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1 ASSEMBLEIA DE CLASSE: MEDIAÇÃO CRIADORA PARA RESOLUÇÃO DE CONFLITOS E CONSTRUÇÃO DE VALORES Adriana Ribeiro Correa Tavares Aluna do curso de Pedagogia do Instituto Superior de Educação Vera Cruz Marília Costa Dias Orientadora RESUMO Este trabalho busca compreender o funcionamento das assembleias de classes e sua eficácia para a educação de valores e como mediadora nos conflitos interpessoais dentro da escola. Entendemos aqui assembleia de classe como um processo complexo, que vai além dos encon- tros para que alunos e educadores estabeleçam conjuntamente regras de comportamento den- tro do espaço escolar. Para investigar como se dá o envolvimento dos discentes com esta ati- vidade, foi aplicado um questionário a uma significativa porcentagem de alunos do 6º ano de uma escola particular da cidade de São Paulo, na qual se realizam assembleias de classe, de maneira sistematizada, desde 2007. Notou-se que os alunos aprovam esta atividade e gostari- am que ocorresse com maior periodicidade. Nem sempre esse envolvimento se dá em uma sucessão de acontecimentos lineares e está ligada a fatos que ganharam relevância para o alu- no, de acordo com o sentido construído ao longo do percurso de realização dessa atividade. Conclui-se que, do ponto de vista do aluno, as assembleias de classe podem ser compreendi- das como uma das ações escolares que cria uma rede de significações que abrangem o bem estar, e a apreensão de valores éticos. Palavras-chave: assembleia de classe; educação moral e relações interpessoais. 1 INTRODUÇÃO Existe uma receita, a norma dum caminho certo, es- treito,de cada uma pessoa viver - e essa pauta cada um tem – mas a gente mesmo, no comum, não sabe encontrar; como é que sozinho, por si, alguém ia po- der encontrar e saber? Mas, esse norteado, tem. Tem que ter. (ROSA, 2005)

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ASSEMBLEIA DE CLASSE: MEDIAÇÃO CRIADORA PARA RESOLUÇÃO DE

CONFLITOS E CONSTRUÇÃO DE VALORES

Adriana Ribeiro Correa Tavares Aluna do curso de Pedagogia do Instituto Superior de Educação Vera Cruz Marília Costa Dias Orientadora

RESUMO

Este trabalho busca compreender o funcionamento das assembleias de classes e sua eficácia para a educação de valores e como mediadora nos conflitos interpessoais dentro da escola. Entendemos aqui assembleia de classe como um processo complexo, que vai além dos encon-tros para que alunos e educadores estabeleçam conjuntamente regras de comportamento den-tro do espaço escolar. Para investigar como se dá o envolvimento dos discentes com esta ati-vidade, foi aplicado um questionário a uma significativa porcentagem de alunos do 6º ano de uma escola particular da cidade de São Paulo, na qual se realizam assembleias de classe, de maneira sistematizada, desde 2007. Notou-se que os alunos aprovam esta atividade e gostari-am que ocorresse com maior periodicidade. Nem sempre esse envolvimento se dá em uma sucessão de acontecimentos lineares e está ligada a fatos que ganharam relevância para o alu-no, de acordo com o sentido construído ao longo do percurso de realização dessa atividade. Conclui-se que, do ponto de vista do aluno, as assembleias de classe podem ser compreendi-das como uma das ações escolares que cria uma rede de significações que abrangem o bem estar, e a apreensão de valores éticos. Palavras-chave: assembleia de classe; educação moral e relações interpessoais.

1 INTRODUÇÃO

Existe uma receita, a norma dum caminho certo, es-treito,de cada uma pessoa viver - e essa pauta cada um tem – mas a gente mesmo, no comum, não sabe encontrar; como é que sozinho, por si, alguém ia po-der encontrar e saber? Mas, esse norteado, tem. Tem que ter. (ROSA, 2005)

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O objetivo deste trabalho é averiguar o funcionamento das assembleias de classe em

uma escola previamente selecionada e conferir sua eficácia na mediação dos conflitos inter-

pessoais que ocorrem no espaço escolar, além de certificar se produz o efeito esperado de

contribuir com a construção de valores, pressupondo que a apropriação de valores implica em

ativação dos mesmos – “Valores são hábitos são valores que aprendemos, são comportamen-

tos que podemos repetir, mas que tornamos nossos considerando, avaliando e refletindo as

motivações que nos são oferecidas pelas emoções e pelas razões.” (Araujo; Puig, 2007, p.110)

Segundo Araujo; Puig (2007), os hábitos de reflexão são adquiridos quando participa-

mos de práticas socioculturais que transmitem valores sem essa intencionalidade ou nas práti-

cas escolares, como a assembleia de classe, na qual se pretende transmitir valores de maneira

intencional.

Os propósitos desta pesquisa surgiram da convergência dos estudos realizados para

duas disciplinas durante a graduação em pedagogia (Antropologia da Educação e Teorias e

Práticas no Ensino Fundamental I) e do inicio de minha atuação como professora nos anos

iniciais do ensino fundamental.

Em Antropologia da Educação estudamos escolas democráticas e as assembleias. Na

disciplina Teorias e Práticas no Ensino Fundamental I exploramos a educação em valores.

Enquanto isso, realizávamos estágios de observação em diferentes escolas, públicas e particu-

lares, na Educação infantil e séries iniciais do Ensino Fundamental.

Nestas instituições educacionais localizei alunos que de maneira recorrente recebiam

sanções ou eram chamados para conversar com professores ou gestores em uma tentativa da

escola de alterar um comportamento considerado inadequado perante os adultos, colegas e a

instituição. Muitas vezes essa troca de palavras e ideias não produzia o efeito desejado. Minha

busca por práticas que validassem uma educação em valores, além de meu desejo de localizar

maneiras mais eficientes para a melhoria das relações interpessoais no espaço escolar condu-

ziram-me a esta investigação.

A escola em que realizei a coleta de dados realiza assembleias de classe assiduamente.

É particular da cidade de São Paulo e atende a um público que pertence a uma classe social

que tem bom poder aquisitivo e, portanto, grande acesso à cultura. A metodologia da escola

está estruturada em princípios construtivistas, o que significa dizer que acredita que a criança

constrói seus conhecimentos a partir da interação com o meio em que vive. Assim procura

proporcionar às crianças experiências diversas, sobre conteúdos significativos, mas previa-

mente estabelecidos, para que a aprendizagem aconteça.

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No campo da moralidade, esta escola preza muito os valores democráticos e visa dar à

educação em valores maior destaque dentro da instituição, como constatado em documentos

oficiais, na forma como organiza seu cotidiano (observado em diferentes circunstâncias) e por

realizarem as assembleias de classe que permitem aos estudantes decidir regras para uma boa

convivência.

Contudo, não podemos caracterizá-la como escola democrática se utilizarmos como

critério o conceito definido por alguns autores, como veremos a seguir, pois embora cultive a

liberdade do educando em sua proposta educacional, os alunos não têm poder decisório quan-

to a gestão ou ao que querem estudar.

A pesquisadora Helena Singer em seu livro “Republica de crianças” de 2010, descreve

escolas democráticas com alunos que criam as regras de convívio e chegam a escolher o que

querem estudar. A mais famosa delas é Summerhill que ainda persiste e não se trata de uma

escola onde imperam a indisciplina e a falta de regras ou só se brinca. Sua rotina é estruturada

em aulas opcionais para os alunos e obrigatórias para os educadores. Essa instituição oferece

disciplinas que compõem o currículo regular do ensino na Inglaterra, além de algumas especi-

ais como: confecção; costura; construção de cabanas; conserto de bicicletas; canto; piano;

formação de bandas de música; etc.

Segundo a autora, nas disciplinas regulares os professores procuram seguir cronogra-

mas que permitam aos estudantes acompanharem outras escolas, caso deixem Summerhill.

Também há aulas particulares para os interessados que estejam com alguma dificuldade.

As regras comunitárias são decididas em Assembleia Geral, uma vez por semana. To-

dos da comunidade escolar podem participar e as decisões são tomadas pela maioria. Algumas

questões (a interdição ao consumo de drogas e álcool e ao uso da força física no interior da

escola) não podem ser votadas.

As escolas chamadas democráticas estão espalhadas pelo mundo, incluindo nosso país,

e possuem especificidades na organização e no funcionamento, mas estão inseridas em um

movimento pedagógico que ocorre desde o século retrasado e foram inspiradas em ideias de

Rousseau (século 18), passando pelo russo Leon Tolstoi. São propostas educacionais pautadas

pelos ideais de liberdade e gestão participativa, as quais se contrapõem à escola dita tradicio-

nal (Singer, 2010).

Como ressalta Singer (2010), as escolas democráticas possuem diferentes denomina-

ções (livre, progressista, alternativa, democrática) e nem todas participam do movimento in-

ternacional ou se reconhecem dessa forma, mas possuem em comum características como

gestão participativa, com processos decisórios que incluem estudantes, educadores e funcio-

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nários, e organização pedagógica como centro de estudos, em que os estudantes definem suas

trajetórias de aprendizagem, sem currículos compulsórios.

Segundo a autora, muitas escolas públicas e privadas têm sido constituídas sob princí-

pios democráticos, as quais nos conduzem a valores como liberdade, justiça e respeito, tor-

nando-se a formação ética mais uma das responsabilidades formativas da escola em relação ao

aluno, desde que tal intencionalidade não venha a ser disciplinadora ao invés de inspiradora

de condutas.

Consideramos que não foi por acaso que um projeto sobre a implantação de assem-

bleia de classe tenha sido o vencedor da categoria Gestor Nota 10 do Premio Victor Civita

deste ano, sabendo se que muitas de nossas escolas têm enfrentado sérios problemas de com-

portamento (indisciplina, infrações e conflitos) em seu cotidiano.

Araújo (2006), em sintonia com o movimento de democratização escolar propõe um

contraponto ao autoritarismo e defende caminhos alternativos para os conflitos interpessoais

que ocorrem no dia a dia das escolas após citar pesquisa, na qual a maioria das pessoas entre-

vistadas defendia a prepotência.

