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ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DA BAHIA

Mesa Diretora

PresidenteMARCELO NILO

Primeiro vice-presidenteLEUR LOMANTO JÚNIOR

Segundo vice-presidenteADERBAL CALDAS

Terceiro vice-presidenteCARLOS UBALDINO

Primeiro secretárioJ. CARLOS

Segundo secretárioELMAR NASCIMENTO

Terceiro secretárioÁLVARO GOMES

Quarta secretáriaMARIA LUIZA LAUDANO

Chefe da Assessoria de Comunicação SocialPAULO BINA

Assessor para assuntos de culturaDÉLIO PINHEIRO

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Copyright by Edileide Antonino, Maria Célia Couto Vigas e Maria de Fátima PeixotoDireitos desta edição reservados àASSEMBLEIA LEGISLATIVA DA BAHIA

PRODUÇÃO EDITORIALEDITORES: Paulo Bina e Délio PinheiroASSESSOR EDITORIAL: Gelson Barbosa SantanaAUTOR: Equipe do Núcleo de Psicopedagogia da Fundação Cidade MãeREVISÃO: Elane Braz e Vivian AntoninoPRODUÇÃO GRÁFICA E EXECUÇÃO: Bira Paim - VB art editora

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Agradecimentos

Agradecemos a todos que colaboraram e colaboram direta e indiretamente para a concretização de um Projeto que nasceu da demanda dos educandos atendidos nas Empresas Educativas, o que foi decisivo da escolha do curso de especialização em Psi-copedagogia até a implementação do Núcleo de Psicopedagogia da Fundação Cidade Mãe em 2005.

Expressamos gratidão e carinho aos que acreditaram, apoiaram e apóiam a inter-venção psicopedagógica na Fundação através da implantação do Núcleo de Psicopeda-gogia: Maria Célia Couto Vigas, integrante da equipe idealizadora, principal incenti-vadora e com seu empenho e dedicação é a responsável em tornar o Projeto realidade; Iara Farias e Sydney Nely, ex-presidentes da Instituição, pela confiança na equipe e na proposta de trabalho apresentada; a Ana Paula Dorea Santos presidente em exercício da FCM, pelo apoio na continuidade das ações do núcleo e na edição do presente livro, significando o reconhecimento e a credibilidade do trabalho desenvolvido pe-las psicopedagogas; Ana Ariel Pereira Novais, secretária da Gerência de programa e Projetos Especiais, por ter incorporado a causa do Núcleo e defender a importância do atendimento psicopedagógico, colaborando para o bom andamento de nosso trabalho. Á Isa Croesy, Pedagoga/psicopedagoga e assessora chefe da ASSEG da FCM pela cola-

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boração nas ações do Núcleo de Psicopedagogia FCM.Às psicopedagogas que atuam e às que passaram pelo Núcleo de Psicopedagogia,

agradecemos pelo empenho na superação da dificuldade de aprendizagem dos edu-candos, em especial Cristiane G. Nunes, que esteve presente na elaboração do projeto e em nossas primeiras ações. Ao educador Júlio Sacramento Cardoso, responsável pela criação da logomarca no Núcleo de psicopedagogia, que simboliza “um abraço à construção do conhecimento”, nossos agradecimentos, que estendemos a todos os educadores, subgerentes das Unidades, gerentes; enfim, a todos os profissionais que abraçaram o atendimento psicopedagógico e desenvolvem um trabalho de equipe em prol do desenvolvimento integral do educando. A todos os parceiros que conquista-mos ao longo dos anos o nosso “muito obrigada”:

Associação Brasileira de psicopedagogia- Seção Bahia, que desde o início vem nos apoiando, principalmente nas capacitações dos educadores e da equipe de psicope-dagogas ministradas pela presidente, Sra Débora Pereira; assim como pelos convites para apresentações de nossa experiência na Fundação Cidade Mãe no I e II Fóruns de Psicopedagogia do Nordeste;

Vereador Odiosvaldo Vigas, pelo movimento em prol da legalização da profissão em Sessão especial realizada na Câmara dos Vereadores de Salvador, na inserção da psicope-dagogia na rede municipal de ensino, e em publicações no Diário Oficial do Município divulgando a importância da psicopedagogia na luta para a redução do índice de repe-tência e de evasão escolar e pela busca de patriocínio para a edição do Livro.

Especial agradecimento ao Presidente da Assembleia Legislativa da Bahia, deputado Marcelo Nilo, pela viabilização da publicação deste livro.

A Secretaria Municipal de Educação, Cultura, Esporte e Lazer da Prefeitura de Sal-vador, Faculdade de Tecnologia e Ciências e demais Instituições que disponibilizam profissionais em capacitações que contribuem para o nosso crescimento profissional através de desenvolvimento de temas pertinentes às nossas ações.

Às instituições que ao longo dos anos vem recebendo nossos encaminhamentos para a realização de atendimento interdisciplinar tão pertinente e necessário.

Enfim, agradecemos de modo especial aos nossos educandos pela confiança. Vo-cês são: razão e motivação de nossas ações.

Maria de Fátima Barbosa PeixotoPsicopedagoga, Integrante da equipe idealizadora

e Coordenadora do Núcleo de Psicopedagogia

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Introdução

O presente o livro propõe apresentar ao leitor o trabalho desenvolvido pela Fun-dação Cidade Mãe nas comunidades da Cidade de Salvador (Roma, Saramandaia, Coutos, Pau da Lima, Canabrava, Bairro da Paz, dentre outras), através das ações de-senvolvidas pelo Núcleo de Psicopedagogia. Traz temas pertinentes à prática psicope-dagógica e da educação em geral, contribuindo para o estudo de técnicas de atuação, comportamentos e patologias que interferem na aprendizagem, questões que envol-vem família, escola e sociedade no processo de ensino-aprendizagem.

A Fundação Cidade Mãe – FCM foi criada no bojo da municipalização das políti-cas de atendimento à criança e ao adolescente, assumindo compromisso de seguir as determinações do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), através da lei nº 5045 de 17 de agosto de 1995, passando a ser uma entidade com personalidade jurídica de direito público, vinculada à Prefeitura Municipal de Salvador, através da Secretaria de Trabalho, Ação Social e Direitos do Cidadão, e que há 15 anos vem trabalhando para a superação do quadro de desigualdade social.

A Fundação compreende a criança e o adolescente como sujeitos de direitos, a educação como uma prática de liberdade, além do respeito à individualidade dos que

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são protagonistas e que estão em processo de desenvolvimento pleno da cidadania. Por ter como eixo principal a Formação para a Cidadania procura construir com

os educandos uma compreensão de si e de seu papel na sociedade, fortalecendo os vín-culos familiares e comunitários, através da sua proposta pedagógica que complementa a educação formal dos educandos.

A sua intervenção possui duas frentes de trabalho: política de proteção básica atendendo crianças e jovens de 08 a 23 anos e Política de Proteção Especial em Média e Alta Complexidade com crianças e adolescentes de 08 a 17 anos.

A intervenção preventiva ocorre fundamentalmente nas Empresas Educativas lo-calizadas em Saramandaia, Pau da Lima, Coutos, e Roma, e nas Unidades em Parceria do Bairro da Paz, Cristo é Vida, Canabrava e AABB Comunidade através de oficinas culturais, de caráter lúdico pedagógico, como artes visuais, dança, capoeira, esporte e lazer, música e teatro, além das oficinas de iniciação profissional - manutenção e operador de computador, mensageiro, costura industrial, horta /jardinagem, educação ambiental e assistente de cabeleireiro.

Já o trabalho na área de proteção especial acontece nas Casas de Acolhimento No-turno - Oxum e D. Timóteo, ambas destinadas a crianças e adolescentes em situação de rua; o Espaço Cidadania Solidária onde são encaminhados as crianças e os adoles-centes até 14 anos durante o dia com o intuito de desenvolverem atividades lúdicas pe-dagógicas onde se busca a reconstrução do vínculo familiar. Outro trabalho na citada área é realizado na Central de Medidas Socioeducativas em Meio Aberto para acolher e acompanhar adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de liberdade assistida, reparação de danos e prestação de serviços à comunidade.

Ainda na mesma linha de proteção especial a Fundação Cidade Mãe possui a Casa de Acolhimento Sam e Jô, que tem como objetivo assegurar às crianças e adolescentes do sexo feminino, vitimas de exploração sexual para fins de tráfico, maus tratos vio-lência doméstica, o acolhimento institucional provisório e a proteção necessária para a garantia dos direitos estabelecidos pelo ECA e nos princípios do Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária, e o Abrigo José Peroba que promove o acolhi-mento institucional de 40 crianças e adolescentes.

A Fundação Cidade Mãe pelo seu caráter inovador acreditou na proposta da cria-ção do Núcleo de Psicopedagogia, que, inicialmente, em 2005 implantou um projeto piloto na Parceria AABB Comunidade, para atender a demanda de educandos que apresentassem dificuldades de aprendizagem, propiciando diagnóstico e atendimento

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psicopedagógico com procedimentos individuais e/ou em grupo para crianças e ado-lescentes atendidas pela Instituição.

Vinculado a Gerencia de Programas e Projetos Especiais desde sua implantação o atendimento psicopedagogico vem apresentando resultados significativos, o que propiciou a ampliação do serviço de forma gradativa e a partir de 2008 encontra-se disponibilizado em todas as Unidades Educativas da Fundação Cidade Mãe, atenden-do 100% dos educandos encaminhados para o Núcleo de Psicopedagogia, totalizando assim, 8.404 atendimentos entre os anos de 2005 a 2009.

Dentre os principais objetivos do Núcleo de Psicopedagogia, destacamos:Realizar atendimento psicopedagogico, através de diagnóstico e tratamento de

problemas de aprendizagem e atraso escolar para as crianças e adolescentes; Despertar no educando o desejo e o prazer de aprender; Colaborar para a redução do índice de repetência e evasão escolar; Garantir a inserção social e o exercício da Cidadania aos educandos e seus familia-

res a partir de seu desenvolvimento cognitivo; Desenvolver trabalhos integrados que envolvam a família, a escola e a sociedade,

acerca de questões relevantes que permeiam a aprendizagem. Ao longo desse período o trabalho desenvolvido pelo Núcleo de Psicopegogia da

FCM vem mostrando a importância das ações desenvolvidas pela equipe e os avanços observados nos educandos através dos registros de acompanhamento psicopedagógi-co implantados nas Unidades. Isto posto, a equipe de profissionais do Núcleo sentiu-se motivada a sistematizar as experiências vividas em cada Unidade Educativa.

A apresentação dos artigos que compõem este Livro possui temas pertinentes à prática diária da psicopedagogia e relatos de experiências significativas, êxitos e os desafios enfrentados desde a implantação do Núcleo.

Ana Ariel Pereira NovaisMaria de Fátima Barbosa Peixoto

Meyre Russi Cardoso SoaresMaria Célia Couto Vigas

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Sumário

ATUAÇÃO PSICOPEDAGÓGICA E INSERÇÃO SOCIAL .....................................13 Flaviane Farias Sudário Pereira Mª de Fátima Barbosa Peixoto BRINCAR E APRENDER: DUAS ARTES, UM CAMINHO ....................................23 Ana Rita Santana de Araújo

CONTRIBUIÇÕES DA PSICOGÊNESE DA LÍNGUA ESCRITA PARA A PSICO PEDAGOGIA ...................................................................................................................29 Laudiceia Vaz de Queiroz

PSICOPEDAGOGIA: UMA ESCUTA AO JOVEM EM CUMPRIMENTO DE MEDIDA SOCIOEDUCATIVA ....................................................................................37 Edileide Maria Antonino da Silva

PSICOPEDAGOGIA “UMA VIA” PARA OS ADOLESCENTES EM CUMPRI MENTO DE MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS EM MEIO ABERTO....................47 Jucélia de Jesus Machado Layne Lisboa e Silva Rita Matos Sandra Carla O. Santos

UM OUTRO OLHAR: AFETIVIDADE E APRENDIZAGEM .............................55 Margareth S.Cerqueira

FAMÍLIA X ESCOLA ...................................................................................................63 Patrícia Rodrigues da Conceição

TERAPIA COMUNITÁRIA: INSTRUMENTO DA ESCUTA DA PSICOPEDA GOGIA ........................................................................................................................ 111 Edileide Maria Antonino da Silva Maria Célia Couto Vigas

TDAH, UM CASO DE CARÊNCIA DE ATENÇÃO ............................................. 121 Maria Jane Argolo C. Branco UM NOVO APRENDIZADO, UM OLHAR NEURODIDÁTICO ...................... 133 Lêda Lisboa Cosme

ATUAÇÃO PSICOPEDAGÓGICA E INSERÇÃO SOCIAL 1 BRINCAR E APRENDER: DUAS ARTES, UM CAMINHO 2 CONTRIBUIÇÕES DA PSICOGÊNESE DA LÍNGUA ESCRITA PARA A PSICO 3 PSICOPEDAGOGIA: UMA ESCUTA AO JOVEM EM CUMPRIMENTO DE 4 PSICOPEDAGOGIA “UMA VIA” PARA OS ADOLESCENTES EM CUMPRI 5

UM OUTRO OLHAR: AFETIVIDADE E APRENDIZAGEM 6 FAMÍLIA X ESCOLA 7 TERAPIA COMUNITÁRIA: INSTRUMENTO DA ESCUTA DA PSICOPEDA 8

TDAH, UM CASO DE CARÊNCIA DE ATENÇÃO 9 UM NOVO APRENDIZADO, UM OLHAR NEURODIDÁTICO10

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F u n d a ç ã o C i d a d e M ã e

Atuação psicopedagógicae inserção social 1

Flaviane Farias SudarioPereira 2

Maria de Fátima Barbosa Peixoto 3

1.1 - Primeiras palavras

A escrita deste artigo constitui uma iniciativa de reflexão sobre a atuação do psi-copedagogo em espaços de aprendizagem, cujo público alvo são jovens (crianças e adolescentes) em situação de risco pessoal e social. Neste texto, compreende-se que é impreterível que a práxis psicopedagógica com jovens em situação de vulnerabilidade, tenha como eixo principal a formação para a cidadania plena. Posto isto, cabe a inda-gação: Como a psicopedagogia pode ser um efetivo instrumento de inserção social, garantindo a estes jovens, a autoestima, a alegria, o gosto ou o desejo pela aprendiza-gem? Na tentativa de obter uma resposta, no decorrer deste artigo realizar-se-á uma síntese acerca da experiência do Núcleo de Psicopedagogia da Fundação Cidade Mãe.

O Núcleo de Psicopedagogia como ampliação das ações da Fundação Cidade Mãe, surge para atender à demanda de dificuldade de aprendizagem, realidade de parte significativa dos educandos, propiciando diagnóstico e atendimento psicopedagógico com procedimentos próprios desta área de conhecimento, de modo individual e/ ou em grupo para crianças e adolescentes atendidas pela Instituição.

Historicamente o ensino de qualidade e o conseqüente sucesso escolar sempre foi privilégio de poucos em detrimento da maioria da população. Diante deste fato, neste texto, parte-se do pressuposto de que a psicopedagogia é uma área de estudo atual e necessária para o enfrentamento da inclusão perversa disfarçada sob o discurso da universalização do ensino e da educação para todos.

1

1 Artigo apresentado ao Núcleo de Psicopedagogia da Fundação Cidade Mãe no ano de 2010.2 Pedagoga (UCSAL), psicopedagoga (UFBA), mestranda educação (UFBA) e professora da SECULT.3 Socióloga (UFBA), psicopedagoga (UFBA), Coordenadora do Núcleo de Psicopedagogia da Fundação Cidade Mãe e professora da SEC.

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As políticas educacionais têm se voltado para a ampliação da oferta escolar. Schilling (2009, p.9) afirma que “[...] conseguimos nestes últimos anos, pela primeira vez em nossa história, que praticamente todas as crianças sejam acolhidas no ensino fundamental”. Portanto, o acesso ao ensino, é um fato indubitável e, sobretudo condi-zente com o discurso democrático; contudo, cabe averiguar sob quais condições este acesso tem sido ofertado, haja vista que também é fato que a conjuntura atual apre-senta uma vasta demanda de sujeitos implicados com o baixo rendimento escolar. De acordo com as estatísticas divulgadas pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica):

[…] observa-se que ainda há um percentual considerável de crianças com defasagem de aprendizado para a idade. Por exemplo, a idade adequada para a alfabetização é em torno de 6 anos, porém 7,8% das crianças chegam aos 9 anos de idade sem saber ler e escrever [...] em termos absolutos, havia cerca de 270 mil crianças nesta situação. Mais da metade delas, cerca de 167 mil residia na região Nordeste, onde o percentual de crianças analfabetas é bastante alto, 15,8%. (INDICADORES SOCIAIS, 2009, p.138)

Conforme a síntese dos Indicadores Sociais divulgada pelo IBGE no ano de 2009, há 2,1 milhões de crianças que não sabem ler, e, desse total, quase 90% estão na esco-la. A maioria dos estudantes atendidos pelo Núcleo de Psicopedagogia da Fundação Cidade Mãe, integra, ainda, este percentual. Muitos vivenciam carências sócio-econô-micas, residem com a família e estão matriculados na escola.

O exercício de pensar sobre o trabalho psicopedagógico voltado para o atendimen-to do “sujeito” que vivencia situações adversas e coexistentes ao processo de aquisição do conhecimento requer conceituar e situar a psicopedagogia enquanto saber científi-co; nesta trilha, respaldadas em estudiosos da área, como por exemplo, BOMBONAT-TO (2008), BOSSA (2000), PARENTE (2000), nas linhas subseqüentes discorreremos, de forma sucinta, sobre a origem desta área de estudo.

1.2 - Em busca de um conceito e de um lugar

A Psicopedagogia é uma área de conhecimento recente voltada para o atendimento de crianças/ adolescentes (e por que não adultos?), que por razões diversas, apresen-tam dificuldades na aprendizagem.

Recente no país, a Psicopedagogia completa a terceira década de existência

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no Brasil e sexta na Europa, mas continua em busca de identidade, em meio a discussões, entrelançando teoria e prática para lidar com o ato de apren-der. (BOMBONATTO, 2008, p. 70)

A priore, esta área de conhecimento, surge marcada por um olhar organicista e “patologizante” acerca da dificuldade de aprendizagem, com o objetivo de “reeducar” as crianças “ditas deficientes”. Posteriormente, passou a focar nas variáveis (meio so-cial, fatores psíquicos, etc) que interferem no processo de aprendizagem. A partir deste foco, primordial passou a ser a investigação da etiologia dos problemas de aprendi-zagem, dos fatores implícitos e explícitos vinculados a este processo. Desta forma, o espaço de atuação do psicopedagogo, que no princípio limitava-se às clínicas, se “es-tendeu” às instituições escolares.

De acordo com pesquisa bibliográfica sobre o histórico evolutivo da psicopeda-gogia, a mesma “nasce” no continente Europeu, na França, precisamente no século XIX. Conforme Bossa (2000), as práticas psicopedagógicas iniciais foram realizadas por uma equipe multidisciplinar, composta por médicos, psicólogos, psicanalistas e pedagogos. Esta atuação se expandiu por diferentes países, chegando à Argentina, tornando-se neste país uma atividade bastante conhecida e exercida, também, na rede pública de ensino.

Sob a influência do país latino-americano supracitado, a Psicopedagogia surge no Brasil, por volta de 1970;

No final da década de 70 e inicio da de 80, a Psicopedagogia importada da Argentina [...] se apresenta como resposta aos anseios de profissionais que buscavam estabelecer pontes entre as vertentes de formação e atuação, nos campos da Educação, da Psicologia e da Psicanálise. (PARENTE, 2000, p.20)

Na década de 80 foi criada a Associação Brasileira de Psicopedagogia (ABPp), com sede em São Paulo; e atualmente, o desafio da Psicopedagogia no Brasil é concluir o processo de regulamentação da profissão e ampliar seu espaço de atendimento.

Tratando-se de um campo de estudo em vias de reconhecimento legal; porém reco-nhecida pela sociedade brasileira; tornou-se impreterível que o psicopedagogo susten-te e exerça sua práxis de forma eficiente no que se refere à minimização e/ou superação das dificuldades que o ser humano apresenta durante a aprendizagem na sua trajetória de vida e em qualquer situação, posto que:

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Apesar de não ser uma profissão regulamentada no Brasil, a Psicopedagogia foi legitimada por diversos setores da sociedade, sendo aceita por segmen-tos que compõem a educação básica e trouxe como conseqüência a amplia-ção de seu alcance social. (BOMBONATTO, 2008, p. 73)

Retomando a questão reflexiva proposta inicialmente, pode-se responder que o psicopedagogo contribui para a inserção social dos jovens em situação de risco pessoal e social ao trabalhar com as habilidades apresentadas pelos mesmos e ao possibilitar o reconhecimento do potencial que eles possuem, mas que muitas vezes foram negli-genciados nos mais diversos ambientes, como por exemplo, na escola, no bairro, na família, etc. Vejamos a seguir, uma síntese de como esta contribuição ocorre a partir do atendimento realizado pelo Núcleo de Psicopedagogia da Fundação Cidade Mãe.

1.3 - Abrangência e limites do atendimento psicopedagógico na Fundação Cidade Mãe (FCM).

Os contextos de atuação do psicopedagogo são amplos... O mesmo pode exercer uma práxis preventiva, clínica e ainda como pesquisador. A ação preventiva tem lugar garantido nas Instituições de ensino; a clínica por sua vez foca no aspecto “curativo” e enquanto pesquisador contribuirá para o reconhecimento da profissão. Os ambientes podem ser além da escola, um hospital, uma empresa, um espaço dialógico; no nosso caso é a Fundação Cidade Mãe, a partir da implantação do Núcleo de Psicopedagogia no ano de 2005.

Criada no bojo da municipalização das ações políticas de atendimento à criança e ao adolescente, assumindo o compromisso de seguir as determinações do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, a FCM ao longo de sua história tem desenvolvido uma ação educativa voltada para o atendimento de crianças e adolescentes que se en-contram em vulnerabilidade social; seu objetivo é possibilitar a promoção do exercício pleno da cidadania. Nessa perspectiva o Núcleo de Psicopedagogia, surgiu com o pro-pósito de contribuir com o desenvolvimento integral destes jovens.

O trabalho realizado pelo Núcleo de Psicopedagogia fundamenta-se nos estudos dos teóricos, Piaget, Wallon, Vygotsky, entre outros, que contribuem primordialmente para a compreensão dos problemas de aprendizagem. Piaget, biólogo de formação e psicólogo que estudou o desenvolvimento cognitivo, oferece instrumentos que ajudam a compreender não apenas o desenvolvimento da inteligência mas, também o compor-

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tamento e a personalidade do sujeito. Vygotsky, psicólogo russo, elaborou uma teoria do desenvolvimento intelectual,

sustentando que todo o conhecimento é construído socialmente no âmbito das rela-ções humanas. O médico/psicólogo Henri Wallon, por sua vez, contribue com sua ên-fase no papel da emoção no desenvolvimento do sujeito e propõe o desenvolvimento intelectual dentro de uma cultura mais humanizada; o mesmo percebe a pessoa como um todo e considera os aspectos emocionais no ambiente escolar.

As crianças e adolescentes que são atendidos pelo Núcleo de Psicopedagogia, na sua grande maioria, são jovens que tem os aspectos emocionais comprometidos, a au-to-estima baixa e que não são acolhidos pela instituição familiar nem tampouco pela instituição escolar. São sujeitos que vivem em situação financeira desfavorável, com uma alimentação inadequada e desprovida de direitos básicos, como por exemplo: a saúde, ao lazer, ao ensino de qualidade, entre outros. Em contrapartida, esses jovens, encontram-se inseridos num universo marginalizado que os tornam vulneráveis à cri-minalidade e à inserção no mundo do consumo e/ou do tráfico de drogas.

Tendo em vista o contexto social descrito acima; o Núcleo de atendimento psi-copedagógico entende que há um desafio a ser alcançado: ser efetivo instrumento de inserção social. Numa perspectiva walloniana, o Núcleo utiliza a afetividade como re-curso de aproximação e mediação; desta forma contribui para o desenvolvimento do aprendizado e auxilia no que diz respeito aos aspectos emocionais e cognitivos.

Vale salientar que, o exercício de aproximação e mediação entre os sujeitos (psi-copedagogo x sujeito-aprendente) é permeado, inicialmente, por muita rigidez e pelo sintoma “não preciso estar aqui”... Contudo, no transcorrer das sessões, percebe-se a diluição da resistência inicial por parte do sujeito em atendimento e uma conseqüente elevação da autoestima. A respeito deste fato, COVRE (2007) compartilha:

De forma parecida, na clinica do social encontro a mesma rigidez a ser elaborada. Inúmeros adolescente desvalidos, quando “fogem”, dizem: não preciso do abrigo, da oficina, contudo depois de horas ou dias, geralmen-te regressam ao abrigo, pedindo para ficar. Eles têm de “suportar” alguma “família”, precisam de um Outro para se refletir (e ser olhado). Precisam outrar-se para existir (...) Existimos, lembrando Freud e Lacan, pelo desejo do Outro. [...] (COVRE, 2007, p. 51)

Durante a prática psicopedagógica, outro recurso relevante é a escuta sensível, pois é neste momento que é possível perceber as demandas e os entraves apresentados pelo

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sujeito. A psicopedagogia absorve da psicanálise a modalidade da escuta porque com-preende que o discurso do sujeito pode revelar a sua verdade, a sua subjetividade, o que lhe falta e, sobretudo a sua querência4 . Neste percurso, compreendemos que:

A interpretação do discurso não pode ser feita sem levar em conta o nível da realidade, pois é a realidade é a prova; sem levar em conta a dimensão do desejo, que é a sua aposta; sem levar em conta sua modalidade simbólica, que lhe dará sua paixão” (PAÍN, apud FERNANDEZ, 1991, p.233)

A utilização dos jogos, da mesma forma que a escuta mencionada, é um instru-mento que ajuda no enfrentamento das dificuldades, possibilitando novos conheci-mentos e o desenvolvimento de diversas habilidades. Durante o manejo deste recurso, é oportuno ressaltar que:

A maneira como uma criança brinca ou desenha reflete sua forma de pensar e sentir [...] mostrando, quando temos olhos para ver, como está se orga-nizando frente a realidade, construindo sua história de vida, conseguindo interagir com as pessoas e situações de modo geral. A ação da criança ou de qualquer pessoa reflete enfim sua estruturação mental,o nível de seu desen-volvimento cognitivo e efetivo emocional. (OLIVEIRA, BOSSA, 1994, p.23)

O momento do jogo permite desenvolver no sujeito o pensamento lógico formal, trabalhar a ansiedade, desenvolver a autonomia, aprimorar a coordenação motora, au-mentar a atenção e a concentração, desenvolver a criatividade, compreender noções de limites, a compreensão no que concerne ao respeito, à ética, etc.

A hora do jogo psicopedagógica supera a dicotomia testes projetivos – testes de inteligência, e principalmente ajuda a observar em seu operar, aqueles aspectos que tradicionalmente foram estudados de forma isolada e somente em seus produtos (através dos testes de performance, de psicomotricidade, de maturidade visomotora, de dominância lateral, etc.). A hora do jogo per-mite observar a dinâmica da aprendizagem. (FERNÁNDEZ, 1991, p 168).

As crianças e adolescentes que são atendidos pelo Núcleo de Psicopedagogia da Fundação Cidade Mãe, à medida que vivencia situações de aprendizagem significa-tivas revelam seu potencial intelectual, bem como as dificuldades que se apresentam no seu processo de ensino-aprendizagem... É neste revelar e neste desnudar que os

Esta terminologia foi empregada no sentido de elucidar que os jovens que atendemos, como todos os outros, também querem... Querem um ensino de qualidade, atenção, acolhimento, oportunidades iguais... Enfim, querem ser cidadãos

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mesmos são estimulados, reconhecidos, acolhidos e desta forma elevam a autoestima, o desejo e o prazer pelo aprender.

Através dos jogos, do desenho, da escuta, entre outros recursos, os jovens eviden-ciam as suas experiências, relatam o seu contexto, falam de si. Utilizando-se dos re-cursos supracitados, o psicopedagogo elabora hipóteses acerca das possíveis causas concernentes às dificuldades de aprendizagem, bem como planeja estratégias de inter-venção. Neste viés, o mesmo apresenta outros caminhos possíveis a serem seguidos e outras experiências a serem vivenciadas pelos jovens; para tanto, a atuação psicope-dagógica precisa ser, sempre, bem direcionada no sentido de contribuir para que cada um, a partir de suas especificidades, aprenda a aprender, aprenda a ser, a conhecer, a fazer, a conviver e desenvolva a sua autonomia.

A prática psicopedagógica exige do profissional conhecimento interdisciplinar que possibilite compreender as particularidades do aprender e do desenvolvimento inte-gral do sujeito. Dada à amplitude de seu quadro teórico, a Psicopedagogia uma vez fundamentada em áreas como a Medicina, Pedagogia, Fonoaudiologia, Neurologia, Psicologia, Psicanálise, dentre outras, apresenta um corpo teórico específico fortifi-cado e articulado que possibilita compreender como as pessoas aprendem diante das experiências vivenciadas no seu cotidiano.

Ciente de seus limites de atuação, atentando para uma práxis em parceria com ou-tros profissionais, realizando os devidos encaminhamentos que se fizerem necessários, o psicopedagogo deve ser um profissional habilitado para atuar junto à aprendiza-gem humana, observando as dimensões (desiderativa, heurística, relacional, cogni-tiva, dentre outras) do sujeito aprendente; entretanto, tratando-se da experiência na instituição mencionada (FCM), uma das principais dificuldades perpassa pela ine-xistência de uma rede devidamente estruturada para realização de um atendimento interdisciplinar.

Um dos cruciais problemas para a prática psicopedagógica voltada para o atendi-mento de jovens em situação de risco pessoal e social, tem sido a negligência da famí-lia e da escola, bem como o fato de ambas não terem urgência em sanar o problema diagnosticado. Diante disto, o nosso atendimento não se limita a apontar a causa ou as causas capazes de justificar a não aprendizagem; corroborando Fernández (1991, p. 39), “o que tentamos encontrar é a relação particular do sujeito com o conhecimento e o significado do aprender”. Assim, em todo momento, valendo-se da ética, atentamos para não rotular no sujeito em atendimento, problemas que podem ser da escola ou

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da própria família.Diante do exposto, compreende-se, que a psicopedagogia, enquanto instrumento

efetivo de inserção social precisa exercer uma práxis em parceria com as mais diversas áreas do conhecimento e que é impreterível a existência de uma rede de profissionais que compartilham com a idéia de que:

O aluno que não consegue aprender é a singularidade que cobra um espaço de realização que lhe foi negado, ou rejeita o lugar de “fracasso” que lhe foi dado. É aquele que denuncia uma exclusão na escola-reflexo, muitas vezes, da exclusão que também sofre na sociedade – ou a sua inclusão nesse lugar de fracasso. Sua singularidade é, pois, o resultado de uma história de exclu-são/inclusão, que marca a sua trajetória de “ser social”, que não está desatre-lada de sua trajetória enquanto “sujeito”. (SOARES, 1999. p.20)

Neste itinerário, o psicopedagogo ao lidar com o sujeito aprendente, utiliza-se do olhar e da escuta clínica, possibilitando a conscientização de que diversas questões estão implícitas no não aprender, reconhecendo o jovem em situação de risco social e pessoal como um sujeito biopsicossocial marcado por uma falta.

1.4 - Considerações finais

Sabe-se que hoje, a Psicopedagogia vem construindo seu corpo teórico principal-mente por meio da integração entre Psicanálise e Epistemologia Genética, que tentam explicar os problemas de aprendizagem que podem surgir no decorrer da trajetória escolar de uma criança.

Ao refletir sobre o desenvolvimento cognitivo e a construção do conhecimento, detectando o que pode estar ocorrendo com o sujeito aprendente de uma maneira mais profunda e singular, objetivando alcançar o cerne das questões que, por ventura venham impossibilitar a sua aprendizagem; a psicopedagogia ao longo de sua história tem se fortalecido com o desafio de aprimorar sua atuação e de ampliar seu atendi-mento em progressão exponencial.

A busca pelas causas do não aprender e da forma como cada sujeito aprende é o caminho percorrido pela psicopedagogia para, através da mediação possibilitar que os sujeitos em processo de aprendizagem possam transpor os limites que os rodeiam, ao favorecer a construção de habilidades que propiciam a superação de limites, sejam de ordem cognitivo, emocional, familiar ou educacional. Posto que, ao desencadear o

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desenvolvimento da autonomia, da criatividade/curiosidade e principalmente ao des-pertar o desejo em aprender e a elevação autoestima os alunos trilharão caminhos com menos dificuldades em questões relacionadas à aprendizagem como em qualquer tipo de atividade.

Em última instância, esse artigo não pretendeu encerrar uma discussão sobre o tema aqui discorrido,nem tampouco apontar situações determinantes do problema de aprendizagem, mas objetivou contribuir para uma reflexão em torno da atuação psicopedagógica compromissada com o exercício da aprendizagem consciente e do desenvolvimento do sujeito como um todo, em todas as suas dimensões e relações sociais, sobretudo daqueles em situações de risco social e pessoal.

1,5 - Referências

ALVES, Maria Dolores Fortes; BOSSA, Nádia. Psicopedagogia: em busca do sujeito autor. Disponível em: <http://www.psicopedagogia.com.br/artigos/artigo.asp?entrID=809> Acesso em Mar. 2010.

BOMBONATTO, Quézia. O que está por vir: Revista Ciência e vida: Psique edição especial. São Paulo. n 2, p. 68-74. Ed. Escala. 2008.

BOSSA, Nádia. A. A psicopedagogia no Brasil: contribuições a partir da prática. 2 ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000.

COVRE, Maria de Lourdes Manzini. Aprendizagem/Formação, narcisismo e cida-dania-em-constituição. In: PINTO, Silvia Amaral de Mello. (Coord.). Psicopedagogia Um portal para a inserção social. 3 ed. Petrópolis. RJ: Vozes, 2007, p. 49 – 56.

FERNÁNDEZ, Alicia. A Inteligência aprisionada. Trad. Iara Rodrigues. Porto Ale-gre: Artes Médicas, 1991.

OLIVEIRA, Vera Barros.; BOSSA, Nádia. (Orgs.). Avaliação psicopedagógica da criança de zero a seis anos. Petrópolis: Vozes, 1994.

PARENTE, Sônia Maria B. A. Pelos Caminhos da Ignorância e do conhecimento: Fundamentação Teórica da Prática Clínica dos Problemas de Aprendizagem.São Pau-

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lo: Casa do Psicólogo, 2000.

