ainda que na condição de informantes, nos termos do art. 405, §4º, sem
prestar compromisso de dizer a verdade (art. 415 do CPC). O objetivo da lei é evitar atrito
familiar, não permitir que um parente venha a depor contra o outro, além, é claro, da
probabilidade de falsas declarações para beneficiar interesses próprios ou de sua família. O
art. 206 do CPP dispõe que os familiares poderão recusar-se a depor, salvo quando a prova
não for possível por outro meio, hipótese em que também não prestarão o compromisso (art.
208 do CPP). Recomenda-se, assim, a análise do caso concreto, aplicando-se o princípio da
proporcionalidade. Com relação ao inciso II, o impedimento das partes para serem ouvidas
como testemunhas decorre do fato de possuírem interesse no resultado da causa. Porém,
podem ser ouvidas como testemunhas se assim requererem, na medida em que somente irão
depor como parte quando a parte adversa requerer (art. 343, caput, CPC – possibilidade de
confissão) ou quando o juiz determinar de ofício (art. 342, CPC- interrogatório informal, não
se presta à confissão, exceto no processo do trabalho). O depoimento da parte na condição de
testemunha será concedido sem prestar compromisso de dizer a verdade, apenas como
532 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 336.
informante (art. 405, §4º, CPC). As pessoas mencionadas no inciso III também poderão ser
ouvidas como informantes, sem prestar compromisso, pois, se é admissível o depoimento da
própria parte como testemunha, não se justifica que as pessoas elencadas no dispositivo não
tenham esse direito. Ressalte-se apenas que o rol é apenas exemplificativo, e incluem-se em
tal hipótese todas as pessoas que, de algum modo, estejam ligadas à parte ou que exerçam
atividades que não se compatibilizem com a função de testemunhar. 533
Quanto ao preposto, figura muito utilizada nos processos trabalhistas para representar
o réu em audiência, pode-se afirmar que é um longa manus da própria parte e, a princípio, não
pode ser testemunha no mesmo processo que representa a reclamada, mas aplica-se o
examinado acima no que refere à parte. Todavia, instado a prestar depoimento em outros
autos, não há óbice, a princípio, que o impeça de comparecer como testemunha, posto que não
mais é o representante legal da empresa (art. 405, § 2º, III), mas sim empregado do demando.
O estatuto da empresa é quem designa o representante legal (art. 12, IV, CPC), o qual poderá,
se assim entender, outorgar poderes a outras pessoas.
Os suspeitos são assim considerados devido a certos fatos em que se mostram
influentes, seja por razões subjetivas (inimizade capital, amizade íntima) ou objetiva
(condenação criminal, interesse no litígio, maus costumes) 534. Não são merecedoras de
credibilidade, possuindo condições desfavoráveis com relação à probidade e à honestidade. A
previsão está no art. 405, § 3º do CPC: “§ 3º. São suspeitos: I - o condenado por crime de
falso testemunho, havendo transitado em julgado a sentença; II - o que, por seus costumes,
não for digno de fé; III - o inimigo capital da parte, ou o seu amigo íntimo; IV - o que tiver
interesse no litígio”.
533 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 157-175. 534 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 339.
Não há diferença essencial entre impedidos e suspeitos, pois presume-se que ambos
possam prejudicar ou auxiliar um dos litigantes. O § 3º do art. 405 do CPC não é taxativo e
outras situações verificadas poderiam ensejar a suspeição, como a inveja, a vaidade, a paixão,
etc. A pessoa condenada por crime de falso testemunho não merece credibilidade; contudo, a
sentença deverá ter transitado em julgado, devido ao princípio constitucional de inocência. A
indignidade pelos costumes atinge as testemunhas que são conhecidas por procederem de má-
fé ou que exigem dinheiro para testemunhar. Inimigo capital é a pessoa motivada por rixas,
que poderia ver em seu testemunho uma oportunidade de vingança. O amigo íntimo é
considerado um parente ou afim, e refere-se à testemunha que freqüenta a casa da parte,
convivendo de forma fraterna, etc. O interesse no litígio da testemunha pode decorrer de uma
situação econômica ou de trabalho; como o empregado que não prestaria depoimento contra o
empregador, ou mesmo o trabalhador autônomo (contador, prestador de serviços) temendo
conseqüências desagradáveis. Todavia, esses casos não representam uma limitação absoluta à
prova e todas as pessoas referidas neste dispositivo poderão ser ouvidas, quando necessário,
nos termos do art.405, §4º, CPC. 535
No caso de testemunhas que possuem ação contra o demandado, o que é freqüente na
Justiça do Trabalho, o réu habitualmente oferece contradita com fundamento na inimizade
capital ou interesse no litígio. No entanto, tais argumentos não condizem com a realidade. O
fato de possuir ação contra o réu não o torna inimigo capital, uma vez que, embora adversário,
a inimizade deve se mostrar profunda e rancorosa, não bastando simples presunção536.
Ademais, a ação é um direito público subjetivo, garantido constitucionalmente. Também não
há que se falar em interesse no litígio, a menos que a testemunha seja credora ou sócia do
empregado. Contudo, a prova há que ser concreta, sendo insuficientes meras alegações. Nada
535 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 175-177. 536 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 344.
impede, porém, e pode-se dizer que é obrigação do magistrado acautelar-se com relação à
testemunha que tenha ação contra o réu, especialmente em se tratando de empresa de pequeno
porte, pois, nesse caso, a extinção do vínculo de emprego pode decorrer de acirradas
controvérsias pessoais entre o empregado e o empregador, que poderia ocasionar certo
sentimento de vingança. Contudo, o TST já pacificou a controvérsia, nos termos da Súmula
357, com seguinte redação: “Testemunha. Ação contra a mesma reclamada. Suspeição. Não
torna suspeita a testemunha o simples fato de estar litigando ou de ter litigado contra o mesmo
empregador”. Se a testemunha que litigar contra o réu for considerada suspeita, com mais
razão seria suspeita a testemunha do réu, quando empregada ou que presta serviços ao réu, na
medida em que possui vínculo financeiro com o demandado, suficiente para demonstrar
interesse no litígio, sob pena de sofrer represálias.
Dessume-se, assim, que sendo estritamente necessário, o juiz ouvirá qualquer
testemunha (impedida, suspeita ou incapaz), na condição de informante, independente de
compromisso, atribuindo o valor que possa merecer (art. 405, § 4º, CPC).
Existem fatos sobre os quais a testemunha, ainda que apta a prestar declarações, não
está obrigada a depor. Isso ocorre quando envolve valores éticos, morais e patrimoniais. A
regra excludente está prevista no art. 406 do CPC: “A testemunha não é obrigada a depor de
fatos: I - que lhe acarretem grave dano, bem como ao seu cônjuge e aos seus parentes
consangüíneos ou afins, em linha reta, ou na colateral em segundo grau; II - a cujo respeito,
por estado ou profissão, deva guardar sigilo”.
O inciso I cuida de evitar danos morais e patrimoniais. Tal escusa permite que a
testemunha não revele eventual desonra própria ou de sua família. O inciso II busca a
proteção do sigilo profissional, que, violado, configura crime tipificado no art. 154 do CP.
Não há necessidade de demonstrar com exatidão os motivos da escusa, uma vez que poderá
determinar quebra do sigilo. Basta que informe os motivos de forma geral, mas precisa. 537
Na lição de Eduardo Cambi, visa o inciso I proteger a esfera pessoal das
testemunhas, como a intimidade e a privacidade. No que refere ao sigilo, não há proibição em
depor como testemunha; o dispositivo legal apenas afirma que a testemunha não é obrigada a
depor sobre fatos que deve guardar sigilo. Contudo, quando está em jogo direitos
fundamentais mais relevantes do que a privacidade e a intimidade, é dever do profissional
manifestar-se antes de ocorrer um dano. Para exemplificar: se o paciente que tem problemas
psicológicos e confidenciar ao psiquiatra que irá estuprar outra pessoa em determinado local e
horário, é dever do profissional comunicar às autoridades responsáveis para evitar o dano, sob
pena de responder pela omissão. Também deverá depor em eventual processo sobre fatos que
indiquem a participação do paciente em ilícitos. Nesses casos relevantes, o profissional não
pode se omitir escusado no sigilo profissional. O médico da empresa também deverá prestar
todas as informações referentes aos procedimentos e doenças adquiridas pelos trabalhadores
durante a prestação laboral. A faculdade de abstenção (art. 414, §2º, CPC) pode ser requerida
pela testemunha inclusive durante a audiência. Se necessário, a testemunha será ouvida nos
termos do art. 405, §4º do CPC, sem prestar compromisso. 538
A extensa gama de direitos protegidos pelo sigilo não prejudica o direito à prova,
aplicando-se, nesse caso, o princípio da proporcionalidade, conforme argumenta Eduardo
Cambi:
Embora o alcance do juízo de admissibilidade da prova testemunhal possa ser ampliado mediante a atribuição de um exegese mais extensiva ao §4º do art. 405 do CPC, a regra do art. 406 do CPC prevê causas de exclusão do dever de depor, podendo-se afirmar, em princípio, que esse dispositivo se mostra como uma exceção ao dever de colaborar com o Poder Judiciário para a descoberta da verdade (art. 339 do CPC) e ao dever de comparecer em juízo (art. 412, caput, CPC). Todavia, essas causas precisam ser verificadas, em face do princípio da proporcionalidade, para
537 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 348-350. 538 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 179-197.
saber se são capazes ou em que medida são suscetíveis de justificar a restrição do direito constitucional à prova testemunhal.539
A testemunha, como todo cidadão, tem direito e deveres. São deveres da testemunha:
a) informar ao juiz os fatos e as circunstâncias de que tenha conhecimento (art. 341, I, CPC);
b) comparecer em Juízo para depor, quando convidada ou intimada, sob pena de condução
coercitiva, além do pagamento das despesas resultantes do adiamento (art. 412, CPC e art.
730 do CLT); c) deverá dizer a verdade sobre aquilo que souber e lhe for perguntado, sob
pena de responder por crime de falso testemunho, exceto se ouvida como informante (art. 415,
CPC). Tem como direitos: a) recusar-se a depor (art. 414, § 2º), nas hipóteses do art. 406 do
CPC; b) de ser inquirida em sua residência ou repartição onde exerce a sua função, em se
tratando das pessoas mencionadas no art. 411 do CPC; c) de prestar depoimento
antecipadamente, de ser ouvida por carta precatória ou rogatória, de depor extra-Juízo no caso
de doença ou motivo relevante (art. 410 do CPC); d) de ser inquirida pelo juiz, de ser tratada
com urbanidade, não sendo permitidas perguntas impertinentes, capciosas ou vexatórias (art.
416, caput, e inciso I, CPC); e) de ler o que informou antes de lançar sua assinatura, podendo
requerer retificações (art. 417 do CPC); f) de não sofrer descontos nos salários quando tiver
de comparecer a juízo, convidada ou intimada (art. 822 da CLT e art. 419 do CPC, parágrafo
único); g) pagamento antecipado das despesas que efetuou para comparecer à audiência (art.
419 do CPC). Neste último caso, a doutrina tem defendido que não há aplicabilidade no
processo do trabalho, por incompatível, devendo o pagamento ocorrer voluntariamente540.
Não prospera, porém, o simples argumento da incompatibilidade, pois se a testemunha não
tem condições de se deslocar para prestar depoimento, a parte que a convocou deverá pagar as
539 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 177-178. 540 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 352.
despesas. Ademais, a expressão “colaborar com o Poder Judiciário” (art. 339, CPC) não
alcança eventuais prejuízos que a testemunha, que não é parte, possa vir a sofrer.
Quanto ao comparecimento das testemunhas em audiência, em quaisquer dos ritos
utilizados na Justiça do Trabalho - ordinário, sumário (Lei nº. 5.584/70) ou sumaríssimo (Lei
nº. 9.957/2000)- não há a obrigatoriedade de depositar o rol de testemunhas previamente,
conforme regra insculpida no art. 407 do CPC, que determina o depósito do rol de
testemunhas 10 dias antes da audiência, quando outro prazo não for fixado pelo juiz. O rito
sumário do CPC determina que as testemunhas sejam arroladas com a inicial (art. 276) ou, no
caso do réu, em contestação (art. 278). A CLT disciplina a matéria no art. 825, “caput” e
parágrafo único: “As testemunhas comparecerão à audiência independentemente de
notificação ou intimação. Parágrafo único. As que não comparecerem serão intimadas, ex-
officio, ou a requerimento da parte, ficando sujeitas à condução coercitiva, além das
penalidades do artigo 730, caso sem motivo justificado, não atendam à intimação”.
Semelhante dispositivo também pode ser encontrado no art. 852-H da CLT, que trata do
procedimento sumaríssimo na Justiça do Trabalho. Não havendo obrigatoriedade de
apresentação do rol das testemunhas, as partes deverão trazê-las, independentemente de
intimação. Caso a parte entenda ser necessária a intimação da testemunha, deverá requerê-la
ao juiz com antecedência suficiente para cumprimento da diligência. Na prática, o juiz do
Trabalho fixa o prazo para as partes arrolarem suas testemunhas caso haja necessidade de
intimação, sob pena de preclusão.
O procedimento especial instituído pela Lei 9.099/95 também dispensa o rol prévio
das testemunhas, devendo as partes apresentá-las independentemente de intimação. Caso haja
necessidade de intimação, o requerimento deverá ser apresentado em Secretaria com
antecedência mínima de 5 dias da audiência (art. 34).
O procedimento utilizado na Justiça do Trabalho tem como objetivo evitar que a
testemunha sofra pressões da parte adversa, interferindo no depoimento a ser prestado em
juízo. Se a não apresentação do rol de testemunhas dificulta a contradita da parte contrária,
por outro lado a testemunha encontra-se protegida de qualquer assédio que possa vir a sofrer
por ter sido indicada como testemunha.
O parágrafo único do art. 412 do CPC estabelece que a parte que se comprometer a
levar à audiência a testemunha, independentemente de intimação, e a mesma não comparecer,
presume-se que desistiu de ouvi-la. O mencionado artigo, todavia, não se aplica no foro
trabalhista, posto que o art. 825 da CLT é claro em afirmar que, se a testemunha convidada
não comparecer, será intimada ex offício ou a requerimento da parte, inclusive ficando sujeita
à condução coercitiva se, sem justo motivo, não atender à intimação, segundo Manoel
Antônio Teixeira Filho541. Ressalve-se, contudo, que ao juiz cabe a cautela de verificar o caso
concreto, não podendo tutelar eventual tentativa de adiamento da audiência provocada,
principalmente, pela parte ré, com intuito procrastinatório.
É possível, ainda, no processo do trabalho, acaso a parte tenha apresentado o rol de
testemunhas, substituí-las quando da instrução processual a seu livre critério, em nada sendo
aplicável o disposto no art. 408 do CPC, que somente permite a substituição de testemunha
previamente arrolada nos casos de falecimento, enfermidade que não lhe possibilite depor ou,
quando não for encontrada pelo oficial de justiça, por ter mudado de residência. 542
Quanto aos auxiliares da justiça, não há óbice que venham a ser arrolados como
testemunhas, conforme observou Eduardo Cambi543. Assim, os escrivães do cível, os diretores
541 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 354. 542 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 356. 543 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 173.
de secretaria das Varas do Trabalho, o perito, o oficial de justiça e demais servidores podem
ser arrolados como testemunhas.
A prova testemunhal, a princípio, é sempre admissível, desde que a lei não disponha
de modo diverso. Cabe à lei especificar os casos em que não se admitirá a inquirição de
testemunhas, nos termos do art. 400 do CPC: “A prova testemunhal é sempre admissível, não
dispondo a lei de modo diverso. O juiz indeferirá a inquirição de testemunhas sobre fatos: I -
já provados por documento ou confissão da parte; II - que só por documento ou por exame
pericial puderem ser provados”. Trata-se do princípio da admissibilidade da prova
testemunhal, que comporta raras exceções.
Nos exatos termos do artigo acima, pode-se encontrar na CLT diversos dispositivos
que impedem, a princípio, a utilização de prova testemunhal, apontados por alguns
doutrinadores: a) fixação de horário de trabalho (CLT, art. 74, § 1º); b) horário de entrada, de
saída e de intervalo para repouso, no caso de estabelecimento com mais de dez empregados
(CLT, art. 74, § 2º); c) jornada de trabalho quando os serviços forem prestados fora do
estabelecimento (CLT, art. 74, § 3º); d) concessão de férias (CLT, art. 135); e) prorrogação da
jornada de trabalho (arts. 59, 60, 61 e §§); pagamento de salários (CLT, art. 464) etc. Tais
dispositivos são expressos ao exigirem prova documental, a cargo do empregador, para que
suas alegações sejam acolhidas544. Nesses casos, bem como nos demais casos que a lei exige
prova documental, há presunção favorável à parte que não fica encarregada de documentar as
relações fáticas. Porém, para o referido autor, deve-se rejeitar o pedido de provas sobre fatos
para os quais a lei impõe forma escrita, entendimento que não se sustenta diante do princípio
constitucional do direito à prova.
No entanto, as normas em apreço devem ser consideradas como determinantes de
presunção relativa e não absoluta, ainda que a lei imponha forma escrita a certos atos, posto
544 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 361.
que as restrições à prova testemunhal não devem ser absolutas nesses casos, em especial nas
relações trabalhistas, em que predomina a informalidade. Como fartamente observado nesta
pesquisa, o direito à prova é constitucional e não poderá ser limitado por normas
infraconstitucionais.
Com relação aos documentos, uma vez apresentados e havendo indícios de que não
contêm a livre manifestação de vontade de uma das partes, deve o magistrado trabalhista, de
ofício ou a requerimento de uma das partes, valer-se do princípio inquisitivo disposto no art.
765 do diploma consolidado, pois o disposto no art. 400, I, tem presunção relativa.
Como já mencionado, tanto a confissão espontânea como a provocada são reais,
concretas e possuem efeitos praticamente absolutos, mas admitem prova em contrário. A
confissão ficta é tácita, pois que inexpressa, envolvendo uma ficção, que gera presunção
relativa de veracidade dos fatos. Portanto, a confissão induz presunção relativa e não absoluta,
podendo ser elidida por prova testemunhal, devendo a parte requerê-la ou, conforme o caso, o
juiz de ofício produzi-la (art. 765 da CLT).
Existem fatos cuja ocorrência somente a perícia é capaz de identificar com precisão
como é a insalubridade e a periculosidade. Nesses casos, a prova testemunhal é inócua, pois
que o conhecimento técnico e a presença física do perito no local indicado como insalubre ou
perigoso é indispensável (CPC, art. 195, § 2º). Os acidentes de trabalho, salvo raras exceções,
exigem a prova pericial, tanto para estabelecer a existência do nexo técnico como do nexo
causal do infortúnio, inclusive para mensurar a real extensão do dano. Nada impede, todavia,
que a prova pericial seja complementada pela prova testemunhal, pois as informações das
testemunhas quanto ao ambiente de trabalho e demais procedimentos na realização dos
serviços podem ser de substancial importância para convencimento do magistrado.
Quanto ao contrato de trabalho, há norma específica na CLT, dispondo o art. 443,
caput, que “o contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressamente,
verbalmente ou por escrito e por prazo determinado ou indeterminado”, o que determina que o
contrato de trabalho admite prova testemunhal independentemente do valor contratado, pois
que pode ser tácito e verbal, não se aplicando o art. 401 do CPC, que não admite prova
exclusivamente testemunhal nos contratos cujo valor exceda o décuplo do maior salário
mínimo vigente. Aliás, a interpretação rígida do dispositivo também não encontra amparo na
doutrina civilista, pois “quando a lei não exige forma especial, deve ser admitida a prova
testemunhal, não se devendo interpretar de modo rígido a regra contida no art. 401 do CPC,
sob pena de ocorrerem injustiças” 545. Incluem-se nesse entendimento também os contratos de
trabalho firmados com empreiteiros e prestadores de serviços, sem vínculo de emprego, cuja
competência para julgamento pertence à Justiça do Trabalho.
José Miguel Garcia Medina, ao discorrer sobre as orientações doutrinárias e
jurisprudências do art. 401 do CPC (critério restritivo, ampliativo e intermediário),
demonstrou a falibilidade do dispositivo, por impedir a justa solução do conflito, sugerindo
proposta de lege ferenda:
A nosso ver, a melhor solução para a resolução dos problemas aventados é a modificação de lege ferenda do art. 401 do CPC. Data maxima venia, deveria ser adotado sistema semelhante ao do Código Civil italiano (art. 2.721). Assim sendo, o art. 401 do CPC passaria a ter a seguinte redação: ‘Art. 401. A prova exclusivamente testemunhal só se admite nos contratos cujo valor não exceda o décuplo do maior salário mínimo vigente no país, ao tempo em que foram celebrados. Parágrafo único. Poderá o Juiz, todavia, admitir a produção de prova testemunhal quando o contrato for de valor superior ao indicado neste artigo, considerando-se a aptidão das partes ou a natureza do contrato’. Evidentemente, a decisão do Juiz, deferindo ou indeferindo a produção da prova testemunhal, deverá ser fundamentada, sob pena de nulidade (CF, art. 93, IX). 546
A testemunha é ouvida normalmente na audiência de instrução. Pode ocorrer,
contudo, que haja necessidade de ser ouvida antecipadamente (art. 410, I, do CPC), desde que
545 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 210. 546 MEDINA, José Miguel Garcia. Admissibilidade da prova testemunhal: questões sobre o artigo 401 do código de processo civil. Revista dos Tribunais. São Paulo. Vol.90. n.784. fev. 2001, p. 66
se prove o motivo justo (art. 847 do CPC) para que seja ouvida antes da audiência ou até
mesmo antes da propositura da ação. O motivo há que ser relevante (moléstia grave, idade,
etc), devendo a parte interessada utilizar-se do procedimento cautelar do CPC (art. 846 a
851).547
O art. 407, parágrafo único do CPC, estabelece que a parte pode oferecer até 10
testemunhas, sendo no máximo 3 testemunhas para cada fato. A CLT dispensa a aplicação do
CPC, pois que tem norma específica no art. 821: “Cada uma das partes não poderá indicar
mais de três testemunhas, salvo quando se tratar de inquérito, caso em que esse número
poderá ser elevado a seis”. Para o rito sumaríssimo da Justiça do Trabalho há previsão para
que a parte indique no máximo duas testemunhas (art. 852-H da CLT). A lei 9.099/95, do
Juizado Especial Cível, admite no máximo três testemunhas (art. 34).
Embora a lei estabeleça o número máximo de testemunhas, não está o juiz obrigado a
submeter-se aos estritos termos da lei. Há que se ter presente que o número de testemunhas
permitido na Justiça do Trabalho (três no rito ordinário, duas no rito sumaríssimo e seis na
ação para apuração de falta grave) pode sofrer alteração em casos específicos, valendo-se o
magistrado do princípio inquisitivo consagrado no art. 765 da CLT. Pode o juiz indeferir a
oitiva de uma ou mesmo duas das três testemunhas se entender desnecessário o depoimento.
A parte também pode requer a oitiva da quarta testemunha quando o fato a ser apurado fica
impossibilitado de ser provado somente por três testemunhas, especialmente quando o
trabalho se desenvolveu em locais diversos.
O critério adotado pelo CPC e pela CTL não deve ser interpretado literalmente, pois
tanto poderá dificultar o direito à prova, garantido constitucionalmente, motivo pelo qual “o
legislador brasileiro não deveria ter fixado um número aleatório de testemunhas a serem
ouvidas, mas simplesmente trazer uma regra genérica permitindo ao juiz dispensar a oitiva
547 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 363-364.
das testemunhas que entendesse desnecessárias (supérfluas) à elucidação dos fatos
controvertidos” 548. O que buscou o legislador foi imprimir celeridade ao processo, evitando-
se ao máximo a oitiva de testemunhas desnecessárias.
No processo do trabalho, tem-se entendido que, em havendo mais de um réu, poderá
cada um deles indicar o máximo de três ou duas testemunhas, conforme o rito utilizado. Já no
caso de haver mais de um autor não se permite que cada um indique o número máximo de
testemunhas, uma vez que, além da causa petendi ser a mesma, houve uma renúncia a esse
direito na medida em que os autores optaram pela reclamatória plúrima. 549
Pode, ainda, ser necessária a oitiva das testemunhas referidas, quando relevante para
o esclarecimento dos fatos, não incluídas na limitação estabelecida pela lei. Além disso, a
testemunha única pode ter valor probante superior a três testemunhas ouvidas pela parte
contrária, posto que a valoração é qualitativa e não quantitativa550, pois os depoimentos das
testemunhas devem ser pesados e não contados, na medida em que o sistema brasileiro adotou
o princípio da persuasão racional do Julgador (art. 131 do CPC) e não o sistema legal ou
positivo, em que as provas eram tarifadas e inflexíveis.
A limitação ao direito à prova somente se justifica para “evitar a repetição
desnecessária dos depoimentos que, além de não contribuírem para a melhor instrução da
causa, teriam o efeito de tornar mais morosa a prestação jurisdicional”. 551
Dispõe o art. 413 que “O juiz inquirirá as testemunhas separada e sucessivamente;
primeiro as do autor e depois as do réu, providenciando de modo que uma não ouça o
depoimento das outras”. Na CLT não há previsão sobre a ordem da oitiva das testemunhas,
motivo pelo qual fica autorizada a aplicação subsidiária do CPC. Embora a ordem seja
548 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 142. 549 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 366. 550 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 141. 551 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 144.
primeiro ouvir as testemunhas do autor e depois as do réu, nada impede que o magistrado, se
assim entender, inverta essa ordem preestabelecida, fazendo uso do princípio inquisitivo (art.