[...] Entendo que aprender a dialogar, a construir coletivamente as regras de convívio e a fortalecer o protagonismo das pessoas e dos grupos sociais na construção da de-mocracia e da justiça social é um papel que a escola pode, e deve, exercer na luta de transformação da sociedade. Construir novos alicerces culturais, que tenham como sustentáculos a justiça, a igualdade, a equidade, a solidariedade e o diálogo, deve permitir que no futuro, pesquisas como a citada apresentem resultados distintos, em que a maioria da população perceba que a justiça social somente será alcançada por meio da democracia. (ARAUJO, 2006, p.7)

Para além das reflexões desse estudioso, paira sobre esta pesquisa, a inquietação acer-

ca de práticas democráticas para a auto-regulação dos alunos em sua convivência diária, espe-

cificamente a assembleia de classe.

Puig (2005) ressalta que a assembleia de classe tem como uma de suas funções a re-

gulamentação das relações interpessoais porque pode abordar temas de convivência tais como

conflitos concretos, agressões e insultos entre colegas de sala. Com esta atividade a escola

realiza uma educação moral, na medida em que transmite valores positivos ao propiciar o mo-

vimento necessário para que o grupo, a partir daquilo que juntos vivenciam, se relacionem da

melhor maneira possível consigo mesmo, com os outros e com as normas de convivência,

aprendendo a tolerar, a compreender diferenças e a limitar desejos pessoais: “As assembleias

são momentos muito úteis como meio para construir capacidades psicomorais e para transmi-

tir atitudes e valores.” (Puig, 2005)

Em suma, reportando-nos aos conceitos já citados, faremos uma análise empírica dos

dados coletados através de questionário aplicado a alunos de uma instituição educativa parti-

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cular que realiza assembleias de classes desde 2007, para compreendermos se esta prática é

eficaz para a educação de valores e como mediadora nos conflitos interpessoais que ocorrem

nesta escola.

Esta dissertação está organizada em capítulos com os seguintes temas: A construção

de valores no ambiente escolar; A formação ética dos alunos; Relações interpessoais (confli-

tos); A assembleia de classe (histórico); O papel da assembleia de classe numa escola particu-

lar e Considerações finais.

Além do questionário, realizamos entrevistas com gestores dessa escola para obtermos

informações a respeito do processo de implantação das assembleias e como esta se dá atual-

mente. Também, observamos, em momentos distintos, a escola e a realização de algumas as-

sembleias de classe. Efetivamente buscamos nos aproximar daquela realidade escolar para

compreendê-la e analisá-la. Por fim, faremos reflexões sobre as contribuições desta prática

pedagógica.

Algumas escolhas importantes foram feitas para a realização desta pesquisa. A primei-

ra delas refere-se ao formato de questionário. A outra opção que este trabalho demandou foi a

definição da faixa etária, a qual recaiu em alunos de 6º ano (faixa etária de 10 a 12 anos) por

ser este o momento do ingresso no ensino fundamental II, portanto as crianças já haviam vi-

venciado as assembleias desde o 3º ano. Entendemos que o contato dos alunos com as assem-

bleias de classe ao longo de três anos nos forneceria mais dados a respeito do impacto desta

prática nas relações interpessoais e na formação moral dos alunos dessa escola.

2 A CONSTRUÇÃO DE VALORES NO AMBIENTE ESCOLAR

Segundo Araújo; Puig (2007), valor é aquilo de que gostamos que valorizamos. Esses

dois aspectos são sentimentos que pertencem à subjetividade humana e representam afetos

duradouros.

Os valores são construídos nas interações cotidianas e nessa perspectiva a escola apre-

senta-se como uma importante instituição social por fazer a mediação entre o indivíduo e a

sociedade ao transmitir saberes historicamente organizados e socialmente compartilhados

incluindo a cultura, modelos sociais de comportamento e valores morais. A criança, à medida

que vai sendo educada, deixa de imitar os comportamentos adultos para apropriar-se dos valo-

res transmitidos pela escola aumentando assim sua autonomia.

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Araújo; Puig (2007), afirma que podemos considerar um valor moral quando a recom-

pensa pela ação realizada é a satisfação pelo feito, sentimos orgulho pelo o que foi realizado.

Um valor vira um querer muito forte e passamos a utilizar princípios morais reguladores, co-

mo por exemplo, mostrar que está com raiva sem agredir porque considero como me sentirei

após o ocorrido.

[...] ninguém há de negar a importância das normas de conduta para a convivência diária. Ora, o simples fato de que há a COM-vivência é uma explicação razoável pa-ra que haja um tratado de direitos e deveres. [...] ninguém há de negar o valor das regras. Mas o que se tem feito demonstra no mínimo, muitas vezes, um desconheci-mento de como a moral se constrói e uma ausência de reflexão sobre elas no espaço educacional. (TOGNETTA; VINHA, 2011, p.10)

As restrições fazem parte de qualquer instituição educativa, interferem nas relações in-

terpessoais e, consequentemente, no desenvolvimento moral do aluno. Na família, como na

escola os adultos e as crianças tem papéis distintos e não se podem ignorar as especificidades

de sujeitos com funções e responsabilidades bastante diferentes. Ao utilizarmos o conceito de

escola democrática não significa que a democracia está presente em todos os momentos, pois

as crianças não possuem condições de selecionar professores ou organizar os horários etc.

Todavia, a caracterização de um ambiente escolar como democrático demonstra que as crian-

ças têm a possibilidade de vivenciar situações e relações mais democráticas propiciando uma

relação de pertencimento do aluno a uma instituição educativa.

Considerando a educação e os valores como construções humanas que se dão ao longo

dos tempos, não há como olharmos para eles a não ser pela lente do pertencimento. Torna-se

fundamental discutir sobre como construir regras na escola mantendo um meio sociomoral

favorável ao seu reconhecimento. (Tognetta; Vinha, 2011)

Estas pesquisadoras relataram os resultados de uma experiência que fizeram, na qual

algumas turmas de 3º ano do ensino fundamental, com orientações construtivistas e tradicio-

nais, foram analisadas com o objetivo de avaliarem se o ambiente escolar influencia a maneira

como os alunos se relacionam e lidam com seus conflitos interpessoais e com as normas. Ob-

servou-se que nas tradicionais as regras existentes eram impostas pelo professor e visavam

controle e bom comportamento.

Ao impor as regras, impedindo que os alunos tenham as experiências necessárias pa-ra a aceitação interior e, portanto, para a legitimação das normas, os educadores tor-nam-se exteriores ao sujeito (pois não foram construídas por intermédio da reflexão ou tiveram suas necessidades descobertas por meio de experimentações efetivas). Assim sendo, passam a ser cumpridas, apenas enquanto a autoridade que as institui estiver presente, e isso se a pessoa que as impõe possui poder para exigir esse cum-primento, gerando uma obediência superficial e heterônoma que permanece somente enquanto há o medo de ser punido ou quando se espera uma recompensa. (TOGNETTA; VINHA, 2011, p.28).

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Segundo essas autoras, grande parte dos alunos de nossas escolas não experimenta o

sentimento de pertencimento. Em suas pesquisas relataram que os professores obrigavam alu-

nos a cumprirem regras absurdas, sem refletirem sobre a real necessidade de seu cumprimen-

to, exceto pelo fato de irem ao encontro à autoridade do professor.

Além disso, os professores demonstravam heteronomia ao justificarem suas razões

para agirem dessa forma dizendo que é a regra da escola, em uma postura de oposição a auto-

nomia moral, na qual, as pressões sociais e os diferentes contextos não alteram valores e prin-

cípios de ação. (La Taille, 2002)

Para esse autor, a educação autoritária é eficaz em conseguir submissão completa por

parte das crianças, porque investe em métodos que insistem na obediência cega ao adulto.

Neste contexto os alunos assumem conhecimentos, valores e regras sem submetê-los a uma

reflexão indo ao encontro de uma formação moral heterônoma, na qual se age de acordo com

a pessoa que detém o poder. Os valores são instáveis e se moldam de acordo com a circuns-

tância ocasionando uma inquietação.

Uma questão que se apresenta ao analisarmos o que diz La Taille (2002) e o que dizem

as escolas é que apesar da maioria das instituições de ensino afirmar que consideram impor-

tante a formação de pessoas autônomas, que estabeleçam com a sociedade relações justas e

solidarias, o que encontramos de fato são práticas que favorecem o desenvolvimento de uma

moral heterônoma, ou seja, submete se as regras por razões externas. Muda se o valor de a-

cordo com as circunstâncias e justifica se dizendo que a culpa é do outro.

O entendimento de que o processo de construção de valores é incerto e aleatório e que

valores são construídos com base nas projeções de sentimentos positivos que a pessoa faz

sobre outras pessoas, objetos, relações e sobre si mesmo possibilita a escola a busca por estra-

tégias que aumentem os alvos das projeções afetivas positivas dos alunos.

Compreendemos a assembleia de classe como uma atividade que possibilite a evolu-

ção moral da pessoa que dela participa, formando um sujeito autônomo sendo este o grande

objetivo da escola. (Tognetta; Vinha, 2011)

Ao entendermos a assembleia de classe como estratégia para a educação em valores,

compreendemos que em seu processo os valores deixam de ser teóricos e se convertem em

valores morais, podendo acontecer em diferentes contextos sociais, incluindo a resolução de

conflitos interpessoais.

Segundo Puig (2005), educação compõe-se de instrução e formação. A instrução está

relacionada à aprendizagem de conhecimentos como leitura e escrita, dentre outros. Já a for-

mação prepara os alunos para se relacionarem melhor consigo mesmo, com os outros e com

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as regras e normas de convivência social, neste caso trata-se da educação moral ou educação

em valores.

A escola contribui com esta aprendizagem ao transmitir regras e valores positivos.

Não é tarefa fácil e exige empenho, visto que envolve a tolerância e a convivência com as

diferenças e com a redução dos desejos pessoais.

Para La Taille (2010), a instituição escolar, alunos e professores possuem valores. Ca-

be a escola refletir sobre seus objetivos e definir quais são os valores que deseja trabalhar e de

que maneira.