SOARES, Jacy. O avesso da pedagogia: retomando o discurso da subjetividade pela via da psicanálise. Salvador, EDUFBA, 1999.

SCHILLING, Flávia. Indisciplina, violência: debates e desafios. Revista educação: violência e indisciplina. São Paulo. n. 1, p. 6-17. Ed. Segmento. 2009.

Síntese de indicadores sociais: Uma análise das condições de vida da população brasileira 2009. IBGE. Disponível em < http://oglobo.globo.com/pais/arquivos/indi-casociais2009.pdf> acesso em Abr. 2010.

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Brincar e aprender: Duas artes, um caminho

Ana Rita Santana de Araújo 1

Brincar é um hábito saudável, e aprender, um ato necessário. Desde a mais tenra idade, a criança brinca e aprende, e o lúdico, que faz parte das atividades essenciais da dinâmica humana, estará presente em todas as fases do seu processo de desenvolvi-mento, contribuindo na construção de novos saberes.

A expressão lúdico tem sua origem na palavra latina ludus, que significa jogo. A infância é a fase em que a criança apresenta necessidade de se movimentar, de brincar, de competir. É brincando que ela se diverte, constrói seu conhecimento e aprende a se relacionar com outras pessoas. Através das brincadeiras, desenvolve-se o senso de companheirismo, pois quando a criança tem contato com o meio, a aprendizagem torna-se algo mais prazeroso e significativo. Segundo Maluf (2009, p.8), brincando individualmente ou em grupos, vivemos experiências que enriquecem a nossa socia-bilidade e a nossa capacidade de nos tornarmos mais criativos.

O jogo é uma das mais importantes atividades da infância, pois a criança necessita brincar, jogar, criar e inventar para manter seu equilíbrio com o mundo. Segundo Pia-get (1967), citado por Campos (2006).

...o jogo não pode ser visto apenas como divertimento ou brincadeira para desgastar energia, pois ele favorece o desenvolvimento físico, cognitivo, afe-tivo e moral. Através dele se processa a construção de conhecimento, prin-cipalmente nos períodos sensório-motor e pré-operatório.

Piaget (1945) também afirma que, durante o processo de desenvolvimento da criança, são construídas quatro estruturas de jogos: a de exercício, de regras, simbóli-

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1 Pedagoga formada pela Universidade Federal da Bahia – UFBA, com especialização em Psicopedagogia Clínica - Faculdade Internacional de Curitiba- FACINTER, e Gestão Educacional - Universidade Salvador – UNIFACS, Gestora da Rede Municipal de Salvador; Psicopedagoga da Fundação Cidade Mãe.

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co e de construção. Assim, a criança aprende a conviver, a ganhar e a perder, a esperar a vez, elevando a autoestima, desenvolvendo relações de confiança consigo mesmo e com os outros, motivando assim seu desejo de aprender.

As brincadeiras e os jogos despertam a atenção e a curiosidade, e é muito bom quando estes brinquedos podem explorar mais que o lazer, sendo elementos enrique-cedores na promoção da aprendizagem, pois é no jogo que a criança encontra apoio para superar possíveis dificuldades para aprender. Quando joga, além do sentimento de alegria e motivação, ela exercita sua coordenação motora por controlar simulta-neamente movimentos manuais e visuais; tem estimulado o seu crescimento, o de-senvolvimento da fala e da escrita, a organização do pensamento, o levantamento de hipóteses nos lances ou jogadas, potencializando sua percepção que, por conseqüên-cia, a auxilia na superação de obstáculos tanto cognitivos quanto emocionais, além de propiciar um ambiente agradável, envolvente e de descontração.

A criança está o tempo todo aprendendo e a aprendizagem resulta da interação entre estruturas e o meio que necessita ser compreendido. Nas atividades lúdicas, a criança constrói relações e esquemas que permanecem além do prazer que esta apren-dizagem possa proporcionar. Sabendo que toda criança gosta de brincar, no âmbito educacional o lúdico tem se apresentado como um dos recursos metodológicos bas-tante utilizados pelos professores como facilitador do processo ensino-aprendizagem. Os métodos tradicionais estão cada vez menos atraentes, e sendo a escola a instituição responsável direta pela educação formal, esta deve ser para o educando um espaço agradável, alegre, impulsionador da interatividade, do diálogo aberto e, enfim, um lu-gar cuja intenção seja motivá-lo ao aprendizado.

A nova geração de educandos sente a necessidade de participar, questionar e atuar mais como seres que precisam desenvolver suas potencialidades; não aceita passiva-mente e sente-se incomodada com aulas meramente expositivas e com conteúdos de-sarticulados. Pensar uma prática pedagógica a partir de atividades lúdicas nos conduz a pensar em transformações efetivas nesse contexto, considerando que esse instru-mento viabiliza e favorece a aquisição do conhecimento em perspectivas e dimensões que perpassam o desenvolvimento do educando na promoção da aprendizagem.

A educação pela via da ludicidade propõe-se a uma nova postura existen-cial, cujo paradigma é um novo sistema de aprender brincando inspirado numa concepção de educação para além da instrução (SANTOS, 2001, p. 53) .

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Segundo Lopes (2005, p 23), é muito mais fácil e eficiente aprender por meio de jogos, desde o maternal até a fase adulta. O jogo em si já possui componentes do co-tidiano e o envolvimento desperta o interesse do aprendiz, que se torna sujeito ativo do processo. Brincando e jogando, a criança aplica seus esquemas mentais à realidade que a cerca, aprendendo-a e assimilando-a. Maluf (2009, p.11) afirma que as brinca-deiras proporcionam converter crianças em adultos maduros, com grande imaginação e autoconfiança.

2.2 - O jogo como recurso didático

Aprender brincando deveria ser uma proposta de todos aqueles que adotam di-nâmicas como estratégia para tornar mais interessante e significativa a sua forma de ensinar. É importante que o espaço de aprendizagem seja de desenvolvimento da cria-tividade, responsabilidade, senso crítico e autonomia. Embora o jogo seja um recurso didático importante e indispensável no processo de ensino-aprendizagem, cabe a res-salva que este não deve ser o único nem ter um fim em si mesmo, pois a boa apren-dizagem se dá em um ambiente onde há iniciativa, discussão, troca de experiências e socialização do conhecimento.

Além das atividades comuns previamente planejadas pelo professor para sua ro-tina diária em sala de aula, o jogo se apresenta como mais um dos instrumentos de trabalho na promoção desse processo. Todavia, é preciso que haja uma definição e uma experienciação antecipada por ele de qual jogo será adotado, quando será utiliza-do e que objetivo deseja atingir na aplicação de tal recurso, pois todo jogo tem como característica principal o desafio e assim sendo, este deve ser instigado a fim de desen-volver nos educandos várias de suas habilidades, elevando o interesse, o entusiasmo, a participação e, sobretudo, o aprendizado, não esquecendo que o lúdico além de ser uma importante ferramenta de progresso pessoal é também de alcance de objetivos institucionais.

2.3 - A pedagogia da fundação cidade mãe

A proposta sócio-educativa da Fundação Cidade Mãe, dentre muitas de suas ações voltadas para atender crianças e adolescentes em vulnerabilidade social, visa a oferecer oficinas culturais e cursos profissionalizantes que promovam, dentre outros objetivos,

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o desenvolvimento físico, cultural e educacional à comunidade assistida.Os educandos matriculados nas oficinas culturais de artes, de dança, teatro, espor-

te, capoeira entre outras também recebem apoio pedagógico nas áreas do conhecimen-to de Língua Portuguesa e Matemática, na FCM denominadas aulas de Comunicação, Números e Cálculos. As atividades realizadas neste apoio apresentam-se diferentes daquelas comumente desenvolvidas em sala de aula das escolas formais. A prática pe-dagógica aplicada baseia-se na utilização de dinâmicas, atividades lúdicas com jogos, músicas e brincadeiras que estimulam a integração, socialização e a aprendizagem de forma prazerosa. É importante ressaltar as mudanças significativas no processo de construção do conhecimento dos educandos quando descobrem potencialidades até então ainda não despertadas.

Além dessas ações e, buscando construir uma equipe multidisciplinar que acolha, eleve a auto-estima e ofereça condições de melhoria no desenvolvimento cognitivo e intelectual desses educandos, a FCM tem constituído um núcleo de psicopedagogia que atua nas empresas educativas e nas casas de acolhimento. A prática psicopedagógi-ca aplicada tem auxiliado crianças e adolescentes a superarem suas dificuldades, viabi-lizando e otimizando o processo de aprendizagem. As atividades realizadas nas sessões de atendimento, tanto no processo de avaliação quanto na intervenção, utilizam-se de jogos educativos que atraem e despertam o interesse, a atenção e a participação indivi-dual e/ou em grupos dos educandos da instituição.

A adoção dos jogos educativos dá-se através do diagnóstico realizado de cada edu-cando. Tendo-se conhecimento da dificuldade apresentada em cada um deles, faz--se a seleção do jogo que melhor contribua na superação do problema diagnosticado. É interessante dizer que muitas dessas dificuldades estão diretamente relacionadas à construção das habilidades básicas ainda não bem desenvolvidas no processo de edu-cação formal.

Visando a aprimorar e enriquecer a qualidade dos atendimentos prestados, a FCM está implantando brinquedotecas em suas unidades educativas que muito auxiliarão nos trabalhos educacionais oferecidos. É notório que os jogos clássicos como dominó, dama, ludo, trilha, quebra-cabeça, lego, da memória, senha, entre outros, aguçam a curiosidade, a competitividade, a percepção, a coordenação motora, o desafio, o ra-ciocínio lógico e rápido dentre outros aspectos e, assim sendo, contribui no processo de construção de uma aprendizagem que se torna mais significativa quando alicerçada em atividades lúdicas e prazerosas. Os jogos de regras, por exemplo, são excelentes

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aliados da aprendizagem matemática. Segundo Macedo (1997, p 134), o jogo de regras possibilita à criança construir relações quantitativas ou lógicas: aprender a raciocinar, a demonstrar e a questionar o como e o porquê dos erros e acertos.

Embora os jogos didáticos inventados sejam bastante utilizados, criar e confec-cionar jogos também aparece como ações desafiadoras e com caráter positivo para os educandos. Essa prática vem sendo difundida entre profissionais de educação e tem trazido resultados satisfatórios.

“Os professores precisam estar cientes de que a brincadeira é necessária e que traz enormes contribuições para o desenvolvimento da habilidade de aprender e pensar”. ( CAMPOS, 2006 ). A ludicidade caminha de forma gradativa para um dia, possi-velmente, consolidar-se como uma metodologia coadjuvante para a prática educativa docente em todos os níveis e modalidades de ensino.

2.4 - Considerações finais

Considerando que cada ser humano tem o seu tempo e ritmo próprios de apren-dizagem e que nem toda dificuldade apresentada para aprender pode ser classificada como distúrbio, a psicopedagogia irá diagnosticar quais problemas estão contribuindo no baixo desempenho escolar do educando, impedindo que o seu processo de apren-dizagem se desenvolva de maneira efetiva.

Muitos são os fatores que contribuem no processo de construção do conhecimen-to. Em alguns casos as dificuldades de aprendizagem diagnosticadas estão relaciona-das às habilidades básicas de leitura, escrita e cálculo. Nesses casos, a psicopedagogia, através da realização de atividades e utilização de instrumentos variados, trabalha as habilidades que precisam ser desenvolvidas. Todos os recursos disponíveis que auxi-liem na elevação do desempenho escolar são essencialmente importantes e, sabendo--se que a criança aprende mais e melhor quando o ambiente é prazeroso e favorável, as dinâmicas, as brincadeiras, as músicas, os brinquedos e os jogos aparecem como instrumentos facilitadores dessa aprendizagem.

Nas sessões de atendimentos psicopedagógicos da FCM, a utilização de jogos sem-pre se apresenta como principal atrativo para os educandos. Em todos os casos se observa a elevação do grau de atenção e de concentração; estabelece-se uma interação e integração mais efetiva entre os participantes e, principalmente estimula o desen-volvimento do raciocínio lógico, rápido e dinâmico, implicando numa aprendizagem

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prazerosa e mais significativa.Nesse contexto, faz-se interessante ressaltar o quão é indispensável a utilização de

recursos ludodidáticos enquanto ferramenta importante no processo de aprendiza-gem, sobretudo no ambiente escolar, quando este apresenta-se para o sujeito como um espaço interativo imprescindível para o seu crescimento intelectual e social

2.5 - Referências

CAMPOS, Maria Célia Rabello Malta. A importância do jogo no processo de aprendizagem. Disponível em: http://www.psicopedagogia.com.br/entrevistas/entre-vista.asp. Acesso no dia 20 de fevereiro de 2006.

LOPES, Maria da Glória. Jogos na educação: criar, fazer, jogar. 6a. ed. São Paulo, Cortez, 2005

MACEDO, Lino de. Quatro cores, senha e dominó: oficina em uma perspectiva construtivista e psicopedagógica. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1997

MALUF, Ângela Cristina Munhoz. Brincadeira para sala de aula. 8a. Ed., Rio de Janeiro: Vozes, 2009

SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal,5a Ed. Rio de Janeiro: Record,2001.

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3 Contribuições da psicogênese da língua escrita para a psicopedagogia

Laudiceia Vaz de Queiroz

3.1 - Introdução

Atuando como Psicopedagoga na Fundação Cidade Mãe, não diferente da situação atual da educação do nosso país, nos deparamos com jovens com defasagem idade/sé-rie, em séries que não correspondem ao conhecimento que deveriam ter construído. A maioria deles tem extrema dificuldade no processo de aquisição da leitura e da escrita e, por isso, muitos são acompanhados psicopedagogicamente.

A partir da teoria de Emília Ferreiro , passamos a compreender melhor esses jo-vens, desse modo intervindo de forma mais eficiente. Antes, porém, de discorrer um pouco sobre a sua teoria, Psicogênese da Língua Escrita, e relatar um dos casos em que ela foi de extrema importância, farei um breve passeio na história da alfabetização brasileira para que nos situemos no contexto de quando essa teoria começou a ser aplicada em nosso país.

Segundo a análise de Mortatti , as décadas finais do século XIX foram divididas em quatro períodos, caracterizados pela disputa da hegemonia de determinados métodos de alfabetização; e, por causa dessas disputas, a cada período existiu uma nova tradi-ção sobre ensinar a ler e escrever conforme a seguir é descrito.

1º período - A metodização do ensino da leitura -- compreendido entre 1876 e

1 Pedagoga formada pela UCSAL, com especialização em Psicopedagogia Clínica e institucional - UNEB, 2007, Pesquisadora do LEG (Laboratório de Epistemologia Genética) UFBA.2 Emilia Ferreiro nasceu na Argentina em 1936. Doutorou-se na Universidade de Genebra, sob orientação do biólogo Jean Piaget, cujo trabalho de epistemologia genética (uma teoria do conhecimento centrada no desenvolvimento natural da criança) ela continuou, estudando um campo que o mestre não havia explorado: a escrita. A partir de 1974, Emilia desenvolveu na Universidade de Buenos Aires uma série de experimentos com crianças que deu origem às conclusões apresentadas em Psicogênese da Língua Escrita, assinado em parceria com a pedagoga espanhola Ana Teberosky e publicado em 1979. Ferreiro é hoje professora titular do Centro de Investigação e Estudos Avançados do Instituto Politécnico Nacional, da Cidade do México, onde mora. 3 MORTATTI, Maria do Rosário Longo. Os sentidos da alfabetização: (São Paulo / 1876-1994)

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1890 -- o centro da discussão eram os métodos sintéticos e analíticos e a eles eram atribuídos o sucesso ou fracasso da alfabetização.

2º período - A institucionalização do método analítico, compreendido entre 1890 a 1910. Este método alcança o nível das normatizações, devido à urgência de alfabeti-zar a população brasileira na recente República. Querelas sobre um consenso do méto-do analítico contribuíram para uma nova tradição que passou a considerar tal método como “a nova bússola” para o ensino da leitura e da escrita.

3º período - A alfabetização sob medida – compreendido entre 1890 e 1970. Neste período, temos a grande Contribuição de Lourenço Filho, que traz uma nova forma de ver o sujeito no processo de aprendizagem a partir de novas bases psicológicas, afirmando que “(...) as crianças diferentemente aprendem segundo suas condições pe-culiares, e que essas condições deverão ser conhecidas”. Lourenço Filho despreocupa a escola em relação a método de ensino, pois acreditava-se que os problemas de fracasso escolar nesse período estão ligados à exagerada importância dada ao método de ensi-no (sintático ou analítico).

Mortatti enfatiza que nesse período houve uma grande produção das cartilhas, que eram formuladas baseadas em um ecletismo metodológico devido às discussões em torno de qual método adotar (sintético ou analítico). Por esta razão, generalizou-se o uso das cartilhas com os chamados métodos mistos.

4º período - Construtivismo e desmetodização – Inicia-se no final da década de 1970. Então chegamos a nossa atual Emilia Ferreiro, embasada no construtivismo Piagetiano. Ela centra-se em quem aprende e o como aprende a língua escrita (lecto--escritura).

3.2 - Psicogênese da língua escrita

A pesquisa apresentada por Ferreiro teve um grande impacto na didática da alfa-betização e fez com que percebêssemos que a aprendizagem da leitura e da escrita pas-sa não só pela escola, mas também pelo contexto social. Com essa pesquisa, a didática atual passou a considerar que o sujeito cognoscente pensa a escrita como um sistema de representação de seus usos.

Outro ponto, mostrado pela pesquisa, foi o das falácias do currículo oculto das crianças de classes econômicas mais elevadas que, na sua maioria, não tinham dificul-dades na construção da lecto-escrita. A pesquisa apontou, mais uma vez, desvendando

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esse currículo oculto e ressaltando a influência do contexto social, que a criança que convive com pessoas de baixíssima escolaridade costuma ter idéias mais primitivas sobre a escrita.

O maior impacto da pesquisa se deu diante da seqüência de idéias nomeadas, por Emília Ferreiro, de hipóteses, nas quais ela mostra, de forma fascinante, que as crian-ças constroem hipóteses e depois são obrigadas a reinventá-las e assim vão se aproxi-mado da escrita convencional.

Apesar dessa pesquisa, muitas escolas ainda consideram a aquisição da lecto-escri-ta como algo mecânico, bastando apenas adquirir a técnica para decifrar o texto; vêem a escrita como uma transcrição gráfica da língua oral.

Podemos fazer uma analogia da proposta da Psicogênese da Língua Escrita com o processo de aquisição da linguagem oral: os interlocutores (adultos) da criança não ensinam as sílabas, palavras ou frases sem significados para que aprendam a falar, mas textos orais ligados a situações que ela, de algum modo, é uma integrante participativa.

3.3 - Uma história de superação

Este caso relatado é de atendimento realizado a uma criança de uma das unidades da Fundação Cidade Mãe. A criança foi encaminhada para avaliação psicopedagógica pela professora da oficina com a queixa de dispersão e dificuldades de aprendizagem. A menina, com 10 anos, que aqui nomearemos T, freqüenta a escola desde 6 anos de idade, quando iniciou sua vida escolar em uma creche. Freqüentava uma classe do 1º ano do ensino fundamental pela terceira vez e não demonstrava entusiasmo ao falar da escola. Residia com a mãe e havia visto o pai pela ultima vez quando tinha 6 anos. A mãe tinha 39 anos e dizia não saber ler e escrever e tinha o sonho da filha se tornar “alguém na vida”. Essa criança fazia parte de uma classe desfavorecida economicamen-te na qual a linguagem escrita não é elemento fundamental.

Na avaliação psicopedagógica, foram observados aspectos ligados ao lado emocio-nal, à lecto-escrita e ao conhecimento lógico-matemático. A criança demonstrou-se colaboradora nas atividades propostas, porém, quando se tratava de escrever ou ler, usava as expressões como “não sei”, “não consigo” e “não posso”. Escrevia poucas pala-vras, mostrando pensar a hipótese pré-silábica da escrita; não conseguia ler e constan-temente apresentava ansiedade e vontade de fugir da atividade, o que provavelmente prejudicava sua aprendizagem.

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Em relação à linguagem oral, apresentou coerência, interagindo sem dificuldades, embora em alguns momentos necessitasse de incentivo para complementar suas res-postas monossilábicas.

T. apresentou dificuldades de atenção e concentração nas atividades que envol-viam a leitura e a escrita, embora mantivesse o foco nas demais.

Demonstrava um vínculo familiar positivo e manifestava o desejo de aprender para atender às expectativas da mãe. Apresentava uma auto-estima extremamente com-prometida, desistindo com muita facilidade de algumas atividades e uma profunda insegurança no outro. Parecia acreditar de forma veemente no seu desconhecimento, provavelmente por medo de errar e ser julgada.

Considerando a avaliação desenvolvida, T. encontra-se no estágio cognitivo com-patível com sua idade cronológica, a qual se denomina operatória concreta. Em função desses motivos, T. foi encaminhada para um acompanhamento psicopedagógico com objetivo de organizar seu modelo de aprendizagem e dar-lhe apoio para superar as dificuldades apresentadas utilizando todo seu potencial.

A intervenção psicopedagógica se deu semanalmente. Iniciou-se com a investi-gação sobre o que ela sabia sobre a escrita, usando recursos didáticos como: jogos, quebra-cabeça, livros e outras atividades. Atuei como intérprete dos modos de par-ticipação dela nas atividades lingüísticas e não-linguísticas orais e gráficas, que estão ligadas à escrita. E como nos aponta a Psicogênese da Língua Escrita, é dessa obser-vação e interpretação que se constrói uma mediação e uma participação no aprender da criança. A partir da compreensão sobre o aprender dela, deram-se as intervenções.

Nas sessões, eu lia histórias, e ela sempre pedia mais. Depois solicitava que ela fa-lasse da parte que mais lhe chamou atenção; em outra sessão, pedia que ela recontasse oralmente, pois se pedisse para que escrevesse ela ficava ansiosa e queria dar fim à atividade, dizendo-se cansada, com sono ou algo semelhante.

Após algumas sessões, comecei a perceber uma mudança na sua auto-estima. Tro-cara as expressões de desânimo por de auto-confiança, como: “eu já sei” e começara a se arriscar, ainda que muito timidamente na escrita, que eu notara ser pré-silábica, mas não para classificá-la neste grupo, mas para sabermos qual era a sua hipótese sobre escrita.

Com jogos, brincadeiras – algumas delas propostas por T – a exemplo: qual po-deria ser o nome para um irmão ou uma irmã que ela tanto queria ter, que ela sempre chegava com novos nomes e sorria depois que eu lhe pedia que escrevesse para que

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não esquecêssemos os nomes e no final fizéssemos uma votação para a escolha de um. Realizei intervenções, escrevendo ao lado de sua escrita de forma convencional e colocando questões que a ajudassem avançar. Essa brincadeira foi repetida por várias vezes.

Através da Psicogênese da Língua Escrita, compreendemos que a idéia infantil de que a escrita representa os nomes dá-se ao fato de fazer uma ligação das expressões lingüísticas com pessoas do mundo real.

No mês de julho, ela constituiu para si própria a hipótese silábica da escrita, bem estruturada e com valores sonoros convencionais. Ela estava convencida de que cada sílaba falada correspondia a uma letra e, sendo considerada a hipótese da exigência mínima de caracteres dentro da normalidade no processo de aquisição de escrita, con-tinuava escrevendo com um pouco mais de letras do que escreveria se pudesse optar.

Em uma determinada sessão de acompanhamento, ela quis expressar “Jô” e escre-veu “opu”, não aceitando a forma convencional da escrita. Tal palavra era um dos no-mes que gostaria que tivesse seu possível irmão. Compreendi que ela estava defenden-do sua hipótese sobre a escrita da quantidade mínima de caracteres, e o monossílabo estava sendo uma violação ao seu princípio lógico sobre a escrita, que diz que a letra é parte e a palavra o todo; segundo sua hipótese, o monossílabo seria escrito com uma letra só, violando sua lógica da variedade mínima de caracteres.

Pôde-se observar grandes progressos de T.: passou a falar da escola com empolga-ção e demonstrava uma auto-estima elevada em relação ao início de nossos contatos.

No mês de novembro, ela constituiu para si mesma a hipótese silábica alfabética da escrita. T. não usava mais uma letra por sílaba de forma sistemática, já escrevia algu-mas palavras, utilizando-se de duas letras para cada sílaba.

Antes do conhecimento da Psicogênese da Língua escrita, se pensava que as crian-ças que faziam escrita dessa forma “comiam” letras e precisavam ser encaminhadas para tratamento. Porém, podemos observar que elas não comem, e sim acrescentam.

Propus atividades desafiadoras que no início ela achava difíceis, por não saber resolvê-las imediatamente. Criei, então, situações para que pudesse avançar usando o conhecimento que já construíra.

Apesar de toda a conquista de T. no processo de aquisição da escrita, a professo-ra comunicou à mãe que T., por não estar escrevendo convencionalmente, não seria aprovada para a série subsequente. Observamos que isso abalou a mãe e conseqüente-mente a filha também. Percebi que, com essa posição, a escola não avaliou o processo

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de T. e sim seu produto final, não valorizando nem mesmo sua grande contribuição para as conquista da criança.

Com a permissão da mãe, fomos conversar com a professora, que nos recebeu muito bem. Mostramos as atividades de T., como ela tinha evoluído na construção da escrita e que a escola tinha grande participação nesse processo. Refletimos sobre a reprovação, que poderia interferir tanto no processo da aquisição da escrita, que estava quase concluído, como também na sua auto-estima. A professora comprometeu-se em, posteriormente, reavaliar a situação e disse que depois informaria sua decisão.

Após alguns dias, a professora comunicou a mãe de T. que, ao realizar o estudo do caso, percebeu evolução da aluna e aprovar-lhe-ia para série seguinte, ressaltando que, como ela iria acompanhar a turma, continuaria sendo sua professora. Percebemos uma grande alegria em T. e sua mãe ao nos trazer o resultado final da escola. A nossa satisfação maior foi acompanhá-la em seu processo e presenciar a escola revendo sua posição e reconhecendo a evolução dessa criança na aquisição do conhecimento.

3.4 - Considerações finais

Uma grande contribuição de Ferreiro, além de desvendar o caminho percorrido para aquisição do processo da lecto-escrita, foi mostrar a importância do ambiente alfabetizador, que deve ser ambiente favorável a várias interações com a língua escrita, interações mediadas por pessoas capazes de ler e escrever. Ferreiro também apontou que a diferença no desempenho escolar inicial das crianças pobres e das de classes média não tinha relação com nenhum déficit, indicou que toda criança entra na escola com hipóteses sobre a escrita, e que enquanto a de classe média tem hipóteses mais elaboradas, as de classe baixa tem hipóteses primitivas sobre a escrita. Isso aumenta a responsabilidade das escolas públicas em garantir esse ambiente alfabetizador, em vez de deixar essas crianças à margem das circunstâncias favoráveis de aproximação com a escrita.

3.5 - Referências

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FERREIRO, Emilia. Passado e Presente dos Verbos Ler e Escrever/ Emília Ferreiro Tradução de Claudia Berrlinerr – 2.ed – São Paulo, Cortez,2005. – (Coleção Questões da Nossa Época; v.95)

Com todas as letras / Emília Ferreiro: tradução de Maria Zilda da Cunha Lopes: re-tradução e cortejo de textos Sandra Trabuco Valenzuela – 11. Ed. – São Paulo: Cortez, 2003. Biblioteca da Educação – Série 8 – Atualidades em educação – v. 2)

FERREIRO, Emilia. Alfabetização em Processo. São Paulo: Cortez, 1996.

FERREIRO, Emilia. Psicogênese da Língua Escrita / Emília Ferreiro e Ana Tebe-rosky; Tradução de Diana Myriam Lichtenstein, Liana Di Marco e Mário Corso. – Por-to Alegre : Artes Médicas, 1985.

MORTATTI, Maria do Rosário Longo. Os sentidos da alfabetização: (São Paulo / 1876-1994). São Paulo: Editora UNESP: CONPED, 2000.

LEMLE, Miiriiam. Guia Teórico do Alfabetizador – 17. Ed. – São Paulo: Àtica, 2007.

TEBEROSKY, Ana. 1948 Psicopedagogia da linguagem escrita / Ana Teberosky ; tradução de Beatriz Cardoso:prefácio Cláudia Lemos. – 9 ed. – Petrópolis, RJ : Vozes, 2001.

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4 Escuta psicopedagógica: uma caminho para o jovem em cumprimento de medida sócio-educativa

Por: Edileide Maria Antonino da Silva 1

4.1 - O objetivo......primário da pesquisa que deu origem a este artigo constituiu-se na necessidade

de se verificar o alcance e conseqüências da escuta psicopedagógica dada ao sujeito em cumprimento de medida socioeducativa na Cidade de Salvador. Cabe, neste instante, conceituar medida sócio-educativa e como ela é definida e aplicada a jovens infratores.

4.2 - Medidas socioeducativas......e Medidas de Proteção são instrumentos previstos no ECA - Estatuto da Criança

e do Adolescente, cujo objetivo maior é reforçar e assegurar os direitos já garantidos na Constituição da República Federativa (1988). Tais medidas têm a finalidade de efetivar os direitos e defender o cumprimento dos deveres da criança e/ou do adolescente em situação infracional, ou seja, que demandam medidas punitivas ou educativas pela prática de atos contrários à Lei. As imposições dadas a estes menores têm caráter pe-dagógico, social, psicológico e preventivo e são definidos por juízes e promotores da Infância e Juventude de acordo com a gravidade e circunstância do ato delituoso; neste caso, para a aplicação da medida são também levados em conta a condição pessoal do adolescente, suas referências familiares e sociais, sua personalidade e, principalmente, a sua condição de cumprir tal medida.

O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê a aplicação de dois tipos básicos de medidas: as não privativas de liberdade e as privativas de liberdade. O primeiro mode-lo citado se constitui em advertência, reparação do dano, PSC (Prestação de Serviços à Comunidade) e L.A. (Liberdade Assistida). Para cumprimento da PSC, cabe ao técni-

1 Pedagoga formada pela UFBA, com especialização em Psicopedagogia Clínica - Faculdade Internacional de Curitiba- FACINTER; pesquisadora do GEPE-RS (Grupo de Estudos em Psicanálise, Educação e Representação Social) UNEB; integrante do grupo de estudos em Psicanálise da ELBA – Escola Lacaniana da Bahia; Psicopedagoga e Terapeuta Comunitária da Fundação Cidade Mãe.

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co que acompanha o jovem fazer contatos com instituições ou empresas contratantes e acompanhar todos os trâmites do processo até que o jovem inicie, cumpra e conclua sua medida. Na medida de L.A., o técnico, neste caso uma psicopedagoga, acompanha o menor recebendo suas visitas semanais, orientando-o, certificando-se de sua vida escolar e procurando inseri-lo em atividades extra-escolares que o ajudem em seu de-senvolvimento cognitivo, psicológico, emocional e social. Aos poucos os encontros do jovem com a psicopedagoga, que acontece nas Unidades Educativas, vão se tornando mais espaçados, porém regulares.

O segundo modelo de medida socioeducativa citado é o de privação de liberdade; neste, o jovem é acolhido em uma instituição de cunho educativo e lá permanece sob orientação de diversos profissionais pelo tempo determinado em juízo. Em Salvador, este tipo de medida é cumprida na CASE – Comunidade de Atendimento Socioeduca-tivo de Salvador, que se localiza no bairro Tancredo Neves.

4.3 - O objeto......desta pesquisa foi uma clientela composta por jovens em cumprimento de L.A. e

PSC, encaminhados para o atendimento de técnicos sociais da Fundação Cidade Mãe (FCM), no caso um grupo de psicopedagogos. A amostra aqui trabalhada foi com-posta de 15 jovens entre 16 e 18 anos, moradores da região que circunda o bairro de Canabrava, estendendo-se até Cajazeiras, onde os atendimentos foram realizados. Os atos infracionais cometidos pelos jovens da amostra circularam desde assalto a ônibus, mini-ônibus, agressão física, tráfico de drogas, assalto a mão armada, homicídio e es-tupro. Nestes adolescentes com histórico de delitos recorrentes, percebeu-se profunda carência de escuta e de apoio, caracterizada pela falta de comunicação com a família. Assim sendo, o atendimento dispensado a estes jovens teve cunho psicopedagógico e foi embasado na prática psicanalítica, proporcionando escuta sensível e possibilitando o estabelecimento de vínculos.

4.4 - O olhar diferenciado......provoca-nos o interesse em verificar, aqui, a efetividade e alcance da intervenção

realizada pela psicopedagoga a partir de um olhar psicopedagógico e psicanalítico so-bre a fala do sujeito, constatando se a relação estabelecida com o jovem em situação de cumprimento de medida foi beneficiada pela escuta sensível.

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4.5 - Escutar... ...segundo Aurélio Buarque de Holanda Ferreira (2000, p.195), é o ato de “perceber,

entender (os sons) pelo sentido da audição”. Ouvir, no entanto, é um outro significante, podendo ser traduzido como o ato de “tornar-se ou estar atento para ouvir; prestar atenção para ouvir alguma coisa”. Assim, segundo Antonino e Fonseca, a escuta é

[...] uma das condições humanas que permite que duas pessoas entrem em contato, uma com a idéia da outra, devendo, deste modo, dar-se de maneira atenta para que o conteúdo possa ser internalizado e não apenas ouvido2 .

Sobre a escuta, em seu texto Entre nós e fitas dos afetos, parte do trabalho realiza-do sobre a relação professor-aluno, cujo título é O real, o simbólico e o imaginário da docência na contemporaneidade, Ornellas (2000, p.83) diz que

Escutar é dar sentido ao mundo que cerca o aluno. Ao escutar os ditos e os não-ditos, produzimos e ampliamos o mundo das coisas; a escuta da fala do outro é, na verdade, um diálogo dentro de nós mesmos na busca das falas que nos constituíram e nos constituem. Escutar e falar fazem parte do processo educativo...

A escuta, neste trabalho realizado, teve um enfoque no valor das palavras e não apenas na decodificação de uma ação sonora, buscando dar sentido ao mundo que cerca o adolescente atendido. Mais do que escutar a fala, ouviu-se cada jovem atendido por meio de uma escuta diferenciada e fundada no conceito compreendido da psica-nálise, na tentativa de reconhecer tanto o dito quanto o não dito nas palavras.

