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ASPECTOS PSICOLÓGICOS RELATIVOS AO ENGAJAMENTO (ADERÊNCIA) DO PACIENTE CRÔNICO E SUA FAMÍLIA AO TRATAMENTO Ricardo Werner Sebastiani [email protected] Nêmeton Centro de Estudos e Pesquisas em Psicologia e Saúde

ASPECTOS PSICOLÓGICOS RELATIVOS AO ENGAJAMENTO … · em centros urbanos contra 43% na década de 1970. ... Demografia e Epidemiologia da Terceira Idade: Renda Mensal (média) Participação

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ASPECTOS PSICOLÓGICOS

RELATIVOS AO ENGAJAMENTO

(ADERÊNCIA) DO PACIENTE CRÔNICO

E SUA FAMÍLIA AO TRATAMENTO

Ricardo Werner Sebastiani

[email protected]

Nêmeton

Centro de Estudos e Pesquisas em

Psicologia e Saúde

Os Impactos das Transições Demográfica e

Epidemiológica:

O Processo de Envelhecimento da População

e a Escalada das Enfermidades Crônico-

degenerativas:

A SOBREPOSIÇÃO DE TRÊS TRANSIÇÕES NO CENÁRIO

DE SAÚDE ATUAL:

1. DO PARADIGMA DA SAÚDE

2. DO PERFIL EPIDEMIOLÓGICO

3. DA DEMOGRAFIA

Demografia e Epidemiologia da Terceira Idade:

• Nos últimos 10 anos o Brasil experimentou um

aumento de 25% no número de habitantes com mais de

60 anos de idade.

• Essa faixa populacional representa hoje 13% de toda a

população do país, chegando a 26.279.000 de

habitantes (IBGE – PINAD 2013)

• Dentre estes, cerca de 1.680.744 já ultrapassaram os

80 anos de idade, e até 2050 deverão chegar a 6.909.000 (IBGE/Diretoria de Pesquisas. Coordenação de População e Indicadores Sociais. Gerência de Estudos e Análises da Dinâmica

Demográfica. 2013)

• Até 2020 o Brasil será um dos cinco países do mundo

com maior número de habitantes acima de 60 anos de

idade. (OMS 2010)

• Ao longo do Sec. XX a expectativa de vida do Brasileiro

deu um salto de 120%, passando de 33 anos para 73 anos.

• Dentro dos programas de assistência à saúde desta

faixa populacional apenas 11% têm planos de saúde

privados, sendo que 89% dependem diretamente da

assistência oferecida pelo SUS em seus diversos

programas (promoção, prevenção, tratamento,

reabilitação e cuidados paliativos)

• Atualmente 83% dos habitantes deste grupo etário vivem

em centros urbanos contra 43% na década de 1970.

• Houve significativa melhora na Qualidade de Vida desta

fatia populacional:

Demografia e Epidemiologia da Terceira Idade:

Renda Mensal (média)

Participação na

renda total do

país

1992 – R$ 550,00 1992 – 13%

2008 – R$ 960,00

2008 – 18%

Aos 60 anos Aos 75 anos

40% têm pelo menos 3 doenças crônicas

50% sofrem de cinco doenças crônicas

60% das causas de morte são provocadas por doenças crônicas

80% das causas de morte são provocadas por doenças crônicas

São utilizados pelo menos três tipos diferentes de medicações diariamente

São utilizados pelo menos seis tipos diferentes de medicações diariamente

Cinco dias é o tempo médio de internação hospitalar/ano

Oito dias é o tempo médio de internação hospitalar/ano

A Saúde do brasileiro idoso:

A perspectiva de vida saudável para um brasileiro que

chegar aos 60 anos sem enfermidades graves é de

mais 15 anos de vida saudável.

Se vencer a marca dos 70 anos a projeção é de mais

10 anos de vida saudável. Narsi, J. (Hosp. A Einstein – 2008)

As cinco enfermidades crônicas que mais

afetam os idosos são:

diabetes, hipertensão, osteoporose,

câncer e depressão

As grandes e rápidas transformações que se

apresentam, referentes a esta faixa populacional,

representam desafios enormes e urgentíssimos para

todos os segmentos de gestão pública.

Nas próximas décadas, será necessário establecer

programas efetivos e eficientes para a prevenção e

retardo das enfermidades que acometem a esse

grupo, na invalidez, para manter a saúde,

independência e mobilidade dessas pessoas.

Todos os envolvidos com questões ligadas à Saúde

e o Desenvolvimento Humano estão convocados a

dedicar seus conhecimentos e trabalho para essa

nova realidade.