765 da CLT). O que não pode é o magistrado ouvir as testemunhas em dias diferentes, o que
facilitaria a comunicação entre elas. A CLT também determina que uma testemunha não ouça
o depoimento da outra (art. 824). Trata-se do princípio da incomunicabilidade, devendo o juiz
observar, ainda, que tal princípio não se aplique na hipótese de carta precatória ou rogatória,
inquirição antecipada e testemunhas referidas. Na prática, ouve-se, primeiramente, as
testemunhas do autor e depois as do réu, exceto quando se tratar de justa causa por falta grave
do empregado, quando são ouvidas primeiramente as do réu, encarregado da prova, na correta
interpretação do art. 818 da CLT. 552
Nos termos do art. 828 da CLT, “Toda testemunha, antes de prestar o compromisso
legal, será qualificada, indicando o nome, nacionalidade, profissão, idade, residência, e,
quando empregada, o tempo de serviço prestado ao empregador, ficando sujeita, em caso de
falsidade, às leis penais”. A qualificação quanto ao tempo de serviço prestado ao empregador
é importante para que o magistrado situe-se no tempo e local, facilitando a condução da
audiência. Referido dispositivo celetista pode ser combinado com o art. 414 do CPC. Uma
vez qualificada, surge o momento oportuno para a parte contraditar a testemunha
(incapacidade, impedimento ou suspeição), que deve ser feito antes de prestar o compromisso
legal (art. 414, §1º do CPC). A parte que contraditou pode requer a produção de provas, o
que acarretará o adiamento da audiência no processo do trabalho para a apuração da
contradita, posto que as testemunhas não são previamente arroladas553. Caso as testemunhas
tenham sido previamente arroladas, a prova da contradita deverá ser feita de imediato, na
552 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 369. 553 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 372.
própria audiência. Comprovada a contradita cabe ao juiz dispensar a testemunha ou ouvi-la
como informante (art. 405, § 4º). Se, no depoimento que está sendo prestado, o juiz verificar
que a testemunha tem um dos motivos que a impedem de depor, deverá descompromissá-la,
podendo aproveitar as declarações já feitas na condição de informante. Sobre a contradita,
doutrina Eduardo Cambi:
A contradita é realizada pela parte e deve ser levantada logo após a qualificação da testemunha, com o objetivo de evitar a realização do depoimento. Contudo, no momento da qualificação da testemunha, além de o juiz perguntar o seu nome, sobrenome, estado civil e profissão, é conveniente que questione se tem algum interesse na solução da causa (v.g. se possui relação de parentesco ou afinidade com alguma das partes), podendo de ofício proferir juízo de admissibilidade negativo em relação à testemunha, caso se convença da desnecessidade do seu depoimento para a elucidação dos fatos controvertidos. No entanto, nem sempre a causa da incapacidade, impedimento ou suspeição da testemunha pode ser conhecida antes do seu depoimento. Destarte, quando essas causas forem conhecidas durante a inquirição da testemunha, é possível ser argüida até o término do depoimento; após o seu encerramento, ocorre a preclusão da faculdade de a parte contraditar a testemunha. 554
Da decisão da contradita não cabe recurso no processo do trabalho, pois trata-se de
decisão interlocutória, devendo a parte postular a reforma da decisão, se for o caso, quando da
interposição de recurso ordinário. Qualificada a testemunha e não havendo contradita, a
mesma deve prestar compromisso de dizer a verdade, a par de receber a advertência de que
incorrerá em sanção penal no caso de falsidade (art. 415 do CPC), podendo, inclusive, ser
mencionado que a pena aplicável é de reclusão 1 a 3 anos e multa (art. 342 do CP).
Após ouvir as partes, fixam-se os pontos controvertidos (art. 451, CPC). No processo
do trabalho, a fixação dos pontos controvertidos não é tarefa nada fácil, pois a variedade de
pedidos interligados e interdependentes podem tornar inócua qualquer tentativa. Não é à toa
que, na instrução processual trabalhista, juizes e partes sequer cogitam esta possibilidade. O
depoimento será sempre oral, exceto para o surdo-mudo, cabendo ao juiz interrogar a
554 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 157.
testemunha. A inquirição é feita pelo juiz, responsável que é pela direção da audiência. Ao
magistrado cabe-lhe deferir e/ou indeferir perguntas, além de observar de perto as reações das
testemunhas, o que poderá ajudar no convencimento do julgador (princípio da imediação).
Com o objetivo de esclarecer ou completar o depoimento as partes também poderão formular
perguntas, através do juiz, cabendo primeiro à parte que arrolou e depois à parte contrária (art.
416 do CPC). É a chamada repergunta que, na concepção jurídica, significa “nova inquirição
da testemunha pelo advogado da parte contrária”. 555
Todas e quaisquer perguntas impertinentes, capciosas ou vexatórias serão indeferidas
(CPC, 416, §1º). As perguntas indeferidas deverão ser obrigatoriamente transcritas, se a parte
o requerer (CPC, 416, § 2º). Terminado o depoimento a ata será assinada pelo juiz, pela
testemunha e pelos procuradores (art. 417, CPC), facultando-se às partes a gravação do
depoimento. Por fim, quando houver divergências relevantes entre as testemunhas, ou entre
estas e a parte, é possível ordenar de ofício ou a requerimento a acareação, nos termos do art.
418 do CPC. 556
5.21 Prova pericial
Existem certos fatos cujo esclarecimento exige conhecimentos técnicos ou
científicos, uma vez que a precisão só é possível por meio de perícias minuciosas, através de
pessoas que conhecem profundamente o assunto, denominados peritos. O laudo pericial não é
prova, mas sim um meio de prova, posto que o juiz não está obrigado a acatá-lo; serve para
555 HOUAISS, Antônio. Dicionário eletrônico da língua portuguesa. 2001. Versão 1.0. 1 CD-ROM. 556 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 378-380.
seu convencimento motivado, mesmo porque o perito é um auxiliar do juiz e em nenhum
momento pode substituí-lo em suas funções jurisdicionais. A perícia ocorre quando não é
possível nem mesmo por inspeção judicial elucidar os fatos, ou seja, o juiz desconhece a
natureza técnica ou científica de certos fatos. O perito apenas traduz os fatos ao juiz,
substituindo-o apenas na percepção dos fatos (perito perceptivo); o perito não se confunde
com a testemunha; esta narra fatos que ficaram retidos em sua memória, que servirão para
uma apreciação histórica dos acontecimentos, não se exigindo, por isso, que narre com
absoluta fidelidade fatos que ocorreram há vários anos. Já o perito deve constatar o estado
atual da coisa ou objeto, utilizando-se de seus conhecimentos técnicos e científicos para
traduzir os fatos. 557
Para Nelson Nery Junior, “o objeto da prova pericial é o fato ou os fatos que foram
alegados na inicial ou na contestação que careçam de perícia para sua cabal demonstração. Se
a alegação do fato surgiu durante o processo, de forma fugaz e pouco consistente, apenas
como recurso de retórica, não pode ter o condão de impor a necessidade de produção de
prova”. 558
Como já mencionado, “o juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar a
sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos” (art. 436 do CPC). Tal
entendimento decorre do princípio da persuasão racional (art. 131 do CPC). Todavia, não
pode o magistrado negar um laudo que demonstra científica e logicamente os fatos.
Contudo, o simples fato de o juiz deter conhecimento técnico, não justifica o
indeferimento da perícia ou rejeição do laudo pericial, pois o livre convencimento motivado
deve estar aliado ao conhecimento técnico e científico restrito a profissionais da área. Eduardo
557 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 384-385. 558 NERY JUNIOR, Nelson; ANDRADE NERY, Rosa Maria. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 9. ed. São Paulo: RT, 2006, p. 565.
Cambi, em citação a José Manoel de Arruda Alvim Netto, destacou que a ausência de
nomeação de perito habilitado pode gerar a nulidade absoluta da decisão, pois há violação à
garantia constitucional do contraditório:
Além disso, a perícia é feita para o processo, e não para o juiz. Mesmo que este possua conhecimentos técnicos, tem o magistrado o dever de nomear perito toda vez que tais conhecimentos escapem à cultura média dos juízes. A possibilidade de o magistrado se valer do seu próprio conhecimento técnico, não nomeando peritos, representaria violação à garantia constitucional do contraditório, gerando a nulidade absoluta da decisão. Os conhecimentos técnicos dos peritos são dados relevantes para o julgamento da causa e, por isso, devem estar documentados nos autos, permitindo o seu controle pelas partes (e seus respectivos assistentes técnicos), além de servirem para o exame da correta ou incorreta valoração da prova pelos demais órgãos julgadores, na eventualidade de haver a interposição de recursos. 559
A prova pericial está sistematizada no CPC (arts. 420 a 439), fazendo também a CLT
a ela algumas referências (arts. 195, § 2º, 827, 848, § 2º). Além disso, há previsão de exames
periciais na Lei 5.584/70, art. 3º, da Lei 5.584/70 (Lei da Assistência Judiciária na Justiça do
Trabalho).
A lei prevê três modalidades de prova pericial: exame, vistoria e avaliação (art. 420
“caput” do CPC). A enumeração, contudo, é meramente exemplificativa, e permite outras
modalidades periciais, nos termos do art. 332 do CPC560.
O exame consiste em inspecionar pessoas, coisas móveis ou semoventes. A análise
ou investigação pode dar-se em assinaturas, escritas contábeis, documentos etc. É a perícia
mais comum no processo trabalhista. A vistoria serve para a inspeção de imóveis (terrenos,
prédios) e isso a difere do exame. A avaliação consiste em atribuir ou estimar um valor
monetário às coisas (móveis ou imóveis) e aos direitos e obrigações. 561
A perícia pode ser judicial ou extrajudicial. A primeira é a mais comum e refere-se
a processos ajuizados, sendo determinadas de ofício ou a requerimento de uma das partes. A
559 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 235. 560 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 244. 561 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 387.
perícia extrajudicial é pouco utilizada, podendo ser encontrada no art. 195, § 1º da CLT562. O
requerimento é dirigido a Órgão externo do Judiciário e uma vez formalizada a perícia, a
mesma terá valor probante muito forte, caracterizando-se como prova pré-constituída. A parte
insatisfeita com a conclusão pericial poderá requerer, em juízo, outra perícia. 563
Como regra, a perícia é facultativa, ou seja, dependerá do requerimento da parte ou
da iniciativa do juiz. No processo do trabalho, porém, pode-se afirmar que as partes e o juiz
não poderão dispensar a perícia quando necessário apurar a insalubridade ou a periculosidade,
nos termos do art. 195, §2º da CLT564. Como se observa no artigo supramencionado, há uma
imposição legal ao juiz para que a perícia seja designada quando argüida insalubridade ou
periculosidade, não podendo o magistrado valer-se do princípio inquisitivo para eximir-se da
realização da perícia.
A obrigatoriedade da perícia, embora amparada em lei, nem sempre é pacífica,
encontrando obstáculos em outros dispositivos legais. Há casos em que a exclusão é
necessária, ainda que o requerimento a torne obrigatória nos termos do parágrafo único do art.
420 do CPC565. Desde que o juiz fundamente a decisão, o indeferimento da perícia nesses
casos não implica “cerceamento de defesa ou injusta limitação do direito à prova, porque sua
decisão está em consonância como o art. 5º, inc. XXXV, CF, que caracteriza a garantia de
acesso à ordem jurídica justa, incluindo o direito à tutela jurisdicional célere, adequada e
efetiva”. 566
562 Art. 195, § 1º da CLT: “É facultado às empresas e aos sindicatos das categorias profissionais interessadas requererem ao Ministério do Trabalho a realização de perícia em estabelecimento ou setor deste, com o objetivo de caracterizar e classificar ou delimitar as atividades insalubres ou perigosas”. 563 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 388. 564 Art. 195, §2º da CLT: “Argüida em juízo insalubridade ou periculosidade, seja por empregado, seja por Sindicato em favor de grupo de associados, o juiz designará perito habilitado na forma deste artigo, e, onde não houver, requisitará perícia ao órgão competente do Ministério do Trabalho”. 565 Art. 420, parágrafo único, CLT. “Parágrafo único. O juiz indeferirá a perícia quando: I - a prova do fato não depender do conhecimento especial de técnico; II - for desnecessária em vista de outras provas produzidas; III - a verificação for impraticável”. 566 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 244.
Analisando-se o parágrafo único do art. 420 do CPC, pode-se afirmar que, no
primeiro caso, a exclusão dá-se quando a prova pericial é suprida por documentos ou
testemunhas. No segundo caso, é desnecessária a perícia porque a prova já foi produzida de
outra forma, mas a contento, sendo inútil e procrastinatória qualquer argüição nesse sentido.
No terceiro e último caso, ainda que exigível a prova pericial, a mesma é indeferida por ser
impossível sua realização, posto que o objeto da perícia não existe mais, tornando
impraticável a verificação (prédios demolidos, documentos destruídos, etc.). 567
O art. 427 do CPC também dispensa a prova pericial quando as partes apresentarem
pareceres técnicos ou documentos elucidativos, suficientes ao convencimento do magistrado,
podendo, inclusive, fazerem uso da prova emprestada, constante em laudos técnicos
realizados em outro processo.
Requerida a perícia, a mesma deverá ser deferida no momento oportuno, podendo ser
na audiência inicial ou na audiência de prosseguimento, a critério do juiz, dependendo do caso
concreto, como melhor lhe aprouver. A caracterização e a classificação da insalubridade e da
periculosidade deverão ser feitas por Médico do Trabalho ou Engenheiro do Trabalho,
registrados no Ministério do Trabalho, nos termos do “caput” do art. 195 da CLT. No que se
refere à realização do laudo pericial, os dois profissionais acima mencionados poderão ser
designados para a realização da perícia, pois o art. 195 não faz qualquer distinção, conforme
entendimento da OJ-SDI-I 165 do TST568. Com relação às perícias destinadas à averiguação
de acidentes de trabalho, há que se fazer uma ressalva, devido às atribuições inerentes à
profissão. O Médico do Trabalho é profissional ligado à área de saúde com especialização em
medicina e segurança do trabalho. O Engenheiro do Trabalho, ou Engenheiro de Segurança do
567 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 390-391. 568 OJ-SDI-I 165: “Perícia. Engenheiro ou Médico. Adicional de Insalubridade e Periculosidade. Válido. Art. 195, da CLT. O art. 195 da CLT não faz qualquer distinção entre o médico e o engenheiro para efeito de caracterização e classificação da insalubridade e periculosidade, bastando para a elaboração do laudo seja o profissional devidamente qualificado. (23.03.1999)”.
Trabalho, é profissional da engenharia, com especialização em segurança do trabalho.
Enquanto o Médico do Trabalho fará o diagnóstico através de exames realizados diretamente
na vítima, o Engenheiro do Trabalho analisará o local do trabalho para verificar o
cumprimento das normas de segurança. O Médico do Trabalho, encontrando-se habilitado,
poderá realizar as duas perícias, não ocorrendo o mesmo com Engenheiro do Trabalho, pois a
especialização em segurança do trabalho não comporta conhecimentos específicos de
medicina. Com as informações constantes nas duas perícias (perícia médica e perícia técnica),
o juiz terá subsídios suficientes para o julgamento, ficando autorizado ainda a requisitar novas
perícias e a formular quesitos.
A perícia contábil deve ser realizada por contador e não por técnico em contabilidade
(art. 25, Dec.-lei nº. 9.295/46 e Resol. nº. 96/58 do CFC). Ressalve-se, contudo, que a
liquidação da sentença que envolve somente cálculos aritméticos não é perícia contábil, mas
sim um levantamento de dados já contabilizados nos documentos juntados aos autos, pelo que
os cálculos de liquidação efetuados na Justiça do Trabalho poderão ser feitos por qualquer
profissional, não havendo necessidade da diplomação na área contábil. 569
O perito nomeado não mais presta o compromisso legal, porém deverá exercer sua
função com lealdade e imparcialidade (art. 422 do CPC). Não tem aplicabilidade, portanto, o
disposto no art. 827 da CLT, que sugere o compromisso das testemunhas, pois a regra prevista
no CPC coaduna-se com os princípios modernos que regem o processo do trabalho. Quanto
aos assistentes técnicos, estes poderão ser parciais, uma vez que de confiança da parte, não
estão sujeitos a impedimento ou suspeição. Todavia, estão sujeitos às regras processuais que
determinam a atuação no feito com lealdade e boa-fé.
No ato do deferimento da perícia, será nomeado perito, fixando-se, desde logo, o
prazo para a entrega do laudo, conforme a complexidade da perícia, podendo as partes indicar
569 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 393.
assistente técnico e formular quesitos, no prazo preclusivo de 5 dias (art. 421 do CPC).
Porém, durante a diligência (até o início da realização da perícia), as partes poderão formular
quesitos suplementares (art. 425 do CPC), desde que apresentados os quesitos principais no
prazo de 5 dias. Ao juiz compete indeferir quesitos impertinentes, podendo, inclusive,
formular os que entender necessários ao esclarecimento da causa (art. 426 do CPC). 570
Determinada a data e o local da perícia, que poderão ser designados pelo juiz ou
indicados pelo perito, as partes deverão ter ciência do início da produção da prova (art. 431-A,
do CPC). Caso a perícia seja complexa e compreenda mais de uma área de conhecimento
especializado, o juiz nomeará mais de um perito e as partes poderão indicar mais de um
assistente técnico (art. 431-B, do CPC). A indicação concomitante de mais de um perito e
assistente técnico “serviu para modernizar a prova pericial, diante do cada vez mais rápido
processo de desenvolvimento científico e tecnológico, ocorrido em inúmeros campos do
saber, como a medicina, a biologia, a informática, a economia etc”. 571
Dúvidas surgem quanto à exigência do depósito parcial e prévio para a elaboração da
perícia, ainda que a parte seja beneficiária da justiça gratuita (art. 789 da CLT) ou da
assistência judiciária (art. 14 da Lei 5.584/70). A exigência prévia decorre dos Arts. 19 e 33
do CPC, que determinam a antecipação do pagamento dos atos que as partes requererem. Para
Manuel Antonio Teixeira Filho essa antecipação de honorários não pode ser imposta aos
litigantes, embora vise motivar o perito. Segundo o referido autor, os artigos
supramencionados não se aplicam ao processo do trabalho, por incompatíveis, pois vigora na
esfera trabalhista o princípio da gratuidade do procedimento, ferindo o direito líquido e certo
570 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 394-395. 571 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 238.
da parte requerente (geralmente o autor), podendo o ato ser atacado por mandado de
segurança ou por intermédio de reclamação correcional. 572
Primeiramente, há que se destacar que os profissionais não estão obrigados a
trabalhar sem a devida remuneração e, na prática, quando não há antecipação parcial dos
honorários periciais, o profissional se escusa de realizar a perícia. O juiz não pode exigir dos
peritos a realização de perícia sob o fundamento de que todos devem colaborar com o Poder
Judiciário (art. 339 do CPC). Considerando a elasticidade que se pretende dar ao dispositivo
para atribuir a terceiro ônus que não lhe cabe suportar, tal obrigação também alcançaria, com
mais razão, os procuradores das partes e, quiçá, o julgador que, a título de “colaboração”,
poderiam fazer frente às despesas periciais, sem que isso represente afronta aos princípios
básicos de direito. Os vencimentos do magistrado e os honorários dos procuradores das partes
são verbas alimentares como também o são os honorários dos peritos, não havendo
justificativa para essa imposição de trabalhos forçados. Contudo, há inúmeras decisões de
juízes e tribunais que não concedem remuneração aos peritos.
A Lei 10.537/2002 acrescentou o art. 790-B da CLT para determinar que “A
responsabilidade pelo pagamento dos honorários periciais é da parte sucumbente na pretensão
objeto da perícia, salvo se beneficiária de justiça gratuita”.
Embora a lei isente do pagamento o beneficiário da justiça gratuita, não disciplinou a
questão alusiva à remuneração do perito que, na condição de terceiro, não pode ser obrigado a
realizar trabalho gratuito. Nesse aspecto, nada alterou com relação ao pagamento de
honorários ao perito, pois sendo a parte beneficiária da justiça gratuita, o expert não será
contraprestacionado pelos trabalhos prestados.
Com a ampliação de competência da Justiça do Trabalho, determinada pela Emenda
Constitucional nº. 45/2004, o Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (Paraná) editou o
572 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 397.
Provimento SGP/COORG 0001/2006, garantindo ao trabalhador hipossuficiente o direito de
requer perícia às expensas do Estado573. No entanto, o valor a ser arbitrado pelo juiz não
poderá ultrapassar a importância de R$500,00 (quinhentos reais). Considerando a
complexidade dos laudos periciais, a eventual necessidade de realização de duas perícias em
acidente o trabalho (médica e técnica) e a exigência de elevado grau de conhecimento dos
peritos, pode-se concluir que os profissionais da referida área, quando se tratar de perícias ao
abrigo da justiça gratuita, não terão interesse em prestar esses serviços.
Realizada a perícia há que se verificar a qual parte cabe o pagamento integral dos
honorários periciais fixados em sentença, porquanto somente houve um adiantamento parcial
da parte que requereu a perícia. O entendimento majoritário atribui à parte sucumbente o
pagamento da perícia, ainda que beneficiária da justiça gratuita ou da assistência judiciária,
reembolsando o valor eventualmente antecipado. A sucumbência refere-se somente à perícia,
conforme dispõe a Súmula 236 do TST: “Honorários Periciais – Responsabilidade. A
responsabilidade pelo pagamento dos honorários periciais é da parte sucumbente da pretensão
relativa ao objeto da perícia”. Sendo o autor beneficiário da justiça gratuita e sucumbente na
perícia, far-se-á a remuneração do perito, doravante, pelo disposto no Provimento
SGP/COORG 0001/2006, do TRT da 9ª Região, conforme acima mencionado. Em que pese a
limitação de valores, reconhece-se o aspecto positivo da medida, que poderá ser aperfeiçoado
no decorrer do tempo.
Cabe ao perito escusar-se do encargo, alegando motivo legítimo (art. 146 do CPC),
no prazo de 5 dias contados da intimação, sob pena de renunciar ao direito de alegar a escusa.
Vale lembrar que a missão do perito é voluntária, ao contrário das testemunha que têm o
dever de comparecer em juízo e prestar depoimento574. Poderá também ser recusado por
573 Disponível em: <www.trt9.gov.br>. Acesso em: 14 fev 2007. 574 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 236.
impedimento ou suspeição (art. 138, III do CPC). No caso da escusa ser aceita ou julgado
procedente o impedimento ou suspeição, o juiz nomeará outro perito (art. 423 do CPC).
Além da escusa e da recusa, o perito poderá ser substituído quando lhe faltar
conhecimento técnico ou científico ou quando, sem motivo legítimo, deixar de cumprir o
encargo no prazo assinado, nos termos do art. 424 do CPC. Neste último caso, o juiz poderá
impor uma multa, além da comunicação da ocorrência à corporação profissional (art. 424,
parágrafo único do CPC). A escusa, a recusa e a substituição servem somente para o perito,
visto que o assistente técnico é da confiança da parte que o indica, sendo admitida sua
parcialidade.