4.6 - Sobre o atendimento psicopedagógico......vale aqui ressaltar que há um elo profundo entre esta prática e a teoria psicanalí-

tica. O atendimento PSICOPEDAGÓGICO DISPENSADO aos adolescentes encami-nhados à FCM é uma prática que propõe a fala e escuta entre dois sujeitos, sendo que um vive sua situação de conflito. Os jovens sujeitos deste atendimento não o fazem por desejo próprio, como já foi citado; eles vêm encaminhados por uma vara de justiça, o que já torna o atendimento, a princípio, algo punitivo. Partindo desta situação con-creta, aqui será analisada a relação sujeito-técnico desde o primeiro encontro e como

2 Artigo escrito para a disciplina Educação e Psicanálise do curso de Mestrado em Educação e Contemporaneidade – UNEB. A importância da escuta. Abril de 2010. Não publicado.

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a teoria psicanalítica contribuiu e instrumentalizou o profissional para a realização deste trabalho.

4.6 - O núcleo de psicopedagogia da fcm e a cmse... ...estabeleceram uma parceria para a realização destes atendimentos. O Núcleo de

Psicopedagogia da Fundação Cidade Mãe, da Prefeitura de Salvador, tem como obje-tivo atender a crianças que possuem dificuldades de aprendizagem matriculadas nas oficinas das unidades educativas. Após devida capacitação, parte do grupo de psico-pedagogas que atendem neste núcleo foi designado para acompanhar uma demanda reprimida da Central de Medidas Socioeducativas por um período limitado, período este suficiente para elaboração desta pesquisa aqui apresentada.

4.7 - A clientela atendida......é composta por jovens encaminhados pela 2ª Vara da Infância e Juventude. Eles

vêm para a Unidade Educativa onde se dá o atendimento e, na sua totalidade, são oriundos de famílias em situação de vulnerabilidade sócio-econômica, ou seja, que vivem sob a falta de recursos básicos à sobrevivência e, sobretudo, em um meio fa-miliar cujas relações são difíceis, permeadas por violências de diversos tipos. Diante da falta e de situações vivenciadas por estes jovens, percebe-se que nem sempre eles caminham ao lado de uma família, encontrando-se, diversas vezes, à margem desta. O que esperar de uma criança ou adolescente que cresce e se desenvolve em um ambiente hostil, privado de atenção, palavras e abraço? Do conceito conhecido de família, qual é realmente a realidade familiar destes jovens? Que suporte têm estas famílias para cum-prir seu real papel? Até que ponto esta família tem suas necessidades básicas atendidas pelo poder público, tal como consta na Lei? O que ela recebe de educação e saúde para estar em condição de educar filhos e se educar simultaneamente, dentro de um padrão de dignidade humana mínima? São as respostas a estas questões que mobilizaram a prática adotada no desenvolvimento dos atendimentos aos jovens.

De acordo com Lima Melo3 (2000)

É notório o fato de que a maior parte da violência e dos maus tratos con-tra crianças são cometidos por aquelas famílias de menor condição social. Na maior parte das vezes, não há estrutura familiar estabelecida... [...] pois, como já dizia o mestre Tobias Barreto: “A dor da fome é maior do que a dor

3 Sírley Fabiann Cordeiro de Lima Melo - Texto inserido no Jus Navigandi nº 45 (09.2000). Elaborado em agosto de 2000.

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moral”. Dessa forma, a criança se desenvolve em ambiente pouco propício à honestidade e ao discernimento.

O baixo nível de educação propicia um baixo padrão de vida. É gritante a desigual-dade social na cidade de Salvador, o que promove a divisão dos grupos em excluídos e beneficiados, promovendo situações que acentuam cada vez mais as diferenças, en-grossando o número de atendimentos desta Central (CMSE)4 .

Para aqueles jovens cuja referência familiar não é algo positivo, o atendimento re-cebido do técnico da CMSE teve caráter bem diferenciado, pois eles foram sempre recebidos com cordialidade e respeito, percebidos como pessoas com necessidade de escuta e não apenas como adolescentes em conflito com lei. Buscou-se construir com os mesmos uma relação permeada pelo respeito e confiança, propondo a partir daí a efetivação de um trabalho positivo. Vale aqui lembrar a fala de um deles: “... a senhora não tem medo de mim, não vê que eu sou um “pivete”. Acho até que nem sou mais pivete, sou um rapaz como os outros que estudam aqui. ”5

4.8 - O primeiro encontro......nada tem de romântico, neste caso. Mas é, de qualquer forma, a primeira vez... ...e

a “primeira vez a gente nunca esquece”. É a partir desta “primeira vez” que se definem os encontros seguintes e o tipo de relacionamento a ser implementado. A estratégia utilizada por esta técnica/psicopedagoga foi a empatia, cujo objetivo era estabelecer algum tipo de laço neste primeiro atendimento. O atendimento inicial exigia do jovem uma postura correta, no caso tratando-se mesmo da postura física: coluna ereta, olhar direto e na mesma altura, ombros erguidos e a solicitação de escuta atenciosa. Neste caso, a escuta era a do sujeito e de seu responsável que, obrigatoriamente, o acompa-nha neste primeiro momento. Após uma apresentação e a solicitação da postura infor-mada era estabelecido com o atendido e seu responsável um “combinado”, ou seja, um conjunto de normas e regras nas quais se definiam horários, justificativas para faltas ou atrasos, comportamento esperado dentro da unidade no período de atendimento e fora dela, em sua vida social. Era sempre um encontro difícil, pois o sujeito chegava em uma posição de defesa e com um discurso pronto, revelando não estar disposto a con-

4 Central de Medias Sócio Educativas5 Nas Unidades da FCM, são oferecidos cursos culturais e profissionalizantes a jovens das comunidades do entorno que estejam matriculados e freqüentando escola, mas sempre jovens em situação social desprestigiada financeiramente.

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tribuir e “mais uma vez expor sua vida para pessoas que em nada lhe vão ajudar” e que nem mesmo o identificam pelo nome. O familiar presente também traz um discurso preparado: o jovem é mais uma vítima da polícia ou de bandidos. E a fala do técnico, neste primeiro momento também é padronizada:

“...meu objetivo é reinserir você na escola, num ambiente de trabalho que lhe res-peite e mostrar para as pessoas que já lhe atenderam desde a sua chegada aqui, até este momento, o que tem de valoroso em você”. Esse é, de fato, o primeiro impacto no relacionamento que se inicia. Impacto positivo. E, em encontros semanais, é proposto ao jovem falar sem medo de repressão ou denúncia, sendo livre para discorrer sobre seus desejos, seus medos, seus sonhos, suas faltas. É neste momento que se transpõe o primeiro obstáculo, pois o sujeito percebe que o caráter do atendimento é de cuidado e proteção, não mais de rancor social e punição, sendo esta uma estratégia adequada para a aproximação e conquista de uma possibilidade de trabalho tranqüilo.

Ao se sentir acolhido e visto como de fato se revelou e não simplesmente pelo que consta nos relatórios técnicos e sentenças constantes na pasta com seu encami-nhamento, o jovem percebe que existe desejo real de ajuda por parte do técnico do atendimento. Alguém que o vê além do ato infracional cometido, que o percebe in-dependente do lugar de onde vem e do que já fez; isso provoca, automaticamente, o estabelecimento de uma relação positiva. Inicia-se aí, suponho, o processo de transfe-rência, conceito de psicanálise a seguir definido.

4.9 - A transferência......segundo Freud, é uma inevitável ‘necessidade’ para a psicanálise (ZIMERMAN,

1999, p. 332). Em se tratando de educação, da relação professor – aluno, muitos auto-res concordam que o professor é uma pessoa em quem o aluno pode reeditar impulsos e fantasias. De acordo com Kupfer (2000)

...um professor pode tornar-se a figura a quem serão endereçados os interes-ses de seu aluno porque é objeto de uma transferência. E o que se transfere são as experiências vividas primitivamente com os pais (p. 88).

Sobre o mesmo tema, Ornellas (2000) diz que é um fenômeno observado na rela-ção professor aluno quando o segundo autentica ao primeiro o saber sobre a saída dos seus impasses no processo do aprender.

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Observa-se que professor e aluno, movidos pelo saber, enredados na in-completude, buscam um desenho na relação para, possivelmente, fazerem uma caminhada dentro e fora da sala de aula, na busca do ato de ensinar e aprender (p.83).

Cabe aqui, então, discorrer um pouco sobre o conceito de transferência. Este é, sem dúvida, um conceito fundante dentre os conceitos da psicanálise; em muitos dos seus estudos e conferências, Freud mostra o quanto é importante em todo e qualquer processo de psicanálise. Em uma de suas obras,6 este autor descreve um fenômeno co-mum na relação entre médico e paciente, quando o paciente se empenha em mostrar amabilidades e valores pessoais que possam impressionar o analista. Freud descreve este como um campo fértil para que o trabalho analítico cresça, observando que o pa-ciente traz à sessão uma grande quantidade de lembranças e as associa a fatos recentes em um trabalho de interpretação importante que resulta em uma melhora rápida e significativa do quadro. Freud também mostra que pode ocorrer o contrário: desinte-resse pelo analista e pela análise. Ele observa que esta é uma ação recorrente entre os analisantes e que também caracteriza a transferência.

No caso da relação professor-aluno acontece também esta reedição ou repetição de sentimentos, que podem ser em relações de afeto positivo ou mesmo de hostilidade, também como uma base de afeto. Ora, se o professor não traz em si razão para estimu-lar tais sentimentos em relação ao aluno, nada mais é senão o fenômeno tão discutido por Freud: a transferência. De certa forma, o aluno esvazia o sentido do professor para que ele assuma a forma que é conveniente para seu desejo inconsciente. Isso reveste o professor de poder, um poder que pode ser utilizado para influenciar o aluno de acordo com seu modo de ser e ver o mundo, transferindo significado para seu aluno, mesmo que de forma inconsciente.

Nos atendimentos realizados com os jovens da CMSE chegados à Unidade Educa-tiva de Canabrava, da FCM, a transferência foi esclarecida aos sujeitos e aproveitada de forma a beneficiar o encaminhamento da recuperação e reinserção deles no meio social. Orientada pela psicanálise, a conduta deste trabalho não perdeu de vista o seu foco: o sujeito; vale lembrar que a técnica/psicopedagoga durante o atendimento foi evocada espontaneamente pela maioria dos jovens como “professora”, sendo que dois inicialmente a chamaram de “tia” e três de “doutora”.

6 Transferencia, 1996. conferências

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Em nenhum dos jovens foi encontrado qualquer tipo de resistência a partir do segundo encontro; apesar de uma história de crimes recorrentes, em cada um dos su-jeitos atendidos pode se revelar uma criança carente de escuta e atenção, à procura de abraço familiar, de limites ditados de forma clara pelos seus educadores, de apoio e até mesmo de críticas e sanções. Foi possível ouvir destes jovens que em atos delituosos agrediram igrejas, que seu desejo real era ver o que se passava ali dentro dos templos onde nunca puderam entrar, dadas as suas condições de miserabilidade; de alguns que agrediram e feriram colegas na escola, que seu desejo maior era que o professor um dia lhes dirigisse a palavra sem a intenção de machucá-los; de outros que, para se firmarem nos grupos aos quais pertenciam, precisavam passar por provas que também achavam absurdas e desnecessárias, mas que realizavam porque esta era a única forma de fazer parte de uma “família” e ser aceito e respeitado, mesmo que a família fosse um grupo de rua. Foi possível e doloroso perceber que cada uma dessas crianças atendi-das e escutadas nas suas mais íntimas verdades tinham medo da vida, vergonha de si próprios e um desejo enorme de serem iguais e igualmente respeitados pelo próximo.

4.10 - Os outros encontros......foram constituídos de momentos de escuta, de espaço para fala, choro e desaba-

fo. Impossível, nesta prática, não constituir laços; impossível, neste lugar de ouvinte atenta, impedir que o sujeito à sua frente não realize uma atitude de transferência, enxergando na técnica/psicopedagoga aquele familiar que tanto desejou e viveu a falta; impossível, também, por momentos não ser, nesta relação transferencial, o carrasco que lhe privou de carinho, que lhe impingiu dor e sofrimento e que, ainda assim, ele quis tanto conquistar e ter ao lado. Impossível não ser objeto do amor e do ódio desse sujeito que teve sua vida interditada exatamente no momento de florescer.

Quando se proporciona a estes jovens, tão privados na vida, alguns momento de prazer e ludicidade, devolvendo-lhes o direito de entre quatro paredes, mesmo que haja lá fora um vigilante uniformizado, ser um pouco da criança que um dia foram ou quiseram ser, automaticamente se lhes oferece um ombro e um abraço. E é assim que se procede este estabelecimento de laços quando, entre uma sessão de escuta e outra, se proporciona ao jovem uma sessão exclusiva para que possa montar um quebra--cabeças, jogar com pega varetas e até mesmo colorir desenhos infantis. Sessões tam-bém exclusivas para se trabalhar com alguns as dificuldades matemáticas, de escrita ou leitura. Sessões de atendimento que diziam a cada um daqueles meninos: “você é um

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sujeito importante, portador de direitos e deveres, e nós queremos ver você caminhar de cabeça erguida, coluna ereta, olhando nos olhos dos outros com respeito, ombros firmes e fortes”.

As ferramentas fornecidas àqueles jovens em cada sessão foram as necessárias para que buscassem lá dentro de si, nos recantos que nem sabiam existir, doses maciças de auto-estima e confiança para, com estas, poderem construir o respeito.

4.11 - A reinserção......destes jovens nos meios sociais de origem é possível se lhes forem dadas novas ou

mesmo uma primeira oportunidade. Mas, a esta altura, há que se conviver com meni-nos de braços tatuados, rostos repletos de adereços e marcas, respostas secas e curtas, corações desconfiados e inseguros. Jovens com marcas do passado tão próximo, mas recuperados em sua auto-estima e autoconfiança e, até mesmo, na confiança no outro, por meio da prática da escuta. Uma escuta que concebe a subjetividade constituída através dos vínculos e laços construídos com o outro, enfatizando os componentes in-ternos, subjetivos e intrapsíquicos do sujeito que, neste caso, encontra-se em processo de reconstrução enquanto ser cognoscente que é.

4.12 - A conclusão da pesquisa......se deu com o término do período da medida socioeducativa, ao fim de cerca de

18 meses, não sendo finalizada ao mesmo tempo para cada um. No entanto, dos 15 sujeitos atendidos, todos ingressaram numa vida de relativa normalidade dentro dos seus padrões familiares. Os que haviam cumprido medidas de PSC tiveram um resgate da auto-estima mais acelerado, pois foram aceitos em meios de trabalho sem serem rotulados ou rejeitados; deram continuidade aos estudos e alguns foram inseridos no mercado de trabalho informal. Dos que cumpriam medida socioeducativa de L.A., 90% está inserido em alguma igreja de cunho evangélico, apresentando mudança ra-dical, inclusive na aparência física. As tatuagens dos braços são cobertas pelas mangas compridas, as da alma estão aos poucos perdendo a cor. Os relatos e depoimentos deles trazem sempre uma valorização ao fato de terem podido ser autênticos com a técnica/psicopedagoga que, ao longo dos 18 meses, lhes ouviu.

A transferência de afeto gera uma forma de responsabilidade tanto com o outro quanto consigo mesmo. Percebemos que por este processo é facilitada a transformação do sujeito e a possibilidade de sua reinserção no meio social. É na transferência que

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técnico pode de fato operar positivamente. Em nossa prática não julgamos o jovem, não damos conselho, mas buscamos fazer surgir nele o desejo de crescer de forma valorosa e positiva, fazendo-o perceber que deve buscar no outro o consentimento e a autorização, para assim ter seu pertencimento e sentir-se cidadão de fato na sua condição de sujeito em eterna busca da completude. A ordem é instrumentalizá-lo de afetos, pois só se reconhece aquilo que um dia já se conheceu.

4.13 - Referências

ANTONINO, E. M. e FONSECA, L. A importância da escuta. Artigo não publica-do/no prelo.

FERREIRA, A.B.H. Dicionário da Língua Portuguesa, ano 2000, p.195.

FREUD, S. (1996). Conferência XXVII: Transferência. In S. Freud. Conferências introdutórias em psicanálise (Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, Parte III, pp. 433-448). Rio de Janeiro: Imago.

KUPFER, C. Freud e a Educação: o mestre do impossível. SP, Ed.Scipione, 2000.

Lei n. 8.742, de 07 de dezembro de 1993 (1993 07 de dezembro). Lei Orgânicada Assistência Social – LOAS. Brasília, DF: Presidência da República.

Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. (1990 13 de julho). Estatuto da Criança edo Adolescente – ECA. Brasília, DF: Presidência da República.

ORNELLAS. M. de Lourdes Soares. O real, o simbólico e o imaginário da docência na contemporaneidade. Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salva-dor, v. 17, n. 30, p. 81-88, jul./dez. 2008.

MELO, Sírley Fabiann Cordeiro de Lima. Breve análise sobre o Estatuto da Crian-ça e do Adolescente. Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 45, set. 2000. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1645>. Acesso em: 25 abr. 2010.

ZIMERMAN, David E. Fundamentos Psicanalíticos: Teoria, técnica e clínica. Por-to Alegre: Artmed, 1999.

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5 A Psicopedagogia “uma via” para os adolescentes em medidas socioeducativas em meio aberto

Jucélia de Jesus Mahado Layne Lisboa e Silva Sandra CarlaOliveira Santos Rita Magalhaes de Matos

5.1 - Introdução

Várias são as expressões empregadas para referir-se ao efeito desejado do trabalho com a criança e o adolescente em conflito com a lei que esteja em cumprimento de me-didas sócio educativas, particularmente em privação de liberdade: reinserção social, readaptação, ajustamento social, integração à família e sociedade.

O Estado, a partir da promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA - , justifica essas medidas como sendo “uma chamada à responsabilização dos jovens”, em virtude da transgressão cometida. Tal pensamento entra em sintonia com a con-cepção assumida pelo ECA, de que crianças e adolescentes são sujeitos de direitos. Nesta perspectiva, lê-se no seu artigo 4º que.

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao ado-lescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e comunitária, além de deixá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade

e opressão (Brasil, 1990, p. 23).

É importante a ressalvar que somente os adolescentes – indivíduos entre 12 e 18

anos de idade – são passíveis de cometerem o ato infracional, entendido como a trans-gressão das normas estabelecidas, do dever jurídico, que em face das peculiaridades que os cercam, não pode se caracterizar enquanto crime. Não cabendo-lhes responsa-bilização penal, lhes são impostas a aplicação de medidas sócio educativas, cujo obje-

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tivo visa menos a punição e mais a tentativa de reinserção social, bem como o fortale-cimento dos vínculos familiares e comunitários.

Entende-se que o reconhecimento de que a obediência a regras mínimas é essen-cial para o convívio social, e que, portanto, requer a responsabilização do adolescente quando ele desenvolve condutas transgressoras desses padrões. Neste sentido, reitera--se a concepção de Leonardo Barbosa, quando este defende que “o processo de desen-volvimento do adolescente passa pela aprendizagem de um posicionamento crítico e responsável em relação às suas condutas” (Barbosa, 2002, p. 10).

5.2 - O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – um avanço! O ano de 1990 ficou conhecido como o da Desinstitucionalização, marcado pelo

“desmonte do entulho autoritário”. Foram criados pela Constituição Federal diversos dispositivos legais para inibir as arbitrariedades do Estado sobre o cidadão.

A Constituição impôs a regulamentação do seu artigo 227, com o intuito de prote-ção aos direitos da criança, do qual se originou o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), abrangendo não só a criança em situação social de risco, mas todas as que se encontram em fase de desenvolvimento, incluindo os que possuem dezoito aos de ida-de. A criação do ECA significou a transferência da tutela da criança e do adolescente para a sociedade civil, através dos conselhos tutelares.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, instituído pela lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, contrapõem-se historicamente a um passado de controle e de exclusão social sustentada na Doutrina da Proteção Integral. O ECA expressa direitos da população infanto-juvenil brasileira, pois afirma o valor intrínseco da criança e do adolescente como um ser humano, a necessidade de especial respeito à sua condição de pessoa em desenvolvimento, o valor prospectivo da infância e adolescência como portadoras de continuidade do seu povo e o reconhecimento da sua situação de vulnerabilidade, o que torna as crianças e adolescentes merecedores de proteção integral por parte da família, da sociedade e do Estado, devendo este atuar mediante políticas públicas e sociais na promoção e defesa de seus direitos.

A adoção dessa doutrina em substituição ao velho paradigma da situação irregular (Código de Menores – Lei nº 6.697, de 10 de outubro de 1979) acarretou mudanças de referenciais e padrões com reflexos inclusive no trato da questão infracional. No plano legal, essa substituição representou uma opção pela inclusão social do adolescente em

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conflito com a lei. Assim, convém atentar para definição do termo medida sócio educativa, destacada

no Artigo 12 do ECA, inciso VI, que segundo Liberati (2008) é definida como:

A medida socioeducativa é a manifestação do Estado, em resposta ao ato infracional praticado por menores de 18 anos, de natureza jurídica imposi-tiva, sancionatória e retributiva, cuja aplicação objetiva inibir a reincidência, desenvolvida com a finalidade pedagógico-educativa. (Liberati)

O ECA enumera, ainda, no Artigo 118, § 2º da Lei Federal 8.069, de 13 de julho de 1990:

A Liberdade Assistida será adotada sempre que se afigurar a medida mais adequada para o fim de acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente. A Liberdade Assistida será fixada pelo prazo mínimo de seis meses, podendo a qualquer tempo ser prorrogada, revogada ou substituída por outra medida, ouvido o orientador, o Ministério Público.

Assim, para que haja uma afetiva aplicação das medidas sócio educativas, é neces-sário a utilização de métodos pedagógicos, sociais, psicológicos e psiquiátricos, visan-do, sobretudo a integração do adolescente em sua própria família e na comunidade.

A Fundação Cidade Mãe é uma instituição que tem a missão de acolher crianças e adolescentes dos segmentos populares que se encontra em processo de exclusão social em função dos altos índices de desemprego e do acesso limitado à Política Básica, cuja oferta é muito aquém da efetiva demanda. Ainda assim, a referida Instituição realiza atividade de caráter preventivo, buscando o fortalecimento do vínculo com a família, com a escola e a comunidade, além proporcionar aos jovens em cumprimento de me-didas uma educação complementar, ela também oferece possibilidades de reintegra-ção ao abraça-los, contribuindo para a eficácia das medidas aplicadas.

Essas medidas são determinadas pelos juízes e, em alguns casos específicos, pelo Ministério Público, levando em consideração a natureza do ato infracional, seu con-texto familiar e comunitário e a história do adolescente. Em seguida, o mesmo é aco-lhido por técnicos da Central de Medidas que irão avaliar o seu perfil psicológico, as experiências educacionais e as referências familiares dos adolescentes, encaminhando--os para as empresas educativas da Fundação Cidade Mãe (FCM), dentre outras Insti-tuições apropriadas a garantirem o cumprimento das Medidas Sócio educativas.

Essa Medida Socioeducativa é relevante tanto para o jovem em conflito com a

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lei quanto para a comunidade. Esta poderá responsabilizar-se pelo desenvolvimento integral do adolescente. Ao jovem valerá como experiência de vida comunitária de aprendizado de valores e compromissos sociais. Nesse sentido vale à pena ratificar a citação de Mário Volpi onde o mesmo lembra que a intervenção educativa da medida,

(...) se manifesta no acompanhamento personalizado, garantindo-se os as-pectos de: proteção comunitária, cotidiano, manutenção de vínculos fami-liares, freqüência à escola, inserção no mercado de trabalho e / ou cursos profissionalizantes e formativos.

As medidas educativas têm como objetivo maior adaptar o adolescente à realidade, tornando-o responsável e propiciando a inserção no universo adulto. Dois aspectos merecem consideração: em primeiro lugar, a grande contradição é que o que se de-nomina como realidade comporta um elevado grau de violência social. Na prática, é como se alguém ordenasse ao adolescente que aprenda a conviver em sociedade segun-do determinadas regras, sendo-lhe oferecido como modelo uma sociedade onde o que impera é uma ausência de referências. Em segundo lugar, a tarefa de educar, formar um adolescente, exige que se tenha presente não só sua capacidade de aprender mas, fundamentalmente, seu potencial afetivo, principal condição para que o adolescente estabeleça laços que possibilitem, no futuro, uma inserção mais criativa na sociedade

5.3 - A “via” da psicopedagogia

Na perspectiva educacional o conhecimento das famílias é de extrema importância para uma desejável integração entre projetos e demais atividades, aproximando-se da instituição e favorecendo a aprendizagem mútua, na qual cada pessoa pode trazer uma experiência, um saber, uma maneira de fazer diferente.

O campo de atuação da psicopedagogia revela que a aprendizagem não é um con-ceito linear, por isso a intervenção pode se dar em uma área mais atingem todas as ou-tras em movimento. Podemos pensar então que assim como somos atravessados pela cultura em nosso desenvolvimento, somos também atravessados pela aprendizagem.

Deste modo, ainda que este jovem esteja cumprindo medida socioeducativa, de acordo com Paín (1985)

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É solucionar rapidamente os efeitos mais nocivos dos sintomas para logo depois dedicar-se a afiançar os recursos cognitivos que estão diretamente relacionados a afetividade e a ação.

A definição das ações educativas oficiais cujo objetivo seja produzir novos padrões de socialização, deve se pautar em uma união dos saberes produzidos pela várias áreas do conhecimento.

No tocante às ações que se desenvolvem no interior das instituições, com vistas à ressocialização, se tais ações pressupõem convívio com a família e a comunidade, o (re) ingresso no sistema escolar ou ainda, o exercício de uma profissão, então se espera que tais ações de forma eficaz reflitam tal perspectiva socializadora.

Os estudos e as leituras a respeito desta temática têm mostrado as ações dos psico-pedagogos que contemplam os aspectos esperados. Assim sendo, a existência de um planejamento que integre o conjunto das atividades fica clara a partir da observação de projetos, a exemplo de oficinas, além de atividades físicas, ocupacional, dando pos-sibilidades à formação da criança e do adolescente para a cidadania, como prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente.

O objeto fundamental do psicopedagogo é, pois, ser um facilitador na tarefa edu-cativa, com o desafio de definir um melhor enquadramento quando aparece uma disfunção no seu modelo de aprendizagem. Ser mediador nos conflitos intergrupais, intragrupais ou intrainstitucionais facilita a comunicação e permite transformar os conflitos em problemas sobre os quais podem fazer uma reflexão.

Considera-se que outro dos principais objetivos dessa função é restabelecer a ca-pacidade de simbolizar que permita pensar e pensar-se, frente às situações conflitivas que se produzem numa instituição como em todo ser vivo, tanto quando provem de conflitos intensos como do contexto social mais amplo que, neste fim de milênio, é tão turbulento.

5.4 - Um relato de experiência É fundamental criar-se um vínculo entre o adolescente, a família e o orientador,

o que levará a um relacionamento adequado e construtivo, mostrando-se proveitoso para todos os envolvidos.

Em consonância com os artigos 118 e 119 do já citado Estatuto da Criança e do

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Adolescente, a psicopedagoga Layne Lisboa e Silva, da Fundação Cidade Mãe – FCM, traz o relato a cerca do atendimento do menor, O adolescente J.L.S 13 anos, autor de ato infracional, em cumprimento de Medida Sócio Educativa L.A (liberdade Assis-tida), acompanhado pela CMSE- Central de Medidas Sócio Educativa. Em seguida serão apresentadas algumas reflexões e ações com relação, acredita-se, a mais positiva das medidas sócio-educativas: a liberdade assistida.

5.5 - O atendimento ao jovem

Durante a entrevista inicial na presença da sua genitora, este deixa transparecer no decorrer uma imaturidade ao descrever os fatos demonstrando certa infantilidade, foi possível perceber ser este um jovem facilmente influenciado, deixando transparecer que não tinha consciência das conseqüências do seu ato e dos riscos deste. Porém demonstrava o tempo inteiro um arrependimento e uma vontade de colaborar com a medida de reparação a qual foi lhe dada a Liberdade Assistida.

No curso do cumprimento da medida foi encaminhado para Unidade Educativa da Fundação Cidade Mãe - Roma, matriculado na oficina de artes e apoio pedagógi-co, e deveria permanecer freqüentando a escola formal cursando a 5ª série do Ensino Fundamental.

A priori houve uma resistência do adolescente em freqüentar os cursos culturais e até mesmo o apoio feito pela instituição, nesse momento J.L.S. foi encaminhado para atendimento psicopedagógico, onde após alguns atendimentos para diagnostico pode--se perceber que o mesmo apresentava baixo rendimento escolar, cuja causa poderia ser a baixa auto-estima, por conta da aplicação da medida.

Foi então solicitado que sua genitora comparecesse ao atendimento para que juntas pudéssemos ajudá-lo a aceitar melhor o cumprimento da medida, a qual era de funda-mental importância para sua formação.

Durante um ano freqüentando assiduamente atendimento psicopedagógico o ado-lescente mostrou avanço significativo na sua condição escolar o que conseqüente-mente melhorou a sua auto-estima. Vale salientar que o acompanhamento e o com-prometimento da sua família (mãe e irmão) foram de fundamental importância não só para ele como para sua família. E que o mesmo hoje já foi liberado do cumprimento da medida.

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A respeito do relato acima, é bom que se diga que uma medida bem executada, em meio fechado ou aberto, está fadada a produzir novos cenários e novas possibilidades aos adolescentes e, consequentemente às suas famílias. A aplicação da medida sócio--educativa de liberdade assistida visa a superação das dificuldades, em paralelo com a evolução das fases do desenvolvimento cognitivo, físico, mental e afetivo, possibilitan-do ao adolescente o exercício da cidadania.

É sine qua non estabelecer, durante o processo de acompanhamento do adolescen-te, vínculo com o mesmo e com sua família. Os adolescentes e sua família são atendi-dos pelo psicopedagogo uma vez por semana, pelo período mínimo de seis meses. Ele é orientado a frequentar escola, freqüenta oficinas na instituição de apoio e, quando possível e necessário, é encaminhado aos programas comunitários e educacionais.

5.6 - Algumas reflexões

A Psicopedagogia auxilia no enfrentamento da exclusão e na luta pela não exclusão

através de orientação e ação pontual sobre as situações já existentes e na prevenção destas. O psicopedagogo, portanto, faz uso de seu papel articulador para colaborar no enfrentamento das dificuldades que o processo de ressocialização possa trazer, au-xiliando os adolescentes em conflito com a lei a repensar seus valores e crenças com relação a seus atos, bem como auxiliar os pais a pensarem sobre as dificuldades de seus filhos e perceberem quais as reais causas das ações infracionais por eles cometidas.

Cabe ainda ao profissional conhecer o real potencial da criança e do adolescente a ser ressocializado e as possibilidades que o meio possui para estimular este potencial, por meio de saídas metodológicas não excludentes. Sob este olhar que a Psicopedago-gia possibilita, é também necessária uma reflexão sobre o contexto sócio-político. É preciso, assim, repensar sobre o papel do profissional da educação na questão da res-socialização. O Direito à educação é um direito fundamental previsto na Constituição Federal e contemplado pelo ECA. Para além da instrução e alfabetização, o acesso à educação de qualidade deve se configurar como porta para o acesso à plena cidadania. Torna-se ainda mais necessária quando se trata de criança e/ou adolescentes em con-flito com a lei, que hoje cumprem algum tipo de medida sócio educativa.

Educar enquanto sinônimo de ressocializar, no cumprimento de medidas sócio educativa, como as em meio aberto, aqui abordada, a educação, reitera-se, assume um papel ainda mais relevante para estes que urge reaprender conceitos e reformular

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perspectivas, tornando-se um desafio especialmente complexo, e com urgência de ser enfrentado.

São significativos os avanços para o cumprimento do que determina o Estatuto da Criança e do Adolescente no atendimento sócio educativo. Entretanto, muito ainda há que ser conquistado para a consolidação de todos os direitos previstos para es-sas crianças e adolescentes. A Psicopedagogia, como uma das áreas responsáveis pela aprendizagem, tem contribuído sobremaneira neste contexto; contudo, tem muito a aprender e muito a contribuir.

5.7 - Referências

BARBOSA, L. A. de A. (2002). A formação do educador e o adolescente em confli-to com a lei. Belo Horizonte: CPP-Consultoria em Políticas Públicas. [On line] http://www.portalcpp.com.br.

LIBERATI, Wilson Donizeti. Direito da criança e do adolescente. 2ª Ed.PAÍN, Sara. Diagnóstico e tratamento dos problemas de aprendizagem. Porto Ale-

gre, Artes Médica, 1985.

VOLPI, Mário. O adolescente e o Ato Infracional. São Paulo: Cortez, 1997.

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6 Um outro olhar: Afetividade e aprendizagem

Margareth S.Cerqueira 1

“(...) sentia um acréscimo de estima por si mesma, e parecia-lhe que entrava enfim numa existência superiormente interessante, onde cada hora tinha o seu encanto diferente, cada passo conduzia a um êxtase, e a alma se cobria de um luxo radioso de sensações.”

Eça de Queiroz, O primo Basílio

6.1 - Introdução

O ser humano aprende e evolui segundo seus pressupostos e fundamentos. A ques-tão fundamental é: como se estabelece esse processo e quais variáveis podem contri-buir ou atrapalhar seu desenvolvimento?

Constata-se a desigualdade existente entre os sujeitos e como cada um aprende. Habilidades como a audição, a visão, a coordenação viso motora, a capacidade de se orientar espacial e temporalmente, a atenção, a memória e outras são pré requisitos para que a aprendizagem formal possa se efetivar. Não basta, contudo, ter somente desenvolvida tais capacidades, a aprendizagem depende também de fatores genéticos, neurológicos, orgânicos, psicológicos, cognitivos, pedagógicos e sociais. A aprendiza-gem é como uma dialética entre fatores internos do sujeito e as influências externas, aí incluídas a família, a escola e o meio social nos quais ele está inserido; sabe-se que os sujeitos não nascem “tábula rasa2 ”, sem conteúdo ou conhecimento; afinal, desde o

1 Pedagoga formada pela...., especialista em Psicopedagogia pela...., Psicopedagoga da Fundação Cidade Mãe.2 Tabula rasa (do latim, “folha em branco”]) se refere à tese epistemológica que fundamenta a corrente filosófica chamada empirismo. Para o filósofo inglês John Locke (1632-1704), todas as pessoas ao nascer o fazem sem saber de absolutamente nada, sem impressões nenhumas, sem co-nhecimento algum. Então todo o processo do conhecer, do saber e do agir é aprendido pela experiência, pela tentativa e erro. (http://pt.wikipedia.org/wiki/Tabula_Rasa)

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nascimento apresentam consideráveis conteúdos internos. É com essa capacidade que o homem se apropria do objeto do conhecimento e se torna responsável pelas modifi-cações e transformações do mundo.

