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305 Rev.Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.40, n.70 (supl. esp.), p.305-358, jul./dez.2004 1 - RELATÓRIO Inicialmente, cumpre relatar que a Autora ajuizou Ação Cautelar em face da União Federal (Processo n. 00168- 2005-002-03-00-4), com pedido de concessão de liminar, inaudita altera pars, solicitando a suspensão da exigibilidade da multa administrativa que lhe foi aplicada pela DRT, bem como das conseqüências daí advindas, tendo sido concedida a liminar postulada às f. 32/ 34, mediante caução através de carta de fiança bancária (f. 39/40), com determinação de suspensão da cobrança judicial da multa aplicada, de não inclusão da Requerente no CADIN e de não inscrição desta na Dívida Ativa da União, a qual foi mantida (f. 1292), restando determinado o apensamento da ação cautelar aos presentes autos para andamento em conjunto, nos termos do art. 809 do CPC. Posteriormente, a TELEMAR NORTE LESTE S.A., qualificada na inicial, ajuizou a presente ação declaratória de invalidação de ato administrativo em face da UNIÃO FEDERAL, dizendo, em síntese, que a decisão administrativa proferida pela Chefe da Seção de Multas e Recursos da DRT julgou subsistente o auto de infração expedido pela DRT, através do qual lhe foi injustamente imposta multa diante do entendimento de que os 5.318 empregados de empresas que lhe prestam serviços são seus empregados, estando tipificada a infração prevista no art. 41 da CLT. Sustentou que o auto de infração está eivado de vícios materiais e formais, além de ter sido viciado o julgamento da defesa administrativa apresentada, eis que foi obstada de produzir provas, diante da negativa da autoridade administrativa em marcar audiência para produção de provas, não obstante o auto de infração versar sobre matéria fáctica, não tendo sido observado o contraditório e a ampla defesa. Argumentou que a existência ou não de relação de emprego não é matéria exclusivamente de direito, não podendo ter havido julgamento administrativo sem a concessão de oportunidade para produção de provas. Alegou que a declaração de existência ou não de relação de emprego compete à Justiça do Trabalho, sendo que, somente quando existe relação empregatícia, há obrigação de anotar a CTPS, o que leva à invalidação do julgamento administrativo, com a conseqüente inexigibilidade da multa aplicada. Asseverou que o julgamento do processo administrativo e a imposição de multa são competência exclusiva do Delegado Regional do Trabalho, não podendo ser objeto de delegação. Alegou que o processo administrativo que lhe aplicou a multa é ATA DE AUDIÊNCIA - PROCESSO N. 00329-2005-002-03-00-0 Data: 05.07.2005 DECISÃO DA 2ª VARA DO TRABALHO DE BELO HORIZONTE - MG Juíza Presidente: Drª GISELE DE CÁSSIA VIEIRA DIAS MACEDO Aos cinco dias do mês de julho de 2005, às 15h59min, na 2ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte-MG, sob a titularidade da Meritíssima Juíza do Trabalho Drª GISELE DE CÁSSIA VIEIRA DIAS MACEDO, realizou-se a audiência de JULGAMENTO da AÇÃO DECLARATÓRIA DE INVALIDAÇÃO DE ATO ADMINISTRATIVO ajuizada por TELEMAR NORTE LESTE S.A. em face de UNIÃO FEDERAL, relativa à multa que lhe foi imposta pela DRT. Apregoadas as partes. Ausentes. Passa-se a decidir:

ATA DE AUDIÊNCIA - PROCESSO N. 00329-2005-002-03-00-0 1 - … · 2016-07-06 · ATA DE AUDIÊNCIA - PROCESSO N. 00329-2005-002-03-00-0 Data: 05.07.2005 DECISÃO DA 2ª VARA DO TRABALHO

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Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.40, n.70 (supl. esp.), p.305-358, jul./dez.2004

1 - RELATÓRIO

Inicialmente, cumpre relatar quea Autora ajuizou Ação Cautelar em faceda União Federal (Processo n. 00168-2005-002-03-00-4), com pedido deconcessão de liminar, inaudita altera

pars, solicitando a suspensão daexigibilidade da multa administrativa quelhe foi aplicada pela DRT, bem como dasconseqüências daí advindas, tendo sidoconcedida a liminar postulada às f. 32/34, mediante caução através de cartade fiança bancária (f. 39/40), comdeterminação de suspensão dacobrança judicial da multa aplicada, denão inclusão da Requerente no CADINe de não inscrição desta na Dívida Ativada União, a qual foi mantida (f. 1292),restando determinado o apensamentoda ação cautelar aos presentes autospara andamento em conjunto, nostermos do art. 809 do CPC.

Posteriormente, a TELEMARNORTE LESTE S.A., qualificada na inicial,ajuizou a presente ação declaratória deinvalidação de ato administrativo em faceda UNIÃO FEDERAL, dizendo, emsíntese, que a decisão administrativaproferida pela Chefe da Seção de Multase Recursos da DRT julgou subsistente oauto de infração expedido pela DRT,através do qual lhe foi injustamenteimposta multa diante do entendimento de

que os 5.318 empregados de empresasque lhe prestam serviços são seusempregados, estando tipificada a infraçãoprevista no art. 41 da CLT. Sustentou queo auto de infração está eivado de víciosmateriais e formais, além de ter sidoviciado o julgamento da defesaadministrativa apresentada, eis que foiobstada de produzir provas, diante danegativa da autoridade administrativa emmarcar audiência para produção deprovas, não obstante o auto de infraçãoversar sobre matéria fáctica, não tendosido observado o contraditório e a ampladefesa. Argumentou que a existência ounão de relação de emprego não é matériaexclusivamente de direito, não podendoter havido julgamento administrativo sema concessão de oportunidade paraprodução de provas. Alegou que adeclaração de existência ou não derelação de emprego compete à Justiçado Trabalho, sendo que, somente quandoexiste relação empregatícia, há obrigaçãode anotar a CTPS, o que leva àinvalidação do julgamento administrativo,com a conseqüente inexigibilidade damulta aplicada. Asseverou que ojulgamento do processo administrativo ea imposição de multa são competênciaexclusiva do Delegado Regional doTrabalho, não podendo ser objeto dedelegação. Alegou que o processoadministrativo que lhe aplicou a multa é

ATA DE AUDIÊNCIA - PROCESSO N. 00329-2005-002-03-00-0Data: 05.07.2005DECISÃO DA 2ª VARA DO TRABALHO DE BELO HORIZONTE - MGJuíza Presidente: Drª GISELE DE CÁSSIA VIEIRA DIAS MACEDO

Aos cinco dias do mês de julho de 2005, às 15h59min, na 2ª Vara do Trabalhode Belo Horizonte-MG, sob a titularidade da Meritíssima Juíza do Trabalho DrªGISELE DE CÁSSIA VIEIRA DIAS MACEDO, realizou-se a audiência deJULGAMENTO da AÇÃO DECLARATÓRIA DE INVALIDAÇÃO DE ATOADMINISTRATIVO ajuizada por TELEMAR NORTE LESTE S.A. em face de UNIÃOFEDERAL, relativa à multa que lhe foi imposta pela DRT.

Apregoadas as partes. Ausentes. Passa-se a decidir:

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inválido, eis que foi regulado por Portariasdo Ministério do Trabalho, as quais sãoinconstitucionais e ilegais. Aduziu que aDRT insiste em lavrar o mesmo auto deinfração anteriormente lavrado com baseno art. 41 da CLT, apesar de terem sidodesconstituídas as multas anteriormenteaplicadas quando da análise dojulgamento administrativo pelo Judiciário.Teceu comentários sobre a legalidade daterceirização, sustentando que oEnunciado n. 331 do TST, que só admitea terceirização em atividade-meio e nãoem atividade-fim, não parece estar emcompasso com a doutrina mais recente arespeito da matéria, tampouco com osreclames da realidade trabalhista.Afirmouque todos os 5.318 trabalhadoresmencionados no auto de infração010376518 foram recrutados,assalariados, subordinados pelosrespectivos empregadores, sendo lícitaa terceirização de atividade-meio, nãohavendo vínculo empregatício com atomadora de serviços, sendo inexigívela anotação de tais pessoas em seusregistros, e, portanto, inexistentequalquer infração, devendo sercancelado o respectivo auto cujonúmero é apontado na inicial.

Postulou o pagamento dehonorários advocatícios.

Atribuiu à causa o valor deR$4.281.309,08.

Apresentou documentos (f. 27/81),procuração (f. 82/83) e substabelecimento(f. 84).

Conciliação recusada.A União defendeu-se (f. 92/116),

sustentando a legalidade da multaaplicada, em face do desrespeito ao art.41 da CLT. Argumentou que não existiuvício no procedimento de autuação,tampouco ocorreu ilegalidade nojulgamento administrativo pelo Chefe daSeção de Multas e Recursos da DRT/MG,cuja competência para imposição de

multas decorrentes de infração às leis dotrabalho lhe foi atribuída pela Portaria dedelegação 65, de 01.04.1998, nos termosdo art. 634 da CLT, não se tratando decompetência exclusiva conforme alegadopela Autora. Asseverou que não háilegalidade no indeferimento de produçãode provas pela Autora, tendo em vista odisposto no art. 25 da Portaria n. 148/96,bem como não é ilegal a autuação fiscalque concluiu pela existência de vínculoempregatício entre a Autora e seusprestadores de serviço. No mérito, disseque o auto de infração foi lavrado combase na verificação física realizadapelos Fiscais durante as vistorias, osquais concluíram pela existência devínculo empregatício entre a Autora eos trabalhadores terceirizados, aoconstatarem no local da prestação dotrabalho a presença dos elementoscaracterizadores da relação de emprego,restando evidenciada a fraude perpetradapela empresa. Afirmou que a fiscalizaçãoapurou que a terceirização realizadapela Autora ocorreu em atividade-fim ouem atividade-meio, sendo que nestaúltima havia subordinação epessoalidade dos prestadores deserviço à tomadora, havendo violaçãoao disposto no Enunciado n. 331 do TST.Requereu a improcedência do pedido,com a confirmação do auto de infraçãolavrado pela DRT e a conseqüentecassação da liminar deferida.

Juntou documentos (f. 117/127)e preposição (f. 128).

A Autora manifestou-se sobre adefesa às f. 136/153.

Na audiência do dia 19.05.2005(ata de f. 157/159), foram ouvidas trêstestemunhas.

A Autora juntou documento de f.160/161.

Parecer do Ministério Público doTrabalho às f. 162/192, comdocumentos (f. 193/198 e 201/278).

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Na audiência do dia 08.06.2005(ata de f. 279), encerrou-se a instrução,ante a inexistência de outras provas aserem produzidas.

Razões finais orais pela Autora,que juntou memorial escrito e cópia deuma jurisprudência (f. 280/294).

Proposta final de conciliaçãoprejudicada.

É o relatório.

2- FUNDAMENTOS

2.1 - Protestos

Irrelevantes são os protestoslevados a efeito pela União Federal naaudiência do dia 19.05.2005 (ata de f.157/159) no que diz respeito aodeferimento de juntada pela TELEMARde cópia de uma decisão favorável a elaem outro processo. Isto porque esteJuízo assim procedeu com o objetivo deevitar o cerceamento de produção deprova pela Autora, além do que a provadocumental não estava preclusa.Ademais, o documento juntado éapenas uma cópia de jurisprudência quepode ser obtida pelo Juízo de váriasmaneiras, não tendo a Réexperimentado quaisquer prejuízos.

Frise-se, por oportuno, que oJuízo tem ampla liberdade na conduçãodo processo, podendo deferir asdiligências que julgar necessárias aodeslinde das questões trazidas ao seuconhecimento bem como indeferiraquelas diligências inúteis ou totalmenteprotelatórias (art. 130 do CPC, c/c art.765 da CLT).

2.2 - Auto de infração - Multaimposta à autora

A DRT autuou a Autora (auto deinfração 010376518 lavrado em11.06.2004), impondo-lhe o pagamento

de multa pelo descumprimento dodisposto no art. 41, caput, da CLT, dianteda constatação de irregularidades naempresa, consistentes na manutençãode empregados trabalhando sem odevido registro em sistema manual oueletrônico, sendo apurada a contrataçãoilícita de trabalhadores por intermédiode empresas interpostas, estandopresentes os pressupostos da relaçãode emprego, quais sejam,subordinação, onerosidade, não-eventualidade e pessoalidade, tendosido a convicção formada com base naverificação física, livros e registros deempregados das prestadoras deserviços, registro magnético da empresaautuada e contratos de prestação deserviços.

Com razão a DRT, eis que apenalidade foi bem aplicada, nãohavendo que se cogitar da nulidade damulta administrativa imposta à Autora.

Primeiramente, não há que sefalar em nulidade do julgamentoadministrativo, tampouco eminexigibilidade da multa aplicada emface do suposto cerceamento de defesaquando do julgamento do processoadministrativo. É que o art. 632 da CLTfaculta e não obriga o deferimento dopedido de produção de provas pelaAutuada, sendo que a matéria fática quea Autora pretendia provar comtestemunhas já se encontravacomprovada pelos documentosintegrantes do auto de infração expedidopela DRT, tendo os Auditores Fiscais doTrabalho ouvido aproximadamente 60%dos empregados que prestavamserviços no momento da fiscalização,consoante informações prestadas norelatório de fiscalização de f. 81/107 dosautos da Ação Cautelar em apenso, oque justifica a conclusão da autoridadeadministrativa competente no sentido deser desnecessária a prova oral

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requerida para formação do seuconvencimento (vide f. 27/35).

Também o art. 25 da Portaria148/96 (f. 117/127) prevê a faculdadedo Delegado Regional do Trabalho dedeterminar a realização de diligênciasnecessárias à apuração dos fatos,inclusive audiência de testemunhas,indeferindo aquelas que considerarprocrastinatórias (vide f. 124).

Ademais, ainda que assim nãofosse, tal alegação encontra-se agorasuperada com a oitiva das testemunhasque a Autora pretendia ouvir, as quaisforam ouvidas por este Juízo, conformeata de audiência de f. 157/159.

No que diz respeito à alegadainvalidação do julgamentoadministrativo, com a conseqüenteinexigibilidade da multa aplicada, aoargumento de que a declaração deexistência ou não de relação deemprego compete à Justiça do Trabalho,melhor sorte não assiste à Autora, hajavista que a fiscalização do trabalho visa,administrativamente, o cumprimento dalegislação trabalhista, cabendo aosFiscais do Trabalho, no exercício desuas funções, verificar o fielcumprimento das normas de proteçãoao trabalho (art. 626 da CLT), autuandoas empresas e aplicando multasadministrativas quando constatado odescumprimento dessas normas, o quenão invade a competência desta JustiçaEspecializada.

Note que a lavratura do auto deinfração pelo descumprimento dodisposto no art. 41, caput, da CLT nãoimporta por si só declaração de vínculode emprego dos trabalhadores alimencionados e que prestam serviços àAutora, mas tão-somente a aplicação desanção à empresa por afronta àlegislação trabalhista vigente, cabendoaos interessados (quer sejam ostrabalhadores ou os representantes da

categoria, dentre outros) ajuizar açãoprópria postulando o reconhecimento dovínculo empregatício, se for o caso.

Frise-se, ainda, que a aplicaçãoda multa administrativa pelainobservância do disposto no art. 41 daCLT também não depende dedeclaração prévia desta Justiça doTrabalho acerca da existência ou nãode vínculo empregatício, possuindo osFiscais do Trabalho poderes para apurara presença dos pressupostos fáctico-jurídicos da relação de emprego, sendoque a conclusão dos mesmos nãodefine nem faz coisa julgada acerca deum possível litígio entre empregado eempregador. Tampouco, a competênciadesta Justiça Especializada exclui afunção das autoridades que exercem afiscalização do cumprimento dasnormas de proteção ao trabalho, comopretende fazer crer a Autora. Ora, oexercício do Poder de Polícia pelasDelegacias Regionais do Trabalho,fiscalizando o cumprimento dalegislação trabalhista, decorre deimposição legal, não se tratando demera faculdade a elas atribuída,cabendo ao Fiscal do Trabalho analisara realidade fática em face doordenamento jurídico, a fim de verificaro fiel cumprimento da legislação vigente.

Veja que tais alegações por partedas empresas fiscalizadas já seencontram há muito tempo superadaspela jurisprudência consolidada daJustiça Federal, que até 31.12.2004 eracompetente para julgar tais feitos, senãovejamos:

FISCALIZAÇÃO DO TRABALHO.REGISTRO DE EMPREGADOS.MULTA POR INFRINGÊNCIAAOART. 41 DA CLT. PRESUNÇÃO.DESNECESSIDADE DE PRÉVIADECLARAÇÃO DE RELAÇÃODE EMPREGO PELA JUSTIÇA

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DO TRABALHO. 1 - A aplicaçãode multa pecuniária pela falta deregistro de empregados nãodepende de prévia declaração daexistência de relação de empregopela Justiça do Trabalho, pois ovínculo empregatício, em tal caso,pode ser simplesmentepressuposto pelos fiscais dotrabalho. Decidindo sobre aexistência, ou não, de relação deemprego, a autoridadeadministrativa não estaráresolvendo nenhuma lide entreempregado e patrão, massimplesmente examinando osuposto fático da multa. [...]. 4 -Apelação provida.(AC 1999.04.01121759-1/PR,Rel. Juiz Zuudi Sakakihara, dt.Jtl.: 31.10.2000, DJU 03.01.2001,p. 165)

Também não prospera a tese daempresa de nulidade do julgamentoproferido pela Chefe da Seção de Multase Recursos, ao argumento de que ojulgamento do processo administrativoe a imposição de multa são competênciaexclusiva do Delegado Regional doTrabalho, não podendo ser objeto dedelegação. Observe que o art. 634 daCLT prevê, na falta de disposiçãoespecial, a possibilidade de imposiçãode multas por autoridades regionaiscompetentes em matéria de trabalho,ficando claro que outros agentesadministrativos, por disposição especial,além do Delegado Regional doTrabalho, podem exercer a atribuição deaplicação de multas em caso dedescumprimento das normas deproteção ao trabalho, mormente em seconsiderando a existência da Portarian. 65 de 01.04.1998 (f. 77 dos autos daAção Cautelar em apenso), na qual oDelegado Regional do Trabalho em

Minas Gerais delegou a competênciaem análise para o Chefe da Seção deMultas e Recursos, não se tratando,portanto, de competência exclusiva eindelegável do Delegado Regional doTrabalho.

