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Conferência Internacional sobre Reabilitação de Estruturas Antigas de Alvenaria 47 ASPETOS DA REABILITAÇÃO DE EDIFÍCIOS ANTIGOS DE ALVENARIA Manuel Baião Investigador Principal LNEC Lisboa - Portugal Fernando Pinho Professor Auxiliar FCT UNL Lisboa - Portugal Válter Lúcio Professor Associado FCT UNL Lisboa - Portugal A. Leça Coelho Inv. Principal c/ Hab. LNEC Lisboa Portugal SUMÁRIO A comunicação que se apresenta, centrando-se nos edifícios antigos que foram construídos utilizando fundamentalmente na sua estrutura alvenarias de pedra e de tijolo e madeira, ou seja, nos edifícios construídos até aos anos 30 do século XX e que ainda existem em número significativo, reporta alguns aspetos da reabilitação das paredes de alvenaria de pedra irregular e dos pavimentos de madeira que os constituem. Face às principais deficiências construtivas e insuficiências funcionais que apresentam, são apontadas soluções que visam a melhoria das respetivas condições de segurança estrutural das paredes e dos pavimentos e de segurança contra incêndio dos pavimentos e a satisfação, tanto quanto possível, dos princípios enunciados pelo ICOMOS. 1. INTRODUÇÃO A Carta do ICOMOS “Princípios para a análise, conservação e restauro estrutural do património arquitetónico“ [8] aponta para a necessidade de se preservar a autenticidade do património arquitetónico não só “na sua aparência, mas também na integridade de todos os seus componentes como produto único da tecnologia de construção específica do seu tempo”. As intervenções de reabilitação a realizar sobre edifícios antigos devem basear-se em critérios que se adequem a cada situação, e garantir que no novo uso dos edifícios sejam respeitadas as exigências de habitabilidade e de segurança a que atualmente devem satisfazer. Então, a questão que se coloca é a de como é que um edifício antigo, mantendo a sua autenticidade, pode ser reabilitado para que fiquem satisfeitas as condições de segurança, de saúde e de conforto atualmente exigidas para a sua utilização. Os objetivos de preservar e proteger o património arquitetónico e de, em simultâneo, melhorar o desempenho dos edifícios deste património sob os diversos pontos de vista, em particular o da segurança, muitas vezes parecem ser opostos. Mas esta aparência pode resultar da falta de conhecimento das características construtivas dos edifícios e de, por esse facto, elas serem ignoradas na proposta das soluções a adotar em projeto, o que em geral constitui um erro. Na realidade, não nos podemos esquecer que esses edifícios já têm em si características que permitem obter determinados níveis de desempenho que por isso devem ser tidas em conta, de forma a não serem desperdiçadas na sua reabilitação. A presente comunicação, centrando-se nos edifícios antigos que foram construídos utilizando fundamentalmente na sua estrutura alvenarias de pedra e de tijolo e madeira, ou seja, nos edifícios construídos até aos anos 30 do século XX e que ainda existem em número significativo, reporta alguns aspetos da reabilitação das paredes de alvenaria de pedra irregular e dos pavimentos de madeira que os constituem. Face às principais deficiências construtivas e insuficiências funcionais que apresentam, são apontadas soluções que visam a melhoria das condições de segurança estrutural das paredes e dos pavimentos e de segurança contra incêndio dos pavimentos e a satisfação, tanto quanto possível, dos princípios do ICOMOS atrás referidos.

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Conferência Internacional sobre Reabilitação de Estruturas Antigas de Alvenaria

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ASPETOS DA REABILITAÇÃO DE EDIFÍCIOS ANTIGOS DE ALVENARIA

Manuel Baião

Investigador Principal LNEC

Lisboa - Portugal

Fernando Pinho Professor Auxiliar

FCT UNL Lisboa - Portugal

Válter Lúcio Professor Associado

FCT UNL Lisboa - Portugal

A. Leça Coelho Inv. Principal c/ Hab.

LNEC Lisboa – Portugal

SUMÁRIO A comunicação que se apresenta, centrando-se nos edifícios antigos que foram construídos utilizando fundamentalmente na sua estrutura alvenarias de pedra e de tijolo e madeira, ou seja, nos edifícios construídos até aos anos 30 do século XX e que ainda existem em número significativo, reporta alguns aspetos da reabilitação das paredes de alvenaria de pedra irregular e dos pavimentos de madeira que os constituem. Face às principais deficiências construtivas e insuficiências funcionais que apresentam, são apontadas soluções que visam a melhoria das respetivas condições de segurança estrutural das paredes e dos pavimentos e de segurança contra incêndio dos pavimentos e a satisfação, tanto quanto possível, dos princípios enunciados pelo ICOMOS. 1. INTRODUÇÃO A Carta do ICOMOS “Princípios para a análise, conservação e restauro estrutural do património arquitetónico“

[8] aponta para a necessidade de se preservar a autenticidade do património arquitetónico não só “na sua

aparência, mas também na integridade de todos os seus componentes como produto único da tecnologia de construção específica do seu tempo”. As intervenções de reabilitação a realizar sobre edifícios antigos devem basear-se em critérios que se adequem a cada situação, e garantir que no novo uso dos edifícios sejam respeitadas as exigências de habitabilidade e de segurança a que atualmente devem satisfazer. Então, a questão que se coloca é a de como é que um edifício antigo, mantendo a sua autenticidade, pode ser reabilitado para que fiquem satisfeitas as condições de segurança, de saúde e de conforto atualmente exigidas para a sua utilização. Os objetivos de preservar e proteger o património arquitetónico e de, em simultâneo, melhorar o desempenho dos edifícios deste património sob os diversos pontos de vista, em particular o da segurança, muitas vezes parecem ser opostos. Mas esta aparência pode resultar da falta de conhecimento das características construtivas dos edifícios e de, por esse facto, elas serem ignoradas na proposta das soluções a adotar em projeto, o que em geral constitui um erro. Na realidade, não nos podemos esquecer que esses edifícios já têm em si características que permitem obter determinados níveis de desempenho que por isso devem ser tidas em conta, de forma a não serem desperdiçadas na sua reabilitação. A presente comunicação, centrando-se nos edifícios antigos que foram construídos utilizando fundamentalmente na sua estrutura alvenarias de pedra e de tijolo e madeira, ou seja, nos edifícios construídos até aos anos 30 do século XX e que ainda existem em número significativo, reporta alguns aspetos da reabilitação das paredes de alvenaria de pedra irregular e dos pavimentos de madeira que os constituem. Face às principais deficiências construtivas e insuficiências funcionais que apresentam, são apontadas soluções que visam a melhoria das condições de segurança estrutural das paredes e dos pavimentos e de segurança contra incêndio dos pavimentos e a satisfação, tanto quanto possível, dos princípios do ICOMOS atrás referidos.