Não sendo “tábula rasa”, o contato do meio externo com os conteúdos do incons-ciente coletivo forma o inconsciente pessoal e o Ego, que têm a função de ressignificar os conhecimentos.

6.2 - A afetividade

Segundo Ferreira (1999, p.62), a afetividade significa o conjunto de fenômenos psíquicos manifestados sob forma de emoções ou sentimentos e acompanhados da impressão de prazer ou dor, de satisfação ou insatisfação, de agrado ou desagrado, de alegria ou tristeza. Na literatura encontra-se, eventualmente, a utilização dos termos afeto, emoção e sentimento, aparentemente como sinônimos. Já a afetividade é utili-zada com uma significação mais ampla, referindo-se às vivências dos indivíduos e às formas de expressão mais complexas e essencialmente humanas. Engloba sentimentos (origem psicológicas) e emoções (origem biológicas). A afetividade desempenha um papel fundamental na constituição e funcionamento da inteligência, determinando os interesses e necessidades individuais.

Almeida (1999, p.50) nos diz que a afetividade, assim como a inteligência, não apa-rece pronta nem permanece imutável. Ambas evoluem ao longo do desenvolvimento: são construídas e se modificam de um período a outro, pois, à medida que o indivíduo se desenvolve, as necessidades afetivas se tornam cognitivas.

6.3 - Processo de ensino e aprendizagem

A relação com a mãe (primeiras palavras, gestos...) é na verdade a primeira apren-dizagem da criança, e se constrói assim seu estilo particular de aprender; que sofrerá modificações à medida que a esta se relaciona com outros contatos.

Para Bossa (2000,p.18),

[...] o sentido das aprendizagens é único e particular na vida de cada um, e [...] inúmeros são os fatores afetivos emocionais que podem impedir o investimento energético necessário às aquisições escolares.

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A afetividade, em cada um de seus estágios, quer dizer as emoções, o sentimento e a paixão, pressupõem o desenvolvimento de certas capacidades em que se revelam um estado de maturação. Observa-se que, quanto mais habilidade se adquire no campo da racionalidade, maior é o desenvolvimento da afetividade.

Portanto, as aprendizagens ocorrem, inicialmente, no âmbito familiar e, depois, no social e na escola.

Existem fatores que interferem na aprendizagem impossibilitando o fluxo normal do processo de aprender. Tais fatores podem ser internos, de ordem orgânica ou psico-lógica, ou externos, ligados à metodologia de ensino, às condições sócio-econômicas e ainda ao vínculo que o sujeito estabelece com o educador, pais e sociedade.

Assim, o afeto explica a aceleração ou o retardamento da formação das estruturas. A aceleração pode ser percebida no caso de interesse e necessidade do indivíduo; e o retardamento, quando a situação afetiva é obstáculo para o desenvolvimento intelec-tual da criança.

6.4 - O olhar de cuidador

O psicopedagogo é um profissional preparado para a prevenção, diagnóstico e o tratamento dos problemas de aprendizagem. Através do diagnóstico, identifica-se a causa do problema com testes, atividades pedagógicas, provas projetivas e jogos, en-tre outras. Na Fundação Cidade Mãe o profissional de Psicopedagogia atua no aten-dimento de crianças e adolescentes com dificuldade de aprendizagem, inscritos nas oficinas das diversas unidades, buscando melhoria das suas condições no processo aprendizagem, num trabalho que visa também a valorização da auto estima do sujeito aprendente.

De acordo com Carlos Byington “[...] não se pode ensinar utilizando somente o pensamento [...]”. Isso confirma que deve ser cultivada uma sintonia com os aspectos afetivos-emocionais para que a aprendizagem se desenvolva adequadamente, afinal ninguém aprende e apreende sem afeto, sem desejo e sem curiosidade. Neste caso, é importante criar um vínculo afetivo, valorizando o que a criança ou adolescente já saiba, ao tempo em que se colocam regras e limites.

Reflexões envolvendo os temas Educar e Cuidar neste momento voltaram à tona. Segundo Neide de Aquino Noffs (2003, p. ),

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cuidar implica em identificarmos o que as pessoas sentem, pensam, o que as fazem autônomas, independentes, felizes, saudáveis. Educar significa pro-piciar situações de aprendizagem capazes de contribuir para o desenvolvi-mento de diferentes habilidades cognitivas, assim como de ser e estar em uma postura de respeito, aceitação, confiança e solidariedade.

Alguns teóricos, como Piaget, ressaltando o afeto, e Jorge Visca, indicando o lú-

dico, servem de base para o atendimento psicopedagógico. É através dessas duas ver-tentes que se desenvolve, na FCM3 , o trabalho de acompanhamento com as crianças e adolescentes, buscando a parceria família – escola.

6.5 - Um caso de dificuldade de aprendizagem - E a afetividade?

Aqui relatarei um caso de atendimento na Unidade de Saramandaia, FCM. O sujei-to do atendimento será chamado de “A”. Trata-se de uma adolescente de 13 anos, que cursava, no momento, a 2ª série do Ensino Fundamental e participava da oficina de te-atro. Segundo a educadora, “A” não consegue acompanhar a leitura dos textos, embora seja uma jovem falante, desprendida e de fácil comunicação. Iniciado o atendimento psicopedagógico, facilmente se estabeleceu o vínculo entre ela e a psicopedagoga.

Na avaliação psicopedagógic, constatou-se na jovem uma característica de agres-sividade, auto-desvalorização, além do medo intenso de errar e não corresponder às expectativas. Entende-se que a função do psicopedagogo é investigar todas as variáveis possíveis existentes no processo de aprendizagem, a fim de orientar as famílias para a resolução de conflitos, inclusive de natureza afetivo-emocional, por isso tais aspectos foram levados em consideração para a construção do diagnóstico. Tornou-se, então, urgente a necessidade de uma investigação do histórico de “A”, sendo de imediato so-licitada a presença da família para uma entrevista de anamnese. A mãe compareceu à entrevista e relatou sobre as várias repetências na escola e a dificuldade da jovem em aprender a ler; relata que isso a “faz perder a paciência e bater” na filha, “pois trabalha e não tem tempo para ela”4 .

De fato, a família está perdendo sua capacidade de oferecer a socialização primária e todo o cabedal de conhecimento, seja prático ou afetivo, implícito neste convívio. “A” não encontra na família o estímulo necessário para sua aprendizagem, o incentivo

3 Fundação Cidade Mãe4 Palavras da mãe de “A”.

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para seu desejo. A família não pode oferecer aquilo que, de fato, não conhece. O tra-balho a ser realizado por “A” deve passar não somente pelo sujeito que consideramos, a princípio, como portador de algum obstáculo pára aprendizagem. Constatamos aqui que, antes de tudo, devemos trabalhar com a família, oferecendo suporte para que possa compreender e auxiliar a jovem “A” no desenvolvimento de suas capacidades.

“Trabalhar” esta família não significa alfabetizá-la, letrá-la ou dotá-la de conheci-mentos acadêmicos, mas mostrar-lhe as necessidades básicas de crianças e jovens, e de seres humanos de um modo geral, no tocante à afetividade. É abraçar esta família para que ela saiba o que é abraço e possa, assim, estender o mesmo gesto para seus filhos, removendo deste modo alguns obstáculos postos no desenvolvimento afetivo, social e cognitivo destes jovens.

A intervenção foi iniciada paralelamente com a jovem e a família, no sentido de fortalecer ambas nas suas habilidades, visando construir competências para aprender e também para educar. Com a mãe trabalhou-se jogos e dinâmicas que reforçam a auto estima e o reconhecimento dos valores intrínsecos na relação familiar; realizou-se entrevistas e dinâmicas de sensibilização, levando a família a perceber que o aprender é reforçado pelo desejo e pela necessidade de responder positivamente ao que os pais esperam; para “A”, aprender seria presentear a família com seu aprendizado, mas dar este presente estava sendo algo que ela duvidava se ia ou não agradar.

Com a jovem, trabalhou-se a auto estima e a valorização do ambiente familiar, bus-cando assim auxiliá-la na construção de suas competências. Dizer que foi tudo muito simples e fácil, não é possível. Houve um período de recusa não só da família como da própria jovem, objeto do atendimento, mas aos poucos a conquista se concretizou. “A” demonstrou interesse em aprender, em mostrar à família que podia aprender, aos educadores e a mim, psicopedagoga que a auxiliou nesta travessia.

A escuta sensível, o olhar atento e o acolhimento afetivo facilitaram o bom resulta-do neste caso. A ação Psicopedagógica tem esse alcance e, segundo Sara Paim (1996), seu foco central é possibilitar o “reencontro do sujeito com o anseio pelo saber [...]”. Para “A”, o ponto crucial era se constituir como sujeito dentro da sociedade e, princi-palmente, dentro de sua família.

Perceber que esta jovem pode, ao longo de quase um ano de trabalho, recuperar a auto estima e o desejo de ser admirada por aqueles que a cercam foi um registro de avanço no meu trabalho. E, como ouvi de uma colega há algum tempo, ser psicope-dagogo é ajudar a retirar as pedrinhas que estão no caminho do aprender; vejo neste

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caso uma pedrinha que foi retirada e que abriu caminho para o desenvolvimento de uma nova pessoa.

6.6 - Considerações finais

Quando se assume que o processo de aprendizagem é social, o foco desloca-se para as interações e os procedimentos: o que se diz, como se diz, o que se faz, como se faz. Conforme o indivíduo vai se desenvolvendo, as trocas afetivas vão ganhando comple-xidade. Demonstrar atenção às suas dificuldades e problemas são maneiras bastante refinadas de comunicação afetiva. Nesse sentido, pode-se concluir que trocas afetivas positivas não só marcam positivamente o objeto do conhecimento, como também fa-vorecem a autonomia e fortalecem a confiança dos indivíduos em suas capacidades e decisões.

Vale ressaltar que em muitos momentos o lugar de psicopedagoga recebe aportes da formação como professora. É mesmo a partir desse intercâmbio que se percebe a importância de um diálogo ampliado e que certamente aparece em alguns momentos do trabalho.

Como a aprendizagem é um processo contínuo e a afetividade tem um papel im-prescindível nesse caminhar, o meio deve proporcionar relações em que sejam traba-lhados os afetos prazerosos e desprazerosos do sujeito, buscando seu equilíbrio nesta ambivalência de afetos naturais no ser humano, e que favorece as aprendizagens sig-nificativas em todos os ambientes em que ele se desenvolve.

Favorecer a quebra das dificuldades de aprendizagem passa pelo caminho que per-corre a família, a criança e a escola: os três ambientes devem ser investigados e tra-balhados conjuntamente, pois desta forma atinge-se o objetivo esperado: fortalecer a auto estima e favorecer a aprendizagem.

6.7 - Referências

ALMEIDA, A.R.S. Emoção na sala de aula. Campinas: Papirus, 1999.

BYINGTON, C.A.B. A construção amorosa do saber: o fundamento e a finalidade da pedagogia Junguiniana. São Paulo: Religare, 2003.

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BOSSA. N.A. Dificuldade de aprendizagem. O que são? Como tratá-lo? Porto Ale-gre: Artes Médicas Sul, 2000.

FERREIRA, A.B.H. Novo Aurélio XXI: o dicionário da Língua Portuguesa. 3 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.

NOFFS, Neide de Aquino. Psicopedagogia na rede de ensino: a trajetória institu-cional de atores-autores. São Paulo: EDITORA 2003.

PIAGET, J.; INHELDER, B. A psicologia da criança. 11 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1990.

VISCA, Jorge. Clínica Psicopedagógica. Epistemologia Convergente. Porto Alegre: Artes Médicas, 1987.

PAIM, Sara. Subjetividade e objetividade: relações entre desejo e conhecimento. São Paulo: CEVEC, 1996.

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7 Família x escola: o mito

Constatamos na nossa ação educativa que a grande maioria das famílias dos alu-nos matriculados na Educação Infantil e nas primeiras séries do Ensino Fundamental, ou seja, crianças entre 6 e 10 anos de idade das escolas da rede municipal, localizadas na periferia de Salvador, não participam ativamente do processo escolar. Essas famílias entregam à escola a responsabilidade total sobre a formação não só intelectual como emocional e psicológica da criança.

Com o objetivo de investigar a importância da família no processo de aprendiza-gem escolar, buscamos estudar o contexto social e sua influência na práxis pedagógica das Séries Iniciais do Ensino Fundamental na rede municipal da periferia de Salvador, observando mais precisamente como esta influência atua no aluno da terceira série, com idade entre 8 e 10 anos, ou seja, dentro do período pré-operatório e operacional concreto do seu desenvolvimento cognitivo.

Sabemos que educar é um processo complexo que envolve todo o contexto em que o indivíduo está inserido. Escola e família são as instituições que estão mais explicita-mente envolvidas, não diminuindo assim todos os outros meios, fatores positivos ou negativos, mas fortemente influenciadores.

Percebe-se que à escola é atribuída a responsabilidade de construir e corrigir, sain-do a família completamente de cena. E é nesse ponto que nos questionamos: sem a (inter) ação e a parceria com a família, pode a instituição escolar suprir todas as neces-sidades educacionais do indivíduo? Existe uma linha demarcando territórios distintos de cada uma dessas instituições?

Sabemos que o processo educativo acontece de maneira efetiva quando a família e a escola atuam paralelamente e que o trabalho da escola só se completa com o da famí-lia; sendo assim, questionamos primeiramente: Por que a (inter) ação da família com a escola ainda é um mito? O que falta para que estas duas instituições possam caminhar paralelamente, se o objetivo de cada uma se funde em um só, que é educar e preparar

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para a vida social os mesmos sujeitos?Pudemos perceber que há uma grande desconfiança da família para com a escola

que ela própria escolheu, chegando ao extremo de notarmos reações de ciúmes, como de houvesse competitividade na ação das duas. Já a escola, esta clama pela ajuda da fa-mília, mas vive, no momento atual, a síndrome de achar que todo problema, disfunção ou desajuste do aluno tem sua origem em problemas de ordem familiar.

Procuramos definir família enquanto um sistema aberto, a maneira como estabe-lece suas leis e regras e o processo de transformação do seu conceito. É notório que já não se tem mais um único modelo de família, embora exista um que é considerado padrão: aquele formado por pai, mãe e filhos. Como ficam, então, aqueles cujo molde familiar é diferenciado? Como se encaixam dentro da estrutura social?

Neste trabalho lançamos um alerta aos educadores da família e da escola: é urgente que se faça uma parceria e que as duas instituições possam, juntas, buscar novos re-sultados.

Procuramos analisar como o contexto social, cultural e econômico influenciam na formação do sujeito enquanto aluno. Percebemos que o aluno traz as características do meio familiar em que está inserido. Se estiver em um meio equilibrado, tende a ser um sujeito seguro, alegre, decidido; quando convive com leitores e adultos que estu-dam, valoriza a escola, tem interesse por leitura, preserva o ambiente escolar e seus materiais. Mas se vive um momento de desajuste familiar, dificuldade financeira e / ou outros problemas, tende a ser um aluno introspectivo ou até mesmo violento; no entanto, salientamos que isso não é uma regra.

A desestruturação familiar e suas implicações na aprendizagem do aluno foi o que discutimos a seguir. É fato que os moldes familiares estão em vias de mudança. E como a criança reage a isso? E o que a escola e a família têm feito para amenizar estas reações? São questões que permanecem em aberto, já que cada caso deve ser analisado dentro do seu contexto.

Em seguida falamos do modelo de escola atual e de como os problemas familiares são projetados ali, causando desconforto e gerando insegurança em todo o meio esco-lar. Como o sujeito da educação deve ser tratado nesse contexto? É necessário que seja partilhado com a família não só as queixas, mas também todas as dúvidas, e que não se rotule ou segregue o sujeito dos seus meios, seja o familiar ou escolar.

Em um capítulo à parte abordamos a interação da família com a escola no processo de formação do sujeito. Relatamos algumas experiências que consideramos relevantes

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antes de iniciarmos a análise discursiva dos dados da pesquisa realizada.Tecemos, então, nossas considerações e lançamos algumas propostas de ação con-

junta entre as duas instituições, colocando, assim, um tijolo a mais na construção de novas soluções para esta problemática.

7.1 - Metodologia utilizada e breve caracterização da escola e da amostragem

Realizamos uma pesquisa cujo principal objetivo foi investigar a influência da família no processo de aprendizagem do educando matriculado na terceira série do Ensino Fundamental, na rede pública de ensino e residente em bairros periféricos da cidade de Salvador. Procuramos identificar as interferências exercidas pela família e pelo lar, de um modo mais amplo, no processo de aprendizagem escolar do educando, estabelecendo paralelos de comportamento nos dois ambientes, especialmente nos ca-sos em que houve desestruturação do lar.

O trabalho foi desenvolvido através de pesquisa bibliográfica e de campo, realizada no período de 30 de maio a 30 de julho de 2003, na Escola Municipal Santa Luzia do Lobato, que fica localizada no bairro do Lobato, subúrbio ferroviário de Salvador. Re-cebemos a informação de que a escola foi fundada em 1985, devido à necessidade de escolas no bairro, através de um convênio firmado com a Paróquia Nossa Senhora das Dores, que cedeu o prédio composto por 03 salas de aula.

Atualmente, está funcionando em um prédio alugado, ministrando ensino de Edu-cação Infantil e Ensino Fundamental de 1ª a 4ª série para uma clientela de aproxima-damente 340 crianças e adolescentes, nos turnos matutino e vespertino. Conta com o apoio de 19 profissionais entre docentes e funcionários. É composta por 07 salas de aula, 01 sala para direção e secretaria, 01 sala de leitura abastecida com livros for-necidos pelo MEC, 05 sanitários, 01 cantina e 01 área de recreação. As salas de aula comportam, no máximo, 30 alunos sendo este o limite para cada turma.

Localiza-se numa área carente composta, em sua grande maioria, por uma popu-lação de baixa renda, caracterizada pelas diversidades ambientais e sócio-econômicas, havendo a predominância de profissionais ligados às áreas domésticas e construção civil, além de vendedores ambulantes nas ruas e trens, muitos deles crianças e ado-lescentes e uma intensa atividade em oficinas e sucatas. Insere-se, neste contexto, um clima familiar desestruturado, predominando o descaso e o abandono dos pais numa

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problemática em sua geografia acidental de morros e encostas e, ao mesmo tempo, proporcionadora de outras atividades produtivas no nível comercial e de subsistência como a pesca e a “mariscada“, devido às marés, sendo que a maior parte foi aterrada no processo de construção do subúrbio ferroviário. É importante salientar que por causa do crescimento urbano, deu-se a transferência das habitações, antes em torno das marés (palafitas), para as construções desordenadas que ocasionaram os morros e encostas. Este reflete o grande fluxo migratório dos moradores em épocas chuvosas das quais derivam desabamentos, em um dos quais a própria escola foi vítima, moti-vando assim sua instalação provisória.

Para a realização do trabalho, contamos com a colaboração da direção da escola e pudemos participar de reuniões de pais e mestres e outras da direção com o corpo do-cente. Também nos foi facilitado aplicar questionários não só aos alunos, mas também às famílias, de forma que foi possível somar as informações e estabelecer comparações entre o que foi dito por todas as partes. Professoras e demais funcionários da escola contribuíram somando informações para a nossa pesquisa. Assim, tivemos uma visão mais ampla da situação.

As leis que regem a educação em nosso país passaram por reformas e modificações que acabaram por dividir esta responsabilidade entre a família e a escola. Enquanto a Lei nº 5.692/71 deixava a cargo do Estado a responsabilidade com a educação, a nova LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), a Lei nº 9.394/96, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, passa a compartilhar com a família o dever de educar.

Segundo PAROLIN (2003), família e escola são instituições com objetivos seme-lhantes e abordagens diferentes. Tanto a família quanto a escola desejam a mesma coisa: preparar crianças para o mundo. No entanto, a família tem suas particularidades que a diferenciam da escola, e suas necessidades que a aproximam da mesma. A escola tem sua metodologia e sua filosofia para educar, mas precisa do apoio da família para concretizar seu projeto educativo, reafirmando que ambas as instituições, quanto mais de diferenciam, mais necessitam uma da outra.

A família constitui um sistema, um conjunto de membros individuais, que funcio-na de acordo com as regras e padrões de interação que transcendem as características particulares de cada membro. A família é, portanto, um complexo maior que a simples soma das partes e reflete não apenas os modos individuais de ser, mas acima de tudo, a maneira como os diferentes membros e subsistemas interagem. Por outro lado, esse

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modo de funcionamento global da família influencia os padrões de cada indivíduo.Como sistema aberto que é, a família está em permanente interação com o seu ex-

terior, que a influencia e é por ela influenciado. A cultura típica de uma sociedade, seus movimentos evolutivos e involutivos fatalmente vão interferir na vida familiar. Ou seja, existe um padrão de vida familiar no qual o pai é o provedor da família, enquanto à mãe cabe cuidar da casa e dos filhos. Seria o caso de, pelo motivo da recessão eco-nômica que se vive atualmente, o pai perder o emprego e a mãe tornar-se a principal fonte provedora da casa. É bastante provável que essa situação venha a provocar uma alteração importante no funcionamento do sistema familiar, modificando as relações entre os subsistemas e os seus padrões de comportamento geral e alterando as relações com o exterior que, por sua vez, responderá de maneira nova e peculiar.

Um indivíduo é portador, sempre, de uma herança biológica que, em certa medi-da, o caracteriza e o diferencia dos demais. Mas ele é também, ao mesmo tempo, um portador e um representante de toda uma história familiar que transcende os limites da sua própria existência e até mesmo a da sua família nuclear.

Uma família não se perpetua apenas porque produz filhos biológicos, mas espe-cialmente pelo legado cultural que transmite a eles. Deliberadamente ou não, os pais vão imprimindo, ao longo da vida familiar, uma organização e um modo de funcio-namento que vão desempenhar papel primordial na definição das interações intra e interfamiliares e constituir, em grande parte, o paradigma das relações que os filhos vão desenvolver nos demais contextos e sistemas dos quais venham a participar. São os ideais e valores que orientam a vida familiar e os seus modos interacionais que vão constituir um sistema referencial que a criança atualizará no sistema escolar. E é com esse referente que a criança vai interagir com seus parceiros no ambiente escolar, tais como seu grupo de companheiros ou o subsistema da classe, os professores, os orien-tadores, o diretor e outros.

A família tem sido o nosso centro de atenção por ser um espaço privilegiado para desenvolvimento e aquisição de conhecimentos e para a solidificação de hábitos rele-vantes para a vida escolar da criança. Acreditamos na família enquanto base emocio-nal para o desenvolvimento do indivíduo. Segundo REIS(1994,p. ):

É comum ouvirmos referência à “crise familiar”, “conflito de gerações”, “morte da família”. Ela também suscita polêmicas: para alguns, a família é a base da sociedade, garantia de uma vida social equilibrada, célula sagrada que deve ser mantida intocável a qualquer custo. Pra outros, a instituição familiar deve ser combatida, pois representa

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um entrave ao desenvolvimento social; (...) No entanto, o que não pode ser negado é a importância da família tanto ao nível das relações sociais, nas quais ela se inscreve, quanto da vida emocional dos seus membros.”

Assim como cada família estabelece suas leis, normas e costumes, a escola também é uma instituição que tem definidos seus princípios, objetivos, conteúdos, direitos e deveres com fins a garantir a transmissão dos conhecimentos e valores construídos ao longo dos tempos.

Em situações de dificuldades de aprendizagem, professores vêm dando grande ên-fase aos obstáculos sócio-afetivos, vinculando-os freqüentemente às relações familia-res. Alguns educadores apontam a indiferença, a agressividade e a super proteção dos pais, a falta de padrões e normas de comportamento e de contato com materiais gráfi-cos, a falta de estímulo, a pobreza e as perdas familiares como responsáveis pelo mau rendimento do aluno. Estas interferências nos remetem não só a noção de obstáculos que ocorrem no momento presente, impedindo que a aprendizagem se desenvolva, mas também às noções de causas psicológicas que ocorreram no seio familiar e que também poderão interferir na aprendizagem.

Dizemos que o indivíduo está pronto para aprender quando ele apresenta um conjunto de condições, capacidades, habilidades e aptidões consideradas como pré--requisitos para o início de qualquer aprendizagem. Porém, múltiplos são os fatores que interferem implicando esse processo, a exemplo dos fatores biológicos, psicológi-cos, pedagógicos, econômicos e sociais. Assim, nem todos têm as mesmas chances e isso se dá pela herança cultural ou biológica de cada um, mas os obstáculos podem ser superados se trabalhados.

O lar é considerado o primeiro ambiente social da criança. Segundo LANE (1981), ao nascer, a criança necessita de outras pessoas não só para assegurar-lhe a sobrevi-vência, mas também para mediar a sua relação com o mundo. Desde o seu primeiro momento de vida, o indivíduo está inserido num contexto histórico que segue o mo-delo ou padrão de cada sociedade.

A instituição familiar é considerada como a menor unidade social. Nela, a criança encontrará o apoio, a segurança e construirá as suas primeiras aprendizagens, receben-do os ensinamentos e as orientações básicas importantes para o seu desenvolvimento e sua educação. Por ser um sistema aberto, a família interage permanentemente com o seu exterior, ou seja, com o meio ambiente, o que faz com que ambos se influenciem mutuamente.

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A família sempre foi considerada como um elemento fundamental no desenvolvi-mento do caráter do indivíduo. A ela compete estruturar o sujeito, transmitindo-lhe valores morais e éticos, normas e crenças. A identificação, individualização e autono-mia deste, se construirão na medida em que compartilhe diariamente com pessoas que lhe dêem carinho, atenção, suporte material para atender às suas necessidades e oportunidades para discutir sobre assuntos diversos e expor o que sente e o que pensa. Será através dessas relações familiares que a criança construirá seus primeiros vínculos e apreenderá o mundo que a cerca.

É natural que os pais desejem o melhor para os seus filhos; desejem que sejam feli-zes e que se realizem tanto na vida profissional como na vida pessoal. De acordo com PAROLIN (2003), independente do contexto, todos os pais sempre projetam o sucesso sobre seus filhos e, na maioria deles, sobre seus estudos. As expectativas da família em relação à criança estão diretamente ligadas ao contexto sócio-afetivo e cultural. A es-cola tem grande importância para os pais que, por sua vez, passam a exigir da criança o compromisso de corresponder através do sucesso incondicional.

Consideramos que o seio da família é o lugar onde se cria o hábito da leitura, da observação, do estudo e do querer aprender. Quando este é ali desenvolvido e não ape-nas na escola, a valorização do conhecimento é maior. É grande o significado da ação dos pais junto aos filhos quando a motivação é ajudá-los em sua educação escolar. O filho, enquanto aluno, desenvolve o respeito pela escola, pela educação e por sua com-petência em aprender. Infelizmente, temos que ser realistas e buscar compreender as razões que levam famílias a, no lugar de ajudarem seus filhos, apenas buscarem culpar a escola por seu fracasso. Embora saibam da necessidade da educação, poucas são as famílias conscientes da necessidade de um bom relacionamento entre elas e a escola. Ainda detectamos em algumas mães reações de ciúmes com relação à professora, ao conhecimento adquirido na escola e que, muitas vezes, elas atribuem unicamente a si próprias, do tipo: “Ele aprendeu a ler porque eu ensinei”. Existe, de fato, famílias que não contribuem, não aceitam agir em parceria com a escola, embora afirmem dar todo o apoio e ajuda necessária pra a educação do filho. E é por isso que concluímos que a interação entre a família e escola seja um grande mito. Para desmistificar e tornar rea-lidade esta relação, propomos ações que aproximem de fato as duas agências, pois estas são instituições que precisam caminhar de mãos dadas, reconhecendo que o ponto onde se quer chegar é comum às duas.

Uma realidade perceptível entre os educadores de hoje, mas que sem dúvida não

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é uma realidade obrigatória, é a crença em que a maioria dos problemas apresentados pelo aluno no cotidiano escolar são decorrências imediatas de prováveis desajustes familiares.

Segundo AQUINO (2003), “o clichê da desestruturação da instituição familiar tem servido como mais um conspirador contra o poder do trabalho pedagógico”; e, de certa forma, passa a ser mais uma justificativa para o fracasso escolar, mesmo que esse tenha suas raízes nas mais diversas causas. Ele também discute um outro mito que vivemos dentro da escola que é crença unânime de que o filho de uma boa família é sempre um bom aluno; filho de uma família de estrutura abalada tende a ser um mau aluno, independente da experiência escolar que traga. E o respeito à bagagem de cada um? Às vivências, às aquisições familiares, sociais e escolares?

Vale saber que, no momento atual, o modelo familiar já não é um só, mas existem vários moldes em processo de construção; é um momento de transição dentro do con-ceito de família e não necessariamente de desestruturação do conceito.

Com a evolução dos tempos tornou-se impossível manter como único o modelo de estruturação familiar, que era composto por pai, mãe e filhos. Com o desenvolvi-mento do sistema capitalista, a mulher ganhou espaço nas fábricas, nos escritórios, no comércio, na política. A educação das crianças passou a ser “terceirizada”, o casamento perdeu a estabilidade e, com o advento do divórcio, tudo se tornou ainda mais natural em termos de novos padrões de família. Na partilha dos bens, entraram os filhos e novos modelos de família foram surgindo. No entanto, para a escola o aluno será sem-pre o aluno, sendo indiferente a sua situação social. Então o que está em questão não é necessariamente a deterioração dos moldes familiares, mas a proposta de educação para todos, a democratização da escola. E esta tem que ser democratizada mesmo, ao pé da letra, independente de onde esteja inserida, do tipo de família e da condição sócio-cultural ou mesmo afetiva de cada um. É importante que haja escolas, vagas su-ficientes e, principalmente, currículos adequados a cada comunidade, ou seja, um pro-jeto pedagógico próprio para cada unidade escolar e que vise incluir cada indivíduo. Que não promova as diferenças, mas que também não suponha que os sujeitos sejam iguais. Cada um é um, e se isso não for enxergado, estará se alimentando a escola que exclui, segrega e demove os alunos menos favorecidos, em todo e qualquer sentido. A maior parte das queixas contra as famílias é parte da recusa dos profissionais da edu-cação à premissa da educação escolar.

Pudemos perceber, em nossa pesquisa, que os professores têm sido convocados a

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compartilhar e até a solucionar questões absolutamente fora do âmbito escolar, o que lhes habilita a acreditar que os alunos sofram pela ausência de estrutura familiar, fator que, comprovadamente, interfere no processo cognitivo. Ainda que os profissionais de educação estejam corretos em suas conjecturas, não seria o caso de a escola assumir as funções que são claramente da família. O que é da escola, é da escola; mas o que cabe à família exclusivamente, que seja resolvido por ela.

O desejo do educador é ver a família cumprindo seu papel de estimuladora na educação escolar de cada criança. Mas... Qual é o papel da família? Qual é o papel da escola? Infelizmente, as respostas não são muito claras e precisas; não há uma linha que demarque as funções de cada uma das instituições em questão. E quando se busca discutir o tema com pais e professores, as coisas mostram-se ainda mais complexas. Será que se pode determinar qual das duas tem um papel mais importante? E alguma tem um papel mais importante?

No mundo atual, repleto de guerras de toda ordem, o que menos se precisa é de rivalidade entre família e escola, instituições cujos objetivos são comuns no que se refere a formação dos jovens.

É urgente que estas se unam numa parceria saudável e construtora, já que seus objetivos giram sempre em torno dos mesmos sujeitos, filhos e alunos. A escola não pode fazer-se de desentendida diante da realidade familiar atualmente existente: pais que trabalham e trabalham, filhos criados sob a “supervisão” da televisão, que nem sempre traz o melhor para a educação, e a ausência de quem possa ajudar nas tarefas escolares de casa; sabemos que algumas vezes a ajuda até existe, ou melhor, o desejo de ajudar, que se depara com as limitações de quem está descontextualizado dos novos paradigmas da educação escolar. E ainda há o mundo enorme de atrativos reais, bem mais convidativos ao jovem que a tarefa árdua e solitária que é estudar.

É claro que as duas agências, a escolar e a familiar têm papéis intransferíveis, mas há que se compreender que são complementares, o que conclama, urgente, a formação dessa parceria. À família cabe a função de estimular para a escola, auxiliar nos exer-cícios de casa sem, no entanto, fazer pelo aluno. O que ocorre algumas vezes é que famílias muito ansiosas acabam por dar demais e dar errado, não ficando na criança nem a percepção do seu interesse em ajudar. Famílias que não sabem orientar, instru-mentar ou supervisionar o trabalho; vão e fazem como se fosse o “seu” trabalho. Outro ponto que percebemos em alguns lares que querem ajudar demais é a cobrança errada e exagerada; não criam um horário adequado para estudar com seus filhos, não tor-

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nam o ambiente propício nem dão condições suficientes para que as tarefas propostas pela escola sejam realizadas a contento. Assim, por conseqüência, não atingem seus objetivos.

À escola cabe também lançar mão de reuniões que abordem o como ajudar nas ta-refas escolares dos filhos, suscitando assim, a participação efetiva da família. E que não haja inversão de papéis: o que é da escola, que caiba a escola; o que é da competência da família, que seja realizado por ela. Mas que quando a ação de ambas se fizer neces-sária, que haja a cooperação, a parceria. Afinal, o objetivo de ambas é comum: formar pessoas aptas a enfrentarem o mundo e plenamente inseridas em seu contexto social.

7.2 -A influência do contexto social, cultural e econômico na forma-ção do aluno.

O ser humano vive em sociedades, grupos de pessoas que interagem entre si. Para

a criança, o ambiente social em que está inserida é determinante para a formação da sua personalidade, das características que vão determinar seu modo de pensar, de compreender o mundo, de ser. Cada sociedade tem uma cultura distinta, seu conjunto de conhecimentos acumulados com o tempo, maneiras características de pensar, de agir e reagir, de objetivos e ideais.

Segundo MUSSEN (1975), a socialização é o processo pelo qual o indivíduo ad-quire as formas de comportamento aceitáveis pelos costumes e pelos padrões de sua família e de seu grupo social. A família, normalmente a primeira instituição na qual o sujeito é inserido, tem grande influência na formação de sua personalidade. Influencia, também, na sua formação social, já que é ela quem decide onde e como a criança vai viver seus primeiros anos; decide também a hora de inseri-la em um ambiente maior: a escola. Sabemos que esta “decisão” será tomada de acordo com a formação social, cultural e econômica de cada família. E esta é uma grande decisão: qual o momento certo? Qual a escola ideal? Este onde e quando são escolhas fundamentais. Mas será que toda família percebe que sua atuação, a co-participação, são ferramentas para tor-nar sua decisão ainda mais acertada?

