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A DINÂMICA INFLACIONÁRIA BRASILEIRA APÓS A ABERTURA COMERCIAL E FINANCEIRA: UMA ANÁLISE PARA O PERÍODO 1999-2016 Viviane Juliana Oliveira Silva ([email protected] ) 1 Karla Vanessa B. S. Leite ([email protected] ) 2 RESUMO A temática inflação é frequentemente discutida, devido a sua importância na condução da economia e das controvércias existentes sobre o assunto. Objetivou-se nesse artigo analisar a dinâmica inflacionária brasileira no período entre 1999 e 2016, contemplando os efeitos da ampliação da abertura comercial e financeira e buscando identificar a influência do setor externo no comportamento dos preços domésticos. Foi adotada a perspectiva de inflação de custos contida na teoria de Keynes (1936), além da contribuição teórica de Kalecki (1985) e dos estruturalistas e inercialistas para identificar as variáveis fundamentais no comportamento dos preços. Com essa base teórica e em um contexto de ampliação da abertura econômica, foi utilizada a estatística descritiva para analisar as variáveis taxa de câmbio e preços internacionais, constatando sua importância na explicação do desempenho dos preços internos. Analisando a trajetória da inflação brasileira por meio do acompanhamento dos Índices Gerais de Preço (IGPs) e do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), identificou-se que o IGP transfere impactos da dinâmica da taxa de câmbio para o IPCA por meio dos itens indexados, fazendo do câmbio uma importante variável de transmissão dos impulsos inflacionários para o índice de preços nacional. Palavras-chave: Inflação, Setor Externo, Liberalização. ABSTRACT The theme inflation is often discussed because of its importance in driving the economy and existing controversy about it. The objective in this project is to analyze Brazilian inflation dynamics in the period between 1999 and 2016, covering the effects of the expansion of trade and financial openness, seeking to identify the influence of the external sector in the behavior of domestic prices. It was adopted cost inflation perspective contained in the theory of Keynes (1936), and the theoretical contribution of 1 Aluna do curso de Ciências Econômicas, Unidade Acadêmica de Economia, UFCG. 2 Professora Adjunta I e Tutora do PET – Economia da UFCG.

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A DINÂMICA INFLACIONÁRIA BRASILEIRA APÓS A ABERTURA COMERCIAL E FINANCEIRA: UMA ANÁLISE PARA O PERÍODO 1999-2016

Viviane Juliana Oliveira Silva ([email protected] )1

Karla Vanessa B. S. Leite ([email protected] )2

RESUMO

A temática inflação é frequentemente discutida, devido a sua importância na condução da economia e das controvércias existentes sobre o assunto. Objetivou-se nesse artigo analisar a dinâmica inflacionária brasileira no período entre 1999 e 2016, contemplando os efeitos da ampliação da abertura comercial e financeira e buscando identificar a influência do setor externo no comportamento dos preços domésticos. Foi adotada a perspectiva de inflação de custos contida na teoria de Keynes (1936), além da contribuição teórica de Kalecki (1985) e dos estruturalistas e inercialistas para identificar as variáveis fundamentais no comportamento dos preços. Com essa base teórica e em um contexto de ampliação da abertura econômica, foi utilizada a estatística descritiva para analisar as variáveis taxa de câmbio e preços internacionais, constatando sua importância na explicação do desempenho dos preços internos. Analisando a trajetória da inflação brasileira por meio do acompanhamento dos Índices Gerais de Preço (IGPs) e do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), identificou-se que o IGP transfere impactos da dinâmica da taxa de câmbio para o IPCA por meio dos itens indexados, fazendo do câmbio uma importante variável de transmissão dos impulsos inflacionários para o índice de preços nacional.

Palavras-chave: Inflação, Setor Externo, Liberalização.

ABSTRACT

The theme inflation is often discussed because of its importance in driving the economy and existing controversy about it. The objective in this project is to analyze Brazilian inflation dynamics in the period between 1999 and 2016, covering the effects of the expansion of trade and financial openness, seeking to identify the influence of the external sector in the behavior of domestic prices. It was adopted cost inflation perspective contained in the theory of Keynes (1936), and the theoretical contribution of Kalecki (1985) and structuralist and inertialists to identify the key variables in the behavior of prices. With this theoretical basis and in a context of increasing economic openness, descriptive statistics were used to analyze the variables exchange rate and international prices, noting its importance in explaining performance of domestic prices. Analyzing the trajectory of Brazilian inflation by tracking the price of General Indexes (IGPs) and the Consumer Price Index (IPCA), it was found that the IGP transfers dynamics of the impact of the exchange rate for the IPCA through indexed items, making the exchange an important variable transmission of inflationary impulses to the national price index.

Keywords: inflation, external sector, liberalization.

Área 1: Macroeconomia, política econômica e financiamento do desenvolvimento.

1 Aluna do curso de Ciências Econômicas, Unidade Acadêmica de Economia, UFCG.2 Professora Adjunta I e Tutora do PET – Economia da UFCG.

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1. INTRODUÇÃO

A contínua e generalizada elevação dos preços dos bens e serviços, denominada, genericamente, de inflação consiste em uma temática de recorrentes discursões devido às controvérsias que a cercam, tornando de extrema importância o sucessivo debate sobre o assunto. Para melhor compreendê-la e explicá-la, faz-se necessário conhecer o mecanismo de formação de preços. É, pois, importante identificar, a partir de um marco teórico, quais são as variáveis fundamentais que influenciam o comportamento dos preços.

No caso brasileiro, com a ampliação do grau de abertura comercial e financeira a partir dos anos 1990, verificada em escala mundial, tornou-se de extrema importância a análise de variáveis como o câmbio e preços internacionais que passaram a exercer maior influência sobre os preços domésticos. Com as transformações da abertura econômica e maior integração entre as economias, a inflação doméstica passou a ser mais dependente do setor externo, tornando tais componentes relevantes na formação do custo de produção. Por outro lado, essa nova institucionalidade trouxe também implicações para a política monetária uma vez que pode estar reduzindo o grau de liberdade do Banco Central no controle inflacionário.

Em 1999, em meio a uma crise cambial3, adotou-se, no Brasil, o regime de câmbio flexível, o que representou uma perda para o controle inflacionário tendo em vista que a âncora cambial – estratégia de controle da inflação durante o Plano Real – foi perdida. No mesmo ano, o Regime de Metas de Inflação (RMI), que vigora até os dias atuais, foi adotado como política de controle da inflação. A partir de então, a taxa básica de juros de curto prazo, a SELIC, passou a ser utilizada como principal instrumento de controle dos preços (LEITE, 2009).

Nesse contexto, o presente artigo tem por objetivo analisar a dinâmica da inflação brasileira no período entre 1999-2016. A partir dessa análise, a política monetária, de forma geral, e a política de controle de preços, de forma específica, poderão ser discutidas e questionadas, levando em consideração os seus efeitos deletérios para o crescimento da economia brasileira.

Para compreender os processos inflacionários e identificar quais as variáveis relevantes, em um cenário de ampla abertura econômica, para a formação dos preços, foi adotada a perspectiva de inflação de custos contida na teoria de Keynes (1936). Nessa abordagem, o nível geral dos preços depende, em parte, da taxa de remuneração dos fatores produtivos que entram no custo marginal e, em parte, da escala global da produção que é semelhante ao volume de emprego. Ou seja, os preços são essencialmente função dos custos de produção, sendo os processos inflacionários em sua maioria explicados no âmbito da oferta (KEYNES, 1936).

Partindo do entendimento de que a inflação é um fenômeno macroeconômico com fundamentos microeconômicos, a teoria desenvolvida por Kalecki (1985) foi utilizada para analisar a formação de preços em uma perspectiva microeconômica. A partir desse marco teórico, tornou-se possível compreender que as pressões inflacionárias podem, além dos custos envolvidos diretamente na produção, estar relacionadas com a margem de lucro dos empresários, variável que também entra na composição do custo de produção do capitalista e que é fundamental para explicar o comportamento dos preços em uma economia oligopolizada, como é o caso da economia brasileira.

Como o problema de pesquisa trata de analisar a inflação brasileira, também foram consideradas contribuições das teorias estruturalista e inercialista. Para tais abordagens teóricas, a inflação não pode ser vista como um fenômeno essencialmente monetário, estando vinculada a fatores reais de natureza histórica e estrutural, que se manifestam por meio da restrição de oferta e das pressões de custos. A teoria inercialista inovou ao fornecer um novo diagnóstico e novas terapias para combater a inflação brasileira. O ponto em comum entre essas abordagens é, fundamentalmente, o reconhecimento da importância do conflito distributivo, que é inerente ao funcionamento do sistema capitalista (LEITE, 2015). Nesse contexto, o conflito distributivo aparece como importante fator de propagação das pressões inflacionárias. Além disso, a inércia aparece como um fator importante para explicar o comportamento dos preços, sendo possível 3 Sobre a crise cambial brasileira consultar, por exemplo, Averbug e Giambiagi (2000).