Para facilitar o trabalho e minimizar os custos, quando a perícia tiver que ser
realizada por carta precatória ou rogatória, faculta-se a nomeação de perito e indicação de
assistentes técnicos no juízo deprecado (art. 428 do CPC). Mesmo realizada em juízo
incompetente não há que se falar em invalidade da perícia, pois não é ato decisório para fins
do art. 113, §2º do CPC. 575
Tanto o perito como o assistente têm ampla liberdade quando da realização da
diligência pericial, utilizando-se de todos os meios necessários, solicitando documentos das
partes ou de repartições públicas, instruindo o laudo com plantas, desenhos, fotografias e,
inclusive, ouvindo testemunhas como informantes (art. 429, CPC). Havendo recusa no
fornecimento dos documentos solicitados às partes ou às repartições públicas, o fato deverá
ser comunicado ao juiz para que determine a exibição. 576
Há casos em que o empregador, ciente de que será realizada perícia investigatória de
insalubridade, periculosidade ou relacionada a acidente de trabalho, modifica o estado de fato
575 NERY JUNIOR, Nelson; ANDRADE NERY, Rosa Maria. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 9. ed. São Paulo: RT, 2006, p. 570. 576 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 404-405.
do local onde o exame será efetuado. Tal atitude pode ser enquadrada como crime contra a
administração da Justiça (art. 347 do CP). Para retornar ao estado anterior (status quo ante),
deve o autor valer-se de um procedimento específico denominado de Ação Cautelar de
Atentando (art. 879, III do CPC), objetivando o restabelecimento do estado anterior, a
suspensão da causa principal e a proibição de o réu falar nos autos até a purgação do atentado
(art. 881 do CPC). 577
Porém, havendo fundado receio de que a realização da perícia possa tornar-se
impossível, cabe à parte requer a produção antecipada de prova (Arts. 846 “usque” 851 do
CPC) através da Ação Cautelar de Produção de Prova Antecipada, devendo propor a ação
principal no prazo de 30 dias, caso não tenha sido ajuizada (art. 806 do CPC). No processo do
trabalho não há a necessidade de prestar a caução exigida pelo art. 804 do CPC. A prova
pericial antecipada seguirá as mesmas regras estabelecidas nos art. 420 a 439 do CPC. 578
O perito deverá apresentar o laudo dentro do prazo marcado, podendo haver
prorrogação, por uma única vez (art. 432 do CPC). O prazo do perito também vale para o
assistente. Do laudo as partes serão intimadas, as quais, desejando esclarecimentos, poderão
requerer audiência com o perito e o assistente, formulando desde logo as perguntas, sob forma
de quesitos (art. 435 do CPC), observado o prazo de 5 dias antes da audiência. 579
Só haverá determinação para nova perícia, de ofício ou a requerimento da parte,
quando a matéria não estiver suficientemente esclarecida (art. 437 do CPC) 580, destinando-se
a corrigir eventual omissão ou inexatidão (art. 438 do CPC); porém, não tem o condão de
577 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 406. 578 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 416-417. 579 THEODORO JÚNIOR. Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 34. ed. vol. 1. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 424-425. 580 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 245.
substituir a primeira perícia, podendo ser apreciada o valor de uma e de outra (art. 439 do
CPC). 581
Quando houver indícios de falsidade ou falta de autenticidade de documentos, o
perito será escolhido, de preferência (não é obrigatório), entre os técnicos dos
estabelecimentos oficiais, remetendo-se ao órgão responsável os autos e demais materiais
coligidos (art. 434 do CPC). Este dispositivo admite que a perícia possa realizar-se tanto por
pessoa física quanto por pessoa jurídica582. Caso a perícia refira-se à autenticidade da letra ou
de firma, o perito poderá requisitar outros documentos existentes em repartições públicas, ou
requerer ao juiz que a pessoa a quem se atribuir a autoria do documento, lance em folha de
papel, mediante cópia ou ditado, dizeres diferentes, para fins de cotejo (art. 434, § único), o
que se denomina de padrões homógrafos. 583
5.22 Inspeção judicial
A CLT não faz qualquer referência à inspeção judicial, que é amplamente aplicável
ao processo do trabalho. Disciplinada nos art. 440 a 443 do CPC, trata-se de vistoria judicial
ou inspeção ocular, realizada pelo próprio juiz no decorrer do processo, não importando a
fase; pode ser deferida no despacho inicial ou após a audiência de instrução. Sempre que
houver necessidade de esclarecimentos dos pontos duvidosos da causa ou pretender o
581 THEODORO JÚNIOR. Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 34. ed. vol. 1. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 426. 582 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 237. 583 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003. p. 414.
magistrado, de antemão, tornar inócua qualquer pretensão probatória, por entender mais
eficiente a percepção pessoal, sem intermediários, deverá proceder à inspeção judicial.
Para Eduardo Cambi, “a inspeção judicial é o instrumento pelo qual o juiz, pessoal e
diretamente, isto é, sem intermediários (declarações orais ou escritas), examina pessoas e
coisas, com o objetivo de esclarecer as questões de fato duvidosas (art.440 do CPC)”. 584
A inspeção se dará em coisas ou pessoas, podendo ser de ofício ou a requerimento.
Tem caráter subsidiário e complementar. O juiz utilizar-se-á de suas percepções sensoriais
comuns, não se exigindo qualquer conhecimento técnico ou científico, apenas o conhecimento
ínsito às pessoas em geral. Nada impede, todavia, que o juiz seja assistido por um ou mais
peritos (art. 441 do CPC) a fim de melhor compreender os fatos. Nomeado o perito, as partes
também poderão indicar assistentes técnicos. 585
Como regra, a inspeção tem como objetivo constatar in loco a coisa ou pessoa, como
determina o art. 442 do CPC. Porém, se o objeto for pessoa ou coisa móvel, nada obsta que a
inspeção seja realizada na sede da Vara do Trabalho, a critério do magistrado. As partes
deverão ser intimadas acerca do dia, hora e local da inspeção, pois que é meio de prova, sendo
necessário oportunizar-lhes o contraditório. Cabe-lhes, ainda, o direito de assistir à inspeção,
prestando esclarecimentos e fazendo observações (art. 442, parágrafo único). A inspeção
poderá ser cumulada com a perícia, desde que ambas tenham sido determinadas, por razões de
ordem prática, realizadas pelo mesmo perito se necessário. 586
Tratando-se de atividade inerente ao juiz encarregado do processo, não pode ser
delegada a terceiros, como prevê o parágrafo único do art. 35 da Lei 9.099/95587. Mesmo
584 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 249. 585 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006,p. 251. 586 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 422-424. 587 Art. 35, Lei 9.099/95: “Quando a prova do fato exigir, o Juiz poderá inquirir técnicos de sua confiança, permitida às partes a apresentação de parecer técnico. Parágrafo único. No curso da audiência, poderá o Juiz, de ofício ou a requerimento das partes, realizar inspeção em pessoas ou coisas, ou determinar que o faça pessoa de sua confiança, que lhe relatará informalmente o verificado”.
excedendo os limites territoriais da jurisdição, o juiz deve “dirigir-se até o lugar onde a coisa
ou a pessoa se encontram, não tendo sentido a delegação dessa diligência ao juiz da comarca
em que estão a coisa ou a pessoa, uma vez que ela somente pode ser realizada pelo juiz
encarregado de julgar a causa, que é quem deve perceber, pelos próprios sentidos, os fatos”.588
Concluída a diligência, o juiz mandará lavrar auto circunstanciado, mencionando
nele tudo quanto for útil ao julgamento da causa, podendo ser instruído com desenho, gráfico
ou fotografias (art. 443 do CPC). O auto deverá ser assinado por todos os que se fizerem
presentes, cuidando o juiz para não lançar conclusões acerca do laudo, o que só poderá ser
feito com a prolação da sentença, pois estaria antecipando o julgamento. Nem sempre é
possível a lavratura do auto no local da inspeção. Nesses casos, o mesmo poderá ser elaborado
em ato contínuo, na Secretaria da Vara do Trabalho, utilizando-se os apontamentos feitos
durante a inspeção ocular. 589
5.23 Presunções e indícios
As presunções e indícios podem ser classificadas como provas indiretas ou
circunstanciais. Configuram fatos que, pelas circunstâncias do caso concreto, conduzem à
dedução de algum ato. Discute-se, contudo, se são meios de prova ou mero resultado de
raciocínio lógico e deduções.
Manoel Antonio Teixeira Filho defende que indícios e presunções não são meios de
prova. Com fundamento na doutrina de João Monteiro, destaca que o raciocínio chega à
verdade por um dos dois caminhos lógicos: direta ou indiretamente. O caminho direto
588 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 252. 589 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 424.
independe de raciocínio, posto que o resultado é imediato, não havendo mediação entre o fato
conhecido (prova objetiva) e a certeza ou não de sua existência (prova subjetiva), ou seja, não
há qualquer outro instrumento de prova entre os dois fatos: o probante (fato conhecido) e o
probando (fato litigioso). Enquanto na forma direta chega-se à verdade iniciando-se através de
um fato conhecido (fato probante), na forma indireta chega-se à verdade através de um fato
ligado a esse fato conhecido, uma vez que este permanece silencioso com relação ao fato
litigioso (fato probando), ou seja, há a necessidade de se criar um raciocínio entre os dois
fatos para se chegar à verdade, denominado presunção. As provas propriamente ditas são as
que têm origem na forma direta e imediata, e as que têm origem na forma indireta e mediata
são conhecidas como presunções. Devido ao acima exposto, o referido autor não reconhece os
indícios e presunções como prova, mas como mero raciocínio lógico do juiz. 590
No mesmo sentido, a posição de Eduardo Cambi, que enfrentou a matéria com a
perspicácia que lhe é peculiar:
Dois são os modos pelos quais o juiz pode chegar à compreensão dos fatos discutidos no processo, o direto e o indireto. Na prova direta, a atividade probatória depende da percepção do fato pelo próprio juiz. Quando essa atividade tem por objeto um fato principal, a percepção judicial exaure o conhecimento do fato (v.g., a inspeção judicial). [...] na prova indireta, o conhecimento dos fatos não advém da percepção sensorial direta, mas depende de uma fonte de representação ou de um fato intermediário, que pode ser um documento ou uma declaração de ciência. [...] Percebe-se, pois, que a classificação da prova em direta ou indireta leva em consideração a relação entre o juiz e os elementos probatórios, sendo direta quando há uma relação imediata entre o juiz e o fato a ser provado, e indireta, quando, entre o juiz e o fato, interpõe-se uma pessoa ou uma coisa. As provas indiretas, por sua vez, subdividem-se em históricas ou representativas e críticas ou lógicas. As provas históricas representam, mediante pessoas (v.g., depoimento pessoal, testemunhal ou do perito) ou coisas (v.g., documentos), o próprio fato a ser provado. [...] Já as provas críticas permitem o conhecimento do fato a ser provado por meio de operações lógicas. Fornecem ao juiz um outro fato a ser julgado (indício ou fato secundário), cujo conhecimento permite compreender os fatos principais que integram a res iudicanda. [...] Com efeito, nas provas históricas, o fato a ser provado constitui uma reprodução (imagem) dele, o seu equivalente sensível, atuando sobre os sentidos e sobre a imaginação do juiz. Já nas provas críticas o fato posto ao alcance do magistrado atua sobre o seu raciocínio, não sobre os seus sentidos e a sua imaginação, que lhe permite, com o auxílio de máximas de experiência, a inferência desse fato probando. [...] Conseqüentemente, na prova direta, o objeto da prova é o mesmo fato que deve ser provado; na prova indireta, o objeto da prova é outro fato, e, na prova histórica, ele é representado por um documento ou uma declaração de
590 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 427.
ciência, e, na prova crítica, é obtido por uma operação lógica. [...] Dessa forma, pode-se perceber que as presunções devem ser classificadas como provas críticas ou lógicas. Contudo, isso não significa que sejam meios de prova, mesmo porque o conceito de prova é mais amplo [...] Portanto, as presunções não são meio de prova, pois o que se prova são os fatos-base (v.g., o dano causado por um animal), a partir dos quais é possível, por dedução lógica, que é uma operação mental a qual não requer nenhum meio de prova, chegar-se à conseqüência jurídica pretendida (v.g., a culpa do proprietário do animal). Em outras palavras, as presunções são o resultado de raciocínios e deduções lógicas, não podendo ser consideradas meios de prova. 591
Porém, ainda que não considerado meio de prova, o certo é que indícios e presunções
têm aplicação prática relevante na solução dos litígios, mormente quanto à distribuição do
ônus da prova.
Os indícios são sinais, rastros, vestígios que, isoladamente, são insuficientes para
demonstrar a verdade sobre um fato alegado, devendo ser correlacionados a outros elementos
dos autos. A presunção é o raciocínio, a dedução concluída através do indício, porquanto diz-
se que o indício é o meio e a presunção é o resultado. Só é possível chegar à presunção
(resultado) quando o indício for a causa. A presunção é deduzida do indício, que é um
componente material daquela. 592
O indício é um fato conhecido que indica um fato desconhecido. A função do indício
é formar uma base para a presunção. Por conseguinte, “os indícios, como o próprio nome
aponta, indicam, não representam, o fato probando, isto é, neles se assenta o raciocínio que
permite a cognição do factum probandum. Por isso, são fatos secundários que servem de
pressupostos das presunções ou fontes de presunções, já que, a partir deles, podem ser
deduzidos os efeitos jurídicos dos fatos principais, que são diretamente relevantes para o
julgamento da causa”. 593
591 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 357-360. 592 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 428. 593 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 361.
Identificam-se duas modalidades de presunção: a) a presunção legal, que resulta de
um raciocínio sugerido pelo próprio texto da lei, não admitindo prova em contrário e
limitando à atividade interpretativa do juiz; b) a presunção simples ou judicial (hominis -
homem), que não é estabelecida pela lei, resulta de um raciocínio comum destinado a formar
uma convicção construída pelo homem, no caso, o juiz.
A presunção legal divide-se em absoluta (iuris et de iure) e relativa (iuris tantum).
As presunções absolutas não admitem prova em contrário. Porém, há uma leve tendência
doutrinária no sentido de lhe negar a imutabilidade irrestrita, visto que nem mesmo a coisa
julgada é imutável, podendo ser desconstituída pela via rescisória. O art. 1.238 do CC/2002,
comumente citado pela doutrina, é exemplo de presunção absoluta, pois caracteriza
usucapião a ocupação de imóvel por 15 anos ininterruptos, independentemente da verificação
de justo título e boa-fé. Já as presunções relativas admitem a produção de provas em
sentido contrário, sendo este o aspecto que as faz distintas das presunções absolutas. Exemplo
desta presunção é parágrafo único do art. 456 da CLT: “À falta de prova ou inexistindo
cláusula expressa a tal respeito, entender-se-á que o empregado se obrigou a todo e qualquer
serviço compatível com a sua condição pessoal”.
O tema é extremamente relevante, na medida em que há profundos reflexos no ônus
da prova. Sobre as presunções absolutas, pode-se afirmar que “são regras legais limitativas do
princípio do livre convencimento do juiz (art. 131 do CPC), pois a lei determina a força
probante dos fatos que considera presumidos, bem como uma regra regulamentadora da
admissibilidade das provas, na medida em que veda a possibilidade de o adversário produzir
provas contrárias ao fato presumido” 594. Já a presunção relativa ou iuris tantum tem como
mérito a inversão do ônus da prova, pois, “ao contrário da presunção iuris et de iure, consagra
uma forma de inversão do ônus da prova, porque dispensa uma das partes de demonstrar o
594 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 367.
fato presumido, atribuindo à outra parte a possibilidade de produzir prova em contrário. Por
conseguinte, quem estava incumbido de provar determinado fato, em razão da presunção
legal, deixa de ter esse onus probandi, que passa a ser do adversário. Entretanto, se a parte
contrária demonstrar não se verificar o fato presumido, a presunção cessa seus efeitos”. 595
O mesmo ocorre com a presunção simples ou judicial, na medida em que “deve
servir não tanto para formar a convicção do juiz, mas como um mecanismo de inversão do
ônus da prova de que o magistrado se vale não no momento da sentença, mas quando da
fixação do thema probandum, para terem as partes a possibilidade e as chances de provar os
fatos que integram o fundamento das suas respectivas alegações” 596. Nas presunções simples
ou judiciais, há, apenas, a inversão do ônus da prova, uma vez que a parte beneficiária não
precisa provar fatos cuja veracidade se presume.
Por derradeiro, passa-se à análise da prova prima facie, com fundamento nas máxima
de experiência, bastando apenas que se demonstre a aparência ou a verossimilhança do fato.
Frise-se de antemão, que Eduardo Cambi não vê razões para distingui-la das presunções
simples, ainda que vista sob perspectivas diversas, pois a prova prima facie é resultado de
uma presunção simples. Sempre será possível, quando há dificuldade da prova direta do fato,
facilidade da prova pela parte contrária e possibilidade de julgar por verossimilhança, com
base em máximas de experiência. O exemplo citado pelo referido autor refere-se ao sujeito
que, caminhando na rua, é atingido por um tijolo que se desprende de um prédio em
construção. Nesse caso, presume-se, prima facie, que o construtor é o responsável e o autor
não precisa produzir prova disso, cabendo ao acusado prova em contrário, ou seja, como nas
presunções simples, implica inversão do ônus da prova. A vítima deverá demonstrar que foi
atingida pelo tijolo proveniente da construção quando estava passando pelo local. Esses fatos
595 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 373. 596 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 383.
devem ser demonstrados pelo autor e representam os indícios, que darão origem à presunção
e, conseqüentemente, à prova prima facie. Cabe ao réu demonstrar, por exemplo, que não
utilizava tijolos daquele formato.597
Para Manoel Antonio Teixeira Filho, não há que se confundir presunção simples
com as máximas de experiência, uma vez que estas decorrem da observação e conhecimento
da vida cotidiana, com base naquilo que costumeiramente ocorre e representam juízo de valor,
enquanto aquelas emanam de um processo de raciocínio que decorre de indícios598.
Manifesta-se em sentido contrário Eduardo Cambi, para quem as presunções judiciais
“apóiam-se, sobretudo, nas máximas de experiência [...]”. 599
Há que se distinguir presunção legal de ficção jurídica, embora ambas emanem da
lei. Enquanto a primeira decorre de um raciocínio sugerido pelo legislador, a segunda decorre
de uma disposição jurídica aceita como verdadeira, mas não é verdadeira como, por exemplo,
a confissão no caso de revelia, em decorrência do disposto no art. 343, §1º do CPC600. Na
seara trabalhista, exemplifica-se com a transcrição do art. 487, § 1º, da CLT: “A falta do aviso
prévio por parte do empregador dá ao empregado o direito aos salários correspondentes ao
prazo do aviso, garantida sempre a integração desse período no seu tempo de serviço”, ou
seja, o período de aviso prévio, ainda que pago em dinheiro, integrar-se-á ao tempo de serviço
para efeito de férias, décimo terceiro etc. 601
O direito e o processo do trabalho possuem vasta gama de presunções legais ou
simples, derivadas de norma legal ou das Súmulas e Orientações Jurisprudenciais dos
597 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 383-386. 598 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 430. 599 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 376. 600 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 370. 601 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 429.
Tribunais, especialmente do TST. É possível, assim, antever o entendimento do Tribunal
sobre determinado assunto, inclusive com relação ao ônus da prova.
Com relação ao meio ambiente de trabalho, presume-se que, se todas as cautelas
legalmente exigidas para desenvolvimento das atividades fossem observadas pelo
empregador, não ocorreriam acidentes de trabalho, pois não é crível que o empregado venha
atentar contra seu próprio corpo.
5.24 Justificação judicial
A medida judicial serve para justificar a existência de algum fato ou relação jurídica,
seja para simples documento e sem caráter contencioso, seja para servir de prova em processo
regular (art. 861 do CPC).
Admitida no processo do trabalho, embora pouco usada, a cautelar de justificação
judicial é tida como meio de prova, e não como prova, posto que, neste procedimento, embora
haja citação dos interessados (art. 862 do CPC) e possibilidade de contraditar e reinquirir
testemunhas (art. 864 do CPC) não é permitida a defesa nem o recurso (art. 865 do CPC) 602,
motivo pelo qual será submetida ao contraditório quando essas provas forem utilizadas no
processo contencioso.
6.25 Exibição de documentos
Como meio de prova, a exibição de documento ou coisa poderá ser feita em caráter
preparatório (art. 844 e 845 do CPC) ou incidental (art. 355 a 363 do CPC).
602 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 433-434.
No primeiro caso trata-se de procedimento cautelar específico, antes da propositura
da ação. No segundo caso, a exibição é requerida no curso do processo principal. Do ato
judicial que resolver o incidente cabe apelação (art. 513 do CPC), porém, no processo do
trabalho, como se trata de decisão interlocutória, só é possível recorrer juntamente com o
recurso da decisão definitiva, nos termos do art. 893, §1º da CLT603. A parte e o terceiro
podem se escusarem de exibir, em juízo, o documento ou a coisa, nos casos especificados no
art. 363 do CPC. 604
Sobre a recusa em exibir documentos em juízo, recomenda-se a aplicação do
princípio da proporcionalidade:
De qualquer modo, é importante ressaltar que o interesse público na realização da justiça não é um valor absoluto a ponto de justificar o sacrifício arbitrário dos direitos da personalidade. Desta maneira, pode-se afirmar que o art. 363 do CPC constitui uma exceção à regra geral do art. 339 do CPC, o qual afirma que ninguém se exime de colaborar com o Poder Judiciário para o descobrimento da verdade.[...] Com efeito, nesse sistema, é o juiz em vez do legislador, quem, diante das circunstâncias do caso concreto e das regras jurídicas em confronto, deve sopesar qual o valor que deve ser privilegiado, aplicando para isso o princípio da proporcionalidade. 605
Por medida de praticidade, no processo do trabalho, a exibição requerida ou
determinada de ofício durante o curso do processo é deferida nos próprios autos, devendo a
parte juntar os documentos solicitados no prazo de 5 dias, sob pena de se admitirem como
verdadeiros os fatos que a parte pretendia provar por meio dos documentos (art. 359 do CPC).
No processo civil deve ser autuada em apartado e decidida por sentença, cabendo recurso de
apelação. 606
603 Art. 893, §1º, CLT: “Das decisões são admissíveis os seguintes recursos: § 1º. Os incidentes do processo são resolvidos pelo próprio juízo ou tribunal, admitindo-se a apreciação do merecimento das decisões interlocutórias somente em recurso da decisão definitiva”. 604 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 308-311. 605 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 222. 606 NERY JUNIOR, Nelson; ANDRADE NERY, Rosa Maria. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 9. ed. São Paulo: RT, 2006, p. 546.
6 ÔNUS DA PROVA NA RESPONSABILIDADE SUBJETIVA
“O procedimento lógico de corrigir as desigualdades é o
de criar outras desigualdades”.
(Eduardo Couture)
Não se pode deixar de reconhecer a atual e forte corrente doutrinária sobre a
responsabilidade subjetiva do empregador em acidentes do trabalho, inclusive em atividades
perigosas. Por outro lado, também não se pode olvidar que o operador jurídico, mesmo na
responsabilidade subjetiva, dispõe de mecanismos eficientes para a solução da controvérsia,
distribuindo a prova com eqüidade e justiça processual. Para tanto, poderá utilizar-se, por
exemplo, da técnica da inversão do ônus da prova, que “é um instrumento para proteger a
parte que teria excessiva dificuldade na produção da prova (v.g., nos casos de
responsabilidade civil decorrentes de transporte marítimo) ou para oferecer proteção à
parte que, na relação jurídica substancial, está em posição de desigualdade, sendo a
parte mais vulnerável (v.g., nas relações de trabalho subordinado)” (sem grifo no
original). 607
É com o propósito de oferecer ferramentas jurídicas compatíveis com os preceitos
modernos de direito e processo que se passará a defender critérios probatórios compatíveis
com a modernidade processual. A finalidade não é alcançar a responsabilidade objetiva, mas
tem como mérito apontar os caminhos que facilitem a realização da prova. O alvo, portanto,
607 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 410.
não é o empregado ou o empregador sob o aspecto da responsabilidade objetiva ou subjetiva,
ou seja, as partes, embora relevantes, serão analisadas como instrumentos na busca da prova,
finalidade última a ser alcançada, pois não há como julgar sem provar.
A expressão “prova” deriva do latim proba, de probare, que quer dizer reconhecer,
formar juízo de, demonstrar. Provar é demonstrar a existência ou a veracidade do fato que se
alega. Provar é utilizar-se dos meios indicados em lei para demonstrar a negação (afirmação
negativa) ou afirmação (afirmação positiva) dos fatos. Representa a verdadeira alma do
processo, posto ser a luz que esclarecerá a dúvida lançada aos autos. A prova jurídica é a
certeza ou convicção acerca da existência ou inexistência dos fatos alegados. Como a prova é
dirigida ao juiz, a este cabe, na condição de diretor do processo, determinar todas as provas
que sejam necessárias e indeferir as provas impertinentes durante a instrução processual.
Com a mudança de competência nas ações acidentárias, impõem-se, doravante, os
procedimentos previstos no processo do trabalho, sem prejuízo da aplicação subsidiária do
direito processual comum, nos termos do art. 769 da CLT: “Nos casos omissos, o direito
processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em
que for incompatível com as normas deste Título”.
Entretanto, os aspectos probatórios a serem abordados, embora verticalizados para o
processo do trabalho, são plenamente aplicáveis ao processo civil, pois muitos dos
fundamentos decorrem do direito processual comum.
Frise-se, ainda, que os critérios sobre a correta distribuição do ônus da prova são
gerais e aplicáveis a qualquer ação trabalhista, não ficando restrita às hipóteses de acidente do
trabalho.
6.1 Ônus da prova
Ônus vem do latim onus, oneris, e significa carga, peso, fardo, obrigação, dever,
encargo etc. É um gravame imposto a alguém como condição para obtenção de um resultado.