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2. PAREDES DE ALVENARIA DE PEDRA IRREGULAR 2.1. Características gerais Nos edifícios antigos construídos até aos anos 30 do século XX, a que se refere esta comunicação, são diversos os tipos de paredes de alvenaria utilizados, desempenhando basicamente todas elas funções estruturais, ainda que de forma diferenciada, em relação às ações verticais e às ações horizontais. As paredes de alvenaria de pedra irregular têm uma utilização muito significativa nesses edifícios e por isso merecem particular referência. Trata-se de paredes cuja espessura é no mínimo da ordem de 0,40 m podendo atingir, consoante os casos mais correntes, 1,00 m a 1,50 m, ou mesmo espessuras superiores, como nos edifícios abobadados. Deve salientar-se que estas paredes não são, em geral, homogéneas na sua espessura, como as constituídas por uma só folha. Integram, correntemente, duas folhas e uma camada de enchimento interno, que pode estar mais ou menos agregado e cuja espessura também pode ser diferente consoante as situações. 2.2. Deficiências estruturais e soluções de reforço A patologia que se pode verificar nessas paredes depende dos agentes que sobre elas atuam, mas também da sua constituição. Os problemas mais frequentes são a desagregação, o esmagamento e a fendilhação. Resultante do comportamento mecânico das paredes, as anomalias mais usuais são as fendas que podem decorrer de deformações no plano das paredes ou de deformações para fora do seu plano. Salientam-se as seguintes situações: (i) fendas correspondentes a esforços de compressão axial nas paredes ou a esforços de flexão associados à encurvadura das folhas das paredes, devidos a ações verticais elevadas sobre as paredes; (ii) fendas correspondentes a esforços de flexão e a esforços de corte no plano da parede, devidos a assentamento de fundações; (iii) fendas correspondentes a esforços de flexão na direção perpendicular ao plano das paredes, devidos a impulsos de arcos; (iv) fendas correspondentes a esforços de corte no plano da parede, ou de flexão na direção perpendicular ao plano da parede, devidos a movimentos sísmicos. A ação sísmica, dependendo da sua intensidade, é das ações que pode ter maior impacto destruidor nestes edifícios. Os últimos sismos ocorridos em Itália e na Nova Zelândia, por exemplo, evidenciam a baixa resistência dos edifícios de alvenaria, que não têm integridade estrutural, por falta de ligações efetivas entre as paredes perpendiculares e entre as paredes e os pavimentos. Nesse sentido, torna-se necessário aumentar a resistência destas alvenarias através de intervenções de consolidação e reforço, com a aplicação de materiais e técnicas que permitam a preservação das alvenarias existentes, garantindo, sempre que possível, os princípios defendidos pelo ICOMOS, nas sucessivas cartas internacionais para a conservação do património arquitetónico, da intrusão mínima na construção existente e da reversibilidade e da durabilidade máximas das intervenções a efetuar. A consolidação e o reforço das paredes, em particular das paredes de alvenaria de pedra irregular, que em geral possuem características mecânicas de resistência à flexão e ao corte bastante fracas, apenas compensadas, nalguns casos, pela sua espessura, tornam-se necessários, de forma a se garantirem adequados níveis de segurança. Existem diversas técnicas convencionais para o reforço de paredes de alvenaria, algumas com claras desvantagens, como por exemplo, do ponto de vista arquitetónico, de aumento de massa, ou de redução da durabilidade das alvenarias. Na última década foram propostas diversas técnicas inovadoras para reforço de paredes de alvenaria, que, em comparação com as anteriores, possibilitam menor intrusão e maior compatibilidade em relação à construção existente, assim como maior reversibilidade e durabilidade das intervenções a efetuar. Referem-se as seguintes: a) colagem de faixas de polímeros reforçados com fibras (FRP); b) aplicação de reboco de argamassa armada com rede de polímero reforçado com fibra de vidro (GFRP); c) amarração transversal das paredes, utilizando fitas de aço; d) refechamento de juntas de assentamento das alvenarias com argamassa armada com cordões finos de aço inoxidável ou com fios de FRP; e) aplicação de rebocos de argamassa bastarda armada com rede de FRP e amarração transversal das paredes com fios de aço. No que se segue faz-se uma descrição muito sintética dessas técnicas e sempre que possível apresentam-se resultados de ensaios realizados.

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a) Colagem de faixas de FRP sobre as faces das paredes de alvenaria Esta técnica de reforço consiste na colagem de faixas de polímero reforçado com fibras de carbono ou de vidro, sobre ambas as faces das paredes, utilizando resina epoxy (Figura 9).

Figura 9 – Provete de alvenaria de pedra reforçado com faixas de FRP (dimensões em cm) [5]

Esta técnica não confere confinamento transversal à alvenaria, pelo que convém que seja utilizada associada a ligações mecânicas transversais, as quais podem ser efetuadas com varões de aço ou de FRP injetados. Foram realizados ensaios de compressão diagonal sobre alvenarias existentes reforçadas com faixas de GFRP aplicadas em ambas as faces dos provetes e com conectores transversais constituídos por varões de GFRP de 12 mm de diâmetro, 5/m2 [5]. Os resultados mostraram, para uma alvenaria de pedra, uma resistência ao corte de 0,040 MPa, antes do reforço, e valores entre duas a quatro vezes superiores, após o reforço. Esta técnica apesar de ser considerada pouco intrusiva, a sua aplicação coloca algumas questões devidas à utilização da resina epoxi (deficiências na aderência ao suporte e na permeabilidade ao vapor de água do revestimento de parede assim obtido, ou a sua vulnerabilidade em caso de incêndio) que comprometem, em particular, a sua compatibilidade com estas alvenarias. b) Aplicação de reboco de argamassa armada com rede de GFRP Outra técnica de reforço consiste na aplicação de uma rede de GFRP, em ambas as faces da parede de alvenaria, a qual é posteriormente coberta por um reboco de argamassa (Figura 10). Para concretização desta técnica é necessário remover o revestimento e argamassa das juntas em 10-15 mm de profundidade e realizar furos para a inserção de conectores de GFRP em forma de “L”. Após a colocação da rede

e dos conectores é executada uma camada de revestimento de argamassa bastarda. Os ensaios realizados [7] sobre alvenaria reforçada com esta técnica evidenciaram um acréscimo de resistência ao corte de cerca de três vezes, dos provetes reforçados em relação aos não-reforçados, devido ao efeito de confinamento do revestimento na alvenaria e à resistência do próprio revestimento. Na Figura 11 apresentam-se diagramas de tensões-extensões de compressão obtidos em ensaio de compressão-diagonal realizado sobre provetes não reforçado e reforçados, respetivamente, com esta técnica.