Improcede também a alegaçãoda Autora de invalidade do processoadministrativo que lhe aplicou a multapor infração a dispositivo celetista, eisque foi regulado por Portarias doMinistério do Trabalho, as quais seriaminconstitucionais e ilegais. Ora, a própriaCLT possui um título regulando oprocesso de multas administrativas,dentro do qual se encontra o capítulo Ireferente à fiscalização, à autuação e àimposição de multas pelas autoridadescompetentes do Ministério do Trabalhoe Emprego ou por aqueles que exerçamfunções delegadas (arts. 626 a 642 daCLT), sendo oportuno salientar que asPortarias do Ministério do Trabalho nãoestipulam obrigações de fazer, nãoestando inseridas no Poder Normativo,detalhando apenas como deverá sercumprido o que já restou determinadopor lei, estando inseridas no PoderRegulamentar da AutoridadeAdministrativa.

Quanto ao descumprimento dodisposto no art. 41, caput, da CLT, aextensa documentação de f. 78/1278,integrante do Auto de Infração lavradopela DRT/MG, constante dos autos daAção Cautelar em apenso, demonstraa contratação irregular de mão-de-obraterceirizada, por empresas interpostas,em atividade-fim da empresa-Autora,além de demonstrar existirsubordinação direta e pessoalidade naprestação dos serviços terceirizados ematividade-meio, havendo afronta aodisposto na Súmula 331 do TST.Observe que, em se tratando deterceirização ilícita, praticada ematividade-fim ou atividade-meio com

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subordinação e pessoalidade naprestação de serviços, caso dos autos,forma-se o vínculo empregatíciodiretamente com a tomadora deserviços, o que impõe à Autora aobrigatoriedade de manter o registro deque trata o art. 41 da CLT.

Veja, ainda, que a Autora nãonegou em momento algum a existênciada terceirização em sua atividade-fim,o que é um dos fundamentos daautuação, l imitando-se a tecercomentários sobre a legalidade de talterceirização e sustentando inclusiveque o Enunciado n. 331 do TST, que sóadmite a terceirização em atividade-meio e não em atividade-fim, não estáem compasso com a doutrina maisrecente a respeito da matéria, tampoucocom os reclames da realidadetrabalhista atual. Afinal, afirmousomente que todos os 5.318trabalhadores mencionados no auto deinfração 010376518 foram recrutados,assalariados e subordinados pelosrespectivos empregadores, alegaçãoesta que não está em conformidade coma extensa apuração realizada pelosAuditores Fiscais.

Ademais, consoante EstatutoSocial de f. 1113/1126 dos autos daAção Cautelar em apenso, a atividade-fim da Autora é a exploração de serviçosde telecomunicações e atividadesnecessárias ou úteis à execução dessesserviços, na conformidade dasconcessões, autorizações e permissõesque lhe forem outorgadas (vide art. 2º àf. 1113), sendo que os contratos deterceirização mencionados no auto deinfração lavrado pela DRT econsiderados ilícitos pela fiscalização dotrabalho objetivaram, a título deexemplificação, dentre outras atividadesessenciais da Autora, a realização deatividades de implantação emanutenção de rede de acesso de

telecomunicações ou a fiscalizaçãodessas atividades (vide itens 01 a 09às f. 84/85 dos autos da Ação Cautelarem apenso a título de amostragem), oque evidencia, de forma clara, aterceirização ilícita em atividade-fim daAutora.

Observe que o contrato celebradoentre a Autora e a BHTELECOM (f. 439/452 dos autos da Ação Cautelar emapenso) teve por objeto a prestação, pelacontratada, de serviços de telemarketing,através de centro de atendimentopróprio, participando do planejamento eimplementação de novas campanhas devenda e vendendo produtos e serviçosda contratante, conforme definição damesma, tratando-se, pois, deterceirização em atividade-fim da Autora,que é a venda dos seus produtos.

Outrossim, o teor dos contratosde terceirização celebrados pela Autora,e considerados ilícitos pelos Fiscais daDRT, corrobora a fraude das váriasrelações de emprego por elaperpetrada, eis que deixa clara ainterferência e o controle da tomadorade serviços TELEMAR (Autora) sobre osempregados ditos terceirizados.

Cite-se, a título deexemplificação, o contrato de f. 377/382e 385/394 dos autos da Ação Cautelarem apenso, celebrado entre aTELEMAR e a TECHFLASH, onde sepercebe a existência de cláusuladispondo que a proponenteTECHFLASH deverá afastar, porsolicitação da contratante TELEMAR ede forma imediata, qualquer empregadode seus quadros que não estiverematendendo às necessidades dosserviços objeto dessa especificação(item 4.4 à f. 386), além da exigênciada TELEMAR quanto ao número detrabalhadores (item 4.5.1 à f. 387) equanto à qualificação dos mesmos (item4.6 às f. 387/388).

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Também o contrato de prestaçãode serviços celebrado entre a Autora ea empresa ARV SERVIÇOS E RH LTDA.(f. 396/415 dos autos da Ação Cautelarem apenso) demonstra a terceirizaçãode atividade-fim da Autora, com ocontrole desta sobre a mão-de-obraterceirizada, eis que o objeto do contratoé a execução de serviços de consultoriatécnica, compreendendo atividades decontrole e manutenção dos centros detriagem de Belo Horizonte e Juiz deFora, para atendimento àsnecessidades de manutenção da plantade telecomunicações da TELEMAR(item 1.1 à f. 398 e 2 à f. 404), cabendoao triador, como atividades principais,a comunicação com o usuário, análiseda solicitação do mesmo, teste de linha,entrevista, orientação ao cliente acercado produto e serviço oferecido, dentreoutras (item 3 à f. 404). Note, ainda, quea TELEMAR estabelece o número deempregados a ser terceirizados e osbenefícios a ser pagos aos mesmos(itens 6 e 7 à f. 405), além de estipularque deverá ser proposto preço unitáriopara serviço extraordinário em regimede hora extra, sendo que as horas extrasdeverão, preferencialmente, sercompensadas, bem como que taisserviços extraordinários somente serãopagos se prévia e expressamenteautorizados pela TELEMAR (item 11.2às f. 406/407).

Cotejando os contratos detrabalho temporário celebrados entre aTELEMAR e as prestadoras de serviçoou entre estas e os trabalhadorestemporários, constantes do auto deinfração lavrado pela DRT, nota-se,também, que deles não constou sequero motivo da contratação de trabalhadortemporário, tal como disposto na Lei n.6.019/74 (vide f. 352/374 a título deamostragem), o que também não foimencionado na peça vestibular.

Por outro lado, o atoadministrativo (auto de infração lavradopela DRT) ora impugnado pela Autoragoza de presunção de veracidade,inexistindo nos autos prova inequívocaa afastar a legalidade do mesmo, ouseja, foi praticado por autoridadecompetente (sujeito), tem objeto, motivoe obedeceu à finalidade e à formaprevista para os atos administrativos.

Frise-se, aqui, que astestemunhas da Autora ouvidas nãomudaram o convencimento do Juízo arespeito da legalidade do auto de infração.

Diante de todo o exposto, porqualquer ângulo que se examine aquestão, verifica-se que os ilícitosconstatados pelos Auditores Fiscais daDRT estão devidamente fundamentadosno auto de infração por eles lavrado,tendo sido descrita de forma detalhadaa subordinação e a pessoalidade dosprestadores de serviços à tomadora deserviços TELEMAR, bem como a fraudeaos contratos de trabalho, o quetambém restou fartamente comprovadonos autos, não tendo a Autorademonstrado quaisquer irregularidadesna fiscalização e na autuação realizadapela DRT a ensejar a invalidação doauto de infração n. 010376518 ou dapenalidade aplicada, o que leva àimprocedência do pedido de anulaçãoda multa que lhe foi imposta, a qual ficaintegralmente mantida.

Destarte, aqui fica esclarecidoque a análise de todas as questõessupra envolvendo a validade do Auto deInfração n. 010376518 impede que aAutora TELEMAR NORTE LESTE S.A.possa novamente rediscuti-lo em outroprocesso judicial, como por exemplo,através de Embargos à Execução emAção de Executivo Fiscal prevista na Lein. 6.830/80.

Inclusive nesse sentido, é bomesclarecer aqui que a liminar de f. 32 dos

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autos em apenso foi deferida já com oobjetivo de conceder à Autora o direito dediscutir judicialmente a legalidade ou nãoda multa administrativamente a elaaplicada, o que efetivamente ocorreu,antes de ser executada e de sofrer asconseqüências daí advindas, tal comoinscrição do seu nome no CADIN/DívidaAtiva da União, restrição de crédito,proibição de participação em processoslicitatórios, dentre outros. E assim, umavez já discutida judicialmente a validadedo referido auto de infração, não poderáaAutora fazê-lo novamente em Embargosà Execução, normalmente interpostospor ocasião da Ação de Executivo Fiscalprevista na Lei n. 6.830/80.

Feitos tais esclarecimentos,REVOGO a liminar concedidainicialmente nos autos da Ação Cautelar(Processo n. 00168-2005-002-03-00-4),que foi apensada a este processoprincipal, passando a ser parteintegrante dele, inclusive para fins dedecisão em conjunto, salientando quea carta de fiança bancária de f. 39/40(ação cautelar em apenso) deverá aquipermanecer garantindo o valor principalda multa aplicada à Autora, devendo aUnião Federal inscrevê-la na dívida ativae apresentar os cálculos atualizados dovalor total devido, nos moldes previstospara atualização da dívida ativa daUnião, para a referida execução doprincipal e acessórios (juros e correçãomonetária) nestes próprios autos.

É importante aqui realçar que acarta de fiança bancária de f. 39/40 dosautos em apenso foi fornecida peloUNIBANCO - União de BancosBrasileiros S.A., no valor deR$4.281.309,08, por prazoindeterminado, porém, sem constarqualquer índice de atualizaçãomonetária, ou seja, garante apenas ovalor fixo nela mencionado. Via deconseqüência, de certa forma, a carta

de fiança bancária fornecida pela Autorainduziu esta Juíza em erro, pois, quandofoi deferida a liminar de f. 32/34, teve-se em mente que a caução bancáriagarantiria toda a dívida perante a UniãoFederal, nos termos do art. 38, caput,

da Lei n. 6.830/80, consoante o qual “Adiscussão judicial da Dívida Ativa daFazenda Pública só é admissível emexecução, na forma desta Lei, salvo ashipóteses de mandado de segurança,ação de repetição do indébito ou açãoanulatória do ato declarativo da dívida,esta precedida do depósito preparatóriodo valor do débito, monetariamentecorrigido e acrescido dos juros e multade mora e demais encargos.”

Logo, seria óbvio pressupor quea caução bancária a ser oferecidadeveria garantir integralmente o Juízo,ou seja, com o valor do principal maisos acessórios, que no caso são os jurose atualização monetária.

Veja o que diz a doutrina arespeito:

A fiança bancária,garantia cuja efetivação tambémnão depende da lavratura deauto ou termo de penhora, deveobedecer às condições fixadaspelo Conselho MonetárioNacional, em especial às normascontidas na Resolução 724/82,que dispõe:

“A fiança outorgada parafins de garantia de execução fiscaldeverá conter, necessária eexpressamente: a) cláusula desolidariedade, com renúncia aobenefício de ordem; e b)declaração de que a extensão dagarantia abrangerá o valor dadívida original, juros e demaisencargos exigíveis, inclusivecorreção monetária como indicadona Certidão da Dívida Ativa.”

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Com a revogação da Res.724/82 pela Res. 2.325, de30.10.1996, do ConselhoMonetário Nacional, o exame dasuficiência da garantia por fiançabancária ficou ao critério do juizda execução. Toca à Fazendaexeqüente ou ao juiz exigir aatualização do valor afiançado ea fixação do limite temporal devalidade da fiança prestada.

Há cartas de fiançaoutorgadas com prazosdeterminados, de um ou doisanos. No entanto, somente devemser aceitas as cartas de fiançaoutorgadas com validade até asolução final da execução fiscal.(BOTTESINI, Maury Ângelo et al.Lei de Execução Fiscal

comentada e anotada. SãoPaulo: Revista dos Tribunais,2000, p. 121/122)

Entretanto, só agora, parasentenciar, em uma análise maispercuciente dos autos, é que sepercebeu que a carta de fiança bancáriade f. 39/40 (ação cautelar em apenso)não garante integralmente o Juízo, masapenas parte do valor da execução. Teriasido diferente se esta Juíza tivessedeterminado, ao invés de fiançabancária, o depósito em dinheiro naCaixa Econômica Federal, sujeito àatualização segundo os índicesestabelecidos para os débitos tributáriosfederais, o que faria cessar a atualizaçãomonetária e os juros de mora da referidamulta, nos termos do art. 9º, inciso I, § 4ºc/c art. 32 da Lei n. 6.830/80. Todavia,como isso não ocorreu, e considerandoque a carta de fiança bancária nãoengloba as atualizações monetárias ejuros de mora previstos para os débitosfiscais, deverá em liquidação desentença apurar-se a diferença devida.

Nem se diga que tal decisãoimplicaria julgamento extra ou ultra

petita, uma vez que visa ela apenas daraplicação à parte final do art. 38 da Lein. 6.830/80, que não foi devidamenteobservada pela Autora.

Além do mais, a União Federal nãopode sofrer quaisquer prejuízos pelaatitude da Autora ao oferecer como cauçãocarta de fiança bancária sem inserir nelaos juros e correção monetária na formado citado art. 38 da Lei n. 6.830/80, o quesó agora foi percebido por este Juízo.

2.3 - Honorários advocatícios

Vencida a Autora na demanda,nos termos do art. 20 do CPC, deveráarcar com o pagamento dos honoráriosadvocatícios em favor da União Federal,no importe de 20% sobre o valor deR$4.281.309,08 arbitrado à causa nainicial, perfazendo um total deR$856.261,80, valor esse a ser atualizadoaté a data do efetivo pagamento.

Nesse sentido, é o art. 5º daResolução 126/2005 do Colendo TST.

2.4 - Litigância de má-fé

Indefere-se o requerimento doMinistério Público do Trabalho à f. 164 deaplicação da pena por litigância de má-féà Autora, uma vez que não verificadas ashipóteses previstas no art. 17 do CPC, atéo presente momento, haja vista que aUnião Federal juntou a cópia integral doauto de infração às f. 78/1278 da açãocautelar, em apenso, o que não prejudicouo exame completo do feito pelo Juízo.

3 - CONCLUSÃO

Pelos fundamentos expostos,julgo IMPROCEDENTES a AÇÃODECLARATÓRIA DE INVALIDAÇÃO DEATO ADMINISTRATIVO - AUTO DE

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INFRAÇÃO N. 010376518 e a AÇÃOCAUTELAR apensada a este processo,ajuizadas por TELEMAR NORTE LESTES.A. em face de UNIÃO FEDERAL,mantendo a multa administrativaimposta à Autora pela DRT através doAuto de Infração n. 010376518, ficandoesclarecido que a análise de todas asquestões supra envolvendo a validadedo Auto de Infração n. 010376518impede que a Autora TELEMAR NORTELESTE S.A. possa novamente rediscuti-lo em outro processo judicial, como porexemplo, através de Embargos àExecução na Ação de Executivo Fiscalprevista na Lei n. 6.830/80.

Aqui fica REVOGADA a liminarconcedida inicialmente nos autos daAção Cautelar (Processo n. 00168-2005-002-03-00-4), que foi apensada a esteprocesso principal, passando a ser parteintegrante dele, inclusive para fins dedecisão em conjunto, salientando que acarta de fiança bancária de f. 39/40 (açãocautelar em apenso) deverá aquipermanecer garantindo o valor principalda multa aplicada à Autora, devendo aUnião Federal inscrevê-la na dívida ativae apresentar os cálculos atualizados dovalor total devido, nos moldes previstospara atualização da dívida ativa da União,para a referida execução do principal eacessórios (juros e correção monetária)nestes próprios autos, bem como doshonorários advocatícios e custasdeferidos, tudo conforme se apurar emliquidação de sentença.

Na fase de execução, a Autoraserá intimada para quitar o débitointegral, sendo que, na hipótese de nãoo fazer, o Fiador Bancário (UNIBANCOS.A.) será intimado para colocar àdisposição do Juízo, no prazo de 48horas, o valor de R$4.281.309,08 porele afiançado (carta de fiança de f. 39/40 da ação cautelar em apenso).

Deverá a Secretaria da Varaoficiar, desde já, à Procuradoria daFazenda Nacional, dando-lhe ciência darevogação da liminar anteriormenteconcedida nos autos da Ação Cautelar00168-2005-002-03-00-4 em apenso,remetendo-lhe cópia da presentedecisão, para as providências cabíveis.

A fundamentação supra é parteintegrante deste dispositivo.

Custas de R$85.626,18, pelaAutora, calculadas sobre R$4.281.309,08,valor por ela atribuído à causa.

A Autora arcará, também, com opagamento dos honorários advocatíciosem favor da União Federal, no importede 20% sobre o valor de R$4.281.309,08arbitrado à causa na inicial, perfazendoum total de R$856.261,80, valor esse aser atualizado até a data do efetivopagamento.

Não há que se falar em remessaex officio dos autos ao Egrégio TRT, umavez que a presente decisão foi favorávelà União Federal.

Intimem-se as Partes, sendo aUnião Federal através de mandado comcópia da sentença.

Intime-se, ainda, o MinistérioPúblico do Trabalho, por mandado, comcópia da sentença, considerando aintervenção do mesmo aqui nesteprocesso como Fiscal da Lei, nostermos do inciso I do art. 83 do CPC.

Finalmente, aqui fica registradoque esta Juíza excedeu o prazo paraprolação desta sentença, tendo em vistase tratar de matéria envolvendo a novacompetência da Justiça do Trabalho(Emenda Constitucional n. 45/2004) econsiderando a complexidade do casoe o volume de material a ser analisado,tudo conforme o disposto no art. 187 doCPC c/c art. 769 da CLT.

Em seguida, encerrou-se aaudiência.