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observar, em alguns setores, a existência de uma espécie de inflação crônica, onde os agentes adotam posturas defensivas na formação de preços e salários com o propósito de recompor o seu rendimento real (MODENESI, 2005).

Sunkel (1958), Furtado (1959), Prebisch (1949 e 1964), Oliveira (1972), Tavares (1972) e Pinto (1973) se destacaram como os principais autores da tradição cepalina. Já para os inercialista, os seguintes trabalhos sãos considerados como basilares: Arida (1982, 1984), Bacha (1982, 1987), Lara Resende (1985, 1989), Lara Resende e Arida (1984), Lopes (1984a, 1984b) e Modiano (1983), e o grupo da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, que tem Bresser Pereira (1981), Nakano (1982), Bresser Pereira e Nakano (1983, 1984a, 1984b).

Com essa base teórica – Keynes, Kalecki, estruturalistas e inercialistas – foi possível analisar a formação de preços na economia brasileira, identificando as variáveis que foram afetadas pela ampliação do grau de abertura econômica e, ao mesmo tempo, exercem influências sobre a inflação.

Para a análise dos dados, optou-se pelo o período entre 1999 e 2016, tendo em vista que em 1999 que houve a adoção do regime de câmbio flutuante e do regime de metas de inflação, vigentes até os dias atuais e fundamentais para a análise proposta.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

As controvérsias existentes acerca da análise da inflação são muitas, tornando de extrema importância o contínuo debate sobre o assunto. Para melhor explicar o comportamento dos preços, entre 1999 e 2016, considerou-se necessário partir de um marco teórico que permitisse, a partir de uma perspectiva de custos, identificar as variáveis que foram afetadas pela ampliação do grau de abertura econômica e que, ao mesmo tempo, exercem influência na trajetória de preços da economia brasileira. Por essa razão, a teoria de preços de Keynes (1939, cap. 21) foi utilizada para embasar as discussões da presente pesquisa. Foram utilizadas ainda outras abordagens heterodoxas que, embora não estejam, necessariamente, ancoradas em Keynes tratam a inflação como um fenômeno com origem no lado dos custos de produção: Kalecki (1985), teoria inercialista e teoria estruturalista.

2.1 A Teoria de Preços de Keynes

Para o mainstream econômico, a moeda é considerada apenas como um facilitador de trocas e a elevação de preços está diretamente relacionada às condições de demanda agregada e à expansão da oferta monetária. Keynes, ao contrário, argumenta que a moeda possui também a função de reserva de valor, o que implica que a mesma não é neutra, nem no curto nem no longo prazo, e que a política monetária pode ser eficaz para alterar variáveis reais.

A moeda constitui um elo entre o futuro e o presente, afetando decisões de produção e investimento. Keynes trata a economia capitalista como uma economia monetária de produção e considera como intrínseca a presença de incerteza em relação ao futuro. Nesse tipo de economia, quanto mais incerto é o futuro, o agente pode, e normalmente prefere, aplicar seus recursos em ativos não-reprodutíveis, como moeda e outros ativos líquidos, ao invés de ativos reprodutíveis, como ativos de capital (BRAGA, 1985). Diante disso, a incerteza influencia a forma como os agentes utilizam a sua renda monetária, o que pode ter efeitos sobre a inflação. A preferência pela liquidez e a incerteza constituem-se então características regulares de uma economia capitalista e influenciam na análise de preços e processos inflacionários (LEITE, 2015).

Enquanto o mainstream econômico acredita que o nível de preços varia diretamente com a quantidade de moeda em circulação, Keynes (1936, Cap. 21) desenvolve a ideia de que os preços são função dos custos de produção e identifica as origens das pressões inflacionárias. Ao discutir como os preços e a inflação são formados, Keynes verifica que:

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O nível geral dos preços depende, em parte, da taxa de remuneração dos fatores produtivos que entram no custo marginal e, em parte, da escala global da produção, isto é, do volume de emprego (considerando conhecidos o equipamento e a técnica). (KEYNES, 1936, p.279, itálico do original).

Para esclarecer suas ideias, ele supõe inicialmente algumas hipóteses simplificadoras: i) as formas de remuneração dos fatores produtivos que entram no custo marginal variam na mesma proporção que a unidade de salários; ii) os recursos dos desempregados são homogêneos e intercambiáveis, no que se concerne à sua eficiência para produzir os bens desejáveis e iii) os fatores de produção que entram no custo marginal se contentam com o mesmo nível de salário nominal enquanto houver um excedente deles desempregados. Em seguida, ele admite a existência de cinco fatores de complicação, a fim de esclarecer a sua teoria dos preços. O primeiro conclui que a demanda efetiva não variará em proporção exata à quantidade de moeda. O segundo verifica que desde que os recursos não sejam homogêneos, haverá rendimentos decrescentes, e não constantes, conforme o emprego aumente gradualmente. Ou seja, Keynes observa que o aumento da produção é acompanhado por uma alta de preços, independentemente de qualquer variação na unidade de salários. O terceiro fator de complicação é que a oferta de certos bens tornar-se-á inelástica, desde que os recursos não sejam intercambiáveis e mesmo que existam recursos desempregados disponíveis para a produção de outros bens, atingindo o que Keynes chama de zona de estrangulamento. O quarto fator indica que a taxa de salários tenderá a subir antes que o pleno emprego seja alcançado. O quinto, e último, fator de complicação visto por Keynes conclui que as remunerações dos fatores que entram no custo marginal não variam todos na mesma proporção. O custo marginal de uso é identificado como provável elemento mais importante do custo marginal, que pode variar em proporção diferente da unidade de salários e flutuar dentro de um limite mais amplo.

Sobre o estado de verdadeira inflação, Keynes afirma que ela só será alcançada:

Quando um novo acréscimo no volume de demanda efetiva não mais produz aumento na produção e se traduz apenas numa alta da unidade de custos, em proporção exata ao aumento da demanda efetiva, teremos alcançado um estado que se pode adequadamente qualificar de verdadeira inflação (KEYNES, 1936, p.285.).

Assim sendo, o processo inflacionário não é visto como um ajuste gradual à expansão monetária. A inflação de demanda só é possível em uma situação de pleno emprego. Em qualquer outro caso, o problema é de oferta, sendo que o aumento dos preços decorre de uma modificação no custo dos fatores de produção (SICSÚ, 2002).

Por fim, a unidade de custos, média ponderada das remunerações que entram no custo primário marginal, é considerada como padrão essencial de valor, fazendo do nível de preços uma função da unidade de custos e da escala de produção. Torna-se claro, então, que para Keynes os processos inflacionários em sua maioria são explicados no âmbito da oferta e que os custos de produção são extremamente relevantes para explicar a composição e comportamento dos preços.

2.2 A Teoria de Preços de Kalecki

Como já foi mencionado, entende-se que a inflação é um fenômeno macroeconômico com fundamentos microeconômicos e, portanto, faz-se necessário ainda compreender como os preços são formados, no nível das empresas, para identificar que variáveis podem estar por trás da dinâmica inflacionária recente. Kalecki (1985) faz uma análise da formação de preços em uma perspectiva micro, ou seja, como uma firma fixa preços.

Kalecki mostra que a formação de preços, no curto prazo, é determinada pelas condições de oferta. Para as matérias-primas, as alterações de preços são provenientes da demanda, pois a oferta desses bens é inelástica devido a necessidade de tempo para que seja ampliada. As alterações de preço dos bens finais, ainda que possam ser influenciadas por eventuais mudanças na

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demanda, são, em grande parte, determinadas por modificações do custo de produção, já que a oferta desses bens é elástica, ou seja, existe capacidade produtiva para um eventual aumento na demanda.

De acordo com Kalecki:

Para fixar os preços, a firma leva em consideração a média de seus custos diretos e os preços de outras firmas que fabricam produtos similares. A firma tem que evitar que o preço se eleve demasiado com relação aos preços das outras firmas, já que se isso sucedesse as vendas se reduziriam drasticamente. É preciso também, por outro lado, evitar que o preço se torne demasiado baixo com relação à média dos custos diretos, porquanto isso reduziria drasticamente a margem de lucro (KALECKI, 1985, p. 34).

No geral, as economias operam em concorrência imperfeita. Uma firma ao fixar preço considera a média de seus custos diretos e os preços de outras firmas que fabricam produtos similares, seus concorrentes. Nesse caso, Kalecki aponta para a existência de um Acordo Tácito – feito pela firma líder e seguido pelas demais – que pode se transformar em um cartel, influenciando, de certa forma, a monopolização de determinado mercado. Como o Brasil possui um mercado predominantemente oligopolizado, essa característica é importante, pois a concorrência pode facilitar o repasse de eventuais aumentos nos custos de produção para os preços e pressionar para cima a inflação.

Ao possuir a média dos seus custos diretos e os preços de outras firmas que fabricam produtos similares, a política de fixação de preços pelas firmas pode ser expressa pela seguinte equação:

p=mu+np 1̅ (1)

Onde: p é o preço determinado pela firma; u é o custo direto unitário; p 1̅ é o preço médio; m > 0 e 0 < n < 1.