3 A FORMAÇÃO ÉTICA DOS ALUNOS

O que leva um aluno a agir bem? Estudiosos contemporâneos da moralidade humana

apontam aspectos sociais, afetivos e contextuais como determinantes das ações morais.

As aprendizagens éticas fundamentais que devemos assegurar é uma das grandes fina-

lidades da educação em valores porque conduzem os alunos a formular e responder a questão

do como viver, utilizando soluções novas e melhores, de maneira que não prejudique alguém

ou a si mesmo.

A escola como espaço de socialização mostra-se com vasto potencial para formação

ética dos alunos, apesar de, muitas vezes, se mostrar ambígua por ser espaço de convivência

entre amigos e revelar-se como lugar de conflitos entre iguais e entre adultos e crianças.

Entretanto, quando a escola trata de moral não aborda princípios e, quase sempre, ca-

minham em direção as regras, que apesar de serem precisas não existem para as diversas situ-

ações vividas dentro da escola, além de não haver clareza, em casos diversos, sobre a razão de

sua existência. O ideal seria que priorizassem uma reflexão que trouxesse transparência aos

alunos sobre em nome do que agir, ao invés do como agir.

A escola certamente pode ajudar os jovens a se situarem no plano ético e a optarem pela perspectiva ética (vida boa, com e para outrem em instituições justas), a não ser que pensemos que ela se limita a ser um lugar árido no qual apenas questões curricu-lares podem ser tratadas. (LA TAILLE, 2010, p.20)

Puig (2005), afirma que a personalidade moral é composta por um entrelaçamento de

três elementos que vão se encadeando da seguinte maneira: primeiro um centro de controle de

si próprio (mesmo que ainda hesitante) ou autonomia; posteriormente uma responsabilidade

que conduza o sujeito a questionamentos, mas assume as normas e os comportamentos por

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razões externas ou por obrigação. Finalmente, chega-se aos juízos autônomos, no qual cada

um decide seu posicionamento frente às experiências sociais.

Contudo, segundo Puig (2005), necessita-se de um conjunto de capacidades ou inteli-

gência moral para agir com consciência moral. A escola deveria desenvolver e ensinar seus

alunos a utilizar algumas destas capacidades, tais como: o autoconhecimento; o conhecimento

do outro; o juízo moral; as habilidades dialógicas; a compreensão crítica; a auto-regulação; e a

tomada de consciência.

[...] Não se trata, porém, de algo impossível de educar. Estamos modelados por mui-tos fatores, alguns dos quais são inacessíveis à ação educativa, porém a sua progres-siva configuração permite que a intervenção educativa seja, ao menos, uma influên-cia entre muitas outras. Educar a personalidade moral significa ajudar a construir uma consciência capaz de responder com autonomia, formar a inteligência moral e influir na modelagem da identidade. Além do mais, é fazer essas três coisas ao mesmo tempo. (PUIG, 2005, p. 45)

Para esse autor, propostas educacionais coerentes com tais princípios devem buscar

reorganizar os tempos, os espaços e as relações escolares e a educação baseada na resolução

de conflitos está bastante difundida em todo o mundo. Novos paradigmas em resolução de

conflitos alteram os pressupostos dicotômicos de ganhar e perder nas resoluções, por uma

construção do interesse comum em que os envolvidos ganham conjuntamente.

Sendo assim, as assembleias escolares são defendidas por seus praticantes como anta-

gônica ao caráter de imposição das regras por basear se no diálogo e no encontro coletivo que

favorece o protagonismo, a reflexão, a elaboração e a negociação de regras além da participa-

ção social e da formação ética. Para Araujo; Puig (2007), nas assembleias alunos e professo-

res podem falar de questões que irão melhorar o trabalho e a convivência escolar.

Toda sociedade convive com pessoas menos ou mais envolvidas, por diferentes ra-

zões, com os valores morais. Atualmente, podemos observar avanços e retrocessos e nesta

configuração a escola deve promover a formação moral de seus alunos de maneira sistemática

através de uma organização escolar que expresse justiça e dignidade, deixando claro quais são

os princípios que a regem e assim tornando desnecessária a formulação de muitas regras.

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4 RELAÇÕES INTERPESSOAIS (CONFLITOS)

Nossa vida cotidiana é delimitada pela vida em grupo. Nos relacionamos com outras

pessoas o tempo todo, neste contexto regras para uma boa convivência apresentam se como

indispensáveis. Em contrapartida, Placer (2001), nos alerta que o mundo ocidental está am-

plamente fundamentado em combates, a tudo e todos, que não estejam em comunhão de idei-

as ou sentimentos conosco.

O teórico afirma que nosso instinto de conservação se articula com nossa consciência

de finitude e com uma rede de significações em relação a nossa existência que, por sua vez, se

sucedem em uma ordem de presença ou falta do outro. O compositor Caetano Veloso expõe a

dimensão dessas proposições contraditórias nos versos:

[...] Marcha um homem Sobre o chão Leva no coração Uma ferida acesa Dono do sim e do não Diante da visão Da infinita beleza... Finda por ferir com a mão Essa delicadeza A coisa mais querida A glória, da vida [...]

Convivemos, diariamente, com o dilema dicotômico de amor a vida e medo da morte,

em adição com o desejo de ser igual ao outro e que o outro se veja em mim.

Daí então que, diferentemente dos demais animais-nos quais, antes e além do seu instinto de conservação, parece existir uma espécie de indistinção e imediatismo temporal, em um presente eterno (“como a água no centro das águas”)-, nós, os hu-manos, não podemos crescer, viver e envelhecer sem instituir um tempo, sem frag-mentar, pautar e contabilizar seu devir e seu passar; não sabemos deixar transcorrer nossa vida sem nomear, sequenciar, ordenar e esclarecer o sentido do que passa e do que existe, do que permanece e do que desvanece; não desejamos viver sem especi-ficar o indivíduo próprio e o alheio, o que nos une e nos separa, o que nos diferencia e nos iguala. [...] (PLACER, 2001, p.82)

Assim, a qualidade do que é outro ou a alteridade torna-se evidente somente para loca-

lizarmos semelhanças e diferenças, e atuarmos sobre ele.

Segundo Ferre (2001), não há nada mais perturbador do que uma presença que nos re-

corde nossas próprias limitações e defeitos. Tal sensação se dissipa quando o outro se enqua-

dra no conceito de normalidade ou quando podemos culpabilizar o próprio perturbador pelos

efeitos que provoca.

Desta forma, surgem os conflitos e segundo Araújo (2006), “A educação com base em

propostas de resolução de conflitos está cada vez mais difundida em todo mundo [...]”. São

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estratégias que buscam sistematizar o trabalho com conflitos, alterando uma postura que igno-

ra diferenças de valores, interesses e preferências dos alunos. A assembleia de classe se en-

quadra como uma perspectiva que busca melhorar o convívio social e favorece a construção

de uma sociedade sensível à ética nas relações humanas.

5 ASSEMBLEIA DE CLASSE (HISTÓRICO)

A participação na escola é considerada por Puig (2005), como um dos pilares da for-

mação humana.

[...] Na participação escolar são trabalhadas questões importantes como: aprendiza-gem da convivência, autonomia, cooperação, sentido de justiça e diálogo. Além dis-so, a participação dos jovens e das jovens estudantes no grupo-classe e da escola é, provavelmente uma das melhores aprendizagens de democracia que pode ser reali-zada durante a idade escolar. Esses não são os únicos motivos que validam a neces-sidade de uma escola participativa, mesmo que se constituam, sem nenhuma dúvida, nos dois argumentos essenciais. (PUIG, 2005, p.9)

Devido ao seu caráter mediador entre indivíduo e sociedade, a escola é uma importan-

te instituição social transmissora de cultura, comportamento e valores morais. No plano ideal

a escola estaria preparando a criança para viver no mundo adulto com autonomia e com sen-

timento de pertencimento.

Contudo, a escola, apesar de seu aperfeiçoamento, ainda enfrenta muitos problemas,

especialmente no que tange a escola ter clareza em relação à ambiguidade do trabalho educa-

cional que deve ensinar a cultura acumulada pela humanidade e, ao mesmo tempo, ser crítica

e responder as necessidades da atualidade.

Atualmente, uma das grandes preocupações dos educadores refere-se à maneira como

seus alunos resolvem conflitos no ambiente escolar. Neste contexto, a assembleia de classe

apresenta-se como alternativa positiva, devido ao seu caráter democrático que envolve a co-

munidade escolar em um processo educativo de diálogo com envolvimento pessoal dos estu-

dantes para alterar o que for necessário e melhorar a convivência do grupo. Mudanças neces-

sárias para que haja uma articulação entre a vida escolar e a vida social.

O trabalho com assembleias escolares complementa a perspectiva que acabamos de discutir de novos paradigmas em resolução de conflitos, pois permite, em sua práti-ca, partindo do conhecimento psicológico de si mesmo e das outras pessoas sobre o que é preciso para resolver os conflitos, chegar ao conhecimento dos valores e prin-cípios éticos que devem fundamentar o coletivo da classe. Ao mesmo tempo, evi-dentemente, permite a construção psicológica, social, cultural e moral do próprio su-jeito, em um movimento dialético em que o coletivo transforma e constitui cada um

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de nós, que transformamos e ajudamos na constituição dos espaços e das relações coletivas. (ARAÚJO, 2006, p. 21)

Segundo Tognetta; Vinha (2011), existem vários tipos de assembleias: de classe; de

nível ou segmento; de escola e de docentes.

Todas são importantes, mas nos aprofundaremos nas assembleias de classe, modalida-

de praticada na escola, na qual realizamos nossa coleta de dados.

Araujo (2006) sugere que a abordagem da assembleia de classe trate de temas que

envolvam seu coletivo, tais como biblioteca; lanche; ruídos; organização e busquem regula-

mentar as relações interpessoais e a convivência de uma determinada turma através do diálo-

go, lembrando que as decisões devem limitar-se ao campo de ação de suas responsabilidades.

Portanto, há questões inegociáveis.

Todos os alunos da classe e o professor participam e os encontros necessitam ter a pe-

riodicidade e a durabilidade definidas antecipadamente e devem ser rigidamente cumpridas.