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RELATÓRIO

Ilário Aparecido Lacerda aforoudemanda em face de Cia. Energética deMinas Gerais - CEMIG, afirmando queno dia 29.09.1998 sofreu um acidentede trabalho quando, estando próximo àaltura do transformador elétrico, naiminência de uma queda, agarrou-seaos fios de alta tensão, o que resultouno choque termelétrico de que sevitimou. Assevera que, em decorrênciado acidente, seus membros superioresforam carbonizados e tiveram que seramputados. Alega que a omissão daReclamada em providenciar umcompanheiro de trabalho facilitou oagravamento das seqüelas advindas doacidente, tendo em vista a demora naprestação de socorro. Afirma tambémque a dor moral de que padece advémnão só da dor física suportada até oefetivo socorro, bem como da condiçãode inferioridade, já que ficou totalmenteimpossibilitado de suprir suas própriasnecessidades vitais básicas, semprerecorrendo ao auxílio de terceiro.Postula indenização por danos moraisem razão da permanente deformidadesofrida, bem como lucros cessantesatinentes aos ganhos que deixou dereceber em virtude de suaaposentadoria por invalidez. Juntoudocumentos e procuração, dando àcausa o valor de R$50.000,00.

Devidamente notificada, aReclamada se defendeu, argüindo,preliminarmente, a incompetência daJustiça do Trabalho para apreciar apresente demanda. No mérito, alegouque o Reclamante, na execução de suastarefas, desligou o circuito errado, nãotendo posteriormente testado aausência de tensão no circuito e que,se estivesse utilizando os equipamentosde segurança colocados a suadisposição, haveria um princípio decurto circuito, o que o levaria a recuarna execução da tarefa. Afirma que nãose pode falar em responsabilidade civilda Reclamada, porque não restoucaracterizada sua culpa pelo acidenteocorrido e, via de conseqüência,obrigação de indenizar. Requereu aimprocedência dos pedidos, juntandodocumentos e procuração.

Em decorrência dasmodificações de competência definidaspela EC n. 45/04, o MM. Juiz da 2ª VaraCível declinou da competência em favordesta Especializada, conformedespacho de f. 334.

Audiência inaugural à f. 339.Conciliação recusada.Impugnação do Reclamante às

f. 384/395.Laudo médico pericial às f. 184/199.Às f. 406/409, foi obtido o

depoimento pessoal do Reclamante eouvidas as testemunhas arroladas.

ATA DE AUDIÊNCIA - PROCESSO N. 00729-2005-049-03-00-9Data: 05.09.2005DECISÃO DA 1ª VARA DO TRABALHO DE BARBACENA - MGJuiz Presidente: Dr. MÁRCIO TOLEDO GONÇALVES

Aos 05 de Setembro de 2005, às 17h01min, a 1ª Vara do Trabalho deBarbacena, sob a titularidade do MM. Juiz do Trabalho, DR. MÁRCIO TOLEDOGONÇALVES, procedeu ao JULGAMENTO da Reclamação Trabalhista ajuizadapor Ilário Aparecido Lacerda em face de Cia. Energética de Minas Gerais - CEMIG.

Aberta a audiência, foram apregoadas as partes, ausentes.Em seguida, proferiu o Juízo a seguinte sentença:

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Sem outras provas a seremproduzidas, encerrou-se a instruçãoprocessual.

Razões finais orais.Rejeitada nova proposta

conciliatória.É o breve relatório.DECIDE-SE

FUNDAMENTOS

Incompetência em razão damatéria

Argüiu a Reclamada aincompetência da Justiça do Trabalhoem razão da matéria, ao argumento deque o STF, em face da EC n. 45/04,decidiu que a competência, em casosde pedidos de indenização de danosmorais decorrentes de acidente dotrabalho, é da Justiça Estadual.

Todavia, razão não lhe assiste.O que determina a competência

material típica da Justiça do Trabalho,nos termos do art. 114 da CR, é anatureza do conflito que lhe tenha sidosubmetido: se este decorrer da relaçãode trabalho, a competência será destaJustiça Especializada, poucoimportando que, para sua solução, sejanecessário o enfrentamento dequestões que sejam disciplinadas porpreceitos de outros ramos do Direito,sejam eles civis, comerciais,previdenciários, penais ou tributários.

Se o Reclamante alega que, naqualidade de empregado e no âmbito deseu contrato de trabalho, sofreu danomoral causado por seu empregador epleiteia a indenização correspondente,está configurado dissídio decorrente darelação de trabalho, ainda que passívelde decisão à luz de normas de DireitoCivil. Corrobora esse entendimento onovo inciso VI do supracitado art. 114 daLei Maior, introduzido pela EC n. 45/2004,

bem como a jurisprudência jáconsolidada na Súmula n. 392 do Col.TST, decorrente da conversão da OJ n.327 da SDI-I, pela RA 129, publicada noDJ em 20.04.2005.

Registra-se ainda que o inciso VIdo supracitado artigo menciona o danomoral de forma genérica, nãodistinguindo se a causa de pedir temcomo suporte o acidente do trabalho ououtros danos decorrentes da relação detrabalho.

Nesse sentido, colhem-se asseguintes jurisprudências:

COMPETÊNCIA MATERIAL -JUSTIÇA DO TRABALHO -DANO MORAL E MATERIAL -ACIDENTE DE TRABALHO.1. A Constituição Federalinscreveu na competência daJustiça do Trabalho as lides emque se controverte sobre danomoral e material decorrentes darelação de trabalho, consoantedisposição contida no art. 114,inciso VI, com a redação dadapela Emenda Constitucional n.45/2004.2. Importaria, assim, contra-senso cindir ou fragmentar acompetência por dano moral,conforme a lesão proviesse, ounão, de acidente de trabalho, detal modo que se negasse acompetência material da Justiçado Trabalho para causas em quese discute indenização pordanos morais apenas quandooriundos de acidente de trabalho.3. Tal circunstância poderiaensejar discrepância entre asdecisões proferidas pela Justiçado Trabalho, no concernente aoexame da estabilidade provisóriaprevista no art. 118 da Lei 8.212/91, decorrente de acidente de

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trabalho, e pela Justiça Estadual,em relação à indenização poracidente de trabalho.4. Inscreve-se, portanto, nacompetência material da Justiçado Trabalho o equacionamentode litígio entre empregado eempregador por indenizaçãodecorrente de supostos danosfísicos e morais advindos deacidente de trabalho, a que seequipara a doença profissional.Inteligência do artigo 114, incisoI e VI, da Constituição Federal.5. Recurso de revista conhecidoe provido.(TST - 1ª T - PROC. n. TST-RR-2295/2002-029-12-00.5 - Rel.Min. João Oreste Dazalen - DJ01.07.2005)

RECURSO DE REVISTA -INDENIZAÇÃO POR DANOMORAL - ACIDENTE DETRABALHO - COMPETÊNCIA DAJUSTIÇA DO TRABALHO - Nestaação de indenização decorrentede acidente de trabalho se postulaverba de natureza trabalhista, quenão se confunde com a denatureza previdenciária emrelação a acidente de trabalho,cuja competência está prevista noartigo 109, inciso I, da Constituiçãoda República e no § 2º do artigo643 da CLT. A matriz dacompetência da Justiça doTrabalho para presente ação,consoante a EmendaConstitucional n. 45/2004, está noinciso I do artigo 114 daConstituição da República, peloqual compete à Justiça doTrabalho “processar e julgar asações oriundas da relação detrabalho”. Recurso de Revistaprovido.

(TST - 3ª T - PROC. N. TST-RR-07628/2000-034-12-00.6 - Rel.Min. Carlos Alberto Reis de Paula- DJ 17.06.2005)

Aliás, a questão já restoudefinitivamente sepultada em data de29.06.2005, nos autos do Conflito deCompetência n. 7.204-1, em que oSupremo Tribunal Federal, porunanimidade, mudou seu entendimentoanterior, decidindo que as ações deindenização por dano moral decorrentesde acidente do trabalho deverão serjulgadas pela Justiça do Trabalho.

Em seu voto, o Ministro RelatorCarlos Ayres Britto afirmou que “[...]Nesse resumo de idéias, renove-se aproposição de que a nova redação doart. 114 da Lex Maxima só veio aclarar,expletivamente, a interpretação aquiperfilhada. Pois a Justiça do Trabalho,que já era competente para conciliar ejulgar os dissídios individuais e coletivosentre trabalhadores e empregadores,além de outras controvérsiasdecorrentes da relação trabalhista,agora é confirmativamente competentepara processar e julgar as ações deindenização por dano moral oupatrimonial, decorrentes da relação detrabalho (inciso VI do art. 114)”.

Portanto, fica rejeitada apreliminar.

Validade dos atos processuaisrealizados no Juízo Cível

De acordo com o disposto no §2º do art. 113 do CPC, declarada aincompetência absoluta, somente serãonulos os atos decisórios, devendo serpreservados os demais, comoconseqüência do princípio da celeridadeprocessual. Desta forma, todos os atospraticados na Justiça Estadual têmperfeita validade, na medida em que não

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houve nenhum ato considerado comodecisório.

Particularmente no que toca àprova pericial, entende este Juízo serdesnecessária a realização de novaprova técnica, na medida em que olaudo de f. 184/199, realizado peranteo Juízo Cível, não apresenta nenhumvício. Ademais, nos termos do dispostono art. 437 do CPC, somente deve serdeterminada nova realização de períciaquando a matéria não restarsuficientemente esclarecida, o que nãoé o caso destes autos.

Não merece acolhida a alegaçãoda Reclamada (petição de f. 314/317)no sentido de que o perito adotou umapostura sentimentalista em relação aoacidente ocorrido, estando a conclusãodo laudo dissociada da realidade fática.A Ré não comprovou a imparcialidadedo i. perito na elaboração do laudo epôde, inclusive, acompanhar a feiturados trabalhos, com a participação deassistente técnico por ela indicado (videf. 155).

Portanto, o laudo pericialconstante dos autos é uma prova quepode e deve ser integralmente utilizada.

Acidente do trabalho -Responsabilidade da Reclamada

Inicialmente, cabe a este Juízo,antes de examinar os fatos ecircunstâncias que cercam a questãolitigiosa, distinguir duas espécies deresponsabilidade civil e seus diferentesefeitos no âmbito do nossoordenamento jurídico.

Será subjetiva aresponsabilidade quando o dever deindenizar resultar do comportamento dapessoa que causar danos a terceiros,por dolo ou por culpa. Por outro lado,será objetiva a responsabilidadesimplesmente ocorrendo o dano e o

nexo causal, sendo irrelevante aconduta dolosa ou culposa do agentecausador do dano.

A indenização decorrente deacidente do trabalho busca seusfundamentos na responsabilidadesubjetiva, ou seja, a princípio, somenteem ocorrendo a culpa do empregadornascerá para o empregado o direito àreferida indenização.

Todavia, consoante a lição dojurista Sebastião Geraldo de Oliveira, inIndenizações por acidente do trabalho

ou doença ocupacional, 1. ed. LTr, 2005,p. 78:

[...] há inovações significativasno campo da responsabilidadeobjetiva que apontam umatendência de socialização dosriscos, desviando o foco principalda investigação da culpa para oatendimento da vítima, de modoa criar mais possibilidades dereparação dos danos.

Assim, como meio para abrandaro rigorismo da culpa como requisito paraa indenização, desenvolveu-se a teoriado risco ou teoria da responsabilidadeobjetiva, no sentido de que os riscos daatividade econômica devem sersuportados por quem dela se beneficia.Nesse mesmo sentido, transcreve-se alição de Carlos Alberto Bittar, in

Responsabilidade civil. Teoria e prática,Forense, 1989, p. 29/30:

[...] erigida sob a égide danoção de culpa, a teoria daresponsabilidade civil encontrouespaço para avançar, de início,com a introdução de máquinase de veículos perigosos nasociedade (denominada“Revolução Industrial”) e, depois,com a deflagração das

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atividades nucleares, e aexploração industrial do átomo(já em nosso século, com achamada “Revolução Atômica”).

Com isso, trouxe para oseu contexto a idéia de riscocomo fundamento para aresponsabilização, objetivando asua base de sustentação, comduas concepções: uma, com apreservação da exigência donexo causal para suacaracterização; outra,prescindindo mesmo dessanoção (na chamada“responsabilidade nuclear” ou“agravada”). Essas colocaçõescorrespondem à evolução (fáticae doutrinária) ocorrida no mundo,às épocas citadas, respondendoa posições, respectivamente, doliberalismo e do neoliberalismo,e à luz do ingresso de elementoscarregados de perigo na vidadiária, sob a preocupação maiorde amparo às vítimas deacidentes por elas provocados.O primeiro fundamentoingressou nos códigos - inclusiveo nosso - com atenuaçõestrazidas pela técnica depresunção de culpa, paraatender a anseios de justiçasocial, enquanto o segundo vemsendo inserido em leis especiaissobre atividades consideradasperigosas.

Tendo em vista a preocupaçãode não desamparar o lesado, com arespect iva reparação dos danosocorridos, desenvolveu-se, assim, ateoria da responsabilidade objetiva,para atender àquelas situações emque a exigência de demonstração deculpa representa demasiado ônuspara as vítimas, tornando inviável a

indenização do prejuízo sofrido, bemcomo observando-se que aquele queaufere lucros num contex to deat iv idade cons iderada per igosatambém deve suportar e arcar comos riscos desta atividade. Este é umdos pontos fundamenta isnorteadores da responsabi l idadeobjetiva.

E dentro de todo esse contexto,vale citar o ensinamento do saudosoCaio Mário da Silva Pereira, in

Responsabilidade civil, 8. ed. Forense,2002, p. 275, que ora se transcreve:

[...] O caso mais flagrantede aplicação da doutrina do riscoé o da indenização por acidenteno trabalho [...]. A desigualdadeeconômica, a força de pressãodo empregador, a menordisponibilidade de provas porparte do empregado levavamfreqüentemente à improcedênciada ação de indenização. Poroutro lado, nem sempre seriapossível vincular o acidente auma possível culpa do patrão,porém causada direta ouindiretamente pelo desgaste domaterial ou até pelas condiçõesfísicas do empregado, cujaexaustão na jornada de trabalhoe na monotonia da atividadeproporcionava o acidente. Aaplicação da teoria da culpalevava bastas vezes à absolviçãodo empregador. Em taishipóteses, muito numerosas efreqüentes, a aplicação dosprincípios jurídicos aceitosdeixava a vítima sem reparação,contrariamente ao princípio idealde justiça, embora semcontrariedade ao direito em vigor.Observava-se, portanto, umdivórcio entre o legal e o justo.

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Sob outro enfoque, com oadvento do Código Civil de 2002, ateoria da responsabilidade objetivadeixou de ser uma exceção, na medidaem que o parágrafo único do art. 927adotou de forma genérica a teoria dorisco criado, que assim dispõe:

Haverá obrigação dereparar o dano, independentementede culpa, nos casos especificadosem lei, ou quando a atividadenormalmente desenvolvida peloautor do dano implicar, por suanatureza, risco para os direitos deoutrem. (grifos lançados)

Poder-se-ia argumentar que oinciso XXVIII do art. 7º da CR/1988 nãoautorizaria a aplicação daresponsabilidade objetiva em função demencionar claramente “quando incorrerem dolo ou culpa”. Entretanto, oparágrafo único do art. 927 do CódigoCivil é perfeitamente aplicável àsquestões relativas aos pleitos deindenizações por acidente do trabalho,inexistindo incompatibilidade com otexto constitucional.

Dispõe o art. 7º da Constituiçãoda República que: “São direitos dostrabalhadores urbanos e rurais, além deoutros que visem à melhoria de suacondição social” (grifos lançados). Deacordo com tal disposiçãoconstitucional, as hipóteses ali previstassão meramente exemplificativas, nãoimpedindo que lei ordinária amplie osdireitos existentes ou acrescente outrosque visem à melhoria da condição socialdo trabalhador. E não há dúvida de quea indenização do acidentado, com basena responsabilidade objetiva, visa àmelhoria da condição social dotrabalhador.

Portanto, cabe ao magistrado, nodesempenho de suas funções, adaptar-

se às mudanças culturais na sociedade,de forma a proceder a uma análisesempre mais justa das questões que lhesão colocadas para solução,observando as modificações históricasocorridas, adaptando-as aos anseios deuma sociedade moderna e, acima detudo, fundada na solidariedade, comfincas no princípio constitucional dadignidade da pessoa humana (inciso IIIdo art. 1º da CR), viga mestra de todo oordenamento jurídico pátrio.

E, em face de taisconsiderações, essenciais à solução docaso sub judice, levando-se em contaque o Direito é uma ciência dinâmica,devendo sempre estar em consonânciacom a complexidade da vida atual, oaumento acelerado dos fatores de riscono âmbito laboral e a dificuldade dotrabalhador fazer prova acerca da culpaem casos de acidentes do trabalho, elevando-se em conta também que sedeve observar que aquele que auferelucros num contexto de atividadeconsiderada perigosa também devesuportar e arcar com os riscos destaatividade, este Juízo adota, para ahipótese destes autos, a teoria daresponsabilidade objetiva, e, com basenela, é que passará a analisar a questãolitigiosa.

Registre-se ainda que a nãoaplicação do parágrafo único do art. 927do Código Civil ensejaria, no campo daresponsabilidade civil, situaçõescompletamente absurdas e injustas. Aesse propósito, vale a pena mencionaro que diz a boa doutrina. SebastiãoGeraldo de Oliveira, in Indenizações por

acidente do trabalho ou doença

ocupacional, 1. ed. LTr, 2005, p. 92,menciona:

Por outro lado, aprevalecer o entendimento daprimeira corrente, chegaríamos a

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conclusões que beiram o absurdoou ferem a boa lógica. Se umautônomo ou um empreiteirosofrer acidente, o tomador dosserviços responde pelaindenização, independentementede culpa, com apoio na teoria dorisco; no entanto, o trabalhadorpermanente, com os devidosregistros formalizados, não temassegurada essa reparação! Seum bem ou equipamento deterceiros for danificado pelaatividade empresarial, haveráindenização, considerando ospressupostos daresponsabilidade objetiva, mas otrabalhador, exatamente aqueleque executa a referida atividade,ficará excluído...