Os coeficientes m e n, que caracterizam a política de fixação de preços da firma, refletem aquilo que podemos chamar de grau de monopólio da posição da firma em uma estrutura de mercado semimonopolística (KALECKI, 1985, p.35). Ao dividir a primeira equação pelo custo unitário é possível obter as variações no grau de monopólio4.

Aumentos de m e n significam ampliações no grau de monopólio e vice-versa. No caso

em que o preço da firma é igual ao preço médio dos produtos similares no mercado pu

= p 1̅u , a

expressão m

1−n passa a refletir o grau de monopólio.

Partindo do caso em que os coeficientes m e n são os mesmo para todas as firmas e os custos unitários diferem, é possível analisar a determinação do preço médio em um ramo da indústria5. A formação de preços, no caso geral, em um ramo industrial, possui os coeficientes m e n diferentes para cada firma, tendo ̅m como média ponderada de m pelos custos diretos totais de cada firma e ̅n como a média ponderada de n6.

Ao relacionar custos e preços no longo e curto prazo, Kalacki verifica que: no longo prazo os coeficientes m e n podem mudar; o progresso tecnológico tenderá a reduzir o custo direto unitário (u); as relações entre os preços e os custos podem ser afetadas por modificações no campo

4 pu

=m+n p 1̅u

5 p 1̅ =mu ̅1 +np ̅1 , onde o preço médio da indústria ( p 1̅ ¿ é dado por: p= m1−n

u 1̅ .

6 p 1̅ = m 1̅1−n 1̅ 1̅

−u 1̅

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da técnica e dos equipamentos, conforme influenciam o grau de monopólio; e, por fim, os lucros e custos indiretos podem apresentar uma queda a longo prazo no que se refere ao valor do capital e a

relação entre o montante dos rendimentos e o montante dos custos diretos ( pu ) pode permanecer

constante.Percebendo que as economias operam em concorrência imperfeita, nota-se que as firmas

ao fixarem preços utilizam um adicional sobre os custos, denominado por Kalecki de mark-up, cuja regra é dada pela diferença entre o preço e os custos diretos, expressando o poder de mercado da empresa. Não só o custo de produção, mas também a margem de lucro é considerada uma variável de escolha do empresário. Logo, observa-se que as pressões inflacionárias podem ser originadas tanto pelo custo de produção, como também pela margem de lucro.

2.3 As Concepções Estruturalista e Inercialista sobre a Inflação Brasileira

Como o problema da pesquisa trata de analisar a inflação brasileira, também foram consideradas contribuições das teorias estruturalista e inercialista, que ganharam importância em meados dos anos 1980. Esse período foi marcado por uma recessão econômica e por elevadas taxas de inflação, não justificadas pelo nível de atividade e, consequentemente, pela demanda que apresentavam uma trajetória descendente. Tal cenário proporcionou a contribuição teórica dos economistas da Comissão Econômica para América Latina Caribe (CEPAL) que introduziram a teoria estruturalista, com a finalidade de contribuir com o desenvolvimento econômico e social dos países latino americanos. Sunkel (1958), Furtado (1959), Prebisch (1949 e 1964), Oliveira (1972), Tavares (1972) e Pinto (1973) se destacaram como os principais autores da tradição cepalina.

A escola estruturalista atribui o fenômeno inflacionário às características das economias periféricas que se manifestam como rigidezes estruturais ao crescimento. Para estes, a inflação não é um fenômeno puramente monetário, o que torna menor a eficácia da política monetária como instrumento de controle inflacionário. Nesse sentido, as reformas estruturais são o caminho mais coerente para a superação da inflação. A ideia era buscar soluções capazes de atacar as causas primordiais da inflação ao invés dos sintomas observados (VILAÇA, 2015).

Sunkel (1958) considerava que a inflação ocorria dentro de um marco histórico, social, político e institucional do país e que nos países subdesenvolvidos a inflação estaria associada aos problemas básicos do desenvolvimento e as suas características estruturais. Para analisar a inflação nos países periféricos, o mesmo desenvolveu um método de análise que contemplava dois aspectos: a identificação e a classificação dos diversos elementos e categorias que intervém no processo inflacionário e a identificação das diversas pressões inflacionárias a fim de analisar os mecanismos de propagação. Ele caracteriza as pressões inflacionárias em três categorias: pressões inflacionárias básicas e estruturais; pressões inflacionárias circunstâncias, causadas, por exemplo, por uma catástrofe nacional; e por fim, pressões inflacionárias cumulativas ou induzidas.

Nessa teoria, o conceito de conflito distributivo surge como um importante fator de propagação da inflação, pois, para defender sua participação na renda, os diferentes setores ou grupos econômicos buscam reajustar seu investimento ou gasto real relativo. Os assalariados, via reajuste dos salários; os empresários, via alta de preços e setor público, via aumento dos gastos fiscais e impostos. Todos os grupos da comunidade pretendem se favorecer às custas dos grupos restantes, sem conseguir nunca uma vantagem permanente. Nesse caso, quando há a generalização do aumento de preços para defender a renda, instaura-se o processo inflacionário (LEITE, 2015).

Rangel (1963) argumentou que a inflação seria um mecanismo de defesa da própria economia contra a recessão. Ao analisar o caso brasileiro, o mesmo percebe que existia uma insuficiência crônica de demanda devido a concentrada distribuição de renda encontrada na estrutura fundiária fundada nas grandes propriedades e no excesso de oferta de mão-de-obra. Consequentemente, essa má distribuição de renda resultava em uma baixa propensão a consumir que provocava capacidade ociosa em diversos setores da economia. Ele confrontou ainda a ideia

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de que a inflação encontra sua causa na expansão monetária, afirmando que a expansão da moeda é que seria induzida pela variação de preços.

Leite (2015) verifica que a inflação brasileira deveria ser encarada não só como inflação de custos médios, mas também como um mecanismo de defesa da economia. A inflação de custo, advinda do poder de monopólio ou oligopólio das empresas para defender seus lucros, posteriormente se estenderia para os demais setores da indústria e dos serviços. Esse processo foi denominado por Rangel de mark up inflation e evidenciava que a inflação é um mecanismo de defesa de produtores e vendedores, constituindo-se em uma pressão de custos, do lado da oferta.

Assemelhando-se a teoria estruturalista, a teoria inercialista surge também na América Latina, tendo sido desenvolvida por economistas da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, dentre eles: Arida (1982, 1984), Bacha (1982, 1987), Lara Resende (1984, 1989), Lara Resende e Arida (1984), Lopes (1984a, 1984b) e Modiano (1983) e economistas da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, que apresenta como seus principais representantes: Bresser Pereira (1981), Nakano (1982), Bresser Pereira e Nakano (1983, 1984a, 1984b).

As duas teorias assemelham-se em relação ao diagnóstico da inflação, pois a teoria inercialista também vê a inflação como um fenômeno real, com consequências monetárias, resultante do conflito distributivo entre as classes sociais. Porém, divergiam quanto ao receituário a ser utilizado para promover a desindexação da economia brasileira.

O mainstream econômico afirmava que a maneira de conter a inflação era com um ajuste fiscal e política monetária restritiva, pois a mesma resultava do excesso de emissão de moeda. No entanto, tal proposta não logrou êxito na contenção da inflação, que continuava a crescer. Com a falência das ações propostas por essa teoria, a abordagem inercialista ganhou espaço para consolidar suas ideias.

Os inercialistas atribuíam como causa principal da inflação presente a existência de conflitos distributivos que, por sua vez, se materializavam na inflação passada, mostrando que em ambientes de inflação crônica, os agentes adotam posturas defensivas ao formar preços e salários, visando recompor o seu rendimento real. Bresser-Pereira e Nakano (1984) identificam três grupos de fatores que buscavam distinguir das causas primárias da inflação. São eles: Fatores aceleradores da inflação: i) o aumento dos salários médios reais superiores ao aumento da produtividade; ii) o aumento das margens de lucro pelas empresas; iii) as desvalorizações reais da moeda; iv) o aumento do custo dos bens importados e v) o aumento dos impostos. Ou seja, a aceleração da inflação estaria vinculada à existência do conflito distributivo e de pressões geradas no lado dos custos de produção. Fatores mantenedores da inflação: Os agentes aumentam os preços, de forma alternada e defasada, para fazer frente à inflação passada, com a finalidade de manter a participação na renda. Fatores sancionadores da inflação: Em que a expansão monetária não se constitui em causa, mas sim em uma consequência da inflação, tornando o aumento na quantidade nominal da moeda e o déficit público como principais fatores que sancionam a inflação.

Por fim, é importante salientar que tanto a teoria estruturalista, como a inercialista, apresenta afinidades com a visão keynesiana ao considerarem que a inflação está relacionada com problemas no lado dos custos e o com o conflito distributivo que representaria uma tentativa de repasse das pressões de custos de uma classe para outra.