O onus probandi, na lição de De Plácido e Silva, “é o ônus ou o encargo de prova, nas
questões judiciais. Sem fugir, pois, ao sentido literal do vocábulo (ônus), exprime a locução: a
obrigação de provar”. 608
Importante, porém, é esclarecer o que significa ônus: dever, obrigação ou faculdade da
parte. Na lição de Carlos Alberto Reis de Paula, dever é um imperativo jurídico, com previsão
legal de cominação na hipótese de não atendimento como ocorre com a testemunha que tem o
dever de comparecer em juízo ou, até, com o próprio juiz quanto ao seu dever funcional de
despachar e sentenciar. Já a obrigação é uma subordinação, cuja inobservância poderá
acarretar sanção jurídica como execução ou pena. Ocorre, por exemplo, no caso do
pagamento de custas e honorários periciais. Exige-se, na obrigação, a sujeição de alguém em
benefício de outro. A faculdade é a possibilidade de poder fazer ou agir (facultas agendi –
faculdade de agir). A faculdade jurídica é o direito conferido às partes para a aquisição ou
defesa de seus interesses. Na faculdade, a parte não está obrigada à prática de atos, todavia,
poderá sofrer as conseqüências da inércia, assumindo o risco da negligência. 609
Difícil é estabelecer a linha divisória entre obrigação e dever, posto que se poderia
dizer que têm o mesmo sentido, pois que tratam de interesse de terceiro. Ônus, em seu sentido
etimológico, é carga, fardo, peso, pelo que a inobservância não implica pena prevista
legalmente, pois trata-se de um interesse próprio, sendo, portanto, faculdade da parte que está
608 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 18. ed. Atual. por Nagib Slaibi Filho e Geraldo Magela Alves. Rio de Janeiro: Forense, 2001. 609 REIS DE PAULA, Carlos Alberto. A especificidade do ônus da prova no Processo do Trabalho. 3. ed.,
São Paulo: LTr, 2001, p. 130.
onerada. A parte que tem o ônus de provar poderá optar por fazê-lo ou não. Porém, caso não
se desonere do ônus que lhe incumbe, corre o risco de não obter vitória na demanda. Para
Eduardo Cambi, “a não-observância do ônus da prova não é apenas uma conduta lícita, ao
contrário do dever, mas também pode ser privada de conseqüências desfavoráveis, embora, ao
contrário do mero ônus, a sua observância não assegure, automaticamente, resultados
favoráveis”. 610
Assim, mesmo que a parte não se tenha desincumbido de provar, poderá ser
vencedora, sendo isso, basicamente, que distingue o ônus do dever e da obrigação. Nestes, a
inatividade sempre determinará uma cominação/sanção, enquanto no ônus apenas existe o
risco de sofrer conseqüências negativas. A hipótese de que a parte não observa o ônus
probatório e faz provas desnecessárias, provando fatos de interesse da parte contrária,
constitui exemplo de que o ônus não é dever e nem obrigação, mas simplesmente faculdade
da parte. Esta, embora incumbida da prova, pode permanecer inativa e, no entanto, ser
beneficiada pela parte contrária que, mesmo isenta do encargo, vem a produzir provas que
favorecem o litigante inerte. “Em suma, o ônus da prova não determina quem deve produzir a
prova, mas quem assume o risco pela sua não-produção”. 611
Adotou-se, no ordenamento jurídico pátrio, o entendimento de que, como regra, o ônus
de provar é de quem alega o direito que pretende assegurar, pois o onus probandi incumbit et
qui dicit , ou seja, o ônus da prova incumbe àquele que diz.
Tal afirmativa gerou o provérbio o actor probat actionem, reus exceptionem – o autor
prova a ação, o réu a exceção. Sempre que o réu alegar exceção, atrai para si o ônus da prova,
pois agora é ele quem alega, através da exceção. Tem-se, portanto, que o reus in exceptionem
610 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 316. 611 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 320.
fit actor – o réu torna-se autor com a exceção. Todavia, se dessa exceção o autor fizer nova
alegação, deverá provar, pois alegou exceção da exceção do réu, e assim sucessivamente.
Compreende-se, assim, o princípio de que o ônus de provar cabe a quem alega ou
diz, ou seja, cabe ao litigante que alega, podendo ser o autor ou o réu, tanto para afirmar
direito como para o contestar.
Eduardo Cambi faz importante distinção entre ônus da prova em sentido subjetivo e
objetivo. O ônus da prova em sentido subjetivo, “estabelece quais são os fatos que devem ser
aprovados por cada uma das partes, determinando que cabe ao autor provar os fatos
constitutivos da sua demanda e, ao réu, os fatos sobre os quais a exceção está fundada” 612,
nos termos do art. 333 do CPC.
Contudo, o processo pode ir a julgamento com provas incompletas, exigindo-se do
juiz que atribua a uma das partes os riscos da ausência ou insuficiência de provas, pois não
poderá recusar-se ao julgamento. O ônus da prova em sentido objetivo determina, como regra
de julgamento, que os riscos sejam atribuídos a um dos litigantes:
O problema do ônus da prova é uma questão de aplicação do direito, e uma regra jurídica somente deve ser aplicada quando a tipicidade hipotética abstratamente formulada se converte em realidade concreta e, ao contrário, não deve ser aplicada quando o juiz não está convencido da existência dos fatos que dão suporte à sua aplicação. [...] Como, mesmo diante de material probatório incompleto, o juiz está obrigado a julgar (impossibilidade de pronunciamento non liquet), é necessário que uma das partes suporte o risco inerente à ausência ou à insuficiência da prova. [...] O ônus da prova, em sentido objetivo, permite a distribuição desses riscos, servindo como critério que possibilita indicar qual dos litigantes deve suportar as conseqüências desfavoráveis decorrentes da não-reconstrução satisfatória dos fatos que integram o thema probandi. [...] O ônus da prova, em sentido objetivo, serve como uma regra de julgamento, porque o juiz deve considerar sucumbente a parte que não demonstre os fatos preestabelecidos nas normas jurídicas, as quais deveriam ser aplicadas para que a tutela jurisdicional fosse assegurada. [...] A regra de julgamento (ônus da prova em sentido objetivo) é uma sub-rogação da prova, uma vez que, quando não se pode conhecer, a fim de que as dúvidas sejam dirimidas, e se deve julgar, é necessário adivinhar. Conseqüentemente, o ônus da
612 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 322.
prova em sentido objetivo é uma exigência prática, visto que, não sendo possível a pronúncia judicial non liquet, se não existisse esse mecanismo de resolução das dúvidas, dar-se-ia ensejo à denegação de justiça, contrariando a regra constitucional, contida no art. 5.º, inc. XXXV, CF, que prevê a garantia do acesso à justiça.[...] Trata-se, ademais, de um critério de racionalização da dúvida para, além de possibilitar o julgamento, evitar, mediante a disciplina de um modelo legal preexiste, o arbítrio judicial. [...] No entanto, se é possível, pelas provas constantes dos autos, a formação do convencimento do juiz sobre o conflito discutido no processo, a regra de ônus da prova em sentido objetivo não deve ser aplicada. [...]
Com efeito, na prática, o ônus da prova em sentido objetivo deve ser aplicado somente quando da ausência ou da insuficiência da prova, quando o magistrado não pode – quer seja pela aplicação do princípio da aquisição processual ou da comunhão da prova, quer seja pela efetivação dos seus poderes instrutórios – dissipar as dúvidas sobre os fatos controvertidos. 613
Como sinalizou o referido autor, a prova em sentido objetivo (regra de julgamento) é
medida prática, necessária para garantir o acesso à justiça, mas não se mostra razoável ao
restabelecimento da verdade, pois aos autos não foram acostadas as provas necessárias para a
solução do conflito.
6.2 Problemática do onus probandi no processo trabalhista
A petição inicial, a defesa ou revelia, são limitadoras naturais da possibilidade de se
produzir provas; além disso, os fatos incontroversos não requerem prova; portanto, somente
os fatos contrários ou controvertidos serão objetos da prova.
Contudo, processualistas brasileiros divergem profundamente acerca do tema relativo
ao ônus da prova no processo do trabalho. São encontrados argumentos plausíveis e
convincentes em defesa de teses antagônicas, embora ostentem objetivo comum, qual seja,
fornecer aos profissionais do direito orientações fundamentadas e técnicas, com vistas a
613 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 327-329, 331.
permitir-lhes praticar os atos processuais com segurança e presteza, sempre com os olhos
postos em sua natureza instrumental, de modo a permitir alcançar a efetividade dos direitos.
No processo do trabalho, há norma específica sobre o assunto, encontrada no art. 818
da CLT, que assim prescreve: "A prova das alegações incumbe à parte que as fizer". Porém,
com o advento do CPC, em 1973, há quem entenda que o art. 333 do referido Código deva ser
aplicado subsidiariamente ao processo do trabalho, por força do art. 769 da CLT. O
mencionado art. 333 do CPC, determina que "O ônus da prova incumbe: I - ao autor, quanto
ao fato constitutivo do seu direito; II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo,
modificativo ou extintivo do direito do autor”. Com a edição da Lei Nº 8.078, de 11 de
setembro de 1990, que instituiu o Código de Defesa do Consumidor, doutrinadores
respeitáveis afirmam, com argumentos plausíveis, que o Processo do Trabalho, por cuidar de
direito material de hipossuficiente, deve buscar guarida nas leis protecionistas do consumidor,
com a inversão legal e judicial do ônus da prova, com apoio no art. 6º, inciso VIII do CDC.
Este dispõe que é direito básico do consumidor "a facilitação da defesa de seus direitos,
inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério
do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras
ordinárias de experiências".
Para Manuel Antônio Teixeira Filho, a CLT, não sendo omissa no particular,
inviabiliza a aplicação supletiva do CPC. O referido autor argumenta que o caráter anti-
igualitário do direito material deve ser transposto para a interpretação das normas processuais,
afirmando que é na prova que a desigualdade do trabalhador ganha relevo. Nesse sentido o
autor destaca que:
Concluímos, portanto, que o art. 818, da CLT, desde que o intérprete saiba captar, com fidelidade, o seu verdadeiro conteúdo ontológico, deve ser o único dispositivo legal a ser invocado para resolver os problemas relacionados ao ônus da prova no Processo do Trabalho, vedando-se, desta forma, qualquer invocação supletiva do art.
333, do CPC, seja porque a CLT não é omissa, no particular, seja porque há manifesta incompatibilidade com o processo do trabalho. 614
O posicionamento acima defendido transfere para o réu todo o ônus da prova. No
entendimento do autor acima, a redação do art. 818 da CLT pode ser lida como "a prova no
processo do trabalho cabe ao réu".
Contrariando esse entendimento, Carlos Alberto Reis de Paula afirma não vislumbrar
qualquer colisão entre o art. 818 da CLT e o art. 333 do CPC. Defende que o artigo da
Consolidação deve ser interpretado de acordo com dispositivo do CPC, que atribui ao autor à
prova do fato constitutivo e, ao réu, a prova dos fatos impeditivos, modificativos ou
extintivos, não reconhecendo o conflito frontal apregoado por segmento da doutrina. Define
assim o seu posicionamento:
Chega-se à conclusão de que o art. 333 não colide como o disposto no art. 818 da CLT. De outra sorte, não está contido obrigatoriamente no dispositivo consolidado, podendo ser aplicado subsidiariamente. Essa aplicação subsidiária está condicionada ao ajuste às especificidades do direito processual do trabalho. 615
César Pereira da Silva Machado Júnior, após citar o posicionamento de diversos
autores, conclui que não há diferenças entre os dispositivos aplicados, sendo irrelevante a
controvérsia acima instalada, argumentando no seguinte sentido:
No nosso ponto de vista, os art. 818 da CLT e 333 do CPC dizem única e exclusivamente a mesma coisa, e a aplicação exclusiva do art. 818, com a exclusão da aplicação subsidiária do art. 333 do CPC, em nada altera a situação que enfrentamos na prática diária do foro. 616
O entendimento do referido doutrinador vai além, pois conclui pela insuficiência dos
dispositivos legais insculpidos da CLT e no CPC para a resolução da complexa problemática
do ônus da prova no processo do trabalho. Assim se manifesta o autor:
614 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed., São Paulo: LTr, 2003, P. 126. 615 REIS DE PAULA, Carlos Alberto. A especificidade do ônus da prova no Processo do Trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2001, p. 130. 616 MACHADO JÚNIOR, César Pereira da Silva. O ônus da prova no Processo do Trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2001, 126-127.
Desta forma, entendemos que o texto do art. 818 da CLT, tanto quanto as disposições do art. 333 do CPC, são insuficientes para a solução do complexo tema do ônus da prova no processo do trabalho. 617
Carlos Alberto Reis de Paula ainda sustenta a possibilidade da aplicação subsidiária
do Código de Defesa do Consumidor ao trabalhador, uma vez que a proximidade entre ambos
se dá pela hipossuficiência, que pode ser econômica, cultural e técnica, estabelecendo o
desequilíbrio entre o trabalhador/empregador e consumidor/fornecedor. Ao discorrer sobre a
inversão do ônus da prova de que trata o art. 6º do CDC, argumenta que:
O interesse para o direito processual do trabalho está em que tem-se uma previsão legal, que pode ser invocada em subsidiariedade pelo juiz, valendo a orientação seguida pelo legislador como uma referência relevante, a indicar critério para sua invocação, o que é perfeitamente factível se considerarmos, como sublinhado, a situação próxima entre o consumidor e o trabalhador. 618
O advento do referido código abalou a tradicional aplicação do art. 333 do CPC que
estabelece critérios para a distribuição do ônus da prova entre as partes. Admitindo-se a
aplicação subsidiária do CDC ao processo do trabalho, adentra-se num campo de divergências
ainda maior, posto que a inversão do ônus da prova, que encontra respaldo no art. 6º, inciso
VIII, estabelece critérios para a sua aplicação nos processos decorrentes das relações de
consumo.
Para Humberto Theodoro Júnior, a inversão é admitida quando o consumidor está
abrigado na verossimilhança de sua alegação ou na hipossuficiência. Entende o referido autor
que "sem basear-se na verossimilhança das alegações do consumidor ou na sua
hipossuficiência, a faculdade judicial não pode ser manejada em favor do consumidor, sob
pena de configurar-se ato abusivo, com quebra do devido processo legal” 619. Argumenta,
617 MACHADO JÚNIOR, César Pereira da Silva. O ônus da prova no Processo do Trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2001, 127. 618 REIS DE PAULA, Carlos Alberto. A especificidade do ônus da prova no Processo do Trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2001, p. 151. 619 THEODORO JÚNIOR. Humberto. Direitos do Consumidor. 2. ed. São Paulo: Forense, 2001, p. 142.
ainda, que, por se tratar de medida de exceção, deve ocorrer mediante decisão interlocutória,
portanto, antes do julgamento:
Se se trata de medida de exceção, subordinada a pressupostos expressamente elencados na lei, sua adoção in concreto somente pode ocorrer mediante decisão interlocutória em que o magistrado assente sua deliberação. Como toda a decisão judicial tem de ser fundamentada, por exigência constitucional (CF, art. 93, IX), há o juiz, ao deliberar pela inversão do ônus da prova, de demonstrar a presença, no caso sub examine, de alegações verossímeis ou de hipossuficiência do consumidor. 620
Contrapondo-se a esse entendimento, Carlos Alberto Reis de Paula sustenta que as
regras do ônus da prova são regras de julgamento, limitando-se a dar o juiz o critério para o
julgamento, tendo as partes que suportarem o ônus do que devem provar, posto que não
podem alegar desconhecerem o direito. Cabe ao juiz analisar a inversão do ônus da prova
quando do julgamento. A norma inserta no art. 451 do CPC determina que "ao iniciar a
instrução, o juiz, ouvidas as partes, fixará os pontos controvertidos sobre que incidirá a
prova". Sobre o art. 451 do CPC entende o autor citado que:
A determinação é no sentido de serem fixadas as provas a serem produzidas, ou seja, o juiz limitará o âmbito da prova a ser produzida, fixando a matéria factual que tem relevo e pertinência para a instrução do processo. As partes, que não podem alegar desconhecimento do direito, é que devem cuidar de provar os fatos que lhe interessam. 621
Como se observa, a controvérsia sobre o tema em análise é complexa e permeada de
intrincadas particularidades, em especial porque a brandida subsidiariedade ao processo do
trabalho, das normas do Código de Defesa do Consumidor e/ou do Código de Processo Civil
sujeita-se ao preenchimento de requisitos específicos e objetivos que, entretanto, não excluem
a atividade do intérprete, pois é essencial à aplicação justa e equânime das leis. Não logrou a
doutrina alcançar, ainda, consenso sobre as diversas facetas da aplicação das regras daqueles
Códigos no seu específico âmbito de incidência, circunstância que bem justifica a celeuma em
torno de sua utilização, de forma subsidiária, em processo forâneo. Todavia, é extremamente
620 THEODORO JÚNIOR. Humberto. Direitos do Consumidor. 2. ed. São Paulo: Forense, 2001, p. 135. 621 REIS DE PAULA, Carlos Alberto. A especificidade do ônus da prova no Processo do Trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2001, p. 153-154.
salutar a divergência, pois lança luzes sobre tema relevante e oferece subsídios de inestimável
valia aos profissionais envolvidos com a causa do direito, propiciando-lhes critérios
orientadores no manejo e execução dos atos processuais a seu cargo, a par de emprestar
fundamento legal e técnico à eventual insurgência contra decisões que contrariem as normas
que regem a matéria.
6.3 Critérios na distribuição do ônus da prova na responsabilidade subjetiva
Embora convincentes e bem fundamentadas todas as teses acima expostas, o presente
trabalho nortear-se-á, predominantemente, pelo posicionamento abrangente de César Pereira
da Silva Machado Júnior, pois mostra-se mais condizente com as peculiaridades do processo
trabalhista. O referido autor considera insuficientes o art. 818 da CLT e 333 do CPC e, assim,
distribui o ônus da prova:
Em vista das peculiaridades do processo do trabalho, entendemos absolutamente necessária a adoção dos seguintes critérios para a análise do ônus da prova: a) princípios de direito do trabalho; b) princípio da aptidão para a prova; c) regras de pré-constituição da prova; d) máximas da experiência; e) art. 333 do CPC. 622
A referência, na alínea “e” supra, ao art. 333 do CPC sem menção ao art. 818 da
CLT, decorre do entendimento de que os dois artigos têm a mesma significação, sendo
indiferente a aplicação de um ou de outro, podendo, quanto muito, considerar-se lacônico o
art. 818 da CLT, uma vez que o art. 333 do CPC é explícito e de fácil interpretação. No
regime celetista, conforme leitura literal do artigo, a parte deve provar aquilo que alega, o que
622 MACHADO JÚNIOR, César Pereira da Silva. O ônus da prova no Processo do Trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2001, p. 136.
também se pode concluir da norma insculpida no CPC; alegando fato modificativo,
impeditivo ou extintivo, atrairá para si o ônus de provar.
Ao tratar do princípio da aptidão para a prova, o referido autor incluiu a aplicação
subsidiária do CDC, porém não menciona explicitamente a possibilidade no título.
Considerando os fins desta pesquisa, propõe-se a adequação dos critérios
propugnados pela doutrina supratranscrita, sob o fundamento de que aprimoram o
instrumental indispensável ao exame de tão intrincado tema. Na alínea “b”, acrescenta-se o
CDC e na alínea “e” o art. 818 da CLT. Desta forma, estes serão os critérios que nortearão a
análise da matéria:
a) princípios de direito do trabalho;
b) princípio da aptidão para a prova e o CDC;
c) regras de pré-constituição da prova;
d) máximas da experiência;
e) art. 818 da CLT e art. 333 do CPC.
O autor recomenda que o roteiro obedeça a uma ordem de preferência, ou seja, o
intérprete deverá analisar antes os princípios de direito do trabalho; não havendo incidência de
nenhum princípio no caso concreto, passaria para o princípio da aptidão para a prova, e assim
sucessivamente, até chegar ao método tradicional do art. 818 da CLT ou do art. 333 do CPC.
Embora lógica a dedução recomendada, não há motivos para o julgador prender-se à
ordem sugerida, posto que o caso concreto é que ditará o critério mais justo na distribuição do
onus probandi. Todavia, convém assinalar que a ordem de preferência proposta pelo autor
harmoniza-se, na maioria dos casos, com a justa e correta distribuição do ônus da prova.
A insuficiência e/ou ineficiência dos dispositivos legais destinados ao ônus da prova,
também foi reconhecida pelo Código Modelo de Processos Coletivos para Ibero-América,
com fundamento na teoria da carga dinâmica da prova:
A moderna teoria da carga dinâmica da prova – incorporada, em 2004, ao Código Modelo de Processos Coletivos para Ibero-América – sugere a distribuição do ônus da prova não com base na regra tradicional do art. 333 do CPC (fatos constitutivos, para o demandante; demais fatos, para demandado) nem com base na técnica adotada no art. 6.º, inc. VIII, do código CDC, pelo qual cabe ao juiz, após verificar a verossimilhança da alegação ou a hipossuficiencia do consumidor, inverter o ônus da prova. Parte da premissa de que ambos os sistemas de distribuição do onus probandi não tutelam adequadamente o bem jurídico coletivo. [...] Com o escopo de buscar a mais efetiva tutela jurisdicional de direito lesado ou ameaçado de lesão, no Código Modelo o ônus da prova incumbe à parte que detiver conhecimentos técnicos ou informações específicas sobre os fatos, ou maior facilidade na sua demonstração, não requerendo qualquer decisão judicial de inversão do ônus da prova. [...] O magistrado continua sendo o gestor da prova, agora, contudo, com poderes ainda maiores, porquanto, em vez de partir do modelo clássico (art. 333 do CPC) para inverter o onus probandi (art. 6.º, inc. VIII, CDC), tão-somente nas relações de consumo, cabe verificar, no caso concreto, sem estar atrelado aos critérios da verossimilhança da alegação ou da hipossuficiência do consumidor, quem está em melhores condições de produzir a prova e, destarte, distribuir este ônus entre as partes. Dessa forma, a teoria da distribuição dinâmica da prova – já completada expressamente no Código Modelo - revoluciona o tratamento da prova, uma vez que rompe com a prévia e abstrata distribuição de ônus da prova, possibilitando que, com os critérios abertos contidos no art. 335 do CPC, seja tutelado adequadamente os direitos materiais. Assim, a referida teoria reforça o senso comum e as máximas da experiência ao reconhecer que quem deve provar é quem está em melhores condições de demonstrar o fato controvertido, evitando que uma das partes se mantenha inerte na relação processual porque a dificuldade da prova a beneficia. Portanto, a distribuição do ônus (ou da carga) da prova se dá de forma dinâmica, posto que não está atrelada a pressupostos prévios e abstratos, desprezando regras estáticas, para considerar a dinâmica – fática, axiológica e normativa – presente no caso concreto, a ser explorada pelos operadores jurídicos (intérpretes). A facilidade da demonstração da prova, em razão desses argumentos de ordem técnica, promove, adequadamente, a isonomia entre as partes (art. 125, inc. I, CPC), bem como ressalta o princípio da solidariedade, presente, no sistema processual, no dever de os litigantes contribuírem com a descoberta da verdade (arts. 14, inc. I, e 339, CPC), na própria exigência da litigância de boa-fé (p. ex., arts. 17, 129 e 273, inc. II, CPC) e no dever de permitir ou reprimir atos contrários à dignidade da justiça (arts. 125, inc. III, e 600, CPC). [...] Seria um grande equívoco introduzir a distribuição dinâmica da carga probatória com base no princípio da solidariedade, mas, tal como faz grande parte da doutrina brasileira em relação à inversão do ônus da prova do art. 6.º, inc. VIII, CDC, percebê-lo como um critério de julgamento, a ser considerado pelo juiz somente no momento de sentenciar. Neste caso, a distribuição deixaria de ser solidária na medida em que daria ensejo às decisões surpresas: a facilidade na produção da prova deve ser reconhecida antes da decisão para que a parte onerada tenha amplas condições de provar os fatos controvertidos, evitando que, a pretexto de tutelar o bem judiciário coletivo, se retirem todas as oportunidades de defesa. [...] No entanto, a teoria de carga dinâmica da prova não chega a ser uma novidade no direito brasileiro, nem uma exclusividade da tutela dos bens jurídicos coletivos. A distribuição dinâmica do ônus da prova, no direito brasileiro, tem sido acolhida pela
jurisprudência e pela doutrina, por exemplo, em matéria de responsabilidade civil do médico e com relação aos contratos bancários, apesar da inexistência de regra expressa. [...] Portanto, a técnica desenvolvida na teoria da carga dinâmica da prova nada mais é do que uma das possíveis técnicas – como a presunção judicial e a inversão do onus probandi contida no art. 6.º, inc. VIII, do CDC – para facilitar os mecanismos de tutela dos direitos materiais.623
Ressalte-se, contudo, que o momento processual da inversão do ônus da prova no
processo do trabalho tem peculiaridades específicas, nem sempre compartilhada pela doutrina
que determina a distribuição do ônus da prova como regra de instrução, conforme será visto
em tópico específico.
6.3.1 Princípios de direito
Os princípios são a base ou o alicerce do direito; são preceitos fundamentais, mais
relevantes que a própria norma ou regra jurídica. Para Américo Plá Rodriguez, citado por
Carlos Alberto Reis de Paula, princípios seriam as “linhas diretrizes que informam algumas
normas e inspiram direta ou indiretamente uma série de soluções, pelo que, podem servir
para promover e embasar a aprovação de novas normas, orientar a interpretação das
existentes e resolver os casos não previstos”. 624
Fábio Konder Comparato, em “O papel do juiz na efetivação dos direitos humanos”,
citado por Jorge Luiz Souto Maior, destaca a importância e supremacia dos princípios sobre
as regras:
623 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 340-346. 624 REIS DE PAULA, Carlos Alberto. A especificidade do ônus da prova no Processo do Trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2001, p. 119.