E ainda, no mesmo sentido, alição de Rodolfo Pamplona Filho, in

“Responsabilidade civil nas relações detrabalho e o novo Código Civilbrasileiro”, Revista LTr, v. 67, p. 563,maio de 2003:

A aceitar talposicionamento, vemo-nosobrigados a reconhecer o seguinteparadoxo: o empregador, pelaatividade exercida, responderiaobjetivamente pelos danos por sicausados, mas, em relação a seusempregados, por causa de danoscausados justamente peloexercício da mesma atividade queatraiu a responsabilizaçãoobjetiva, teria um direito aresponder subjetivamente...

Desculpe-nos, mas émuito para o nosso fígado...

Assim, em se considerando ateoria da responsabilidade objetiva, nosmoldes do parágrafo único do art. 927

do Código Civil, três são os requisitos aser analisados para se aferir acerca daeventual indenização pelo acidente dotrabalho. Os dois primeiros requisitosseriam o dano e o nexo causal entre odano e o resultado, já que desnecessáriase torna a apreciação acerca daexistência de culpa, que é presumida. Oterceiro requisito é a caracterização daatividade normalmente exercida pelaReclamada como sendo aquela que,pela sua natureza, implique riscos parao direito de outrem.

Nesse primeiro momento, nosateremos a verificar a ocorrência dodano físico, deixando a questão relativaaos danos morais para uma análiseposterior.

É inquestionável a presença dodano físico ao Reclamante, com efetivaalteração morfológica em seu corpo.Consoante descrito no laudo médico def. 19, o Autor é portador de amputaçãono 1/3 médio do antebraço “D”(dominante), desarticulação do cotovelo“E”, e amputação do 5º artelho “E” e seurespectivo metatarso. À época em queo atestado foi feito, havia umprognóstico para tratamento fisiátrico,para posterior colocação de prótesespara desarticulação do cotovelo, comtrava e sistema híbrido defuncionamento (vide laudo médico de f.20). As fotos anexadas aos autos às f.21/22 retratam a mudança corporalhavida com o acidentado e descritafielmente no laudo médico de f. 19 dosautos. Sob esse aspecto, portanto, nãohá controvérsias.

Quanto ao segundo requisito,qual seja, o nexo de causalidade entreo dano e o resultado, vejamos o que nosinforma o laudo pericial de f. 184/199.De acordo com as verificações do i.perito, a causa imediata do acidente foio contato direto do acidentado com redeenergizada em alta tensão (7967 Voltz).

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Eis o ocorrido: O Reclamanteestava executando serviços demanutenção em rede de distribuição deenergia, na zona rural de Paiva/MG, antea solicitação do proprietário de umafazenda próxima ao local do acidente.Após falha no processo de inspeção daschaves e circuitos instalados no postee abertura da chave fusível nãorelacionada ao circuito em manutenção,o Autor tocou no cabo onde estava odefeito e, pelo fato de o mesmo seencontrar totalmente energizado (já quenão havia uma chave exclusiva paradesligamento de tal circuito elétrico),recebeu um choque termelétrico de7967 Voltz.

Assim, considerando-se que onexo causal é o vínculo que seestabelece entre a execução do serviço(causa) e o acidente do trabalho, e quea descarga elétrica recebida peloReclamante decorreu da circunstânciade estar o mesmo executando serviçospara a Reclamada, em manutenção deredes elétricas, configurado está osegundo requisito para verificação deeventual reparação pelos danoscausados.

O terceiro e último requisito a seranalisado é a caracterização daatividade normalmente desempenhadapelo autor do dano como sendo aquelaque, pela sua natureza, implique riscospara o direito de outrem.

Consoante nos ensina CleberLúcio de Almeida, in Responsabilidade

civil do empregador e acidente de

trabalho, Del Rey, 1. ed. 2003, p. 77:

O novo Código Civil, queentrou em vigor em janeiro de2003, ao tipificar odesenvolvimento de atividadeperigosa como fato gerador daobrigação de reparar o danocausado a outrem, tem decisiva

influência sobre aresponsabilidade do empregadorpelos danos resultantes deacidente de trabalho, na medidaem que representa o definitivoabandono da culpa comofundamento único da obrigaçãode reparar o dano causado aoutrem, colocando comoprimordial a realização do objetivoprimeiro da responsabilidade civil,que é a reparação do dano.

Com isto, a partir daentrada em vigor do Código Civil,ao trabalhador não poderá sernegado o direito a indenização pordanos resultantes de acidentes detrabalho independentemente deculpa do empregador, quando aatividade deste, por sua natureza,crie grande risco para os direitosde seus empregados. (grifoslançados)

Cumpre-nos, assim, analisar anatureza da atividade exercida pelaReclamada, ou seja, o seu grauespecífico de risco, na medida em queexerce atividade considerada perigosa.Registre-se que não se trata do riscogenérico, que afeta indistintamentequalquer pessoa, mas sim do risco aque fica exposto o trabalhador nodesempenho de suas funçõesespecíficas dentro da empresa.

A especificação do que seenquadra como sendo atividadeperigosa é resultante daregulamentação imposta pelo Ministériodo Trabalho, em face do que prevê oart. 193 da CLT.

Assim, incluída a área onde sedesenvolveu o trabalho do Reclamantecomo sendo de risco (atividade deconstrução, operação e manutenção deredes e linhas aéreas de alta e baixatensões integrantes de sistemas

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elétricos de potência, energizadas mascom possibilidades de energilização,acidental ou por falha operacional - itemn. 01 do Anexo do Decreto n. 93.412/86), mister se faz o reconhecimento deque a atividade desenvolvida pelaempresa Reclamada é perigosa. E,como sendo atividade perigosa,encaixa-se perfeitamente naquelasatividades que impliquem riscos para asaúde de outrem, dentro do que dispõeo parágrafo único do art. 927 do CódigoCivil.

Registre-se que nem mesmo autilização de equipamentos de proteçãoindividual tem o condão de eliminar orisco acidentário decorrente da atividadehabitualmente desenvolvida pela Ré. Osequipamentos individuais de proteçãoapenas neutralizam ou, quando muito,reduzem os efeitos danosos aoorganismo humano dos agentesagressivos, mas não eliminam o riscoacidentário. Tal, aliás, foi explicitado peloperito à f. 192 dos autos.

Assim, restando clara aresponsabilidade objetiva, na medidaem que estão presentes os seus trêsrequisitos, este Juízo entende que aReclamada deve indenizar oReclamante.

Entretanto, ainda que se tratassede responsabilidade subjetiva, haveria aresponsabilização da Reclamada, namedida em que houve culpa da empresa,por violação ao comando expresso noart. 7º da CR, que assim dispõe:

São direitos dos trabalhadoresurbanos e rurais, além de outrosque visem à melhoria de suacondição social:

[...]XXII. redução dos riscos

inerentes ao trabalho, por meiode normas de saúde, higiene esegurança;

A Reclamada descumpriu odisposto na norma constitucional, namedida em que existiram causasconcorrentes ao acidente, apontadas nolaudo pericial à f. 191. Este Juízoentende que tais causas tiveram suaorigem na negligência da Ré em adotarmedidas preventivas e severas, emdesrespeito à NR-10 do MTE.

A primeira causa concorrenteapontada no laudo foi a deficiência detreinamentos adequados e contínuospara a execução das tarefas, visto queo Autor não tinha inteiro domínio sobreas instalações elétricas existentes e emoperação em sua área de trabalho.

A Ré apresentou um documento(vide f. 217/218), não muito nítido, ondeconsta que o Reclamante concluiuapenas três cursos: eletricista dedistribuição básico, em 07.03.1988;direção defensiva, em 03.10.1999 efundamentos da qualidade total, em19.08.1993. Depreende-se que o últimocurso foi realizado há 05 anos anterioresao acidente, sendo que apenas umdestes três cursos acima mencionadosestá diretamente relacionado à questãoda segurança. E este curso foi feito nodistante ano de 1988.

Ora, cabe ao empregador,mormente aquele que explora atividadeque oferece risco à saúde e segurançado empregado, como no caso daReclamada, informar seus empregadosdos riscos a que estão expostos e sobreas formas de prevenção, oferecendo-lhes o treinamento adequado para odesenvolvimento de seus misteresdentro da empresa.

A NR-10 (item 10.7.2) do MTEdispõe que os trabalhadores emserviços de alta tensão devem recebertreinamento específico em segurançano SEP - Sistema Elétrico de Potênciae em suas proximidades. Tal norma nãofoi observada pela Reclamada, já que a

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mesma não logrou comprovar queofereceu o supracitado treinamento aoReclamante, nos moldes descritos pelaNR-10 e seus anexos.

Por outro lado, mesmo sendo umeletricista de grande experiência(conforme aduzido pela Ré no § 5º dadefesa à f. 30), a ausência de cursosespecíficos, contínuos e atuais deaprimoramento fez com que o Autor, nomomento do acidente, não cogitasse daimpossibilidade de desenergizar ocircuito a partir da intervenção em umoutro religador, e que tal não poderia serexecutado sem a autorização prévia eprogramação do serviço pela Ré.

Também houve odescumprimento, por parte daReclamada, do disposto na letra “b” doitem 10.8.8.2 da NR-10 do MTE, vistoque tal norma exige a participação dofuncionário em curso de reciclagembienal, toda vez que o mesmo se afastardo serviço por período superior a 03meses.

O Autor esteve licenciado peloperíodo de 01.01.1993 até 31.12.1996(vide docs. de f. 63 e 72) em função decumprimento de mandato eleitoral.Portanto, a Reclamada negligenciou aonão proporcionar ao Autor um curso dereciclagem nos termos da NR-10, namedida em que o afastamento se deupor 04 anos e, nesse período, o Obreiroficou totalmente desatualizado acercadas questões e técnicas inerentes àssuas funções dentro da empresa.

Ora, tais fatos são confirmadospela primeira testemunha arrolada pelaprópria Reclamada, em seu depoimentoà f. 407 dos autos. Referida testemunhadeclarou que:

[...] em sua visão de profissionaleletricista, entende que o queaconteceu de errado foi que oReclamante ficou quatro anos

fora da função e que fez apenasum estágio e foi direto para alocalidade trabalhar; que apessoa acaba não aprendendoas questões de segurança deforma mais clara ou detalhada;que não sabe o tempo certo queo Reclamante ficou fazendoestágio com o pessoal doplantão, mas acha que foiaproximadamente um mês.

A segunda testemunha arroladapela Ré também confirmou a ausênciade curso de reciclagem quando oReclamante voltou ao trabalho após ocumprimento do mandato de prefeito(vide seu depoimento à f. 407).

Registre-se que o laudo pericialé conclusivo no sentido de que a relativahabilitação ou preparação do Autor éfunção direta de sua não participaçãoem programas ou processos deaprimoramento técnico e prevenção deacidente (vide § 4º de f. 199).

A segunda causa concorrenteapontada foi a ausência de fiscalizaçãono que se refere à util ização deequipamentos individuais de proteção eobservação das normas internas desegurança estabelecidas para omanuseio de linhas e redes de energiaelétrica.

Nesse aspecto, não observou aReclamada o disposto no inciso I do art.157 da CLT. Não basta que oempregador torne disponíveisequipamentos de proteção individual(vide f. 243/303), tendo tambémobrigação de fiscalizar e exigir suaefetiva utilização, o que não foi feito pelaRé.

Não se pode acolher a tese nosentido de que o Autor não usoudevidamente os equipamentos deproteção (usando luvas de vaqueta aoinvés de luvas de borracha), porquanto

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a Reclamada dispõe de poder disciplinarpara exigir o cumprimento das normasde segurança, podendo até mesmopromover a dispensa por justa causa,em caso de descumprimento de seucomando, nos termos do disposto naalínea “b” do parágrafo único do art. 158da CLT.

Por fim, o laudo deixa evidenteque também foi causa concorrente aoacidente o fato de o Reclamante estartrabalhando sozinho. Não é permitida,de acordo com a NR-10, do MTE (item10.7.3), a atuação de forma individualna execução de serviços demanutenção em redes de energiaelétrica de alta tensão.

Tal fato também foi bemlembrado pela primeira testemunhaouvida a cargo da Ré, que disse que:

[...] mais ou menos a partir dosúltimos seis anos, trabalhamsempre em dupla; que, na épocado acidente, a Reclamada nãoutilizava o procedimento detrabalhar em duplas.

Cumpre-nos registrar ainda queas Normas Regulamentares expedidaspelo MTE têm força de lei, sendo deobservância obrigatória por parte dasempresas que possuem empregadosregidos pela CLT, como no caso da Ré.Portanto, conforme já ditoanteriormente, ainda que este Juízo nãoadotasse a teoria da responsabilidadeobjetiva, restaria demonstrada aresponsabilidade subjetiva daReclamada, já que também restouevidente sua culpa, pelodescumprimento das disposiçõescontidas na NR-10, que traçadisposições a ser observadas porempresas que, direta ou indiretamente,interajam em instalações elétricas ouserviços com eletricidade.

Conclui-se assim que aReclamada expôs o Reclamante aorisco do acidente ocorrido,negligenciando a preocupação quedeveria ostentar com a saúde eintegridade física de seus empregados.A conseqüência disto é que o Autor viu-se lesado em sua vida profissional esocial, sofrendo prejuízos de ordemmoral e material.

Indenização pelos danosmorais

Conforme já mencionado, esteJuízo está convencido também daresponsabilidade objetiva daReclamada e, na medida em que seencontram presentes os pressupostosdas reparações pretendidas pelo Autor,passa-se a sua análise.

O dano moral, em rápidadefinição, é aquele dano referente alesões sofridas pela pessoa em seupatrimônio de valores exclusivamentemorais e ideais. A ordem jurídica pátriatutela referido interesse, valendomencionar inicialmente os seguintesdispositivos:

é assegurado o direito deresposta, proporcional aoagravo, além da indenização pordano material, moral ou àimagem; (inciso V do art. 5º daCR).

são invioláveis a intimidade, avida privada, a honra e a imagemdas pessoas, assegurado odireito à indenização pelo danomaterial ou moral decorrente desua violação; (inciso X do art. 5ºda CR).

A própria norma trabalhistapreviu também a hipótese de dano

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moral, conforme se depreende dodisposto no art. 483 da CLT, quemenciona a honra e a boa fama comodireitos do empregado, estipulando avedação de conduta por parte doempregador que transgrida este direito.

Vale mencionar a importância dadimensão da figura jurídica do danomoral na esfera justrabalhista. Este setraduz, enquanto uma reivindicação emtermos de construção valorativa dosvalores norteadores da relação entrecapital e trabalho, no sentido de buscaruma proteção maior à pessoa humanado trabalhador, enquanto um ser quenão apenas vende a sua força detrabalho, mas como agente detentor deuma gama de direitos que vão além dosdireitos apenas econômicos, resultantesdo preço de sua força de trabalho, e quese referem a sua dignidade humanabem como aos demais direitos previstosno art. 5º da Carta Magna.

Segundo Mauricio GodinhoDelgado, in Curso de Direito do

Trabalho, 2. ed. LTr, 2003, p. 610:

As lesões acidentáriastambém podem causar danomoral ao trabalhador. Este,conforme visto, consiste em todador física ou psicológicainjustamente provocada em umapessoa humana. Nesse quadro,a doença ocupacional, a doençaprofissional e o acidente detrabalho podem, segundo suagravidade, provocar substanciaisdores físicas e psicológicas noindivíduo, com intensidadeimediata ou até mesmopermanente, ensejando apossibil idade de reparação.Ressalte-se que tanto a higidezfísica, como a mental, inclusiveemocional, do ser humano sãobens fundamentais de sua vida,

privada e pública, de suaintimidade, de sua auto-estima eafirmação social e, nestamedida, também de sua honra.São bens, portanto,inquestionavelmente tutelados,regra geral, pela Constituição(art. 5º, V e X). Agredidos em facede circunstâncias laborativas,passam a merecer tutela aindamais forte e específica da CartaMagna, que se agrega àgenérica anterior (art. 7º, XXVIII,CF/88).

Portanto, o dano moral pode serconsiderado como a dor, a tristeza quese impõe ao acidentado. Não se podeesquecer de que o homem possui bensespirituais ou morais, que lhe sãopreciosos e queridos, tanto ou mais doque os bens materiais.

No caso dos autos, o dano moralsurge do fato de o Autor ter que convivercom o gravíssimo defeito físico oriundodo acidente (perda dos dois membrossuperiores), sem possibilidade derecuperação, e impedido, igualmente,de desenvolver as costumeiras tarefasdiárias, por mais singelas que sejam,necessitando sempre da ajuda deterceiros.

Quando se constata que umapessoa possui alguma parte do corpoalterada em relação à sua imagemanterior (no caso dos autos, perda dosdois braços), o fato causa impacto aquem percebe através de seus sentidos.É inegável que esse dano estéticoprovoca também um profundo impactosobre a percepção da própria vítima,afetada com a diminuição de suaharmonia corporal. E não há como seevitar tal situação, ante a curiosidadenatural das pessoas. Portanto, éinquestionável que as seqüelas doacidente foram drásticas.

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Ante os fatos narrados eprovados nestes autos, não se podebanalizar a dor, o sofrimento, onervosismo e, de certo modo, a revoltado Reclamante em face dosacontecimentos que, por certo,marcarão o resto de sua vida.

Acerca da indenização por danomoral, há que se considerar comocritérios orientadores de sua fixação agravidade do dano, a intensidade dosofrimento do ofendido, a situaçãosocioeconômica do ofensor e doofendido, a culpa da vítima e aexistência ou não de retrataçãoespontânea e a extensão desta.

Ainda há que ser levado emconta que a indenização deve conter umaspecto punitivo (pedagógico) em faceda violação gravíssima das condiçõese normas de segurança do trabalho,mormente no caso do Reclamante,tendo em vista que o sofrimento não épassível de reparação, mas visando auma compensação deste.