Sob essa base teórica – Keynes, Kalecki, estruturalistas e inercialista – será possível analisar a formação de preços na economia brasileira, identificando as variáveis que foram afetadas pela ampliação do grau de abertura econômica e, ao mesmo tempo, exercem influências sobre a inflação. A partir dessa análise, a política monetária, de forma geral, e a política de controle de preços, de forma específica, poderão ser discutidas e questionadas, levando em consideração os seus efeitos deletérios para o crescimento da economia brasileira.

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3. INFLAÇÃO E SETOR EXTERNO: UMA ANÁLISE EMPÍRICA PARA O PERÍODO 2001-2016

A economia mundial, no decorrer das últimas décadas, foi caracterizada por um novo processo denominado de globalização que veio permitir uma crescente integração econômica entre os países nos âmbitos comercial, produtivo e financeiro. Tais mudanças exigiram profundas readaptações nas estruturas econômicas nacionais, como, por exemplo, a valorização do mercado, maior preocupação com a competitividade e uma menor participação do Estado, configurando-se a volta do chamado liberalismo econômico (GREMAUD e VASCONCELOS, 2010).

No final dos anos 1980 e durante os anos 1990 foi possível observar uma ampliação da abertura comercial e financeira tanto nos países desenvolvidos como nos países em desenvolvimento7. É importante destacar que a abertura econômica não foi uma novidade dos anos 1990. Os países negociam entre si desde os primórdios do capitalismo, porém isso ocorria em uma escala menor e em um contexto no qual as relações comerciais e financeiras eram muito mais reguladas pelo Estado. A abertura, contudo, avançou de forma significativa a partir dos anos 1990 na maioria dos países, tornando-os sobremaneira interdependentes (LEITE, 2015).

Diante das dificuldades internas enfrentadas no país a partir da década de 1970, relacionadas aos problemas no balanço de pagamentos e aos desequilíbrios macroeconômicos externos, verifica-se no fim da década de 1980 um início a uma política de abertura econômica com a eliminação dos controles quantitativos e administrativos sobre as importações e uma proposta de redução tarifária8. Em 1990, intensifica-se a adoção de políticas liberais provenientes do modelo de estabilização e integração internacional, proposto pelo Consenso de Washington, mudando significantemente o regime comercial brasileiro.

No Brasil, a experiência de abertura financeira9 – assim como a de abertura comercial – constituiu-se em uma resposta a desequilíbrios internos e pressões externas. Com a intensificação da abertura da economia brasileira para o comércio externo, a partir dos anos 1990, aliada à adoção do regime de âncora cambial10, o déficit nas transações correntes apresentou uma trajetória ascendente que contribuiu para deteriorar o saldo do Balanço de Pagamentos. A abertura financeira aparecia, portanto, com dupla função: ampliar o grau de mobilidade de capitais no país e auxiliar o financiamento dos déficits em transações correntes que seriam gerados nos primeiros anos de abertura comercial (HERMANN, 2005).

O ano de 1999 foi marcado por importantes modificações no âmbito da política monetária brasileira. Com a implementação do regime de câmbio flutuante, o governo perdeu o principal instrumento para o controle inflacionário que vinha sendo utilizado: a âncora cambial. Logo em seguida, no mês de junho, foi adotado o Regime de Metas de Inflação (RMI) como opção de política para o controle da inflação. Tal regime, vigente até os dias atuais, utiliza a taxa de juros de curto prazo como principal instrumento de política monetária para fazer com que a inflação tenda a convergir para a meta estabelecida pela autoridade econômica11.

Com o aumento das influências externas, os governos nacionais tiveram diminuída sua capacidade de estabelecer objetivos para suas políticas, agravando a dependência dos países. Nesse contexto, "afirmações ceteris paribus" - ou seja, aquelas que dependem de variáveis estáticas - são cada vez menos significativas frente à nova realidade mundial. Destaca-se ainda, como consequências desse processo liberalizante, a perda de relação entre as taxas de câmbio e a situação em conta corrente dos balanços de pagamentos; a permanência do "risco-pais" elevados e diferenciados, que são evidenciados nas taxas de juros desiguais e na capacidade doméstica enfraquecida de fazer política econômica (CRUZ, 2001).

7 Para mais detalhes sobre esse processo ver Hermann (2002) caps. 3 e 4.8 Sobre o processo de abertura comercial, consultar, entre outros, Azevedo e Portugal (1998), Kume e Patrício (1987), Fritsch e Franco (1991) e Kume, Piane e Souza (2003).9 Sobre o processo de liberalização financeira no Brasil ver, entre outros, Freitas (1999) e Hermann (2005).10 Ver Hermann (1999) e De Sousa (1999) para mais detalhes sobre ancoragem cambial na economia brasileira.11 Sobre o Regime de Metas de Inflação ver, por exemplo, Arestis, et al. (2009), De Castro (2012), Sicsú (2002).

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Diante do novo cenário apresentado, é possível verificar que a dinâmica econômica dos países ficou mais dependente da conjuntura internacional e tal dependência trouxe consigo inconvenientes como: a instabilidade dos fluxos de capitais, a facilidade com que as crises em determinados países se transmitem para os demais e a perda de liberdade na condução de políticas econômicas internas. A maneira como são formados os preços e os processos inflacionários também foi afetada, uma vez que condicionantes externos passaram a ter uma maior importância na explicação da dinâmica dos preços domésticos, especificamente por dois canais de influência: o câmbio e os preços internacionais.

3.1 Revisão da Literatura empírica sobre inflação e setor externo

A literatura empírica acerca da relação entre inflação, taxa de câmbio e preços externos é vasta e aponta, em diferentes graus, para a influência dessas variáveis para a explicação do comportamento dos preços domésticos. Araújo e Modenesi (2010), por meio de uma análise com base em um modelo SVAR, a fim de constar a importância do setor externo na evolução do IPCA entre os anos de 1999 e 2010, consideram que a inflação depende de três fatores: i) a demanda agregada (medida pela produção industrial); ii) as condições de oferta (mensuradas por um índice de preço de commodities); e iii) a taxa de câmbio, verificaram que em conjunto, a taxa de câmbio e as condições de oferta explicam 14% da variância da inflação. Já o nível de atividade, responde por menos de 1% da variância do IPCA. Neste sentido, os fatores externos se sobrepõem ao comportamento da demanda agregada na determinação dos preços.

Summa e Braga (2014) ao estimar as formas reduzidas das equações desagregadas de inflação mostram que a taxa de câmbio e a inflação importada em dólares, em conjunto, afetam todos os itens desagregados da inflação (via preços monitorados, produtos industriais e agrícolas tradables e via custo dos bens non tradables, inclusive serviços). Em termos desagregados, os autores mostram que apenas a inflação de serviços parece responder à taxa de desemprego, indicando uma relação mais estrutural ligando desemprego tendencialmente mais baixo com salários crescendo mais rápido via maior poder de barganha dos trabalhadores e o efeito diferenciado sobre a inflação de serviços, cuja inércia parece ser maior que as demais. Essa inércia pode ser interpretada pelo fato de que o setor serviços é basicamente não comercializável, com crescimento mais baixo da produtividade e com os salários mais vinculados ao mínimo, que teve um forte componente de reajuste acima da inflação por motivos de política econômica no período recente.

Holland e Mori (2010) analisam os efeitos dos fatores externos na dinâmica da inflação brasileira, entre 1999 e 2008. Utilizando dados mensais, foram estimadas algumas especificações da Curva de Phillips para a economia brasileira, por diferentes métodos econométricos. Os resultados foram amplamente robustos e a favor da hipótese de que a globalização tem afetado o processo inflacionário doméstico.

Hasan & Wallace (1996) exploraram a relação entre a volatilidade da taxa de câmbio e o regime cambial, destacando que o regime de câmbio flutuante é responsável por maior volatilidade cambial. Goldfajn e Werlang (2000) em um estudo incluindo 171 países identificaram o efeito pass-through para diversos países, inclusive para o Brasil e que o efeito total de um movimento na taxa de câmbio sobre a inflação aumenta com o tempo.

IPEA (2013), ao estimar a inflação para os preços monitorados, encontra a relevância da taxa de câmbio, da inflação de commodities e da inércia para a explicação do seu comportamento. Os resultados encontrados em estudo feito pelo Banco Central do Brasil (BCB (2006)) também apontam para a relevância da taxa de câmbio e da inflação importada para a explicação dos preços monitorados. BCB (2010), através de estimativas desagregadas para a inflação dos bens comercializáveis e não comercializáveis, encontra que ambas as categorias recebem influência da taxa de câmbio, embora só para o primeiro grupo a inércia seja significativa.

Martinez e Cerqueira (2011) discutem os determinantes e decomposição da inflação brasileira, de 2000 a 2009, a partir da construção de 22 séries desagregadas, com dados mensais.

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Os resultados apontam para a importância dos fatores externos na determinação dos preços domésticos. Martinez e Braga (2012) discutem fatos estilizados sobre a inflação brasileira, nos últimos anos, e sugerem que, na última década, os dois determinantes principais da inflação foram a taxa de câmbio e os preços em dólares de algumas commodities.