Podem ocorrer semanalmente ou quinzenalmente durante o período escolar, com durabilidade

de noventa a cento e vinte minutos.

Os encontros devem ser conduzidos por um adulto (professor, orientador, conselheiro)

e posteriormente por um aluno representante sob orientação do adulto.

Para sua implantação é necessário que se discuta com os discentes sobre a proposta,

que exige mobilização dos alunos e adaptações de acordo com a demanda da faixa etária do

grupo.

[...] o foco da mobilização inicial para as assembleias deve ser o de levar o grupo a refletir sobre a importância de se criar espaços dialógicos, que melhorem a convi-vência dentro da escola e das salas de aula, ao mesmo tempo que contribuam para a formação de valores sociais e pessoais mais democráticos e de uma melhor habilida-de para lidar com os sentimentos e as emoções próprias e dos demais. (ARAUJO, 2006, p.49)

Segundo PUIG (2005), a organização de uma assembleia de classe, por ser um mo-

mento em que alunos e professores poderão falar sobre temas que servirão para melhorar a

convivência e o trabalho escolar, solicita alguns cuidados: disponibilização de tempo para que

ocorra a assembleia; espaço organizado em círculo, possibilitar a igualdade (mesmo que par-

cial) de atuação do aluno em relação ao adulto; o espaço de tempo dedicado à assembleia de-

ve garantir a discussão coletiva de temas que interessem a turma; o diálogo deve caminhar no

sentido da solução de conflitos e da organização dos trabalhos.

Quanto aos procedimentos necessários para que as assembleias de classe cumpram seu

objetivo destacamos a pauta, que deve ser constituída coletivamente dias antes do encontro.

Os alunos sugerem temas que podem ser organizados em dois blocos: críticas e felicitações.

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Um papel afixado em sala de aula, dividido entre os dois blocos de conteúdo, permite

que os alunos da classe escrevam críticas e sugestões para serem debatidas durante a assem-

bleia.

Em relação à execução da assembleia, Araújo (2006) ressalta que a discussão deve

centrar-se nas causas e consequências dos atos. Refutando acusações pessoais, nesse sentido é

fundamental o anonimato das pessoas envolvidas no tema discutido.

O objetivo de uma assembleia é discutir princípios, atitudes e daí construir as regras de regulação coletiva e as propostas de resolução dos problemas. Discutem-se as brigas na escola, a sujeira da classe, o assédio moral ou sexual, o fato de as aulas es-tarem sendo prejudicadas por determinados comportamentos, e não quem está come-tendo tais faltas. Isso porque as regras não podem jamais ser personalizadas. Não podem ser feitas para uma pessoa ou um pequeno grupo. Elas têm de ser coletivas. (ARAÚJO, 2006, p.62)

Quanto aos desdobramentos da assembleia de classe, Puig (2005) destaca três ativida-

des que acontecem durante sua realização: o esclarecimento de uma situação; o planejamento

e organização de combinados para planos de ação e a elaboração de regras.

Todavia, este teórico ressalta que educadores, muitas vezes, sentem-se frustrados ao

verificar o não cumprimento, pelos alunos, das regras assumidas durante a assembleia de clas-

se.

Todos sabemos, porém, que uma das tarefas mais complexas na educação é a de converter os objetivos em realizações práticas. Colocar em prática os acordos é mui-to mais difícil que pactuá-los. Diante disso, devemos analisar com muito cuidado os motivos que dificultam a sua aplicação e ponderar sobre a ajuda que podemos ofere-cer para que cumpram. (PUIG, 2005, p.168)

Para Tognetta; Vinha (2011), assembleias de classe proporcionam acordos de convi-

vência, mas é preciso viabilizar seu cumprimento.

Assembleias não são “mágicas” ou panaceias que resolverão todos os problemas. É preciso cautela com falsas expectativas de que o objetivo destas seja a eliminação dos problemas. São, na verdade, mais uma possibilidade de resolução de conflitos e uma oportunidade para que crianças e adolescentes se sintam pertencentes a grupo e responsáveis por este. É verdade, portanto, que, se são uma das possibilidades, have-rá outras estratégias a serem realizadas decorrentes de um ambiente cooperativo [...] (TOGNETTA; VINHA, 2011, p.100).

O procedimento das assembleias não é atual, mas ainda é capaz de provocar estranha-

mento entre seus adeptos. Os equívocos e as dificuldades vivenciados, especialmente pelos

educadores, durante sua implantação e execução devem ser encarados como motivação para

maiores aprofundamentos nas teorias e práticas dessa atividade para que haja maior aproxi-

mação aos objetivos.

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6 O PAPEL DA ASSEMBLEIA DE CLASSE NUMA ESCOLA PARTICULAR

Foram sujeitos da pesquisa um grupo de 16 crianças, alunos regulares do 6º ano (ida-

des entre 10 e 12 anos) de uma escola particular, classe média alta. Uma vez que a proposta

pedagógica da escola, na qual o estudo foi realizado, é sócio – construtivista, faz parte de seus

conteúdos o trabalho com as atitudes das crianças. Assim sendo, as assembleias de classe fa-

zem parte dos conteúdos de trabalho da escola.

Esta escola compõe-se de duas unidades sendo uma dedicada à Educação Infantil e ou-

tra ao Ensino Fundamental I e II. São instalações amplas, especialmente a unidade da educa-

ção infantil que possui grande área verde. No ambiente dedicado ao ensino fundamental I e II

obsevei uma agradável área que permite a convivência dos alunos durante os recreios.

Em momentos de observação da escola notei que os professores estão presentes nos

recreios. Somando-se, há um especialista , que propõe às crianças brincadeiras antigas com

sucata (perna de pau, taco, pé de lata, bolinha de sabão etc.). Noutro momento vi que este

especialista confeccionava cartazes com um grupo de alunos e os exibia pela escola. Os dize-

res traziam frases que lembravam às crianças sobre a necessidade de não desperdiçar água e

cuidar do lixo da escola.

Outro diferencial observado é o fato de não haver o som de sino ou campainha para

marcar o início ou término de uma atividade. Tais momentos são demarcados por belas músi-

cas (clássicas e populares).

O Projeto Convivência está inserido nas escolhas curriculares da escola e compõe-se

de duas grandes praticas: “Amigos do Zippy” e “Assembleia de classe”, além de investidas

pontuais no cotidiano da escola.

O “Amigos do Zippy” é um programa que acontece no 2º ano do Ensino Fundamental,

cujo objetivo é desenvolver habilidades que ajudem as crianças a lidar com dificuldades diá-

rias, a enfrentar com eficiência os desafios e frustrações da vida, exercer auto-disciplina, fazer

amizade sólida e duradoura. A própria professora polivalente recebeu uma formação específi-

ca pela equipe responsável no Brasil, visto que é um programa desenvolvido por um canaden-

se. A proposta visa ensinar as crianças a identificar e falar sobre seus sentimentos; falar o que

desejam falar; ouvir com atenção; pedir ajuda; fazer e conservar amigos; lidar com solidão e

rejeição; pedir desculpas e lidar com ameaças. (Site da escola)

Quanto às “Assembleias de Classe”, elas se constituem como um espaço aberto para a

discussão e levantamento de soluções, acordos ou regras como forma de resolução dos confli-

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tos entre os alunos. O diálogo é base fundamental da prática das assembleias de classe. As

crianças são incentivadas a falar sobre seus conflitos, sentimentos e opiniões. A participação

de todos contribui para que os acordos coletivos sejam observados e compridos pelos mem-

bros do grupo. Através das discussões os alunos aprendem a colocar-se no lugar dos colegas a

respeitar outras opiniões e a expressar suas ideias. (Site da escola)

Outra característica dessa escola1 é que desde seu inicio (foi fundada em 1991) - já

nasceu com ideais inovadores de inclusão. Em quase todas as turmas há um aluno com neces-

sidades especiais. Inclusão e convivência são desafios que fazem parte da cultura e da história

dessa instituição educativa.

Cabe destacar o histórico da realização das assembleias que, segundo entrevista com

alguns de seus gestores, surgiu porque a escola sempre acreditou nos princípios democráticos

e nas suas melhores expressões como o diálogo intermediando as relações interpessoais. As-

sim, entraram em contato com autores que discutiam a assembleia como instancia privilegiada

de trocas significativas nas relações coletivas e elegeram a assembleia de sala como um ins-

trumento capaz de potencializar relações interpessoais respeitosas e cooperativas. (Gestor A)

Segundo gestores, as assembleias na escola acontecem desde 2004. Era um procedi-

mento bastante centralizado em algumas classes do Ensino Fundamental I e II. A equipe de

gestores (coordenação e direção) procurou a teoria que embasava este dispositivo e estudou os

princípios nos estudos teóricos de Josep Maria Puig. Desde 2007 a escola procurou aprofun-

dar seus estudos relativos ao desenvolvimento da personalidade ética de seus alunos e come-

çou a estabelecer uma formação continuada sobre o tema incluindo instancias de formação

especifica (curso de especialização), palestras e supervisões da prática. (Gestor A)

Segundo gestores, a assembleia é uma das intervenções cuja intencionalidade é o de-

senvolvimento da formação da personalidade ética, voltada para os valores e princípios que

sustentam as relações humanas. Neste sentido, está de acordo com os princípios institucionais

da escola, ou seja, é um dispositivo institucional cuja finalidade é promover o diálogo como

forma de resolução democrática de conflitos, mediar a convivência coletiva, construir a auto-

nomia progressiva de crianças e adolescentes e estabelecer ações cooperativas envolvendo

alunos e professores. Ela propicia aos alunos uma ampliação do conhecimento de si mesmo, o

desenvolvimento de habilidades dialógicas, tomada de consciência e compreensão crítica da

realidade.