Conforme ensinamento deCleber Lúcio de Almeida, in

Responsabilidade civil do empregador

e acidente de trabalho, Del Rey, 1. ed.2003, p. 37:

A indenização dos danosdecorrentes de acidente detrabalho deve ser a maiscompleta possível, seja em facedos princípios da igualdade e danão-discriminação, consagradosexpressamente pelaConstituição Federal de 1988, eque impedem que ao homemtrabalhador seja negado o direitoa ser ressarcido na exata medidado dano por ele experimentado,seja porque o art. 7º, XXVIII, daConstituição Federal nãoestabelece qualquer limite paraa responsabilidade reparatória

que atribui ao empregador.(grifos lançados)

O acidente sofrido peloReclamante deixou a incapacidadelaborativa tão evidente que dispensamaiores comentários. Não procede aalegação da Reclamada de que nãohouve incapacidade total para otrabalho, porque o Autor está em plenaatividade profissional, exercendo ocargo de prefeito na cidade de OliveiraFortes/MG.

Para a caracterização dainvalidez total permanente, é suficienteque a vítima seja incapacitada paraexercer a função para a qual estavahabilitada. Seria desumano exigir-seque o Autor, nesta altura da vida, venhaa ter que se habilitar para nova funçãoe se submeter ao mercado de trabalho,tendo em seu currículo a necessidadepermanente do auxílio de terceiro pararealizar gestos mais simples, como sealimentar.

Por outro lado, não há provasnos autos de que o autor estejaocupando, atualmente, o cargo deprefeito, no pacato município de OliveiraFortes. Conforme faz prova odocumento de f. 15, o Autor não exercequalquer atividade laborativa, tendocomo renda mensal apenas o benefícioprevidenciário, decorrente de suaaposentadoria por invalidez.

Ainda que assim não fosse, ocargo eletivo é o exercício de funçãopolítica/pública e se caracteriza pelatransitoriedade do exercício dasfunções, não se confundindo com arelação de emprego, de naturezaprivada e que, regra geral, dá-se porprazo indeterminado.

Quanto à situação econômica doofensor, é incontroverso que aReclamada trata-se de uma empresa degrande porte, fornecedora de energia

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elétrica para todo o Estado de MinasGerais. Também é incontroverso quenão houve reparação espontânea porparte da mesma, em que pese possuirmeios para tanto.

Noutro giro, embora aindenização não deva servir de fonte deenriquecimento ilícito, deve proporcionaraoAutor um conforto tal que o compense,como medida lenitiva, pelo desconfortoda dor (física e moral) e que lhe dê novaspossibilidades de vida e esperança.

Ainda relativamente ao quantum

indenizatório, também devem sersopesados os fatos inerentes à própriadesobediência do Autor às normasbásicas de segurança. O laudo pericialde f. 184/199 deixou clara a existênciade causas básicas ao acidente, que setraduzem na culpa concorrente doReclamante para a ocorrência doacidente.

De acordo com o i. perito, oReclamante não observou as normas desegurança previstas para a execuçãodos serviços de manutenção das redesde transmissão de energia elétrica, nãotendo realizado o teste do circuito como detector de fase, que verifica aexistência ou não de tensão. Consoantenos esclarece o laudo pericial, se oObreiro tivesse utilizado o detector detensão, certamente seria possívelconstatar a presença de energia nocircuito. E o Autor tinha plena ciênciadeste fato (vide f. 194 e 197 do laudo).

Também houve desrespeito ànorma de segurança interna que prevêa sinalização da chave fusível. Noentanto, o perito nos esclarece que aausência de sinalização na chavefusível por parte do Reclamante emnada contribuiu para reduzir, neutralizarou agravar o acidente, uma vez que oAutor abriu uma chave não pertencenteao circuito em manutenção (vide f. 194do laudo).

A conduta culposa doempregado, todavia, somente exclui onexo de causalidade do infortúnio e aconseqüente responsabilidadeindenizatória do empregador se a culpafor exclusiva da vítima, o que não severificou no caso em tela.

Registre-se a posição dajurisprudência nesse sentido:

RESPONSABILIDADE CIVIL -ACIDENTE DO TRABALHO -INDENIZAÇÃO - DIREITOCOMUM - CULPACONCORRENTE. Oempregador que deixa deorientar adequadamente oobreiro sobre a operação deequipamento potencialmenteperigoso não pode debitar a eleculpa concorrente por ter sidoestimulado pelas circunstânciasa adotar providênciatecnicamente inadequada.(São Paulo. STACivSP. 12ª Câm.Civil. Embargos Infringentes n.513.985-04/9, Rel. Juiz ArantesTheodoro, julgado em26.08.1999)

ACIDENTE DO TRABALHO -DIREITO DE SEGURANÇADA VÍTIMA - VIOLAÇÃO -RISCO PROFISSIONAL -EMPREGADOR - REQUISITOSDA RESPONSABILIDADE CIVIL- PRESENÇA - CULPA -INVERSÃO DO ÔNUSPROBATÓRIO - DANOMORAL - OCORRÊNCIA -PRESCINDIBILIDADE DEINSTRUÇÃO PROBATÓRIA -DANO CONSIDERADO IN

RE IPSA - FAIT DE RISQUE

- CULPA PROBLEMÁTICA.1 . FUNDAMENTO DARESPONSABILIDADE CIVIL. Na

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responsabilidade civil decorrentedo acidente do trabalho, háinversão do ônus probatório emfavor do empregado, a quemsomente se exige a prova dovínculo empregatício, aocorrência do dano e o nexocausal. Ademais, ao empregadorcumpre observar o direito desegurança da vítima, seuempregado, em razão daassunção dos riscos advindos daatividade econômica queexplora. Não logrando oempregador demonstrar a culpaexclusiva da vítima na ocorrênciado evento danoso, responde pelaobrigação indenizatória.Questões doutrinárias eprecedentes jurisprudenciais. [...](Rio Grande do Sul. TJRS. 9ªCâm. Cível. Apelação Cível n.70006215099, Rel. Des. NereuJosé Giacomolli, julgado em04.08.2004)

De acordo com o laudo pericial,em que pese a existência da falha doObreiro ao deixar de verificar a presençade energia no circuito (utilizando-se dodetector de tensão), três elementoscontribuíram para a falha humana:treinamento e aprimoramento contínuodeficiente, atuação individual do Autorna execução dos serviços envolvendoalta tensão e falta de sinalizaçãoadequada das chaves e circuitosinstalados no poste (vide f. 196/197 dolaudo).

Ora, se a conduta do Obreiroapenas contribuiu para o acidente (nãotendo sido seu fator determinante),houve culpa concorrente doReclamante, que não exclui aresponsabilidade da Ré. A presença deculpa concorrente apenas autoriza aredução do valor da indenização,

distribuindo-se proporcionalmente osprejuízos. É o que dispõe o art. 945 doCódigo Civil:

Se a vítima tiver concorridoculposamente para o eventodanoso, a sua indenização seráfixada tendo-se em conta agravidade de sua culpa emconfronto com a do autor dodano.

Nessa ordem de idéias,considerando-se todos os aspectos jáanalisados acerca do acidenteocorrido, em especial as drásticasconseqüências ocasionadas aoObreiro, este Juízo entende razoávelfixar a indenização por dano moral novalor equivalente a R$400.000,00(quatrocentos mil reais), atualizáveis apartir desta data.

Dano material - Lucroscessantes

Pleiteia o Reclamante opagamento de lucros cessantes sob oargumento de que, em razão doacidente, teve queda nos seusrendimentos mensais, pois os proventosda aposentadoria não correspondem aosalário da ativa. Aduz também queperdeu parcelas de natureza trabalhistatais como horas extras, que eramhabituais, bem como promoçõesfuncionais dentro da empresa.

A Reclamada, por seu turno,alega que não houve queda nosrendimentos, pois o Autor recebe, alémda aposentadoria concedida pelo INSS,complementações da FORLUZ, paramanter o mesmo salário recebido naativa.

Para que a reparação do prejuízosofrido pela vítima seja completa, o art.402 do Código Civil determina que

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sejam computados os lucros cessantes,considerando-se como tais aquelasparcelas cujo recebimento, dentro dorazoável, seria correto esperar. O danomaterial referente aos lucros cessantes,portanto, deve corresponder àquilo quea vítima razoavelmente deixará deauferir em razão do ato ilícito.

No caso em tela, é certo quecom as lesões sofridas o Reclamanteteve totalmente restr ingida aoportunidade de continuar trabalhandona Ré, deixando de recebernormalmente seus salários, com asdevidas correções alcançadas pelacategoria profissional. O mesmo sediga no que toca ao recebimento dehoras extras, na medida em que asfichas financeiras carreadas aos autospela Ré (docs. de f. 85/114 - código101) apontam que as mesmas eramhabituais.

O Reclamante já recebeaposentadoria por invalidez do INSS,conforme faz prova o documento de f.15. Mesmo assim a sua renda mensalsofreu perdas consideráveis (videfichas financeiras de f. 85/114, relativasaos salários do Autor antes doacidente).

Como é sabido, muitostrabalhadores têm a possibilidade deauferir ganhos extras em virtude decontratação de outras atividadesdesempenhadas de forma autônoma.Acrescente-se também que, no maisdas vezes, o valor do benefícioprevidenciário nunca chega a seequiparar aos valores a que poderiaobter o trabalhador se na ativaestivesse. Diga-se ainda que oReclamante fatalmente, em função dosdanos à sua saúde, deverá arcar commaiores despesas referentes àassistência médica nem sempretotalmente suportada pelo nosso débilsistema de saúde.

Registra-se que, relativamenteàs eventuais promoções porantiguidade alegadas pelo Autor, não háprovas nestes autos de que a empresaReclamada tenha um plano de cargose salários, prevendo promoçãoautomática por antiguidade. Destaforma, o valor da indenização não levaráem conta a questão das promoções.

Noutro giro, para apuração doslucros cessantes, deve-se considerar ovalor do salário mínimo atual (comoforma de se obter um parâmetroatualizado em relação ao valorpercebido pelo Reclamante à época emque estava na ativa), multiplicado pelonúmero de anos correspondente à suaexpectativa de vida, que, segundo a“tábua de vida” divulgada pelo IBGE, éde 35,6 anos ou (427,2 meses)relativamente à idade que tinha o Autorquando da ocorrência do acidente (35anos). A operação assim efetuada (R$300,00 x 427,2 meses) resulta num totalde R$128.160,00 (cento e vinte e oitomil cento e sessenta reais).

Nessa ordem de idéias,considerando-se a impossibilidade dereabilitação profissional do Reclamantee a natureza das lesões (já que nãopode sequer realizar atividadesrotineiras de higiene pessoal e outrasda vida cotidiana), arbitro a condenaçãono valor de R$128.160,00 (cento e vintee oito mil cento e sessenta reais), a títulode indenização pelos lucros cessantes.

Cabe mencionar que o benefícioconcedido pelo INSS, bem como acomplementação de aposentadoriapaga pela FORLUZ (FundaçãoForluminas de Seguridade Social) nãoexclui o direito ao recebimento deindenização a título de lucros cessantes.A indenização decorrente deresponsabilidade civil é autônoma emrelação aos benefícios decorrentes deprevidência social, até porque com

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relação a estes a responsabilidade pelocusteio é do empregado, em conjuntocom o empregador.

Por fim, saliente-se que asdespesas de tratamento não foramobjeto do pedido, pois a causa de pedir,que dá os contornos da lide, restringiu-se apenas aos danos materiais (lucroscessantes), derivados da limitaçãolaborativa. Não havendo causa de pedirnem pedido expresso, não pode o Juízoconceder fora nem além do que sebuscou, consoante os artigos 128 e 460do CPC.

Honorários advocatícios

Não há que se falar emcondenação da Reclamada aopagamento de honorários advocatícios,tendo em vista que somente devidosnesta Justiça Especializada quando aparte comprove idoneidade econômico-financeira e esteja assistida pelosindicato da categoria, em conformidadecom o entendimento contido nasSúmulas n. 219 e 329 do Col. TST,compartilhado por este Juízo.

Honorários periciais

Os honorários periciais(decorrentes da perícia realizada noJuízo Cível) já foram pagos, conformefazem prova os documentos de f. 166 e306 dos autos.

Compensação

A reclamada requereu acompensação de quaisquer parcelas jápagas ao Autor sob o mesmo título (videdefesa à f. 357). Indefere-se, tendo em

vista a natureza da condenação e a faltade comprovante de seu regularpagamento nos autos.

Justiça gratuita

Ante o disposto no § 3º do art.790 da CLT, concedem-se aoReclamante os benefícios da justiçagratuita, para isentá-lo de eventuaisdespesas processuais, em que pese oresultado dado à demanda.

CONCLUSÃO

Por todo o exposto, resolve a 1ªVara do Trabalho de Barbacena julgarprocedentes os pedidos para condenara Reclamada a pagar ao Reclamante,no prazo legal, as parcelas referentesa indenização por danos morais, novalor de R$400.000,00 (quatrocentosmil reais) e lucros cessantes, no valorde R$128.160,00 (cento e vinte e oitomil cento e sessenta reais), tudo nostermos dos fundamentos que fazemparte do presente decisum para todosos efeitos.

Juros e correção monetária, naforma da lei e do sinalizado peloPrecedente Jurisprudencial n. 124 daSDI-I do Col. TST.

Não há recolhimentosprevidenciários ou tributários em funçãoda natureza indenizatória de todas asparcelas deferidas.

Custas pela Reclamada, noimporte de R$10.563,20, calculadassobre R$528.160,00, valor que se atribuià condenação.

I. as partes.Encerrou-se a audiência.Nada mais.

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RELATÓRIO

ANA SORAYA ZANON ajuizouação trabalhista em face de TELEMARNORTE LESTE S/A, aduzindo, emsíntese, que foi admitida nos quadrosda então TELEMIG em 13.12.1995,estando seu contrato suspenso emrazão de afastamento por doençadesde 05.08.2004. Até agosto de 2002a reclamante exerceu a função desuporte comercial. De setembro de2002 até maio de 2004 passou aexercer as funções de supervisora deatendimento; primeiro na cidade deSão Paulo (de setembro de 2002 asetembro de 2003); depois em BeloHorizonte (de setembro de 2003 a maiode 2004). Em maio de 2004 foirebaixada, voltando a exercer a funçãode suporte comercial (apesar de seucargo formal ser analista comercial),função que exerceu até a data doafastamento. O tão-somente fato dareclamante ter sido rebaixada (bemcomo suas circunstâncias) gera danosà imagem da reclamante, bem comosofrimento emocional que se qualificacomo dano moral. Em 12 de maio de2004 a reclamante, na condição de

supervisora em Belo Horizonte, foiatender a uma grande cliente no Estadodo Espírito Santo - Banco BANESTES.Em meio à execução de suasatividades, recebeu a notícia dorebaixamento, por um telefonema deum de seus subordinados em BeloHorizonte. Enviada para a dita viagem,a reclamante foi sumariamentedemitida de seu cargo de gerência, semnenhum aviso e com a notícia tendosido repassada primeiro a terceiros(inclusive os subordinados da autora).Deduz, em face do articulado, os pleitosde f. 05, dos autos. Deu à causa o valorde R$20.000,00. Juntou documentos.

Audiência inaugural reduzida atermo na ata de f. 21, dos autos. Defesaescrita, com documentos, dos quais sedeu vista ao autor. Audiência deprosseguimento reduzida a termo naata de f. 44/46, dos autos. Tomados osdepoimentos pessoais. Produzidaprova testemunhal. As partesdeclararam não possuírem outrasprovas. Sem outras provas, encerrou-se a instrução processual. Razõesfinais orais pelas partes. Conciliaçãofinal recusada.

É o relatório.

ATA DE AUDIÊNCIA - PROCESSO N. 00435-2005-010-03-00-8Data: 09.05.2005DECISÃO DA 10ª VARA DO TRABALHO DE BELO HORIZONTE - MGJuiz Substituto: Dr. BRUNO ALVES RODRIGUES

Aos 09 dias do mês de maio de 2005, às 15h58min, na sede da 10ª Vara doTrabalho de Belo Horizonte, sob o exercício jurisdicional do MM. Juiz do TrabalhoDr. Bruno Alves Rodrigues, realizou-se a audiência de julgamento da AçãoTrabalhista ajuizada por ANA SORAYA ZANON em face de TELEMAR NORTELESTE S/A.

Aberta a audiência, por ordem do MM. Juiz Presidente, foram apregoadasas partes.

Partes ausentes. Conciliação final prejudicada.Vistos, etc.Submetido o processo a julgamento, passo a proferir a seguinte

SENTENÇA:

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FUNDAMENTOS

1 - Preliminares

1.1 - Da aptidão da inicial

A peça de ingresso atende aodisposto no § 1º do art. 840 da CLT,viabilizando pleno exercício docontraditório por parte da reclamada,inclusive no que tange à indicação dasfunções exercidas pela autora e cujaalteração motiva a pretensão de danomoral deduzida. Rejeita-se.

1.2 - Da competência ratione

materiae

A competência da Justiça doTrabalho para apreciar pretensão deindenização por danos moraisdecorrentes da relação de trabalhoencontra-se expressamente prevista noart. 114 da CF/88, com a nova redaçãoimprimida pela Emenda Constitucionaln. 45/04. Rejeita-se.

2 - Prejudicial de mérito

2.1 - Prescrição

Não há dedução de qualquerpretensão referente à parcela cujaexigibilidade seja anterior a 07.04.2000,pelo que, não se verificando decurso doqüinqüídio legal previsto no inciso XXIXdo art. 7º da CF/88, rejeita-se aprejudicial argüida pela ré.

3 - Mérito

3.1 - Do dano moral

A autora alega que até agosto de2002 exerceu a função de suportecomercial. De setembro de 2002 atémaio de 2004 teria passado a exercer as

funções de supervisora de atendimento;primeiro na cidade de São Paulo (desetembro de 2002 a setembro de 2003);depois em Belo Horizonte (de setembrode 2003 a maio de 2004). Em maio de2004 teria sido rebaixada, voltando aexercer a função de suporte comercial(apesar de seu cargo formal ser analistacomercial), função que exerceu até adata do afastamento. Observa que tão-somente o fato de ter sido rebaixada(bem como suas circunstâncias) gerariadanos à imagem da reclamante, bemcomo sofrimento emocional que sequalifica como dano moral.