Leite (2015) analisa empiricamente o impacto da ampliação do grau de abertura econômica a partir da década de 1990 sobre a inflação. Por meio de estatística descritiva e de uma análise econométrica utilizando o modelo de Vetores Auto Regressivos Estruturais (SVAR) e do modelo Auto Regressivo de Defasagem Distribuída (ARDL), com base na especificação do modelo de Simonsen (1970) e estimando uma equação de inflação para a economia brasileira, constatou em ambas as análises a importância das variáveis do setor externo para a evolução da inflação brasileira no período entre 1999 e 2013, confirmando a importância da taxa de câmbio e dos preços internacionais para a explicação da dinâmica inflacionária na economia brasileira.

4.2. IPCA, Taxa de Câmbio e Preços Externos

O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) é considerado o índice oficial de inflação do país e tem como objetivo apresentar a variação dos preços das cestas de consumo das famílias com renda mensal de 1 a 40 salários mínimos, residentes nas regiões metropolitanas de Belém, Fortaleza, Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba e Porto Alegre, além de Brasília e Goiânia. O índice é medido mensalmente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e calculado de forma contínua e sistemática para as áreas abrangidas pelo sistema. Os preços obtidos são aqueles que são cobrados ao consumidor para pagamentos à vista e a pesquisa é realizada em estabelecimentos comerciais, prestadores de serviços, domicílios e concessionárias de serviços públicos.

Por meio do comportamento desse índice de preços uma meta de crescimento para a inflação, com intervalos superiores e inferiores, é estabelecida pelo governo e perseguida pelo Banco Central do Brasil, cuja política monetária é direcionada com a finalidade de atingir a meta inflacionária determinada para o período. É por meio do IPCA que verifica se a meta estabelecida para a inflação está ou não sendo cumprida.

O câmbio e os preços internacionais afetam a inflação diretamente, por meio das mudanças nos preços dos serviços e bens transacionáveis com o exterior, e indiretamente devido a utilização de insumos importados na produção doméstica de bens e serviços e na substituição de bens domésticos por similares importados.

Na tabela 1, é possível observar e relacionar a variação anual do IPCA, do Índice de Commodities do FMI e da Taxa de Câmbio, no período entre 1999 e 2016. Utilizando de estatística descritiva é possível identificar o impacto dessas duas variáveis sobre o comportamento do IPCA. Para a análise dos preços internacionais utiliza-se o Índice de Commodities calculado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), que considera todas as commodities, matérias-primas industriais, matérias primas agrícolas, metais, combustíveis e petróleo. Já para o estudo do comportamento da taxa de câmbio utiliza-se a série diária da PTAX, cujo valor é calculado através da média de todas as taxas praticadas no mercado durante o dia e divulgada pelo Banco Central. As informações para o cálculo do dólar PTAX vem do Sistema de Informações do Banco Central (Sisbacen).

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Tabela 1. IPCA (%a.a.), Índice de Commodities, Taxa de Câmbio (R$/US$) entre os anos de 1999 e 2016

ANO IPCA (%a.a.) Índice de Commodities (2005=100)12

Taxa de Câmbio (R$/US$)13

1999 8,94 49,84 1,782000 5,97 63,06 1,952001 7,67 58,36 2,322002 12,50 58,17 3,532003 9,30 64,98 2,892004 7,60 80,32 2,852005 5,69 100,00 2,342006 3,14 120,76 2,142007 4,46 134,93 1,772008 5,90 172,37 2,332009 4,31 120,72 1,742010 5,90 152,31 1,672011 6,50 192,41 1,872012 5,84 187,55 2,042013 5,91 183,34 2,342014 6,41 171,84 2,662015 10,67 111,16 3,902016 6,28 100,08 3,26

Fonte: Elaboração Própria a partir de dados do BCB e do FMI.

Analisando os dados, é possível verificar que entre 2003 e 2013 a taxa de câmbio valorizada atuou no sentido de filtrar o aumento dos preços externos. Porém, no ano de 2015, por exemplo, nota-se que quando desvalorizada, a taxa de câmbio intensifica os efeitos do aumento dos preços externos. Ainda é possível observar que a partir de 2001, um aumento/diminuição na taxa de câmbio influencia, diretamente, um aumento/diminuição do IPCA. Esse comportamento, entretanto, não se verificou nos anos de 2007, 2010 e 2012 quando os preços externos exerceram maior influência sobre a inflação.

Nota-se que por meio desses dois canais a economia brasileira importou inflação do resto do mundo desde o ano de 2001 até 2016. No geral, os preços das commodities seguiu uma trajetória crescente, com moderadas retrações em alguns momentos, influenciando o aumento dos preços internos. Com a taxa de câmbio, o comportamento não foi diferente: momentos de elevação da taxa implicaram em um maior peso no resultado do IPCA, enquanto em momentos de diminuição houve uma retração no nível geral de preços, no entanto, segundo Pimentel et al. (2013), esse comportamento é repassado assimetricamente, o repasse cambial para o nível de preços é menor após uma apreciação do que após depreciações.

O maior patamar verificado nos preços das commodities no período proposto ocorreu em 2011, onde o mesmo atingiu o valor de US$192,41. O preço das commodities metálicas justificou em grande medida esse resultado, onde houve um aumento de 68,2% entre 2009 e 2011. Neste mesmo ano, o resultado da taxa de câmbio não contribuiu para uma diminuição no peso da inflação importada, refletindo o comportamento de elevação desses dois canais no aumento do IPCA.

12 Índice de commodities calculado pelo FMI.13 Taxa de câmbio comercial para venda: R$/US$ - fim de período (BCB)

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Leite (2015) destaca que a mudança do regime cambial em 1999, resultou em uma depreciação significativa da taxa de câmbio que atingiu R$1,97 em novembro, ante R$1,19 no mesmo mês do ano anterior e que essa depreciação não apresentou efeitos inflacionários significativos, pois ocorreu em um momento de vale da produção industrial, marcado pela contração da demanda, o que impediu, em grande medida, o repasse da variação cambial para os preços. A política monetária rígida de elevação da taxa de juros que estava sendo praticada atuou no sentido de dificultar uma aceleração da inflação ao longo do período supracitado.

O ano de 2015 apresentou o maior aumento da taxa de câmbio, entre 1999 e 2016. A alta do dólar pressionou os custos, principalmente dos agricultores, pois os insumos, fertilizantes e adubos são todos cotados em dólar. Embora a safra tenha sido grande, o aumento da taxa de câmbio elevou os custos de produção agrícola, pressionando os preços domésticos.

Em 2016, embora os resultados do setor externos tenham se mantido em patamares próximos ao do ano anterior, a redução do IPCA foi significativa. Esse comportamento é justificado principalmente pela conturbada conjuntura nacional vivenciada no ano. O processo de impeachment da presidente Dilma, graves escândalos de corrupção, crise política e econômica, a elevação da taxa de desemprego para 11,5% significando 12,3 milhões de pessoas desempregadas, foram alguns dos fatores que contribuíram para este impacto nos preços. Ademais, o arrefecimento do choque de preços administrados, verificado em 2015, contribuiu, sobremaneira, para a desaceleração do IPCA.

Apesar disso, nota-se, em geral, que com a ampliação da abertura econômica, amplia-se também a influência do setor externo sobre os preços internos. Variáveis como preços internacionais e taxa de câmbio, constituem importantes componentes explicativos no desempenho dos preços. No entanto, ao mesmo tempo em que o câmbio se torna um componente explicativo para o comportamento de preços, a abertura econômica – especialmente a financeira – traz um agravante ao conferir maior volatilidade a essa variável, principalmente nas economias que adotaram o regime de câmbio flutuante.

Segundo Leite (2015) as incertezas em relação ao comportamento da taxa de câmbio tendem a ser ampliadas pelo aumento do grau de liberalização financeira e as expectativas de desvalorização da taxa de câmbio reforçam as expectativas de elevação de preços, aumentando a importância do componente expectacional da inflação e reduzindo a capacidade da Autoridade Monetária de controlar essa variável, o que cria um problema para a gestão da inflação em um contexto de elevado grau de mobilidade de capitais.

4.3. Análise dos Subgrupos do IPCA

O Índice de Preços ao Consumidor Amplo é composto por nove grupos de produtos e serviços: alimentação e bebidas; artigos de residência; comunicação; despesas pessoais; educação; habitação; saúde e cuidados pessoais; transportes e vestuário. Tais grupos são subdivididos em subgrupos, itens, e por fim em 373 subitens que contemplam bens e serviços específicos. O peso de cada subitem é baseado na cesta de consumo típica das famílias brasileiras, de acordo com a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) que utiliza como variável de ponderação do IPCA o "Rendimento Familiar Monetário Disponível”14.