Figura 10 – Técnica de reforço com rede de GFRP: a) Vista geral b) Pormenor do conetor de GFRP [7]

Figura 11 – Diagramas tensões-extensões de

compressão em ensaio de compressão diagonal em provete não-reforçado e provetes reforçados [7]

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A técnica pode ser considerada pouco invasiva para a estrutura de alvenaria. É contudo necessário remover o revestimento existente. A técnica também poderá ser considerada reversível, considerando que o novo revestimento poderá ser removido. c) Amarração transversal da alvenaria com fitas de aço São utilizadas fitas de aço (0,8 mm x 20 mm) ligeiramente pré-esforçadas que amarram transversalmente a alvenaria. É uma técnica de confinamento transversal de paredes de alvenaria de múltiplas camadas (com duas ou três folhas) que faz parte de um sistema designado por CAM (Active Ties for Masonry ou Manufact Active Confining). Apresentam-se na Figura 12 elementos característicos do sistema.

(a) (b)

Figura 12 – Sistema CAM: a) Plano do sistema; b) Pormenor de um nó da rede [6]

Figura 13 – Aplicação do sistema CAM [6]

Dependendo das características das alvenarias, a distância entre furos varia entre 1.0 m e 1,5 m. É utilizado um dispositivo específico para conferir o pré-esforço às fitas. Os ensaios realizados mostram acréscimos da resistência ao corte e da ductilidade das alvenarias reforçadas com esta técnica (Figura 14).

(a) (b)

Figura 14– Resultados do ensaio de compressão-diagonal: a) Provete não-reforçado; b) Provete reforçado com o sistema CAM. [6]

d) Refechamento de juntas de assentamento das alvenarias com argamassa armada com cordões finos de aço

inoxidável ou com fios de GFRP Esta técnica, designada por “Reticulatus”, consiste numa rede contínua constituída por cordões finos de aço inoxidável ou por fios de FRP perfeitamente embebidos na argamassa de refechamento das juntas. Primeiramente a argamassa das juntas é removida numa profundidade de cerca de 6 cm e as juntas devidamente limpas. É realizada uma primeira parte do refechamento das juntas com argamassa, ao que se segue a colocação dos cordões de aço inoxidável ou dos fios de FRP. Nos pontos de intersecção, as redes de ambas as faces da alvenaria são ancoradas através de conectores que atravessam a espessura da alvenaria, sendo em seguida efetuada a última parte do refechamento das juntas com argamassa. No final obtém-se uma rede de cordões ou de fios tridimensional. Na Figura 15 apresenta-se uma ilustração desta técnica e na Figura 16 os resultados de ensaios efetuados em provete não-reforçado e provetes reforçados com esta técnica.

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Figura 15 – Reforço utilizando a técnica “Reticolatus” [4]

Figura 16 – Diagramas de tensões-extensões de ensaio de compressão com macacos planos de alvenaria não-reforçada (URM), com refechamento de juntas com argamassa (REP 02 e REP 03) e com refechamento de juntas com argamassa armada “Reticolatus” (SER 04 e SER 05) [4]

e) Aplicação de reboco de argamassa bastarda armada com rede de GFRP e amarração transversal das paredes

com fios de aço Esta técnica é de alguma forma idêntica ao conjunto das técnicas descritas em b) e c), mas utilizando fios de aço de 4 mm de diâmetro como conectores que atravessam a espessura de alvenaria e se prolongam na diagonal em furos contíguos [11]. Os provetes de alvenaria assim reforçados foram sujeitos a ensaios de compressão e de compressão-corte e comparados com os resultados dos correspondentes ensaios realizados sobre provetes não reforçados.

(a) (b) (c) Figura 17 – Provetes de compressão-corte reforçados com amarração transversal de fios de aço e posterior aplicação de reboco armado com rede de GFRP [11]

Os valores médios da força de rotura nos ensaios de compressão e nos ensaios de compressão-corte obtidos nos provetes não-reforçados e nos provetes reforçados com esta técnica são referidos na Tabela 1.

Tabela 1 – Valores das forças de rotura obtidos em ensaios [11]

Ensaios de compressão Ensaios de compressão-corte

Fmax (kN) FV (kN) FHmax (kN) FResultante (kN)

Provetes não- reforçados 136,8 109,2 23,8 111,8

Provetes reforçados 440,3 330 77,8 339,0

Verifica-se que a capacidade resistente praticamente triplicou nos provetes reforçados em relação ao não-reforçados, em ambas as situações [11].

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3. PAVIMENTOS DE MADEIRA 3.1. Características gerais Relativamente aos pavimentos elevados, referem-se os pavimentos com vigamento de madeira como a solução estrutural mais usual. Salienta-se, no entanto, a existência, em número apreciável, de pavimentos sobre estruturas de arcos e abóbadas de alvenaria. É de resto esta a solução encontrada em edifícios de maior nobreza e nos edifícios pombalinos, nos tetos de caves semienterradas e do rés-do-chão, isto é nas zonas da construção em contacto com o terreno e com a humidade que daí pode decorrer. A estrutura dos pavimentos de madeira organiza-se colocando as vigas paralelamente. Nos edifícios pombalinos, as vigas, com uma largura de cerca de 0,15 m, têm um afastamento, entre 0,20 m a 0,40 m. As limitações dos espécimes florestais levam a privilegiar o recurso a perfis com altura não superior a 0,20 m, o que limita o vão a vencer para valores de cerca de 4 m. Nas situações em que era necessário vencer vãos maiores, recorria-se a vigas principais de maior secção onde apoiava o vigamento atrás referido [1]. A fim de reduzir os riscos de empenamento do vigamento, o que provocaria desnivelamento e distorções dos pavimentos, faz-se o seu tarugamento. Os tarugos são, na sua versão mais simples, constituídos por troços de viga, introduzidos, bem justos, entre as vigas e a elas ligados segundo alinhamentos transversais. O apoio do vigamento nas paredes é em geral realizado através de dois processos, ou com as extremidades embebidas nas paredes ou ligando-se a frechais. O primeiro processo consiste no encaixe das extremidades das vigas ou dos barrotes de madeira em aberturas nas paredes. Se se trata de parede com frechal, peça de madeira que coroa a parede, a ligação entre o pavimento e a parede faz-se através deste elemento, que por sua vez é ligado à parede por elementos de ferro ou de madeira. 3.2 - Deficiências estruturais e soluções de reforço As deficiências ou insuficiências do ponto de vista do desempenho estrutural dos pavimentos de madeira dos edifícios antigos estão associadas à sua deformação excessiva quer para fora do seu plano, face às acções verticais decorrentes do uso normal, quer no seu plano, face às ações sísmicas horizontais. Naturalmente que, em boa medida, essa deformação excessiva pode resultar do facto de a madeira que constitui esses pavimentos estar degradada por ataque de agentes xilófagos ou simplesmente envelhecida, mas por outro lado também resulta das características da madeira e da técnica de execução desses pavimentos. Faz-se em seguida uma breve análise sobre o desempenho dos pavimentos face às ações verticais e face às ações sísmicas horizontais. Face às ações verticais, as deficiências associadas à deformação excessiva dos pavimentos podem ter diversas origens, das quais se destacam: (i)Insuficiência de secção das vigas por erros ou falta de projeto, não tendo sido previstas as dimensões necessárias para as cargas previsíveis; (ii) Fluência da madeira; (iii) Deterioração das condições de ligação entre a estrutura dos pavimentos e as paredes resistentes, em particular das zonas de apoio das vigas dos pavimentos, normalmente devido à ação da humidade; (iv) Excesso de carga em relação ao previsto para a utilização do edifício. As soluções para melhoria das condições estruturais que podem ser adotadas devem ser analisadas perante as situações concretas que se colocam. As deficiências mais vulgares são as que se relacionam com a deterioração da madeira dos elementos, frequentemente devida à acção da humidade, ou com o comportamento da madeira ao longo do tempo, quer do ponto de vista mecânico, quer do da estabilidade dimensional. Quando os edifícios são sujeitos a ações sísmicas horizontais, os pavimentos podem ter uma maior ou menor capacidade de distribuição das forças de inércia horizontais pelos elementos verticais, ou seja, as paredes no caso de edifícios antigos. Essa capacidade de distribuição, em que o pavimento funciona como uma membrana ou um diafragma, depende da deformabilidade do pavimento no seu plano e das ligações do pavimento às paredes adjacentes. Sempre que o pavimento não está adequadamente ligado às paredes adjacentes, ou a rigidez no plano não é adequada, diferentes mecanismos de colapso podem ser observados envolvendo as paredes perpendiculares à direção do sismo (ver Figura 18).