1 Para manter o anonimato não citamos o nome da escola e seu site não está presente nas referências.

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Para os gestoras entrevistados, a assembleia já faz parte da cultura institucional. Os

profissionais da escola apoiam a experiência, mas o conhecimento específico sobre o disposi-

tivo fica mais centralizado com os professores e coordenadores. Sempre houve uma preocu-

pação da escola em oferecer um espaço para os alunos poderem expressar no coletivo o que

pensam/sentem em relação aos mais diversos assuntos que envolvem suas relações de convi-

vência na classe e fora dela e aprenderem a negociar as soluções para os problemas que apon-

tam, estabelecendo acordos. (Gestor B)

[...] A forma das instituições escolares resulta educativa. Essa forma refere-se a fato-res como os princípios e os critérios de valor que regulam o funcionamento da esco-la ou as práticas e os hábitos pedagógicos em vigência na instituição. Esses dois as-pectos acabam criando um clima moral que impregna a vida escolar e exercem uma indiscutível influência educativa. (PUIG, 2005, p.99)

Em adição ao que chamou de clima moral, Puig (2005) categorizou as escolas em três

modelos: as que se apoiam no princípio de “Transgressão-castigo”; as que utilizam meios de

disciplina e controle, mas também valorizam a coletividade, almejando o bem-estar e por úl-

timo o modelo que rechaça a heteronomia e busca uma convivência que se responsabilize por

si mesmo e pelo coletivo. ”A participação democrática na escola demanda momentos em que

prevalecem a palavra ou o diálogo [...]” (Puig 2005, p. 33).

A respeito dos efeitos das Assembleias de Classe no cotidiano da escola, alguns alunos

nos relataram, informalmente, que para algumas crianças a mudança no comportamento é

imediata após o encontro, mas há uma tendência em retomar antigos maus hábitos com o pas-

sar do tempo e por esse motivo os temas costumam ser recorrentes e giram em torno de assun-

tos como o respeito entre os colegas, ao professor e ao espaço de trabalho.

Em relação ao formato, os gestores esclareceram que as assembleias são mensais e

mediadas pelo professor/tutor (no Ensino Fundamental II) e pelo professor polivalente da

turma juntamente com o especialista (psicólogo) responsável pelo Projeto Convivência (no

Ensino Fundamental I). Ambas seguem os mesmos princípios e dispositivos de ação (pauta

preenchida previamente pelos alunos, coordenação do professor, escuta ativa, organização das

ideias das crianças e adolescentes através do uso da linguagem descritiva, respeito ao turno de

fala, reflexões baseadas sempre nos princípio do respeito, analise do fato e não do ator ou

atores dos conflitos e encaminhamentos), mas há uma diferença na forma de protagonismo

uma vez que a escola acredita que a autonomia é algo progressivo. Desta maneira, é mais fácil

para o adolescente, por exemplo, que já conta com maior experiência dialógica, sentir-se mais

autorizado a dizer aquilo que pensa e sente com relação aos conflitos ou desconfortos coleti-

vos. (Gestor A)

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Quanto aos Professores Tutores, os gestores entrevistados explicaram que a tutoria

faz parte de outro projeto da escola. Entre as atribuições do Professor Tutor está a coordena-

ção das assembleias de sua turma (cada turma do Ensino Fundamental II possui um tutor de-

finido pela escola). O Professor/Tutor é um articulador de todas as instancias do fundamental

II uma vez que as turmas não contam com um professor polivalente como no Ensino Funda-

mental I.

Segundo os gestores a formalística segue as propostas dos autores ligados ao pesqui-

sador Josep Maria Puig. Há um quadro colocado com a antecedência de uma semana onde os

alunos registram (anonimamente) questões que criticam, felicitam ou querem discutir. Este

quadro é recolhido pelos professores tutores que organizam a pauta hierarquizando as ques-

tões (pontos relativos ao desenvolvimento moral são priorizados nas discussões). Questões de

natureza organizativa têm geralmente resoluções mais práticas, como por exemplo, criação de

uma comissão que entrará em contato com o setor responsável ou a produção de uma carta de

solicitação. (Gestor A)

Ao acompanhar, por algumas vezes, a realização de assembleias no ensino fundamen-

tal I observei que há o pleno envolvimento dos alunos na forma como se dá a assembleia e

com os conteúdos discutidos.

As crianças estavam sentadas em suas carteiras em um semi-círculo e levantavam as

mãos para se inscreverem para falar. Um aluno, escolhido como secretário do dia anotava os

nomes na lousa e os mediadores (professora da turma e coordenador do Projeto Convivência)

os convocavam para se manifestarem a respeito do tema escolhido para aquele dia respeitando

a ordem de inscrição.

Primeiro houve a leitura das críticas e das felicitações (ambos deixados pelos alunos

previamente). A seguir falou-se dos temas que seriam discutidos naquele encontro. Em segui-

da, respeitando a ordem de inscrição, as crianças relatavam problemas relativos ao tema. Ha-

via uma preocupação com a repetição de ideias e os intercessores buscavam auxiliá-los nas

colocações procurando identificar problemas ainda não ditos. Nenhum aluno ficou sem se

manifestar e as propostas para ajudar na resolução dos problemas foram diversas.

Perguntamos a respeito das regras que surgem desses encontros e fomos informados

de que nem sempre as normas são necessárias evitando assim a burocratização da atividade.

O tema proposto para o dia em que assistimos a realização da assembleia de classe era

a respeito do comportamento durante as brincadeiras no recreio (crianças que querem mandar

na brincadeira, crianças que excluem etc.). Soubemos que os temas são escolhidos com bas-

tante critério pelos mediadores que se preocupam em selecionar, dentre a lista de problemas

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postos pelos alunos ao longo da semana que antecede o encontro, temas pertinentes as neces-

sidades do grupo, assim evitando a repetição de assuntos, a menos que seja necessário.

Quanto às dificuldades no processo de implantação do projeto e do risco de burocrati-

zação da atividade, verificamos que faz parte do plano de trabalho da escola e tem sido apri-

morada desde 2010, quando havia uma dificuldade na manutenção da periodicidade e partici-

pação efetiva dos professores nas assembleias de classe. Por exemplo, Fundamental II, as as-

sembleias eram responsabilidade exclusiva do orientador educacional. O projeto foi ampliado

após o advento da equipe de professores tutores, e hoje os horários reservados para a prática já

fazem parte do calendário anual. (Gestor A)

O esmero na execução da proposta reflete entre os atores da comunidade escolar, in-

cluindo familiares dos alunos, os quais, segundo gestores entrevistados, sabem que as assem-

bleias fazem parte do cotidiano escolar. As famílias conhecem a prática pelo discurso dos

filhos e pelos encontros com os professores nas reuniões individuais e coletivas e apresenta-

ção do plano de trabalho. Algumas vezes as próprias famílias orientam seus filhos a coloca-

rem aquilo que de alguma forma lhes incomoda na tabela de assembleia. Já é um espaço insti-

tucionalizado como dialógico e democrático além disso, alguns pais relatam que os filhos

costumam pautar as discussões em casa usando a formalística da assembleia. (Gestores A e B)

7 ANÁLISE DOS QUESTIONÁRIOS

Escolhemos para esta pesquisa aplicar uma série ordenada de perguntas, ou seja, um

questionário qualitativo com questões elaboradas por nós de maneira que as respostas das

crianças nos revelassem ou nos levassem a perceber a existência do que não vemos facilmente

em relação aos problemas que as crianças enfrentam dia a dia nos conflitos interpessoais entre

pares na escola, como lidam com essas questões, se levam para a assembleia e como se sen-

tem em relação a esta atividade.

A escolha pelo questionário qualitativo se deu por acreditarmos que tal procedimento

favorece que os entrevistados elejam, por si só, os problemas mais significativos que já en-

frentaram em relação aos pares, além de poderem nos situar sobre o quanto estão envolvidos

com as assembleias de classe, esses encontros dialógicos constituintes de sua formação moral,

dentro do contexto da sua história de estudante.

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[...] Na pesquisa qualitativa, a verdade não se comprova numérica ou estatisticamen-te, mas convence na forma da experimentação empírica, a partir de análise feita de forma detalhada, abrangente, consistente e coerente, assim como na argumentação lógica das ideias [...] (MICHEL, 2005, p.33)

Sendo assim, sobre a natureza dos questionários seria importante considerá-los uma

intervenção de abertura para uma possível reflexão destes estudantes sobre o próprio percurso

em relação a assembleia e aos conflitos interpessoais, sendo possível a eles questionarem-se

ao relatarem suas histórias.

Todavia, o questionário seria, como é de praxe, respondido sem nossa presença, por

este motivo redobramos os cuidados na elaboração das perguntas. Ressalta-se que em nossas

pesquisas para fundamentação deste trabalho, localizamos o Grupo de Estudos e Pesquisa em

Educação Moral, sediado na UNESP de Rio Claro, o qual conta com pesquisadores de univer-

sidades públicas e particulares na busca por abranger um domínio de assuntos relacionados a

moral e sua relações com a educação e outras áreas da ciência.

Este grupo mantém um site com textos e informações uteis ao nosso tema, no qual lo-

calizamos um questionário para investigar o bulling nas redes sociais. Como este tema rela-

ciona se com conflitos interpessoais, imediatamente foi nos possível vislumbrar seu potencial

para uma adaptação aos nossos propósitos.

Ao lançarmos mão de tais estratégias de investigação seguíamos o princípio que rege a

pesquisa qualitativa, pois em nossa maneira de ver, os fatos não falam por si mesmos, e muito

existia, para além dos dados coletados, a ser compreendido e interpretado.

Segundo Michel (2005), a pesquisa qualitativa não exclui a quantitativa, na verdade

elas podem ser complementares e por esta razão definiu-se que nosso questionário seria apli-

cado a 10% do total de alunos do 6º ano, que equivale ao 1º ano do Ensino Fundamental II.

Garantimos uma amostragem significativa com 16 questionários respondidos por dis-

centes que se enquadravam no perfil exigido por nós, ou seja, que tivessem participado das

assembleias de classe durante todo o Ensino Fundamental I, para garantirmos que as crianças

já estivessem bastante familiarizadas com a prática. Os entrevistados foram 8 meninos e 8

meninas, na faixa etária entre 10 e 12 anos e os questionários foram disponibilizados aos alu-

nos em horário escolar com o apoio e a colaboração de uma gestora. .

As vantagens desta metodologia de pesquisa foram: os estudantes responderam as

questões sem a nossa presença, portanto sem a possibilidade de serem influenciados; todos os

alunos se tranquilizaram com a certeza de que o anonimato do entrevistado seria preservado;

foi possível atingir maior número de pessoas entrevistadas.