A decomposição do IPCA pelo BCB por tipo de precificação abrange três categorias: bens comercializáveis, não comercializáveis e monitorados. Essas séries são constituídas a partir da agregação de subitens do IPCA classificados pelo BCB em cada uma das três categorias. Os bens comercializáveis são aqueles muito afetados pelo comércio externo, ou porque boa parte de sua produção interna é exportada, ou porque as importações respondem por parcela significativa da oferta interna. Os bens não comercializáveis, incluindo serviços, são aqueles produzidos no país e voltados para o mercado interno. Já os chamados bens monitorados ou administrados por

14 Para detalhes metodológicos, ver: Indicadores IBGE – Sistema Nacional de Índices de Preços ao Consumidor IPCA e INPC, Janeiro 2015.

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contrato são as tarifas públicas e outros preços que sofrem interferência governamental direta e, de modo geral, são menos sensíveis às condições de mercado (MARTINEZ e CERQUEIRA, 2013).

Em janeiro de 2012, passou a vigorar a nova estrutura de ponderação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), baseada na Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2008/2009 realizada pelo IBGE. Nessa atualização e com as alterações na composição do conjunto dos preços administrados, realizadas pelo Banco Central do Brasil, este passou de 28 para 23 itens, representando, aproximadamente, 24% da cesta total que compõe o IPCA, ante cerca de 30% anteriormente (ALVES, et al. 2013). São eles:

Tabela 2. Composição atual dos preços administrados no ano de 2012

Itens Peso no IPCA (%) Peso no ADM. (%)

Gasolina 4,11 16,77Produtos farmacêuticos 3,47 14,17

Energia elétrica residencial 3,43 14,00Plano de saúde 3,05 12,44Ônibus urbano 2,71 11,05Telefone fixo 1,54 6,27

Taxa de água e esgoto 1,48 6,04Gás de botijão (GLP) 1,11 4,53

Emplacamento e licença 1,08 4,42Ônibus intermunicipal 0,72 2,93

Jogos de azar 0,41 1,69Táxi 0,39 1,60

Ônibus interestadual 0,25 1,03Óleo diesel 0,13 0,51

Pedágio 0,12 0,50Telefone público 0,12 0,48

Gás veicular 0,11 0,46Gás encanado 0,08 0,31

Metrô 0,07 0,30Trem 0,06 0,26Multa 0,04 0,16

Correios 0,01 0,04Transporte Hidroviário 0,01 0,03

Total 24,51 100,0 Fonte: Elaboração própria a partir de dados disponíveis em Alves et al. (2013).

Ainda assim, esses preços representam uma parcela significativa da inflação brasileira (cerca de um quarto). Como alguns dos contratos são reajustados, mesmo que parcialmente pelo IGP – que recebe influência direta do setor externo via IPA –, refletem parcela expressiva dos impactos do setor externo sobre o nível de preços domésticos (LEITE, 2015).

Dividindo os itens em livres e monitorados percebe-se, a partir do comportamento dos dados contidos no gráfico 1, que o ano de 2006 marcou o que Leite (2015) denomina de ponto de inflexão em relação ao comportamento da inflação brasileira. Entre 1999 e 2006, nota-se uma maior contribuição dos preços monitorados para a determinação da inflação, porém devido à realização de reformas durante esse período que reduziram o impacto do IGP sobre o IPCA, essa categoria perdeu importância relativa na explicação do comportamento do IPCA. A partir de então, os itens livres adquiriram maior importância, verificada até o ano de 2014, onde novamente os monitorados voltam a exercer um papel fundamental no comportamento do IPCA.

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Gráfico 1. IPCA Itens Livres e Monitorados entre os anos de 1999 e 2016

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

2006

2007

2008

2009

2010

2011

2012

2013

2014

2015

2016

00.20.40.60.8

11.21.41.61.8

Itens livres Preços monitorados Fonte: Elaboração própria a partir de dados do BCB.

Optou-se por dividir os subgrupos em itens livres e monitorados, a fim de melhor visualização e análise gráfica do comportamento dos mesmos de maneira mais desagregada. A análise será iniciada pelo gráfico 2 que apresenta o comportamento dos subgrupos do IPCA que englobam os itens livres, tais quais: alimentação e bebidas, vestuário, educação, artigos de residência e despesas pessoais.

Gráfico 2. IPCA dos grupos com subitens Livres entre anos de 1999 a 2016

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

2006

2007

2008

2009

2010

2011

2012

2013

2014

2015

2016

-0.5

0

0.5

1

1.5

2

Alimentação e bebidas Artigos de residência Vestuário Despesas pessoais Educação

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do BCB.

O grupo de alimentação e bebidas apresentou grandes oscilações nesse período. No geral, os preços dos itens contidos nesse grupo são bastante sensíveis a mudanças climáticas que afetam a produção agrícola. Alguns itens são ligados ao mercado externo, portanto, variações na taxa de câmbio influenciam diretamente esses produtos. Vilaça (2015) destaca alguns subitens de alimentação, “carnes”, “aves e ovos”, “açúcar refinado”, “açúcar cristal”, “óleo de soja”, “azeite de oliva”, “panificados”, esses têm forte influência de preços internacionais e do câmbio, pois o Brasil é grande exportador dos quatro primeiros e importador dos dois últimos (panificados pela farinha de trigo). Estes itens ligados ao mercado externo respondem por 5,91% do IPCA e 26,7% do grupo alimentação. No subitem carnes e aves, Vilaça (2015) ainda contribui destacando o crescimento expressivo das suas exportações, tal acontecimento diminui e impacta a oferta desses produtos no mercado interno, uma vez que, pressiona os preços, principalmente quando esse fato se alia ao aumento do poder de compra do consumidor.

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Devido a forte concorrência externa existente para os grupos “vestuário” e “artigos para residência”, os preços desses itens tendem a diminuir, porém em situação de aumento na demanda interna, as importações desses itens podem aumentar. Com relação às “despesas pessoais”, a maior parte dos subitens é de serviços, portanto será analisada mais adiante.

O grupo educação apresentou um crescimento contínuo a partir do ano de 2008. O aumento da demanda por qualificação de mão-de-obra e o aumento da renda da população, que permitiu as escolas repassarem custos para as mensalidades, formam algumas das justificativas existentes para esse comportamento. Contudo, em 2016 esse grupo foi pressionado a acompanhar a trajetória descendente dos demais.

O gráfico 3 apresenta o comportamento dos subgrupos do IPCA que englobam os itens cujos preços são administrados por contrato e, por isso, são relativamente insensíveis às variações na política monetária. São eles: habitação, transportes, comunicação e saúde e cuidados pessoais. Como mencionado inicialmente, os itens administrados exerceram grande influência no comportamento do nível geral de preços de 1999 até 2006 quando se inicia a redução dessa participação até 2014. O comportamento do gráfico 3 reflete esse acontecimento em cada grupo.

Cada conjunto que compõe os preços administrados possui diferentes políticas de reajustes que influenciam outros preços. Esses preços possuem baixa sensibilidade à oferta e à demanda e possuem um caráter fortemente inercial, já que os reajustes são feitos a partir de contratos atrelados a inflação passada, preço internacional do petróleo e variação cambial, tornando-os insensíveis à taxa Selic (PIMENTEL et al., 2013).

Gráfico 3. IPCA dos grupos com subitens monitorados entre os anos de 1999 a 2016

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

2006

2007

2008

2009

2010

2011

2012

2013

2014

2015

2016

-0.5

0

0.5

1

1.5

2

Habitação TransportesComunicação Saúde e cuidados pessoais

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do BCB.

Aluguel, energia elétrica e gás de botijão, são alguns itens que possuem preços administrados e que somados englobam 77% do grupo habitação. Depois de um considerável período de queda, os preços se estabilizaram a partir de 2008. A elevação observada em 2014 foi dada pela variação significativa do preço da energia15.

O grupo de transportes tem maior participação de monitorados e representa 22% do IPCA. A partir de 2012, o seu resultado é crescente, influenciado principalmente pelo reajuste dos combustíveis e das tarifas de ônibus urbanos. Aproximadamente 60% do grupo de saúde e cuidados pessoais é composto por subitens monitorados (produtos farmacêuticos com 32% e planos de saúde com 26%), o mesmo é o grupo que apresenta menor volatilidade no seu comportamento. Por fim, o grupo de comunicação é o único com queda recorrente nos últimos anos.

A partir de meados de 2006, os preços monitorados passaram a contribuir menos na determinação da inflação, sendo substituído pelos itens livres. Martinez e Cerqueira (2011) ao

15 Para detalhes metodológicos de como são projetados esses preços, ver: ALVES (2013).

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estimarem determinantes da inflação por modelos de função de transferência verificaram que as mudanças de comportamento nos preços monitorados podem ser atribuídas a quebras estruturais ocorridas entre os anos 2005 e 2006, possivelmente devido a frutos de políticas governamentais adotadas explicitamente para diminuir a inflação estruturalmente elevada nesses segmentos, como revisões em regras de reajuste nas tarifas de energia elétrica e telefonia fixa, além de tributação variável para diminuir a volatilidade da gasolina.