Síntese da atual situação evolutiva

das Enfermidades Crônico

Degenerativas

Estilo de vida e Ambiente representam os

mais importantes fatores geradores de

inadaptação e agravos à saúde e, por

consequência, determinantes de boa

parte das enfermidades crônicas na

atualidade.

Nas enfermidades crônico-degenerativas se

identificam três fatores componentes:

a) Os biológicos

b) Os ambientais

c) Os próprios do estilo de vida

Centro para el Control de Enfermedades USA

Dados relativos a incidência destes fatores:

Enf. Cerebrovasculares: 54% estilo de vida

25% biológicos

21% ambientais

Câncer: 37% estilo de vida

29% biológicos

34% ambientais

Infarto: 50% estilo de vida

21% biológicos

29% ambientais

Atualmente, no mundo, as patologias

crônicas são responsáveis por 40% de

todas as enfermidades.

Estudos da OMS apontam que até 2020

elas representarão 60% das moléstias nos

países em desenvolvimento.

Jacob, W. – UNIFESP - 2008

A equação atual sobre a perspectiva de

boa saúde indica uma média

determinada por 70% de fatores

ligados ao Estilo de Vida/Ambiente e

30% a fatores Biológicos.

Cambridge University - 2008

Dentro dos Programas de Prevenção Secundária às

Enfermidades Crônicas, há significativos avanços:

• A perspectiva de sobrevida de um brasileiro com

diabetes hoje é de 15 anos a mais do que na década de

1960

• O idoso com enfermidades cardiovasculares tem

perspectivas de sobrevida de 15 a 20 anos mais que na

década de 1960

• O impacto das taxas altas de colesterol esta sendo

atenuado com novos tratamentos possibilitando um

aumento de 10 anos de expectativa de vida,

comparado ao mesmo quadro na década de 1980.

• Houve um aumento da sobrevida de pacientes

oncológicos na casa de 25% em relação ao observado

na década de 1970.

48.000.000 DE PORTADORES DE DOENÇAS

CRÔNICAS NO BRASIL

(estes números excluem os casos de alcoolismo e

vem aumentando puxado pela população acima de

60 anos de idade cada vez mais crescente)

Como lidar com os componentes

emocionais do paciente/familiar

portador de enfermidade crônica

para obter um bom engajamento

(aderência) ao tratamento?

1. A DOENÇA SE INSTALANDO E QUEBRANDO O EQUILÍBRIO

BIO-PSICO-SOCIAL DO INDIVÍDUO.

A IMPOSIÇÃO DE PERDAS PERMANENTES E A NECESSIDADE DE

ELABORAÇÃO DESSAS PERDAS PARA A ORGANIZAÇÃO DA NOVA

IDENTIDADE.

EU FÍSICO E EU PSÍQUICO, ESTRUTURADOS A PARTIR DE UMA

EXPERIÊNCIA QUE OS SEDIMENTA:

ESQUEMA CORPORAL - AUTO IMAGEM

IDENTIDADE CORPORAL - ESPAÇO VITAL

INTERAÇÃO CONSIGO E COM O MUNDO

2. DOENÇA CRÔNICA

MUDA ROTINAS

MUDA EXPECTATIVAS

IMPÕE LIMITES

IMPÕE PERDAS

MUITAS VEZES SUCESSIVAS,

EVENTUALMENTE LEVANDO À MORTE.

GERANDO:

- SENTIMENTO DE IMPOTÊNCIA

- MEDO

- ANSIEDADE

- AMEAÇA DE MORTE

- REVOLTA

- AGRESSIVIDADE AUTO

E/OU DIRIGIDAS

ALO

- FANTASIAS MÓRBIDAS

- ATITUDES DE ABANDONO

100 X + TENTATIVAS DE SUICÍDIO (ATIVO)

400 X + TENTATIVAS DE SUICÍDIO (PASSIVO)

(LEWIS 1999)

Apartir do impacto diagnóstico de uma enfermidade crônica

o paciente tende a também passar por fases de elaboração

da doença similares às do enfrentamento da situação

terminal: (Kubler Ross)

- Negação

- Revolta

- Barganha

- Depressão

- Aceitação (sendo essa oscilante de acordo com a

evolução e intercorrências da doença)

- Ganho Secundário da Doença (fator de grande

interferência na Aderência)

TRINÔMIO DE RELAÇÃO COM A DOENÇA

CRÔNICA

DEPENDÊNCIA REGRESSÃO

LUTO

O indivíduo é uma unidade biopsicosocial onde esses

aspectos são interdependentes e interinfluenciantes

(Conceito Biopsicossocial da Saúde)

B P

S

Retoma seu lugar

consigo e no mundo.