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Quanto às limitações da metodologia de pesquisa adotada podemos citar que alguns

alunos deixaram perguntas sem respostas, apesar de termos solicitado através de pequeno tex-

to explicativo, inserido no início do questionário, no qual explicávamos nossos interesses e

encorajávamos os alunos a responderem corretamente.

Os participantes responderam um questionário com perguntas abertas e fechadas. Vale

um esclarecimento de que nas questões com múltiplas escolhas muitas crianças optavam por

mais de uma alternativa. As respostas foram tabuladas e analisadas. (A tabulação vem a se-

guir).

Perfil dos entrevistados e relação com a Assembleia de Classe

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Cabe destacar que o questionário foi respondido, de certo modo, com tranquilidade

pelas crianças, acostumadas a opinar sobre os mais diversos assuntos, característica inerente

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ao sócio-construtivismo que caracteriza a proposta pedagógica da escola. Momentos de as-

sembleias já aconteciam mensalmente desde o 3º ano, portanto tiveram que opinar sobre uma

atividade que já vivenciavam há três anos.

O questionário aplicado aos alunos foi organizado em duas partes: a primeira para le-

vantamento de dados pessoais, e na segunda as questões tinham um cunho de diagnosticar

como se dão as relações interpessoais entre os alunos no espaço escolar, investigar os proble-

mas e verificar se estes são debatidos nas assembleias de classe, além detectar como os alunos

se sentem em relação a esta prática e localizar as resoluções que emergem desses encontros.

Ressalta-se que para responder ao questionário os alunos trabalharam individualmente, sem

nossas interferências ou de outra criança.

Nosso objetivo com as questões que ofereciam diversas alternativas como resposta, era

oferecer um amplo leque de opções, possibilitando as crianças chegarem o mais próximo pos-

sível de suas representações a respeito dos problemas que enfrentam e a relação pessoal que

cada sujeito tem com as assembleias de classe.

Sintetizando os resultados, a primeira constatação é a relação altamente positiva que as

crianças têm em relação a assembleia de classe (100%, disseram gostar de participar da ativi-

dade e 56% levam questões para serem discutidas). A segunda constatação é que a maioria

das crianças já se sentiu ofendida ou agredida (44% disseram alguma vez e 12% disseram

frequentemente e 46% levaram o problema para ser discutido na assembleia).

Vale ressaltar o cuidado especial que procuramos ter ao oferecer tantas possibilidades

de escolha para que as crianças identificassem o(s) tipo(s) de agressão que já sofreram (a mai-

or queixa, 64%, diz respeito a brincadeiras e gozações indesejáveis). O mesmo zelo foi apli-

cado ao disponibilizarmos diversas opções para que os alunos identificassem como se senti-

ram diante dos fatos (a maior parte, 21%, respondeu com raiva).

Em seguida questionamos se levaram o problema para as assembleias (apenas 9% dis-

seram não). Aos que responderam “sim”, que haviam levado o problema para as assembleias,

foi perguntado como se sentiram durante e depois do encontro e o item selecionado o maior

número de vezes para responder a esta questão (30%) foi “aliviado”. Pode-se, portanto, con-

cluir o alto índice de aprovação das crianças as assembleias de classe e como sua organização

permite um acolhimento aos alunos. Em suma, como havia dito um gestor, os alunos procu-

ram colocar na pauta da assembleia o que lhes aflige.

Do mesmo modo, com perguntas objetivas e ampla gama de opções para a resposta,

seguimos com nossos questionamentos. Perguntamos sobre a reação das crianças quando se

deparam com xingamentos ou agressões dirigidas a um colega na intencionalidade de identifi-

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carmos um valor moral, que valorizasse a justiça e o respeito entre os pares. Os resultados

levam a crer que há uma tendência a haver solidariedade entre as crianças. Todos os entrevis-

tados disseram conhecer alguém da escola que já sofreu com agressões e xingamentos. Dentre

estes a maior parte declarou ter sentido pena e a maioria afirmou ter levado o problema para

ser resolvido na assembleia de classe. Os que não levaram, disseram ter ajudado de diferentes

formas: “tentei resolver com os dois antes de chamar um adulto”; “conversei com quem xin-

gou”; etc. Nota se, aqui, uma apropriação e também utilização da formalística das assemblei-

as de classe na resolução dos problemas.

Havia também uma pergunta sobre com qual figura a criança mais se identificava ao

saber que um colega era vítima de injustiças (xingamentos, agressões, etc.). Dentre as opções,

uma das mais votadas foi a que dizia: “Aquele que sabe quem faz as ameaças e conhece quem

as recebe e tenta ajudar a resolver o problema”, denotando capacidade de colocar se no lugar

do outro e construindo um valor moral em relação a justiça.

A pergunta que veio em seguida investigava sobre os resultados que emergem dos en-

contros. As respostas foram majoritariamente positivas: “pararam com a brincadeira”; “a pes-

soa que fez o xingamento mudou sua postura”, etc. No entanto, ao serem questionados se os

problemas foram resolvidos após a assembleia, a maior parte respondeu “parcialmente”. Re-

sultado compatível com uma atividade que não tem a pretensão de resolver todos os proble-

mas dos alunos de maneira instantânea. A propósito, trata-se na verdade de um processo que

visa a reflexão, a tomada de consciência e a mudança de comportamento. As próprias crianças

declararam ao serem questionadas sobre porque as assembleias ajudaram a resolver os pro-

blemas, disseram: “conversando e pensando”; “as pessoas expressam os seus sentimentos”;

etc.

Por fim, o questionário identificou a respeito de outros temas que são debatidos em as-

sembleia de classe. Muitos foram os assuntos citados e a maioria, 71%, declarou que gostaria

de falar sobre mais alguns, mas não citaram quais seriam. Depois, 80% disseram que gostari-

am que os encontros ocorressem mais de uma vez por mês e 100% reafirmaram que gostam

de participar da atividade.

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8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A questão central deste trabalho diz respeito a construção de valores no âmbito escolar

tendo na assembleia de classe uma práxis que tanto pode mediar os conflitos interpessoais

como pode vir a ser criadora de mobilizações das nossas intuições de justiça, que constituem a

base de qualquer juízo moral.

Uma vez que nossa metodologia de pesquisa continha a intencionalidade de saber

quais os problemas que as crianças enfrentam, em relação aos pares na escola, como lidam e

resolvem essas questões e o papel da assembleia de classe neste contexto, avaliamos os resul-

tados como extremamente positivos a esta prática.

Não nos surpreendeu o fato das crianças se interessarem pelas assembleias de classe,

além de a maneira dialógica que utilizam para solucionar os conflitos interpessoais, seus e dos

pares. Os resultados levam a crer que a instituição escolar que nos serviu como fonte de dados

constitui-se de ambientes democráticos com gestores e educadores comprometidos com os

ideais de autonomia e buscam desenvolver experiências de democracia.

Contudo, os dados da pesquisa não nos permite concluir porque eles gostam tanto de

participar das assembleias de classe. Houve crianças que responderam não lembrar se haviam

levado o problema para ser debatido nos encontros e algumas relataram que resolveram de

outra maneira, mas todas disseram gostar da atividade e solicitaram mais encontros mensais.

A satisfação dos alunos e a declaração dos gestores entrevistados sobre as alterações

feitas no modo de realização das assembleias de classe, ao longo do tempo, na intencionalida-

de de tornar a prática mais eficiente, eliminam receios a respeito do risco de burocratização da

atividade e ratifica um cuidado dessa instituição educacional em relação aos encontros, man-

tendo seu compromisso com o diálogo na resolução de conflitos e elaboração de normas de

convivência.

Quando tivemos a oportunidade de observar alguns desses encontros localizamos o

clima moral favorável, citado por Puig (2005), para se combinar regras com o grupo, mas sem

ceder aos quereres das crianças. As ideias de resolução eram apresentadas e analisadas pelos

próprios alunos e surgiam após debate e reflexão a respeito das causas dos problemas e o pro-

fessor juntamente com o mediador faziam o papel de interlocutor e procuravam intervir com a

intenção de auxiliar as crianças na explanação do problema e colocavam questionamentos

para a análise do mesmo, mas sem induções.

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Por um lado, ressalta-se que oferecer as crianças a possibilidade de elaborar regras de

convivência conjuntamente é um contraponto a um meio autocrático, nos quais a elaboração

de regras são impostas e devem ser cumpridas por obediência a uma autoridade, gerando uma

moral heterônoma.

A propósito, o meio autocrático age nas consequências dos problemas e não em suas

causas e por essa característica não favorece a tomada de consciência, as mudanças de atitude

e um respeito maior em relação às regras. Assim sendo, muitas vezes sentem-se desobrigados

de cumpri-las. Por certo, no meio democrático, há o empenho das crianças em respeitar regras

elaboradas por elas e para elas, e as sanções, se necessárias, são por reciprocidade ou direta-

mente relacionadas ao ato a ser sancionado. “[...] Enfim, uma pessoa disciplinada não é aquela

que é treinada para obedecer, mas sim aquela que compreende as razões de se comportar de

um modo ou de outro.” (Tognetta; Vinha, 2011 p.131)

Por outro lado, a educação em valores, apresenta uma subjetividade em relação a este

aprendizado, cujo processo de construção se dá de maneira incerta e aleatória, que poderia nos

fazer desacreditar de alguma intervenção educativa com este propósito.

Segundo Araújo; Puig (2007), é preciso adotar novos paradigmas na compreensão dos

processos de construção e educação em valores. Para este autor o pensamento moderno ima-

ginava que poderíamos controlar e dirigir o desenvolvimento humano.

[...] Os processos educativos, entendidos na perspectiva do método científico, devem criar condições para que as metas sociais almejadas sejam atingidas. A expectativa é que a sociedade, as pessoas e as aulas “funcionem” em parâmetros de certeza e de determinação, sem espaço para a incerteza nas relações em sala de aula e nos plane-jamentos pedagógicos. (Araújo; Puig, 2007 p.130)

Esse autor rechaça essa ideia e considera que tais pressupostos eximem de responsabi-

lidade, escolas e docentes, na construção social da justiça e da cidadania, pois o caminho pa-

rece já estar previamente determinado. Parecem pensar que o bem certamente triunfará inde-

pendente de esforços.

