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HISTÓRICO1

O Assentamento Che Guevara origi-nou-se da arrecadação pelo Estado de SãoPaulo da Fazenda Santa Clara, localizada emMirante do Paranapanema, ocupada em se-tembro de 1991 por 600 famílias de agri-cultores, oriundos de municípios da regiãoe organizados pelo Movimento dos Traba-lhadores Rurais Sem Terra (MST). Houvesolicitação à Justiça de reintegração de pos-se da propriedade. Após o cumprimento daação, as famílias foram transferidas para umaárea desativada da Ferrovia Paulista S.A. –Fepasa, enquanto a Procuradoria Geral doEstado tentava comprovar que a fazenda es-tava em terras devolutas, portanto, perten-centes ao Estado. Concomitante a isso, ostrabalhadores realizaram uma passeata de120 km, que durou 12 dias, até a cidade dePresidente Prudente, com o intuito de sen-sibilizar a população local e autoridades go-vernamentais para os problemas fundiáriosdo Pontal do Paranapanema.

Com o apoio de entidades ligadas àquestão agrária, tais como a Comissão Pas-toral da Terra (CPT), as ComunidadesEclesiais de Base (CEB’s), Sindicatos Ru-

Identificação

Nº de Lotes: 46

Área Total: 976 hectares

Área Agricultável: 772 hectares

Domínio da Terra: Estadual

Portarias de Criação: Itesp 05/1998 e Incra017/1998

Início: Janeiro de 1995Município: Mirante do Parana-panema

rais, dentre outros, iniciou-se um período denegociação entre as partes interessadas, re-sultando num acordo celebrado em abril de1992, no qual o Governo do Estado de SãoPaulo indenizou as benfeitorias realizadaspelo proprietário da área e promoveu umProjeto de Assentamento emergencial, be-neficiando 315 famílias.

A área da fazenda era insuficiente paraviabi l izar as at ividades produtivas dos

agricultores previamente assentados.

Com a criaçãode outros assentamentos quebeneficiaram as famílias exceden-tes, o Projeto de Assentamento tornou-se definitivo, recebendo o nome de CheGuevara pelos residentes. A demarcação dos45 lotes foi feita pelo Itesp.

CARACTERIZAÇÃO SOCIOECONÔMICA

O assentamento Che Guevara localiza-se próximo a outros dois assentamentos,Paulo Freire e Antonio Conselheiro, cria-dos a partir da arrecadação das áreas pelogoverno estadual, com a finalidade de seremdestinadas à reforma agrária.

Sua área está dividida em 46 lotes, comtamanho médio de 16,3 hectares cada um.A população é de 219 habitantes, sendo quecerca de 48,5% estão concentradas na faixaetária de 31 a 65 anos.

Na região de Mirante do Paranapane-ma, onde estão localizados os assentamen-tos, existem seis escolas estaduais que ofe-recem cursos do Ensino Fundamental, da 1ªa 8ª séries. Destas, somente uma única es-cola oferece o Ensino Médio.

A Prefeitura está construindo um Pos-to de Saúde na área comunitária do assen-tamento Antonio Conselheiro, que irá aten-der a população dos assentamentos. Nesteassentamento existe, ainda, um Centro Co-munitário criado numa área de uso comum,aproveitando as benfeitorias existentes. OCentro Comunitário é utilizado para reuni-ões, festas e cursos de capacitação voltadospara as comunidades.

A distribuição da titularidade dos lotesdo Che Guevara entre os gêneros mostra aconcentração entre os homens, que detém93,5%, enquanto somente 6,5% dos títulospertencem às mulheres. Comparado com amédia do Estado (21,27%), o assentamentoChe Guevara encontra-se bem abaixo daparticipação feminina.

De acordo com a Caderneta de Campoda safra de 1998/99, atualizada pelo Bancode Dados da Fundação Itesp de Junho/2005,71,5% dos titulares estão entre a faixa etáriade 31 a 50 anos , mantendo o mesmopercentual de 1998. Em 2005, os titularesmaiores de 65 anos, que eram ausentes em1998, são 15,22%. A predominância de ti-tulares entre 31 e 50 anos de idade caracte-riza uma forte presença de mão-de-obra emidade produtiva.

A experiência anterior apontada pelostitulares do assentamento Che Guevara in-dica que a totalidade das famílias têm ori-gem rura l . São ant igos arrendatár ios(78 ,26%) e assa la r iados permanentes(21,74%), pessoas com vínculo com a terra,o que pode contribuir positivamente para odesenvolvimento do assentamento.