Cronificação da crise

Reelabora valores e

referenciais:

Reedita identidade

(Ser Doente)

A A’

A

A’

A’’

A DOENÇA SE IMPONDO AO INDIVÍDUO

3 CAMINHOS:

“A” adoece e passa ao estado de “A’”

(desorganização interna e busca de reorganização)

D C

A

E B

Doença

A`

3. A Família “enferma” 3. A FAMÍLIA “ENFERMA”

• Estrutura familiar se desorganiza e perde os componentes

de auto sustentação gerados por A.

• Componentes da família buscam reorganização desta,

criando novo vínculo e nova ordem de equilibração com A’.

• Assim como visto na (Fig. 1), a família pode ter 3

alternativas de retomada de seu equilíbrio perdido:

1. Tudo volta ao que era.

2. Cronificação e permanência do vínculo com A’.

3. Nova desorganização para novo vínculo com A”.

04. EQUIPE: IMPORTANTE RESSALTAR A INTERAÇÃO MAIS

PROFUNDA PELO LONGO TEMPO DE CONTATO:

DEPENDÊNCIA

(FUNDAMENTAL QUE A EQUIPE ENTENDA E ASSUMA ESSE PAPEL)

A EQUIPE PASSA A INCORPORAR-SE A VIDA DE RELAÇÃO DA

PESSOA, FORNECENDO:

+

-

SEGURANÇA SENTIMENTOS DE

HOSTILIDADE

AMPARO DENÚNCIA DAS

IMPOTÊNCIAS

ESPAÇO PARA DESPESSOALIZAÇÃO

MANIFESTAR-SE

ALÍVIO DO SOFRIMENTO SENSAÇÃO DE INSEGU-

RANÇA E ABANDONO

CONHECER SUA DOENÇA;

ASSUMIR O SER DOENTE;

INCORPORAR OS NOVOS HÁBITOS E ROTINAS QUE A

DOENÇA IMPÕE;

TER ESPAÇO PARA MANIFESTAR-SE;

5. A IMPORTÂNCIA DE PROGRAMAS (AMBULATÓRIAIS) DE APOIO

E ORIENTAÇÃO AO PACIENTE CRÔNICO, VISANDO:

RELACIONAR-SE COM OUTRAS PESSOAS NAS MESMAS

CONDIÇÕES.

BUSCANDO ASSIM MELHORA QUALITATIVA NAS

RELAÇÕES

CONSIGO MESMO E COM O MUNDO

6. O PACIENTE CRÔNICO intercorrências de

evolução:

PRINCIPAIS CAMINHOS:

EPISÓDIO AGUDO DO QUADRO AGRAVAMENTO DO QUADRO DE BASE

MOBILIZAÇÃO DO PACIENTE MOBILIZAÇÃO DO PACIENTE

EVOLUÇÃO COM SEQUELAS EVOLUÇÃO PARA MORTE

(FÍSICAS E EMOCIONAIS)

DIFICULDADES DE ADAPTAÇÃO E ANGÚSTIA DE MORTE

ENFRENTAMENTO

FOCOS NA URGÊNCIA E NA FOCOS NO ENFRENTAMENTO

READAPTAÇÃO DA MORTE

ALTA MOBILIZAÇÃO C/ SENTIMENTOS DE:

IMPOTÊNCIA

ANSIEDADE

ANGÚSTIA DE MORTE

AMBIVALÊNCIAS

MEDO

DEPENDENDO DA EVOLUÇÃO:

AGENTE DE REINTEGRAÇÃO DO PACIENTE ELABORAÇÃO DA PERDA

FAMÍLIA – reação nas intercorrências evolutivas:

7. O PSICÓLOGO PODE ATUAR NAS TRÊS

FRENTES DE TRABALHO:

- AUXILIANDO A ELABORAÇÃO DA “NOVA IDENTIDADE”

- SER DOENTE -

- ABRINDO ESPAÇO PARA MANIFESTAR-SE, EXPOR SEUS

MEDOS, ANGÚSTIAS E ANSIEDADES;

- AUXILIAR NA ELABORAÇÃO DAS PERDAS;

- INCENTIVAR A BUSCA DE FORMAS ADAPTATIVAS DE SER E

VIVER;

- MELHORAR A RELAÇÃO COM AS IMPOTÊNCIAS IMPOSTAS

PELA DOENÇA. (ENFRENTAMENTO)

A) - JUNTO AO PACIENTE:

A) - JUNTO AO PACIENTE:

- (Nos Grupos) AUXILIAR O PROCESSO DE IDENTIFICAÇÃO E

TROCA DE EXPERIÊNCIAS E VIVÊNCIAS.