É notório que grande parte dos pais ou responsáveis buscam salientar os “defeitos” da escola, o despreparo dos professores e pior: o fazem com grande satisfação, como se mostrassem as fraquezas do “concorrente”, do opositor. Como se o erro da escola reforçasse as virtudes e qualidades educadoras da família. Infelizmente, é assim que

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muitas famílias vêem a escola, como concorrentes do direito de educar o filho. Por isso, se faz urgente a necessidade de acordar a família para as necessidades da escola; educar, ajudar na construção do cidadão é tarefa global, dever de todos, direito de cada um. Os erros e acertos devem ser discutidos para serem sanados e o meio para isso é o diálogo e a parceria.

Para a criança, a família e suas atitudes são exemplos a serem seguidos. Assim, se esta valoriza e impulsiona para cima a escola que escolheu, estará lhe entregando um sujeito que, de antemão, reconhece o valor da instituição; as famílias que agem desta forma certamente valorizam o produto do que é realizado na escola, percebido dia-a--dia no filho / educando.

O que fica claro é que a família tem uma representatividade bastante significativa no processo educacional do sujeito. Quando se faz presente, acompanha e se mostra preocupada com a aprendizagem, valoriza e estimula a execução das tarefas e, ainda, oferece recursos diversos para que a aprendizagem se efetive com qualidade, a família é capaz de despertar no indivíduo o gosto pela leitura, escrita, artes, o interesse cons-tante por descobrir mais e novos conhecimentos.

A influência do lar como habitat da criança, assim como a influência do meio so-cial mais amplo é muito grande, principalmente na primeira infância e na adolescên-cia, quando o desenvolvimento requer um maior cuidado e atenção. A organização familiar e seus modos interacionais vão construir um sistema referencial que a criança utilizará no sistema escolar. Considerando a escola como uma extensão do lar, cabe a ela proporcionar as oportunidades para o bom entrosamento entre os adultos e as outras crianças, pois desse dependerá a integração entre elas no grupo escolar, assim como sua maior adaptação ao novo tipo de vida. “A criança passará da educação infor-mal que vinha recebendo do lar, para um sistema formal de estudos, ingressando em um universo de conhecimentos, de normas disciplinares e de novas relações sociais.” (DROUET, 2001, p. 213-214)

Os distúrbios provenientes de uma educação familiar mal orientada podem resul-tar em problemas de aprendizagem. Uma grande parte dos problemas educacionais infantis continua a se originar no lar. Os ambientes físico e social, o clima emocional e os níveis cultural, educacional e sócio-econômico da família são aspectos importantes que devem ser considerados, pois neles podem estar a resposta para muitas dificulda-des de aprendizagem apresentadas pelos educandos no interior da instituição escolar. Ressaltamos que não é só aí que se pode encontrar as causas para todas as dificuldades,

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mas também não se deve descartar esta possibilidade, que é igualmente importante.É relevante que desde cedo as crianças tenham, estabelecidos pelos pais, horários

para as refeições, estudos, repouso e sono, com a finalidade de desenvolver-lhes a no-ção de responsabilidade. A união, a cooperação e o respeito mútuo são ingredientes também fundamentais na obtenção de um ambiente físico e social organizado.

A harmonia do casal e tratamento igual dispensado a todos os filhos são elemen-tos muito importantes na criação de um lar equilibrado emocionalmente. As crianças que se sentem incompreendidas e não amadas tornam-se inseguras. Esta insegurança reflete-se na aprendizagem e no rendimento escolar.

O nível cultural, educacional e sócio-econômico da família também exerce grande influência no processo de aprendizagem da criança. Quanto maior o grau de escola-rização dos pais, maior será o conhecimento que esses poderão transmitir aos seus filhos.

A criança, inserida em um ambiente onde a leitura e o acesso a programas culturais sejam freqüentes, terá oportunidades de ampliar ainda mais os seus conhecimentos. Em contrapartida, os pais que têm pouca ou nenhuma instrução, só poderão oferecer e ensinar a seus filhos os conhecimentos práticos muito úteis. Encontramos casos cujos pais afirmam que mesmo sem escolarização conseguem trabalhar, sustentar família e ainda comprar televisão. Assim sendo, o pouco que o filho estudar, será suficiente. Basta que saiba ler e escrever para que possa ser inserido no mercado de trabalho. A falta de perspectivas e de objetivos dessas famílias que não sonham e sim se acomo-dam com o pouco que têm, dificulta o trabalho pedagógico em todo o seu desenvol-vimento, pois não vendo a educação formal como “escada” para elevar o nível cultural e educacional da criança, os pais, involuntariamente, geram nesses, conflitos. Neste caso, quando a educação escolar não é considerada importante pela família ou por um membro dela, o trabalho da escola é dobrado, porque ela precisa conquistar a confian-ça e o desejo do aluno.

O nível sócio-econômico da família é outro fator que influi no aparecimento de problemas de aprendizagem. A família que pertence à classe social alta terá todas as possibilidades de oferecer boa educação aos seus filhos. As crianças oriundas de famí-lias de baixa e média classe, mesmo não dispondo de muitos recursos, poderão alcan-çar altos níveis de desenvolvimento intelectual e serem bem sucedidas nos estudos. Já as crianças de famílias de classes populares terão maiores dificuldades em ascender. O fato de pertencerem a essa classe não significa dizer que sejam despreparadas para

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aprender, porém, mesmo sendo inteligentes e estudiosas, freqüentarão escolas públi-cas nem sempre eficientes, além de não terem a oportunidade de leitura de bons livros, viagens e cursos. Essas terão que desprender de um esforço redobrado.

O ambiente físico e social da escola, os professores e seus programas e métodos são também elementos causadores de problemas de aprendizagem que precisam ser con-siderados. Também a estrutura física da escola, assim como a interação entre professo-res, alunos e demais componentes da comunidade escolar, são elementos importantes para a adaptação da criança. Um ambiente acolhedor, alegre e descontraído favorecerá muito o processo de ensino e aprendizagem.

O acompanhamento dos pais no desenvolvimento dos trabalhos pedagógicos é im-prescindível. A relação de parceria pais x escola, deve ser estabelecida com o propósito de contribuir para melhoria das atividades intra e extra escolares, como também na solução de problemas de aprendizagem.

Segundo SCOZ (1994), quando a criança apresenta problemas para aprender, a forma com que a família reage pode agravar ou ajudar sua recuperação. O contato com a família pode trazer informações sobre os fatores que estão interferindo na aprendiza-gem e apontar os caminhos mais adequados para ajudar a criança.

Família e escola são instituições fundamentais à formação da personalidade do in-divíduo. É importante salientar que tanto pais quanto profissionais de educação devem estar atentos aos distúrbios de aprendizagem apresentados pelo sujeito auxiliando-lhes na construção de novos conhecimentos.

Não há dúvida de que a influência familiar é decisiva na aprendizagem do aluno.Os filhos de pais extremamente ausentes vivenciam sentimentos de desvalorização e carência afetiva que os impossibilita de obter recursos internos para lidar com situa-ções adversas. Isso gera desconfiança, insegurança, improdutividade e desinteresse, sérios obstáculos à aprendizagem escolar. A representação que as crianças têm dos pais também pode influenciar diretamente na sua relação com os professores, na medida em que há uma transferência de imagens de uns para os outros. A formação de hábitos de uma criança será sempre o espelho do que ela vivencia em família. Como disse MACHADO (2001,p.21) em entrevista à revista Nova Escola, “Dois fatores levam uma criança a gostar de ler: curiosidade e exemplo. Por isso, é fundamental o adulto mos-trar interesse.” E é esse interesse pela leitura e pelo estudar percebido na família que de fato mobilizam o desejo da criança, seja pelo ato natural de imitar os pais ou outros “modelos” que tenham em casa, ou até mesmo pela pura curiosidade, como disse a

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professora e escritora citada.

7.3 -Desestruturação da instituição familiar e suas implicações na aprendizagem

A estrutura familiar é fundamental para a formação social e intelectual do indiví-duo. Como já dissemos, a desestruturação do antigo modelo de família que conhece-mos e que a sociedade aceita de forma natural, está em claro processo de transforma-ção. É necessário que os reflexos dessa transformação não sirvam de “desculpas” para encobrir as culpas de outros processos que causam o desajuste do sujeito dentro da escola, além de ser também necessário considerar as causas de outras ordens que não sejam as sociais, como as orgânicas, por exemplo. De certa forma, o modelo de família encontra-se em transição, mas isso não pode ser usado como mais uma justificativa para o fracasso escolar.

Segundo SCOZ (1994, p.143) e de acordo com nossas constatações, é a falta de contato com os pais dos alunos que apresentam dificuldades de aprendizagem que representa um grande empecilho para que as mesmas sejam solucionadas; além disso, é o contato com os familiares que pode fornecer informações para identificação dos fatores que interferem na aprendizagem e indicar os caminhos mais adequados para se ajudar a criança em questão. Também torna possível orientar a família para que seus membros compreendam o quanto as relações familiares podem e influenciam o desenvolvimento da aprendizagem das crianças.

Reconhecendo que é, muitas vezes, durante a fase das séries iniciais que ocorrem as separações, ou seja, a desestruturação da primeira forma de lar conhecida pela maioria das crianças, primamos por observar as implicações desse evento no processo de aqui-sição de conhecimentos sistematizados ou não. De um modo geral, embora de formas diferentes, a criança é atingida no campo emocional quando vê sua família assumir um novo formato. A palavra em destaque é separação e ela nem sempre consegue elaborar isso. Separar por quê? Quem se separa? Como eu fico? E meus amigos? Meus tios e primos e avós? Minha escola? Estas são, provavelmente, as questões que povoam a mente da criança que vive este conflito. É quando ela percebe que este é também um momento de decisão ou de aceitação. Para este sujeito, embora as coisas parem por alguns momentos, tudo mais continua: a escola, as aulas, os amigos e a própria vida de cada um dentro do ambiente familiar conflituoso. Não é regra, claro, mas são muitos

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os fatores decorrentes da separação que interferem no desenvolvimento e no com-portamento do aluno. Como já dissemos, não é regra de fato; são muitas as famílias que educam seus filhos em regime de separação, com grandes ausências e profundo desconhecimento, embora não tenha havido a separação ou desestruturação do lar. Nas famílias assim fundamentadas, a separação só será sentida se houver queda no status do sujeito.

Para aqueles que vivem o dilema de escolher com quem ficar ou de ficar com quem escolheu preterindo o outro, a insegurança pode se refletir no âmbito da escola. Na maioria das vezes os próprios pais desconhecem o reflexo da situação sobre o filho; outros, mesmo alertados, resistem à idéia de se considerarem causadores de qualquer ordem de desajuste, buscando, inclusive, responsabilizar terceiros e até a própria es-cola por quaisquer “desequilíbrios” no comportamento ou desenvolvimento do aluno. É comum os pais não acreditarem na escola e, mesmo assim, passarem para ela suas responsabilidades e culpas, omitindo-se de assumir as conseqüências de seus atos ou omissões. Existem também casos em que a separação não gera conflito nem trauma; o diálogo claro estabelecido entre pais e filhos, mostrando a necessidade e as vantagens da separação, a impossibilidade de manter o casamento, faz com que a criança aceite o fato, como algo inevitável e natural; claro, se as condições não forem estranhas à rela-ção, nem violentas. Outro caso é aquele cuja vida familiar é permeada por discussões e atitudes de violência física, e que quando ocorre separação a criança vive um momento de “alívio” e encontra o equilíbrio, algumas vezes até melhorando seu rendimento e desempenho escolar.

Segundo PATTO (1990), o desejo que os filhos estudem e tenham sucesso na aprendizagem escolar está sempre presente no discurso dos pais. É necessário então que assistam melhor aos filhos durante a separação, dotando-lhes de ferramentas para elaborarem bem a situação impossível de ser evitada, não permitindo assim que haja interferência por esta causa no seu equilíbrio e no processo de aprendizagem escolar. Não sendo assim, a situação, por mais que seja esperada, poderá ocasionar inseguran-ça, gerará conflito e desequilíbrio emocional.

Muitas vezes, é a falta de instrução e conhecimento ou a própria dificuldade só-cio-econômica que mantém a família à margem dos problemas de aprendizagem dos filhos. Algumas vezes há a consciência da dificuldade provocada pela separação, há também o desejo de ajudar embora faltem os meios, que vão desde as condições de di-álogo até a precariedade dos serviços públicos oferecidos, caso a escola indique algum.

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SCOZ (2001, p.74-75) diz que as crianças que se sentem abandonadas, não ama-das, terão, quase sempre, dificuldades para desenvolver um sentimento de identidade estável e satisfatório. Não possuem autoconfiança e perdem a auto-estima e, por não acreditarem em suas potencialidades, não conseguem resolver as atividades propos-tas pela escola. Ao sentirem dificuldades e perceberem possibilidades de fracasso, abandonam suas tarefas e retraem-se. Deixam de acreditar nos adultos, não procu-ram comunicar-se com eles para expor seus problemas e buscar soluções que acham, inclusive, que não existem, iniciando aí a privação da capacidade de comunicação, impedindo a possibilidade de enriquecimento do seu vocabulário; sua comunicação fica empobrecida interferindo assim na aprendizagem da linguagem oral e escrita. De acordo com BLEGER apud SCOZ (1984, p.85), “os vínculos negativos que a criança desenvolve com os adultos à sua volta certamente interferirão no seu vínculo com o objeto do conhecimento”.

“Embora o afastamento ou ausência dos pais exerça uma grande influência na aprendizagem dos alunos, convém observar que esses fatores não devem ser consi-derados isoladamente” BLEGER apud SCOZ (1984, p.85), ou seja, os ditos problemas provenientes da desestruturação familiar não podem ser vistos de maneira isolada, mas dentro de um contexto mais amplo, que envolve a própria organização da socieda-de. Há o caso em que a criança não sofre tanto o caso da separação, mas a sua mudança de status social; algumas vezes fica difícil para ela se admitir filha de pais separados quando a maioria do seu grupo tem pai e mãe morando juntos, e esta possibilidade que citamos foi um fato comentado pela professora, falando de sua própria experiên-cia como aluna.

Algumas vezes, no caso da separação, há problemas que são gerados pelo excesso de zelo e pela superproteção por parte daquele que ficou com o filho. Isso pode resultar em um baixo limite de tolerância à frustração, uma certa limitação da capacidade de decidir, agir, fazer por conta e risco próprio; também pode ocasionar falta de iniciativa e criatividade; mas estes são sintomas que devem estar aliados a outros e que preci-sam ser bem analisados. Estes aspectos emocionais que limitam o desenvolvimento da aprendizagem também podem ter outras origens e isso precisa estar sempre bem claro. A dificuldade na relação familiar é apenas uma delas. Estas dificuldades podem ser ex-pressas por uma rejeição ao conhecimento escolar, em trocas, omissões e distorções na leitura e na escrita e em não conseguir elaborar cálculos, dentre outras manifestações.

É fato que todas as famílias passam por determinadas dificuldades e problemas em

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alguns momentos de sua existência. Algumas resolvem seus conflitos sozinhas, outras solicitam ajuda a terceiros e em outras, no entanto, instalam-se comportamentos de-terminados, o que Weiss chama de sintomas, em alguns dos seus membros que retra-tam a dificuldade de aceitação e até de manutenção do equilíbrio; no entanto, segundo WEISS (2001), para poder avançar, a (nova) estrutura familiar precisa adaptar-se às circunstâncias atuais e transformar determinadas normas e padrões de comportamen-to, buscando superar o desajuste.

No momento de mudança a criança desenvolve resistências e tensões que se mani-festam, muitas vezes, através do bloqueio da aprendizagem, desenvolvendo sintomas diversos através da sua dificuldade de elaborar emocional e psicologicamente a nova situação.

Tradicionalmente escola e família têm estado afastadas apesar de possuírem fre-qüentes relações ou interações. É necessário que se crie um clima de relativa “intimi-dade” entre estes dois sistemas, de forma que a ação de um seja conhecida pelo outro, visando nada mais que assistir da melhor maneira possível o educando no qual desen-volvem-se as atitudes, ou seja, os sintomas que caracterizam a dificuldade de aprendi-zagem. A interação entre a família e a escola facilitará a condução do caso rumo a uma solução, visto que determinar que a causa seja única e exclusivamente proveniente da desestruturação familiar é um erro. Como citou SCOZ (1994), o caso deve ser visto num contexto mais amplo e abrangente, ou seja, o que seria um problema familiar visto rapidamente, numa análise mais detida pode perceber-se ser uma questão social.

7.4 -A escola e a projeção dos problemas familiares no seu âmbito

O processo de ensinar e aprender são fundamentais para o desenvolvimento do ser humano e para perpetuar a espécie; e os dois processos citados não ocorrem em apenas um lugar, como se sugere muitas vezes, mas, em todo lugar, principalmente na família e na escola. A escola traz como seu objetivo principal, ensinar; não importa qual seja a escola ou em que comunidade esteja inserida. O seu papel social é ensinar, doutrinar, levar conhecimentos sistematizados, facilitar o aprendizado. À família cabe o papel de educar, direcionar, disciplinar. Mas é só? As funções serão assim limitadas e estanques? E se assim são, onde está o conflito? Em nosso trabalho, buscar respostas e soluções para estes questionamentos têm sido os principais objetivos, cuja meta é des-pertar os educadores, na escola e na família- para a necessidade de uma co-operação.

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As ações executadas individualmente por cada uma dessas instituições têm, ou deveriam ter, o mesmo objetivo: formar cidadãos críticos, aptos e desenvolvidos para sobreviverem em uma sociedade moderna e competitiva. E para que essas ações re-sultem positivamente é necessário que haja um intercâmbio de idéias e que as pos-turas de ambas sejam convergentes. No entanto, embora o discurso da necessidade da interação entre família e escola esteja em alta, o que vemos, na realidade, é uma grande divergência de valores, distorções de posturas, acusações e rivalidades. A es-cola fazendo acusações a estrutura familiar pelos seus fracassos e a família a esperar que a instituição escolar corrija todas as suas falhas e ausências na educação dos filhos. O diagnóstico é claro: falta o diálogo entre as duas instituições para que se resulte em uma parceria, cujo objetivo seria a otimização do exercício de cada uma.

É possível constatar que esta realidade não se aplica apenas a esta ou aquela escola ou família; independe da classe social ou do contexto em que está inserida. Hoje, a escola busca a parceria com a família, talvez por vias erradas e, tanto uma quanto a outra, não podem ser consideradas de forma abstrata, dissociada de suas condições históricas e socioculturais.

Para que funcione satisfatoriamente, a escola de hoje necessita da participação de todos os seus usuários, compreendendo este universo como alunos e pais ou respon-sáveis, na realização das suas propostas e objetivos educativos, devendo esta adesão culminar em ações efetivas que contribuam para o bom desempenho do educando.

Por meio da educação o homem tem a possibilidade de construir-se historicamen-te e essa construção ocorrerá sempre de forma organizada. A escola é o locus da educa-ção sistematizada, mas a família, o contexto social do educando, tem grande influência no seu processo de construção do conhecimento, pois é lá, fora da escola, que o sujeito passa a maior parte do seu tempo.

No Artigo 4º, inciso VIII, da LDB consta que deverá haver “atendimento ao edu-cando no ensino fundamental público, por meio de programas suplementares de mate-rial didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde”. Mas, o que se pode observar em algumas escolas da rede pública de ensino é que estas ainda possuem muitas deficiências, mostrando-se, muitas vezes por motivo de ordem administrativa, impossibilitadas de atender o que rege a lei para suprir as carências e necessidades de sua clientela. O que acontece é que, por falta desse material didático e dessa assistência citada, o aluno fica, em grande parte do tempo ocioso e propenso a atitudes negativas. Como lembra PARO (2000, p.13 ), o profissional de educação, mais precisamente o

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professor, não tem conseguido fazer muito diante das dificuldades que se apresentam durante o processo, que vão desde a falta de material escolar até a superlotação das classes, ou seja, das condições inadequadas de trabalho de um modo mais geral. Há outro fator ainda: a baixa remuneração que o obriga a trabalhar em duas ou mais insti-tuições, ficando sobrecarregado de atividades e problemas, o que implica diretamente a qualidade do trabalho desenvolvido.

Diante dos fatos, a escola pública brasileira tem produzido altos índices de reprova-ção e a evasão tem sido cada vez mais assustadora. Quanto àqueles que conseguem ser aprovados e permanecer no sistema, o nível de conhecimento que adquirem é, quase sempre, altamente insatisfatório. A culpa, na maioria das vezes, cai sobre o professor, acusado de incompetência e de pouco empenho profissional. Sabendo que existe uma grande gama de profissionais de educação com baixa consciência política, conclui-se que estes nem percebem que também são vítimas do sistema e, em defesa própria, põem a culpa unicamente no aluno, acusando-o de não querer aprender. Assim, cria--se um círculo vicioso no qual ninguém tem responsabilidade pela situação, sendo todos um tanto responsáveis de fato.

Em busca de justificativas para o insucesso do seu trabalho, o profissional “despeja” no aluno e na sua condição social toda a culpa pelo mau desempenho das duas partes; esta é uma realidade fática.

Uma das funções mais essenciais da escola é ensinar o aluno a querer aprender, é despertar nele o desejo de conhecimento; aceitar sua indiferença ou seu fracasso é negar sua própria condição de escola e isso precisa ser combatido de forma radical. Porém, nos questionamos: como despertar os profissionais da educação para esta re-alidade?

Cabe ao professor das séries iniciais implantar no aluno, desde cedo, o desejo de querer aprender. Segundo PARO (2000, p.14), este é também um valor cultivado his-toricamente pelo homem e, portanto, um conteúdo cultural que precisa ser apropria-do pelas novas gerações, por meio do processo educativo. Por isso, cabe à escola, na condição de agência encarregada da educação sistematizada, desenvolver esta tarefa. Já não faz sentido dizer que o aluno não tem interesse, que não quer aprender. A ela compete modificar a situação ou admitir a responsabilidade por seu fracasso. Esta é uma de suas maiores responsabilidades: despertar no aluno o desejo de aprender, de-safio primordial, do qual dependem todas as demais iniciativas.

Infelizmente, os alunos atendidos pela escola pública, principalmente de escolas

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localizadas em bairros periféricos, não estão preparados para aprender, falta-lhes re-ferencial para que haja o desejo. E, diante das tantas dificuldades vividas na realidade escolar, tem-se de compreender que são grandes os obstáculos e maior ainda a defi-ciência do aluno, tornando-se muito complicado ultrapassá-los. No entanto, tornar o ensino convidativo e prazeroso é uma necessidade na educação pública brasileira e talvez não venha sendo feito o suficiente para se alcançar este objetivo, se é que para alguns isso seja, de fato, um objetivo. Como diz PARO (2002), o aluno precisa ser “seduzido”, conquistado para o desejo de aprender. É verdade também que há muito a fazer que não depende exclusivamente da escola, pois não é apenas ali que se for-mam seus valores, já que apenas um pequeno percentual do seu dia é vivido naquelas dependências e tem se dado pouca atenção às atividades e as vivências do aluno en-quanto está fora dela. Ainda de acordo com PARO (2002), uma postura correta com relação ao aprender e ao estudar não acontece de uma hora para outra e nem de uma vez por todas. É um valor cultural que precisa ser permanentemente cultivado. Come-ça a formar-se desde os primeiros anos de vida e precisa de ambiente favorável para desenvolver-se e carece de estímulos permanentes durante a infância.

Quando a escola assume o objetivo de implantar no aluno o desejo de aprender, deve, concomitante a isso, observar que este é um trabalho a ser realizado em parceria com a família. Precisa ter presente a complementaridade entre a educação escolar e a educação familiar, buscando formas de dividir com a família sua tarefa de desenvolver nos jovens desejos e atitudes positivas com relação às atitudes do aprender e do estu-dar. É imprescindível o estímulo da família; quando o estudante traz de casa a predis-posição para estudar, boa parte do trabalho da escola está encaminhado.

É necessário que se encurte a distância entre a escola e a família, e que uma venha a complementar o trabalho da outra. Sabemos que isso tem sido tarefa árdua, difícil, mas que não deixou de ser tentado pela instituição escolar em momento algum.

No momento atual, a participação da família na escola não só em colegiados ou em programas do tipo Amigos da Escola tem-se mostrado urgente. Para que haja uma mudança de postura da escola em relação ao alunado e seus familiares e que isso seja positivo, é necessário que se ofereçam ocasiões de diálogo, de convivência, de parti-cipação de fato e que se faça um acordo com os sujeitos da educação, alunos e pais, trazendo-os para o convívio da instituição escolar. A meta é uma só: implantar no alu-no o desejo de aprender e na família a consciência da importância da sua participação.

A presença dos pais junto a seus filhos durante o processo de educação escolar

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implica um melhor desempenho destes. O sujeito percebe no envolvimento a valo-rização do que lhe é imposto, pois, sem dúvida, não é sua a decisão de estar ou não na escola. É necessário acabar com mito de que a função de ensinar é da escola, não cabendo a família arcar com as responsabilidades que são “apenas” dos profissionais ali existentes. Quando se trata de aluno de escola particular, há ainda a alegação de que eles, os responsáveis, pagam para isso e, portanto, são os únicos responsáveis pelo processo. Ou seja, para muitos, a tarefa de educar é apenas da escola, devendo a família posicionar-se à parte, observando ainda se tal está sendo feito satisfatoriamente. Sua presença só vem ser percebida quando o insucesso é detectado.

De fato, apesar de a escola ter funções específicas, isso não a isenta de levar em conta a continuidade entre a educação escolar e a educação familiar. À família, tam-bém, cabe reforçar o trabalho desenvolvido na escola, revertendo isso em seu próprio benefício, na forma de melhoria da educação dos seus filhos. A interação das duas instituições só proporcionaria saldo positivo a ambas.

É possível perceber a atuação dos pais no trabalho escolar nos períodos destina-dos à avaliação. Observamos aí que há ajuda nos estudos, há diálogo (nem sempre de auxílio, também de pressão) e cobrança. O resultado da avaliação -o instrumento-, as chamadas provas, dão às famílias ferramentas para avaliar a escola: se o educando foi bem, a escola é boa; se o resultado foi desfavorável, questionam a qualidade e compe-tência do professor e da instituição. E a efetividade de sua participação?

O sujeito da educação, assim chamado, parece não ser mais que um sujeito passivo sobre o qual se projetam técnicas e teorias educativas. Nossa visão é que esse sujeito que interage com diversos sistemas pode assim ser chamado porque, passiva ou ati-vamente, ele constrói e se constrói a partir de suas relações com o meio em que está inserido, no qual vivencia, troca e apreende coisas; e isso ocorre nas comunidades das quais faz parte, principalmente a família e a escola. Para uma o sujeito leva o reflexo do que vive na outra, suas experiências e suas conclusões. É difícil para ele não per-mitir que suas experiências escolares sejam reveladas em casa e, mais ainda, que as suas vivências familiares não se reflitam no seu modo de ser e de agir no ambiente escolar. É possível ao educador identificar as situações positivas ou negativas que o aluno vivencia em casa a partir da observação do seu comportamento. A euforia cau-sada pela alegria, pelo prazer é facilmente percebida. O aluno fica agitado, desatento, falante, inquieto e ansioso para relatar as novidades: vovó que chegou, a bicicleta nova, o fim-de-semana que chega, a viagem, enfim, as causas podem ser diversas. Já as ex-

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periências dolorosas, de fundo negativo, são mais difíceis de serem identificadas, mas são facilmente percebidas. Podem ser denotadas pela mudança de comportamento, pela indisciplina, pela agressividade no trato com os colegas, o desrespeito à figura do professor ou do adulto de um modo geral e, de forma mais sutil, pelo retraimento, a não participação na aula, o isolamento durante as brincadeiras e os próprios dis-túrbios de ordem orgânica. Estes aparecem mais claramente, como diz FICHTNER apud SCOZ (1987), psiquiatra que exerce sua atividade em Porto Alegre, no decorrer de crises situacionais. Estas crises podem ser desencadeadas pelo nascimento de um irmão, pela perda de um ente querido, em caso de desestruturação do lar, pela troca de uma professora, mudança de escola, de casa ou outros. Tais crises, devido a perdas significativas, freqüentemente mobilizam ansiedades depressivas em muitas crianças e adolescentes ou, em outros casos, mobilizam um alto grau de ansiedade flutuante, o que dificulta a adaptação às situações novas.

Em casos assim, há uma demanda por um profissional especializado para a con-dução, de forma que afaste a possibilidade de problemas processuais, geradores da carreira de fracasso escolar. Uma vez que se estabeleça o fracasso escolar, o aluno po-derá manifestar uma série sintomas tais como: hiperatividade, dificuldades perceptu-ais, baixa tolerância à frustração, autoconceito depreciativo, desmotivação e fuga aos desafios; ocorre, então, a desadaptação escolar. Por sua conduta anti-social, geralmente se torna o “bode expiatório” do grupo; por se considerar pouco inteligente, mal com-portado e desobediente, estrutura um sentimento de exclusão e diferenciação grupal, os quais são reforçados por uma atitude real de segregação por parte dos colegas e pro-fessores, ou seja, as dificuldades e problemas vivenciados em casa podem ser refletidos no âmbito escolar; só não são assim claramente revelados nem tão fáceis de associar, como no caso das experiências positivas. E é necessário que se tenha em mente que pode não haver uma causa isolada, mas várias.

O baixo rendimento escolar pode ser tanto um sintoma de distúrbio específico da aprendizagem, como pode ser a expressão de um sistema familiar disfuncional, que não permite à criança a maturidade necessária para atingir um desempenho satisfató-rio. A partir do momento em que a família se conscientiza disso, as reações podem ser de ajuda ou de crítica e inaceitação. A posição da família é, portanto, primordial para a condução de soluções.

De certa forma concordamos que muitos dos distúrbios de aprendizagem têm sua gênese na problemática familiar; assim, nos permitimos inferir que a prevenção dos

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distúrbios da aprendizagem deveria começar dentro da família, na medida em que o grupo se constitui num continente das ansiedades infantis e, ao mesmo tempo, funcio-na como organizador das condutas e comportamento da criança. Em resumo, a família é a matriz dos pré-requisitos necessários para a aprendizagem e adaptação escolar.

A grande influência da família no desenvolvimento da criança é um fato indis-cutível. O meio social, o clima familiar em que está inserida é uma variável decisiva para o seu processo, especialmente nos casos em que há dificuldade de aprendizagem, quando os pais devem prover aos seus filhos suporte emocional, informações e con-selhos, a fim de encaminhá-los para a aquisição de segurança. Quando se trata de um ambiente cujo equilíbrio é claro, possivelmente a criança desenvolve posturas de segurança, facilidade de adaptação às situações adversas, fácil comunicação e relacio-namento com o outro. Nestes casos, quase sempre há um bom relacionamento entre a família e a escola, o que facilita a manutenção da situação. Mas há também o outro lado da moeda; quando o aluno não vai bem e vem sendo trabalhado pela equipe esco-lar, as informações que a escola passa para a família a respeito do seu comportamento, o diagnóstico dado pelo professor, pelo pedagogo ou psicopedagogo, repleto de nomes técnicos, difíceis e sem sentido para o leigo, pode gerar uma transformação na relação dos membros dessa família com o sujeito, gerando uma mudança de comportamento no lar. É um diagnóstico que, muitas vezes, marginaliza a criança da escola e do lar e a rotula de “criança anormal”.

Existe, sem dúvida alguma, a grande necessidade de interação entre a família e a escola; as informações devem ser constantes e a parceria uma realidade para se viver em prol de todos.

A família deve assumir atitudes para reforçar a segurança emocional do filho e salientar a importância da escola, do contrário, a criança pode desenvolver aversão por esta, não só pelo fato de viver dificuldades lá dentro, mas também pelas possíveis relações insatisfatórias com os adultos à sua volta: pais e professores.

7.5 -A (inter) ação e a parceria da família e da escola no processo de formação do sujeito

Tem sido motivo de grande preocupação por parte dos educadores o baixo rendi-mento escolar. O grande desafio é descobrir a causa para procurar, de alguma maneira, amenizar seus efeitos ou saná-las.

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Na escola pública a reprovação ou a constatação de uma aprendizagem insatisfató-ria tem sido fato notório, principalmente nas séries iniciais do Ensino Fundamental. As dificuldades em termos de tempo e finanças fazem com que as famílias façam “vis-tas grossas” para o fato, que pode ter sua origem desde em problemas como distúrbios e disfunções cerebrais ou até em questões de ordem emocional.

Segundo FINI (1996, p.70), a compreensão do sucesso e fracasso escolar, dos pro-cessos de desenvolvimento e aprendizagem, de dificuldade de alunos, bem como das responsabilidades do educador, exige uma análise criteriosa e contextualizada. É inútil trabalhar com as manifestações de dificuldades sem investir na descoberta da causa e, para isso, todo o contexto precisa ser investigado.

Levando em conta a necessidade de perceber a posição do aluno dentro do am-biente familiar e de como se dá a relação da família com a escola, elaboramos questio-nários que foram aplicados e analisados, o que discorreremos neste capítulo.

Nossa pesquisa focalizou uma amostra de 31 alunos, todos cursando a 3ª série do Ensino Fundamental. A professora que trabalha com esse grupo tem formação em magistério, fazendo atualmente o Curso Superior de Formação de Professores das Sé-ries Iniciais num convênio da Prefeitura Municipal do Salvador e Secretaria Municipal de Educação com a UNEB ( Universidade do Estado da Bahia). Ela atua 20 horas semanais na mesma escola e tem cinco anos de experiência em sala de aula, inclusive com crianças portadoras de necessidades educativas especiais (deficientes auditivas). A ausência da família na vida escolar da criança tem sido também a sua preocupação; sente falta do apoio às crianças e à própria escola quando percebe que o seu trabalho, muitas vezes, não surte o efeito esperado. Declara também que não tem grandes ex-pectativas com relação aos pais, mas tem o desejo de ver seu trabalho dar certo nesta comunidade, e que percebe no dia-a-dia algum resultado positivo, por menor que ele seja. Ela declara que a equipe da escola é muito unida, que os membros dividem sem-pre os problemas em busca de soluções comuns aos grupos, além de contarem com a ajuda da vice-diretora que é pedagoga habilitada pela UFBA (Universidade Federal da Bahia) em Supervisão Escolar, a qual, além das suas funções na vice-diretoria, atua como apoio às professoras nas dificuldades vivenciadas por estas, seja em termos de aprendizagem dos alunos ou de indisciplina, ou ainda em qualquer situação que se apresente. Procura orientar e embasar o trabalho realizado pela equipe docente rea-lizando periodicamente reuniões onde se realizam dinâmicas com objetivos específi-cos, discute-se os problemas e apresentam-se soluções; segundo sua fala “em grupo

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resolve-se tudo mais fácil que a sós.”A direção da escola é de uma professora licenciada em História pela Universidade

Federal da Bahia, há cinco anos atuando em gestão escolar. Durante os seis anos ante-riores trabalhou em sala de aula. Ela diz que “o que vem faltando para que possamos investir mais na solução dos problemas de aprendizagem é a parceria com a família”. A queixa da escola é a que ouvimos sempre: onde está a família da criança para que possamos juntos auxiliá-la? Na maior parte das vezes é necessário escutar a família e traçar um perfil da situação da criança em casa para poder perceber se suas dificul-dades têm relação com o ambiente. Muitas vezes fica claro que a causa não está no ambiente, mas que é de ordem orgânica; mesmo assim, recai a responsabilidade sobre a família, pois, quando é detectado pelo especialista em Psicopedagogia ou até mesmo pelo pedagogo, a necessidade de um outro especialista, vem a dificuldade por parte dos familiares para ajudar neste sentido. Quase sempre os especialistas indicados têm serviços onerosos e fora do alcance das famílias; quando encontra-se um serviço pú-blico, a dificuldade está em conseguir marcar atendimento em tempo útil. Tudo isso demanda tempo que os pais não têm, despesa com transporte e tantas outras dificul-dades não tão difíceis de se imaginar.