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(a)

(b)

(c)

(d)

Figura 18 - (a) (b) Rotação da parede devida a falta de ligação do pavimento às paredes paralelas à ação sísmica; (c) Rotura em flexão de parede devido a impulso de pavimento demasiadamente flexível; (c) Instabilidade de parede devido ao impulso do pavimento intermédio com falta de ligação às paredes laterais [10].

Conforme a deformabilidade dos pavimentos no seu plano, pode dizer-se que os diafragmas são mais flexíveis ou mais rígidos, sabendo que os diafragmas mais flexíveis imporão nas paredes perpendiculares à direção do sismo maiores deslocamentos e esforços para fora do seu plano, enquanto os diafragmas mais rígidos mobilizarão mais as paredes paralelas à direção do sismo a absorver esforços no seu plano (Figura 19).

(a)

(b)

Figura 19 – (a) Diafragma flexível; (b) Diafragma rígido

Os pavimentos de madeira existentes em edifícios antigos funcionam em geral como diafragmas flexíveis, mas as características dessa flexibilidade dependem de diversos fatores, essencialmente: (i) natureza da madeira; (ii) dimensão do pavimento em planta; (iii) dimensão da secção transversal dos vigamentos; (iv) distância entre vigas do pavimento; (v) tipo de interligação entre as tábuas de solho do revestimento de piso (tábuas justapostas ou com encaixe macho-fêmea); (vi) existência ou não de tarugamento; (vii) ligação entre os pavimentos e as paredes contíguas, incluindo entrega das vigas nas paredes ou a existência de dispositivos metálicos de contraventamento; (viii) e também do estado de conservação da madeira dos pavimentos, em particular nas zonas em que existe maior risco de se verificar essa degradação, na zona de apoio das vigas. Da observação de danos em sismos havidos recentemente (Canterbury 2011), assim como de análises já efetuadas sobre esta questão [9]é possível prever, perante a ação sísmica, deformações elevadas desses pavimentos no plano, pelo que um princípio de há muito estabelecido é o de o diafragma dever ser rigidificado e reforçado de forma a reduzir indesejáveis riscos de deformação. As intervenções neste sentido devem considerar os movimentos sísmicos nas duas direções principais, sabendo que nenhuma parede está orientada exclusivamente segundo o plano ou perpendicular ao plano dessas direções e um diafragma rígido é necessário para, de forma adequada, mobilizar as paredes de alvenaria na absorção das ações sísmicas. Contudo, não existe uma estratégia para a rigidificação dos diafragmas nem se conhece o impacto que o reforço de diafragmas pode ter nos mecanismos de resposta sísmica destes edifícios de alvenaria. Assim as técnicas de intervenção que normalmente são adotadas, devem ser aplicadas com algum cuidado para que o desempenho sísmico dos edifícios não seja afetado de forma adversa. A utilização de painéis de derivados de madeira, por exemplo, de contraplacado ou de OSB (oriented strand board), é uma solução relativamente frequente uma vez que é compatível e de ligação relativamente simples com o vigamento de madeira dos pavimentos. Se o revestimento de piso tiver de ser mantido poderá ser analisada a hipótese de utilizar esses painéis sob as vigas, na situação de teto do piso inferior. Podem ainda ser aplicados sobre o revestimento de piso existente. As anomalias nos pavimentos de madeira atrás referidas, interferem, na sua maioria, com a satisfação das condições de segurança estrutural dos próprios pavimentos e com as condições de segurança global da estrutura do edifício, nomeadamente em relação à ação sísmica. As intervenções a realizar deverão ter em conta estes dois aspetos. As soluções de intervenção sobre os pavimentos são múltiplas. Apresentam-se as mais correntes, que

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em geral, poderão servir as seguintes situações tipo: (a) Melhoria do desempenho face às ações verticais ou melhoria do desempenho local dos pavimentos; (b) Melhoria do desempenho face às ações sísmicas ou melhoria do desempenho global dos edifícios.

a) Melhoria do desempenho face às ações verticais O problema das deformações acentuadas e da falta de capacidade resistente dos pavimentos face às ações verticais deve ser identificado com a causa a que se deve essa anomalia. Caso a anomalia seja devida a cargas excessivas, a primeira solução a encarar deve ser a do rearranjo das cargas, transferindo as cargas em excesso para outras zonas do edifício, ou deslocando-as no próprio pavimento, sempre que possível da zona de meio vão para a zona de apoio, considerando a necessidade de efetuar previamente a verificação de segurança do pavimento para as referidas cargas [3]. Caso a deformabilidade seja devida a deficiente conceção ou execução, por as dimensões da secção ou a qualidade das madeiras utilizadas não serem as adequadas, o reforço pode ser efetuado utilizando processos distintos: (a.1) adicionando novas vigas, por exemplo, colocando novas vigas sob as vigas existentes do pavimento para apoio intermédio destas, ou introduzindo novos elementos a par do vigamento existente; (a.2) mantendo o vigamento existente mas reforçando-o através da ligação de elementos adicionais; (a.3) ou, ainda fazendo a reparação, a substituição parcial ou a reconstrução de troços de vigas. a.1) Adicionando novas vigas a.1.1) A adição de novas vigas sob o vigamento existente é talvez o modo mais simples de resolver o problema, podendo esta solução reforçar o pavimento existente reduzindo ao mínimo a intervenção sobre o existente. Consiste na colocação sob o pavimento existente de elementos transversais (vigas metálicas ou de madeira) que apoiam em paredes laterais (Figura 20a e Figura 20b), caso estas paredes possam suportar o apoio destas vigas transversais. Caso isso não seja possível, ainda se poderiam prever vigas longitudinais em que essas vigas apoiariam (Figura 20c). A adoção de uma solução deste tipo está condicionada à existência de pé-direito e à não-existência de teto falso ou à existência de tectos sem importância decorativa.