- DESENVOLVIMENTO DE PROGRAMAS FOCADOS EM

HABILIDADES PARA VIVER (Competências Psicossociais OMS)

- NOS PROGRAMAS QUE POSSIBILITEM MUDANÇAS DE

ESTRATÉGIA DE TRATAMENTO

MONITORAMENTO DA EVOLUÇÃO ADAPTATIVA E A

OSCILAÇÃO ENTRE EXPECTATIVAS E FRUSTRAÇÕES

(EX: transplantes, Diálises, Bombas de infusão, etc)

- AUXILIANDO NA REORGANIZAÇÃO DO VÍNCULO COM O

PACIENTE CRÔNICO E NA RESTRUTURAÇÃO DE SUA

IDENTIDADE COMO SISTEMA;

- POSSIBILITAR IGUALMENTE A MANIFESTAÇÃO DE MEDOS,

ANGÚSTIAS, ANSIEDADES;

- EVITAR ATITUDES DESTRUTIVAS E DESORGANIZANTES

(EXACERBAÇÃO OU NEGAÇÃO DOS LIMITES, ATITUDES DE

ABANDONO E HOSTILIDADE, ETC...).

- ELABORAÇÃO DE PERDAS E LUTO

- DESENVOLVIMENTO DE PROGRAMAS DE APOIO E ORIENTAÇÃO

COM A PARTICIPAÇÃO DE VÁRIAS FAMÍLIAS

B) - JUNTO À FAMÍLIA:

- SOMANDO SEUS CONHECIMENTOS PARA QUE SE POSSA VER

O INDIVÍDUO COM UM TODO INTEGRADO;

- LIDAR COM OS SENTIMENTOS DE PERDA E IMPOTÊNCIA;

- AUXILIAR NA COMPREENSÃO DO VÍNCULO E DO PAPEL QUE

ESSA TEM JUNTO AO PACIENTE E FAMÍLIA;

- DECODIFICAR SENTIMENTOS E ATITUDES NA DINÂMICA DE

RELAÇÃO INTER, INTRA EQUIPE DE FORMA A AJUDAR A

MANUTENÇÃO DE UMA IDENTIDADE ESTRUTURADA E

POSITIVA NESSA, FUNDAMENTAL PARA A BOA QUALIDADE

DAS RELAÇÕES E DO PRÓPRIO TRABALHO.

C) - JUNTO À EQUIPE:

C) - JUNTO À EQUIPE:

- IDENTIFICAR AS DEMANDAS DETERMINANTES DE STRESS

(Burnout)

- ACOMPANHAMENTO NOS BOLETINS (em UTI) E SUPORTE

NO MOMENTO DE INFORMAÇÃO DO DIAGNÓSTICO

- TREINAMENTO E APOIO PSICOLÓGICO *

- PARTICIPAÇÃO DIRETA NA ELABORAÇÃO E APLICAÇÃO

DE PROGRAMAS DE ORIENTAÇÃO

- AUXILIAR NA INSTRUMENTALIZAÇÃO DO MANEJO

EMOCIONAL DO PACEINTE E FAMÍLIA

“Cada vez mais, a morte será causada por enfermidades

crônicas ou degenerativas.

Esta perspectiva intensifica a necessidade de realizar-se

trabalhos vinculados ao controle da dor, diminuição do medo

e da ansiedade ante a morte e ao morrer e, principalmente, a

reflexão sobre os conceitos de "morte ignominiosa e

degradante" e de "morte digna".

Neste segmento de trabalho, o incremento dos trabalhos

em Home-care e em Cuidados Paliativos, dentre outros deve

ser particularmente considerado.

(ALBERTO in ANGERAMI 1998, MONTESINOS, 1999 y SEBASTIANI, 1997)

“A PESSOA PORTADORA DE DOENÇA CRÔNICA;

LONGE DE SER UM INCAPAZ (COMO MUITAS VEZES A

SOCIEDADE DECRETA)

É UM SER HUMANO COM UMA SÉRIE DE POSSIBILIDADES PARA

SUA RELAÇÃO QUALITATIVA COM A VIDA,

QUE CONTINUA (A DESPEITO DA DOENÇA) TENDO SEUS

DIREITOS SOBRETUDO AO RESPEITO E A DIGNIDADE.

CABE AOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE QUE A ACOMPANHAM, A

RESPONSABILIDADE DE AUXILIÁ-LA NA CONSOLIDAÇÃO DA

GARANTIA DESSES DIREITOS,

APOSTANDO NA SAÚDE E NÃO NA ENFERMIDADE.

PORTANTO:

Ter em conta que o trabalho com o

humano é muito mais que

mera execução de tarefas.

Que nossa vocação original contempla

Ciência e Arte,

Razão e Emoção...

Não se pode dar esperanças se não se crê;

Não se pode lutar pela dignidade e vida do outro,

se não valorizamos a nossa;

Não se pode promover saúde se não se é saudável;

Não se pode dar o que não se tem...