Os dados indicam que 100% da renda fa-miliar provêm das atividades realizadas no lote.A predominância de pessoas em plena idadeprodutiva e a origem rural garantem atividadescontinuadas que possibilitam a manutenção dasfamílias coma renda proveniente do lote.

Importante ressaltar que mais de 55%dos moradores dedicam-se, em grande par-te, às atividades produtivas desenvolvidas nolote. Os que não participam, somam cercade 35% – em número absoluto são 77 pes-soas. Vale esclarecer que se incluem nestacategoria crianças até 14 anos (49 pessoas),que não exercem atividades produtivas.

De acordo com a Caderneta de Campoda safra 1998/99, 69,41% dos moradores doassentamento Che Guevara não possuem oEnsino Fundamental, que em números re-ais equivalem a 152 pessoas. Entretanto, éimportante destacar que apenas 20% dosmoradores concluíram a 8a série do EnsinoFundamental (44 pessoas).

O analfabetismo apresenta o índice de3% da população, bem abaixo da média ge-ral encontrada no Estado, de 9,65%.

Quanto à ocupação da área em ativida-des agropecuárias, verifica-se um certo equi-líbrio nas terras destinadas a cultivos anu-ais (22,14%) e às destinadas a pastagens(25,53%), o que pode denotar uma diversi-ficação maior das atividades. Ocorre tam-bém uma pequena área com implantação deculturas permanentes (4%), reafirmando atendência de diversificação.

O mesmo peso que as atividades vin-culadas à pecuária leiteira têm na ocupaçãoda área ocorre no valor gerado, onde nova-mente verifica-se o equilíbrio entre pasta-gens (pecuária leiteira) e lavouras (anuais epermanentes).

A permanência dos titulares iniciais doprojeto de assentamento apresenta um ín-dice de 86,96%, cinco pontos percentuaisac ima da média gera l para o Estado(81,93%).

1 Como fonte de pesquisa, foram utilizados relató-rios da Fundação Itesp e consulta aos técnicos decampo que acompanharam o assentamento desdeseu início.

airáteaxiaF snemoHºN % serehluMºN % latoT %

6a0 5 30,3 01 25,81 51 58,6

41a7 32 49,31 11 73,02 43 35,51

02a51 03 81,81 01 25,81 04 62,81

03a12 21 72,7 5 62,9 71 67,7

04a13 93 46,32 5 62,9 44 90,02

05a14 23 93,91 5 62,9 73 98,61

56a15 02 21,21 5 62,9 52 24,11

56edsiam 4 24,2 3 65,5 7 02,3

LATOT 561 00,001 45 00,001 912 00,001

DISTRIBUIÇÃO DA POPULAÇÃO

SEGUNDO IDADE E GÊNERO

Fonte: Fundação Itesp – Caderneta de Campo 1998/99

TITULARES SEGUNDO FAIXA ETÁRIA

Faixa etária

titu

lare

s

Fonte: Fundação Itesp – Caderneta de Campo 1998/99

Fonte: Fundação Itesp – Caderneta de Campo 1998/99

EXPERIÊNCIA ANTERIOR

PARTICIPAÇÃO NO TRABALHO DO LOTE

Fonte: Fundação Itesp – Caderneta de Campo 1998/99

Fonte: Fundação Itesp – Caderneta de Campo 1998/99

Qua

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ade

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ESCOLARIDADE DOS MORADORES

OCUPAÇÃO DA ÁREA

Fonte: Fundação Itesp – Caderneta de Campo 1999/00

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Meu nome é Edélcio Correia. Nasci em Ser-tanejo, Paraná. Vim aqui para o Estado de São Paulocom a idade de três anos. Toda vida trabalhando naroça. Somos em cinco. Duas irmãs e três irmãos.Sempre trabalhamos na roça. Quando foi em 1977,meu pai faleceu. Eu estava com 14 anos de idade. Euera o mais velho da família e tive que dar duro. Aosquatorze anos eu praticamente fiquei como o chefeda família. Sofri muito! Foi muito sofrimento! Só que,graças a Deus, trabalhando de bóia-fria, consegui. Hojemeu irmão mais novo está com mais de 20 anos. Gra-ças a Deus, estão todos sadios!

Quando meu pai faleceu, ele já estava doente.Tinha problema de pressão. Eu já trabalhava. Come-cei a trabalhar com a idade de 6, 7 anos, na roça. Eutrabalhava bem mais do que estudava, porque não ti-nha condições. Quando ele faleceu, eu estava tra-balhando. Recebi a notícia, estava trabalhando. Fo-ram me buscar e disseram que ele queria me ver.Cheguei lá, era o caixão dele que lá estava!

Trabalhei muito! Só de bóia-fria, até 83. Erade um serviço para outro. De 83 para cá, foi quandoeu comecei a mexer com maquinário. Aí já come-cei a trabalhar como arrendatário.