Esse comportamento perdurou até 2014, quando em 2015 os monitorados voltam a apresentar maior contribuição no comportamento do IPCA. A forte alta inflacionária decorrente do represamento artificial de uma série de tarifas públicas durante 2013 e parte de 2014, gerou reajustes expressivos ao longo de 2015. Esse episódio adicionado a crise hídrica no período desencadeou a implementação do sistema de bandeiras tarifárias que, juntamente com o fim dos repasses governamentais à Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) e o pagamento dos empréstimos recebidos pela câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), contribuíram para encarecer ainda mais os custos da energia elétrica. Adicionalmente, os incrementos de 12,7% nos preços da gasolina, impactados pela elevação da Cide e pela desvalorização cambial, e de 9,9% nas tarifas de transporte público também ajudaram na composição desta expressiva elevação dos preços administrados ao longo do ano (IPEA, 2016). Em 2016, o grupo habitação apresentou destaque por seu acentuado decrescimento. Além da diminuição do poder de compra dos consumidores, nesse ano, um importante episódio que contribuiu para esse resultado foi a redução dos preços da energia elétrica de -3,70%.

Assim como 2006 marcou um ponto de inflexão no comportamento dos itens monitorados e livres, 2004 marcou um ponto de inflexão no comportamento dos itens comercializáveis e não comercializáveis, como pode ser visto no gráfico 4. Passado esse ano o setor dos bens não comercializáveis foi fundamental para explicar a dinâmica da inflação doméstica.

Gráfico 4. IPCA dos bens comercializáveis e não comercializáveis (1999-2016)

19992000

20012002

20032004

20052006

20072008

20092010

20112012

20132014

20152016

0

0.2

0.4

0.6

0.8

1

1.2

1.4

Comercializáveis Não comercializáveis Fonte: Elaboração própria a partir de dados do BCB.

A partir do ano de 2010, os bens não comercializáveis alcançaram os maiores patamares verificados no período. O crescimento do mercado de trabalho e o aumento da renda dos trabalhadores foram fatores que justificaram esse desempenho. Com uma significativa ampliação na demanda e o fato dos bens não comercializáveis não serem passíveis de concorrência externa, o que proporciona um espaço maior para aumentar os preços, o resultado foi uma maior pressão inflacionária, que veio a apresentar sinais de redução no ano de 2016, refletindo as consequências provenientes da crise nacional, do desemprego e da redução do consumo das famílias.

O gráfico 5 apresenta o comportamento dos bens não-duráveis, semiduráveis e duráveis entre 1999 e 2015. Os dois últimos segmentos apresentaram pressões inflacionárias reduzidas devido a concorrência externa existente e o fato de muitos setores de bens semiduráveis e duráveis terem

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tido benefícios fiscais, tanto na redução dos impostos quanto na desoneração da folha de pagamento. Os não-duráveis, diferentemente, apresentaram desempenho crescente a partir de 2011, justificado pelo crescimento da renda, e interrompido em 2016 em detrimento do cenário interno.

Gráfico 5. IPCA dos bens não-duráveis, semiduráveis e duráveis (1999-2016)

19992000

20012002

20032004

20052006

20072008

20092010

20112012

20132014

20152016

-0.4-0.2

00.20.40.60.8

11.21.41.6

Bens não-duráveis Bens semi-duráveis Bens Duráveis Fonte: Elaboração própria a partir de dados do BCB.

O setor de serviços compreende mais de 25% do total do IPCA, tendo uma participação importante no resultado do índice. Por não possuir concorrência externa, esse setor apresenta maior rigidez nos preços visto que há uma possibilidade maior no aumento dos seus preços. Os serviços são indiretamente afetados pela variação taxa de juros, visto que são fortemente dependentes da renda disponível. Assim, o processo de expansão da renda observado no país é um fator determinante para o crescimento dos serviços e para sua rigidez de preços, como é possível observar no gráfico 6.

Gráfico 6. IPCA do setor de serviços (1999-2016)

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

2006

2007

2008

2009

2010

2011

2012

2013

2014

2015

2016

00.10.20.30.40.50.60.70.8

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do BCB.

Visto que o aumento dos preços nesse setor está atrelado a aumentos na renda, os dados contidos no gráfico 7 refletem as mudanças ocorridas na economia brasileira ao longo dos anos. Até o ano de 2015, Leite (2015) relaciona esse comportamento à melhoria na distribuição de renda e redução do desemprego que, por seu turno, evidenciam as pressões sobre os preços decorrentes da existência do conflito distributivo entre salários e lucros. Já em 2016, os preços desse setor

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cedem de maneira significativa, no entanto, em decorrência de amargos remédios, refletindo claramente o impacto do aumento da taxa de desemprego nacional na economia.

Summa e Braga (2014) destacam que a inflação no setor de serviços apresenta um grau de inércia elevado, pelo fato desse setor ser formado basicamente por bens não-comercializáveis e os salários serem atrelados ao salário mínimo, são um fator de custo relevante para explicar o comportamento dos preços neste setor. Braga (2011) também contribui ao conferir a existência de um conflito distributivo latente que possibilita aos empresários, em algum grau, recompor as margens de lucro após choques nos custos de produção, podendo explicar parte significativa da inércia inflacionária na economia brasileira.

Giovannetti (2016) vai além da decorrência da não possibilidade de concorrência de preços com o setor externo, ele cita as dificuldades de transporte (custo ou tempo de transporte para o caso de alimentos in natura), a falta de mobilidade geográfica, como é o caso de serviços de habitação, geração de energia e transporte, e a própria natureza do serviço, como nos serviços educacionais, serviços de saúde e serviços pessoais, como possíveis justificativas para o aumento dos preços no setor de serviços.

Por fim, Modenesi e Ferrari-Filho (2011) afirmam que a inflação brasileira é explicada, em grande medida, por dois componentes: a inércia e as pressões de custos. O fato de parcela significativa dos bens e serviços existentes na cesta de consumo se encontrar, mesmo que parcialmente, atrelados a índices de inflações passadas, confere como um importante componente inercial, que repercute em um processo de auto alimentação inflacionária

4.4. IGP

O Índice Geral de Preços (IGP) foi concebido no final dos anos de 1940 para ser uma medida abrangente do movimento de preços, ou seja, um índice que englobasse não apenas diferentes atividades como também etapas distintas do processo produtivo. Esse índice desempenha, basicamente, três funções: primeiramente, é um indicador macroeconômico que representa a evolução do nível de preços. Uma segunda função é a de deflator de valores nominais de abrangência compatível com sua composição, como a receita tributária ou o consumo intermediário no âmbito das contas nacionais. Em terceiro lugar, é usado como referência para a correção de preços e valores contratuais.

Calculado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), trata-se de uma média aritmética ponderada de três outros índices de preços, cujos pesos de cada um dos índices componentes correspondem a parcelas da despesa interna bruta, calculadas com base nas Contas Nacionais – resultando na seguinte distribuição: Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA), 60%; Índice de Preços ao Consumidor (IPC), 30% e Índice Nacional de Custo da Construção (INCC), 10%.

A escolha pela análise do IGP se deve ao fato de este índice ser fortemente influenciado pelas variáveis externas em questão – taxa de câmbio e preços externos –, já que o Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA), que responde por 60% de sua composição, apresenta forte sensibilidade ao câmbio, pois os produtos importados fazem parte de sua formação.

O gráfico 7 mostra a comportamento do IGP-M entre 1999 e 2016, que oscilou significativamente, com ascensões verificadas nos anos: 1999, 2002, 2004, comportamento crescente de 2006 a 2008, 2010, 2012 e 2015.

Gráfico 7. IGP-M entre os anos de 1999 e 2016

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1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

2006

2007

2008

2009

2010

2011

2012

2013

2014

2015

2016

-0.050

0.000

0.050

0.100

0.150

0.200

0.250

0.300

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do IBRE/FGV

A adoção do câmbio flutuante, em janeiro de 1999, resultou na desvalorização do real frente ao dólar, justificada pela incerteza quanto à mudança do regime cambial. Esse acontecimento contribuiu significativamente para o aumento dos preços, no mesmo ano, uma vez que, o câmbio afeta a inflação diretamente por meio das mudanças nos preços dos serviços e bens transacionáveis com o exterior e indiretamente devido a utilização de insumos importados na produção doméstica de bens e serviços, bem como na substituição de bens domésticos por similares importados. A taxa de câmbio estabilizou-se ainda no mesmo ano, porém tal cenário fundamenta a ideia da forte influência que o câmbio passou a ter na formação de preços nacionais.

O ano de 2002 se destaca por ter apresentado a maior alta, não só no período proposto por essa análise, mas desde a criação do Plano Real, quando as maiores inflações anuais constatadas pelo IGP-M foram em 1999, ano da desvalorização do Real, e em 1994, ano de implantação da moeda. O aumento do índice foi verificado principalmente no segundo semestre, devido a uma influência mais intensa do câmbio. A alta dos preços verificada, no segundo semestre, foi justificada pela incerteza da política econômica que viria a ser adotada pelo presidente eleito em outubro, Luiz Inácio Lula da Silva. Tal desconfiança resultou novamente na depreciação do real, que só veio a ser contida após a adoção de políticas econômicas mais conservadoras, superando o risco e a desconfiança dos investidores e voltando a atrair dólares para o país, o que contribuiu para apreciar o real.