Em relação a construção de valores, Araújo; Puig (2007) afirma que de fato a educa-

ção tem seu papel e poder limitados. A educação não pode tudo e a família, a religião, a gené-

tica, a cultura, os amigos, os fenômenos naturais e sociais têm influência sobre esse processo.

Para o autor, nesta falta de controle é que se insere a necessidade de conceber o papel da edu-

cação.

Araújo; Puig (2007), discorda do relativismo total dos valores ou moralidade local, as-

sentada em interesses pessoais e de grupos sociais ou em princípios de que não existem valo-

res melhores do que outros. Há que se fazer escolhas sobre quais valores a sociedade deve

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almejar e a Declaração Universal dos Direitos Humanos nos traz princípios e valores éticos

(direito à vida, à inclusão social, à dignidade, etc.) considerados universalmente desejáveis

para a humanidade e que podem servir de referência para a elaboração de programas educa-

cionais, mesmo que com resultados incertos.

[...] Mesmo que não se tenha mais a certeza de que nossos estudantes construirão tais valores a partir das nossas ações, saliento que, se formos “eficintes” no desen-volvimento de projetos educativos pautados em princípios de ética e democracia, há uma boa probabilidade de que tais valores sejam construídos por eles. Embora os processos sejam aleatórios e incertos, os valores morais não o são. (Araújo; Puig, 2007 p.133)

Somos de opinião de que não há educação sem valores, mas quais valores estão pre-

sentes nas escolhas das instituições educacionais e de que maneira se pode acessá-los ou quais

são os mecanismos de influência que as escolas utilizam são o grande desafio a ser enfrenta-

do.

Os resultados da pesquisa, os depoimentos dos gestores, a análise de alguns documen-

tos da escola e o tempo de observação na instituição escolar analisada, nos levam a crer que as

intervenções das assembleias de classe em situações de conflitos interpessoais favorecem o

desenvolvimento da autonomia e de relações mais justas, respeitosas e solidárias no espaço

escolar favorecendo a construção de valores.

A escola não pode fazer milagres, mas tampouco pode se eximir de sua função forma-

dora. Ir à escola deve significar ter oportunidades de desenvolver-se como pessoa e crescer

nas diversas dimensões humanas (conhecimento, atitude, respeito, etc.).

Como educadoras, pudemos observar que a assembleia de classe possibilita formar um

cidadão democrático e trabalha explicitamente com as atitudes dos alunos em aspectos como a

excelência nas relações, que vai além do que é proposto nas regras.

Deste modo, respondemos afirmativamente nossa questão inicial, assembleia de classe

é uma mediação criadora de possibilidades para a resolução de conflitos interpessoais e cons-

trução de valores.

Ciente, como professora, da importância de um clima moral favorável no contexto e-

ducativo, acredito ter encontrado um caminho para trabalhar a educação moral, sendo esta um

objeto de conhecimento que depende da tomada de consciência e, portanto, de momentos em

que se possa pensar sobre o tema.

Para que as crianças possam agir moralmente é necessário que se abram espaços para

o estudo e a reflexão sobre nossas ações, os valores e os sentimentos que nos movem. Assim,

as assembleias de classe são uma proposta de atividade que quando sistematizada em uma

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instituição educativa, favorece o aprendizado de formas mais justas para se resolver conflitos,

a apropriação racional das normas e possibilita exprimir sentimentos.

Partindo do princípio, afirmado por Puig (2005), de que a assembleia é um momento

de diálogo para melhorar os trabalhos e a convivência, iniciamos esta pesquisa a partir de uma

posição simpática a esta atividade e a encerramos convictas de sua importância para contribuir

em situar os valores morais em um lugar central na personalidade, gerando ações coerentes

com estes valores, mais autônomas e menos suscetíveis a pressões externas.

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REFERÊNCIAS

ARAÚJO, U. F. Assembleia escolar: Um caminho para a resolução de conflitos. São Paulo: Moderna, 2006.

______; PUIG, Josep Maria. Educação e Valores: pontos e contrapontos. Organizado por Valéria Amorim Arantes. São Paulo: Summus, 2007. 164 p. (Pontos e contrapontos).

FERRE, N. P. L. Identidade, diferença e diversidade: manter viva a pergunta, in: Habitantes de Babel: Políticas e poéticas da diferença. Belo Horizonte: Autêntica, 2001.

LA TAILLE, Y.J.J.M.R. Vergonha, a ferida moral. Petrópolis: Vozes, 2002.

______. Indisciplina/disciplina: ética, moral e ação do professor. 3ª ed. Porto Alegre: Medi-ação, 2010.

MICHEL, M. H. Metodologia e pesquisa científica em ciências sociais. São Paulo: Atlas, 2005.

PLACER F. G. O outro hoje: uma ausência permanentemente presente, in: Habitantes de Babel: Políticas e poéticas da diferença. Belo Horizonte: Autêntica 2001.

PUIG J. M. Democracia e participação escolar: propostas de atividades. São Paulo: Moder-na, 2005.

SINGER, Helena. República de crianças: sobre experiências escolares de resistência. Cam-pinas: Mercado de Letras, 2010.

TOGNETTA, L. R. P. ; VINHA T. P. Quando a escola é democrática: um olhar sobre a prática das regras e assembleias na escola. 2ª Ed. Campinas: Mercado de Letras, 2011.

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ANEXO A

Entrevistas

Gestor A :

1) Por que essa escola começou a fazer Assembleias de Classe?

A: Nossa escola sempre acreditou nos princípios democráticos e nas suas melhores expressões

como o diálogo intermediando as relações interpessoais. Assim, entrando em contato com

autores que discutiam a assembleia como instancia privilegiada de trocas significativas nas

relações coletivas, elegemos a assembleia de sala como um instrumento capaz de potenciali-

zar relações interpessoais respeitosas e cooperativas.

2) Por que as Assembleias são diferentes nos dois segmentos ( EF I e II)?

A: Não diria que as assembleias sejam diferentes nos dois segmentos. Ao contrário, elas se-

guem os mesmos princípios e dispositivos de ação (pauta preenchida previamente pelos alu-

nos, coordenação do professor, escuta ativa, organização das ideias das crianças e adolescen-

tes através do uso da linguagem descritiva, respeito ao turno de fala, reflexões baseadas sem-

pre nos princípio do respeito, analise do fato e não do ator ou atores dos conflitos e encami-

nhamentos). A diferença pode estar na forma de protagonismo uma vez que acreditamos que a

autonomia é algo progressivo. Desta maneira, é mais fácil para o adolescente, por exemplo,

que já conta com maior experiência dialógica, sentir-se mais autorizado a dizer aquilo que

pensa e sente com relação aos conflitos ou desconfortos coletivos.

Quanto aos Professores Tutores, este é outro projeto. Entre as atribuições do Professor Tutor

está a coordenação das assembleias de sua(s) turma(s). O Professor Tutor é um articulador de

todas as instancias do fundamental 2 uma vez que as turmas não contam com um professor

polivalente como no fundamental 1.

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3) Por que fazem as assembleias?

A: A Assembleia é uma das intervenções cuja intencionalidade é o desenvolvimento da for-

mação da personalidade ética, voltada para os valores e princípios que sustentam as relações

humanas. Neste sentido, esta de acordo com os princípios institucionais da escola.

Funciona como um dispositivo institucional cuja finalidade é promover o diálogo como forma

de resolução democrática de conflitos, mediar a convivência coletiva, construir a autonomia

progressiva de crianças e adolescentes e estabelecer ações cooperativas envolvendo alunos e

professores. Ela propicia aos alunos uma ampliação do conhecimento de si mesmo, o desen-

volvimento de habilidades dialógicas, tomada de consciência e compreensão crítica da reali-

dade.

4) Quais são os resultados?

A: Os resultados costumam ser obtidos a médio e longo prazos uma vez tratar-se de uma

construção progressiva. Os alunos que participam de assembleias desde o Ensino Fundamen-

tal 1 usam muitas vezes a formalística deste dispositivo em outros momentos coletivos. Mui-

tas vezes durante a administração de um conflito, mesmo fora da sala, o aluno usa modalida-

des de diálogo estabelecidas nas assembleias, como respeito ao turno de fala, escuta ativa do

outro, evitar julgamentos e procurar estabelecer um encaminhamento para a situação.

5) Quais questões são mais recorrentes na assembleia?

A: Questões relativas ao respeito entre os colegas, ao professor e ao espaço de trabalho.

6) Como é feita a assembleia (formato, periodicidade, mediação)?

A: As Assembleias são mensais e mediadas pelo Professor Tutor. A formalística segue as

propostas dos autores ligados a J. Puig. Há um quadro colocado com a antecedência de uma

semana onde os alunos registram (anonimamente) questões que criticam, felicitam ou querem

discutir. Este quadro é recolhido pelos professores tutores que organizam a pauta hierarqui-

zando as questões (pontos relativos ao desenvolvimento moral são priorizados nas discus-

sões|). Questões de natureza organizativa têm geralmente resoluções mais práticas, como por

exemplo, criação de uma comissão que entrará em contato com o setor responsável ou a pro-

dução de uma carta de solicitação.

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7) As pessoas que compõem o coletivo escolar estão envolvidas/apoiam essa experiência?

A: A Assembleia nessa escola já faz parte da cultura institucional. A grande parte dos profis-

sionais da escola apoiam a experiência. O conhecimento específico sobre o dispositivo fica

mais centralizado com os professores e coordenadores.

8) Como foi construída a implementação dessa atividade? Houve estudos prévios sobre o te-

ma e a discussão de suas implicações? Qual foi o embasamento?

A: As Assembleias na escola acontecem desde 2004. Era um procedimento bastante centrali-

zado em algumas classes do fundamental I e II. A equipe de coordenação e direção procurou a

teoria que embasava este dispositivo e estudou os princípios nos estudos teóricos de J. Puig.

Desde 2007 a escola procurou aprofundar seus estudos relativos ao desenvolvimento da per-

sonalidade ética de seus alunos e começou a estabelecer uma formação continuada sobre o

tema incluído instancias de formação especifica (curso de especialização), palestras e supervi-

sões da prática.