Ao verificar que a aplicação de determinada regra legal ao caso submetido a julgamento acarreta clara violação de um princípio fundamental de direitos humanos, muito embora a regra não seja inconstitucional em tese, o juiz deve afastar a aplicação da lei na hipótese, tendo em vista a supremacia dos princípios sobre as regras. (Fábio Konder Comparato, ‘O papel do juiz na efetivação dos direitos humanos’). 625
No direito processual do trabalho, acentua-se ainda mais a sua utilização e
importância, como destaca César P. S. Machado Júnior:
Os princípios gerais de direito do trabalho são o alicerce do grande edifício chamado direito do trabalho, eis que lhe dá sustentação, coerência e instrumentos ao intérprete. Sua importância é grande, e citando José Antônio Vásquez, Plá Rodrigues menciona que ‘não basta que o jurista do trabalho aborde a realidade sem os preconceitos idealistas do velho direito, mas para sua interpretação, precisa armar-se de uma teoria universal do direito e deduzir em sua integração os princípios essenciais do Direito do Trabalho, os quais devem presidir todas as suas soluções, isentas de vacilações e obscuridade’. 626
Considerando que os princípios estabelecem premissas básicas do direito, pode-se
concluir que existem presunções de veracidade sobre determinado fato, ou seja, existem fatos
que são presumidos pela existência de algum princípio, dispensando prova.
Nesse sentido, a utilização dos princípios como critério definidor do ônus da prova
tem amparo no art. 334, inc. IV do CPC: “Não dependem de prova os fatos: [...] IV - em cujo
favor milita presunção legal de existência ou de veracidade”. Essa presunção de veracidade é
relativa, admitindo prova em contrário pela parte que pretende desconstituir a veracidade de
um fato que contraria, por exemplo, um princípio. Moacyr Amaral Santos também
compartilha esse entendimento, alegando que uma das características da presunção “[...] está
no seu efeito: dispensa do ônus da prova aquele que as tem em seu favor”. 627
625 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. A Fúria – Artigo publicado em CD-Ron, Juris Síntese nº 36, jul-ago/2002. 626 MACHADO JÚNIOR, César Pereira da Silva. O ônus da prova no Processo do Trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2001, 136. 627 SANTOS, Moacyr Amaral. Comentários ao Código de Processo Civil. 6. ed. vol. IV. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 39.
Contudo, a parte que a alegar em seu favor deverá demonstrar que a situação lhe
beneficia. A parte precisa apenas demonstrar o indício para que o onus probandi seja
transferido, não havendo necessidade de provar o fato.
A presunção pode ser legal (resulta de um raciocínio sugerido pelo próprio texto da
lei) ou simples (resulta de um raciocínio comum, ordinário, construído pelo homem, não se
subordinando à lei).
Portanto, sempre que se alegar fato apoiado em princípios que informam o direito
material do trabalho, há a presunção de veracidade para quem o alega e a incumbência, à parte
contrária, de produzir prova para elidir a presunção.
Dentre os inúmeros princípios do direito do trabalho que não podem ser contrariados,
citam-se os de maior prestígio na doutrina moderna:
1) princípio de proteção, que se subdivide em três: a) in dubio pro operario; b)
aplicação da norma mais favorável; c) aplicação da condição mais benéfica;
2) princípio da irrenunciabilidade dos direitos;
3) princípio da continuidade da relação de emprego;
4) princípio da primazia da realidade;
5) princípio da razoabilidade;
6) princípio da boa-fé;
7) princípio da isonomia.
Para consolidar o entendimento sobre o tema, toma-se o princípio da continuidade da
relação de emprego, um dos mais usados na solução das controvérsias postas à cognição
judicial. O contrato de trabalho confere privilégio absoluto à contratação por prazo
indeterminado. A tese que contrarie este princípio exige prova.
O princípio da continuidade foi acolhido pela Súmula nº. 212 da SJTST:
“Despedimento – Ônus da prova - O ônus de provar o término do contrato de trabalho,
quando negados a prestação de serviço e o despedimento, é do empregador, pois o princípio
da continuidade da relação de emprego constitui presunção favorável ao empregado”.
No mesmo sentido a Jurisprudência estabelece: PERÍODO DA RELAÇÃO DE EMPREGO – DESPEDIMENTO – ÔNUS DA PROVA DO EMPREGADOR – TERMO A QUO PARA INCIDÊNCIA DA PRESCRIÇÃO BIENAL – O ônus de provar o término do contrato de trabalho quando negado o despedimento pelo reclamante, é do empregador, pois o princípio da continuidade da relação de emprego constitui presunção favorável ao empregado (Súmula 212 do TST). Na hipótese em apreço, a prova documental e testemunhal produzida foi firme e convincente acerca do despedimento do obreiro em data anterior à alegada, iniciando-se, assim, o transcurso do prazo bienal da prescrição trabalhista, insculpida no art. 7º, inciso XXIX, da CF/88. (TRT 22ª R. – RO 00427-2006-004-22-00-7 – Rel. Juiz Fausto Lustosa Neto – DJU 30.03.2007 – p. 4).
Nesse critério probatório não há observância do que sejam fatos constitutivos,
modificativos, impeditivos e extintivos, visto que a parte que alegar fato contrário ao princípio
da continuidade assumirá o encargo de prová-lo, podendo, inclusive, o ônus recair sobre o
autor da demanda.
Cita-se exemplo de empregado que reclama devolução de aviso prévio que lhe fora
descontado na rescisão (art. 487, § 2º da CLT), alegando a existência de contrato de trabalho
por prazo certo. O empregador, na defesa, alega contrato por prazo indeterminado,
considerando como correto o desconto, pois que o trabalhador não cumprira o pré-aviso.
Neste caso, o autor está a contrariar o princípio da continuidade, cabendo a ele a prova, ainda
que o empregador tenha alegado fato modificativo do direito do autor.
Como se observa, sempre que os fatos, por influência do direito material e
principalmente dos princípios, assumirem posição privilegiada, ou seja, presumirem-se
verdadeiros pela sua própria natureza, dispensam o ônus da prova, atribuindo à parte contrária
(empregado ou empregador) o encargo da prova, o que se constitui, na linguagem jurídica, a
denominada inversão do ônus da prova.
6.3.2 Princípio da aptidão para a prova e a aplicação subsidiária do CDC
Outro critério utilizado, de extrema importância, é o princípio da aptidão para a
prova. O litigante apto para a prova é o que tem as melhores condições de produzi-la, por
encontrar-se em situação mais favorável, independentemente de ser o autor ou o réu. Ocorre
quando uma das partes possui melhores condições de provar que a outra, visto que detém
todas as informações necessárias ou, ao menos, são-lhe mais acessíveis.
O princípio da aptidão para a prova tem sua eficácia na técnica da inversão do ônus
da prova:
Dessa forma, com a inversão do ônus da prova, não se produz a prova do fato, mas apenas se considera que o fato alegado deve ser provado pela parte contrária. O que acontece é, pois, uma modificação judicial do ônus da prova, determinando que a parte contrária demonstre o fato que, normalmente, caberia ao outro litigante comprovar. [...] Na Itália, essa técnica é utilizada, por exemplo, na Legge 125, de 10.04.1991, que, com a intenção de promover a paridade homem-mulher no local de trabalho, possibilita que, desde que a autora da ação apresente elementos de fato idôneos a construir a prova prima facie (isto é, comprove que os homens ganham mais pelo mesmo serviço, são promovidos em maior número que as mulheres etc.), o juiz pode inverter o ônus da prova, cabendo ao réu demonstrar a inexistência de comportamento discriminatório. O art. 4.º dessa lei afirma que, se a autora “fornisce elementi di fatto (...) idonei a fondare, in termini precisi e concordanti, la presunzioni di atti o comportamenti discriminatorie in ragione del sesso, spetta al convenuto I’ onere della prova sulla insussistenza della discriminazione”. Essa regra legal baseia a inversão do ônus da prova na previa demonstração de elementos suficientes para que se possa construir a prova prima facie da discriminação; por isso, pode-se afirmar que traz embutida uma hipótese de presunção jurisprudencial, na medida em que, para ser aplicada, implica a valoração preventiva do juiz de determinados elementos fáticos (prova prima facie) apresentados pela autora, embora a lei parta do pressuposto axiológico de que, na sociedade, ainda estão presentes resquícios de machismo os quais tornam a discriminação presumível. No Brasil, essa técnica foi consagrada, expressamente, no art. 6. º, inc. VIII, CDC [...]. 628
628 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 411-412.
Veja-se que tanto neste como no princípio anteriormente estudado não se perquire a
atribuição da prova de acordo com os métodos tradicionais (art. 818 da CLT e art. 333 do
CPC). O que se busca é uma forma mais justa de distribuição da prova, liberando o
magistrado do simplismo e, em especial, do comodismo fornecido pelo método tradicional,
como se o direito utilizasse regras estanques. É dever do magistrado ir além da lei, porquanto
o princípio da proporcionalidade exige do julgador uma atividade pós-normativa.
Além do mais, o princípio da aptidão para a prova está expresso no art. 6º, inciso
VIII, do Código de Defesa do Consumidor:
Art. 6º. São direitos básicos do consumidor: [...] VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do Juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;
O direito é verossímil quando é um direito plausível, provável, mas não há certeza
sobre sua efetiva existência. Mesmo que não se tenham provas do direito alegado, pode-se
concluir pela verossimilhança através das circunstâncias dos fatos expostos. Apresentando-se
como verdadeiro ou havendo aparência de verdade, tem-se como direito verossímil, podendo
o julgador, inclusive, usar das regras ordinárias da experiência para decidir. É mister apenas
que os fatos alegados convençam o julgador da aparente veracidade, ou seja, as alegações
invocadas deverão ter um fundo de verdade, amparado no que é plausível. É requisito para o
pedido de antecipação da tutela (art. 273 do CPC), Ações Cautelares (art. 796 do CPC e ss.) e
na inversão do ônus da prova (art. 6º, VIII do CDC). Contudo, “quando se exige que a
alegação seja verossímil, isso significa que deve corresponder ao que normalmente acontece.
O art. 6.º, inc. VIII, CDC, contemplou a noção da verossimilhança, não exigindo um juízo de
probabilidade, o que significa dizer que basta a alegação do fato, o qual, para ser considerado
verossímil, independe de qualquer elemento de prova”.629
629 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 414.
A hipossuficiência prevista pelo legislador (art. 6, VIII, do CDC) é mais ampla e
abrangente do que a concepção tradicional, merecendo especial atenção, ante a importância
ímpar na correta distribuição do ônus da prova, uma vez que a hipossuficiência de uma das
partes pode constituir requisito para incumbir à outra o ônus da prova. A hipossuficiência
poderá ser econômica, técnica, intelectual, de informação, de deslocamento etc. Portanto, a
hipossuficiência decorre da posição de superioridade de uma das partes com relação à outra,
que gera flagrante desequilíbrio, apto a dificultar a prova dirigida ao julgador. A
hipossuficiência, nos moldes do CDC, não se restringe apenas ao aspecto econômico ou
financeiro, podendo caracterizar-se sempre que evidenciada a dificuldade na produção de
provas pela parte. Neste sentido, Eduardo Cambi, assegura que “a noção de hipossuficiência
tem sentido amplo e significa a diminuição da capacidade do consumidor. Não se restringe
aos aspectos econômicos, mas também devem ser ponderados fatores como o acesso à
informação, grau de escolaridade, poder de associação e posição social”. 630
É indiscutível, porém, que, “verificando um desses pressupostos legais, o juiz tem o
dever, não a mera faculdade, de inverter o ônus da prova, motivando as razões de seu
conhecimento (art. 93, inc. IX, CF)”. 631
As regras ordinárias de experiências, também chamada de “máximas de
experiência”, podem ser divididas em regras de experiência comum e técnica. As regras de
experiência comum permitem que o juiz empregue os conhecimentos da vida cotidiana ao
sentenciar, pois dizem respeito ao modo de viver das pessoas, usos, costumes, maneira de
proceder dos indivíduos nas diversas relações, conhecimento histórico, vivência própria, etc.
As regras de experiência técnica decorrem de estudos específicos e/ou conhecimentos
630 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 415-416. 631 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 417.
especializados em ciência, arte, profissão, que podem, inclusive, determinar a dispensa de
uma inspeção ou autorizar o juiz a não acolher as conclusões do perito.
Acrescente-se ao artigo supramencionado o art. 4º, I, do CDC. Art. 4º. A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo [...] ...atendidos os seguintes princípios: I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo; [...].
Positivado no ordenamento jurídico brasileiro pela primeira vez, o princípio da
vulnerabilidade constitui-se em norma fundamental na relação de consumo. Segundo o
Dicionário Aurélio, vulnerável é aquilo “[...] que se vulnera; diz-se do lado fraco de um
assunto ou questão, e do ponto por onde alguém pode ser atacado ou ferido." Vulnerar é "[...]
ferir; melindrar; ofender”. 632
Correlato ao princípio da hipossuficiência acima exposto, a vulnerabilidade decorre
da atuação superior sobre a inferior, analisada não de forma conjunta, mas sim
separadamente, em cada relação jurídica estabelecida. O consumidor pode ser
economicamente forte em relação ao fornecedor, todavia é vulnerável quanto à informação
prestada pelo mesmo fornecedor, sendo necessário o estabelecimento de um equilíbrio.
A vulnerabilidade não é uma peculiaridade que atinge somente o consumidor típico.
As relações jurídicas tributárias, impostas pelo Estado, tornam o contribuinte frágil diante da
máquina estatal. De igual forma, nas relações entre o capital e o trabalho é inescondível a
vulnerabilidade do trabalhador que, sem acesso a informações e normas criadas
unilateralmente pelas empresas, torna-se hipossuficiente para vindicar seus próprios direitos.
O princípio da vulnerabilidade tende, portanto, a ser aplicado em todos os ramos do direito,
com o objetivo de alcançar a isonomia real nas relações jurídicas.
A vulnerabilidade jurídica manifesta-se nas dificuldades que se apresentam ao
cidadão para defender ou buscar direitos, tanto na esfera administrativa como judicial,
632 FERREIRA, Aurélio Buarque de Hollanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996, p. 1474.
devendo ser aplicada a todas as relações, visando ao equilíbrio das partes contratantes, pouco
importando a situação econômica, cultural ou condição social dos envolvidos. Diz-se,
também, que o litigante eventual encontra-se em vulnerabilidade jurídica, enquanto ao
litigante habitual a vulnerabilidade não lhe é peculiar, posto que já conhece os meios e
caminhos para evitar eventual prejuízo. A título de exemplificação, menciona-se a relação
existente entre o fisco e o contribuinte. Quando este sofre as conseqüências de um lançamento
tributário, aquele utiliza-se de todo o sistema criado para a cobrança do crédito, tanto na
esfera administrativa como na esfera judicial, pois conta com profissionais específicos para
este fim. Trata-se de litigante habitual, longe de ser atingido pela vulnerabilidade, pois
conhece e patrocina suas próprias medidas impositivas.
Após a leitura dos tópicos acima, conclui-se necessariamente pela aplicação do CDC
ao Processo do Trabalho, conforme defendido por Carlos Alberto Reis de Paula633 e César P.
S. Machado Junior634. Este doutrina no sentido de que o art. 6º, inciso VIII, do CPC é
plenamente aplicável ao direito processual do trabalho, ante a permissão estabelecida no art.
8º, parágrafo único, da CLT: “O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho,
naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste”, bem como o art.
769 da CLT: “Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito
processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título”.
Contudo, advoga-se sua aplicação no processo do trabalho, especialmente pelo fato
de que os princípios que norteiam o direito trabalhista são similares aos princípios que
guarnecem o consumidor, posto que ambos visam à proteção do hipossuficiente (técnica,
econômica e intelectualmente) e do vulnerável (art. 4º, I, do CDC).
633 REIS DE PAULA, Carlos Alberto. A especificidade do ônus da prova no Processo do Trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2001, p. 151. 634 MACHADO JÚNIOR, César Pereira da Silva. O ônus da prova no Processo do Trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2001, p. 146.
Ora, não há dúvidas de que o empregado é hipossuficiente perante o empregador, e a
vulnerabilidade a que é exposto sujeita-o a toda e qualquer espécie de submissão, tornando-se
razoavelmente compreensível que suas forças sejam limitadas pelo poder potestativo do
empregador. Em outros casos, ainda que raros, pode ocorrer que o autor encontre-se em
posição privilegiada perante o empregador, pelo que deverá ser o responsável pela coleta de
todas as informações necessárias e úteis à solução do litígio.
Frise-se que ênfase deve ser dada ao princípio da vulnerabilidade, ante a notória
disparidade conceituada por este princípio. O intérprete deverá acautelar-se quando da coleta
de provas ou do julgamento, não podendo admitir, por exemplo, que um trabalhador braçal
tenha condições de negociar seu contrato de trabalho com o empregador, em igualdade de
posições. Tampouco permitir que o encargo probatório lhe tire direito que se presume existir.
Note-se que sempre que o direito for verossímil ou a parte for hipossuficiente há
inversão do ônus da prova. O direito verossímil equivale a uma presunção relativa, ou até
mesmo pode ser extraído das máximas da experiência. A hipossuficiência deve ser entendida
como a dificuldade de se provar um fato que se alega. Tudo isso aliado à vulnerabilidade de
uma das partes pode determinar a distribuição do ônus da prova com justiça. Cede espaço,
portanto, o método tradicional de distribuição do ônus da prova, devendo o intérprete buscar o
verdadeiro sentido da norma, além de realizar a necessária atividade pós-normativa.
Como visto, a aptidão, além de ser um princípio, encontra-se expressa em lei,
havendo necessidade, por vezes, de se desconsiderar o método tradicional de distribuição do
onus probandi.
Veja-se, a propósito, a jurisprudência sobre o tema: VALOR DA REMUNERAÇÃO – APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA APTIDÃO PARA A PROVA – Seria muito cômodo que a ré, de posse dos documentos necessários à produção da prova, pudesse apenas apontar qualquer valor como média mensal recebida pelo autor, seja porque não quer produzir a prova, ou porque produzi-la não a beneficiária. Aplica-se ao presente caso o princípio da aptidão para a prova: Uma vez reconhecido o vínculo empregatício, fato constitutivo do direito
do autor, o ônus da prova do valor da remuneração deve recair sobre a ré, porque é ela a pessoa apta a produzir a prova necessária. Portanto, inexistindo nos autos os documentos necessários à apuração da média recebida pelo reclamante, considera-se demonstrado o valor indicado na inicial. (TRT 17ª R. – RO 01232.2003.005.17.00.5 – Relª Juíza Wanda Lúcia Costa Leite França Decuzzi – J. 30.11.2004) PRINCÍPIO DA APTIDÃO PARA A PROVA – FUNDAMENTO PARA INVERSÃO DO ÔNUS PROBATÓRIO – O PRINCÍPIO DA APTIDÃO PARA A PROVA, COMO FUNDAMENTO PARA A INVERSÃO DO SEU ÔNUS PODE SER LEVADO EM CONTA NA APRECIAÇÃO DOS FATOS E DO PEDIDO – A alegação, pelo empregado, de fato que só pode ser provado pelo empregador, justifica a inversão do ônus da prova como instrumento para alcançar o escopo do processo, que é a justa composição da lide. O juiz pode, então, valer-se do critério da proximidade real e de facilidade de acesso às fontes probatórias e determinar que a prova, a princípio de incumbência do autor, que alegou o fato, seja produzida pelo réu. Se o documento ou coisa não são apresentados por aquele que os detém, impõe-se reconhecer à situação presunção favorável à parte contrária, a quem a prova é inacessível. TRT 9ª R. – AP 4165/2001 – (11287/2002) – Relª Juíza Marlene T. Fuverki Suguimatsu – DJPR 17.05.2002.
Convém lembrar que o intérprete não é mero aplicador da lei. Deve, antes de aplicá-
la, analisar o caso concreto e submeter as partes ao criterioso senso de justiça.
Nada mais óbvio, por exemplo, que a prova fique a cargo do empregador no caso de
professor comissionado, cuja comissão varia de acordo com o número de alunos em sala de
aula. É evidente que a Escola tem o registro de todos os alunos bem como o número dos que
participavam da aula do referido professor. Nesse caso, o autor deveria provar o fato
constitutivo (art. 333, inc. I, do CPC). Todavia, a inversão é extremamente necessária, uma
vez que o réu tem facilidade de acesso às fontes probatórias, não havendo justificativa
plausível para incumbir esse ônus ao autor.
Nos processos que envolvem acidentes do trabalho, a aplicação do princípio da
aptidão para a prova tem relevância ímpar, pois a empresa possui todas as informações e
documentos sobre a qualificação profissional dos empregados, as especificações das
máquinas, a comprovação de assistência técnica periódica, e demais esclarecimentos relativos
à estrutura organizacional da empresa, além da ficha funcional completa do empregado,
noticiando eventuais problemas de saúde constatado nos exames médicos realizados durante
toda a relação empregatícia (admissão, demissão e periódicos). O fundamento do princípio da
proporcionalidade está na maior proximidade da prova ou facilidade para produzi-la,
conforme já decidiu o TST:
COMPETÊNCIA MATERIAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO [...] ACIDENTE DE TRABALHO SAÚDE E SEGURANÇA DO TRABALHO – PREVISIBILIDADE DO RISCO – INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA – RESPONSABILIDADE SUBJETIVA COM CULPA PRESUMIDA – 1. A licitude da atividade comercial de alto risco exercida pelo empregador não o exime da responsabilidade de providenciar uma gestão racional das condições de segurança e saúde do trabalho. 2. Se o empregador não-providencia as condições adequadas à proteção do trabalhador, viola dever objetivo de cuidado, configurando-se a conduta culposa. 3. Não há falar em caso fortuito ou força maior quando houver previsibilidade da ocorrência do resultado. In casu, é inegável a previsibilidade de que, no descarregamento de produto inflamável, alteração meteorológica possa ocasionar explosão e acidente de grandes proporções. 4. A conduta da reclamada não se reveste da diligência exigível do homo medius, que, afastando o risco inerente à atividade de descarregamento de produto, busca prevenir o acidente de trabalho. A culpa do empregador se torna ainda mais reprovável diante da notória qualificação tecnológica da reclamada, que, mais do que ninguém, deveria haver promovido as medidas necessárias à segurança e saúde do trabalho. 5. A aplicação do instituto da responsabilidade civil no Direito do Trabalho distingue-se de sua congênere do Direito Civil. Ao contrário das relações civilistas, lastreadas na presunção de igualdade entre as partes, o Direito do Trabalho nasce e desenvolve-se com o escopo de reequilibrar a posição de desigualdade inerente à relação de emprego. Nesse sentido, a apuração da culpa no acidente de trabalho deve adequar-se à especial proteção conferida pelo ordenamento jurídico ao trabalhador. Essa proteção se concretiza, dentre outras formas, pela inversão do ônus da prova, quando verificada a impossibilidade de sua produção pelo empregado e a maior facilidade probatória do empregador. 6. A regra do artigo 333 do CPC, segundo o qual compete à parte que alega comprovar fato constitutivo de direito, enquanto à parte contrária compete provar fato modificativo, extintivo ou impeditivo, deve ser aplicada subsidiariamente na esfera trabalhista. Aqui, vige o princípio da aptidão para a prova, determinando que esta seja produzida pela parte que a ela tem acesso, quando estiver fora do alcance da parte contrária. 7 No presente caso, seria insensato exigir dos reclamantes a comprovação da inexistência de culpa da empresa no eventus damni, sob pena de desvestir o instituto da responsabilidade civil de toda sua eficácia e de negar vigência à garantia constitucional do art. 7º, inciso XXVIII. 8. Cabia à empresa, e, não, aos reclamantes, desvencilhar-se do ônus da prova da inexistência da culpa. Como não se desonerou do ônus que milita em seu desfavor, presume-se a culpa, surgindo o conseqüente dever de indenizar o trabalhador pelo prejuízo sofrido. Recurso não conhecido.[...] (TST – RR 930 – 3ª T. – Relª Min. Maria Cristina Irigoyen Peduzzi – DJU 19.03.2004).
Muitos dos documentos que uma empresa possui são exigidos por lei, outros
decorrem da própria estrutura organizacional da empresa. Quando o documento é exigido por
lei, a prova pode ser enquadrada nas regras de prova pré-constituída, que será tratada no
próximo tópico. A reunião desses documentos aos autos pode ser imprescindível para a
solução da controvérsia.
6.3.2.1 Inversão judicial e legal do ônus da prova no CDC
Ocorre inversão judicial (ope judicis) quando cabe ao juiz, após a análise do caso,
verificar se os requisitos legais estão presentes para que se proceda a inversão. O art. 6º, VIII,
do CDC institui a inversão judicial, eis que, estando presentes a verossimilhança e/ou a
hipossuficiência, está autorizado a inverter o ônus da prova. A verificação desses critérios
deverá ser feita através das máximas de experiência ou regras de experiência, conforme
determina o próprio artigo. A inversão do ônus da prova na situação genericamente
disciplinada pelo art. 6º,VIII, CDC não é automática, dependendo de circunstâncias a serem
apuradas pelo juiz.
Há inversão legal (ope legis) quando a própria lei admite presumidos o que na
inversão judicial é tarefa do julgador. É o que ocorre com relação aos defeitos de produtos
(art. 12, § 3º, CDC) e de serviços (art. 14, § 3º, CDC). Nesses casos, por existir uma
presunção legal da existência de vícios, a própria lei determina a inversão do ônus da prova,
não havendo necessidade de o julgador definir a quem cabe a prova, uma vez que a inversão é
automática.