Mas, como disse ainda a Diretora da escola, os pais ausentes não são apenas os das crianças que apresentam qualquer tipo de dificuldade; nem todos os pais dos alunos com bom desempenho, bom comportamento, estão presentes no dia-a-dia familiar ou escolar, o que nos mostra que em alguns casos os alunos caminham sozinhos; nestes, o que chama a atenção é o comportamento rebelde e agressivo de crianças que assimilam com facilidade, desenvolvem atividades sem problemas e comunicam-se claramente.

Após a análise dos dados, ficou claro que, dentro deste grupo, as famílias estão de fato ausentes pela necessidade de sobrevivência, pois a jornada de trabalho tem sido cada vez mais prolongada e a educação das crianças passa a ser secundária, muito mais por falta de condições dos pais de assistirem seus filhos, que por pouco caso, como pode parecer.

Fomos procuradas por uma família que desejava saber que tipo de ajuda o psico-pedagogo pode oferecer ao aluno indisciplinado, como ela chamou. Mas referia-se à disciplina em casa, já que pudemos constatar que na escola o aluno não apresentava nenhuma dificuldade de relacionamento ou que havia queixa de comportamento por parte da equipe docente. Foi-nos relatado que a criança era privada de brincar com os amigos e de assistir televisão, com o objetivo de fazê-lo dedicar mais tempo às ativida-

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des de casa. A mãe, por não ser alfabetizada, vive aterrorizada pelo medo de que seu filho também não alcance o sucesso escolar, como aconteceu com ela; por isso impõe que ele estude em tempo excessivo. Por outro lado, ela não se faz respeitar já que traz a todo o momento o seu sentimento de inferioridade e, de certa forma, ela aceita as crí-ticas e o mau trato do filho por se achar merecedora. Na escola, no entanto, a criança tem desenvolvimento compatível com o esperado.

A escola tem estado atenta para não estereotipar as famílias, buscando compre-ender a situação de cada uma para tornar possível estabelecer um paralelo entre as dificuldades da criança e a situação familiar. Tem também realizado programas que visam atrair a família para o seu convívio, promovendo reuniões em datas festivas, comemorações, almoços e outros eventos. Existe naquele espaço a consciência da ne-cessidade de se fazer educação em parceria com as instituições presentes na vida da criança, já que, mais uma vez lembramos, o objetivo é o mesmo: educar com qualidade as mesmas crianças.

Desejamos ver pais comprometidos com os processos educativos dos filhos no sen-tido de motivá-los afetivamente ao aprendizado. O aprendizado formal ou a educação escolar, para ser bem sucedida não depende apenas de uma boa escola, de bons pro-fessores e bons programas, mas principalmente de como a criança é tratada em casa e dos estímulos que recebe para aprender. Nesse ponto a família é o principal apoio para a escola, pois o processo de aprender é contínuo e não cessa quando a criança está fora da escola. Os gestos positivos, as palavras e ações afetivas vindas dos pais ou de qualquer outro membro da família servirão de estímulo, mas palavras ou ações que tenham uma conotação negativa são capazes de criar bloqueios e entraves no apren-dizado.

Toda criança precisa de limites, mas estes devem ser dados de maneira clara, de forma que não agridam ou desqualifiquem a criança. Uma criança agredida, seja com palavras ou ações, além de aprender a agredir, perde uma boa parte da motivação para aprender, pois seus sentimentos em relação a si mesma e aos outros ficam confusos, tornando-se inseguras com relação às suas capacidades, e conseqüentemente gerando uma baixa auto-estima.

7.6 -A influência positiva dos pais leitores

A pesquisa aconteceu através da utilização de questionários, entrevistas e parti-

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cipação de reuniões ocorridas na escola. Tentamos, através de perguntas específicas, formar o perfil do sujeito, pesquisando por meio de questões que puderam nos forne-cer subsídios para perceber o tipo de influência que o ambiente familiar exerce sobre esse aluno.

Acreditando que pais que lêem formam filhos leitores investigamos se a família lê e qual o tipo de literatura interessa aos pais; tentamos ser mais específicas perguntando o que estas famílias costumam ler. Constatamos que 9,7% não costuma ler; 48,0% lê jornais aos domingos, 23,0% apenas lê a Bíblia e 6,4% lê qualquer outra coisa, sendo que 12,9% declarou gostar de ler livros de romance, revistas, estórias infantis, poesias e a Bíblia. É importante salientar, que 25,8% dos pais ainda estudam com vistas a con-cluir a Ensino Médio.

O questionamento relativo a este, feito ao aluno, mostrou-nos que a maioria, 41,9%, só lê os livros escolares ou o que é imposto pela escola; 32,3% lê literatura in-fantil, romances e outras revistas; 12,9% lê revistas em quadrinhos e 12,9%, jornal. Na classe, dos que gostam de escrever, 61,0% escrevem cartas e bilhetes, 16,0% redações e 23,0% escrevem seus segredos em diários. Estabelecemos um paralelo e constatamos a relação entre o questionamento feito aos pais e aquele destinado aos filhos. Notamos que a família que “dá o exemplo” influencia, ou seja, as famílias que lêem implantam nos filhos a leitura, seja por propostas diretas, por imitação ou pela facilidade de con-tato com material de leitura. O fato de ter livros em casa já é positivo para despertar a curiosidade da criança.

Constatamos ser pequeno o número de pais com hábito, gosto ou desejo pela lei-tura. Cabe à escola criar um programa de descoberta da leitura a fim de incentivar, motivar e implantar no aluno o gosto pelo livro. Isso poderá ser feito de forma que atinja também a família, proporcionando ao grupo leituras leves e prazerosas, com o objetivo principal de despertar o desejo pelos livros e similares.

Perguntamos também às crianças qual o tipo de programação na televisão que preferem assistir, com o objetivo de identificar o interesse por programas educativos, 41,9% sinalizaram preferir desenhos e 12,9% novelas, ficando o restante entre pro-gramas variados. Entre os pais, 40,0% prefere assistir aos jornais; 16,1% novelas e os demais ficaram entre programas variados. Para este item, infelizmente, constata-se que a televisão tem pouca oferta de programas educativos; alguns desenhos têm esta ca-racterística, enquanto a maioria tem pouco conteúdo que acrescentem na educação da criança, alguns até fazem o contrário, promovendo hábito e apreciação por lutas

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físicas, brincadeiras que têm por objetivo destruir ou matar outros, heróis que têm um número muito grande de opositores e um sem fim de atitudes repreensivas.

Quando se trata de novelas, o que temos visto no momento também tem sido mui-to pouco educativo; são exposições de mentiras, traições e outros comportamentos que não desejamos ensinar às nossas crianças, mas que elas assistem acontecer devido à falta de tempo e, talvez, condição física dos responsáveis para lhes propor algo me-lhor. Durante o dia, muitas vezes estão desacompanhados e se estão dentro de casa assistindo televisão estão entretidos e seguros, bem ”melhor que estarem nas ruas”. À noite, estando lá, na frente da tv, estão quietos e não “perturbam os pais cansados” de mais um dia de trabalho e ainda podem estar juntos. E é assim que a televisão vai educando nossas crianças.

7.7 -Lazer, cultura e educação

A escola deve ser um espaço de valorização tanto da informação, como da forma-ção de seus alunos, dentro de uma vida de grupo. A escola como instituição busca atra-vés de seu ensino, que seus alunos possam assumir a responsabilidade por este mundo, o que ultrapassa os desejos individuais, e esta responsabilidade só poderá advir através do enlaçamento entre conhecimento e ação, entre o saber e as atitudes, entre os inte-resses individuais e sociais. A escola irá ampliar o mundo dos alunos, convidando-os a olhar suas experiências com uma outra lente, que não a familiar, o que alterará os significados já conhecidos.

A escola pública tem mais fortemente, então, a responsabilidade da apresentação de conceitos e conteúdos herdados de nossa cultura, pois muitas crianças só terão acesso a esta herança, através de sua passagem por ela. É necessário que se proporcione acesso à cultura de maneira igualitária para todos como forma de oportunizar cresci-mento igual sem que haja privilégios de apenas uma classe social.

Mas, o que fazem nossas crianças durante o final de semana? Estudam? Passeiam? Na realidade, poucos têm acesso aos programas culturais. Nunca foram ao cinema, teatro ou museu; 28,9 % brincam na rua, 9,7% assistem TV, 19,4% vão à praia e ao Shopping, 42,0% não fazem “nada”, mas gostariam de ir aos cinemas, teatros, parques ou percorrer o centro histórico de Salvador.

São crianças que aprendem na escola o quanto Salvador é rica, como tem história, mas que não têm oportunidades de conhecer de perto os pontos tão falados em seus li-

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vros. Pelourinho, Casa de Jorge Amado, Igrejas de ouro, faróis e muitas outras atrações da cidade são apenas conhecidas através dos livros escolares ou pelas propagandas da televisão, o que não significa que não alimentem o desejo de um dia chegar a ver de perto o que está tão perto; mas, como sempre, o empecilho é a falta de tempo e de condição financeira para investir no passeio.

Muitos dos pais entrevistados também não conhecem o Centro Histórico de Sal-vador, os pontos turísticos tão falados. Alguns costumam passar de ônibus por alguns locais que gostariam de conhecer, mas falta tempo. Outros costumam ir e levar as crianças, durante os festejos de fim de ano, a alguns lugares onde acontecem eventos gratuitos, como o Pelourinho e Terreiro de Jesus. O desejo de conhecer, apreciar e fazer parte da cultura local esbarra, como sempre, na limitação financeira.

Contudo, durante o período de desenvolvimento da pesquisa, fomos informadas de que a escola estaria participando nos meses de agosto e setembro, de três even-tos culturais promovidos pela Secretaria Municipal de Educação. Tais eventos seriam: A escola entra em cena, com visitas ao Museu Henriqueta Catarino para fazer um “passeio” no século XIX, conhecendo a história de personalidades que viveram neste período, assim como suas indumentárias e outros objetos utilizados na época; ao Te-atro Diplomata para assistir à peça “História de uma Caixola”, que aborda os temas: amizade, solidariedade e respeito às diferenças e por fim, ao Centro de Convenções, numa visita à Bienal do Livro.

Certamente, estes eventos estarão proporcionando a aqueles alunos que ainda não tiveram a oportunidade de conhecer algum ou nenhum desses espaços, de conhecê-los e extrair deles o melhor proveito.

Vale ressaltar que a escola recebeu, por parte dessas instituições, documentos de orientação para desenvolvimento de atividades em classe antes, durante e após as vi-sitas.

Foi possível constatar que tratamos com crianças que têm pouco contato com lei-tura e cujo sonho maior é (48,2%) ganhar uma bicicleta. Quando se perguntou aos pais qual o bem de consumo que desejam dar ao filho, deixando claro se tratar de bem material, a maior parte (84,2%) respondeu que deseja dar “um bom estudo, uma vida melhor”. Reformulamos a pergunta para: O que gostaria de poder comprar para dar de presente ao seu filho? 25,0% deseja oferecer uma bicicleta, 16,7% gostaria de dar uma casa e 8,3% não apresentou nenhuma resposta. No entanto, 50,0% dos entrevistados disseram que gostariam de comprar um computador, justificando que “daria a ele mais

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condição de aprender, que facilitaria para depois arranjar emprego”. Para estes pais, o computador é um instrumento de trabalho imediato. Percebemos que o que almejam é que o filho tenha emprego e não passe por dificuldades, talvez algumas pelas quais tenham passado ou venham passando. No entanto, não sonham com o prosseguimen-to dos estudos para o terceiro grau; a profissionalização dá-se, para estas pessoas, no ensino médio e alguns nem pensam em tanto. Mas o desejo de que tenham o melhor, que sejam felizes é igual ao de qualquer pai, não importa a classe social, e todos têm a consciência da necessidade de escolarização e conhecimento para se entrar com algu-ma vantagem no tão competitivo mercado de trabalho.

Existe toda uma ideologia que é passada pelos meios de comunicação e até mesmo através do livro didático, que deixa claro a existência de classes sociais distintas, uma formada por dominadores, os intelectuais, e outra pelos trabalhadores “inferiores”, que utilizam a força braçal. É para a elite que existem as viagens, as belas casas, as grandes lojas, os bons restaurantes, os museus, teatros, cinemas, os prazeres enfim. Para os outros, apenas o desejo e os planos, os sonhos e muito esforço. Para que sejam dadas oportunidades iguais a todos, é necessário que se ofereçam condições favoráveis de aprendizagem e isso pode começar dentro de casa. Sua presença e participação ativa pode evitar maiores problemas na aprendizagem. Porém, nem sempre está consciente disso. Ela participa, opina e reclama quando percebe uma crise. Não se dá conta, no entanto, da sua parcela na produção dos problemas dos quais se queixa, nem de sua dimensão. Seria necessário clarear as responsabilidades, sem esquecer que o trabalho com as crianças é, em muitos aspectos, de parceria.

É função da escola fazer um trabalho com os pais que propicie a discussão dos in-teresses coincidentes, bem como dos conflitantes. Assim, tanto a escola como a família poderão verificar seu papel no enfrentamento da crise que envolve a todos, ampliando as preocupações e princípios, que possam unir em alguns pontos, duas instituições tão complexas.

7.8 -Filhos separados – conflito pessoal

Quando falamos de família, de que família estamos falando? Existem vários mo-delos de família nos dias atuais. Normalmente, quando ligamos a televisão, vemos veiculado nos comerciais um modelo, geralmente composto por pai, mãe, um filho e uma filha, e é este modelo de família, o “nuclear”, que está presente também nos livros

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didáticos, como se fosse o único, o correto, o “normal”, e não aquele como a família se apresenta na realidade, em que o que predomina é a diversidade.

Não foram muitas as instituições que viveram mudanças tão significativas como a família nos últimos tempos. O seu tamanho se reduziu e ela se tornou menos estável. No âmbito privado, houve a perda da exclusividade feminina nas funções domésticas, entrando o homem nesta área antes exclusivamente feminina. Este tornou-se mais atu-ante na educação dos filhos e até na gestão cotidiana do “lar”.

Considera-se desestruturada qualquer forma de família que não atenda ao modelo apresentado nas propagandas de margarina, vistas por muitas crianças que não reco-nhecem ali o seu padrão familiar. Este é o clichê para as famílias das camadas menos favorecidas: desestruturada, já que se afasta do modelo familiar tido como hegemô-nico.

O aluno, ao entrar na escola, tem uma família. Qual é esta? De quantas pessoas se compõe? Isso é variável. Ela pode ser formada por uma nova família constituída por recente casamento do pai ou da mãe e, ás vezes, a avó é a família que a criança conhece. Deixa de ser família? Claro que não.

Procuramos verificar como é a família das crianças pesquisadas e contatamos que 48,2% delas são filhos de pais separados, mas que já fazem de parte de uma nova família. 32,3% moram com pai, mãe e 2 ou 3 irmãos e 19,5% das outras crianças mo-ram com avós ou com apenas a mãe. Isso significa que grande parte dessas crianças viveu a situação de desestruturação familiar, o que geralmente gera conflito, medos e inseguranças. São mudanças que ocorrem e que são difíceis de serem compreendidas; causam sensação de perda e até de culpa, embora a própria criança não possa iden-tificar seus sentimentos. Quase sempre elas não falam do que sentem e resolvem (ou não) sozinhas os seus conflitos; o reflexo da situação pode ser manifestado nas relações pessoais na escola, na família, com a aprendizagem e até mesmo com a comunicação.

Constatamos que as crianças que moram apenas com as mães são as mais agres-sivas e que não utilizam o diálogo como argumento nas suas dificuldades de relacio-namento, que não são tão incomuns. São também as mais decididas e autônomas nas brincadeiras e situações provocadas. Em contato com as mães destas crianças, per-cebemos um clima de relacionamento nada ameno e com muitas cobranças; a escola propôs reuniões com as famílias das crianças com baixo rendimento nas avaliações, sendo a reunião com a presença da criança. O clima foi pesado e expressões de carinho não foram percebidas, ou seja, o modo de tratar os colegas em sala pareceu mais um

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reflexo da forma como são tratadas. A forma afetiva de educar sempre dará bons resul-tados, seja na escola ou no lar. O contrário, no entanto, traz sempre pesados prejuízos.

Quando a família matricula seus filhos na escola, eles são os seus filhos e não os alunos da escola. E o que a escola recebe, são alunos e não filhos. São instituições di-ferentes e estas diferenças precisam ser respeitadas se pensamos em parceria. É uma parceria entre instituições distintas. Se a desejamos eficaz temos de reconhecer as ca-racterísticas de cada uma e descobrir as pontes possíveis existentes.

7.9 -Atividades de casa: prazer ou dever?

Na história da escolaridade, em tempos mais antigos, não havia dever de casa: estu-dava-se em casa e a família era a principal responsável pela aprendizagem das crianças. As de melhor poder econômico contratavam preceptores, pedagogos para ensinar às crianças. As lições eram de casa e em casa.

Com o surgimento das escolas, as famílias mantiveram como obrigação acompa-nhar o desempenho de seus filhos, cobrando-lhes tarefas extra- escolares, isto é, um tempo de estudo a partir e além do que a escola vinha ensinando.

Com o advento da LDB 5.692/71 e da atual, 9.394/96, que no Título II, art.2º, afir-ma e reafirma a “educação como dever da família e do Estado”, tendo como finalidade “o pleno desenvolvimento do educando”, o dever de casa ganhou uma nova forma: é tarefa da criança, ou seja, do aluno. Tem como objetivo principal contribuir para o desenvolvimento moral dele, isto é, cumprir com uma obrigação que é sua e assumir a responsabilidade pela qualidade na realização da tarefa e as conseqüências pela sua não realização.

Para muitas famílias a hora do dever de casa é, sem dúvida nenhuma, um momen-to muito difícil por diversas razões. Por conta disso, podem surgir climas desagradá-veis e tensões desnecessárias entre os pais e as crianças.

É comum muitas crianças evitarem fazer ou não terminarem as tarefas propostas para casa, criando um momento ruim para toda a família. Há crianças que choram, se recusam a fazer, dizem que não sabem, ou ainda, que o que a mãe está falando não é “igual ao da professora”. Por outro lado, também há crianças que se tornam excessiva-mente ansiosas e preocupadas em fazer exatamente como a professora pediu.

Muitos pais, mesmo reconhecendo a importância desta atividade, freqüentemente, acabam se aborrecendo ou perdendo a paciência com tantas exigências, sentem-se

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divididos com relação ao cumprimento das tarefas enviadas para serem desenvolvidas em casa. Outros, no entanto, dão pouca importância ao fato, o que faz com que a crian-ça sinta-se desestimulada. Procuramos pesquisar como se dá a execução das tarefas de casa no grupo que estudamos, investigando como a família participa na realização das tarefas de casa. 74,2% dos pais afirmam que auxilia na sua realização, quando 16,0% diz que só ajuda “quando é necessário”; os demais nunca auxiliam. Estes que auxiliam, falaram de sua angústia em alguns momentos quando sentem que não têm o domínio de determinados conteúdos, esclarecendo que há muito estão fora de sala de aula e que “o ensino não é mais como antigamente, mudou muito”.

A escola trabalha tentando tornar as crianças autônomas nas resoluções de suas questões escolares, o que não dispensa a ajuda e participação de alguém adulto para auxiliá-las. Dividir os questionamentos com outros possibilita ao sujeito confrontar idéias, criar dúvidas e formular hipóteses, sem levar em conta que, para alguns, desen-volver as atividades sem acompanhamento é praticamente impossível, visto que não estão nem mesmo alfabetizados, embora tenham chegado à terceira série. Quando a criança tem a ajuda dos pais, ela discute mais, desenvolve melhor o trabalho durante a aula.

Na nossa concepção de pedagogas atuantes na sala de aula, o processo de assimi-lação dos conteúdos sistematizados pela escola se dá em três etapas, ou seja, primeiro há a introdução do assunto, a seguir uma revisão que é feita em casa para, por fim, ser concluída com a revisão realizada em sala, quando da correção das atividades. Ou seja, o assunto é abordado, discutido e vivenciado na escola; realizam-se atividades, construção de hipóteses e textos. Esta é a primeira etapa; a segunda acontece com a proposta de atividades a serem realizadas em casa, o famoso dever-de-casa, o que leva o sujeito a rever tudo o que foi trabalhado em sala, sendo que dessa vez com o auxílio da família ou apenas de pesquisa realizada no próprio livro ou em outros. É um mo-mento muito rico e é lá que surgem as dúvidas, as idéias e novas hipóteses. O terceiro momento ocorre na sala de aula, durante a revisão do produto que foi trabalhado em casa. É o momento de socializar as questões, as dúvidas, dividir as hipóteses, buscar novas questões e soluções. No entanto, a nosso ver, se uma destas etapas é “pulada”, o processo fica deficiente, incompleto. Para que se complete o que chamamos de ciclo da aprendizagem escolar, é necessário que todas as atividades para casa sejam realiza-das em tempo. A realidade é que, embora as famílias não admitam, dentro do grupo analisado 50,0% não cumpre o que colocamos como a segunda etapa do processo, ou

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seja, não trazem as tarefas de casa prontas; para isso, existem as mais variadas descul-pas, desde “eu dormi cedo e acordei tarde” até “não tive quem me ajudasse”. Além do mais, ao se expor o caso aos responsáveis, estes não admitem e colocam em questão a palavra da professora. A maioria afirma que todas as crianças fazem todos os dias as atividades propostas para casa.

Dentre os que fazem as tarefas, 51,6% declarou que tem a ajuda dos pais, 3,2% realiza a atividade só, sem auxílio de adultos, e 45,2% faz com a ajuda de outras pes-soas, como irmãos, primos, tios, colegas e professoras de banca (reforço escolar). Vale ressaltar, que 51,6% dos alunos afirmaram dedicar, apenas, 1 hora do seu tempo para realização das tarefas escolares; os demais, dedicam, no máximo, 2 horas. É impor-tante também salientar, que 38,7% dizem fazer suas atividades em um ambiente com-pletamente calmo e 61,3% as realiza com TV e som ligados ou barulho de pessoas conversando.

Segundo a professora da turma, as famílias já foram orientadas para criarem um ambiente propício para o estudo e realização de tarefas escolares; que seja, preferen-cialmente em uma mesa, se possível em um ambiente calmo sem interferência de tele-visão. É bom que a criança tenha, desde o início do ano, uma caixinha com lápis, lápis de cor, apontador, borracha, cola, tesoura e revistas e jornais para pesquisa; tendo esse material à mão, garante-se que a criança pouco interromperá o trabalho para ir a busca de algo. É necessário que se crie um horário determinado para tal, a fim de que faça parte de uma rotina.

Pudemos perceber que as crianças que possuem o material como foi proposto pela professora e um horário mais-ou-menos definido, são as que trazem com regularidade as atividades prontas. Os dados nos mostram que estas crianças que trazem as tarefas prontas as fazem com ajuda. 74,2% dos pais tem o hábito de verificar diariamente o caderno e demais atividades desenvolvidas e 25,8% faz a verificação duas ou três vezes por semana. Quando auxiliadas por outras pessoas, estas crianças declaram que sabem que quando a mãe ou o pai chegam à noite, olham suas tarefas. Isso cria um compro-misso, seja pelo prazer de mostrar a responsabilidade, seja por receio de não cumprir o que o pai e a mãe esperam e sofrer punição.

O que a professora da turma pesquisada vem tentando implantar no aluno é o prazer em fazer as atividades propostas, a fim de que o ciclo se concretize e a apren-dizagem se efetive de fato. Preparar o aluno para que ele possa resolver as questões de casa autonomamente requer conquistá-lo para o que além de um dever, deve ser um

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prazer, fato pelo qual a professora da equipe entrevistada denominou a atividade de casa em “prazer de casa”. Segundo ela, inicialmente as famílias estranharam e as pró-prias crianças chegaram até mesmo a zombar do título de prazer; só após a explicação da professora foi que entenderam e passaram a encarar naturalmente o nome do que antes era o “deverzinho de casa”.

Mas, quando as solicitações da professora estão além da possibilidade do aluno, é natural que ele se considere incapaz. De acordo com FINI (1996, p.74), quando as experiências de fracasso se sucedem, pode ocorrer uma generalização para outras si-tuações: o aluno fracassa seguidamente em matemática e pode passar a se considerar incapaz para toda atividade escolar.

É difícil, senão impossível, para o aluno perceber quando a deficiência está no método ou no professor, o que gera nele a sensação ou certeza que grande limitação intelectual.

Infelizmente, lidamos no nosso dia-a-dia com pessoas incapacitadas para o traba-lho docente, mas esta é uma realidade da qual não podemos nos esquivar. Nos bairros periféricos, esta é uma das características de grande parte do professorado, por moti-vos que já discorremos: longa jornada de trabalho, falta de tempo para capacitação e reciclagem, e muitos outros motivos injustos, inclusive a remuneração baixa.

7.10 -A família na escola: quando?

Quando questionamos às trinta e uma famílias como se dá sua participação na es-cola 75,0% afirmou que a visita regularmente e 100% afirma que participa de reuniões, embora a informação da escola seja divergente, havendo, inclusive, famílias que nem mesmo conhecem a professora do filho. Alguns pais alimentam certa culpa por não poderem estar mais presentes na vida escolar do filho, esta foi a justificativa que encon-tramos para que tenham tentado encobrir a verdade, afirmando sua presença. Existe nestas famílias o desejo de estar presente, de participar; algumas não o fazem pela im-possibilidade em termos de tempo; outras, bem sabemos, pela indisposição para sair de casa e mesmo por não valorizar a instituição escolar. Neste grupo pesquisado está bem dividida a posição das famílias.

A professora é a pessoa que tem maior contato com o aluno durante o processo educativo e por isso é muito importante que haja empatia entre eles e entre a profes-sora e a família. Na nossa pesquisa, quando perguntado diretamente todos afirmaram

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gostar e estarem satisfeitos com a professora e com trabalho realizado por ela; em ou-tros momentos, famílias com filhos com dificuldade de aprendizagem, apresentaram queixas com relação ao trabalho desenvolvido, dizendo acreditar não estar sendo feito o máximo e até por suporem que a professora tem preferência um outro aluno, esque-cendo do seu filho. No entanto, percebemos que existe um temor em expor opiniões contra a professora, até por temerem represálias contra as crianças.

Segundo a professora menos de 40,0% das famílias participam das reuniões da escola, quando o objetivo é discutir o desenvolvimento, comportamento e aprovei-tamento do aluno; os que participam são aqueles que normalmente estão presentes na escola quando solicitados e até por iniciativa própria. Estes são os que têm menos problemas para resolver ou discutir. Quem de fato é necessário na reunião, não com-parece. No entanto, quando se trata de festa, a presença é de 95,0%. Mas a professora insiste em deixar claro que há família de fato presente durante todo o processo; famí-lias participativas, disponíveis sempre que o assunto é ajudar no desenvolvimento da criança, e até mesmo só pelo gosto de estar presente na escola do filho.

Família e escola são, sem dúvida, fundamentais na formação social do sujeito, pois ambas são responsáveis pela “transmissão de valores e normas básicas da sociedade”, como disse BOCK (1996, p.215), ou seja, estas duas podem ser chamadas de agências socializadoras, embora BOCK afirme que todas as instituições possam, de alguma for-ma, serem chamadas assim.

Segundo LACAN (1987), “entre todos os grupos humanos, a família desempenha um papel primordial na transmissão de cultura”. Ela é responsável pelo modelo que a criança terá em termos de conduta em qualquer ambiente, inclusive dentro da escola. A família, quase sempre será o espelho para as ações do educando e atitudes positivas e estimuladoras serão seguidas.

Percebemos que no grupo analisado os alunos que pouco faltam às aulas e que não deixam de realizar as tarefas de casa são aqueles que têm os pais estudando (25,8%), que possuem o hábito da leitura ou que tiveram escolarização maior, embora no grupo a escolarização máxima seja o nível médio. Este é também o grupo que se faz presente na escola, participando não só das reuniões e eventos promovidos, mas que faz visitas com o objetivo de acompanhar o comportamento e o desenvolvimento do filho.

O que sugerimos às famílias foi que sejam cuidadosas ao emitirem suas opiniões sobre o ensino, sobre o seu gosto por esta ou aquela disciplina, a fim de só influencia-rem positivamente na formação da opinião dos filhos. Afinal, a família é o primeiro

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espelho que a criança usa para se direcionar.

7.11 -Educação x renda familiar

A todo o momento nos remetemos à condição financeira das famílias entrevistadas como sendo baixa. O fato é que 48,4% desse universo sobrevive com menos de um sa-lário mínimo, 38,7% com um salário e só 12,9% com mais que isso. Levando em conta o custo de vida em nosso país, sobreviver com um filho com uma renda de R$ 240,00 ou menos, é uma situação de grande dificuldade. Sabemos que existe a Escola Pública, o Hospital Público, alguns benefícios para os que podem provar que são miseráveis, mas nada disso chega a complementar dignamente o necessário para a sobrevivência de uma família, principalmente se lá dentro há uma criança. É patético esperar que estas famílias possam oferecer lazer, livros, alimentação adequada, atenção devida e tudo mais que uma criança precisa para crescer segura. A questão é de ordem maior, é de todo um sistema elitista e excludente que deixa de fora quem não pode pagar pelo conhecimento, pela saúde, pela vida. Que existem os sonhos, existem, pudemos cons-tatar. Mas que as dificuldades são grandes, também ficou bem claro.

A parte do grupo que vive com a renda mais alta é também a que mantém o casa-mento estruturado. Deste grupo, 6,5% tem o nível médio completo e mantém o hábito e apreço pela leitura. Apesar desse baixo percentual, 42,5% das crianças destas famílias tem rendimento escolar significativo, ou seja, respondem afirmativamente ao que é trabalhado. Têm desenvoltura no falar e poucos problemas com a leitura, escrita ou cálculo. No que se refere ao comportamento todas são muito “ativas”, mas estas são mais fáceis de controlar, segundo a professora, “por conhecerem a diferença entre o sim e o não”.

É necessário que a escola seja humanizada e cada professora ou professor perceba que lidar com crianças é como lapidar pedras preciosas: tudo tem que ser feito com muita segurança, com exatidão e com carinho. O professor precisa amar o que faz e reconhecer que independente da condição social e financeira de cada um, educá-los é uma missão; cada aluno, todo aluno precisa do máximo que cada professor pode dar. E se ele tem desvantagem na sua condição financeira, que seja diferente durante o seu processo de aquisição de capital cultural; que tenha as mesmas chances que qualquer outro. Como disse o Pe. Zezinho (Oliveira, J.F.), o que os homens precisam para se tornarem mais humanos é de escola e de colo. Colo de pai, de mãe e da própria escola.

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7.12 -Considerações finais

A família e a escola, nos dias atuais, são convocadas a formar uma sólida parce-ria no processo de construção e de humanização do sujeito. Sabe-se que uma só das instituições não consegue formar isoladamente e com boas bases a mesma criança; o desenvolvimento de cada educando ocorre em um meio social marcado pela cultura e pelo processo histórico em que está inserido.

A dificuldade que encontramos para operacionalizar a parceria entre a escola e a família impossibilita a fluência do trabalho pedagógico. Cada uma dessas instituições tem seu papel social, sem que um se sobreponha ao outro, e a parceria só vem a somar para o aperfeiçoamento para a convivência em grupo.

É na família e na escola que o desenvolvimento da criança acontece, onde se cons-trói o ser em seus aspectos mais amplos, seja na dimensão física, cognitiva ou psico-lógica. E como consentir que estas duas caminhem sem que haja a parceria e a cum-plicidade?

A família deve estar consciente do seu papel na sociedade e na formação de futuros cidadãos, assumindo o compromisso tácito de promover e facilitar a educação integral seja pelas relações com o outro, seja pelo exemplo, já que sabemos que a imitação é natural quando se trata da aquisição de hábitos familiares.

A presença da família é condição sine qua non na formação do educando em todas as dimensões, tanto assim que se torna deficiente qualquer tentativa da escola de abrir mão da sua participação.

Nem sempre, ao escolher a escola, é possibilitado à família fazê-lo de acordo com os seus anseios e desejos. Embora se deseje sempre o melhor para os filhos, como ci-tou Scoz, algumas vezes há o impedimento do limite das finanças da família. A escola pública, antes bem qualificada, hoje fica para aquele que não dispõem de recursos fi-nanceiros e esta está cada vez mais desqualificada, embora haja várias exceções. Assim, as famílias “escolhem” a escola desconhecendo sua filosofia, seu projeto e sua adminis-tração. E será ali que se completará a educação de sua criança.

É a escola, antes de tudo, a extensão do lar da criança, sua outra família sem, con-tudo, deixar de respeitar os seus limites e as funções que lhes são específicas. As duas possuem critérios de funcionamento distintos, mas convergentes, que se cruzam e se encontram no ponto em que a integração dos seus papéis induz ao processo de for-mação do ser.

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Ensinar a compreender o mundo, a ler através de diversas óticas os acontecimentos é função não só da escola como da família, cuja parceria é vital e urgente. A ponte entre o saber sistematizado e a cultura familiar deve ser construída por pais e professores, família e escola, objetivando ampliar a visão de mundo, fundamentada por valores morais e éticos que levem à formação integral do sujeito, para que este seja inserido com sucesso no seu meio social.