(a) (b) (c)

Figura 20 – (a) Introdução de viga de madeira transversal a meio-vão sob o pavimento existente; (b) Introdução de vigas metálicas intercaladas com vigas de madeira existentes; (c) Introdução de vigas transversais e longitudinais sob o pavimento existente (adaptado de [3])

a.1.2) A colocação de vigas de madeira ou mesmo metálicas a par das vigas existentes do pavimento é uma solução muito usual, já que permite manter o pé-direito existente no piso inferior. Obriga no entanto à remoção do teto ou do revestimento de piso, à adaptação dos tarugos, caso existam, e à execução de aberturas nas paredes para o apoio das novas vigas.

Figura 21 - Vigas de reforço dispostas paralelamente às existentes [3]

a.2) Reforço das vigas existentes através da aplicação de troços de madeira ou de chapas ou perfis de aço às

vigas existentes a.2.1) A solução mais simples consiste no acoplamento de novas peças de madeira de um ou de ambos os lados das peças antigas, unindo-as através de pernos, pregos, parafusos de porca, chapas ou cintas metálicas. Esta solução de reforço tem normalmente como objetivo restabelecer a capacidade resistente em vigas enfraquecidas por exemplo por ataque de fungos de podridão, ou, por fendilhação, ou por roturas localizadas ou em vigas em que se pretende aumentar a sua inércia e tanto pode ser utilizada na zona dos apoios como ao longo do vão das vigas.

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Figura 22 – Reforço com novas peças de madeira fixadas às existentes [2]

Tem a vantagem de não envolver operações de remoção que normalmente são demoradas e implicam o escoramento do pavimento. Os elementos de madeira a colocar devem ser objeto de tratamento preservador e apresentar teor de água semelhante ao da madeira existente. Na aplicação sobre vigas com troços degradados, os novos elementos devem ser convenientemente fixados na zona sã da viga existente, através de pernos, pregos ou parafusos eventualmente ainda com reforço de ligadores com chapa (ver Figura 22). Em geral esta solução pode ser aplicada sem limitações arquitetónicas, inclusivamente nas situações em que existem tetos a manter, uma vez que não aumenta a espessura total do pavimento. a.2.2) As soluções de reforço de pavimentos de madeira com a introdução de elementos metálicos, chapas ou perfis, são muito usuais, dadas as características conhecidas de elevada resistência e rigidez desses elementos. Uma solução muito usual consiste na fixação de chapas ou perfis metálicos através de pernos ou parafusos de porca, à parte sã do elemento de madeira degradado em comprimento entre 0,50 m e 0,80 m (Figura 23). É uma solução semelhante à que utiliza peças de madeira, de fácil aplicação uma vez que não exige a remoção do material degradado. Salienta-se no entanto que existem inconvenientes para a introdução de peças metálicas que têm a ver com a sua baixa resistência ao fogo e à corrosão. No que respeita à resistência ao fogo é de referir que os elementos de madeira suportam temperaturas para as quais os elementos metálicos apresentam comportamento deficiente por diminuição da sua capacidade resistente e por instalação de esforços adicionais decorrentes de variações dimensionais.

Figura 23 - Reforço com vigas metálicas fixadas às vigas de madeira existentes [2][3]

a.3) Reparação, substituição parcial ou reconstituição de troços de vigas a.3.1) A substituição das partes degradadas das vigas por novas peças de madeira é uma solução de reparação que pode ser aplicada numa zona degradada das vigas que obriga a executar um escoramento provisório da estrutura, ao corte e remoção da zona danificada da viga, após o que se procede à instalação do novo troço de madeira cuja ligação pode ser reforçada com peças metálicas, por exemplo através de chapas de aço aplicadas a cada uma das faces laterais das vigas (Figura 24 e Figura 25) com comprimento, altura e espessura em correspondência com os esforços resistentes que se pretendem obter. Em geral a altura desta peça deve ser idêntica à altura das vigas.

Figura 24 – Degradação no topo de viga de madeira [3]

Figura 25 – Reparação de topo de viga [3]

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Em vez das chapas metálicas, podem aplicar-se novos elementos de madeira, que estabelecem a continuidade estrutural entre o elemento de madeira existente e o novo elemento de madeira. a.3.2) A reconstituição de troços de vigas deteriorados é uma solução de reparação em que as zonas afetadas pelos fungos de podridão, ou pelo ataque de insetos, são substituídas por troços realizados com calda epoxídica, a qual é moldada no meio de peças de madeira que constituem uma cofragem perdida e simultaneamente uma proteção ao fogo (Figura 26). No caso de o troço degradado ter comprimento maior, faz-se a sua substituição por novo elemento de madeira. A ligação é normalmente feita por varões metálicos ou por varões de material compósito, fazendo-se a sua colagem com resinas epoxídicas.

(a) (b) Figura 26 – Reconstituição de troços de vigas degradadas: (a) Colocação de barras de poliéster em furos (b) Injecção

de resina epoxi para reconstituição de topo deteriorado de viga de madeira [3]

(b) Melhoria do desempenho face às acções sísmicas Referem-se as intervenções que visam melhorar o comportamento dos pavimentos de madeira, funcionando como componentes de contraventamento dos edifícios perante a acção dos sismos. Algumas das técnicas atrás abordadas apesar de muitas vezes serem utilizadas para resolver danos locais, contribuem de algum modo para o reforço global dos edifícios, nomeadamente as que envolvem a introdução de novas vigas paralelamente ou transversalmente às existentes, assim como as técnicas que se destinam a reforçar a zona dos apoios das vigas e que acabam por melhorar as ligações pavimento-parede. Dentro dessas técnicas de ligação pavimento-parede salientam-se as técnicas tradicionais de ligação através de ferrolhos, pregados às vigas dos pavimentos nas suas faces laterais ou superiores e ancorados nas paredes de alvenaria (Figura 27a e Figura 27b).