Em 2004, o IGP-M encerrou o ano com alta acumulada de 12,41%. O Índice de Preço por Atacado (IPA) foi o que mais pressionou a inflação nesse ano, encerrando o ano com alta acumulada de 15,09%, devido os reajustes dos bens intermediários, que atingiram 26,47% em 2004. Outro componente do IPA que registrou inflação de dois dígitos foram os bens finais, que subiram 12,14%. Já as matérias-primas brutas ficaram apenas 1,30% mais caras. O Índice Nacional de Custo da Construção (INCC) foi outro indicador que pressionou a inflação neste mesmo ano, com alta acumulada de 10,94% e o que mais pesou nessa conta foi o aumento de 15,33% dos materiais de construção e dos serviços. Houve também um aumento da mão-de-obra, que subiu 6,16%. O Índice de Preços ao Consumidor (IPC) foi o que menos pressionou o IGP-M neste ano, com uma inflação acumulada de 6,20%. Entre os itens que compõem o IPC, o que mais pesou foi o transporte, cujo aumento no ano foi de 8,41%. Em seguida, vieram despesas diversas (6,91%), e educação, leitura e recreação (6,85%). A alimentação e a habitação acumularam altas de 5,73% e 5,77%, respectivamente.

Em 2007, o cenário continuou desfavorável para o Brasil, por causa do início da crise americana que fez surgir uma aversão internacional ao risco, resultando na redução de investimentos na economia. Houve uma forte aceleração nos preços dos grãos no atacado. Entre os destaques estão altas em commodities importantes como soja (6,19%), milho (10,99%), arroz beneficiado (11,97%) e arroz em casca (5,81%).

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Em 2010, o real continuava apreciado, pois a conjuntura internacional permanecia refém da crise americana e a taxa Selic teve um aumento, atraindo investimentos para o país. O IGP-M nesse ano foi pressionado por uma forte aceleração da alta dos custos no atacado. Os itens que apresentaram maior peso nesse resultado foram o minério de ferro, a cana de açúcar, leite in natura, soja em grão e ferro gusa.

Em meados de 2012, a crise financeira mundial resultou em uma mudança no comportamento dos investidores, que optaram por fugir do risco existente nos mercados dos países emergentes e procuraram ativos mais seguros, como o dólar, resultando por fim em uma desvalorização do real frente a moeda norte-americana. Nesse momento, o aumento da soja e o reajuste dos combustíveis foram os fatores que mais influenciaram o resultado do IGP-M no ano. Por se tratar de itens que afetam toda uma cadeia produtiva, a influência exercida por eles nos preços é bem significativa. Mais da metade do IPA, 60%, foi só do aumento no complexo soja. Os combustíveis, a gasolina e o diesel, foram reajustados pela Petrobras no mês de junho, o que contribuiu com 0,23% para a inflação no atacado, o equivalente a 16% da taxa do IPA-M.

O IGP-M cresce novamente, em 2015. Esse crescimento decorreu do encarecimento de matérias-primas brutas (destaque para a soja em grão, aves e milho em grão) que pressionou os produtos no atacado, elevando a inflação. A alta do dólar pressionou os custos, principalmente dos agricultores, que utilizam produtos cotados em dólar e repassam esse aumento para os preços. O aumento dos preços dos combustíveis e da energia elétrica também foram fatores que contribuíram para a alta do IGP-M em 2015.

Condizendo com estudos empíricos nessa temática, alguns deles supracitados nessa pesquisa, percebe-se que as elevações do Índice Geral de Preços foram simultaneamente decorrentes de elevações na taxa de câmbio. A depreciação do real frente ao dólar resulta em um aumento no nível de preços com uma magnitude maior do que em situações de apreciação (PIMENTEL et al., 2013).

4.5. IPCA e IGP

Feita a análise do IGP e do IPCA, é necessário discutir a influência que o primeiro exerce sobre o segundo. Como foi visto, o IPCA possui itens, cujos preços são administrados por contratos e cujas tarifas são corrigidas pelo IGP. O gráfico 8 deixa claro que o IGP é mais influenciado pela taxa de câmbio do que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo. Isso ocorre, porque, como visto, o IPA capta a evolução dos preços dos insumos importados e o mesmo possui maior peso no IGP, 60%.

Assim sendo, verifica-se que a taxa de câmbio exerce influência no IPCA de forma direta, ao afetar o comportamento do preço dos bens e serviços que entram na composição desse índice; e indireta, ao utilizar insumos importados pelos setores da economia.

Gráfico 8. IGP-M, IPCA e Taxa de Câmbio entre os anos de 1999 e 2016

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1999

2001

2003

2005

2007

2009

2011

2013

2015

-0.50

0.51

1.52

2.53

3.54

4.5

IGP-M IPCA Taxa de CâmbioFonte: Elaboração própria a partir de dados do BCB.

Pimentel et al. (2013) destaca que o repasse cambial da taxa de câmbio para a inflação no Brasil no período após a liberalização do câmbio e adoção do regime de metas de inflação é assimétrica, onde os impactos de depreciações são transmitidos em maior magnitude aos preços do que de apreciações. Esse comportamento implica que a volatilidade da taxa de câmbio tende a ter um impacto positivo sobre os preços ao consumidor. Devido a sensibilidade existente do IGP a taxa de câmbio, e a relação do IPCA com o IGP por meio dos itens indexados, o câmbio consiste em uma importante variável de transmissão dos impulsos inflacionários para o índice de preços nacional.

5. CONCLUSÕES

A ampliação do grau de abertura comercial e financeira, verificada a partir da década de 1990, tornou a dinâmica econômica dos países mais dependente da conjuntura internacional. Como foi discutido, a economia brasileira experimentou uma série de mudanças macroeconômicas e institucionais que tornaram a capacidade de crescimento econômico, as taxas de juros básica (Selic) e de câmbio e a inflação muito mais dependentes do cenário externo. Variáveis como taxa de juros e preços externos, se mostraram fundamentais para a explicação da dinâmica inflacionária na economia brasileira entre 2001 e 2015, confirmando a existência de inflação importada para os preços domésticos.

Feita a análise dos grupos do IPCA, verificou-se que um quarto desse índice é composto por itens com preços administrados por contratos, cujas tarifas são corrigidas pelo IGP que, por sua vez, é fortemente influenciado pelas variáveis externas em questão, fazendo do câmbio uma importante variável de transmissão dos impulsos inflacionários para o índice de preços nacional.

Com a adoção do Regime de Metas de Inflação em 1999, a taxa de juros de curto prazo (Selic) configura-se como principal instrumento de ação sobre a inflação brasileira. No RMI, a taxa de juros atua sobre a inflação através da demanda agregada e também da taxa de câmbio – neste caso, com efeitos mais diretos sobre os custos de produção. No entanto, dada a ampliação do grau de abertura econômica, a eficácia do regime é comprometida na medida em que seu efeito sobre o câmbio é indireto e incerto, já que essa variável depende também de fatores externos; e seu efeito colateral negativo para o crescimento econômico pode ser um custo muito alto para o país, como evidenciaram Araújo e Modenesi (2009), o que, por sua vez, pode limitar o uso da taxa de juros nas fases de fraco dinamismo econômico.

Tendo em vista que o caráter da inflação brasileira não é de demanda, um aumento na taxa de juros não resulta em impactos significativos na contenção do aumento dos preços, Oreiro et al. (2009) demonstram que a taxa Selic tem impacto reduzido sobre o IPCA o que implica em uma elevada “dose de juros” para reduzir a demanda agregada e impactar a inflação. A elevação da taxa de juros por sua vez favorece a aplicação financeira em detrimento da produtiva, gera

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efeitos indesejáveis sobre o nível de emprego e renda, tem impacto negativo sobre o investimento, sobre o consumo e sobre as contas públicas (VILAÇA, 2015).

A existência de uma série de trabalhos empíricos (vide seção 4.1), que mostram a baixa resposta da inflação brasileira aos condicionantes domésticos e a gama de outros fatores que a taxa de câmbio depende, dificultando o seu controle, são evidências que sugerem que o Regime de Metas de Inflação não se constitui na política de controle inflacionário mais adequada para o contexto brasileiro, contexto esse que ainda apresenta um considerável grau de inércia que dificulta a capacidade de atuação da autoridade monetária.

A ampliação do grau de abertura econômica trouxe, portanto, um efeito colateral para a inflação, na medida em que modificou, estruturalmente, a formação de preços das economias reduzindo a autonomia dos Bancos Centrais na execução e cumprimento da tarefa de manter estáveis os preços domésticos. Torna-se, portanto, necessário adotar uma política de controle da inflação com instrumentos capazes de lidar, também, com a volatilidade da taxa de câmbio, via controle do fluxo de capital, contemplando as modificações verificadas na economia mundial e buscando alternativas que contemplem a real configuração da inflação brasileira.

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