Não resta dúvida que a família é o modelo a ser seguido, consciente e inconscien-temente. Seus hábitos, seus fazeres, suas concepções são passadas e internalizadas na criança; a escola entra como complemento e ajuda a moldar os hábitos, costumes e saberes. Introduz os conhecimentos sistematizados, novos esquemas de conhecimento e vai, aos poucos constituindo o novo ser.

Não importa qual seja o modelo de família e a relação da criança com seus pais ou parentes, a escola vai continuar cumprindo seu papel de educar, insinuando-se por todos os caminhos como ajudadora sempre que descobrir dificuldades, empecilhos ou desvio. Cada sujeito é um indivíduo dentro do grupo e precisa ser valorizado e respei-tado como tal e se seu desempenho corre risco de desequilíbrio, isso será detectado e avaliado. Buscar essa equilibração da criança deve ser a meta não só da escola como da família.

Existem questões familiares, como a separação do casal, que são irremediáveis, e se esse fato deixa marcas na criança, estas sim, são reversíveis e precisam ser trabalhadas, restaurando o bem estar familiar e a harmonia no grupo escolar da criança.

Com a escola, a família contribui fortemente quando a valoriza, quando estimula a criança para o aprender e colabora na execução das atividades propostas para casa. Isso é fundamental para que se crie um clima favorável à parceria.

É no ambiente familiar que se formalizam e estruturam os desejos, os gostos e hábitos e, se assim é, que possam ser desenvolvidos os melhores quando se referirem à vida acadêmica das crianças.

A escola em que foi aplicada a pesquisa, embora de pequeno porte e inserida em um meio de pouco capital cultural, demonstrou valorizar a comunidade e reconhecer a forte necessidade de trabalhar em conjunto, em parceria com a família. Através de projetos e eventos ela vem tentando trazer a família para o convívio e a participação na vida da comunidade escolar, criando momentos de cooperação e ajuda em diversos níveis.

Independente do padrão cultural ou financeiro, a família sempre espera da escola o

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suporte necessário para o desenvolvimento e equilíbrio dos filhos; e a escola, indepen-dente do seu porte ou do apoio que recebe, desenvolve seu trabalho visando, antes de tudo, estruturar sujeitos aptos à convivência e ao crescimento pessoal e social.

A proposta da Escola Santa Luzia do Lobato é um incentivo aos pais para a parce-ria com a escola. Motivar é bem mais simples do que parece. Que se criem programas atrativos e se reforce a necessidade da sua participação na vida escolar dos filhos. Esta é uma fórmula para se desenvolver os talentos dos filhos, pois todos os tem.

A criança, além de repreensão no momento certo, também precisa de atenção, afei-ção e aceitação. Nós acreditamos que cada criança é talentosa, basta que busquemos as fontes, e incentivemos isto. O elogio é um grande estímulo para o crescimento pessoal.

A família e a escola são parceiros fundamentais no desenvolvimento de ações que favoreçam o sucesso escolar e social das crianças e adolescentes.

É necessário que se criem estratégias que visem oportunizar vivências que possibi-litem o refletir sobre o que fazemos e o que mais podemos fazer pelo desenvolvimento de nossas crianças em casa e em sala de aula. É necessário que se instrumentalize os pais para assumirem o compromisso com o caminho percorrido pelas crianças, acom-panhado e provocando impactos positivos em suas vidas.

É comum que muitos pais, professores e responsáveis às vezes se sintam ansiosos e frustrados quando uma criança apresenta dificuldades. Isso é passado para a criança, o que aumenta ainda mais as suas dificuldades, já que ela não sabe lidar ainda com as suas frustrações e, menos ainda, com as frustrações do outro.

Cabe a escola e a família fazer do ato de prender uma atividade prazerosa e não um tormento, como acontece algumas vezes a algumas crianças. Pais e professores de-vem rever suas posições, seus interesses e reformular suas ações, favorecendo sempre a criança. Como disse a Psicóloga e especialista em Psicopedagogia Maria Geralda da Rocha Santos, “é preciso ressaltar que o conhecimento e o aprendizado não são adqui-ridos somente nos bancos escolares, mas é construído pela criança em contato com o social, dentro da família, e no mundo que a cerca”.

7.13 -Referências bibliograficas

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VERHINE, M. Amélia Alves. Pré-escola e fracasso escolar. Salvador: Fator, 1990.

ANEXOS - I

ROTEIRO DE ENTREVISTA AOS ALUNOS

Nome do entrevistado ......................................................................................................................................................................................................................................................

1. Qual é a sua idade? .....................................................................................................

2. Em qual turno você estuda? ........................................................................................

3. Quantas e quais são as pessoas que compõem a sua famí-lia?..............................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................

4. Quais são as pessoas em sua casa que lhe auxiliam nas tarefas escolares? ( ) pai ( ) mãe ( ) irmãos ( ) tios ( ) outros ( ) ninguém

5. Qual o lugar da sua casa que você utiliza para fazer suas tarefas?( ) sala ( ) quarto ( ) cozinha ( ) outros

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6. Qual é o horário que você prefere para fazer as suas atividades escolares?( ) manhã ( ) tarde ( ) noite

7. Quanto tempo você dedica para realização das suas tarefas?( ) menos de 1 hora ( ) 1 hora ( ) 2 horas ( ) mais de 2 horas

8. Quando você está realizando as suas atividades como está o ambiente ?( ) calmo ( ) som ligado ( ) barulho de pessoas conversando ( ) tv

ligada

9. Que tipo de leitura você costuma realizar?( ) romance ( ) jornal ( ) literatura infantil ( ) livros da escola( ) revista em quadrinhos

10. Que tipo de escrita costuma realizar ?( ) cartas ( ) bilhetes ( ) redação ( ) diário ( ) outros

11. Como é o seu relacionamento com a professora?( ) bom ( ) regular ( ) ruim ( ) péssimo

12. O que costuma fazer nos finais de semana?( ) ir ao shopping ( ) ir ao cinema ( ) assistir tv( ) ir à praia ( ) ir ao parque ( ) brincar com os colegas no bairro

13. Que tipo de programa de televisão você costuma assistir ?..............................................................................................................................................................................................................................................................................................

14. Que tipo de presente você gostaria de ganhar no momento ?..............................................................................................................................................................................................................................................................................................

15. Você gostaria de passar de ano? Por quê ? ...............................................................................................................................................

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ANEXOS - II

ROTEIRO DE ENTREVISTA AOS PAIS

1. Qual o seu grau de instrução ?

( ) Ensino Fundamental até 4ª série ( ) Ensino. Fundamental até 8ª série( ) Ensino Médio incompleto ( ) Ensino Médio completo( ) Superior

2. quantas pessoas residem em seu lar?( ) duas ( ) três ( ) quatro ( ) cinco ( ) mais de cinco

3. Qual a sua renda familiar?( ) menos de 1 salário mínimo ( ) 1 salário ( ) 2 salários( ) entre 500 e 1000 reais

4. Em seu lar, qual é a pessoas responsável por resolver os problemas familiares?( ) pai ( ) mãe ( )avós ( ) outros .....................................................................................................................................................................................

5. Que tipo de programa de televisão costuma assis-tir?...............................................................................................................................................

...............................................................................................................................................

6. Que tipo de leitura costuma realizar? .............................................................................................................................................................................................................................

7. Qual foi o critério utilizado para escolher a escola que seu filho estuda ?( ) por ser próximo da residência. ( ) por receber boas referências( ) por não ter outra opção

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8. Como se dá a sua visita à escola?( ) somente quando chamado ( ) regularmente ( ) somente no final do ano

9. Quando é convidado a participar das reuniões escolares o que faz?( ) não participa, pois acha desnecessário ( ) comparece, se não tiver outro compromisso ( ) comparece e participa ativamente emitindo suas idéias e opiniões

10.Qual o seu grau de satisfação com relação a professora de seu filho? ( ) bom ( ) regular ( ) ruim ( ) péssimo

11. O caderno de seu filho é verificado:( ) todos os dias da semana ( ) duas vezes por semana ( ) três vezes por semana ( ) nunca

12. Quando você auxilia seu filho nas tarefas escolares?( ) sempre ( ) somente quando ele pede ( ) nunca ( tem professor particular)

13. Caso auxilie seu filho nas tarefas, quando não é possível ajudá-lo qual é o seu procedimento?

( ) deixa a tarefa por fazer ( ) procura estudar o assunto p/ não confundir mais a criança( ) envia um bilhete para professora explicando a não realização da tarefa

14. Onde costumas passear com seu (sua) filho (a) nos finais de semana?( ) praia ( ) Shopping ( ) cinema / teatro ( ) parques ( ) visitar pontos turísticos ( ) visitar parentes ( ) outros

15. Que tipo de bem de consumo você gostaria de oferecer ao seu filho?..............................................................................................................................................................................................................................................................................................16. O que de melhor você é deseja para o seu filho? ............................................................................................................................................... .............................................................................................................................................

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ANEXOS - III

ROTEIRO DE ENTREVISTA À PROFESSORA

Nome..................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................

1. Qual a sua formação? ....................................................................................................................................................................................................................................................

2. É funcionária efetiva ou presta serviços à escola? .............................................................................................................................................................................................................................................................................................

3. Há quanto tempo atua na área? ...............................................................................................................................................

4. Exerce esta mesma função em outra instituição?..............................................................................................................................................................................................................................................................................................

5. Há quanto tempo trabalha nesta instituição?...............................................................................................................................................

6. Como ocorre o seu relacionamento com os alunos?..............................................................................................................................................................................................................................................................................................

7. Como ocorre o seu relacionamento com os pais dos alunos?..............................................................................................................................................................................................................................................................................................

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8. Quantos alunos do seu universo de 31, apresentam dificuldades de aprendiza-gem?

...............................................................................................................................................

9. Quantos alunos apresentam problemas de indisciplina? ...............................................................................................................................................

10. Quantos alunos não realizam as tarefas de casa com regularidade?...............................................................................................................................................

11.Quantos pais participam ativamente do processo de aprendizagem do aluno, procurando saber também quanto ao seu comportamento?

...............................................................................................................................................

...............................................................................................................................................

...............................................................................................................................................

12. Quantos pais freqüentam às reuniões de pais e mestres?...............................................................................................................................................

13. Qual a relação que há entre os melhores alunos e a freqüência dos pais na esco-la? ...............................................................................................................................................

...............................................................................................................................................

...............................................................................................................................................

14. Quantos alunos são repetentes ou bi-repetentes? ...............................................................................................................................................

15. Quantos alunos são filhos de pais separados? ...............................................................................................................................................

16. Existem casos de alguns pais que ainda não compareceram à escola?.............................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................

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A terapia comunitária como instrumento da psico-pedagogia

Edileide Maria Antonino da Silva 1 Maria Célia Couto Vigas 2

8.1 - O que é a terapia comunitária?“Quando a boca cala, os órgãos falam”

A Terapia Comunitária é uma técnica realizada em grupo em que ocorre uma par-tilha de experiências de vida, realizada de forma Horizontal e Circular, promovendo a fala de cada participante e tornando cada um deles o terapeuta do outro e de si mesmo. O objetivo principal da Terapia Comunitária é trabalhar as dores e as angústias de cada participante através da fala de cada um; o que se percebe é que por meio da fala e da exposição das emoções individuais, favorece-se o bem estar e se promove a cura de situações doentias.

De acordo com Dr. Adalberto Barreto (2005)3 , na terapia, os indivíduos tornam-se co-responsáveis na busca de soluções e superações dos desafios do cotidiano, em um ambiente acolhedor e caloroso, porque uma das características da Terapia Comunitá-ria (TC) é ser um ambiente acolhedor, de escuta e de possibilidade de falar e trazer à tona problemas da vida pessoal e da comunidade.

8.2 - Breve histórico

A Terapia Comunitária foi criada em 1987 pelo Cearense de Canindé, Dr. Adal-berto de Paula Barreto. Formado em Medicina pela Universidade Federal do Ceará

8

1 Pedagoga formada pela UFBA, com especialização em Psicopedagogia Clínica - Faculdade Internacional de Curitiba- FACINTER, 2004, Tera-peuta Comunitária da FCM – Fundação Cidade Mãe -, Pesquisadora do GEPE-RS (Grupo de Estudos em Psicanálise, Educação e Representação Social) UNEB, integrante do grupo de estudos em Psicanálise da ELBA – Escola Lacaniana da Bahia.2 Pedagoga formada pela UNEB, com especialização em Psicopedagogia Clínica e Institucional - UNEB, Coordenadora do Núcleo de Psicopedago-gia da FCM – Fundação Cidade Mãe - e gerente da GEPE – Gerencia de Programas Especiais da FCM.3 Dr Adalberto de Paula Barreto estudou ao mesmo tempo medicina, teologia e filosofia

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(UFC), Dr. Adalberto especializou-se em psiquiatria e antropologia na Europa. Profes-sor da Universidade de Medicina do Ceará, iniciou um trabalho de sensibilização dos seus alunos quanto aos aspectos culturais da medicina, permitindo-lhes “refletir sobre a riqueza de uma cultura não-acadêmica e os perigos de uma Medicina que exclui não somente o universo do paciente, mas também o do próprio médico” . Desta forma, Dr. Adalberto criou a disciplina Antropologia da Saúde, ministrada numa favela, pro-movendo aos alunos o contato com a teoria acadêmica e, sobretudo, com a prática de trabalho, o que os colocou em contato não só com os diversos aspectos das patologias, mas também com a situação de vida dos sujeitos, seus problemas existenciais bem como com os processos de cura.

Esta experiência favoreceu o desenvolvimento, em 1983, de um programa de pes-quisa e educação comunitária que tinha como objetivo promover a relação com os estudantes universitários e os romeiros4 , o que culminou com a implantação do pro-jeto Quatro Varas, no município Pirambu, no Ceará, levando atendimento a pessoas em situação de abandono, sofrimento e miséria. Foi a grande demanda por este tipo de atendimento que levou o Dr. Adalberto a criar o Movimento Integrado de Saúde Mental Comunitária, o que promoveu a Terapia Comunitária Sistêmica Integrada.

8.3 - Terapia

A palavra TERAPIA vem do termo grego θεραπεία, que significa “servir a Deus”, ou terapêutica, que significa tratamento para uma determinada doença por meio de medicina tradicional ou de terapias complementares ou alternativas.

O objetivo de uma terapia é promover cura ou alívio de um estado determinado, visando a promover uma situação de normalidade a fim de que seja possível o resta-belecimento pronto.

8.4 - Objetivos da terapia comunitária“Quando a boca fala, os órgãos saram.”

Os objetivos da Terapia Comunitária, de acordo com Dr. Adalberto Barreto (2005, p.39), são bastante amplos e podemos assim enumerá-los:

4 Romeiros são pessoas que estão em romaria, peregrinação religiosa feita a uma igreja ou local considerado santo para pagar promessas, agrade-cer, pedir graças ou simplesmente por devoção, muito comuns no Nordeste.

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1 - Reforço da dinâmica interna de cada indivíduo, levando-o a descobrir valores ocultos, suas potencialidades, sua autonomia, autoconfiança e sua auto-estima;

2 - Valorização do papel da família e da rede de relações que esta estabelece com o seu meio;

3 – Promoção e manutenção em cada um do sentimento de união e identificação com os mesmos valores culturais;

4 - Favorecimento do desenvolvimento comunitário, fortalecendo os laços sociais; 5 – Promoção e valorização das instituições e práticas culturais tradicionais; 6 - Favorecimento da comunicação entre o saber popular e o saber científico e es-

tímulo à participação, ao diálogo e à reflexão, favorecendo tomada de iniciativas para se tornar sujeito e agente de sua própria transformação.

Desta forma, a TC fortalece não só cada um enquanto indivíduo, mas o próprio grupo, principalmente quando se discutem as características da comunidade e se re-forçam seus aspectos positivos tantas vezes pouco valorizados.

8.5 - Objetivos da terapia comunitária na fundação cidade mãe

O atendimento da Fundação Cidade Mãe (FCM) em oito comunidades da Cidade de Salvador tem sido fundamental para algumas famílias, principalmente quando tira das ruas crianças que vivem em situação de risco social. Nas unidades é proporciona-do à criança desenvolver atividades culturais, recreativas e de formação profissional, mas é possível perceber, de forma bastante clara, que se não houver um engajamento da família com estas unidades educativas, elas próprias deixam de perceber a rele-vância das atividades para a formação de cada um. E, quando a família não percebe a importância da atividade educativa extra-escolar que acontece na FCM, automatica-mente não cobra nem exige à freqüência dos filhos à mesma, fazendo mais uma vez esta criança ter tempo ocioso.

O evento da Terapia Comunitária nas Unidades que dão atendimento às crianças tem objetivos diversos, seja no trabalho com os educandos ou com as famílias, tal como abaixo está relacionado:

1 - Promoção da auto-estima 2 - Sentimento de grupo (pertencimento)3 - Resgate da família do educando4 – Estreitamento de vínculo família-educando-unidade educativa

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5 – Proporcionar escuta e espaço de falaO propósito maior é promover o bem estar da família e ressaltar a necessidade de

se manter as crianças nesta jornada ampliada que complementa a atividade da escola. Busca-se levar à família uma situação de conforto, oferecendo-lhe espaço para desa-bafo e dando-lhe escuta sensível, para que com isso ela perceba que o crescimento saudável de seu filho depende também desta intervenção.

Dentre estes propósitos que consideramos relevantes, a TC busca desenvolver ati-vidades de prevenção e inserção social de indivíduos ou grupos que vivem em situação de crise e sofrimento psíquico, com o objetivo de promover a integração, a construção da dignidade e da cidadania, evitando assim a proliferação de diversos tipos de exclu-são.

8.6 - O papel do terapeuta comunitário

Para ser terapeuta comunitário, é preciso, antes de tudo, que haja o desejo e envol-vimento com a comunidade onde se trabalha. Deve estar claro ao profissional que sua função é promover situações e ações que levem os indivíduos inseridos no grupo a partilharem suas experiências, criando assim uma rede de apoio aos que expõem suas dores, suas angústias, ansiedades e dificuldades perante a vida.

Não cabe ao terapeuta agir como psicólogo ou psiquiatra, embora possa ser visto como tal por algum membro do grupo, mas não é seu papel medicalizar, fazer análise ou aconselhar. Em situações necessárias, cabe ao terapeuta encaminhar os casos para seus devidos espaços de resolução, seja no âmbito da saúde, do judiciário ou até mes-mo ao apoio cultural.

Conforme Barreto (2005), o terapeuta é como o maestro de uma orquestra regen-do, provocando, promovendo vínculos. Numa Roda de Terapia Comunitária (RTC), um é terapeuta do outro, assim sendo também possível ao terapeuta falar e expor suas questões em situação de igualdade, sendo um com o grupo e não um para o grupo (p.47).

8.7 - A quem se destina a tc na fundação cidade mae

Na FCM a terapia comunitária visa a atender aos educandos e às famílias, mas toda e qualquer pessoa que queira, que busque um espaço de escuta e interação pode parti-

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cipar de uma RTC. Pessoas que vivem situações de conflito ou sofrimento, ou mesmo que já passaram por situações difíceis e que superaram e que se sintam à vontade para partilhar com os demais são bem vindas neste espaço, afinal a proposta é buscar a cura pela fala e estimular o outro a fim de que se perceba capaz de vivenciar as mesmas vitórias e superações.

As RTCs podem ser formadas por grupos de pessoas com afinidades, sejam idosos, adultos, adolescentes ou mesmo crianças.

8.8 - Bases da terapia comunitária

A TC é uma prática que se embasa em 5 grandes eixos que possibilitam seu fun-cionamento. Para se conduzir este tipo de trabalho, é necessário que o terapeuta tenha, além do desejo e aptidão, o conhecimento teórico sobre o Pensamento Sistêmico, a Teoria da Comunicação, a Antropologia Cultural a Pedagogia de Paulo Freire e o con-ceito de Resiliência.

O Pensamento Sistêmico propicia ao terapeuta perceber o ser humano como um ser completo, mas composto por partes integradas e indissociáveis, um ser bio-psico--social; ter esta percepção é a melhor forma para se compreender os processos pelos quais este ser passa e vive dentro de uma rede complexa que é sua própria vida.

O Segundo eixo que alicerça a TC é a Teoria da Comunicação. É por meio da fala que se comunicam os sentimentos, as dores e as angústias, seja esta fala verbal ou não. Nas rodas de Terapia Comunitária, os participantes são estimulados a falar e discutir suas dificuldades, mas, muitas vezes, é por meio de atitudes e reações à fala do outro que o sujeito se comunica com o grupo.

O terceiro eixo que possibilita a prática da TC é a Antropologia Cultural. A Terapia Comunitária nasceu da crença de que é possível curar pela fala, pela valorização do sujeito enquanto indivíduo e grupo, do reforço às suas crenças e sua identidade social e cultural. Segundo Dr. Adalberto Barreto, o conhecimento científico aliado ao saber popular promovem a transformação do sujeito e de seu meio social.

A quarta via para a sustentação da TC é a Pedagogia de Paulo Freire. Esta é uma pedagogia que teve, no auge de sua prática, um fim politizador das camadas populares. Trata-se de uma pedagogia de inclusão e valorização dos menos favorecidos, promo-tora de espaço e voz, instrumentalizadora e conscientizadora da condição pensante de cada sujeito. Assim como a Pedagogia Libertadora de Paulo Freire, a TC objetiva

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promover espaço de dissolução de limitações e promoção do sujeito a partir da sua própria bagagem de vida.

Por fim, a Resiliência mostra-se como uma prática indispensável. Ser resiliente é se superar a cada dia, é conseguir se promover apesar de suas dificuldades e das limi-tações impostas pela vida. É, “apesar de tudo”, construir sobre as pedras e obstáculos da vida.

8.9 - Como acontece a terapia comunitária?

Existindo uma demanda, a TC pode ser instalada, aplicada. E, para que isso se pro-ceda, é necessário que se reúna o grupo em um espaço acolhedor. Como toda técnica, existe uma metodologia para a aplicação da TC, como a seguir será resumidamente descrito.

O ideal é que uma RTC seja conduzida por dois ou três terapeutas, sendo um na função de terapeuta e o(s) outro(s) como co-terapeuta(s)5 . Entre eles são divididas as funções em cada RTC.

Para começar, acontece o momento da acolhida, tão importante para o sucesso da TC. O objetivo é deixar o grupo à vontade e cabe aí uma atividade de integração, uma dinâmica ou uma vivência que é promovida ou proposta pelo co-terapeuta. Também se inclui neste momento de acolhida falar das comemorações do mês, sejam datas nacionais, locais ou aniversários de participantes, mas seguindo uma consigna assim definida:

Estamos reunidos aqui para participarmos da nossa terapia comunitária. A terapia comunitária é um espaço onde a comunidade se reúne para falar de seus problemas, de suas dificuldades e de suas realizações. A comunidade tem problemas, mas também tem suas soluções, desde que nós nos reuna-mos para escutar uns aos outros. Cada um tem um saber, seja construído pela experiência de vida ou vindo dos antepassados. É disto que a terapia comunitária se constitui. A qualidade da sessão da terapia comunitária será proporcional à qualidade da escuta. Mas, para que a terapia possa acontecer, é necessário seguirmos algumas regras (BARRETO, 2005, p. 63).

Neste momento o co-terapeuta revela quais são as regras para o bom andamento da RTC: silêncio, escuta apurada, não julgar o outro e não dar conselhos. A partir daí atua o Terapeuta Comunitário, estimulando as falas, intermediando, confirmando

5 As funções de Terapeuta e co-terapeuta são definidas em cada roda, podendo haver uma permuta constante, de acordo com o desejo da dupla ou trio. Também é possível se conduzir a RTC, em situações especiais, sem o co-terapeuta.

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com os falantes se sua escuta foi acertada e, junto com o grupo, escolhendo o tema a ser discutido. Na discussão é possível aos participantes reverem seus conceitos, seus preconceitos, sua identificação com o outro, além de poder se perceber não mais úni-co em seu problema, pois a partir da fala do outro o seu próprio problema pode ser exposto. É todo um processo de abraço, de acolhida, que é finalizado com a fala do terapeuta numa valorização de cada sujeito que expôs suas dificuldades ou angústias. Este é um momento extremamente positivo para a Terapia.

Por fim, um terceiro terapeuta (se houver) ou o que primeiro atuou na acolhida faz o encerramento das atividades num abraço geral, onde cada um traduz seus senti-mentos dentro da terapia: “...balançamos sim, temos nossos desequilíbrios, mas com o apoio do outro ao nosso lado não nos deixamos cair”6 . Neste momento é aberta ao grupo a possibilidade de avaliar, em poucas palavras, o sentimento emergido da terapia.

Durante todo o processo utilizam-se músicas, danças, ditados populares. É um processo que, antes de tudo, visa a acolher e valorizar não só o sujeito, mas também a cultura local.

8.9 - E qual o resultado disso? O que se espera? “Tô balançando, mas não vou cair”

Na FCM espera-se levar bem-estar às famílias dos educandos, além de fazê-los perceber o valor da integração da família com o meio educativo formal. Na esfera individual espera-se que, a partir da oportunidade de falar, as angústias dos sujeitos se dissipem num processo que pode ser lento, mas que de fato acontecerá.

As 08 unidades educativas da FCM são inseridas em bairros periféricos de Salva-dor e visam a atender às comunidades de baixa renda com o objetivo de não permitir que suas crianças e jovens entrem em situação de risco ou vulnerabilidade social. Em paralelo às oficinas culturais e profissionalizantes oferecidas aos educandos, o Núcleo de Família traz a prática da Terapia Comunitária para as famílias.

A proposta maior da implantação da TC na Fundação Cidade Mãe é estreitar os vínculos entre família e instituição com o objetivo de favorecer o educando na sua formação ampla. Numa segunda via, estabelece-se, assim, uma condição de bem estar individual e de valorização do grupo e da própria comunidade onde estão inseridos.

6 Fala de um participante de uma RTC ocorrida na Unidade Educativa da AABB, com famílias de educandos da Fundação Cidade Mãe.

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A terapia comunitária é também um espaço de inclusão social.

8.10 -A terapia comunitária e os encontros de família da Fundação Cidade Mãe

A Terapia Comunitária dentro da Fundação Cidade Mãe tem o objetivo de es-treitar os laços entre os educadores sociais e a família dos educandos, dando suporte direto aos responsáveis pelos jovens atendidos pela instituição. O perfil destas famílias encaixa-se no padrão de pessoas que vivem em situação de dificuldades e que apre-sentam problemas sociais. Comunidades que vivem em de desemprego, exclusão, pre-carização do trabalho, da saúde, da habitação, da educação, alimentação insuficiente, violência e diversos outros tipos de conflitos.

Nas rodas são abordados conflitos de diversos tipos, que vão desde as questões de saúde, bem individuais, a questões de cunho coletivo, como queixas de falta de escola na região, ruas sem esgoto e outros. Na roda existe um grande paradoxo: os que sofrem e se queixam são os mesmos que propõem soluções e mostram os caminhos. Todos vivem os dois papéis, e isso mostra a cada um o valor do coletivo.

O atendimento prestado a estas famílias tem sido valioso, pois tudo vai além da terapia, uma vez que a Fundação procura criar uma rede de apoio a estas famílias, intermediando encaminhamentos a outros especialistas.

8.11 -Um caso contado “A terapia não é minha só, ela é de todos nós”

O atendimento em uma das Unidades da FCM será aqui relatado, mas sem iden-tificar o grupo, ou seja, não será aqui nem mesmo citado em que unidade se deu este atendimento.

Não foi fácil iniciar o trabalho nesta Unidade, até porque foi uma das primeiras no processo de implantação da TC nesta instituição. Na primeira roda estavam, além dos adultos, algumas crianças, mas tudo transcorreu de forma tranqüila, embora a princípio a impressão tenha sido a de que o grupo estava insatisfeito, como se tivesse vindo em busca de um atendimento e tivesse encontrado uma atividade bem diferente. Para eles, decepcionante. Mas levamos a ação até o fim, fechando com a solicitação de que cada um dissesse o que sentiu naquele momento. Eram 14 participantes, mas

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só a metade falou trazendo as seguintes declarações: “Foi interessante”; “Gostei” (3); “Pra mim não é fácil falar das coisas que me tiram o sono, mas tô me sentindo melhor depois de ter falado aqui”; “Espero que vocês voltem e não desistam da gente”; “Foi doloroso, mas eu gostei”.

Voltamos para um segundo encontro e encontramos um grupo um pouco maior; além dos membros do grupo original, havia “convidados” de alguns, ou seja, um vi-zinho, a sogra e a professora da banca7 . Pessoas que ficaram sabendo do que seria aquela reunião e, por curiosidade ou recomendação do outro, resolveram participar. Como de praxe, iniciamos com a acolhida e procedemos de acordo com o método, sendo que desta vez foi solicitado a cada participante se apresentar da forma que me-lhor encontrasse; assim vimos que havia ali uma mãe que é funcionária contratada do posto de saúde local. Durante a RTC ela não se manifestava, não trazia sua dificuldade nem qualquer outra fala, nem mesmo no momento do encerramento, em que cada um pode dizer, de forma breve o que sentiu. Apenas no terceiro encontro esta jovem senhora falou de sua dor. Há 7 meses havia perdido seu filho de 10 meses e, desde então, segundo seu relato, não conseguia permitir que “ninguém mexesse nas coisas dele”. Uma gaveta com suas roupas e uma caixa com os sapatos e brinquedos estavam no quarto, no mesmo lugar. Dona Maria8 relatou que todo esse tempo chorava e não permitia que seu filho de 10 anos brincasse em casa; relatou que fez com que seu espo-so, pai da criança falecida, fosse embora de casa; e que depois de sua participação na segunda Roda que fizemos na comunidade, pôde perceber o quanto estava sendo ego-ísta com seu filho e quanto foi infeliz no que fez de seu casamento. Disse que depois da nossa segunda roda se permitiu pegar, olhar e se despedir das coisas que pertenciam ao seu filho Mateus9 , compreendendo que o mais velho está vivo ainda e precisa dela. Ela compreendeu, segundo seu depoimento, que a dor e a perda fazem parte da vida e que são úteis para promover o crescimento espiritual e que não são privilégio dela; ver que tantos ali sofrem com angústias maiores, perdendo seus filhos para o tráfico, para a própria droga, para as prisões, sofrendo privações e fome fez com que ela percebesse que “sua vida é muito boa e que Deus a abençoa sempre”, conforme suas palavras. Disse que restava ainda curar o filho maior que ela estava fazendo adoecer com a sua própria dor, pedindo-lhe desculpas e mostrando a ele que o ama e que ele é seu filho.

7 Reforço escolar8 Aos personagens aqui expostos foram dados nomes fictícios para preservar suas imagens.9 Idem

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No nosso exercício de Terapeuta nos deparamos constantemente com a dor do outro e com sua capacidade de superação. O caso acima relatado, de Dona Maria, analisamos como uma situação em que a RTC pode tirar a venda dos olhos de alguém, lhe permitindo ver que a vida continua e que cada pessoa é responsável não só por si próprio, mas também pelas pessoas que a cercam e que dependem direta ou indireta-mente dela.

8.12 - A terapia comunitária e a escuta

O trabalho realizado pelo participante da RTC é como a limpeza da chaminé, ex-pressão usada por uma paciente de Freud, Anna O., ao falar do que representou para ela expor, pelo método da associação livre10 seus pensamentos conscientes, desejos in-conscientes, angústias e sofrimentos somatizados pelo seu corpo. Na Terapia Comuni-tária é possível se constatar que, por meio da fala, os participantes são levados à “cura” de alguns sintomas que apresentam, que nada mais são que sintomas promovidos pe-las angústias e sofrimentos, privação de escuta e de espaço para falar. Na RTC o sujeito é levado a falar e muitas vezes esta fala vem após a elaboração da escuta do outro.

Esta é a proposta da Roda de Terapia Comunitária: permitir que, por meio da fala e/ou da escuta, os sujeitos possam trazer à tona seus conflitos, abrindo assim vias de solução para os mesmos.

8.13 -Referências

BARRETO, Adalberto de Paula. Terapia Comunitária passo a passo. SP, 2005, Grá-fica LCR.

FREUD, S. Rascunho E – como se origina a angústia, 1894. In: Publicações pré--psicanalíticas e esboços inéditos. Rio de Janeiro: Imago, 1996. (Obras psicológicas completas de Sigmund Freud: edição standard brasileira.

10 A associação livre é o método terapêutico por excelência da psicanálise. Freud o inventou. Diferente da TC, na Associação livre o paciente é orientado a dizer o que lhe vier à cabeça.

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9 Tdah, um caso de carência de atenção

Maria Jane Argolo C. Branco 1

O presente artigo possibilita uma breve reflexão em torno de um tema ainda ge-

rador de muitos conflitos e dúvidas, ocasionados principalmente no âmbito familiar e escolar, pela desinformação sobre sua origem, causas e conseqüências, tornando-se um grande entrave na vida do portador e dos que com ele convivem. Algumas vezes nos deparamos com determinados comportamentos e atitudes de algumas de nossas crianças, e ficamos a indagar sobre a natureza dos mesmos. Atitudes como impulsi-vidade, muita inquietação, dificuldades de concentração, pensamento distante, difi-culdade em permanecer sentado mexendo constantemente nos colegas, interrupção frequente das aulas, burlar regras e limites, além de outros comportamentos semelhan-tes, podem determinar a presença do transtorno do déficit de atenção/hiperatividade (TDAH), também conhecido popularmente como hiperatividade (Silva, 2009). Este transtorno é classificado pela Associação de Psiquiatria Americana (APA)2 .

O TDAH se caracteriza, segundo a APA, por três sintomas básicos: desatenção, impulsividade e hiperatividade. Seus sinais apresentam-se logo na infância e em cerca de 70% dos casos permanece ainda na vida adulta. Esses três sintomas podem aparecer de maneira individual em pessoas diferentes, ou agrupados numa só pessoa, o que pode ocasionar em sérios prejuízos se não for diagnosticado e tratado com antecedên-cia. Para Barkley (2000), o TDAH é considerado um transtorno de desenvolvimento do autocontrole que consiste em problemas com os períodos de atenção, com o con-trole do impulso e com o nível de atividade. Ele descreve alguns sinais da existência do TDAH na primeira infância, no entanto, afirma que nesses primeiros anos esses indicadores não são tão confiáveis quanto os sintomas descritos em idade escolar, principalmente dos 6 aos 12 anos de idade. Segundo ele (pagina), quando nasce um

1 Pedagoga formada pela Universidade Católica do Salvador, UCSAL . Especialista em Psicopedagogia Clínica e Institucional – Faculdade deArtes do Paraná, Curitiba; Psicopedagoga da Fundação Cidade Mãe2 Associação Psiquiátrica Americana (1995)

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bebê com TDAH, Tipo Combinado (com Hiperatividade), é fácil perceber alterações no seu comportamento: ele reage negativamente a novas situações com choros altos e insistentes ou, simplesmente, se mostra mal humorado por um grande período do dia. Também não apresenta um sono tranqüilo, movimenta-se muito, e, às vezes, até machuca-se ao bater cabeça e pernas nas grades do berço. Durante o dia, agita cons-tantemente braços e pernas, o que provoca suores, produz sons estranhos e repetitivas reações, o que difere do recém nascido com TDAH Tipo desatento (sem hiperativida-de), que é um bebê fácil de lidar, com um temperamento agradável e calmo, sorri com freqüência e gosta de estar perto de outras pessoas.