Transpondo tais conceitos ao processo do trabalho, tem-se que na Justiça do
Trabalho, há tempo, aplica-se a inversão judicial e/ou a inversão legal. A primeira está
inserida nas máximas de experiências e a segunda nas regras de pré-constituição da prova,
itens que serão analisados oportunamente. As máximas de experiência são de uso diário no
processo do trabalho, ante a forte incidência do princípio da oralidade, com destaque para a
identidade física do juiz. As regras de pré-constituição da prova também são facilmente
detectadas nos dispositivos celetistas, uma vez que a lei impõe a documentação do
cumprimento dos encargos e demais deveres decorrentes da lei, o que determina que o ônus
da prova recaia sobre o responsável pelo registro.
6.3.2.2 Critérios de inversão no CDC
Não havendo inversão legal, há que se perquirir sobre a possibilidade de se definir a
inversão judicial, esta considerada de caráter excepcional, nos termos do art. 6º, inciso VIII,
do CDC. A divergência doutrinária está na exigência ou não da presença simultânea dos
requisitos verossimilhança e hipossuficiência para que o juiz conceda a inversão. O
entendimento majoritário aponta para a presença apenas de um dos requisitos
(verossimilhança e/ou hipossuficiência), em especial porque o referido artigo não distingue,
além de utilizar o conetivo “ou” e não o conetivo “e”.
Portanto, a vantagem processual conferida ao consumidor e, por aplicação
subsidiária, ao trabalhador, isenta a parte do ônus de provar, desde que presente apenas um
dos requisitos:
O art. 6.º, inc. VIII, CDC, atribui ao consumidor uma vantagem processual, porque o dispensa de provar o fato constitutivo do seu direito, que, se não tivesse invertido o ônus probatório, deveria ser por ele demonstrado, já que se aplicaria o art. 333 do CPC. Conseqüentemente, a inversão do onus probandi representa, para o consumidor, verdadeira isenção de seu ônus da prova, cujo encargo é transferido ao fornecedor. A inversão do ônus da prova não é automática, devendo-se dar por obra do magistrado (isto é “a critério do juiz”; art. 6.º, inc. VIII, 1.ª parte), que deve verificar se estão presentes, no caso concreto, os requisitos legais necessários para efetuar a inversão. Essa regra jurídica condiciona a inversão do ônus da prova às hipóteses em que a alegação seja verossímil ou que o consumidor seja hipossuficiente, segundo as regras ordinárias da experiência. Todavia, o juiz não há de exigir a configuração simultânea das duas situações, já que o art. 6.º inc. VIII, CDC, se vale da conjunção alternativa ou, não da aditiva e. Logo, ou basta que a alegação seja verossimilhante, ou basta que o consumidor seja hipossuficiente.635
Não há como negar o benefício da inversão probatória pela ausência de um dos
requisitos, eis que o objetivo da lei não é restringir sua aplicabilidade, mas sim conferir-lhe
caráter extensivo e amplo, com o intuito de salvaguardar todo o direito que se achar
verossímil, ainda que não seja hipossuficiente a parte. Quando não for possível verificar a
635 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 412-413.
verossimilhança do direito alegado, pode-se analisar a hipossuficiência da parte, ficando
autorizada a inversão com a presença de apenas um dos requisitos. Humberto Theodoro
Júnior também compartilha desse entendimento, enfatizando que a presença de um dos
requisitos é suficiente, devendo ser analisado à luz da regras ordinárias de experiência.636
Aplicável ao Processo do Trabalho, deve o julgador aferir a verossimilhança do
direito alegado e a hipossuficiência da parte, a par da vulnerabilidade, atribuindo o ônus da
prova ao litigante adverso.
6.3.2.3 Momento processual da inversão do ônus da prova no CDC
Divergem a doutrina e a jurisprudência sobre o momento da inversão do ônus da
prova no CDC. Um dos segmentos afirma que se trata de regra de julgamento, enquanto outro
entende que a matéria deve ser apreciada antes da instrução processual.
Carlos Alberto Reis de Paula argumenta que as regas do ônus da prova são de
julgamento, apreciadas quando da prolação da sentença, eis que cabe às partes descobrirem a
quem cabe a prova. 637
Humberto Theodoro Júnior diz que se trata de medida de exceção, devendo ser
apreciada em despacho interlocutório antes do julgamento. Tem como objetivo cientificar a
parte de que está obrigada a provar os fatos articulados, em conformidade com o princípio do
contraditório e da ampla defesa638. Nesse sentido, Eduardo Cambi, para quem a inversão do
ônus da prova é regra de comportamento, ressalta:
636 THEODORO JÚNIOR. Humberto. Direitos do Consumidor. 2. ed. São Paulo: Forense, 2001, p. 142. 637 REIS DE PAULA, Carlos Alberto. A especificidade do ônus da prova no Processo do Trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2001, p. 153-154. 638 THEODORO JÚNIOR. Humberto. Direitos do Consumidor. 2. ed. São Paulo: Forense, 2001, p. 135.
Há quem sustente dever a inversão ao ônus da prova ser deferida no próprio despacho inicial, mas esse posicionamento não deve ser adotado, porque a inversão do ônus da prova ocorreria antes mesmo de o réu apresentar a sua resposta, o que faria com que o thema probandum fosse fixado antes mesmo de os fatos se tornarem controversos. Por outro lado, há quem afirma que o art. 6.º, inc. VIII, CDC, consagra uma regra de julgamento, que tem aplicações somente no momento da sentença. Entretanto, as normas de repartição do ônus da prova não são somente regras de julgamento, mas também regras de comportamento dirigidas às partes, tendo a finalidades de indicar, de antemão, quais os fatos que cada um dos litigantes deve provar. Assim, se a inversão do ônus da prova for conhecida somente na sentença, não se assegurará oportunidade para que o fornecedor possa exercer satisfatoriamente o seu direito à prova, o que resultaria na violação das garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa (art. 5.º, inc. LV, CF). Com efeito, não se daria chance para que ele questionasse a decisão que inverte o ônus da prova e, além disso, estar-se-ia cerceando o seu direito de apresentar novos elementos para poder influir no convencimento do juiz. Logo, a regra contida no art. 6.º, inc. VIII, CDC, visa a facilitar a defesa dos direitos do consumidor; mas não às custas do sacrifício do direito de defesa do fornecedor.639
Contudo, há que se analisar cada caso concreto. A atribuição do ônus da prova
declarada em sentença pode ser mais adequada em alguns casos, visto que, se declarada
inicialmente, pode trazer à parte beneficiada certo comodismo e até má vontade ou falta de
colaboração na coleta da prova, uma vez que as partes têm o dever de levarem a juízo todos os
elementos probatórios que estiverem a seu alcance. A dúvida lançada às partes pode ajudar no
esclarecimento dos fatos, posto que ambas estarão empenhadas em provar os fatos que lhes
interessam. Como se manifestará o juiz sobre a prova somente através da sentença final, a
tendência natural é que o esforço das partes em prol da prova seja mais aguçado e
convincente, porquanto até a decisão final paira a incerteza quanto ao ônus da prova, capaz de
ajudar a elucidar os fatos articulados pelas partes. Além do mais, não sendo declarada em
sentença, da decisão interlocutória por meio da qual o juiz apreciar a matéria cabe Agravo de
Instrumento - exceto na Justiça do Trabalho (CLT, art. 893, § 1º)- o que poderá procrastinar
ainda mais o feito.
639 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 417-418.
Por outro lado, uma vez determinada a inversão do ônus da prova, a parte que ficar
com o encargo sabe exatamente o que precisa provar para evitar decisão desfavorável. Nesse
caso, não poderá alegar que não lhe foi devidamente concedido o contraditório e a ampla
defesa, como certamente alegaria se fosse surpreendida em sentença. Esse entendimento
coaduna-se com o direito constitucional à prova, além de evitar injustiças:
Ademais, a exacerbação do ônus da prova, como regra de julgamento, contribuí com a burocracia das decisões, estimulando o comodismo, próprio da visão conservadora do imobilismo judicial, que, por estar sustentado na inércia e na apatia do julgador, dá ampla margem às injustiças, pois as partes ficam sujeitas à sua própria sorte, como se o processo fosse um mero jogo, no qual restaria ao Estado o papel de legitimação da barbárie, ratificando o poder do litigante mais astuto ou mais esperto. Conseqüentemente, o ônus da prova, como regra de julgamento, deve ser utilizado apenas excepcionalmente, quando frustradas as tentativas de trazerem-se aos autos elementos suficientes de convencimento. [...] A inversão do ônus da prova, para poder dar efetividade às garantias constitucionais contidas na regra do art. 5.º, inc. LV, CF, deve ser realizada, durante a fase de saneamento do processo, precisamente no momento da audiência preliminar, quando o juiz deve fixar os pontos controvertidos (art. 331, § 2.º, CPC), quando houver ou no “despacho” saneador (art. 331, § 3.º, CPC). Tanto, mesmo que, posteriormente, o juiz se dê conta de que deveria inverter o ônus da prova (inclusive, no momento da sentença), deverá dar oportunidade para que o fornecedor se manifeste e, se necessário, exercite o seu direito à prova contrária. 640
Contudo, no processo do trabalho, o ônus da prova como regra de instrução (ou regra
de comportamento) sofre limitações, a começar pela ausência de previsão de audiência
preliminar. Além disso, como há vários pedidos, haveria a necessidade de se discutir um a
um, tornando-se trabalhosa e tormentosa a experiência. Pode-se, no entanto, silenciar sobre
vários pedidos e atribuir a um ou outro pedido a quem cabe o ônus de prová-los. O efeito
prático em se atribuir o ônus da prova em despacho interlocutório na Justiça do Trabalho é
quase inócuo, uma vez que da decisão não cabe recurso algum, exceto Mandado de Segurança
e em condições muito especiais. A parte poderá recorrer somente quando da prolação final da
sentença, através do Recurso Ordinário, para o segundo grau de jurisdição, quando, então, terá
640 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 419-420.
oportunidade de atacar a decisão interlocutória. Portanto, mesmo que a parte seja
surpreendida em sentença quanto ao ônus da prova que lhe competia, outra não será a solução
senão recorrer ordinariamente para o Tribunal. Já no processo civil, a parte inconformada com
a decisão interlocutória que não lhe é benéfica, poderia interpor Agravo de Instrumento, com
prejuízos irremediáveis ao andamento da marcha processual.
Conclui-se que, na Justiça do Trabalho, não está o magistrado obrigado a estabelecer
regras de prova antes da sentença final, eis que a medida não é prática, além de não haver o
alegado prejuízo pela falta de contraditório e ampla defesa. Tanto na inversão legal quanto na
inversão judicial, deve a parte ficar atenta aos ditames legais e ter os olhos postos no
entendimento jurisprudencial, pois que acompanhada de profissional da área, capaz de
antever eventual prejuízo na ausência de provas, bem como os riscos que a demanda oferece
caso não traga aos autos todos os elementos necessários à solução da controvérsia. Como dito
alhures, a incerteza lançada às partes faz com que ambas trabalhem em prol da verdade ou, ao
menos, tentem escondê-la, deixando marcas e indícios.
Esse entendimento harmoniza-se com a tese de Carlos Alberto Reis de Paula ao
sustentar que as regras do ônus da prova são de julgamento, frisando que o art. 451 do CPC
determina apenas a fixação das provas a serem produzidas, não servindo para atribuir
antecipadamente o ônus da prova às partes. 641
6.3.2.4 Princípio da isonomia e a necessária desigualdade processual
641 REIS DE PAULA, Carlos Alberto. A especificidade do ônus da prova no Processo do Trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2001, p. 153-154.
O art. 6º, VIII, do CDC (inversão judicial do ônus da prova – direito verossímil e
hipossuficiente) e o art. 4º, I, do mesmo diploma (princípio da vulnerabilidade), contemplam
o princípio constitucional da isonomia (art. 5º, caput, CF), que visa alcançar a igualdade real
entre as partes. Esses dispositivos do CDC tratam desigualmente os desiguais na medida de
suas desigualdades; desigualdade que está reconhecida pela lei.
O art. 5º da Constituição Federal consagra o princípio da igualdade, afirmando que
todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. ARISTÓTELES, em sua
visão futurística e sempre atualizada, definiu com simplicidade o real significado da igualdade
e foi categórico ao cunhar o brocardo de que a igualdade consiste em “dar tratamento desigual
aos desiguais, na medida de suas desigualdades”. Em tempos mais modernos, cita-se,
comumente, RUI BARBOSA, que também definiu o princípio constitucional da igualdade,
com toda a maestria que lhe é peculiar. Thales Tácito Pontes Luz de Pádua Cerqueira
transcreveu parte do Discurso, feito em 1920, por Rui Barbosa aos bacharelandos da
Faculdade de Direito de São Paulo, intitulado Oração aos Moços:
[...] A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. O mais são desvarios da inveja, do orgulho, ou da loucura. Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real. Os apetites humanos conceberam inverter a norma universal da criação, pretendendo, não dar a cada um, na razão do que vale, mas atribuir o mesmo a todos, como se todos se equivalessem. Essa blasfêmia contra a razão e a fé, contra a civilização e a humanidade, é a filosofia da miséria, proclamada em nome dos direitos do trabalho; e, executada, não faria senão inaugurar, em vez da supremacia do trabalho, a organização da miséria [...]. 642
Considerando a aplicação subsidiária do CDC ao Processo do Trabalho, há que se
reconhecer que o empregado deve merecer tratamento diferenciado, em juízo, ante a notória
desigualdade frente ao empregador, pois que há entre este e aquele a mesma relação existente
entre o consumidor e o fornecedor.
642 CERQUEIRA, Thales Tácito Pontes Luz de Pádua. Reserva de cotas para negros em Universidades - discriminação?. Artigo publicado em CD-Ron, Juris Síntese IOB, jul-ago/2006.
Para Eduardo Cambi, o art. 6.º, inc. VIII, CDC, consagra o princípio da isonomia:
O art. 6.º, inc. VIII, CDC, consagra o princípio constitucional da isonomia, pois o consumidor, por ser a parte mais vulnerável na relação de consumo (art. 4.º, inc. I, CDC), em um sistema de produção em massa, deve ser tratado de maneira diferente; afinal, a igualdade substancial somente pode ser alcançada tratando-se de desigualmente os desiguais, na medida da sua desigualdade. O intuito é tutelar os direitos do consumidor, conferindo-lhe paridade de armas perante o fornecedor. Isso se explica, uma vez que o consumidor é a parte mais fraca na relação de consumo, pois, geralmente, não dispõe de acesso às informações e aos elementos técnicos do produto ou do serviço, enquanto, por outro lado, o fornecedor detém esses dados, encontrando-se em melhor posição para fornecê-las ao juiz. Assim, de nada adianta assegurar o mero acesso formal do consumidor à justiça, se ele não dispusesse de instrumentos adequados para poder convencer magistrado de que tem razão, porque as situações injustas não teriam como ser reparadas, caso o ônus da prova não pudesse ser invertido. 643
José Luciano de Castilho Pereira, em artigo publicado na Revista do TRT da 10ª
região, citando Plá Rodrigues e Rubistein, apontou com clareza a necessidade de se transpor
ao processo do trabalho a desigualdade material do direito do trabalho:
Ainda me louvando em Plá Rodrigues, lembro que o emérito jurista sustenta que, por mais que o processo comum incorpore regras do processo do trabalho, este ainda ficará regido por três princípios básicos: a desigualdade compensatória, a busca da verdade real e a indisponibilidade. Vamos nos fixar no princípio da desigualdade compensatória. O princípio tutelar do direito do trabalho busca compensar a desigualdade real existente entre o empregador e o empregado. Esta desigualdade compensatória, indiscutível no direito material, se projeta também no processo do trabalho, dado seu caráter instrumental. Doutrina Santiago J. Rubistein que ‘os códigos e as leis processuais do trabalho deverão ter presente a inegável desigualdade econômica das partes, e criar normas que sejam protetoras dos direitos dos trabalhadores’, pregando, por conseqüência, uma mudança de mentalidade dos juízes e processualistas do trabalho (cfr. Fundamentos del Derecho Laboral Depalma, Buenos Aires, 1988, pág. 134). Entre os desequilíbrios existentes, um dos mais manifestos, lembra Plá Rodrigues, é o que ocorre com a capacidade probatória, já que o contrato de trabalho se executa dentro da empresa, que é a sede do poder patronal, e é onde o trabalhador deve arrancar a prova de que necessita para sustentar seu direito ofendido. É, pois, no campo da prova que a compensação da lei deve ser mais evidente, pena de se aplicar a técnica processual sem qualquer preocupação com a justiça. A lei é tutelar e o juiz, em sua interpretação e aplicação, não pode perder de vista o caráter tutelar da legislação que ele usa, como registrado na citação de Rubistein. 644
643 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 412.
644 PEREIRA, José Luciano de Castilho. Algumas considerações sobre a distribuição do ônus da prova. Revista do TRT da 10ª Região. Brasilia. vol. 5, n. 5, p.34-46, 1995, p. 37.
No processo do trabalho, as partes não podem ser consideradas iguais, não sendo
concebível que haja dicotomia entre o direito material e o processo do trabalho. É necessário
que se observe a desigualdade compensatória, principalmente na esfera probatória. Há
doutrinadores que sequer admitem as regras do ônus da prova do processo comum.
6.3.3 Regras de pré-constituição da prova
Na medida em que vão ocorrendo, há, paralelamente, a documentação dos fatos, ou
por força dos métodos adotados na administração ou exigência de leis fiscais, comerciais e
trabalhistas (recibos, ordens de serviços, folhas de ponto, vistorias, etc.). Essa documentação
consiste nas chamadas provas pré-constituídas, que são ad perpetuam memorim – para a
memória perpétua; não são destinadas a futuros processos; não há uma preocupação para
serem utilizadas neste ou naquele caso, ainda que, futuramente, isso possa ocorrer; fluem
naturalmente da atividade empresarial, como forma de assegurar o direito, mas sempre antes
no início da demanda. 645
Ocorre que existem casos em que a lei trabalhista exige a pré-constituição da prova
do cumprimento dos direitos e das obrigações trabalhistas. E são esses casos, em que o
empregador está obrigado por lei a documentar que se pretende discorrer. Porquanto, os
demais casos em que a lei não exige, mas é provável que o empregador documente, pode-se
enquadrar no critério do princípio da aptidão para a prova.
Nos acidentes do trabalho, a aplicação do princípio da prova pré-constituída torna-se
ainda mais acentuada na medida em que o empregador detém o poder diretivo do
empreendimento, com a guarda de todos os documentos relacionados às medidas preventivas
645 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 82-84.
adotadas para evitar acidentes. Além disso, possui os exames médicos de admissão, demissão
e periódicos dos seus empregados, os documentos comprobatórios da criação e
funcionamento da CIPA (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes). A própria lei impõe
o incremento de tais medidas, que devem ser comprovadas documentalmente.
César P. S. Machado Júnior cita alguns exemplos da obrigatoriedade da prova pré-
constituída:
A primeira delas, sem dúvida, refere-se às anotações na Carteira de Trabalho e Previdência Social (CLT, art. 29), não só das condições gerais do contrato individual do emprego, como as datas de admissão, função e salário, como também as condições especiais, que podem referir-se à existência de contrato a prazo (por exemplo, contrato de experiência), ou a inexistência de controle sobre a jornada de trabalho (CLT, art. 62, inc. I). Aliás, o empregador também deve ter em seu poder os documentos relativos aos depósitos do FGTS, recibos salariais (CLT, art. 464), além de controlar por escrito o horário de trabalho de seus empregados (CLT, art. 74, § 2º), salvo se contar com menos de dez empregados ou for enquadrada como microempresa ou empresa de pequeno porte (Lei nº. 9.841/99, art. 11). 646
Os exemplos acima expostos servem para ilustrar algumas obrigações exigidas por
lei, cujo descumprimento constitui presunção favorável ao trabalhador, podendo acarretar a
inversão do ônus da prova.
Note-se, contudo, que a presunção de veracidade dos documentos legalmente
exigidos é relativa. Isso significa que a empresa não se desonera somente por ter cumprido o
preceito legal. A eficácia probante dos documentos pré-constituídos, produzidos em
decorrência da relação empregatícia (cartões-ponto, recibos de pagamento, comprovante de
depósito de FGTS, exames médicos, comprovação de constituição e regular funcionamento da
CIPA, etc.) não é absoluta, admitido-se prova em contrário para invalidar a declaração
expressa, quando há indícios de que o vício os contaminou.
646 MACHADO JÚNIOR, César Pereira da Silva. O ônus da prova no Processo do Trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2001, p. 148.
Portanto, sempre que o empregador for obrigado a manter determinados documentos
para o cumprimento das obrigações trabalhistas, ocorre a inversão do ônus da prova. Todavia,
se o empregador apresentar os documentos, há uma presunção relativa de veracidade,
admitindo prova em contrário, a ser realizada pelo empregado.
Observa-se que, a princípio, caberia ao autor provar fato constitutivo de seu direito
como, por exemplo, o não recebimento de salários. No entanto, a prova é mais acessível ao
empregador, uma vez que está obrigado por lei a manter a documentação necessária, referente
aos seus subordinados. Nesse sentido, a jurisprudência:
HORAS EXTRAS – INEXISTÊNCIA DE REGISTRO DA JORNADA DE TRABALHO – PRESUNÇÃO DE VERACIDADE DA JORNADA ALEGADA NA PETIÇÃO INICIAL – 1. É ônus do empregador que conte com mais de dez empregados a prova da jornada de trabalho, na forma do artigo 74, § 2º, da CLT. Trata-se de prova pré-constituída obrigatória. A não-exibição judicial injustificada, ou a exibição de controles de jornada manifestamente inidôneos, gera presunção relativa de veracidade da jornada de trabalho. A exibição de documentos formalmente inidôneos equivale à não-apresentação. 2. Empregador que, declaradamente, dispensa o registro dos cartões de ponto pelo Reclamante, mesmo revelando, em contestação, a existência de jornada de trabalho de oito horas diárias, sujeita-se à confissão tácita da jornada alegada pelo antagonista. Aplicação da Súmula nº 338, ítens I e III, do TST. 3. Embargos conhecidos, por violação aos artigos 896 e 74, § 2º, da CLT, e providos para restabelecer a r. Sentença. (TST – E-RR 579.325/99.1 – SBDI-1 – Rel. Min. João Oreste Dalazen – DJU 02.02.2007) JCLT.74 JCLT.74.2 JCLT.896
Em acidentes de trabalho, o Conselho Superior da Justiça do Trabalho editou a
Resolução nº. 35/2007, contendo o art. 10 a seguinte redação:
Art. 10. Nas ações contendo pedido de adicional de insalubridade, de periculosidade, de indenização por acidente do trabalho ou qualquer outro atinente à segurança e saúde do trabalhador, o Juiz poderá determinar a notificação da empresa reclamada para trazer aos autos cópias dos LTCAT (Laudo Técnico de Condições Ambientais de Trabalho), PCMSO (Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional) e PPRA (Programa de Prevenção de Riscos Ambientais), e de laudo pericial da atividade ou local de trabalho, passível de utilização como prova emprestada, referentes ao período em que o reclamante prestou serviços na empresa. 647
Argumenta-se, ainda, que o empregador, ao descumprir as obrigações legais, feriu o
princípio da boa-fé, pois que tentou fraudar direitos trabalhistas, havendo mais um motivo
647 Disponível em: <http://www.csjt.gov.br>. Acesso em: 25 jul. 2007.
para que o ônus da prova lhe seja atribuído. É sabido que as relações jurídicas são orientadas
por este princípio, que exige conduta honesta das partes, sem qualquer espécie de
desvirtuamento.
6.3.4 Máximas da experiência
O art. 333 do CPC não é suficiente para distribuir o onus probandi com justiça,
exigindo critérios complementares como as máximas de experiência:
A rigorosa aplicação dos critérios adotados no art. 333 do CPC nem sempre consegue se mostrar conveniente para a obtenção de uma decisão justa, porque o rigor dessa regra jurídica pode tornar extremamente difícil ou impossível o exercício do direito à prova. Para evitar que uma parte fique excessivamente onerada, o juiz pode se valer das presunções simples, mediante as quais é possível completar a formação de seu convencimento. Pela teoria dos fatos normais e extraordinários, o fato ordinário sempre presume, sendo essa presunção fundamental e a origem remota de todas as presunções, e o fato extraordinário se prova. Além dessa razão ontológica, essa forma de distribuição do ônus da prova ou regra de julgamento está fundada em critérios lógicos baseados em máximas de experiência (o normal conhecimento da vida e das coisas). Nesse sentido, pode-se sustentar que os fatos normais integram o conhecimento que qualquer pessoa de cultura média, não somente o juiz, possui, servindo como fonte de presunção a permitir a inversão do ônus da prova. Por exemplo, o autor alega a existência de locação e pede o despejo por falta de pagamento, enquanto o réu contesta a ação, afirmando ser comodatário do imóvel. Sendo a onerosidade da ocupação do imóvel um fato normal, enquanto a ocupação gratuita é um fato extraordinário, não tendo nenhuma das partes provado suficientemente as suas alegações, a regra de julgamento deve recair sobre a litigante que estava incumbido de demonstrar o fato extraordinário. [...] Portanto, o critério da normalidade/anormalidade serve para estabelecer presunções, sendo útil para resolver os casos duvidosos; entretanto, não pode ser adotado como um critério geral, mas apenas complementar, porque nem sempre é possível se valer de máximas da comum experiência para determinar, com razoável segurança, o que é e o que não é normal. Levando em consideração essas cautelas, não obstante a percepção do que seja mais ordinário ou extraordinário possa ser difícil, essa dificuldade não diminui a exatidão e a interidade dessa teoria. [...] Portanto, toda vez que, com base em máximas da experiência, se criam presunções (jurisprudenciais ou legais) que culminem na utilização da técnica da inversão do
ônus da prova está-se tutelando, efetiva e adequadamente, os direitos materiais, a que o processo, enquanto mero instrumento, destina-se a proteger. 648
Como já afirmado nesta pesquisa, as regras ordinárias de experiências, também
chamada de “máximas de experiência”, podem ser divididas em regras de experiência comum
e técnica. As regras de experiência comum permitem que o juiz empregue os conhecimentos
da vida cotidiana ao sentenciar, pois dizem respeito ao modo de viver das pessoas, usos,
costumes, maneira de proceder dos indivíduos nas diversas relações, conhecimento histórico,
vivência própria etc. As regras de experiência técnica decorrem de estudos específicos e/ou
conhecimentos especializados em ciência, arte, profissão, que podem, inclusive, determinar a
dispensa de uma inspeção ou autorizar o juiz a não acolher as conclusões do perito. O juiz não
precisa necessariamente utilizar-se de perícia para decidir. Poderá socorrer-se de livros,
informações periciais contidas em outros processos etc. Pode-se dispensar, portanto, a perícia
ou a inspeção judicial quando as informações forem acessíveis e facilitadas pelos estudos
científicos e constituem regras de experiência técnica.