A ré contesta pretensão autoral, aofundamento de que “o fato da reclamanteter modificado suas atividades não éjustificativa para a condenação aopagamento de indenização por danomoral, já que não foi motivo de exposiçãoa situação vexatória em seu ambiente detrabalho.” (f. 25, dos autos)

A prova dos autos revelou que areclamada passou por processo dereestruturação organizacional. Nestesentido, informou a testemunha ouvidaa rogo do autor que “em maio de 2004houve a saída do Luís Cláudio,assumindo seu posto Carlos Eduardo,que procedeu a alteração do setor,extinguindo a figura dos supervisores eindicando pessoas novas adequadas aoseu perfil, à função de coordenado [...]que participou da reunião em maio de2004; que na reunião foi informado quetodos (suporte e antigos supervisores)trabalhariam em iguais condições comosuporte; que ressaltou-se ‘todo mundoigual a partir de hoje’.” (f. 45, dos autos)

Em razão da mencionadareestruturação, a autora foi revertida docargo que ela própria indicou na exordialcomo de “gerência” ou “supervisão” paraa função técnica afeta à área, nascondições dos empregadosanteriormente subordinados à mesma.

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A hipótese, assim, não constituialteração funcional lesiva à dignidade eque ensejaria indenização por danosmorais. Comungamos do entendimentode que o rebaixamento funcional lesivoao art. 468 da CLT, e que teria motivaçãosubjetiva de perseguição do funcionário,efetivamente enseja a caracterização dedano moral.

Não há como se entender,contudo, que toda alteração funcionaldar-se-ia neste contexto. Asistematicidade da CLT orienta umaleitura do art. 468 da CLT juntamentecom os dispositivos presentes noparágrafo único do mencionado artigoe o disposto no parágrafo único do art.456 da CLT, que delimitam de formaheterônoma o poder diretivo da empresano que tange à alteração funcional doempregado.

Lícito, assim, ao empregadorreverter lotação de funcionário em cargode confiança, em típico exercício regularde direito previsto no parágrafo único doart. 468 da CLT, desde que este fato nãofuja dos limites organizacionaisempresariais previstos no art. 2º da CLT.

Como adverte VILHENA, aotratar do poder diretivo numa concepçãoorganizacional integrativa da empresa,

Ao conceber-se aempresa como unidade técnico-econômica de produção ou trocade bens e serviços, duas ordensbásicas de consideraçõesdevem ser expostas:externamente, a empresa realizafins; internamente, organiza-se eopera.

Se não há coordenação,harmonia, interdependência econfluência de ações na vidainterna da empresa, não alcançaela seus fins técnico-econômicos. É um desagregado.

Para que assim não seja,é indispensável que se sustenhaem requisitos mínimos deorganização. Somente atravésdesta é que logra o jogo contínuode operações harmonicamentedesenvolvidas.

[...]Exerce-se o poder diretivo

sobre um tráfico de atividades queparticipam integrativamente doprocesso produtivo empresário.1

Portanto, a alteração funcionalprocedida pela ré consistiu em efetivoexercício de poder (jurídico) diretivovoltado para melhor integraçãoorganizacional da ré, com alteração dalotação dos funcionários lotados emcargo de confiança, segundo desígnioadministrativo e discricionário que nãoextrapola os limites legais.

Aliás, se a alteraçãoorganizacional procedida pela réocorreu na forma indicada pelatestemunha da autora, há de se louvara postura administrativa dehorizontalização das relações detrabalho na empresa.

Extinguir a figura deSUPERVISOR para criar a figura deCOORDENADOR reflete, efetivamente,processo de democratização interna amitigar a presença da hierarquia, narelação de emprego, verdadeirofenômeno que possui tratamentoextremamente escasso, na doutrinanacional, mas de relevante importância.Antônio Álvares da Silva sagrou-sepioneiro, nesta discussão, em suamagnífica obra Co-gestão no

estabelecimento e na empresa, onde

1 VILHENA, Paulo Emílio Ribeiro de. Relação

de emprego. Estrutura legal e supostos.São Paulo: LTr, 1999, p. 210/217.

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enfrenta a questão da quebra dostradicionais caracteres sinalagmáticosdo contrato de emprego, para lheimprimir um elemento de cooperação,entre os agentes desta relação.

Nesta obra, condena-se adesvalorização da vontade doempregado, num contrato desubordinação, propugnando por umaalternativa à tradicional estruturação daatividade empresarial, na qual se afastao empregado do produto e da direção.A empresa passa a ser vista, no modelode co-gestão, proposto pelo autor, comoponto de convergência, e não dedivergência, entre o capital e o trabalho.Neste sentido, doutrina:

Importando a co-gestão em efetivaintegração, o trabalho forma como capital uma unidade, passandoa empresa/estabelecimento a seruma unidade funcional, assimtratada inclusive pelo legisladorque agora não mais vai fazer leispara o empregador e para oempregado separadamente massim para a empresa compostaagora pelos dois.Só com esta visão e com estametodologia a relação deemprego deixará de ser conflituale a empresa se transformaránum ponto de convergência, nãomais de oposição entre o capitale o trabalho.2

O citado mestre das letrasjurídicas reconhece a impossibilidade dese retirar, totalmente, da organizaçãoempresarial a estrutura hierárquica emque repousa a organização empresarial.No entanto, ressalta que esta hierarquia

pode assumir formas maishumanas e funcionais no interiordas empresas onde o sistemarígido de dominação vigente,unilateralmente determinado peloempregador, dê lugar a umaorganização cooperativa em quese saliente mais o trabalho comumdo que o trabalho subordinado, emque a democratização da empresasignificasse não só uma forma dedistribuição do poder, mastambém uma melhor forma decontrole de sua atividade por todosos segmentos nela existentes.3

A ciência da administração,assim, abandonou sua clássicaestruturação teórica, com as recentesproposições que superam as escolasclássicas, que mantinham um sistemahierarquizado de organização dasrelações de trabalho. As modernasteorias que informam a ciência daadministração ajustam-se à premissalançada por ÁLVARES DA SILVA nosentido de que

A ascensão do trabalhador naempresa e a importância daempresa na vida social permitema satisfação das condiçõessubjetivas (realização pessoal dotrabalhador) e objetivas (maiorprodução e mais eficienteprodutividade), que constituemos únicos fatores capazes desuperar o fosso que a sociedadeindustrial criou entre oempregado e a empresa.4

2 SILVA, Antônio Álvares. Co-gestão no

estabelecimento e na empresa, São Paulo:LTr, 1990, p. 26.

3 SILVA, Antônio Álvares. Co-gestão no

estabelecimento e na empresa, São Paulo:LTr, 1990, p. 26.

4 SILVA, Antônio Álvares. Co-gestão no

estabelecimento e na empresa, São Paulo:LTr, 1990, p. 26.

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Esta a razão pela qual o sistemade organização de trabalho adotado porTaylor e Fayol, no princípio do século -e que predominou, principalmente, nospaíses subdesenvolvidos e emdesenvolvimento, até à segunda metadeséculo XX -, resta hoje abandonado, emfavor de outro que permite maiorvalorização do trabalho.

As teses lançadas pelos doisteóricos previam sistemas deorganização empresarial centralizada epiramidal. Os empregados tinham aatividade dirigida, de forma a se anularqualquer resultado decorrente deexercício voluntário dos mesmos, de vezque a forma da produção era totalmentepredeterminada pelo superiorhierárquico. Desta característicaresultava outra orientação daorganização taylorista: a fixação detempo padrão. Isto porque, se o queimporta à atividade empresarial é aatividade do empregado - e, apenas deforma mediata, o produto -, a empresadeveria preocupar-se com a medida dotempo em que o prestador de serviçosdisponibilizaria para exercer a atividadesubordinada.

Conforme salientado porPROSCURCIN,

A administração científica retiroudas tarefas do trabalhador a parteinteligente, levando-a aosdepartamentos de engenharia,planejamento e desenvolvimento.Ao trabalhador cabia cumprirtarefas fragmentadas, tão bemretratadas no filme Tempos

Modernos, com Charles Chaplin.Ao suprimir a parte criativa, aadministração científica tornou otrabalho rotineiro e doloroso,retirando o prazer do trabalho.Nessas condições, era naturalque no clima organizacional

desse período só poderiaprevalecer o comandoverticalizado, imposto na base dasubordinação e da disciplina.5

Dentro deste esquema deorganização taylorista prevalecia apremissa de que o homem movimentar-se-ia na proporção de seu interessematerial, sendo inócuos os estímulospessoais. O conflito capital X trabalhotraduzir-se-ia, quase sempre, emchoque de pretensões por aumentosalarial e diminuição de jornada.

Elton Mayo, no entanto, ainda naprimeira metade do século XX, jogou porterra tal premissa, comprovando que háoutros tipos de motivação para otrabalho, que não os meramentemateriais, e que a produtividade doindivíduo depende de seu engajamento,no corpo empresarial, e na própriaorganização informal (rede derelacionamento, dentro da empresa).

Este último aspecto destacadopor Mayo constitui objeto de estudo daatual Escola Sociotécnica, que orienta ogerenciamento de pessoal, no sentido decompatibilizar os ambientes técnico esocial do trabalho, empregando meios deintegração do empregado, no corposocial da empresa, que é vista como umorganismo no qual os mesmos interagempara a obtenção de um fim comum.

Tal interação, entre ostrabalhadores, será tanto mais eficaz,quanto mais ocorrer a efetivaparticipação do empregado, com realincremento pessoal do mesmo noproduto gerado pela sua atividade -circunstância que depende da quebrado tradicional sistema burocrático de

5 PROSCURCIN, Pedro. O fim dasubordinação clássica no Direito doTrabalho. Revista LTr 65-03, p. 284.

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organização empresarial, que permitiráa justa valorização do empregado,estimulando o mesmo na busca demaior qualif icação técnica e daobtenção de maior produtividade.

Evidenciadas, assim, ascaracterísticas da moderna organizaçãoempresarial, verifica-se o quanto seencontra superado o conceito clássicode subordinação jurídica.

Assim é que o apego da autoraao seu cargo anterior pelo “poder”,salientando sua visão puramente niilistade exercício deste, na medida em quetem como dado lesivo à dignidade atémesmo o fato de terem sido “os seuspróprios subordinados quem fizeram talcomunicação” (do rebaixamento - f. 04,dos autos) demonstra o quanto estamantém visão distorcida do que consisteeste mesmo poder dentro de uma visãoorganizacional-integrativa, enquantoque não representa e nuncarepresentou a autora mais ou menosque os “subordinados”, que também nãosão “seus”, na medida em queinadmissível a subordinação pessoal narelação de emprego.

Não há, assim, a configuração dedano moral, pelo que improcede apretensão autora de condenação dareclamada no pagamento deindenização a este título.

3.2 - Da justiça gratuita

Declarada a pobreza, no sentidolegal, pela autora (f. 18, dos autos),concede-se à mesma o benefício dajustiça gratuita, nos termos do § 3º doart. 790 da CLT, isentando-a deeventuais custas processuais.

DISPOSITIVO

EM FACE DO EXPOSTO, decidoJULGAR IMPROCEDENTES OSPEDIDOS formulados por ANA SORAYAZANON em face da reclamadaTELEMAR NORTE LESTE S/A.

Custas, pela autora, no valor deR$400,00 (art. 789 da CLT), calculadassobre R$20.000,00, valor atribuído àcausa, isenta.

Partes intimadas na forma do En.n. 197 do TST. Nada mais.

Vistos, etc.

Trata-se de mandado desegurança preventivo impetrado porCondomínio Estação Sul Fashion Mall,em prol de seus lojistas-locatários, pormeio do qual pretende poder impor aosmesmos o pleno funcionamento emdomingos e feriados, sem que estejam

sujeitos à lavratura de autos de infraçãoe aplicação de multas pordescumprimento da legislaçãotrabalhista.

Estriba-se o impetrante,principalmente, nas disposições doartigo 6º da Lei n. 10.101/2000, do artigo170 da Constituição da República e daLei Municipal n. 5.913/91.

ATA DE AUDIÊNCIA - PROCESSO N. 805-2005-007-03-00-4Juiz Substituto: PAULO EDUARDO QUEIROZ GONÇALVES

IMPETRANTE: Condomínio Estação Sul Fashion MallIMPETRADO: DELEGADO DO TRABALHO EM BELO HORIZONTE/MG

DECISÃO DE MANDADO DE SEGURANÇA

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Carreia documentos parafundamentar o periculum in mora.

Liminar concedida em parte -quanto ao funcionamento dominical - àsf. 131/133, com prestação deinformações pela autoridade ditacoatora, às f. 136/148.

Parecer do Ministério Público, f.177/187, no sentido da denegação do writ.

Contra a decisão do MM. JuizFederal, interpôs agravo de instrumentoo impetrante, provido pelo EgrégioTribunal Regional Federal da 1ª Região,que, por meio do venerando acórdão def. 226/229, houve por bem deferirintegralmente a liminar.

Os autos foram conclusos parasentença ao Juiz Federal, que declinoude sua competência, à vista das regrasplasmadas pela Emenda Constitucionaln. 45, de 08 de dezembro de 2004, nosincisos IV e VII do artigo 114.

Vistos e relatados, passo adecidir.

Não merece julgamento demérito o presente mandamus.

Da Convenção de Condomíniode f. 29 e seguintes, infere-se quediversas pessoas naturais, legítimasproprietárias e possuidoras dos lotes 19,21, 23, 25 e 27 da quadra 170 do BairroSion, deliberaram construir nos imóveisum centro comercial composto por 25(vinte e cinco) lojas e estacionamento,com área “locável” de lojas de 1.341metros quadrados, garagem, praça dealimentação de 135 metros quadrados,praça de eventos de 201 metrosquadrados e terraço de 842 metrosquadrados, incluindo área coberta de500 metros quadrados para salão deeventos.

A cláusula segunda daConvenção regula a participação doscondôminos, f. 32, e a cláusula terceira,a destinação específica do condomínio,in verbis:

O condomínio será destinadoespecífica e exclusivamente aoEmpreendimento, isto é, àadministração e exploração desuas edificações, áreas einstalações como centrocomercial tipo shopping center,

com planejamento,administração e gerenciamentopromovidos de forma integrada,conjunta e indivisível, medianteo aluguel de suas lojas egaragens, e a repartição dasreceitas daí provenientes entreos Condôminos, na forma destaConvenção. (destaques meus)

Vale dizer, embora haja interessecomum na otimização dos negócios,que existem também interessescontrapostos de locador (oraimpetrante) e lojistas-locatários.

Aliás, da festejada “EscrituraPública Declaratória de Normas Geraisdas Locações e Regimento Interno doCondomínio Estação Sul Fashion Mall”,na qual se baseia o impetrante parafirmar sua legitimidade ad causam,colhem-se as seguintes diretrizes:

1. “Os empregados doS.C. não poderão ser utilizadospara execução de tarefas dointeresse privado dos lojistas, amenos que haja autorizaçãoespecífica do Declarante emediante pagamento dos custosincorridos, inclusive adicionalrelativo aos encargos sociais eà taxa de administração. Mesmoquando autorizado a prestarserviço a qualquer lojista, opessoal do S.C. receberá ordensde sua chefia imediata” (cf. f. 69/70);

2. “Ao concederautorização para qualquer lojista

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funcionar em horárioexcepcional, ou ao fixar oshorários normais defuncionamento, o Declarante nãose solidariza com osinteressados, nem seresponsabiliza pela eventualinobservância de horárioslimitados pelas autoridadescompetentes, sejam elesaplicáveis ao comércio em geral,sejam restritos a determinadotipo de atividade, cujaobservância é de totalresponsabilidade dosinteressados” (cf. f. 78).

Com efeito, e nisso tem razão oimpetrante em sua falta de“solidariedade” a seus lojistas (sic), arelação entre condomínio e locatários,típico enlace de direito comercial,escapa à tutela do remédio heróico: ouseja, se o impetrante pode ou nãodeterminar que seus lojistas funcionemdomingos e feriados, questão de direitocomum e que toca apenas aoscontratantes - como faz o impetrantequestão de assentar -, não deve seranalisada sob as galas de mandado desegurança, que se destina a corrigir ouevitar abusos de poder ou ilegalidades

cometidos por ato de autoridade,revestido de jus imperii.

Por outro lado, aos lojistas, ou,quiçá, à associação deles (embora nãose possa, no meu entendimento, tratarde modo uniforme um restaurante oufarmácia em relação a uma loja desupérfluos, nomeadamente quanto aosferiados), caberia impetrar mandado desegurança. Deveras, ninguém podereclamar, em nome próprio, direitoalheio, salvo com expressa autorizaçãolegal, na forma do artigo 6º do CPC, enão vislumbro, in hoc casu, a necessáriabrecha legislativa, com todas as vêniasao impetrante.

À luz desses fundamentos, e emconclusão dispositiva, na melhor formado artigo 459 do CPC, julgo extinto semjulgamento de mérito o processo, porilegitimidade ativa de parte.

Publique-se, registre-se,intimem-se as partes da presentedecisão, oficiando-se à autoridadeapontada coatora, com cópia dapresente.

Custas, pela impetrante, de 2%sobre o valor da causa, atribuído nainicial, consoante artigo 789 da CLT.

Sem honorários advocatícios(Súmula n. 105 do STJ).

Nada mais, encerrou-se.

ATA DE AUDIÊNCIA - PROCESSO N. 226/05Data: 20.04.2005DECISÃO DA 18ª VARA DO TRABALHO DE BELO HORIZONTE - MGJuíza Presidente: Drª ADRIANA GOULART DE SENA

Aos 20 dias do mês de abril de 2005, às 15h59min, a 18ª Vara do Trabalhode Belo Horizonte, em sua sede, por sua titular, a MM. Juíza ADRIANA GOULARTDE SENA, julga a Ação Trabalhista ajuizada por Caixa Econômica Federal contraUnião Federal - Procuradoria da Fazenda Nacional, relativa a nulidade do auto deinfração, no valor de R$4.200,00.

Aberta a audiência foram, de ordem da MM.Juíza, apregoadas as partes,ausentes.

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DECISÃO

I RELATÓRIO

CAIXA ECONÔMICA FEDERAL,qualificada à f. 03, ajuizou AçãoTrabalhista (art. 7º, XXIX, e art. 114, VII,da CR/88) em face de UNIÃO FEDERAL- PROCURADORIA DA FAZENDANACIONAL, elencando que foi autuadaem suas agências localizadas na cidadede Itabira e que foi notificada que oinadimplemento do pagamento da multaensejaria o encaminhamento dosrespectivos procedimentosadministrativos à Procuradoria daFazenda Nacional para fins de inscriçãono CADIN e cobrança executiva judicial.