Indicadores mais confiáveis da presença do TDAH surgem quando as crianças co-meçam a andar. É possível perceber de 60% a 70% da presença do TDAH em crianças na faixa de 2 a 3 anos, no entanto, os indicadores predominantes não vão incluir a atenção, ”marca registrada” no diagnóstico de TDAH, pois poucas crianças com 2 anos de idade se concentram em qualquer coisa por muito tempo (característica da própria fase). Entretanto, o que diferencia é que crianças que se encontram nessa mesma fase e são portadoras do TDAH tendem a sofrer frequentes acidentes em razão da hipe-ratividade, da impulsividade e das freqüentes dificuldades de coordenação motora e psicomotora, o que não acontece com o Tipo desatento (s/ hiperatividade).

9.1 - O TDAH na idade escolar

Nas crianças maiores o Transtorno de Déficit de Atenção compromete o rendi-mento escolar, já que a atenção seletiva a estímulos relevantes é condição necessária para a ocorrência das aprendizagens em geral e, em especial, as escolares. A criança com TDAH apresenta dificuldades para sustentar a atenção durante um tempo mais prolongado; a dificuldade também está presente ao selecionar a informação relevan-te em cada problema, de forma a estruturar e realizar uma tarefa. Essas dificuldades intensificam-se nas situações grupais, já que elas exigem atenção sustentada e seletiva para o manejo da grande quantidade de informação que é gerada (Briso e Sarria,1930). É preciso analisar o tipo de dificuldade, quando esta ocorre, para então, poder estabe-lecer prioridades no atendimento a estas crianças. Segundo Ballone3 , os transtornos de aprendizagem compreendem uma inabilidade específica como leitura, escrita ou

3 Gj. Dificuldades de Aprendizagem,São Paulo, 2003.

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matemática, em indivíduos que apresentam resultados significativamente abaixo do esperado para o seu nível de desenvolvimento, escolaridade e capacidade intelectual. Em 1988, o National Joint Comitte on Leaming Disabilities apresentou uma conceitu-ação concludente sobre as dificuldades de aprendizagem:

Dificuldade de aprendizagem é um termo geral que se refere a um grupo heterogêneo de transtornos manifestados por dificuldades significativas na aquisição e uso da escuta, fala, lei-tura, escrita, raciocínio ou habilidades matemáticas. Estes transtornos são intrínsecos ao indI-vÍduo, supondo-se que são devido à disfunção do sistema nervoso central, e podem ocorrer ao longo do ciclo vital.

Atualmente, a descrição dos Transtornos de Aprendizagem é encontrada tanto no CID-104 como no DSM-IV. Ambos os manuais apresentam basicamente três tipos de transtornos específicos:

Transtorno da Matemática......também conhecido como discalculia, não é relacionado à ausência de habilida-

des matemáticas básicas como contagem, e sim na forma com que a criança associa essas habilidades com o mundo que a cerca.

Transtorno da Leitura......também conhecido como dislexia e é caracterizado por uma dificuldade em

compreender palavras escritas. Trata-se de um transtorno específico das habilidades de leitura, que sob nenhuma hipótese está relacionado à idade mental, problema visual ou baixo nível de escolaridade. Manifesta-se por dificuldade em trocas de letras pare-cidas ou sons parecidos.

Transtorno da Expressão escrita......um transtorno apenas de ortografia ou caligrafia. Nesse transtorno, também co-

nhecido como disgrafia, geralmente existe uma combinação de dificuldades na ca-pacidade de compor textos escritos, evidenciada por erros de gramática e pontuação dentro das frases, má organização de parágrafos, múltiplos erros ortográficos ou fraca caligrafia.

O TDAH por si só não causa problemas de aprendizado. Os erros cometidos na es-

4 Elaborado pela Organização Mundial de Saúde, 1992

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cola por crianças e adolescentes com esse transtorno ocorrem como conseqüência dos sintomas do TDAH. É evidente que as dificuldades aumentam de proporção ao atingir crianças com TDAH. Tanto essas dificuldades, como o comportamento apresentado por estes sujeitos, podem ser considerados tão complexos que, tanto a criança como sua família necessitam de acompanhamento e orientação, já que essa situação pode transformar a vida de todos e, adicionalmente, esses comportamentos são acompa-nhados por outros associados, como baixa auto-estima e depressão, o que pode afetar significantemente a performance dessas crianças.

A fase dos 6 aos 12 anos é considerada a mais crucial para as crianças com TDAH. A falta de concentração nas atividades aumentam, as exigências de professores tor-nam-se cada vez mais freqüentes e consequentemente as queixas escolares tornam-se rotina. Nessa época, os dois tipos de TDAH enfrentam os mesmos problemas, acar-retando um baixo rendimento escolar e repetições de ano consecutivas. Verifica-se também neste período o surgimento dos transtornos emocionais e os transtornos de aprendizagem. Socialmente, a criança pode ser bastante solitária, e a tendência de traduzir sentimentos em ações pode aumentar gerando, por exemplo, as mentiras, atitudes mais agressivas e os pequenos furtos. As mentiras muitas vezes estão relacio-nadas às tarefas de casa nunca terminadas.

Segundo Phelan (2005, p.55):

A tendência de traduzir os sentimentos em ações é preocupante, porque cerca de 25% das crianças com TDAH tem sérios riscos de mais tarde de-senvolver distúrbios de conduta - problemas que envolvem atividades mais sérias, inadequadas e precoce para a idade, e até mesmo ilegais.

Durante esta fase a criança já consegue perceber que algo de diferente existe no seu comportamento, mas por não ter maturidade suficiente para discernir o que existe de fato com o seu “eu,” passa a acreditar que aqueles títulos os quais sempre ouviu, fazem sentido na sua vida, sentindo-se concretamente como um incapaz, perverso e pior que todos os outros.

9.2 - Intervenção psicopedagógica nas unidades:

Para se chegar a um diagnóstico, é necessário a intervenção psicopedagógica, pois

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ela é essencial para identificar o TDAH, ou outros transtornos, que, muitas vezes po-dem estar ligados a não aprendizagem. Por essa razão, é necessário se estabelecer cri-térios que ajudem na identificação desse transtorno, já que ainda não se dispõe de um teste ou exame específico que, por si só, identifique o TDAH. Segundo Weiss (2004, p. ), todo diagnóstico psicopedagógico é uma investigação, uma pesquisa para se desco-brir o que não vai bem, a causa do não aprender, do aprender com dificuldade, a fuga da aprendizagem e a omissão do que aprendeu. As nossas intervenções nesse âmbito têm assumido um papel relevante direcionando os atendimentos que realizamos com nossos educandos nos núcleos de apoio psicopedagógico, instalados nas Unidades da FCM5 , garantindo através do olhar e da escuta, a identificação dos problemas que interferem na aprendizagem, além de outros elementos essenciais utilizados duran-te todo o processo de investigação em busca das causas da não aprendizagem. As-sim sendo, o trabalho do Núcleo Psicopedagógico objetiva atender uma demanda de crianças e adolescentes lançando sobre eles um olhar diferenciado, quando essa demanda provém de seus educadores que sinalizam as dificuldades percebidas nas relações diárias diante das tarefas propostas. A partir daí, começa-se a conhecer e atuar sobre os aspectos diretamente ligados à aprendizagem.

É necessário abordar alguns pontos referentes ao perfil de nossos educandos, es-clarecendo que muitas vezes a não superação das suas dificuldades no aprender po-dem ter origem, segundo Sanches (2004), em alguns fatores externos, como o ensino inadequado ou insuficiente, a desmotivação e os fatores econômicos, diferente dos que sofrem dificuldades originadas por fatores internos, manifestados pelas diferenças no desenvolvimento dos processos psicológicos, como a percepção, atenção ou memória. Quando lidamos com uma camada da população de baixo poder aquisitivo e pou-co acesso a esse tipo de informação, consequentemente essas dificuldades podem ser interpretadas como “burrice6 ” ou “deficiência mental.” Essa interpretação ocasiona, sem dúvida, implicações arrasadoras no processo de aprendizagem. Inúmeros são os casos de crianças rotuladas pela própria família, quando as mesmas se vêem impoten-tes frente aos diversos desafios de vencer a leitura ou a escrita, além de apresentarem inquietações comportamentais e desatenção nos momentos em que necessitam man-ter a sua concentração. Por causa disso, constantemente, recebem punições e adjetivos ofensivos, conseqüência de um comportamento “inadequado”, porém, não intencional

5 Fundação Cidade Mãe6 Termo utilizado pelas famílias.

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como já dissemos anteriormente. Esse comportamento pode ser confundido por mui-tos com debilidade mental. O que falta para essas crianças muitas vezes é, na verdade, oportunidades de acompanhamento e diagnósticos precisos (Weiss,2004, pg.16) que ajudem na identificação do problema e suas origens. Para se chegar ao diagnóstico da debilidade mental, vários recursos e instrumentos são utilizados, dentre eles podem estar os instrumentos psicométricos, os testes projetivos, importantes informações e observações registradas no contato com a família e educadores, assim como, muitos outros necessários para um diagnóstico concludente, (Rev. Psicopedagógica, 2005, p.22).

O TDAH não está relacionado à deficiência mental, mas as características de um comportamento desatencioso e frequentemente irrequieto, muitas vezes confundem a família, principalmente se esta não estiver munida de informações suficientes que lhes possibilite compreender a diferença entre esses dois transtornos, ocasionando sérias injustiças ao pequeno portador de TDAH.

Algumas situações semelhantes a essas temos vivenciado no nosso dia a dia, quan-do lidamos com crianças vítimas do fracasso escolar e são conscientes de que algo não está bem. No decorrer dos atendimentos acabam se autodenominando “burras” e “incapazes”, reproduzindo o que já ouviram da própria família. Nas intervenções psi-copedagógicas também detectamos algumas causas da não aprendizagem que podem estar relacionadas ou não às questões sociais que bloqueiam o acesso à aprendizagem.

9.3 - Diagnóstico

Já se sabe que o TDAH não é uma doença, por isso ele não é adquirido. Segundo Silva (2009, p. ), é um transtorno biogenético, mas pode aumentar de intensidade ou ser controlado de acordo com o tempo em que é descoberto e o tratamento aplicado. Se ficarmos atentos aos sinais de sua existência, geralmente na alfabetização ou nas séries iniciais do ensino fundamental, podemos evitar sofrimentos de ambos os lados (pais e filhos) e consequentemente um melhor relacionamento diminuirá os proble-mas emocionais coexistentes ao TDAH. Por isso, o melhor critério, segundo a autora, para se diagnosticar esse transtorno é a “própria história de vida em vários aspectos: escolar, familiar, profissional no caso do adulto, social e afetiva.” Essa visão mais ampla oportunizará critérios que traçarão a necessidade de tratamento. Esse tratamento na verdade implica mais num ajuste de comportamento, algumas mudanças que propor-

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cionem um equilíbrio entre a sua maneira de agir com suas obrigações diárias impos-tas por seu dia a dia. O processo de avaliação de diagnóstico envolve, necessariamente, a coleta de dados com os pais, com a criança ou o adolescente. A coleta de dados com a escola também é particularmente importante.

A história do passado da criança e de seu desenvolvimento no contexto familiar, sua cultura, sua comunidade deve ser cuidadosamente coletadas. O desenvolvimento neuropsicomotor, o cognitivo, o escolar, a maneira como a criança se relaciona com os seus pares e o relato sobre doenças e sua concepção também devem ser pesquisados. Dentro da nossa realidade nem sempre é possível a obtenção desses dados quando não conseguimos contato suficiente com o próprio educando e a família, pois nem sempre atendem aos nossos convites.

9.4 - Relato de caso

Relataremos aqui um caso que ocorreu em 2009 que retrata essa situação; foram realizados alguns atendimentos a um educando que chamaremos de “M”, de 13 anos e que cursava o 4º ano do ensino fundamental. Ele foi encaminhado para o atendimento através do seu educador da FCM, cuja queixa era baixo desempenho nas ativida-des e dificuldade em manter-se quieto e concentrado na oficina durante as atividades. Durante a nossa primeira entrevista (E.O.C.A)7 pude constatar que além de não saber ler e escrever, “M” não reconhecia as letras do seu próprio nome. Durante a nossa conversa fiz várias perguntas relacionadas a aprendizagem e notei que estava bastante desinteressado, mexendo-se constantemente na cadeira, com a visão voltada para o lado de fora onde acontecia um jogo de futebol, seu maior interesse naquele momen-to. Pedi então que mostrasse algumas regras do jogo através da escrita ou desenho e procurou subterfúgios na hora de representar graficamente, mexendo em todos os materiais da mesa. Nos poucos atendimentos posteriores, já que dificilmente aparecia, durante algumas provas fui constatando a presença de uma “ansiedade confusional” (Weiss,2004) que impedia a articulação de suas potencialidades, principalmente as que se referem à aprendizagem sistemática, fazendo-o desistir com facilidade de con-tinuar realizando as atividades. No entanto, algumas características que me fizeram pensar na hipótese do TDAH foram sinalizadas pela sua mãe que, felizmente, depois

7 Entrevista Operativa Centrada na Aprendizagem

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de muitas tentativas, atendeu uma única vez à nossa solicitação. Durante a ANAMNE-SE ela relatou o grande desafio que é criar os seus filhos em meio a tantas dificuldades existentes no seu contexto social. Enfrenta a falta de condição financeira, o sacrifício de ter que deixá-los para ir em busca de trabalho, a ausência da figura paterna como apoio na educação, além das limitações para entender e lidar com algumas caracterís-ticas no comportamento de “M”, como o não cumprimento de suas tarefas, a constan-te inquietação dentro de casa, a desatenção e distração em ouvir o que se está falando, além da impulsividade nas atitudes: Ele é nervoso e age sem pensar...8

Esses traços evidenciados no comportamento do nosso educando caracterizam al-guns aspectos do comportamento de um portador de TDAH; no entanto, não se pode afirmar na falta de outros elementos fundamentais para se chegar a um diagnóstico mais preciso. Ainda em processo de investigação e diante dos poucos dados obtidos nos poucos encontros que tivemos, criamos algumas estratégias que pudessem ajudar “M” a obedecer uma rotina, facilitando a vida diária a fim de fazê-lo sentir-se mais organizado internamente. Essas intervenções são essenciais para ajudar no controle efetivo do comportamento, ao mesmo tempo em que envolve a família, educadores e outras pessoas que possam ajudar a diminuir os conflitos existentes no meio, esperan-do um retorno positivo. Assim, o jovem foi orientado a:

1- Oferecer ajuda ao seu educador nas atividades2 - Criar uma rotina permanente para suas atividades diária3 - Estabelecer horários regulares para suas tarefas escolares4 - Manter a prática do futebol nos horários regulares5 - Fazer o registro das tarefas escolares6 - Sentar-se na frente na sala de aula7 - Buscar ajuda do educador antes de uma atitude impensada Esses hábitos seriam importantes para lhe dar conforto e segurança, além de impe-

dir ações impulsivas e sem objetivos, diminuindo também a sensação de incapacidade que normalmente afetam o portador de TDAH. A postura do educador é extrema-mente importante nesse processo, estando atento às necessidades do educando, fa-zendo com que ele possa se sentir acolhido e estimulado no ambiente, pois o mesmo precisa sentir-se inserido nesse contexto educacional. Essas ações implicam em agir com paciência e equilíbrio, pois lidar com crianças e adolescentes com esse perfil é

8 Fala transcrita da mãe

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extremamente difícil e cansativo. O educador deve ter consciência dos seus limites e solicitar ajuda de seu coordena-

dor e se possível de especialistas sempre que. É fundamental saber que essas crianças necessitam de estruturação; elas precisam estruturar o ambiente externo, já que não podem se estruturar internamente por elas mesmas. O portador de TDAH se benefi-cia quando existe um direcionamento para se orientarem no que estão fazendo, pois necessitam de algo para fazê-las lembrar das coisas. Necessitam também de previsões, repetições, diretrizes, limites e organização.

9.5 - Função dos pais no tratamento do tdah:

Uma criança com TDAH pode constantemente desconcertar seus pais, que nao conseguem entender o que a motiva. “Ela vai muitas vezes se tornar a ovelha negra da família, da mesma forma que se transformou na ovelha negra de sua classe”

Com freqüência será a fonte de constantes distúrbios e vai produzir uma série de ba-rulhos. A competição em casa é normal e, na maior parte das vezes, a criança com TDAH é a instigadora dos problemas. O apoio dos pais é essencial para iniciar um tratamento com resultados positivos. Para isso é preciso que as os mesmos estejam informados sobre o que é exatamente o TDAH, suas causas e como ele se manifesta nas diferentes situações do dia a dia, nos diferentes locais que a criança freqüenta. É importante aceitar o TDAH como um problema real que merece cuidados especiais e não como resultado de um “temperamento difícil” ou “teimosia”. Os pais devem tornar-se verdadeiros especialistas no assunto, na medida do possível; aos pais dos educandos da FCM, procuramos passar as informações necessárias.. O diálogo é importante, ajuda a criança ou o adolescente a entender as suas próprias dificuldades e a descobrir as atitudes necessárias para dimi-nuir o impacto do TDAH. As normas sobre os comportamentos precisam ser sempre claramente estabelecidas. A criança precisa de um meio familiar que tenha rotinas, que especifique suas tarefas. É importante a criatividade na forma como exigem as modifi-cações do comportamento de seus filhos. Não exigir algo muito difícil inicialmente é fundamental para que a criança não fracasse ao executar.

9.6 - Tratamentos alternativos

O trabalho desenvolvido nas Unidades da FCM torna-se ainda mais positivo quan-

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do encontramos nas Instituições parceiras o apoio necessário para proporcionar a essas crianças e adolescentes a possibilidade de serem acompanhados no processo terapêutico, conscientizando-os de que esses comprometimentos ou transtornos po-dem ser minimizados, oferecendo-lhes um melhor rendimento na sua aprendizagem, criando a esperança e a certeza de alimentar sonhos possíveis de realizar. O tratamento envolve uma abordagem múltipla, englobando intervenções psicossociais e farmaco-lógica. A psicoterapia individual dará apoio e ajudará nas comorbidades relacionadas ao TDAH (transtorno de ansiedade, depressão, distúrbio do sono e outros) que, ge-ralmente, acompanham o portador. No entanto, a psicoterapia apenas ajuda no trata-mento do portador de TDAH, ela não substitui o medicamento (quando necessário) pois, embora a psicoterapia e o acompanhamento farmacológico ajudem o paciente, há muitos limites para sua capacidade de intervenção. É dificil um terapeuta resolver todos os problemas se não houver um suporte e colaboração de outras pessoas que passam mais tempo com esse portador, integrando-o no meio social.

Existem também meios alternativos como o fitoterápico e homeopático, que têm demonstrado eficácia na hiperatividade, porém necessitam de uma abordagem mais ampla. É essencial que o tratamento ocorra de forma cautelosa, em um ambiente cal-mo e carinhoso. O cuidado com essas crianças exige um esforço coordenado entre os profissionais das áreas médicas, saúde mental, psicológica e pedagógica, em con-junto com os pais. Esta combinação de diversas fontes é denominada de intervenção multidisciplinar. Um tratamento com esse tipo de abordagem inclui: treinamento dos pais quanto à verdadeira natureza do TDAH e um desenvolvimento de estratégias de controle efetivo de comportamento; um programa pedagógico adequado; aconselha-mento individual e familiar, quando necessário, pra evitar o aumento de conflitos na família e uso de medicação, se necessário.

9.6 - Considerações finais

Apesar das dificuldades em manter “M” freqüentando os atendimentos, algumas sugestões aos poucos foram internalizadas na base da troca e utilizadas na rotina dele. Resultados positivos em casa não foram registrados pela dificuldade de comunicação com a mãe, o que impossibilitou uma orientação de forma mais sistematizada e con-tinuada como o se requer. O educando não permaneceu na Unidade, interrompendo a continuação dos atendimentos e um diagnóstico preciso sobre a causa das suas difi-

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culdades. No entanto, nos contatos posteriores, alguns resultados foram observados. Apesar dessas dificuldades que caracterizam nossa realidade, o trabalho continua e

temos atendido diariamente a outros educandos em situações semelhantes. Acompa-nhamos e sensibilizamo-nos com os aspectos revelados em cada situação, procurando oferecer, através desse trabalho investigativo, orientação à família e os encaminha-mentos necessários para um tratamento especializado, proporcionando um outro sig-nificado à aprendizagem escolar e minimizando os sentimentos de incapacidade que acompanham a vida dessas crianças e adolescentes. É necessário conhecer, aceitar e tratar o portador de TDAH, sabendo que muitas vezes este transtorno pode contribuir para o fracasso escolar.

Através das informações, pais e educadores poderão começar a reconhecer mais cedo os sintomas desse comportamento diferenciado e assim encaminhá-los às alter-nativas de tratamento para que seja iniciado um programa de prevenção das conse-qüências que afetam a vida afetiva, soocial, escolar e profissional dessas pessoas. Em apoio a isso, contamos com o trabalho do Núcleo de Família, que investe no acompa-nhamento e atendimento às famílias dos nossos educandos, sinalizando e esclarecendo dúvidas referentes à questões fundamentais para o desenvolvimento dos seus filhos. É necessário ainda a veiculação de informações científicas acerca desse transtorno, ou a falta de conhecimento sobre a implicação desse e de outros problemas poderão trazer males irreparáveis, principalmente na infância e adolescência.

9.7 -Referências

BALLONE, ...BARKLEY, Russel A. Transtorno de Defícit de Atenção/Hiperatividade, Porto Ale-

gre: Editora Artmed, 200

PHELAN, Thomas W. TDA, TDAH Sintomas, Diagnóstico e Tratamento; para crianças e adultos. 1. Ed. M. Book do Brasil, Editora LTDA, 2005.

SÁNCHES, Jesus Nicasio Garcia. Dificuldades de Aprendizagem e Intervenção Psicopedagógica, Porto Alegre:Editora Artmed, 2004.

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SILVA, Ana, Maria Beatriz Barbosa, Mentes Inquietas, TDAH, Desatenção, Hiper-tividade e Impulsividade, Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2009.

WEISS, Maria Lúcia L. Psicopedagogia Clínica,uma visão diagnóstica de aprendi-zagem escolar, Rio de Janeiro: Editora DP&A, 2004.

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10Um novo aprendizado,um olhar neurodidático

Lêda Lisboa Cosme

A educação é a base de todo um saber, que mais cedo ou mais tarde será cobrado pela sociedade. Segundo Jean Piaget (1985), educar é adaptar o indivíduo ao meio sócio ambiental. Contudo sabemos que esta adaptação só acontece quando o conheci-mento ganha significado. Pensando neste significado e no aprimoramento do processo de ensino aprendizagem, surge a Psicopedagogia

A Psicopedagogia é uma área de estudos e não tem ainda status de ciência, no en-tanto, é objeto de pesquisa e nasceu de uma prática. Essa área de estudos fundamenta hoje uma fazer que está essencialmente voltado para a questão da aprendizagem hu-mana. Ela surgiu, em nosso país, no momento em que vivíamos um problema bastante grave com relação à retenção e evasão escolar, especialmente nas séries iniciais.

Em vista disso, educadores, psicólogos professores em geral, médicos e neurolo-gistas passaram a se interessar pelo tema e, naturalmente, foram se agrupando, foram se estruturando para estudar de uma forma mais sistematizada a questão da aprendi-zagem humana.

A partir dessas reuniões, na Alemanha dos anos 2000, Gerhaer Friedrich, doutor em pedagogia e Gerhard Preiss, professor de didática da matemática na Escola Supe-rior de Pedagogia de Friburgo na Alemanha, sistematizaram os estudos sobre neuro-didática através de suas pesquisas. Esses neuroeducadores sabiamente souberam fazer uma mixagem inteligente entre pedagogia e neurociência ou neurodidática.

10.1 - O que é a neurodidática?

Gerhard Friedrich e Gerhard Preiss (in DAMIRES, p.7) definiram a Neurodidática

1 Pedagoga, professora da Rede Municipal de Salvador, especialista Psicopedagogia Escolar e Clínica, estudante do Curso de Especialização em Neuropedagogia e Psicanálise, Psicopedagoga da Fundação Cidade Mãe.

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“como a aprendizagem na melhor maneira que o cérebro é capaz de aprender”, ou seja, propõe a superação das dificuldades de aprendizagem através da plasticidade neu-ral. Ela defende que os educadores além de bons observadores devem conhecer como funciona o biológico cerebral, devem ter olhar de inclusão e, acima de tudo, devem ser bons investigadores e observadores para que percebam qual a melhor maneira de trabalhar com seu educando para que ele aprenda melhor e mais rápido. Contudo, para que isso aconteça é necessário descobrir as potencialidades da criança, o que ela domina melhor e o que mais desperta sua curiosidade.

O cérebro é uma máquina em operação constante e desde que bem alimentado (es-timulado) evolui rapidamente processando novas informações, transformando-as em novo conhecimento, em nova aprendizagem. O principal alimento do cérebro, depois do orgânico, é a informação, a novidade, o estímulo, provocando novas conexões: as sinapses . Mas não é qualquer informação; cada indivíduo aprende de modo diferente e aprende com mais facilidade aquilo que desperta sua atenção, seu interesse, uma vez que aprendizagem é o ajustamento ou adaptação de novas informações ao indivíduo, relacionando-as ao ambiente em que vive. O educando precisa ser “enfeitiçado pelo desejo de aprender, pelo fascínio da descoberta do novo”. Quem disse isso? Poe a re-ferencia

Rubens Alves, em A alegria de ensinar (2001), relata a história de um príncipe que virou sapo e na sua vida de sapo era destaque entre seus colegas. A cada dia que passava ele esquecia que era um príncipe e aprendia com perfeição os afazeres de sapo que lhes eram transmitidos.

A história do príncipe que virou sapo é a nossa história. Desde que nascemos nos-sos cuidadores vão transmitindo informações. Elas entram no nosso corpo provo-cando uma transformação diferente do que éramos. Assim é a educação, o processo através do qual nossos corpos vão ficando iguais as palavras que nos ensinam.

Buscando acabar com esses “feitiços”, a psicopedagogia atrelada a outros profis-sionais (professores, fonoaudiólogos, psicólogos, neurologistas) e em parceria com a neurodidática chega com o objetivo de lançar os educandos em um mundo novo, um mundo de descobertas e superações porque a grande satisfação de um educador ocor-re quando ele participa do processo de evolução, do crescimento, da vitória de um educando.

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10.2 - Estudo de caso

Partindo da idéia que devemos acabar com esses “feitiços”, a Fundação Cidade Mãe, realiza um trabalho educacional com crianças em situação de vulnerabilidade, desenvolvendo atividades culturais e cursos profissionalizantes para adolescentes.

No ano de 2009, a instituição recebeu uma menina de 09 anos, qua aqui chama-remos de “EV”, para oficina de Artes Visuais. “EV” tinha comprometimento na fala, não se relacionava bem com os colegas e educadores, se recusava a fazer qualquer atividade proposta, deitava constantemente no chão e, na escola, estava em distorção série/idade.

No nosso primeiro contato, percebi que tinha ela dificuldade para relatar fatos da sua vida (não sabia dizer a idade e não conseguia relacionar as pessoas que moravam na sua casa) e encontrava-se no nível pré-silábico. Em outro momento solicitei a pre-sença da mãe e a mesma relatou que o pai de “EV” fora assassinado quando ela estava no 6º mês de gestação. Devido ao acontecimento, o feto ficou sem mexer por 30 dias.

A garota nasceu prematura (8 meses) e, segundo a mãe, sempre foi uma menina tímida, embora às vezes agressiva. Ela sabe como o pai biológico faleceu. Pelo padras-to, ela tem respeito mas, segundo a mãe, não demonstra nenhum tipo de afeto por ele.

Diante disso, o trabalho com “EV” foi iniciado a partir de uma investigação. Soli-citei dela informações sobre sua idade (informação já conhecida), data de nascimento, quantas pessoas moravam em sua casa e a idade de cada um. Ela se mostrou interes-sada pela atividade, porém não conseguia relatar os fatos, mas cumpria cada etapa trazendo tudo anotado e as informações eram discutidas; neste momento ela sempre trazia uma novidade da família. Posteriormente, as atividades foram direcionadas para área lúdica: quebra-cabeça progressivo, Jogo das sílabas, Jogos de adição e subtração, Trangran, produção de textos através de gravuras incentivando a criatividade, fala e desenvolvimento do pensamento por etapas, Jogo dos 7 erros e reconto de histórias.

Além dos jogos, foi realizada uma parceria com a educadora da Oficina de Artes Visuais com o objetivo de desenvolver a coordenação motora e a integração com os co-legas. Sempre que eu tinha um tempo livre participava dessas aulas como observadora.

No final do ano letivo “EV” estava mais falante, risonha, evoluiu para o nível silá-bico e estava realizando, sozinha, cálculos simples de matemática (utilizando material concreto). Ah! Para alegria de toda Unidade Educativa FCM “EV” participou do coral de Natal.

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a ç ã o P s i C o P e d a g ó g i C a

Neste trabalho desenvolvido, a união da psicopedagogia com a Neurodidática foi importante para o desenvolvimento da educanda, porque através da observação e in-vestigação foi possível perceber o que despertava sua atenção e curiosidade; a partir das hipóteses levantadas foram montadas estratégias para trabalhar com ela dentro da Unidade, já que a mãe não tinha condições e não demonstrava interesse em procurar profissionais da área médica, pedagógica e psicopedagógica para realizar um trabalho com esta menina.

Sabe-se que ensinar não é uma tarefa fácil, mas para que esta arte se torne a cada dia mais prazerosa, o educador tem que estar atento a tudo que acontece na sua classe e na área educacional.

10.3 - Referências

SILVA, Luiz Gustavo Cordeiro. Pesquisador de tecnologias para educação à distân-cia, coordenador do laboratório de Idéias de Hipermídia Virtus. Atualmente coorde-nador Geral do Laboratório de Neurodidática.

ALVES, Rubem. A alegria de ensinar. Campinas, SP. 3º ed, Papirus, 2001.

FLOR, Damires. Neurodidática e a Educação. 06/2007.

PIAGET, Jean. COMPLETAR 1985

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Ação Psicopedagógica

ASSEMBLEIA LEGISLATIVADO ESTADO DA BAHIA

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Agradecemos o empenho e dedicação durante os anos que permaneceram no Núcleo de psicopedagogia da

Fundação Cidade Mãe, a contribuição de vocês nos artigos deste livro são de grande importância. Desejamos sucesso e felicidade em suas novas atividades.

Equipe do Núcleo de Apoio à Família e da Terapia Comu-nitária que junto com o Núcleo de Psicopedagogia vem

desenvolvendo um trabalho diferenciado de apoio às famílias, educandos e educadores da Fundação Cidade Mãe como um todo. A Gerência de Programas e Projetos Especiais, agradece o empenho nas ações realizadas por todos os membros das equipes citadas.

LaudicéiaVaz de Queiroz Jucélia

Patricia Rodrigue

Sandra Carla

Maria Jane Argolo

Edileide Clarinda

Maria Benedita

Valéria Lucas

Lisandra Mary Russi

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Maria Célia Couto Vigas Pedagoga e Psicopedagoga, gerente da GEPPE - Gerência de Programa e Projetos Especiais da Fundação Cidade Mãe

Maria de Fátima PeixotoSocióloga e Psicopedagoga

Layne LisboaPedagoga e Psicopedagoga

Flaviane SudárioPedagoga e Psicopedagoga

Ana Rita Pedagoga e Psicopedagoga

Lêda CosmePedagoga e Psicoedagoga

Rita MagalhãesPedagoga e Psicoedagoga

Margareth Cerqueira Pedagoga Psicoedagoga

AldaPedagoga e Psicoedagoga

Janete Gonçalves Pedagoga e Psicoedagoga

Andréia AzevedoPedagoga e Psicoedagoga

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Cristiane Guimarães NunesMaria de Fátima e

Maria Célia Couto Vigas(Idealizadoras do Núcleo

de Psicopedagogia da FCM)

Maria de Fatima Peixoto (Coordenadora do Núcleo de Psicopedagogia), Sra Iara Farias (Ex-presidente da FCM)e Maria Célia Vigas

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Avaliação Psicopedagógica.

Psicopedagoga Mª de Fatima Peixoto 2005

Avaliação Psicopedagógica Plano Piloto AABB

Psicopedagoga Maria Célia Vigas 2005

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Unidade Canabrava Psicoedagoga Alda Patrícia F. Guimarães

Layne Lisboa, Eliane Braz Maria Célia Vigase Viviane Rezende

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Abrigo José Peroba Psicopedagoga Janete Gonçalves

Atendimento Psicopedagógico.

Layne Lisboa e Silva

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Unidade Saramandaia

Psicoedagoga Margareth Cerqueira

AABB ComunidadeAvaliação

Psicopedagógica 2011

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Unidade de Coutos Psicopedagoga

Leda L. e Silva

Tearapia Comunitária

com educandos da Fundação Cidade Mãe

Terapeuta Edileide Antonino

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Unidade de Roma PsicopedagogaAna Rita

Unidade AABB-Comunidade

Psicoedagoga Rita Matos

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Débora PereiraDoutora em Educação, Mestre em Educação,

Psicopedagoga, Pedagoga, Conselheira Nacional da ABPp

(Associação Brasileira de Psicopedagogia),

Diretora Cultural da ABPp Nacional, Diretora Cultural da ABPp - seção Bahia).

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Ariel Novais (Secretária Executiva

da GEPPE) e Mª Célia Couto

Vigas

Sra. Sydnei Nely (Ex-presidente da FCM) e educanda

da AABB Comunidade

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Célia Vigas e Sra. Ana Paula Dó-rea (presidente em exercício da FCM)

Equipe Núcleo dePsicopedagogia

com Sra. Iara Farias Ex-presidente 2008

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ASSEMBLEIA LEGISLATIVADO ESTADO DA BAHIA

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