O trabalho de bóia-fria é o seguinte: se tem oserviço, eu vou para um lugar, amanhã eu vou paraoutro. E é assim. É pesado! Já cortei cana, fiz detudo! É a carpição, avaliação de algodão, chacoalha-ção de amendoim, todos os serviços que você pen-sar, eu já fiz! Graças a Deus, até hoje eu não roubei.

Eu arrancava feijão, carpia feijão, carpia al-godão, colhia algodão, carpia cana! Talvez o piorserviço tenha sido trabalhar com maquinário! Por-que na época do plantio mesmo, tinha que traba-lhar dia e noite. Tinha que rodar dia e noite para aterra ficar pronta para plantar, porque, como bóia-fria,você começa às 7 horas e pára às 5 horas. E em cimado maquinário não tem hora!

A pior situação da minha vida foi quando meupai faleceu. Foi o momento logo quando ele faleceu!

Eu abaixei a cabeça. Depois já ergui a cabeça, já acheique tinha de lutar, e graças a Deus consegui.

Quando foi em 1o de setembro de 91, o Movi-mento dos Trabalhadores Sem-Terra apareceu na ci-dade, no Distrito de Itororó do Paranapanema. Euacompanhei a primeira ocupação que teve doMovimento aqui no município de Mirante. Eles fo-ram lá e convidaram o pessoal para uma reunião queeu gostei. A partir daí eu acompanhei eles. For-mei uma caravana e acompanhamos eles para cá.Daí em diante foi só luta! Foi passeata, foi doído,tive que passar até água de sal nas pernas porquenão agüentava andar. Tinha carro, mas minha von-tade era de andar.

A vontade de ter a terra era muito grande! Aí veio aocupação, tivemos que mudar de lugar. Fiquei muitotempo acampado. Eu achei que não estava em condi-ções de ficar muito tempo, porque a gente trabalhavade bóia-fria, não tinha condições. Então fui obriga-do a acompanhar um arrendatário japonês com o qualeu fiquei uns quatro meses. Foi aí que eles resolveramtirar as fichas. Aí sofri pressão: ou vinha para a luta ouera impedido de trabalhar. Tive que vir para cá. Logosaiu um alqueire e meio para cada um. Eu pude tra-zer a mulher. Estou aqui até hoje.

No início, quando a gente estava somente noalqueire e meio, dava para sobreviver, depois que pe-gamos o lote completo, a coisa parece que ficou pior!Porque sempre a gente trabalhava para fora, comaquele alqueirinho. Depois que a gente pegou o lotemaior, pioraram as coisas, porque a gente não podesair para trabalhar, sempre tem que estar dentro dolote fazendo alguma coisa, trabalhando. A dificul-dade aumentou.

Primeiro entramos numa sociedade. Foi tirado1.700 contos de cada um para comprar um trator.Mas esse trator para mim não deu resultado nenhum.Fundamos a cooperativa que até agora não deu re-sultado algum. Como a gente tinha tirado 1.700, aíveio menos dinheiro do projeto de financiamento de7.500. Pequei 4.620 para depois de um ano pegar

Ed élcio CorreiaEd élcio Correia

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mais 1.080 reais. E veio só complicando as coisas. Otrator quebrava, tinha que vender um bezerro parapoder arrumar. E vai, e vem, e as coisas piorando.Pagava hora de trator, ninguém sabe quanto dinhei-ro ia! O presidente da associação é um pouco dita-dor. O que ele falava, tinha que ser. Foi quando o pes-soal foi desanimando, saiu fora, e estão aí... Elesagora estão com a minoria, quer dizer, compramostrator em 22 pessoas, hoje eles estão em 5 pessoas.Foram descobertas algumas fraudes. Aí o pessoal foidesanimando e saindo fora. Por último, agora, eu tiveque sair também. Eu não agüentava mais.

A cooperativa não funcionou direito. Pessoasditadoras não funcionam, porque eu acho que as coisastêm que ser abertas. Se eu faço, eu mostro, está aqui!Não tem negócio de arrumar um maquinário, mos-trar a nota e ele não confiar na nota. Aí fica difícilpara tocar uma associação dessa forma.