Esse critério tem por escopo o emprego dos conhecimentos da vida no ato de
sentenciar. Aqui se encontra o modo de viver das pessoas, seus usos e costumes. O intérprete
busca auxílio em sua própria convivência social. Sua experiência de vida e, principalmente,
de juiz, influenciam toda e qualquer decisão, pois que as máximas da experiência podem ser
usadas na aplicação da lei, da analogia, dos costumes e dos princípios gerais do direito.
O art. 335 do CPC determina que, havendo falta de normas jurídicas, deve o julgador
utilizar-se das regras de experiência comum ou técnica. Porém, o entendimento doutrinário é
de que a utilização das máximas de experiência não é subsidiária, mas concorrente:
O art. 335 do CPC incorporou, normativamente, a noção de máximas de experiências no ordenamento processual brasileiro. Contudo, a sua redação merece críticas, porque não é correto afirmar que o juiz somente recorre às máximas de experiência quando falta norma jurídica particular. Aplicam-se não apenas
648 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 332-333, 335.
subsidiariamente, quando houver lacuna da lei, mas concorrentemente, podendo integrar as normas jurídicas que contenham conceitos valorativos, cujo sentido deve ser estabelecido pelo juiz. [...] Por isso, pode-se afirmar que as máximas de experiência não precisam ser alegadas pelas partes e não só podem, como devem, ser levadas em consideração pelo juiz, mesmo de ofício. 649
O dispositivo insculpido no art. 852-D da CLT (procedimento sumaríssimo da
Justiça do Trabalho) ressalta que o juiz deve “[...] dar especial valor às regras de experiência
comum ou técnica”.
O art. 5º da 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais) também diz que o juiz deve “[...]
dar especial valor às regras de experiência comum ou técnica”.
Pode-se encontrar, ainda, a indicação para o uso das máximas de experiências pelo
julgador no art. 6º, VIII, do CDC.
Tanto a lei como as regras da experiência comum ou técnica têm aplicação
concorrente, em especial na tarefa interpretativa, conforme já salientado. Contudo, deve-se
observar condições mínimas de aplicabilidade:
Pelo menos três são as condições mínimas a serem apontadas para que se possa valer das máximas de experiência. Em primeiro lugar, devem ser noções comumente aceitas no ambiente social e cultural, bem como pertencer à cultura média existente no local e no tempo em que a decisão deve ser proferida. [...] Em segundo lugar, as máximas de experiência não podem ser contrariadas pelo conhecimento científico. [...] Por último, para que haja um uso racional das máximas de experiência, é necessário que a sua utilização não gere contradição com outras noções do senso comum. 650
As máximas da experiência devem estar em sintonia com o que de ordinário ocorre,
devendo o magistrado convencer-se através de suas experiências cotidianas. É conveniente,
por exemplo, que, mesmo à revelia, não se acolha pedido de pagamento de salários durante os
últimos 12 meses a trabalhador cujo sustento da família provém única e exclusivamente do
649 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 286-287, 289. 650 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 290-291.
labor, pois a experiência demonstra que dificilmente o trabalhador conseguiria subsistir por
tão extenso período sem receber o salário. Neste sentido a jurisprudência:
AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – ERRO MÉDICO – PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS – RELAÇÃO DE CONSUMO – APLICAÇÃO DAS NORMAS DO CDC – HIPOSSUFICIÊNCIA TÉCNICA DO CONSUMIDOR – INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA – ADMISSIBILIDADE – RECURSO DESPROVIDO – I - A chamada inversão do ônus da prova, no Código de Defesa do Consumidor, deve ser compreendida no contexto da facilitação da defesa dos direitos do consumidor, ficando subordinada ao critério do juiz, quando for verossímel a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias da experiência (art. 6, vIII). II. Correta a decisão que procedeu a inversão do ônus da prova, quando restou clara a relação de consumo, havendo vulnerabilidade do consumidor, sendo o paciente tecnicamente hipossuficiente em relação ao médico. III - Recurso desprovido. (TJPR – AI 0367703-8 – Apucarana – 9ª C.Cív. – Rel. Des. Tufi Maron Filho – J. 16.11.2006) DIREITO CIVIL – INDENIZAÇÃO – RELAÇÃO DE CONSUMO – ÔNUS DA PROVA – SENTENÇA MANTIDA – 1 – Segundo exegese do art. 6º, inciso VIII do CDC, a inversão do ônus da prova, quando verossímil a alegação ou quando o consumidor for hipossuficiente, fica a critério do julgador. 2. Considerando que o destinatário das provas é o juiz, e se houver elementos suficientes para formar o seu convencimento, aquelas são dispensáveis, promovendo o magistrado o julgamento segundo regras ordinárias da experiência visando a busca da máxima probabilidade da veracidade dos fatos. 3. Recurso conhecido e improvido. (TJDF – ACJ 20020710146195 – 1ª T.R.J.E. – Relª Desª Nilsoni de Freitas Custodio – DJU 13.12.2004 – p. 36)JCDC.6 JCDC.6.VIII
Eduardo Cambi destacou as cautelas que o juiz deverá tomar para evitar o uso
abusivo das máximas da experiência, buscando o ponto de equilíbrio:
Entretanto, para evitar o uso abusivo das máximas da experiência, que não valem por si mesmas, cabe ao juiz justificar o seu raciocínio. Assim, o juiz não pode, por exemplo, impedir a realização do exercício do direito à prova com base em conhecimentos que, a pretexto de serem extraídos da experiência, não integrem o patrimônio sociocultural ou não se mostrem razoáveis (v.g., estar fundada em uma experiência passada que não mais se aplica aos casos presentes). Por isso, o magistrado deve procurar encontrar o ponto de equilíbrio entre a tendência de se valer do processo de generalização de experiência, que é comum a toda a atividade humana, e a dificuldade de aplicar esses conhecimentos gerais aos casos concretos. Portanto, pode ser recomendável que o julgador, antes de aplicar a máxima de experiência, dê oportunidade para que as partes se manifestem, já que, destarte, evita-se que um dos litigantes seja condenado sem ter a possibilidade de alegar e provar o contrário (v.g., que a máxima não se aplica ao caso concreto, contraria o pensamento científico ou, mesmo, não traduz aquilo que ocorre na realidade). 651
651 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 294-295.
As máximas da experiência podem dispensar quaisquer outras provas. Porém, é
conveniente que o convencimento também decorra de outros elementos coligidos aos autos.
De qualquer forma, podem relegar a segundo plano o método tradicional de distribuição do
ônus da prova, dispensando o autor de provar o fato constitutivo de seu direito, e o réu os
fatos impeditivos, modificativos e extintivos do direito do autor.
6.3.5 Art. 818 da CLT e 333 do CPC
Passa-se, agora, à análise do último critério utilizado na distribuição do ônus da
prova, conhecido como método tradicional. Se observada a ordem de preferência, esse critério
somente poderá ser utilizado após o intérprete concluir que os demais são insuficientes, ou
seja, percorridos um a um e, não logrando êxito, recorre-se a este método como a última
possibilidade de solver-se o tema pertinente à distribuição do ônus probatório.
Embora a doutrina e a jurisprudência divirjam a respeito, é quase que pacífico o
entendimento de que o art. 818 da CLT e o art. 333 do CPC dizem a mesma coisa ou, quando
muito, o primeiro necessita da aplicação subsidiária do segundo. À luz desse entendimento
dominante, conclui-se que o art. 333 do CPC, com o mesmo teor, especificou o que ficou
implícito no art. 818 da CLT. Dessa forma, tanto um como o outro atribuem ao autor a prova
do fato constitutivo do seu direito e ao réu a prova de fato impeditivo, modificativo ou
extintivo do direito do autor.
Na verdade, as teses que firmam posições contrárias à aplicação subsidiária do CPC
ou do CDC deságuam em algum dos supramencionados critérios de distribuição das provas.
Quando argumentam que o intérprete trabalhista não deve fazer uso supletivo de outras regras
que não as da CLT e, ao mesmo tempo, atribuem ao art. 818 da CLT caráter sociológico
embasado na justiça igualitária, nada mais fazem do que distribuir a prova através de critérios
justos, ainda que as razões provenham de outro ângulo.
As normas do CPC e do CDC são perfeitamente aplicáveis ao processo do trabalho,
de forma subsidiária, quando compatíveis, por força do art. 769 da CLT. Melhor seria se o
intérprete não precisasse recorrer ao direito subsidiário, todavia, se necessário for, deverá
fazê-lo, posto que não há motivos para a criação de novas teorias no afã de suprir deficiências
que podem ser preenchidas por normas já existentes.
Ao autor cabe a prova dos fatos constitutivos do seu direito. Todo o direito tem um
fato que o constitui. E é esse fato que o autor deverá demonstrar em Juízo. Não basta a
simples alegação de um direito, deverá prová-lo suficientemente. Assim, se o autor alegar que
não recebeu pelas horas extraordinárias, deverá provar que trabalhou além do horário normal,
que é o fato constitutivo do seu direito.
Opondo-se ao direito do autor, o réu poderá alegar fato impeditivo, modificativo e
extintivo, incumbindo-lhe o ônus de provar suas alegações.
O fato é impeditivo quando o réu reconhece-o, mas diz que dele não decorre direito
algum. Há um impedimento ou suspensão do direito pleiteado, uma vez que o fato não gerou
os efeitos pretendidos. Reconhece que o autor laborava em sobrejornada, mas alega acordo de
compensação. Os fatos impeditivos podem ser assim conceituados:
[...] fatos impeditivos são todas as circunstâncias que impedem que de um fato decorra seu efeito normal, o qual lhe é próprio e constitui a sua razão de ser. Por exemplo, a alegação de vício do consentimento na celebração do contrato, a exceção de contrato não cumprido, a pendência de uma condição suspensiva para o cumprimento da obrigação, a incapacidade de uma das partes (art. 104, inc. I, CC), a inobservância da forma prescrita em lei e a existência de uma cláusula abusiva (v.g., art. 51 do CDC).652
O fato é modificativo quando, embora reconheça o fato, há um impedimento para
que o pedido seja acolhido, pois houve mudança que alterou o fato constitutivo. Reconhece
652 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 325.
que o autor trabalhava em local insalubre, porém, alega que suprimiu o pagamento do
adicional de insalubridade pelo fornecimento de EPIs (equipamentos de proteção individual).
O fato é extintivo quando o réu reconhece o fato, entretanto alega que o direito dele
decorrente encontra-se extinto, fulminando a pretensão deduzida. Reconhece que o autor
trabalhou além da horário normal, mas apresenta o comprovante de pagamento das horas
extras; ou reconhece que o autor trabalha em local insalubre e apresenta o comprovante de
pagamento do adicional de insalubridade. Eduardo Cambi conceitua fatos extintivos:
São fatos extintivos aqueles que têm eficácia de fazer cessar a relação jurídica, ou seja, obstam uma vontade concreta da lei e a conseqüente satisfação de um interesse jurídico. Por exemplo, o pagamento das prestações, com a quitação do débito, a ocorrência da prescrição, da novação, da remissão, da compensação, da superveniência de impossibilidade de prestação por causa não imputável ao devedor, o perecimento da coisa e a resolução do contrato por consenso mútuo. 653
Esse método tradicional e legal tem recebido algumas críticas, ante a inflexibilidade
de suas regras. Porém, a prática demonstra uso freqüente nos julgados:
CADERNETA DE POUPANÇA – DIREITO ECONÔMICO – PROCESSUAL CIVIL – LEGITIMIDADE PASSIVA – PRESCRIÇÃO – CORREÇÃO MONETÁRIA – PLANOS BRESSER E VERÃO – AUSÊNCIA DE PROVA – FATO CONSTITUTIVO DO DIREITO – ÔNUS DOS AUTORES – Infere-se dos autos que a parte autora não junto sequer um único documento capaz de comprovar a existência das cadernetas, para as quais reclama os supostos expurgos, como, por exemplo, os extratos, não demonstrando que nos períodos de junho/julho de 1987 e dezembro/janeiro de 1989, a Caixa Econômica Federal não creditou os valores relativos à diferenças de correção monetária que pleiteiam; a parte autora não se desincumbiu de provar aquilo que alega, não demonstrando, ao menos, a existência de contas de poupanças em seu nome, no momento em que foram editados os planos Bresser e verão. E, de acordo com o disposto no art. 333, I, do CPC, cabe ao autor o ônus da prova do fato constitutivo de seu direito. (TRF 2ª R. – AC 2000.02.01.048820-7 – (243421) – 5ª T.Esp. – Rel. Des. Fed. Paulo Espirito Santo – DJU 15.02.2007 – p. 177) JCPC.333 JCPC.333.I TRABALHISTA – PROCESSUAL – VÍNCULO EMPREGATÍCIO – ÔNUS DA PROVA – AUSÊNCIA DOS ELEMENTOS CARACTERIZADORES – Por ser fato constitutivo de seu direito, competia à reclamante o ônus de provar a existência da relação de emprego (CLT, art. 818 e CPC, 333, I), ônus do qual não se desincumbiu. Diante da ausência dos requisitos estatuídos em Lei (CLT, arts. 2º e 3º) o vínculo empregatício não restou configurado. Recurso ordinário conhecido e improvido. (TRT 22ª R. – RO 00185-2005-103-22-00-2 – Rel. Des. Wellington Jim Boavista – DJU 09.03.2006 – p. 12) JCLT.818 JCPC.333 JCPC.333.I JCLT.2 JCLT.3
653 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 325.
As regras de distribuição da prova previstas no CPC também são aplicadas em
acidente do trabalho, consoante se observa das jurisprudências abaixo:
ACIDENTE DO TRABALHO – PROVA DO FATO LESIVO – Incumbe ao autor a prova da ocorrência do dano decorrente do infortúnio, sem a qual não há falar-se em pagamento de indenização. (TRT 2ª R. – RO 00115-2006-431-02-00 – (20070053949) – 12ª T. – Relª Juíza Vania Paranhos – DOESP 23.02.2007) ACIDENTE DO TRABALHO – ÔNUS DA PROVA – FATO CONSTITUTIVO – Incumbe à parte que alega fato constitutivo de seu direito, no caso a ocorrência de acidente do trabalho, o ônus de prová-lo, nos termos da art. 818 da CLT c/c 333, I do CPC. (TRT 16ª R. – Proc. 00192-2005-013-16-00-6 – (00000-2006) – Rel. Juiz Ilka Esdra Silva Araújo – J. 28.08.2006) JCLT.818 JCPC.333 JCPC.333.I ACIDENTE DE TRABALHO – PROVA – Não tendo o reclamante desincumbido-se do ônus da prova a que estava obrigado, nos termos dos arts. 818, da CLT, e 333, I, do CPC, impossível o deferimento da estabilidade provisória pretendida. Recurso conhecido e não provido. (TRT 11ª R. – RO 18978/2003-006-11-00 – (7071/2003) – Rel. Juiz Othílio Francisco Tino – J. 10.12.2003) JCLT.818 JCPC.333 JCPC.333.I
A verdade é que o critério de distribuição do ônus da prova do CPC está elencado no
princípio dispositivo e, toda vez que é admitida a iniciativa do juiz na produção da prova, não
há motivos para que a distribuição seja feita no rigor legalmente estabelecido, pois há
enfraquecimento dessas regras, as quais constituem obstáculo à realização da justiça. Além do
mais, o princípio dispositivo já foi abrandado ao dar ao juiz a iniciativa da determinação da
prova (art. 130 do CPC). Como na Justiça do Trabalho vigora o princípio inquisitivo (art. 765
da CLT), não há como acolher única e exclusivamente as regras de distribuição da prova
insculpidas no CPC, faz-se necessário buscar outros meios de distribuição compatíveis com
os princípios norteadores do direito do trabalho.
6.4 Inversão do ônus da prova e os honorários periciais
É indispensável à compreensão do tema em análise, que seja entendido o alcance das
expressões assistência judiciária e a justiça gratuita, rotineiramente utilizadas no processo
trabalhista. A assistência judiciária é a concessão que a lei faz à parte que não dispõe de
meios para suportar o pagamento dos honorários advocatícios e será prestada pelo Sindicato
da categoria profissional (Lei 5.584/70, art. 14). A justiça gratuita ou a gratuidade da justiça
serve para isentar a parte que se declarar hipossuficiente do pagamento dos emolumentos
(taxas) e das custas (art. 790, § 3º, CLT).
A justiça gratuita alcança, ainda, os honorários periciais, pois o art. 790-B da CLT
dispensa o pagamento dos honorários periciais a quem for beneficiário da gratuidade da
justiça. Porém, não indica o responsável pelo pagamento, uma vez que o perito não está
obrigado a prestar serviços gratuitamente.
Há entendimento de que não se aplica ao processo do trabalho a Lei 1.060/50
(assistência judiciária gratuita às partes), eis que existe norma específica a regulamentar a
matéria na esfera trabalhista. Nada impede, porém, a aplicação subsidiária da referida lei nos
termos do art. 769 da CLT.
A teor dos arts. 19 e 33 do CPC cabe à parte que requerer a prova, salvo se abrigada
pela justiça gratuita, a antecipação dos honorários periciais. Caso a perícia seja requerida
pelas partes ou determinado pelo juiz, o ônus fica com o autor.
A princípio, descarta-se a possibilidade de requerer perícia ao abrigo da justiça
gratuita. Ora, direito que é conferido mas não se efetiva não é direito, não passa de mera
aparência, apenas indica caminhos teóricos sem respaldo na prática. O Estado encarregado da
assistência judiciária está ausente, e, mesmo quando presente, os valores previstos para este
título são irrisórios, muitas vezes, dependendo de precatório, desestimulando qualquer
profissional responsável pela perícia, que não está obrigado a trabalhar gratuitamente para a
parte, ainda que carente, e muito menos para o Estado.
Com a ampliação de competência da Justiça do Trabalho, determinada pela Emenda
Constitucional nº. 45/2004, o Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (Paraná) editou o
Provimento SGP/COORG 0001/2006, garantindo ao trabalhador hipossuficiente o direito de
requer perícia às expensas do Estado654. No entanto, o valor a ser arbitrado pelo juiz não
poderá ultrapassar a importância de R$500,00. Considerando a complexidade dos laudos
periciais, a eventual necessidade de realização de duas perícias em acidente o trabalho
(médica e técnica) e a exigência de elevado grau de conhecimento dos peritos, pode-se
concluir que os profissionais desta área, quando se tratar de perícias ao abrigo da justiça
gratuita, não terão interesse em prestar esses serviços.
Além disso, as despesas com a perícia não se restringem ao pagamento dos
honorários periciais. Na grande maioria dos casos são exigidos vários exames médicos
considerados complexos, de valor exorbitante e não cobertos pelo SUS. O trabalhador,
notoriamente, não tem condições de providenciar tais exames. A interpretar a lei literalmente,
muitos acidentes do trabalho ficarão sem a devida reparação por absoluta falta de acesso à
prova. Ademais, como poderia o juiz decidir sem ter um diagnóstico mais preciso sobre a
saúde da vítima? A perícia é imprescindível para apurar os fatos narrados na exordial, bem
como a extensão e grau da incapacidade do trabalhador. A solução pode ser encontrada em
um dos critérios sobre a distribuição do ônus da prova. Com a inversão do onus probandi o
empregador deverá assumir a responsabilidade pelo laudo pericial e exames complementares
necessários à elucidação da controvérsia, até porque também é do seu interesse que o
julgamento seja o mais próximo possível da realidade. Uma decisão acidentária sem amparo
médico-científico pode acarretar prejuízos para ambas as partes, pois a ausência de
conhecimento sobre a extensão do dano pode levar a decisão a extremos não desejados pelas
partes.
Quando há inversão do ônus da prova, a parte que ficar com o encargo deverá
providenciar o pagamento dos honorários periciais e despesas decorrentes. A inversão do
ônus da prova visa facilitar a prova, atribuindo-a a quem tenha melhores condições de
654 Disponível em: <www.trt9.gov.br> acesso 14 fev 2007.
produzi-la. Nada adianta conceder tal benefício sem assegurar sua efetividade. É um sim com
um fundo falso, que concede um benefício, entretanto impõe-lhe o ônus do próprio benefício.
Se a perícia interessa ao juiz e este requer a realização, não poderá, evidentemente, onerar o
autor da demanda, com hipossuficiência presumida. A simples hipossuficiência já autorizaria
a inversão do ônus, conforme já visto.
Eduardo Cambi, ao discorrer sobre os direitos do consumidor, defendeu que a
inversão do ônus da prova também transfere eventuais despesas processuais ao encarregado
da prova. Os argumentos do referido autor também se aplicam ao processo do trabalho:
Duas correntes jurisprudenciais têm se formado sobre a inclusão ou não da inversão do pagamento dos honorários periciais, quando da decisão que inverte o ônus da prova. A corrente jurisprudencial que entende que, mesmo com a inversão do ônus da prova, o consumidor deve antecipar as despesas processuais (qual sejam os honorários periciais) prejudica a parte mais fraca de relação jurídica processual (hipossuficiente). A aplicação subsidiária dos arts. 19 e 33 do CPC cria mais dificuldade à defesa dos seus direitos em juízo, contrariando, pois, art. 6.º, inc. VIII, CDC, o qual visa, justamente, promover o principio da isonomia, em sentido real ou concreto [...]. A tese contemplada por essa parcela da jurisprudência impõe, pois, um sério óbice ao acesso à justiça, negando o princípio da igualdade em sentido material e fazendo uma leitura anacrônica (liberal) de um diploma legislativo moldado pela ideologia do Estado Social de Direito. Conforme bem explicam Mauro Cappelletti e Bryan Garth, a ‘justiça, como outros bens, no sistema do laissez-faire, só podia ser obtida por aqueles que pudessem enfrentar seus custos; aqueles que não pudessem fazê-lo eram considerados os únicos responsáveis por sua sorte. O acesso formal, mas não efetivo à justiça, correspondia à igualdade apenas formal, mas não efetiva’. Assegurar a inversão do ônus da prova ao consumidor sem inverter, também, o ônus de adiantar as despesas processuais é o mesmo que garantir um direito apenas formal ao litigante reconhecidamente hipossuficiente na relação jurídica processual, na medida em que ainda persiste a dificuldade econômica que, aliás, é um dos pressupostos para a aplicação do art. 6.º, inc. VIII, CDC. Logo, quando se inverte o ônus da prova, transferem-se ao fornecedor todos os riscos, custos e responsabilidades quanto à atividade probatória. O entendimento contrário, ao perpetuar a dificuldade econômica, não facilita a defesa dos direitos do consumidor em juízo, mantendo o status quo anterior. Mantido o raciocínio, que se combate, muitos consumidores, mesmo que reconhecidamente hipossuficientes, desistirão da prova pericial, em razão do seu custo elevado, o que resultará na total ineficácia e descrédito do instituto da inversão do ônus da prova, fazendo-se perder um valioso instrumento de efetivação da justiça. [...] Inverter o ônus do pagamento da perícia, em decisão interlocutória, juntamente da inversão do onus probandi, permite a melhor distribuição dos encargos processuais entre as partes, efetivando-se o princípio da colaboração processual e possibilitando
uma decisão mais adequada (e, portanto, mais justa) ao caso concreto, o que contribui, sobremaneira, para a legitimação (social) das decisões judiciais. 655
A inversão do ônus da prova visa atender ao princípio da igualdade real, evitando
que a parte fique sem acesso à justiça por obstáculos injustificáveis, oriundos de leis e códigos
ultrapassados que, inegavelmente, protegem a propriedade a todo o custo, com reflexos
devastadores às classes menos favorecidas. Nem seria necessário lembrar que, desde longa
data, as regras processuais protegem principalmente o réu, que é devedor, relegando a
segundo plano o autor, que é o credor. Aliás, o processo judiciário nasceu justamente para
proteger o réu, evitando que o autor use da vingança privada para receber o que lhe é de
direito. Contudo, concedeu mais benefícios ao réu, que abusa do direito de defesa,
verificando-se em muitos casos que o restabelecimento do direito violado é mais oneroso que
a perda do próprio direito.