(a) (b)

Figura 27 – Reforço da ligação de viga à parede com barra de aço: (a) pregada na face superior das vigas; (b) pregada na face lateral das vigas [3]

Referem-se ainda as disposições que se encontram na construção antiga de melhor qualidade, na chamada construção pombalina, que consistem na utilização de vergalhões ou chapas de aço com secção de 10 mm x 50 mm fixadas diagonalmente às vigas do pavimento sob o soalho e ancoradas não às paredes de apoio dos pavimentos mas sim às paredes transversais paralelas às vigas de madeira [1][3]. Para além de garantirem a solidarização das paredes secundárias permitem ainda a sua mobilização perante as ações sísmicas. Recomenda-se que a colocação destas barras de ligação seja feita com uma inclinação de 45º e um comprimento tal que a pregagem seja efetuada em pelo menos três vigas de madeira (ver Figura 28).

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Figura 28- Reforço da ligação entre pavimento de madeira e paredes laterais ao pavimento [3]

Para além de se proceder à melhoria das ligações pavimento-parede, interessa aumentar a rigidez dos pavimentos no seu plano, garantindo que os pavimentos funcionem como diafragmas. A melhoria do comportamento dos pavimentos no seu plano como diafragma pode ser feita de diversas formas, devendo no entanto evitar-se um aumento da massa da estrutura e consequentemente da acção sísmica. Têm vindo a ser preconizadas e analisadas diversas soluções para a rigidificação dos pavimentos no seu plano, que em geral passam pela aplicação, sobre o soalho existente, de elementos de madeira maciça ou de placas de derivados de madeira, de tiras e chapas metálicas, de faixas de materiais compósitos de polímero reforçado com fibras (FRP), ou ainda de camadas de betão armado, constituindo pavimentos mistos madeira-betão. Refere-se a título de exemplo um trabalho de investigação experimental realizado na Universidade de Trento [10], em que foi analisado o comportamento no plano dos seguintes modelos: a) pavimento de madeira simples, não reforçado - modelo de referência (Figura 29a); b) pavimento reforçado com segunda camada de tábuas de soalho, com secção de 100 mm x 30 mm, dispostas a 45º

com as tábuas da primeira, e fixadas às vigas com parafusos de aço de 6 mm (Figura 29b); c) pavimento reforçado com chapas finas de aço, com secção de 80 mm x 2 mm, aparafusadas às tábuas com 20

parafusos/m, de 5 mm x 25 mm (diâmetro x comprimento) (Figura 29c); d) pavimento reforçado com faixas de CFRP, com secção de 50mm x 1,4mm, coladas às tábuas de madeira com

resina epoxídica (Figura 29d); e) pavimento reforçado com três camadas de painéis de derivado de madeira, com 21mm de espessura, ligados às

vigas com cola de poliuretano e varões de aço de 10mm de diâmetro, colados com resina epoxídica (Figura 29e);

f) pavimento reforçado com laje de betão armado, com 50mm de espessura, com armadura constituída por rede electrossoldada de varões de aço de 6mm e malha de 200mm x 200mm, ligada às vigas de madeira por varões, de 16 mm de diâmetro, dobrados em “L”, com 150mm x 50mm, colados às vigas de madeira em furos com 90

mm de profundidade (Figura 29f). Da análise dos resultados dos ensaios realizados sobre os provetes com a constituição indicada, mas com dois tipos de dimensões (1m x 2m e 4m x 5m), o primeiro, sujeito a cargas monotónicas e, o segundo, a cargas cíclicas alternadas, os autores concluem que: os provetes com as faixas de CFRP mostram ser mais rígidos do que os que contêm chapas finas de aço; a rigidez dos provetes com três camadas de placas de derivados de madeira é similar à rigidez dos provetes com a laje de betão.

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Figura 29 - Diferentes soluções aplicadas em modelos experimentais [10]

Mostra-se na Figura 30 um gráfico com os resultados dos ensaios realizados sobre os provetes, de maiores e de menores dimensões, expressos em termos de um fator de rigidez (K), correspondente à relação entre a força aplicada e o deslocamento horizontal obtido.

Figura 30 - Valores do fator de rigidez (K) correspondentes às diferentes soluções aplicadas nos modelos experimentais [10]

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3.3. Deficiências e medidas para a melhoria do desempenho face ao fogo A segurança contra riscos de incêndio, por razões diversas, constitui em geral uma das grandes debilidades dos edifícios antigos. Os problemas de segurança ao incêndio nos edifícios antigos correspondem, na generalidade dos casos, às seguintes situações: (i) Elevada probabilidade de deflagração de incêndio; (ii) Relativa facilidade de desenvolvimento e propagação do incêndio, quer a outros espaços para além daquele onde teve origem, quer a edifícios adjacentes; (iii) Dificuldade de evacuação do edifício; (iv) Dificuldade de combate ao incêndio. O grande incêndio de 1988 no Chiado (Figura 31), assim como outros incêndios que, apesar de menores repercussões, ocorrem com alguma frequência em edifícios antigos, são prova da sua debilidade em relação aos aspetos enunciados.

Figura 31 - Incêndio do Chiado, 1988

As medidas que se recomendam para a melhoria das condições de segurança contra incêndios em edifícios antigos implicam intervenções a vários níveis, não só em relação ao edifício, mas também em relação ao quarteirão e à unidade urbana (bairro), em que ele se insere. Centrando a análise apenas nos edifícios, faz-se em seguida referência a medidas gerais com consequências nas duas primeiras situações problemáticas atrás apresentados e, em particular, a medidas que, integradas nas intervenções de reabilitação de pavimentos de madeira, podem contribuir fortemente para a melhoria das condições de segurança ao incêndio dos edifícios antigos. a) Deflagração do incêndio Estes edifícios têm normalmente a madeira como material constituinte de diversos elementos construtivos (caso dos pavimentos, das escadas, das paredes divisórias ou das coberturas), que é, como se sabe, combustível. A carga de incêndio destes edifícios, que, assim, só por si, devido à natureza dos materiais utilizados na sua construção, já é normalmente elevada, pode ainda ser acrescida quer pela natureza da sua utilização, quer pela falta de manutenção. Refere-se como exemplo, a utilização do edifício para diferentes tipos de atividade (habitação, escritórios, comércio ou mistas das anteriores) às quais se associam diferentes cargas de incêndio (botijas de gás, papel, tecidos, etc.) (Figura 32) e a deficiente manutenção do edifício, por exemplo, com a acumulação de grandes quantidades de poeiras e de materiais diversos no desvão das coberturas.