A cooperativa só tinha o maquinário para tra-balhar e pronto. Cada um de nós tinha uma contaaberta. Eu era fiscal. Fui no banco, para ver como aconta estava, e chegando lá não me aceitaram. Eupedi o extrato da conta e eles não aceitaram. Só opresidente mesmo é que tinha esse direito. A gentetinha muitos regimes, e eles nunca seguiam o regime.Eu fui me candidatar como presidente, mas tinha duaspessoas que eram mais ou menos do Movimento, e eunão consegui! Porque os colegas são todos de umlugar só, e acham que, se aquele está lá, então vamosdeixar ele. Assim, ficou naquela linha. Sempre eutive vontade de montar uma associação que fosse aber-ta para o povo! Não pensar só em mim, pensar nopovo. E a associação dá certo sim: desde que tenhahonestidade, tem tudo para dar certo. Tem que sercompanheiro. Nunca pensar em tirar do próximo.

Para mim, o MST, numa parte, foi muito bom.Sem eles, nós não estaríamos aqui, não. Mas na outraparte, na parte da cooperativa, eu acho que ela deu umaquebrada no povo. Eles brigam muito atrás de re-curso, mas só que não pensaram em pagar. E elestiram muito também.

Olha, já veio custeio, investimento para custeio,só que não adianta nada eu pegar os 3 mil reais paraplantar 3 alqueires de roça. Tem que corrigir a terra.A terra é fraca. E com esses 3 mil reais, não dá paracorrigir.

Sempre trabalhei para patrão. Antes, a gentetrabalhava mais tranqüilo, hoje a gente trabalha

apertado e não consegue nada. Antigamente con-seguia. Do lado do governo também, porque anteseram outros governos, e os outros governos eu achoque incentivaram mais a agricultura. Esse governonão incentiva a agricultura. Do Fleury para trás,eu acho que era bom! E agora cada vez mais com-plicam as coisas!

Eu acho que um pouco é esse Mercosul. OMercosul acabou atrapalhando tudo, porque vierammuitos produtos de lá para cá subsidiados. Lá elestêm subsídios e aqui a gente não tem. Então, querdizer que eles podem mandar baratinho de lá paracá. E a gente vai fazer o quê com a nossa produçãoaqui, se o veneno e todo o resto que a gente compraaqui é caro? Todas as compras que a gente faz são ca-ras, então não adianta. Sempre vai ficando mais aper-tado para a gente.

Eu acho que o governo deveria primeiro in-centivar a agricultura. Incentivar e dar subsídio, pelomenos no primeiro e no segundo ano. Depois queestivesse todo mundo, vamos dizer assim, estabele-cido, aí cada um podia correr com suas própriaspernas. Aquele que achasse que dava, ia, e aquele quenão, ficava parado, ou então voltava para trás. Por-que muitas pessoas teriam como ir pra frente, seconseguissem um subsídio; porque dão valor pra agri-cultura. Tem muitos que não, tem muitas pessoas quenão pensam no futuro. Agora, para a pessoa que pensano futuro, eu acho que daria certo.

É que quando a gente veio para cá, nós tive-mos que fazer desocupação. Depois conseguimos umpedaço da Santa Clara. Quando estávamos no loteemergencial, até tivemos que lutar na Fazenda SãoBento. Lutamos na São Bento. Saíamos em médiaàs cinco e meia ou seis horas para fazer a desocu-pação na São Bento, para poder caber as 600 famíli-as que estavam reunidas aqui nesse Pontal. Aí a gen-te saía da São Bento, e ia fazer outra ocupação lápara poder dar a terra para todos. Foi mais ou menosum ano. Foi um ano de luta assim. O Fleury foi, ne-gociou essas terras de Sandoval. Só que para ele ne-gociar, para nós conseguirmos essas terras, teve quefazer a União da Vitória, que foi buscar mais gentepara o assentamento, com acampamento. Foi for-mado um acampamento maior que recebeu o nomede União da Vitória. Aí o Fleury foi e desaproprioua terra. Tivemos que continuar lutando, porque aquelaterra já não dava, porque tinha muita gente. E a gente

teve que entrar na Canaã. Foram mais seis, sete me-ses de luta para poder conquistar a Canaã. E eu sem-pre participando.

Eu fiquei acampado mais ou menos um ano emeio. Eu vim para cá sozinho. Depois que eu esta-va no emergencial foi que eu trouxe a minha espo-sa. A vida no acampamento é boa. Não é ruimnão, a vida no acampamento! Quando não tinhaocupação, era pescar, tomar banho na beira do rio.Não tinha outra coisa para fazer! Então, quandoaparecia um serviço, a gente tinha que ir trabalhar.E quando não tinha serviço, a gente tinha que pes-car ou ficar parado.

No acampamento era todo mundo junto!Reunião direto. Apesar das dificuldades, era muitobom! O próprio nome, Che Guevara, é porque elelutou muito! Ele era médico e ele lutava muito pela causapobre. Aí, esse Che Guevara foi morto! Então oRainha abriu essa proposta, o pessoal aceitou, fezuma votação lá e colocamos o nome de Che Guevara.