A jurisprudência não se firmou a respeito, conforme dissenso abaixo transcrito:
PROCESSUAL CIVIL – SFH – PERÍCIA – INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA – ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA – CABIMENTO – 1. Sendo a realização de perícia contábil imprescindível ao deslinde da controvérsia, e não podendo o mutuário arcar com os honorários do perito, deve ser invertido o ônus da prova a fim de que o agente financeiro arque com as despesas (CDC, art. 6º, VIII). 2. Inversão do ônus da prova que não se confunde com o deferimento do benefício da Assistência Judiciária Gratuita, e se limita à inversão do encargo de custear a prova pericial, não alterando o ônus de cada uma das partes de apresentar os documentos a si pertencentes necessários para a realização de perícia. 3. Agravo regimental ao qual se nega provimento. (TRF 1ª R. – AGA 200301000095215 – DF – 6ª T. – Relª Desª Fed. Maria Isabel Gallotti Rodrigues – DJU 08.08.2005 – p. 79) JCDC.6 JCDC.6.VIII
AGRAVO DE INSTRUMENTO – PROCESSO CIVIL – INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA – ART. 6º, VII DO CDC – TRANSFERÊNCIA À PARTE CONTRÁRIA DO ÔNUS DE ARCAR COM O PAGAMENTO DOS HONORÁRIOS PERICIAIS – APLICAÇÃO DO ART. 33 DO CPC – AGRAVO DESPROVIDO – Prima facie, convém ressaltar que a inversão do ônus da prova, com fulcro no Código de Defesa do Consumidor (art. 6º, VII, da Lei nº 8.078/1990), somente é cabível quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando o consumidor for hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência. No caso em apreço, a decisão agravada permite antever que os requisitos supracitados não foram preenchidos, não havendo, por ora, elementos que infirmem a conclusão alcançada pelo magistradoa quo. Ademais, ainda que satisfeitos os pressupostos
655 CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 426-428.
legais, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, chancelada pela quinta turma especializada desta corte regional, orienta-se no sentido de que a inversão do ônus da prova não tem o condão de atribuir a parte contrária o ônus de arcar com os custos da prova requerida pelo consumidor. Inviável a inversão do ônus financeiro, aplica-se o art. 33 do Código de Processo Civil, segundo o qual "cada parte pagará a remuneração do assistente técnico que houver indicado; a do perito será paga pela parte que houver requerido o exame, ou pelo autor, quando requerido por ambas as partes ou determinado de ofício pelo juiz". Precedente citado. Agravo desprovido. (TRF 2ª R. – AG 2006.02.01.005833-1 – 5ª T.Esp. – Relª Desª Fed. Vera Lúcia Lima – DJU 26.01.2007 – p. 263) JCDC.6 JCDC.6.VII JCPC.33
Poder-se-ia argumentar que a inversão do ônus da prova não obrigaria a parte que
ficou com o encargo a realizar a perícia requerida pela outra parte, pois, na ausência de
provas, sofreria as conseqüências naturais da não produção de tal prova, conforme tem
decidido o STJ no direito do consumidor:
INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA – CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – HONORÁRIOS DO PERITO – PRECEDENTES DA TERCEIRA TURMA E SÚMULAS NS. 7 E 297 – 1. O Código de Defesa do Consumidor alcança a relação entre o devedor e as instituições financeiras nos termos da Súmula nº. 297 da corte. 2. O deferimento da inversão do ônus da prova com base na hipossuficiência foi feito considerando a realidade dos autos, o que está coberto pela Súmula nº. 7 da corte. 3. Esta terceira turma já decidiu que a ‘regra probatória, quando a demanda versa sobre relação de consumo, é a da inversão do respectivo ônus. Daí não se segue que o réu esteja obrigado a antecipar os honorários do perito; efetivamente não está, mas, se não o fizer, presumir-se-ão verdadeiros os fatos afirmados pelo autor’ (RESP nº. 466.604/RJ, relator o ministro ari Pargendler, DJ de 2/6/03). No mesmo sentido, o RESP nº. 443.208/RJ, relatora a Ministra Nancy Andrighi, DJ de 17/3/03, destacou que a ‘inversão do ônus da prova não tem o efeito de obrigar a parte contrária a arcar com as custas da prova requerida pelo consumidor. No entanto, sofre as conseqüências processuais advindas de sua não produção’. Igualmente, assim se decidiu no RESP nº. 579.944/RJ, de minha relatoria, DJ de 17/12/04, no RESP nº. 435.155/MG, de minha relatoria, DJ de 10/3/03 e no RESP nº. 402.399/RJ, relator o ministro Antônio de Pádua Ribeiro, DJ de 18/4/05. 2. Recurso Especial conhecido e provido, em parte. (STJ – RESP 200400403699 – (637608 SP) – 3ª T. – Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito – DJU 10.04.2006 – p. 00174).
Ocorre, porém, que, na seara trabalhista, o juiz não poderá tomar decisões sobre a
incapacidade do trabalhador com fundamento apenas nas presunções de veracidade dos fatos
alegados, pois os reflexos transcendem a esfera econômica. A extensão do dano, a
possibilidade de reabilitação profissional e a manutenção ou não do contrato de trabalho
devem ficar evidenciados nos autos, daí a necessidade da realização de perícia em quase todas
as ações acidentárias. As conseqüências dessa decisão interessa não só as partes, mas também
à sociedade em geral e, principalmente, ao Estado que visa à reabilitação profissional dos
trabalhadores e inserção dessas pessoas no mercado de trabalho (art. 93, Lei 8.213/91). Por
outro lado, a prova é dirigida ao juiz, e o princípio dispositivo sofre severas restrições no
processo do trabalho, ante o disposto no art. 765 da CLT (princípio inquisitivo).
Outro ponto, ainda, a ser analisado está no fato de a inversão ser ou não regra de
julgamento. Como defendido alhures, a inversão é regra de julgamento. Todavia, havendo
necessidade de perícia, determinada pelo juiz ou requerida por uma das partes, há que se abrir
um parêntese e buscar, no direito verossímil, na hipossuficiência e na vulnerabilidade, a forma
mais justa de atribuir esse ônus à parte que tenha mais aptidão para a prova, ainda que isso, no
processo comum, possa acarretar a interposição de Agravo de Instrumento. Como já dito, na
Justiça do Trabalho, o Agravo de Instrumento não se presta a atacar decisões interlocutórias,
que são irrecorríveis de imediato, exceção feita à decisão que denegar seguimento a recurso.
Se o direito se mostra verossímil, é porque é plausível a alegação da exordial, o que, a par da
hipossuficiência e da vulnerabilidade, pode determinar presunção de que o direito foi
injustamente tolhido, não havendo razão alguma para conceder à outra parte mais benefícios
do que aqueles já conseguidos com a inadimplência, eis que há fortes indícios de que o
resultado lhe será desfavorável, não mais podendo simplesmente fazer uso da defesa de forma
inerte, no aguardo das provas produzidas pela outra parte.
A prova é dirigida ao juiz, e não há que se fazer distinção se é o autor, o réu ou o
próprio magistrado que requer a perícia. Se for para o bem da justiça, o ônus deverá ser
distribuído também de forma justa, devendo ser apreciado à luz do princípio da igualdade
real, não havendo razão para aplicar-se o art. 33 CPC que atribui este encargo, na maioria das
vezes, ao autor da demanda.
6.5 Aplicação do princípio in dubio pro operário
Pretende-se, neste item, apreciar a possibilidade de aplicação do princípio in dubio
pro operario na apreciação da prova.
A doutrina não diverge na aplicação do princípio in dubio pro misero ou pro
operario na interpretação da norma legal, material ou processual, posto que o intérprete, na
dúvida, deve decidir em prol do empregado, uma vez que as normas legais têm caráter
protetivo, presumindo-se que o legislador conferir-lhe-ia caráter social se instado a dirimir a
interpretação.
Ocorre, contudo, que não há consenso na aplicação do referido princípio quando a
dúvida não provém da norma, mas ocorre no momento da apreciação da prova. Manuel
Antonio Teixeira Filho, respeitável doutrinador trabalhista, entende que em matéria de prova,
se a mesma for insuficiente ou dúbia, deve-se decidir em desfavor de quem cabia o ônus da
prova. E destaca:
Não estamos caindo em contradição, relativamente ao que até aqui expusemos em defesa de um reconhecimento sistemático quanto à existência de uma desigualdade real entre o empregado e o empregador. A compensação dessa desigualdade, contudo, há de ser outorgada por leis processuais adequadas e não pela pessoa do julgador, a poder de certos critérios subjetivos e casuísticos. 656
Afirma, ainda, o autor que, se a prova de ambos for suficiente, mas dividida, o juiz
deverá utilizar-se do princípio da persuasão racional, sistema de valoração da prova adotado
pelo ordenamento jurídico pátrio. Pode-se concluir, lato sensu, que, em matéria de prova, não
há que se falar em dúvida, mas sim em capacidade interpretativa do Julgador.
656 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed., São Paulo: LTr, 2003, p. 152.
Neste sentido, a jurisprudência:
PARCERIA AGRÍCOLA [...]2. PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO OPERARIO-ÔNUS DA PROVA – O princípio do in dubio pro operario informa o direito do trabalho, não estendendo, todavia, seus tentáculos sobre o direito processual laboral. Neste, em caso de eventual dúvida ou insuficiência de prova, aplicável à disciplina afeta à teoria do ônus da prova, a qual se encontra disciplinada nos artigos 818 da CLT e 333 do cpc. (TRT 9ª R. – Proc. 00769-2002-069-09-00-0 – (00542-2004) – Relª Juíza Sueli Gil El-Rafihi – DJPR 23.01.2004) JCPC.818 JCPC.333
Cesarino Júnior, citado por Manuel Antonio Teixeira Filho, argumenta que “na
dúvida, isto é, quando militam razões pró e contra, é razoável decidir a favor do
economicamente fraco, num litígio que visa, não satisfazer ambições, mas a prover às
necessidades imediatas da vida. Isso é humano, isto atende ao interesse social, ao bem
comum” 657. Neste sentido a jurisprudência:
JUSTA CAUSA – VALORAÇÃO DA PROVA – PRINCÍPIO IN DUBIO PRO OPERARIO – PERTINÊNCIA – Em sede criminal, havendo dúvida sobre a autoria do tipo descrito na norma penal, mínima que seja, pela aplicação do princípio do in dubio pro reo, absolve-se o acusado. No campo do direito do trabalho aplica-se o princípio protetor in dubio pro operario, tanto para definição da norma aplicável em caso de dúvida, como também na valoração do alcance da prova coligida para os autos, em razão da hipossuficiência jurídica do empregado. Dessa forma, não há base jurídica capaz de sustentar a resolução do contrato de trabalho por justa causa quando existente dúvida quanto à autoria da falta grave imputada ao empregado. (TRT 3ª R. – RO 5028/03 – 6ª T. – Relª Juíza Nanci de Melo e Silva – DJMG 29.05.2003 – p. 14)
Considerando a plausibilidade dos argumentos dos referidos autores assim como as
diretrizes defendidas nesta pesquisa, após profunda análise dos critérios de distribuição da
prova no processo do trabalho, conclui-se que as divergências, aparentemente inconciliáveis,
culminam por oferecer a mesma solução para o deslinde do impasse, ainda que por caminhos
diversos.
A doutrina que defende a inaplicabilidade do referido princípio ao processo do
trabalho tem como pano de fundo a capacidade interpretativa do julgador e, quando cita o art.
657 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no Processo do Trabalho. 8. ed., São Paulo: LTr, 2003, p. 152.
818 da CLT e 333 do CPC, recomenda ao julgador que busque o seu verdadeiro conteúdo
ontológico, sugerindo critérios justos na distribuição do ônus da prova, o que sempre fica
implícito nas argumentações que reconhecem que há desigualdade real entre empregado e
empregador.
Os que defendem a aplicação do princípio in dubio pro operario fundamentam a
pretensão na notória inferioridade do empregado em relação ao empregador, preconizando
que a desigualdade processual deve ser estendida à prova, uma vez que é na sua produção que
as partes devem ser postas em nível de igualdade, ante a notória disparidade econômica e de
informações que existe entre o trabalhador e o empregador. Frisam, ainda, que a prova, no
processo trabalhista, por vezes, é dificultada ao trabalhador, posto que o empregador, no
comando administrativo da empresa, mantém todos os registros, sendo razoável supor que
cabe ao demandado esclarecer eventual dúvida. O silêncio ou a insuficiência de provas a
tornar dúbio o convencimento do julgador não pode beneficiar o empregador, notadamente
quando é parte havida forte na relação. O empregado, quando instado a provar, certamente
terá mais dificuldades do que o empregador e, se mesmo assim, a prova continuar dúbia,
parece ser razoável, ante os princípios que norteiam o processo do trabalho, que seja
beneficiado pela dúvida, já que se presume que o empregador poderia ter suprido a falta da
prova, pois possui melhores condições de produzi-la. Se não o fez é porque qualquer tentativa
neste sentido poderia ser-lhe prejudicial.
Como visto quando da análise dos critérios de distribuição da prova, a desigualdade
processual deve ser equilibrada no decorrer do processo. Não há amparo algum para que uma
das partes se beneficie da parte adversa quando o acesso aos dados e informações são
limitados somente a uma delas, não pela exigência da outra, mas simplesmente pela própria
natureza da relação mantida. Assim, deverá o empregador suportar o ônus da prova se as
informações da relação mantida estão mais próximas do seu alcance. O mesmo se deve
afirmar quanto ao empregado, na hipótese de alegar fatos que, pela forma como ocorreram,
habilitam-no a patrocinar a prova.
Atendidas tais considerações, é forçoso concluir como especiosa a discussão sobre a
aplicação do princípio in dubio pro operario, próprio do direito material do trabalho, na seara
processual, pois que outros e relevantes meios existem para instrumentalizar a tarefa do juiz
na análise da prova, em especial quando se mostra dividida. Basta ao julgador utilizar os
critérios de distribuição da prova sugeridos nesta pesquisa sempre que o trabalhador estiver,
por algum motivo, em desvantagem no aspecto pertinente à onerosidade da prova.
O grande mérito do método ora preconizado reside no fato de preservar a
imparcialidade do juiz. A transposição pura e simples do princípio in dubio pro operario do
direito material para o direito processual pode contaminar a decisão, não podendo o juiz, de
forma simplista, na hipótese de dúvida, resolver em favor do hipossuficiente, assim
considerado sempre o empregado. O que faz o julgador é, de forma técnica, valendo-se dos
métodos hermenêuticos e com amparo no princípio da persuasão racional, a par dos critérios
que presidem a distribuição do ônus da prova, antes examinado, proferir decisão imparcial e
isenta. Ademais, o benefício da dúvida não se coaduna com o princípio da persuasão racional
do juiz ou livre convencimento motivado. O julgador deverá estar convicto de sua decisão,
pois a parte vencida, que raramente se convence dos fundamentos da decisão do juiz,
certamente não se convencerá quando se fizer constar na sentença que das provas só restam
dúvidas. Aliás, as partes procuram o judiciário justamente porque tem dúvidas sobre a
resolução de seus conflitos, senão o teriam feito sem qualquer interferência.
CONCLUSÃO
A correta distribuição do ônus da prova no processo do trabalho, ainda que
divergentes as posições da doutrina e da jurisprudência sobre muitos de seus aspectos, deve,
como princípio básico, obedecer a critérios justos e bem definidos, com observância do
devido processo legal, sem prejuízo à necessária celeridade da prestação jurisdicional.
Produz-se, dessa forma, extensa pesquisa que congrega, simultaneamente, segurança, rapidez
e justiça para o destinatário da jurisdição.
Feita análise percuciente dos tópicos que compõem a presente pesquisa, podem ser
elencadas as seguintes diretrizes básicas, aptas a orientar o operador jurídico na temática da
prova e aspectos correlacionados, que configuram momento de extrema relevância na marcha
processual:
1. A competência da Justiça do Trabalho para apreciar pedido de indenização por
danos morais e materiais decorrentes de acidente do trabalho consolidou-se, após decisão
unânime do STF, em decorrência da Emenda Constitucional nº. 45/04. A nova competência
abrange as ações acidentárias ajuizadas ou assumidas pelos dependentes do trabalhador
falecido.
2. A exata compreensão dos aspectos relevantes da responsabilidade civil (subjetiva
e objetiva) como o estabelecimento/exclusão do nexo causal e das concausas, são
indispensáveis ao exame minudente do ônus da prova, pois o nexo causal é pressuposto do
dever de indenizar.
3. Os acidentes de trabalho e situações equiparáveis, previstos na legislação em
vigor, devem ser analisados com cautela, pois é distinta a responsabilidade acidentária do
INSS e do tomador de serviços.
4. O Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário (NTEP) estabelece presunção
legal da existência de doença ocupacional, invertendo-se o ônus da prova em prol do
trabalhador, com inegável repercussão no processo do trabalho.
5. A teoria da culpa presumida do causador do dano decorre da crescente
flexibilização da responsabilidade subjetiva, representando escala intermediária entre a
responsabilidade subjetiva e objetiva, cujo mérito é inverter o ônus da prova, criando-se
vantagens processuais para vítimas de acidentes do trabalho.
6. A teoria da responsabilidade pelo fato da coisa ou pela guarda da coisa determina
responsabilidade objetiva ao tomador de serviços pelo risco criado, ante a necessidade de
reparação dos acidentes de trabalho ocasionados por máquinas e equipamentos perigosos
colocados à disposição do trabalhador para executar suas atividades.
7. A responsabilidade do empregador em acidentes do trabalho é contratual, pois o
dever de proporcionar segurança e saúde ao trabalhador é cláusula implícita, invertendo-se o
ônus da prova, uma vez que é presumida a culpa do contratante.
8. Dentre as várias teorias do risco informadas pela responsabilidade objetiva do
empregador, destaca-se a teoria do risco criado, a qual admite excludentes do nexo causal
como caso fortuito, força maior, culpa exclusiva da vítima e fato de terceiro.
9. O art. 927, no seu parágrafo único do Código Civil, acolheu a teoria do risco
criado, determinando a responsabilidade objetiva em atividades que, por sua natureza,
representem riscos à integridade física e mental do ser humano.
10. São perigosas as atividades normalmente exercidas pelo trabalhador (habitual ou
não) quando a periculosidade ultrapassar o risco inerente à atividade, pois é na periculosidade
adquirida que a prova da culpa mostra-se temerária à vítima do acidente.
11. A teoria do risco criado (art. 927, parágrafo único do CC) é aplicável às relações
civis e de consumo e, com mais razão, às relações trabalhistas, sob pena de se estabelecer
verdadeiro paradoxo jurídico, pois responderia a empresa objetivamente perante terceiros e
subjetivamente em relação aos seus empregados.
12. As novas tendências da responsabilidade civil apontam para a socialização dos
riscos, com notável ampliação do campo da responsabilidade objetiva, com reflexos na
flexibilização na exigência do nexo causal, coletivização das ações de responsabilidade civil,
expansão do dano ressarcível, despatrimonializaçao da reparação e prevenção do dano.
13. A culpa contra a legalidade (violação da norma legal) e a culpa por violação do
dever geral de cautela (exige-se conduta acima do comportamento esperado do homo medius)
determinam a inversão do ônus da prova com fundamento no dever de proteção determinado
pelas normas jurídicas e pelas normas de conduta. São instrumentos eficazes na reparação de
acidentes do trabalho, pois há vasta disciplina legal sobre medicina e segurança do trabalho,
consoante se observa da Portaria nº. 3.214/78 que contém, atualmente, 32 NRs (Normas
Regulamentadoras).
14. A alteração da competência para apreciar pedidos de indenização por danos
morais e materiais decorrentes de acidente do trabalho também determina o manejo das regras
processuais trabalhistas, sem prejuízo da aplicação subsidiária do direito processual comum,
nos termos do art. 769 da CLT.
15. Com relação à prova e suas peculiaridades, deve-se utilizar as normas inscritas na
CLT, com aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, quando houver omissão da
Consolidação das Leis Trabalhistas e compatibilidade com os princípios desta.
16. O direito à prova, constitucionalmente garantido, não é absoluto e está sujeito a
restrições. As provas obtidas ilicitamente ou maculadas de imoralidade podem ser admitidas
no processo, desde que temperadas pelo princípio da proporcionalidade, cabendo ao juiz
ponderar os valores fundamentais em conflito.
17. A forte corrente doutrinária que determina a responsabilidade subjetiva do
empregador em acidentes do trabalho não constitui empecilho ao direito constitucional à
prova, pois o ordenamento jurídico oferece inúmeros instrumentos de distribuição do ônus da
prova que, utilizados com eqüidade, permitem a reparação dos danos causados a vítimas de
acidente de trabalho.
18. A petição inicial e a contestação são limitadoras naturais da possibilidade de se
fazer prova, circunstância que exige do operador preparo jurídico e técnico na elaboração das
peças em comento, uma vez que é defeso ao juiz proferir sentença extra e ultra petita.
19. A revelia e a confissão, embora limitem sobremaneira o espectro probatório,
determinam presunção relativa e admitem prova em contrário, podendo ser elididas pela parte
contrária, mesmo em fase recursal.
20. Ainda que indícios e presunções não sejam considerados meio de prova, pode-se
afirmar que as presunções consagram a inversão do ônus da prova, pois os fatos presumidos
dispensam a parte da prova, cabendo à parte contrária o ônus de demonstrar que determinado
fato não ocorreu.
21. O Código de Processo Civil e o Código de Defesa do Consumidor aplicam-se
subsidiariamente ao processo do trabalho no que respeita ao onus probandi. Tal aplicação,
contudo, não se verifica apenas na hipótese de omissão da Consolidação das Leis do
Trabalho, viabilizando-se pela só compatibilidade dos dispositivos mencionados com os
princípios que informam o processo do trabalho.
22. Em razão de que as regras insculpidas no CPC e na CLT são insuficientes à justa
e correta distribuição do onus probandi no processo do trabalho, deve o operador valer-se dos
demais critérios previstos no ordenamento jurídico, inclusive o CDC, pois que o método
tradicional nem sempre é compatível com o princípio da eqüidade, orientador da matéria em
questão, em consonância com a moderna teoria da carga dinâmica da prova, incorporda, em
2004, ao Código Modelo de Processos Coletivos para Ibero-América.
23. A distribuição do ônus da prova poderá obedecer aos seguintes critérios: a)
princípios de direito do trabalho; b) princípio da aptidão para a prova e a aplicação subsidiária
do CDC; c) regras de pré-constituição da prova; d) máximas da experiência; e) art. 818 da
CLT e 333 do CPC.
24. Embora exista uma ordem de preferência implícita na utilização dos critérios
acima, o julgador não está obrigado a segui-la, eis que o caso concreto é que ditará o critério
mais justo e adequado.
25. A desigualdade material (hipossuficiência) presente na relação jurídico-laboral,
que autoriza a aplicação do princípio da proteção, no âmbito do direito do trabalho, deve ser
considerada no processo trabalhista, em especial no campo da prova, sob pena de se negar a
efetivação do próprio direito, circunstância que assegura o atendimento ao princípio da
isonomia.
26. Poderá ocorrer a inversão judicial do onus probandi sempre que o direito for
verossímil ou a parte hipossuficiente, a critério do juiz, que fará o exame guiando-se pelas
máximas de experiência.
27. A inversão legal ocorrerá nos casos em que a lei exige a documentação do
cumprimento dos encargos trabalhistas, o que determina que o ônus da prova recaia sobre o
encarregado do registro, in casu, o empregador.
28. Na Justiça do Trabalho não está o magistrado obrigado a estabelecer regras de
prova antes da sentença final, pois não há o alegado prejuízo pela falta de contraditório e
ampla defesa, uma vez que a parte somente poderá recorrer da decisão quando da prolação
final da sentença, através do Recurso Ordinário, dirigido ao segundo grau de jurisdição.
Porém, havendo necessidade de perícia, determinada pelo juiz ou requerida por uma das
partes, deve o julgador decidir a qual das partes cabe o ônus da prova, pois este encargo
também acarretará a antecipação dos honorários periciais.
29. A inversão do ônus da prova transfere à parte encarregada a responsabilidade
pelos honorários periciais, em especial porque o juiz é o destinatário da prova e, quando
requerida a perícia por uma das partes ou pelo julgador, cabe esse ônus a quem estiver com o
encargo de provar. Exige-se, contudo, cautela do julgador, que deverá buscar no direito
verossímil, na hipossuficiência e na vulnerabilidade a forma mais justa de distribuir esse ônus.
30. O princípio in dubio pro operario, utilizado na interpretação da norma legal em
favor do trabalhador, não encontra justificativa em matéria probatória, desde que observados
os critérios de distribuição do ônus da prova, que visam assegurar a necessária igualdade real
entre os litigantes.
31. A observância das diretrizes mencionadas permitirá a aplicação da lei de forma
justa. Os critérios representam instrumentos essenciais para assegurar, no processo, a
desejável isonomia real, a imprescindível eqüidade, a par da indispensável verdade real,
objetivos que devem orientar as ações de todas as pessoas que participam da relação
processual.
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