Diz que o auto de infração foiarbitrário, não se conformando com acobrança da referida multa. Diz que nãocometeu nenhum ato de infringência àlegislação trabalhista que pudesse darorigem à mencionada autuação.

Assegura violações àsprescrições quanto ao processoadministrativo federal, tecendocomentários. Ressalta a inexistência devínculo de emprego, declinando asituação fática e a não incursão doselementos fático-jurídicos da relação deemprego na situação existente.

Giza a vulneração do princípio dareserva legal e que se está diante daestrita observância da Lei n. 8.666/93.Pede antecipação de tutela e suspensãoda exigibilidade do crédito.

Foram anexados documentos àsf. 27/62. Recolhidos emolumentos à f. 63.Instrumento de mandato às f. 25/26.Substabelecimento às f. 69/70.Declinada a competência pela JustiçaFederal em face dos termos do incisoVII do art. 114 da CR/88 - f. 64.

A ação foi distribuída nestaJustiça Especializada - f. 65, tendo sidodesignada audiência - f. 66.

Regularmente notificada a autora eintimada a ré - f. 32. Apresentada petiçãoargumentando o não cumprimento doprazo de 20 dias entre a notificação e aaudiência inicial - f. 73/76. Adiada aaudiência - f. 73 e 77. Novas intimações(f. 81/83). Idêntica petição, só sealterando o número de dias em face daaudiência - f. 85/86.

Em audiência, ausente areclamada, presente a autora. Requeridaa revelia - art. 844 da CLT. Encerrou-sea instrução. Razões finais orais pelaautora, prejudicadas as da União.Impossível a conciliação. Tudo visto eexaminado. É o Relatório.

II FUNDAMENTOS

Audiência - Ausência - Prazo de20 dias - Lei n. 9.028/95 - Revelia econfissão quanto à matéria de fato

Primeiramente, importa ressaltarque inequívoca a aplicação do Decreto-lei n. 779/69 na hipótese dos autos, umavez que temos no pólo passivo dademanda a União Federal.

Assim, conforme disposto noreferido Diploma Legal, a União possuipresunção relativa de validade derecibos de quitação e pedidos dedemissão, o prazo em quádruplo paradefesa (art. 841, in fine, da CLT - 4 x 5dias = 20 dias), o prazo em dobro pararecurso (a depender, por óbvio, do prazodo recurso a ser manejado), a dispensade depósitos para interposição derecurso, a remessa necessária dasdecisões que lhe sejam total ouparcialmente contrárias e o nãopagamento de custas.

Não há dúvida da aplicabilidadedo Decreto-lei n. 779/69. Todavia, aexegese que pretende a União seja feitano seu prazo de defesa, concessa venia,não encontra amparo no diploma

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autorizador de tratamento a eladiferenciado. Ou seja, em suas petiçõesdefende a União que o prazo de 20 diasseja observado a cada vez que tiver sidocitada. Ora, não é isto que a lei diz: a leidiz que ela terá o prazo em quádruplo,ou seja, 20 dias, e não 40, 60, 80 dias,dependendo de uma ou outra questãoprocessual.

Veja-se o caso dos autos: comuma agilidade invejável a União peticionacom argumentos padrões (veja-se quea petição de f. 73/74 e a petição de f. 85/86 só diferem na questão do número dedias entre a citação e a audiência).Esquece-se a parte de que já havia sidointimada, que havia uma ação em cursoperante esta Justiça Especializada. Aoinvés de, atendendo a celeridade -escopo da legislação atual e princípioque SEMPRE informou o processo dotrabalho -, já recolher documentos,preparar defesa, etc., peticionou, atendo-se a um raciocínio formalista e nãoacolhido pela legislação processualtrabalhista, não compareceu à audiênciae, provavelmente, perdeu-se emargumentos de cerceamento de defesae nulidade da citação.

Fica aqui um ponto que deve seraveriguado pelas partes envolvidasnesse novo desafio constitucional: olegislador trouxe para a Justiça doTrabalho as chamadas lides conexas àrelação de emprego, exatamente o casodas multas administrativas; o mesmolegislador disse que a parte tem direito aum processo em prazo razoável; omesmo legislador disse que um doscritérios de aferição de promoção demagistrado é o cumprimento de prazose celeridade. Ora, as partes envolvidas -Poder Judiciário, autores, União, etc. -deverão ter em mente essas questõesao atuar na demanda processualtrabalhista. Não há como olvidar essesnovos tempos.

Assim, como explicitado à f. 89,o prazo de 20 dias foi cumprido, tendosido, na realidade, concedidos 24 diaspara defesa, isto considerando a primeiracitação da União, onde ficou ciente daexistência da ação trabalhista que orase julga (f. 72).

Portanto, não há falar eminobservância do prazo em quádruploprevisto no inciso II do art. 1º do Decreto-lei n. 779/69.

Bem, fixada a aplicabilidade dodispositivo em tela e a sua observância,resta avaliar a questão da configuraçãoou não da revelia e da aplicação ou nãoda pena de confissão quanto à matériade fato e, se for o caso, a extensão da"confissão" (f. 90).

O entendimento do C. TribunalSuperior do Trabalho é no sentido daaplicabilidade da revelia à pessoajurídica de direito público conforme seinfere da OJ n. 152 da SDI-I. Portanto,requerida a aplicação da penalidade esendo possível a sua aplicação, importaanalisar a extensão da mesma.

Ausente o reclamado à audiênciade f. 189/90, não obstante sua ciência (f.83), aplica-se-lhe a pena de confissão ficta,abrangente da matéria fática existentenos autos, tudo conforme art. 844 da CLT.

Cumpre salientar, entretanto, queante a verdade real perseguida noprocesso, referida confissão cede, seexistentes nos autos outros elementosde convicção. Assim, não se olvidandoque os bens e direitos da FazendaPública são indisponíveis (inciso II do art.320 do CPC c/c art. 769 da CLT) a análisedas questões trazidas à colação seráfeita levando-se em linha de conta areferida premissa, até porque a maioriados pontos trata, NA REALIDADE, dematéria de direito e, por outro lado,existem documentos nos autos queserão sopesados com as presunçõesque lhe são inerentes.

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Mérito

Violações às prescriçõesquanto ao processo administrativofederal

Diz a autora que houve violaçãoao devido processo legislativo pois "nadafoi feito a fim de produzir provas duranteo procedimento, não tendo aAdministração apurado documentosoutros, ouvido testemunhas, nada,restringindo-se a confirmar o auto deinfração" (f. 05).

Bem, não há prova de que a autoraNÃO tenha assegurado a formulação dealegações ou apresentação dedocumentos. Os poucos documentostrazidos pela autora a corroborar as suasteses iniciais não demonstram qualquerindeferimento, qualquer cerceio. Nada,absolutamente nada. Ônus que lheincumbia - art. 818 da CLT.

Mas, ainda que assim não fosse,o art. 632 da Consolidação das Leis doTrabalho dispõe:

Poderá o autuado requerer aaudiência de testemunhas e asdiligências que lhe pareceremnecessárias à elucidação doprocesso, cabendo, porém, àautoridade, julgar da necessidadede tais provas.

Portanto, na esferaadministrativa, como na judicial, épossível, por aquele que conduz oprocedimento, julgar da conveniência ounão da produção de determinada provae indeferir diligências avaliadas comoprocrastinatórias. Assim, se houveindeferimento de prova, se foi impedidode formular alegações ou juntardocumentos (que, aliás, ressalte-se: nãohá prova nos autos de nenhum despachoou decisão indeferindo NADA), tal é

possível, na medida em que anecessidade da prova é avaliada pelaautoridade, em face dos dispositivos queregem a matéria.

Como não há nos autos nenhumaprova de indeferimento de prova ouimpedimento de alegação, não se podefazer sequer a análise sob o prisma deexercício irregular da atribuição, o quegeraria, em tese, um cerceamento dedefesa. Nada a ser acolhido, portanto,não restam violados os incisos LIII, LIV,LV do art. 5º da Constituição daRepública de 1988.

Outro ponto que levanta a autoracomo gerador de nulidade é a falta demotivação específica, malferidos, pois,os arts. 2º, X, e 50 da Lei n. 9.784/99.

Diz o caput do art. 2º da Lei n.9.784/99 que

A Administração Públicaobedecerá dentre outros, aosprincípios da legalidade,finalidade, motivação,razoabilidade, proporcionalidade,moralidade, ampla defesa,contraditório, segurança jurídica,interesse público e eficiência.

Parágrafo único. Nosprocessos administrativos serãoobservados, entre outros, oscritérios de:

I - atuação conforme a leie o Direito;

II - atendimento a fins deinteresse geral, vedada arenúncia total ou parcial depoderes ou competências, salvoautorização em lei;

III - objetividade noatendimento do interesse público,vedada a promoção pessoal deagentes ou autoridades;

IV - atuação segundopadrões éticos de probidade,decoro e boa-fé;

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V - divulgação oficial dosatos administrativos, ressalvadasas hipóteses de sigilo previstasna Constituição;

VI - adequação entre meiose fins, vedada a imposição deobrigações, restrições e sançõesem medida superior àquelasestritamente necessárias aoatendimento do interesse público;

VII - indicação dospressupostos de fato e de direitoque determinarem a decisão;

VIII - observância dasformalidades essenciais à garantiados direitos dos administrados;

IX - adoção de formassimples, suficientes para propiciaradequado grau de certeza,segurança e respeito aos direitosdos administrados;

X - garantia dos direitos àcomunicação, à apresentação dealegações finais, à produção deprovas e à interposição derecursos, nos processos de quepossam resultar sanções e nassituações de litígio;

XI - proibição de cobrançade despesas processuais,ressalvadas as previstas em lei;

XII - impulsão, de ofício,do processo administrativo, semprejuízo da atuação dosinteressados;

XIII - interpretação danorma administrativa da formaque melhor garanta oatendimento do fim público a quese dirige, vedada aplicaçãoretroativa de nova interpretação.

Da análise dos documentosanexados aos autos não se vislumbraqualquer descumprimento ouderrogação do ali previsto. Certo é quevigora no processo administrativo, e

também no judicial, o princípio daverdade real, segundo o qual o processohá de buscar a verdade real, agindo porimpulso oficial, independente da vontadedo administrado.

Por outro lado, o auto de infraçãode f. 27 possui descrição de fatos edispositivos legais, além de menção dehistórico da autuação, assinatura daspartes, local e data, tudo nele constante.Ora, houve motivação específica sim. Aautora pode até não concordar com amotivação, mas ela existe e está nodocumento anexado aos autos.

O ato administrativo que impôs aaplicação de multa à embargante tembase em parecer que refutou asalegações apresentadas pela ora autoraem sua defesa administrativa, comindicação do dispositivo legal no qual seapóia, que é o quanto basta para que aexigência de motivação seja satisfeita.

Em outro olhar, agorasofismático, diz a autora que o inciso VIIdo art. 50 da Lei n. 9.784/99 prevê ahipótese de que o ato administrativodeverá ser motivado quando deixar deaplicar jurisprudência firmada sobre aquestão e, para tanto, especifica oEnunciado n. 331 do TST.

Todavia, a autuação nãocontrariou o Enunciado referido, aoreverso, o fiscal, verificando no local asituação fática e a norma descumprida,autuou a autora porque diante dasituação fática ali presente o vínculo comela se formava. Assim, não há falar emcontrariedade da súmula. Fique claroque não se trata da hipótese prevista noEnunciado n. 331 do TST deterceirização lícita, de atividade-meio,mas sim de terceirização de atividade-fim, conforme se depreende dos termosda autuação de f. 27 dos autos. Não faltamotivação específica, não faltafundamentação no auto de infraçãoconfirmado através da decisão de f. 28.

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Realmente, o Enunciado n. 331prevê a possibilidade de terceirizaçãopara a chamada atividade-meio, todavianão menos claro que inadmissível pelamesma orientação jurisprudencial aterceirização de atividade-fim. Claro queEnunciado não é lei, mas a utilização deempresas locadoras de mão-de-obra émarchandage, prática repudiada peloDireito.

Segundo o Prof. MauricioGodinho Delgado:

A dualidade atividades-meio versus atividades-fim foielaborada pela jurisprudência aolongo das décadas de 1980 e 90por influência dos dois diplomaslegais referidos à AdministraçãoPública e como parte do esforçopara melhor compreender adinâmica jurídica da terceirizaçãopor além dos estritos limitescolocados pelo antigo Enunciado256 do TST. O Enunciado 331claramente assimilou osresultados desse esforçohermenêutico.1

Esse foi o ponto crucial daautuação, a análise da questão relativaao concurso público será feita no próximotópico.

Vínculo empregatício

Primeiramente, é mister fixar queos atos administrativos, qualquer queseja a sua categoria ou espécie, nascemcom a presunção de legitimidade,independentemente de norma legal quea estabeleça. Essa presunção, segundo

Hely Lopes Meirelles, decorre doprincípio da legalidade da administração,que, nos Estados de Direito, informa aatuação governamental.2 E uma dasconseqüências da presunção delegitimidade dos atos administrativos éa transferência do ônus da prova deinvalidade do ato para quem a invoca.

Esse princípio abrange doisaspectos, conforme lição de Maria SylviaZanella Di Pietro,

...de um lado, a presunção deverdade, que diz respeito àcerteza dos fatos; de outro lado,a presunção da legalidade, pois,se a Administração Pública sesubmete à lei, presume-se, atéprova em contrário, que todos osseus atos sejam verdadeiros epraticados com observância dasnormas legais pertinentes.3

Assim, uma vez que a autora nãofez qualquer prova que elidisse acondição fática descrita no auto deinfração de f. 27, a autuação do fiscal élegal e irretorquível e não está a merecerreparos.

Certo que a autora possuicontratos de prestação de serviços coma Rosch Administradora de Serviços deInformática (f. 30/40), com aCOOPSERVIÇO - Cooperativa dosProfissionais de Serviços Múltiplos (f. 41/49) e com a CACTUS - Locação de Mão-de-Obra Ltda. (f. 50/62). No caso destaúltima contratada, o próprio nome diztudo: locação de mão-de-obra...

1 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de

direito do trabalho, 4. ed. São Paulo: LTr,2005, p. 440.

2 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito

administrativo brasileiro, 14. ed. São Paulo:Malheiros Editores Ltda., p. 18.

3 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito

administrativo, 18. ed. São Paulo: Atlas,2004, p. 72.

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Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.40, n.70 (supl. esp.), p.305-358, jul./dez.2004

No auto de infração de f. 27 o sr.Fiscal, no exercício de suas funções,relatando as condições fáticas a quesubmetidos os "trabalhadores"terceirizados, aplicou a multa láconstante em face da não assinatura daCTPS.

A competência da Justiça doTrabalho não exclui as autoridades queexerçam funções delegadas paraexercer a fiscalização do fielcumprimento das normas de proteção aotrabalho.

O inciso XXIV do art. 21 daCarta Magna confere competência àUnião para "organizar, manter eexecutar a inspeção do trabalho". Oart. 626 da Consolidação das Leis doTrabalho que, em consonância como comando const i tuc ional ,particulariza tal competência para oMinistério do Trabalho, ao qual foiatribuída a nobre missão de fiscalizaro "fiel cumprimento das normas deproteção ao trabalho", dentre estas,é claro, o artigo 41 capitulado naautuação, que trata do registro deempregados.

Seria no mínimo ilógico que seatribuísse competência ao Órgão e,concomitantemente, não se lhe dessepoderes para constatar os elementosfático-jurídicos configuradores darelação de emprego, da qual emanamos demais direitos trabalhistas.

O exercício do poder de políciapelas Delegacias Regionais doTrabalho, com objetivo de verificar ocumprimento da legislação trabalhista,não é uma faculdade da Administração,mas uma imposição legal. A atividadefiscalizatória compreende o cotejo darealidade fática diante do ordenamentojurídico, a fim de se verif icar aadequação daquela a este.

Em situação similar o TRF da 4ªRegião assim decidiu:

FISCALIZAÇÃO DO TRABALHO.REGISTRO DE EMPREGADOS.MULTA POR INFRIGÊNCIA AOART. 41 DA CLT. PRESUNÇÃO.DESNECESSIDADE DE PRÉVIADECLARAÇÃO DA RELAÇÃODE EMPREGO PELA JUSTIÇADO TRABALHO. 1. A aplicaçãode multa pecuniária pela falta deregistro de empregados nãodepende de prévia declaração daexistência de relação de empregopela Justiça do Trabalho, pois ovínculo empregatício, em talcaso, pode ser simplesmentepressuposto pelo fiscal dotrabalho. Decidindo sobre aexistência, ou não, da relação deemprego, a autoridadeadministrativa não estaráresolvendo nenhuma lide entreempregado e patrão, massimplesmente examinando osuposto fático da multa. [...] 4.Apelação provida.(TRF, 4ª Região, AC n.1999.04.01.121759-1/PR, Rel. JuizZuudi Sakakihara, dt.jto -31.10.2000, DJU 03.01.2001, p. 165)

Realmente, a relação deemprego constitui um fato gerador daincidência de multas pordescumprimento das normas deproteção ao trabalhador, assim incumbeao agente da administração a análise, ainvestigação da situação fática, para ofim do exame de sua subsunção àhipótese de incidência. Entendimentodiverso levaria à permissão dasimulação, escolhendo as partes aconfiguração que se lhes mostre maisconveniente economicamente.

A situação fática declinada à f. 27- empregados trabalhando nos setoresde retaguarda, atendimento ao cliente,processamento de documentos em geral

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Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.40, n.70 (supl. esp.), p.305-358, jul./dez.2004

- atividades-fim da CEF, submetendo-seà coordenação, supervisão defuncionários da própria CEF - denota oscinco elementos fático-jurídicos, no dizerdo Prof. Mauricio Godinho Delgado, darelação de emprego. São pessoasfísicas, que trabalham onerosamente,com pessoalidade, de forma ineventual,sob subordinação - arts. 2º e 3º da CLT.

Referidas pessoas mencionadasà f. 27 foram contratadas por outrasempresas, todavia trabalharamdiretamente subordinadas à chefia eliderança pessoal da CEF, executandoatividades tipicamente bancárias.