Mas as reuniões foram acabando. Acho quehá pouco interesse. Muitas coisas são mais conversae nada de prática! E a união é pouca. Antes, tinhamuita união, hoje acabou!

Quanto mais união, melhor! Mas quando sediz respeito à união, tem que ter dinheiro no meio. Equando tem dinheiro no meio, há sempre um es-perto que só está de olho. Então, não adianta! E es-ses espertos são os mais interesseiros, eles correm nafrente e o pessoal aqui, como é tudo naquela base dodeixa disso, então se ele quer, então vamos colocarele. Eles não olham outra pessoa que talvez é humil-de e pensa neles. Então, se aquele quer, então vamoscolocar aquele, e aquele fica lá.

Eu acho que pegaram o costume do Rainha,porque o Rainha, ele dita um pouco. Quando ele achaque a coisa tem de ser do modo dele, tem que ser! ORainha, na minha opinião, é ditador. Eu admiromuito o trabalho da liderança, eu sou fã deles, só queeles têm esse lado de ditador. E alguns coordenado-res que acompanharam eles, alguns que ficaram comopresidente da associação, entraram no ritmo dele e sãoaté hoje. O que fala, tem que ser aquilo lá e pronto!Se alguém vai com outra proposta, eles falam que éignorância. Eles acham que não é daquele jeito, temque ser do jeito deles, então, não dá certo assim! Agora,se tivesse uma pessoa que não fosse parte da lideran-ça do Movimento, eu acho que a associação ia pra

frente. Seria bem melhor! Porque sempre tive namente que, se a gente montasse um resfriador parapoder negociar do nosso jeito, acho que todos en-tregariam o leite. Assim a gente teria um resfriadorpara vender melhor o leite, caçar o melhor preço.

Na nossa cooperativa logo veio trator e cami-nhão. Hoje, esses caminhões que foram compradosnão existem mais. Levaram o trator para a retífica,até hoje não voltou. Ficou em 3 mil reais, parece, oconserto desse trator, e até hoje não apareceu. Empe-nharam ele e ficou por isso mesmo! Compraramesses caminhões novos. Se a gente precisar hoje puxarmandioca, qualquer coisa, é melhor a gente pegarum particular do que o próprio carro da cooperati-va. Então, para nós, não é resultado isso aí. Se elescobram a 70 centavos o quilo, tem outro que faz a 60ou 50. Então, para nós, não é vantagem a cooperati-va, porque se eles pensam que estão brigando atrás dedinheiro, os 2% deles ficam! E a gente tem que pen-sar no outro lado, que eles brigam também. Agora veioo maracujá aí, esparramaram para algumas pessoas,alguns plantaram... Essa cooperativa tem váriosprodutos. Muitos plantaram, e muitos não planta-ram. Os que plantaram ou tiveram que dar, ou ven-der a troco de banana. As pessoas estão devendo, nãotêm como pagar. O que a cooperativa fez? Pagou oprojeto para cada família, 4 mil reais. O que elestrouxeram foi o arame, o maracujá, o adubo, entre-garam as mudas na época errada e só! E parece quederam 170 reais em dinheiro. E o resto do dinheiro,para onde foi? E fica nessa aí. Ninguém confia nelamais. Por último fizemos um financiamento e elagarantiu o preço de 60 reais a tonelada de mandio-ca. A mandioca já está passando de um ano, não tempreço na mandioca, e eu não sei o que vai acontecerde agora pra frente.

Veja bem uma coisa, teve o governo anterior etem esse agora. O governo anterior era melhor. Essegoverno eu acho que ele andou modificando um pou-co as coisas, esse Plano Real acho que andou atra-palhando um pouco. Aí não dá pra gente avaliarbem, porque tem essa diferença de governo. A situ-ação do campo antes estava melhor! Você plantava,tinha procura. Hoje você planta, não tem procura.

Bom, o que a gente pensa aqui é recurso e mui-to incentivo à agricultura. Só isso! Porque, se tiverincentivo à agricultura, que a gente pudesse plantar,colher e vender bem vendido, estava bom! Que aí agente plantava com o pensamento de comprar algu-

ma coisa pra frente. E, hoje, a gente planta com o pen-samento de só pagar aquela dívida, só para sobreviver.

Na verdade, o Itesp eu acho que não funcionabem não. Porque eles ultimamente estão andandomuito pouco. Eles ficam mais concentrados lá, den-tro da cidade, pelo menos aqui; eu não sei nos outrosassentamentos, porque a gente não anda para ver es-sas partes. Mas pelo menos aqui, eles andam pouco.Então, é sempre assim. Só vêm no fim, quando estáterminando, aí que eles aparecem.