Figura 32 – Acumulação de papel e cartão em compartimento de edifício antigo

GOOGLE, Abril 2012

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São diversos os fatores que potenciam um início de incêndio nestes edifícios, destacando-se o deficiente estado das instalações elétricas (Figura 33), a que muitas vezes se associa a presença de humidades decorrentes de infiltrações de águas da chuva ou de águas de redes de abastecimento ou de evacuação, também em deficientes condições de conservação, as quais podem conduzir à ocorrência de curto-circuitos. A existência de botijas de gás no interior de habitações em locais não convenientemente ventilados é um outro fator que pode contribuir para aumentar a probabilidade de início de incêndio.

Figura 33 – Instalação elétrica em elemento de madeira de cobertura

No que se refere às medidas a tomar para reduzir o risco de deflagração de incêndios, apontam-se as seguintes: (i) Adaptação das instalações elétricas à legislação em vigor; (ii) Eliminação das botijas de gás do interior das habitações, criando, de acordo com a legislação em vigor, redes de abastecimento de gás a partir de conjuntos de botijas no exterior, caso não exista rede de abastecimento de gás natural ou de gás propano; (iii) Eliminação do armazenamento de matérias inflamáveis e combustíveis em zonas correntes de edifícios antigos, transferindo-os para locais concebidos e construídos para esse fim, de acordo com a legislação em vigor; (iv) Melhoria da qualificação ao fogo dos diversos materiais, nomeadamente de revestimento, sempre que tal seja possível, o que pode ser conseguido pela aplicação de produtos ignífugos, intumescentes, ou placas de gesso.

b) Desenvolvimento e propagação do incêndio No caso da ocorrência de um incêndio que não seja detetado numa fase inicial, a sua generalização pode dar-se com relativa facilidade, pois quer os elementos de compartimentação horizontais quer os elementos verticais têm uma limitada capacidade de resistência ao fogo. Relativamente aos pavimentos de madeira, a funcionar como elementos de compartimentação horizontais, verifica-se que a sua capacidade de desempenho face a um incêndio é bastante limitada, pois praticamente não consegue garantir a função de estanquidade, permitindo a passagem do fumo e dos gases para os pisos superiores e, em consequência, a propagação do incêndio. Esta limitada capacidade dos pavimentos é ainda agravada pelo fato de estes serem muitas vezes encerados e terem um teor de humidade muito baixo. Consoante a tipologia dos edifícios, “pré-pombalinos”, “pombalinos” ou “gaioleiros”, as características dos

elementos verticais de compartimentação apresentam algumas diferenças, sofrendo alguma evolução no tempo, deixando alguns destes últimos de integrar tabiques constituídos por madeira. Se, por um lado, consoante o tipo de paredes, se podem verificar diferentes condicionamentos à propagação do fogo, por outro, também as portas de muitos dos espaços interiores, quer dentro da própria habitação (se for esse o tipo de utilização), quer entre a habitação e os espaços de circulação comuns dos edifícios, não constituem obstáculo à passagem do fumo, dos gases e das chamas resultantes de um eventual incêndio, podendo facilmente ocorrer a propagação às circulações horizontais e verticais, tornando-as inoperacionais. Assim, a existência de elevadas cargas de incêndio em locais dotados de elementos de compartimentação com uma limitada capacidade de resistência ao fogo potenciam a generalização do incêndio no interior dos edifícios. Também as intervenções realizadas sobre os edifícios antigos ao longo dos anos poderão comprometer o seu comportamento em relação à propagação do incêndio entre edifícios vizinhos. São disso exemplo as seguintes situações: o estabelecimento, a um determinado nível, de ligação entre espaços interiores de dois edifícios contíguos, com remoção de parte da parede meeira que os separa; a ampliação em altura de edifícios contíguos, em que não são repostas as paredes guarda-fogo emergentes da cobertura, típicas nos edifícios “pombalinos”,

criadas precisamente com a função de retardarem a propagação do incêndio através das coberturas para o edifício vizinho e, ainda, o preenchimento do interior dos quarteirões com acrescentos diversos.

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Entre as medidas mais importantes que podem ser adotadas num edifício, para evitar ou reduzir a possibilidade de desenvolvimento ou de propagação dos incêndios, para além da redução da carga de incêndio, atrás referida, estão as medidas que visam criar barreiras entre espaços interiores e entre espaços de edifícios contíguos. No interior de edifícios antigos, tirando as paredes de alvenaria que em geral apresentam boa resistência ao fogo, existem os pavimentos de madeira e as paredes que integram elementos de madeira, cuja resistência ao fogo em geral não é satisfatória. De acordo com a legislação em vigor [12][13], em, por exemplo, edifícios de habitação (utilização-tipo I), os elementos de separação entre fogos e entre fogos e zonas comuns do mesmo edifício (pavimentos e paredes) devem ser da classe de resistência REI 30, para edifícios até 9 m acima do solo (1ª categoria de risco), e de REI 60, para edifícios até 28 m acima do solo (2ª categoria de risco). No caso de os edifícios incluírem espaços de restauração ou comerciais (respetivamente, utilizações-tipo VII e VIII), localizados no rés-do-chão, em altura acima do solo até 9 m, com número de efetivos inferior a 100, por estas utilizações-tipo pertencerem à 1ª categoria de risco, exige-se para aqueles elementos de separação uma classe mínima de REI 30. A satisfação das exigências, atrás apontadas, pelos pavimentos de madeira obriga à adoção de soluções de reforço da sua resistência ao fogo, que poderão passar por: (i) Aplicação de tetos pregados às vigas ou ao tecto existente; (ii) Preenchimento do espaço entre o revestimento de piso e o revestimento de teto com material adequado resistente ao fogo. A primeira solução é aplicável nos casos em que não existe teto ou em que o teto existente não apresenta ornamentação ou outras características que impeçam ou desaconselhem a sua ocultação. Neste caso existem diversas hipóteses de intervenção para a melhoria das condições de resistência ao fogo. Se o vigamento está exposto, deverá providenciar-se a aplicação de um tecto, ou se este existe, poderão aplicar-se placas e camadas de revestimento na sua face inferior. A segunda solução referida é aconselhável sempre que existam tetos que interessa preservar. Em muitos tipos de reabilitação, em particular, naqueles que envolvem edifícios com interesse histórico ou arquitetónico, os tetos podem ter elementos ornamentais de gesso ou pinturas que devem ser mantidos. Nesse caso considera-se conveniente o preenchimento do espaço entre os revestimentos de piso e de tecto com um material incombustível. Os materiais usados para este efeito podem ser baseados em agregados leves de perlite expandida. O material é colocado no espaço disponível entre os revestimentos, removendo-se para isso algumas tábuas de solho que serão reposicionadas posteriormente. O recurso a sistemas automáticos de deteção de incêndio (SADI) pode contribuir para limitar o desenvolvimento e propagação do incêndio, pois permitem a rápida identificação deste e, consequentemente, a sua extinção. A sua aplicação deve ser analisada caso a caso, embora se considere que para qualquer tipo de ocupação, em que se verifica a ausência de pessoas durante a noite, deve ser exigida a instalação de um SADI, independentemente da área e do piso onde se localiza, ligado diretamente aos bombeiros. Este sistema de deteção deve ainda provocar um sinal de alarme nos espaços comuns do edifício em causa, de forma a ser audível pelos vizinhos. 4. CONCLUSÕES Os edifícios antigos, decorrendo, quer das características dos elementos de construção que os constituem, quer da degradação que se pode manifestar nesses elementos, necessitam de intervenções de reabilitação que os tornem adequados à sua utilização, de acordo com as exigências que atualmente se colocam. Abordaram-se nesta comunicação aspetos da reabilitação desses edifícios relativos à segurança estrutural e à segurança contra incêndio. Pretendendo satisfazer tanto quanto possível os princípios estabelecidos pelo ICOMOS, apresentaram-se de uma forma sumária, algumas das técnicas de reabilitação estrutural, que no último decénio têm vindo a ser propostas a nível internacional, aplicáveis a dois importantes elementos de construção desses edifícios, paredes de alvenaria de pedra irregular e pavimentos de madeira. No caso dos pavimentos mencionaram-se também algumas técnicas de reparação e de reforço tradicionais. Por último, referiram-se aspectos da segurança contra incêndio que interessa ter em atenção no caso destes edifícios antigos, apontando, muito em particular, os relacionados com as medidas a adotar para melhoria da resistência ao fogo dos pavimentos de madeira. No que diz respeito às paredes de alvenaria de pedra irregular, foram apresentadas algumas técnicas de reforço para melhoria da sua capacidade resistente aos esforços de corte no plano: por revestimento da alvenaria existente utilizando ou faixas de GFRP coladas ou reboco armado com rede de fibra de vidro, ambas as soluções com conectores transversais de GFRP; por amarração transversal da alvenaria existente com fitas de aço; por