9) Quais são os percalços que apareceram e/ou persistem?

A: Havia até 2010 uma dificuldade na manutenção da periodicidade e participação efetiva dos

professores nas assembleias de classe. Era responsabilidade exclusiva do orientador educacio-

nal. O projeto foi ampliado após o advento da equipe de Professores Tutores e hoje os horá-

rios reservados para a prática já fazem parte do calendário anual.

10) A construção da assembleia está posta em algum documento da escola?

A: Faz parte do Plano de Trabalho da escola.

11) Como as famílias vêem esta prática? A escola dialoga com as famílias a respeito dessa

atividade? Relate algum episódio que considere significativo.

A: As assembleias fazem parte do cotidiano escolar. As famílias conhecem a pratica pelo dis-

curso dos filhos e pelos encontros com os professores nas reuniões individuais e coletivas e

apresentação do Plano de Trabalho. Algumas vezes as próprias famílias orientam seus filhos a

colocarem aquilo que de alguma forma lhes incomoda na tabela de assembleia. Já é um espa-

ço institucionalizado como dialógico e democrático.

Alguns pais relatam que os filhos costumam pautar as discussões em casa usando a formalís-

tica da assembleia.

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Gestor B (orientadora 4º e 5º EFI):

1) Por que a escola começou a fazer Assembleias de Classe?

B: As assembleias de classe começaram antes de minha entrada. A razão é a preocupação que

a escola sempre teve em oferecer um espaço para os alunos poderem expressar no coletivo o

que pensam/sentem em relação aos mais diversos assuntos que envolvem suas relações de

convivência na classe e fora dela e aprenderem a negociar as soluções para os problemas que

apontam, estabelecendo acordos.

2) Como se dá a Assembleia no EFI (frequência, organização, etc)? Começa com o 1º ano?

B: Começa no 3o ano ( antiga 2a série) e acontece uma vez por mês.

4) Você observa alguma diferença no comportamento dos alunos em relação à Assembleia ou

nas relações interpessoais entre os alunos depois de participarem dos encontros durante os

anos do EF I? Acha que as relações melhoram?

B: O que as pessoas que acompanham mais de perto os alunos dizem é que durante um tempo

relativamente curto e posterior à assembleia, a tendência deles é fazerem valer os acordos

assumidos, mas com o tempo, vão se esquecendo do que combinaram e reincidindo em com-

portamentos que não eram desejáveis.

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ANEXO B

Questionário

Caro aluno, O questionário a seguir permite que você responda de acordo com o que pensa e vivencia de fato. Ele é um questionário anônimo, secreto e individual, por isso lhe pedimos que o respon-da, dizendo exatamente o que você pensa e sente. Para isso, assinale com um (X) as questões de alternativas e escreva com sinceridade as questões escritas. Este questionário não é um teste nem um exame e por isso, todas as respostas são importantes. Agradecemos muito sua colaboração! PARTE I - FALE SOBRE VOCÊ: 1.Idade:_____________________________________________________________________ 2. Sexo: ( ) Feminino ( ) Masculino 3. Em geral, como é seu relacionamento com os colegas? ( ) bom ( ) nem bom nem ruim ( ) ruim PARTE II - FALE SOBRE A ASSEMBLEIA DE CLASSE DA SUA ESCOLA: 1. Você gosta da assembeia de classe? ( ) sim ( ) não 2. Você leva questões para serem discutidas na assembleia de classe? ( ) Às vezes levo questões para serem discutidas ( ) Nunca levei questões para serem discutidas ( ) Nunca levei questões para serem discutidas, mas me interesso pelos assuntos que são dis-cutidos ( ) Nunca levei questões para serem discutidas e não me interesso pelos assuntos que são dis-cutidos ( ) Já levei questões para serem discutidas e me interesso pelos assuntos que são discutidos 3. Você já foi vítima de xingamentos, agressões, ameaças ou apelidos pejorativos na escola? ( ) nunca ( ) alguma vez ( ) frequentemente Se respondeu “NUNCA”, vá para a questão 9.

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4. Se você já sofreu algum tipo de agressão na escola, assinale qual ou quais são os tipos de agressão que sofreu e com que frequência ocorreu? Xingaram-me e me ofenderam ( ) nunca ( ) alguma vez ( ) frequentemente Fizeram ameaças ( ) nunca ( ) alguma vez ( ) frequentemente Fizeram brincadeiras ou gozações que me aborreceram ou me deixaram constrangido ( ) nunca ( ) alguma vez ( ) frequentemente Colocaram apelidos que me incomodaram ( ) nunca ( ) alguma vez ( ) frequentemente Inventaram mentiras a meu respeito ( ) nunca ( ) alguma vez ( ) frequentemente Acusaram-me de algo que não fiz ( ) nunca ( ) alguma vez ( ) frequentemente Fui discriminado, fizeram gozações ou tiraram sarro de mim por usar óculos, ou ser pequeno, ou ser alto, ou ser magro, ou ser gordo, ou ser negro, ou ser branco, ou ser ruivo, etc... ( ) nunca ( ) alguma vez ( ) frequentemente Forçaram-me a fazer algo que eu não queria ( ) nunca ( ) alguma vez ( ) frequentemente 5. Assinale as alternativas abaixo que melhor explicam como você se sentiu diante dessas situações e explique por quê. ( ) humilhado (a) ( ) envergonhado (a) ( ) desesperado (a) ( ) com raiva ( ) angustiado (a) ( ) conformado (a) ( ) triste ( ) desanimado (a) ( ) revoltado (a) ( ) com medo ( ) constrangido (a) ( ) não senti nada ( ) outro sentimento. Qual? _____________________________________________________ Por quê? ____________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________

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6. Você levou para a assembleia algumas dessas questões? ( ) sim ( ) não ( ) não lembra 7. Se respondeu que “NÃO” levou o assunto para a assembleia, qual o motivo de não ter le-vado o assunto para a assembleia? ( ) não deu importância ao fato ( ) achou que as agressões não teriam continuidade ( ) medo por estar se expondo mais ( ) sentiu vergonha ( ) não soube como pedir ajuda ( ) não quis falar a respeito ( ) ficou com medo de ser censurado na assembleia ( ) achou que o problema ficaria ainda pior ( ) outros. Quais? _____________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 8. Se respondeu que “SIM”, ou seja, que levou seu problema para ser discutido na assemblei-a, assinale as alternativas abaixo que melhor explicam como você se sentiu durante e depois da assembleia. ( ) satisfeito (a) ( ) constrangido (a) ( ) aliviado (a) ( ) vingado (a) ( ) acolhido (a) ( ) indiferente ( ) respeitado (a) ( ) com a sensação de ter feito justiça ( ) arrependido (a) ( ) compreendido (a) ( ) escutado (a) ( ) envergonhado (a) ( ) outro sentimento. Qual? _____________________________________________________ Por quê? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 9. Você conhece alguém que já tenha sido vítima de xingamento, agressões, ameaças ou ape-lidos pejorativos na escola? ( ) sim ( ) não Se você respondeu que “NÃO” conhece ninguém, vá para a questão 13.

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10. Qual é o sentimento que experimentou quando soube do que estava acontecendo? ( ) achei engraçado, divertido ( ) achei merecido ( ) não senti nada ( ) fiquei chateado ( ) senti pena ( ) outros. Quais?_____________________________________________________________ 11. Você tomou alguma atitude? Qual? ( ) contei para meus colegas ( ) fiz que não vi ( ) contei para a professora ( ) achei melhor ficar quieto ( ) contei para meus pais ( ) levei o assunto para a assembleia ( ) conversei com a vítima dizendo para que ela_____________________________________ ___________________________________________________________________________ ( ) outra atitude. Qual?_________________________________________________________ ( ) não tomei nenhuma atitude 12. Se contou na assembleia, qual foi o resultado? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 13. Quando os xingamentos, agressões, ameaças, apelidos pejorativos ou intimidações feitas na escola foram discutidos na assembleia esses problemas foram resolvidos? ( ) sim ( ) não ( ) parcialmente 14. Como as assembleias ajudaram a resolver esses problemas? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 15. Considerando os atos de insultos, agressões, ameaças, apelidos pejorativos ou intimida-ções na escola, com qual dessas figuras você mais se identifica? ( ) aquele que toma essas atitudes ameaçando, gozando ou intimidando outras pessoas. ( ) aquele que é ameaçado, gozado ou intimidado por outras pessoas ( ) aquele que sabe quem faz as ameaças e conhece quem as recebe mas não participa delas. ( ) aquele que sabe quem faz as ameaças e conhece quem as recebe e tenta ajudar a resolver o problema

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16. Além das questões de relacionamento entre os estudantes, assinale outros assuntos que são discutidos nas assembleias: ( ) discutimos sobre a utilização dos espaços da escola (sala de aula, banheiros, pátio, quadra, cantina,etc.) ( ) discutimos sobre organização dos materiais e das mochilas ( ) discutimos sobre o lanche (a qualidade e a quantidade de lanche) ( ) discutimos sobre a lição de casa ( ) discutimos sobre a aula de educação física ( ) discutimos sobre o meio ambiente (desperdício de água e materiais na escola) ( ) discutimos sobre posturas inadequadas de professores e funcionários ( ) outras questões. Quais?______________________________________________________ ( ) nas assembleias discutimos somente questões relacionadas aos conflitos entre os alunos 17. Se na questão anterior você respondeu que “NAS ASSEMBLEIAS DISCUTIMOS SOMENTE QUESTÕES RELACIONADAS AOS CONFLITOS ENTRE OS ALUNOS”, responda agora se gostaria de discutir sobre outros assuntos na assembleia: ( ) não, eu não gostaria de discutir outros assuntos na assembleia ( ) sim, eu gostaria de discutir outros assuntos na assembleia. Quais?______________________________________________________________________ 18. Você gostaria que a assembleia ocorresse mais de uma vez por mês? ( ) não ( ) sim. Quantas vezes?________________________________________________________ 19. Você gosta de participar da assembleia de classe? ( ) sim ( ) não Por quê?____________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________