Veio para mim 4.600 reais no projeto. Eu com-prei 7 vacas, acompanhadas de 2 bezerros, anda-ram morrendo umas duas, a cobra andou pegandoumas 3 mais ou menos. Três novilhas. E é assim. Umdia a gente vai pra frente, outro dia vai para trás, efica naquela luta. Se a gente planta, não tem comocomprar para repor aquela uma que morreu. Entãofica sempre naquela média, que nem vai para frentenem vai para trás, fica parado. Porque se a gente pro-duzisse bem, todo fim de ano a gente poderia, vamossupor, comprar uma ou duas cabeças. Quer dizer, iraumentando. Pagando as contas e ir aumentando opasto. Mas sempre deu o contrário.

O que o governo tinha que fazer era incentivara agricultura e dar valor a ela. Ele está esquecendoda agricultura. Ele só pensa em pegar dinheiro doFMI e esquece do povo. Ele só pensa em dinheiro,ele está igual ao Movimento, só pensa em dinheiro,em pegar dinheiro. O governo tinha que incentivaro povo a plantar, não pensar em buscar a comidalá fora, porque aqui tem quem produz. Por que temque buscar lá fora?

Agora não adianta nada as pessoas brigarempor terra, pegar o dinheiro, colocar a cabeça de gadolá dentro, e viver só do leite. Porque se não incentivar aagricultura, o cara, se tem planta, quando for o fimdo ano vai ter que vender o gado que comprou. Seo governo mandou dinheiro, o cara vai ter que ven-der o gado que comprou para poder pagar o veneno,o adubo. Então, não adianta ele dar uma mão e tirartrês. Dá, não! Ele manda o dinheiro, mas é para a pes-soa mais pra frente vender, pras coisas ficarem piorainda. Ele faz tudo para não dar certo para o agri-cultor, só ir para baixo. E tanta terra ociosa!

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Eu nasci em Osvaldo Cruz e fui criado emTeodoro Sampaio. Cheguei aqui em 1967, traba-lhando na roça, de bóia-fria, junto com meu pai,minha mãe e mais três irmãos. Em 89, 90 eutrabalhei de empregado e em 91 vim para ossem-terra. Eu já conhecia eles antes. Vim paraos sem-terra aqui e lutamos muito, fizemos mui-tas ocupações, passamos muita dificuldade, mas,graças a Deus, com o esforço dos companhei-ros do movimento, lutando, fazendo ocupação,brigando, correndo atrás de um direito que eranosso, chegamos hoje onde era nosso objetivo:ter um pedaço de terra, uma vida melhor paranós, para nossos filhos, com saúde e educação.

Então, estamos aí para lutar mais pelos nos-sos companheiros que vivem nas cidades, que nãotêm onde morar, não têm emprego. A luta nãopára, porque se nós dependermos do governo,deixar para eles fazerem, eles não vão fazer! Aluta só sai através de ocupação, de manifestaçãona cidade, é aí que sai a luta. Porque, se a genteficar dentro de casa esperando o governo desa-propriar as fazendas para assentar o coitado queestá na cidade, não adianta que não vai acontecer.Então eu tenho a dizer que nós temos que ir paraa luta, para debaixo de um barraco de lona, ocu-par fazendas desses latifundiários que estão noPontal e no mundo inteiro, porque, se não fordesse jeito, ninguém vai ganhar um pedaço deterra. Se ficar lá na cidade esperando que o go-verno desaproprie uma fazenda para assentar umcoitado, esse sujeito vai morrer lá. Essa é a prá-tica! Todo mundo está vendo todo dia. Cadê oscadastros que eles mandaram fazer para assentaro pessoal? Até hoje não assentaram nenhumcoitado! Então, quem quiser um pedaço de terravai ter que ir para a luta.

E nós, que estamos assentados, estamos bri-gando por nossos companheiros que estão nacidade! Senão, ninguém tem terra. Eles estãobrigando por custeio, porque se você pegar um

pedaço de terra e não tiver um custeio para plan-tar, não tiver assistência técnica para produzir,então não adianta somente pegar um pedaço deterra! Você tem que brigar pela terra, brigar pelocusteio, que é um direito nosso, brigar pela mora-dia, brigar pela educação de nossos filhos, pelasaúde! O governo tem que dar tudo isso paranós! E se nós ficarmos de braços cruzados, nósnunca vamos ter isso!