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refechamento de juntas com argamassa armada e amarração transversal com cordões de filamentos de aço ou com fios de GFRP; e por revestimento da alvenaria existente utilizando reboco armado com rede de GFRP e amarração transversal da alvenaria com fios de aço. Os ensaios realizados sobre provetes de alvenaria mostraram que estas técnicas dão contributos variáveis no acréscimo da resistência ao corte, cujos valores são mais elevados nos casos em que é feito o revestimento das paredes com reboco armado com rede de GFRP e conectores transversais. Estas técnicas são consideradas pouco intrusivas e reversíveis nos casos em que o revestimento existente pode ser removido sem afetar significativamente a autenticidade da construção existente. A técnica que utiliza a resina epoxi na colagem de faixas GRFP levanta no entanto questões de compatibilidade. No que diz respeito aos pavimentos de madeira, apresentaram-se diversas técnicas pouco intrusivas que permitem repor a capacidade resistente às ações verticais dos pavimentos e, se necessário, mesmo incrementar essa capacidade. Em relação às ações sísmicas, salienta-se a importância das ligações pavimento-parede. Para além disso, o trabalho de investigação apresentado mostra que a técnica de reforço que é concretizada através da aplicação de três camadas de painéis de derivados de madeira permite obter uma rigidez no plano dos pavimentos equivalente à conferida pelo reforço executado com laje mista de madeira-betão. Por outro lado, verifica-se que a técnica de reforço com aplicação de faixas de GFRP permite obter maior rigidez do que a técnica com aplicação de chapas finas de aço. Finalmente, no que se refere à segurança contra incêndio, salientam-se os diversos aspetos em que se colocam problemas a estes edifícios antigos e apontam-se medidas que visam a melhoria do seu desempenho. Em particular referem-se as técnicas que permitem melhorar a resistência ao fogo dos pavimentos de madeira, salientando-se a necessidade da sua aplicação, já que os pavimentos existentes, só por si, constituem uma das maiores debilidades dos edifícios antigos no que se refere à propagação do fogo. Apontam-se técnicas pouco intrusivas e reversíveis aplicáveis às situações em que é possível intervir sob o pavimento, ou seja nos tetos, e às situações em que os tetos devem ser mantidos, por exemplo, pela ornamentação que apresentam.

5. REFERÊNCIAS

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[2]ARRIAGA, F. (2002) - Intervencion en estructuras de madera, AITIM, Madrid. [3]BAIÃO, M.; APPLETON, J. (1994) - Pavimentos de madeira de edifícios antigos. Constituição, patologia e

reabilitação. Comunicação ao 2º ENCORE. Lisboa, LNEC. [4]BORRI, A.; CORRADI, M.; GIANNANTONI, A.; SPERANZINI E. (2008) – Consolidation and

reinforcement of stone walls using a reinforced repointing grid. Proceeding of the 6th International Conference on Structural Analysis Of Historical Constructions, July 2-4, 2008, Bath, UK.

[5]CORRADI, M.; BORRI, A.; VIGNOLI, A. (2008) – Experimental evaluation of in-plane shear behavior of

masonry walls retrofitted using conventional and innovative methods. Journal of the British Masonry Society “Masonry International”, Vol. 21, 1, 29-42.

[6]DOLCE, M.; NIGRO, D.; PONZO, F.C.; MARNETTO R. (2001). The CAM system for the retrofit of masonry structures. 7th International Seminar on Seismic Isolation, Passive Energy Dissipation and Active Control of Vibrations of Structures. Assisi, 2-5 Oct. 2001.

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[8]ICOMOS (2003) – Principles for the Analysis, Conservation and Structural Restoration of Architectural Heritage. ICOMOS Charter, 2003. (http://www.international.icomos.org/en/charters-and-texts)

[9]INGHAM, J.; GRIFFITH, M. (2011) – The performance of unreinforced masonry buildings in the 2010/2011. Canterbury Earthquake swarm. Report to the Royal Commission of Inquiry, August 2011.

[10]PIAZZA, M.; BALDERASSI, C.; TOMASI, R. (2008) – The role of in-plane floor stiffness in the seismic behaviour of traditional buildings. The 14th World Conference on Earthquake Engineering. Beijing.

[11]PINHO, F.; BAIÃO, M.; LÚCIO, V. – Experimental analysis of rubble stone masonry walls strengthened with reinforced lime and cement mortar rendering and transversal ties. CCC 2008 - Challenges for Civil Construction, FEUP, Porto, April 2008.

[12]Regime Jurídico da Segurança contra Incêndios em Edifícios (SCIE).Decreto-Lei nº. 220/2008, de 12 de novembro.

[13] Regulamento Técnico de Segurança contra Incêndio em Edifícios. Portaria nº. 1532/2008, de 29 de dezembro.