A minha infância foi mais na roça, trabalhan-do como bóia-fria. Nós somos de família fraca,pagando aluguel na cidade, não tínhamos umacasa para morar, nossa mesmo; e trabalhei pou-co tempo de empregado. Não tinha emprego.Aí conheci o movimento, neste assentamentoaqui, em 91. Inclusive, o movimento não exis-tia no Pontal. Foi a primeira ocupação que foifeita aqui. Foi aí que eu vim conhecer o Movi-mento. Mas, graças a Deus – é Deus no céu e oMovimento na terra – estamos aí, lutando, bri-gando para ver se conseguimos mais terra.

O acampamento era o seguinte: embaixode um barraco de lona, você sofria! Tempo dechuva, a lona rasgava, você passava até fome, por-que não tinha onde você ganhar; então foi muitosacrifício. Mas, graças a Deus, valeu a pena. Hojeeu tenho um pedaço de terra e uma casa paramorar!

Ah, eu nasci de novo! Porque hoje eu le-vanto a hora que eu quero. Estou dentro do queé meu, então eu não tenho satisfação a dar paraninguém. Só para minha família! E se você traba-lha de empregado, você é escravo. Você tem quefazer o que o patrão manda. Se você fizer 99coisas certas e uma errada, você já não presta! En-tão, graças a Deus, eu nasci de novo.

Nós mudamos o nome (da fazenda) porqueChe Guevara foi um dos maiores lutadores. En-tão, nós achamos que, por bem da luta que elefez, podíamos mudar o nome do assentamento,já que Santa Clara era o nome que o fazendeiro

Carlos dos SantosCarlos dos Santos

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pôs na fazenda dele. Para a gente carregar essenome da fazenda, achamos que não era conveni-ente. Então, nós tínhamos que colocar um nomede um lutador que foi como nós estamos sendo.Foi a melhor forma que nós achamos!

O governo praticamente não ajudou quasenada. Tem assistência técnica, mas faltam in-vestimentos para os assentados. Quer dizer, temmuita dificuldade. Custeio? Quando sai o cus-teio, já passou a época do plantio. É aprovado láem cima, mas quando chega nas mãos dos as-sentados, já passou a época de você plantar! Ti-nha que ter mais assistência técnica! Mais inves-timento para os assentados! Porque hoje, paraproduzir, se não tiver investimento, não se pro-duz. É aí onde o pessoal fala: “Os assentados sóestão com a terra lá, mas não estão produzindo, sãovagabundos!” Mas você tem que olhar do outrolado. Se você não tiver investimento, não temcomo produzir!

A maior emoção da minha vida, até hoje,foi quando nós conseguimos ganhar a fazenda.Aí nós já sabíamos que era nossa.

Nós ocupamos aqui em 91, no finalzinho.Fizemos aquela caminhada para PresidentePrudente, quase morremos todo mundo dedor de barriga em Anastácio, por causa de umamandioca braba que deram para a gente naestrada. Em 92, ocupamos a fazenda de novoe já entramos com os tratores, tombando asterras e plantando.

Aqui não teve muita violência. Nós fomosnegociar com o fazendeiro, porque o governoestava parado e não desapropriava a fazenda.Fomos negociar com ele. Já chegamos e plan-tamos, aí não podia despejar mais o pessoal quejá estava assentado. Então ele teve que usar obom-senso! O advogado dele queria o despejodo pessoal, mas ele falou que já estávamosplantando. Disse para o pessoal que estava que-rendo produzir que ele não queria mais a terra devolta. Ele queria que a gente pressionasse o go-verno para receber a fazenda. Então para nósaquilo foi a maior alegria.

Tristeza é você ter três filhos pequenos echegar em casa, trabalhando de bóia-fria, pas-sando fome, dificuldade. Se você vê seus fi-lhos chorando, querendo alguma coisa, e vocênão poder dar! Essa aí é a maior tristeza para

um pai e uma mãe de família que pode acon-tecer na vida.

Para nós, aqui é uma alegria. É saber quevocê mora no que é seu. Nós já fizemos váriasfestas aqui. Mostramos para a população da ci-dade que aqui não é aquilo que eles pensavam:que os sem-terra são baderneiros, vagabundos,bandidos! Então, muita gente aqui no Pontalteve o conhecimento do que são os sem-terra.Você vê, aqui nós já tivemos festa e graças a Deusnão saiu nenhuma briga. Tivemos rodeio aquidentro do próprio assentamento, então aquilo éimagem que vai do sem-terra lá para fora. Nãoé o que o pessoal pensa. Eles falam: “Não, lá sótem baderneiro, só tem vagabundo, não trabalham,tem ladrão!” Então, nós estamos com um pessoalque não é aquilo que eles pensam.

Meu pai era assentado na Fazenda San-tana. Inclusive ele faleceu agora, recentemente.Mas meu irmão está com o lote dele lá.

Eu já fui para dois encontros do Movimen-to em São Paulo. Participei daquelas caminha-das para Brasília. Aquela manifestação dos pe-troleiros lá em Brasília, eu estava na época lá.Saímos mais ou menos umas cento e poucas pes-soas daqui do Pontal para lá. Então, de vez em quan-do nós estamos nessas manifestações na cidade,encontro do Movimento Sem-Terra. Estamosparticipando da luta.

Tem algumas pessoas que saem da terra.Porque, se a pessoa já é fraca, não consegue pro-duzir, então ela acha que se ficar na terra vai pas-sar fome. Acostumou a trabalhar de bóia-fria,vender o dia. Aí acha que na cidade é melhor doque no assentamento. Abandona mesmo, vai em-bora! Mas vai continuar passando fome igual seele estivesse dentro do lote dele.

Você vivendo na agrovila, tudo é mais fácil.Porque aqui nós somos um tipo de associação.Tudo somos nós que corremos atrás. É todomundo junto. O que temos que discutir no as-sentamento é com as 46 famílias juntas. Então,se você mora numa agrovila, para discutir essascoisas em conjunto é melhor do que morar indivi-dualmente.

No acampamento você costuma convivertodo mundo junto, então você vai morar no seulote, você quase fica sem tempo de ir na minhacasa e eu nem tenho tempo de ir na sua. Talvez

você queira ir para algum lugar, não tem comquem deixar, tomar conta das suas criações ouolhar um porco ou algum animal que você tem!Então, para nós, que convivemos aqui, já émuito melhor. Tem uma escolinha e estamosfazendo outra.

Brigamos, brigamos, fizemos bastante luta,até que conseguimos. Temos aquela escola demadeira, mas está quase caindo e, com muitaluta, muita ocupação, conseguimos a escola nova!Graças a Deus está saindo, vai melhorar muito oassentamento. Vai ser uma melhoria para o ensinotambém e para nossos filhos. Para você ter umaidéia, se anda 20 quilômetros por dia para estu-dar. É uma dificuldade! Dia de chuva, o ônibusnão corre para pegar os alunos. Então, quebra oônibus na estrada, a gente tem que ir atrás dascrianças e muitos andam a pé! Então, dentro doassentamento, para nós foi uma benção ganharessa escola.

Posto de Saúde tem um a dez quilômetros.Aqui, nos beneficiamos muito de Teodoro Sampaio,porque para Mirante dá 30 quilômetros.Teodoro tem 15 quilômetros, então, a maioriado pessoal dos assentamentos vai para Teodoro.Nós estamos em cima, inclusive o fazendeiro queera dono da fazenda aqui, ele é responsável pelasaúde aqui do Pontal, doou um posto aqui paraSanta Clara. Estamos brigando com o prefeitopara ver se ele ajuda a gente a construir, porque éa maior dificuldade, tem hora que você não achaum carro para levar uma pessoa para a cidade.Então, se tivéssemos um Posto de Saúde aquidentro do assentamento, ajudaria muito. Vamoslutando, vamos brigando em cima disso até con-seguir!

Bom! Meu sonho, eu acho que graças a Deuseu realizei. Eu tive um sonho toda a vida, que eraconseguir um pedaço de terra para morar e criarminha família. E graças a Deus, hoje eu conse-gui! O meu pensamento, meu ponto de vista hojepara a sociedade é que não pense mal dos sem-terra. Que olhe os sem-terra do outro lado. Eaos políticos é que, como a gente é brasileiro, queolhem mais pela classe pobre. Nós temos muitagente na cidade passando fome, e nosso país érico! Enquanto tem muitos coitados na perife-ria lá passando fome, tem muitos políticos rou-bando o dinheiro da Nação. Você vê, o impostosai do nosso bolso! Então, se ele está lá dentro, se

a população colocou ele lá dentro, é para olharpela Nação, não para roubar e deixar a Naçãopassando fome. Eu acredito que eles deviamfazer mais pela Nação, principalmente pelos maisfracos, os pobres. E o governo, que desse umaolhada na reforma agrária, porque ela está pa-rada, enquanto tem muitos coitados na cidademorrendo de fome!

Aqui nós não temos que reclamar de nada.O pessoal é unido, o que você precisar de alguémele está disposto a servir. Então é como se fosseuma família! Todo mundo combina bem.

Eu conheci minha esposa na roça, no tra-balho de bóia-fria, em 86. Nós casamos e, graçasa Deus, temos três filhos e estamos vivendo bem.Ela trabalha igual eu! Os filhos se chamam Alex, ooutro Carlos Eduardo e Simone. O menino tem13, a menina está dentro dos 16 e o outro estádentro de 16 para 17. Todos moram com a gente.