Assim é que os serviços queforam executados pelos funcionáriossempre se constituíram na atividade-fimda primeira reclamada - CEF, razão pelaqual a sua contratação pelas empresasmencionadas na petição inicial cujoscontratos se encontram nos autos (f. 30/62) - com a Rosch Administradora deServiços de Informática (f. 30/40), coma COOPSERVIÇO - Cooperativa dosProfissionais de Serviços Múltiplos (f. 41/49) e com a CACTUS - Locação de Mão-de-Obra Ltda. (f. 50/62) -, foi apenascomo intermediárias em afronta àsdisposições da Lei n. 6.019/74,Enunciado n. 331 do TST, arts. 2º e 3ºda CLT e ainda ferindo as disposiçõesdo artigo 9º da CLT, uma vez que osfuncionários eram autênticosempregados da CEF.

Dúvida não há quanto àinexistência de contrato de vigilância nocaso dos autos, por outro lado, trabalhotemporário também não é, uma vez queo prazo de duração elastecido (f. 35, 45e 51) de todos os contratos refuta aconsignação em um deles (CACTUS) deatendimento de necessidade transitóriade substituição de seu pessoal regular epermanente ou acréscimo extraordináriode serviços - art. 2º da Lei n. 6.019/74 -conforme constada à f. 50.

Vale o registro de que há nosautos os contratos firmados entre a CEFe as empresas prestadoras de serviçosde modo que pode ser verificado omotivo justificador da contratação dosfuncionários (f. 30, 41 e 50). A análiseatenta dos referidos documentos civisdemonstra que o objeto dos contratoseram TODOS de atividades tipicamenteBANCÁRIAS, atividade-fim da autora.

Em tese, não há nada de ilegal nacontratação normal de uma empresa poroutra, possibilidade legal denominada decontrato de prestação de serviços;todavia, no caso dos autos, a contrataçãofoi irregular porque se buscou prestar osserviços que se revestem de atividade-fim da contratante. Isso é marchandage

e não é tolerada pelo Direito.Como já se salientou acima, no

caso dos autos, está-se a tratar dodenominado leasing de pessoal ou aindamarchandage, hipótese rechaçada einadmitida pela legislação trabalhista -art. 9º da CLT. Dessa feita, verifica-se asituação de intermediação de mão-de-obra, com mero fornecimento de pessoale com o único resultado a negociaçãodo trabalho alheio.

Prevalece em Direito do Trabalhoo princípio da primazia da realidade, oque significa que os efeitos das relaçõessão extraídos da forma pela qual serealizou a prestação de serviços. Logoas relações jurídicas se definem e seconceituam pelo seu real conteúdo,pouco importando o nome que lhes foiatribuído pelas partes.

A presença de fraude (art. 9º daCLT) verifica-se na hipótese jámencionada de marchandage, sendoesta repelida, como in casu. Na hipótesefraudulenta, o locador, na realidade, atuacomo um verdadeiro atravessador. É umespeculador. O objeto da locação nãoencerra uma atividade produtiva, massim o fornecimento de trabalho alheio.

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Agora nos resta enfrentar aquestão crucial da inicial que é a relativaà necessidade de concurso público jáque a CEF é empresa pública, ente daadministração pública indireta e estásubmetida ao comando do inciso II doart. 37 da CR/88.

Efetivamente a autora estásubmetida ao comando do inciso II doart. 37 Constitucional, ou seja, aaprovação prévia em concurso públicode provas ou de provas e títulos érequisito insuplantável para a investiduraem cargo ou emprego público,considerando nulo o ato de admissãoefetuado sem a observância de talrequisito.

Portanto, no quadroconstitucional atual é inviável, mesmoem situações de terceirização ilícita,acatar-se a relação empregatícia comentidades estatais. A Constituiçãopretendeu

estabelecer em tais situaçõesuma garantia a favor de toda asociedade, em face da tradiçãopatrimonialista das práticasadministrativas públicasimperantes no país. Tal garantiaestaria fundada na suposição deque a administração epatrimônios públicos sintetizamvalores e interesses de toda acoletividade, sobrepondo-se,assim, aos interesses de pessoasou categorias particulares.4

É o entendimento que se extraido item II do Enunciado n. 331 do TST.Todavia, o texto do referido Enunciadonão respondeu algumas indagações

relevantes sobre a totalidade dos efeitosda terceirização ilícita praticada porentidades da administração estatal.

E aqui entra a exegese pessoalde cada Magistrado quando se deparacom pontos ainda não resolvidos. Emque pese o respeito à decisãoparcialmente transcrita do Colega daJustiça Federal, não comungo de seuentendimento. É que, se há fraude, ofraudador não pode sair beneficiado damesma. Se assim fosse, por que cumprira lei?! Não faço o concurso públicoapesar de precisar de inúmerosfuncionários, de existir inúmerosdesempregados no país, contratoatravés de empresa interposta,funcionários para atuar na minhaatividade-fim e nada acontece?! Não! Aexegese da norma legal não pode levarao incentivo ao descumprimento dalegislação. Isto é básico. Ninguém podebeneficiar-se de sua própria torpeza, atéporque nos negócios jurídicos inválidosa lei ressalva os direitos dos terceirosde boa-fé (§ 2º do art. 167 do novoCódigo Civil). Portanto, há simexigibilidade de conduta diversa daoptada pela autora.

Por outro lado, é mistercompatibilizar-se,

harmonizar-se a vedaçãoconstitucional ao reconhecimentode vínculo empregatício comentidades estatais sem concursopúblico com inúmeros outrosprincípios e regrasconstitucionais tão relevantesquanto a regra vedatóriaobedecida. Cite-se,ilustrativamente, o princípioisonômico central do art. 5º,caput, da mesma Constituição("Todos são iguais perante a lei,sem distinção de qualquernatureza..."); ou ainda o princípio

4 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de

direito do trabalho, 4. ed. São Paulo: LTr,2005, p. 446.

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que é lançado também no art. 5º,I, da Carta Magna ("homens emulheres são iguais em direitose obrigações, nos termos destaConstituição"). Citem-se,ademais, a vedação e princípiocontidos no art. 7º, XXXII, daConstituição (“proibição dedistinção entre trabalho manual,técnico e intelectual ou entre osprofissionais respectivos”).5

A harmonização está na garantiada observância da isonomia (art. 5º,caput, ab initio, e inciso I; inciso XXXIIdo art. 7º da CF/88) no núcleo da relaçãojurídica trabalhista pactuada, afastando-se os efeitos perversos e discriminatóriostentados pela terceirização ilícita.

Assim, a autora manteve em suaagência funcionários terceirizados deforma ilícita, atuando em atividade-fim,assim o sr. Fiscal, vendo a situação fáticaali delineada, andou bem ao autuá-la pordescumprimento da legislaçãotrabalhista, porque não há a menordúvida de que ela descumpriu sim alegislação trabalhista. Deveria sim terassinado as carteiras de trabalho dequem atua como seu empregado. O fatode inexistir concurso público e não poderassinar as CTPSs é distinto da hipóteseque se coloca para a decisão. A condutana relação de direito material flagradapelo fiscal é sim ilegal e injurídica e nãopassa pelo crivo do Judiciário.Diversamente do decidido pelo meuColega (f. 40), a impossibilidade dereconhecimento do vínculo por ausênciade concurso público não afasta ainfração à legislação trabalhistaperpetrada pela autora, cuja apenaçãoora se confirma.

A jurisprudência não destoa e temassente:

TERCEIRIZAÇÃO - RISCOS. Decunho eminentemente social, oDireito do Trabalho consagradireitos básicos que visam aevitar o locupletamento à custadaquele que, por ironia, já éhipossuficiente na relaçãojurídica. Este objetivo ficaameaçado pela possibilidade decontratação de mão-de-obrapermanente, por intermédio delocadoras de serviços, cujo lucro,inegavelmente, decorre dadiferença entre o que recebem daempresa cliente e o salário quepagam ao empregado (cf. TST/RR/3442/84, que deu origem aoEnunciado n. 256). Constata-se,portanto, que a intermediação demão-de-obra ligada à atividade-fim da empresa deve ser obtidapela via comum, que é o contratode emprego, pois não se podeadmitir o aluguel de mão-de-obra.Logo, intermediar, "terceirizar",descentralizar, delegar tarefascanalizadas para a atividade-fimdo usuário das mesmas, alémdos limites previstos nas Leis n.6.019/74 e n. 7.102/83, assimcomo no En. n. 331 do TST,merece repúdio da melhordoutrina e dos tribunais, quedenunciam as conseqüênciasanti-sociais dessa contratação,em face do aviltamento dasrelações laborais. É que osempregados perdem aspossibilidades de acesso àcarreira e salário da categoria,situação que se agrava quandoos trabalhadores exercem suasatividades nas mesmascondições e lado a lado, como

5 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de

direito do trabalho, 4. ed. São Paulo: LTr,2005, p. 448.

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empregados do quadro,registrados pela tomadora queremete à prestadora de serviçoso numerário para repassá-lo aosobreiros. A situação traduz sériaviolação ao princípioconstitucional da isonomia.(TRT-RO-02334/95, Rel. JuízaAlice Monteiro de Barros - DJ/MG21.04.95, p. 58)

Argumenta a autora, ainda, quecumpriu estritamente a Lei n. 8.666/93,devendo ser observado, em especial oart. 71. Os contratos anexados, todos,tiveram prazo de vigência extrapolado,nenhum aditivo veio aos autos e sódemonstram que a prática da autora nãoencontra respaldo, sequer nos seusdocumentos civis. Portanto, não se podebrandir um diploma legal, quando não seage estritamente dentro desta mesma lei.

No que tange aos contratos emsi, as cláusulas de pagamento ou preçochamam atenção, porque estabelecemcomo base do pagamento "milheiro detoques" (f. 33), "posto de serviço" (f. 45)ou "trabalhador" (f. 51). No primeirocontrato o ser humano é reduzido aosseus dedos e quantos toques conseguedar e a que custo de sua saúde poderárepresentar... No segundo contrato, oposto de serviço vale aproximadamente20% menos do que o salário do bancáriono período, conforme se pode constataratravés dos instrumentos coletivosfirmados à época. Bem, isto para umajornada de 6 horas e os "terceirizados"trabalham 8 horas e não recebem o valordo contrato, aquele é para a contratadaque ainda tirará o seu lucro, porque senão for assim, por que ela se aventurariaa manter o contrato?! E, no terceiro háreferência expressa ao valor pago ao"trabalhador", só que são divididos emlotes e cada lote tinha um valor. Ora, seera assim previsível, como falar em

"acréscimo" EXTRAORDINÁRIO deserviços?! Não... impossível.

É importante frisar que o Juiz éum ser social que vive, pensa e respiranesse mundo real... não é um autômatodesvinculado da vida... o direito, a seuturno, evolui, sendo a sentença o seu"sentir". Aliás, desde o meu discurso deposse representando a Turma de Juízesempossados em 14 de outubro de 1991,em face de ter alcançado o 1º Lugar, jáalertava para tal ponto:

O direito não é umaciência estática, desenvolve-seno movimento de um processoque obedece a uma formaespecial de dialética, na qual seimplicam sem que se fundam, ospilares de que se compõe.

A realização da Justiça éo fim para o qual se volta toda aatividade jurisdicional. No Juiz ofazer a Justiça é o alvo, a meta, atarefa, a missão, o sacerdócio.

A tutela antecipada requerida nainicial não foi, em nenhum momento apóso ajuizamento da ação, renovada. Assim,a análise é feita nesse momento dojulgamento onde já se analisou o méritopercucientemente e não se reconheceguarida aos pedidos exordiais. Desta feita,indefiro o pedido de tutela antecipada, jáque a dívida já não é mais pretensa, pelomenos no meu convencimento que, poróbvio, poderá ser modificado pelasinstâncias revisoras.

Aliás, o pedido de tutelaantecipada da autora possuifundamentos diversos, todavia a medidaprevista no art. 273 do CPC admite aantecipação do mérito daquela ação.Assim, em nenhuma hipótese poder-se-ia pensar em impor uma obrigação denão autuar à União, porque esse não éo mérito desta ação.

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Poder-se-ia até pensar emsuspender a exigibilidade pelo depósitointegral do valor das multas impostas,como uma autêntica caução. Todavia, omencionado na f. 22, in fine, não foicumprido pela autora. Portanto, nada adeferir.

Diante da revelia e da nãoatuação de advogado, não há falar emcondenação em honorários advocatícios.

III CONCLUSÃO

DECIDE a 18ª Vara do Trabalhode Belo Horizonte consignar aaplicabilidade do Decreto-lei n. 779/69 ea estrita observância do inciso II do art.1º do Decreto-lei n. 779/69; aplicar, nos

termos da OJ n. 152 da SDI-I do TST, arevelia à reclamada ausente à audiênciade f. 89/90; e, no mérito, julgarIMPROCEDENTE a Ação de Anulaçãode Multa Administrativa - inciso VII do art.114 da CR/88 -, que a Caixa EconômicaFederal ajuizou em face de UniãoFederal.

Custas no importe de R$84,00,calculadas sobre R$4.200,00, valor dadoao pedido inicial, pela autora.

Não há REMESSA NECESSÁRIAa ser feita, uma vez que improcedente aação, tendo sido vitoriosa na demandaa UNIÃO.

Partes cientes nos termos doEnunciado n. 197 do TST.

RELATÓRIO dispensado nostermos do art. 852-I, caput, da CLT, porse tratar de reclamação submetida aoprocedimento sumaríssimo.

FUNDAMENTOS

Compulsando os autos parajulgamento, constata-se tratar de Açãode Cobrança ajuizada perante a JustiçaComum Estadual.

Em decisão interlocutóriaprolatada à f. 19, o Juízo Cível,

entendendo que a matéria versada nosautos trata-se de relação de trabalho,entendeu pela incompetência daquelaJustiça, remetendo os autos à Justiçado Trabalho.

Na assentada de f. 26, os réus,em peça conjunta, apresentaramcontestação, argüindo,preliminarmente, a incompetência daJustiça do Trabalho em razão damatér ia . É d izer, acolh ida aprel iminar, deverá ser susci tadoconflito de competência. Ao revés,

ATA DE AUDIÊNCIA - PROCESSO N. 00351-2005-099-03-00-0Data: 19.04.2005DECISÃO DA 2ª VARA DO TRABALHO DE GOVERNADOR VALADARES - MGJuiz Substituto: Dr. GERALDO HÉLIO LEAL

Aos 19 dias do mês de abril de 2005, às 17h02min, o Juízo Auxiliar da 2ªVara do Trabalho de Governador Valadares, sob a condução do MM. Juiz do TrabalhoSubstituto Geraldo Hélio Leal, realizou audiência de julgamento da reclamaçãoproposta por WALTER FERREIRA NUNES contra A. A. CARVALHO RETÍFICA DEMOTORES LTDA. e ARCEANTÔNIO DE CARVALHO quando foi proferida a seguintesentença:

Vistos.

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rejeitada a argüição, prossegue-se naanálise das demais questões postaspelas partes.

Urge salientar que, para aanálise da questão da competência,mister um sobrevôo sobre o mérito dademanda, porquanto somente, quandodefinida a posição jurídica das partes,identificando-se, pormenorizadamente,a matéria sub judice, será possível aferirqual é a Justiça competente paraapreciação e julgamento da ação.

Até a promulgação da EmendaConstitucional n. 45, a competênciapara julgamento de reclamação comoa presente era, extreme de dúvidas,da Justiça Comum, pois a Justiça doTrabalho somente era competentepara julgar ações pertinentes à relaçãode emprego, seja para reconhecê-laou para rejeitá-la, assim como àsrelações de trabalho, em que oempregado fosse operário ou artífice,ante o disposto no inciso III do art. 652da CLT.

A Emenda Constitucional n. 45ampliou a competência da Justiça doTrabalho, alterando o art. 114 daConstituição para inserir o inciso “I”,dizendo competir a esta Justiçaprocessar e julgar “as ações oriundasda relação de trabalho, abrangidos osentes de direito público externo e daadministração pública direta e indiretada União, dos Estados, do DistritoFederal e dos Municípios”.

Respeitadas as vozes emsentido contrário, e não são maioria,entendo que não havia qualquernecessidade da inclusão do inciso I noart. 114, pois na parte final do mesmodispositivo (art. 114 da CF), em suaredação original, já constava acompetência da Justiça do Trabalhopara conciliar e julgar “na forma da lei,outras controvérsias decorrentes darelação de trabalho”. Com menor

esforço legislativo, bem poderia olegislador ordinário incluir nacompetência da Justiça do Trabalhoinúmeras outras controvérsiasdecorrentes da relação de trabalho,balizando o que, de fato, poder-se-iaentender por relação de trabalho.

Entrementes, veio a EmendaConstitucional que, tirante esteparticular, conta com o aplauso de todaa magistratura trabalhista.

Ao incluir o inciso I no art. 114,dispôs o legislador constituinte derivadocompetir à Justiça do Trabalhoprocessar e julgar “as ações oriundasda relação de trabalho, abrangidos osentes de direito público externo e daadministração pública direta e indiretada União, dos Estados, do DistritoFederal e dos Municípios.”

A inclusão da expressão relaçãode trabalho no texto constitucional é - àexceção das questões entre servidorespúblicos estatutários, já objeto de AçãoDireta de Inconstitucionalidade ajuizadapela Associação dos Juízes Federais(ADIn n. 3.395-6), e das ações pordanos materiais e morais decorrentesde acidente do trabalho (com decisãofavorável à competência da JustiçaComum dos Estados - RE n. 438.639) -o que mais tem gerado cizâniadoutrinária, mormente em razão de sepoder vislumbrar nesta relação jurídicauma autêntica relação de consumo,quando, segundo parte dos mestres, acompetência seria da Justiça ComumEstadual.

O cerne da questão reside, pois,em distinguir o que seja relação detrabalho, de competência desta JustiçaEspecializada, e relação de consumo,propriamente dita, de competência daJustiça Comum Estadual.

Os doutrinadores têm divergidona interpretação do inciso I do art. 114da Constituição Federal, cada qual com

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sólidos argumentos e que nãopermitem, neste estádio das coisas, ter-se com precisão quando uma açãodecorrente de relação de trabalho seriada competência desta JustiçaEspecializada.

Em recentíssima obra publicadapela Editora LTr em convênio com aANAMATRA, Nova competência da

Justiça do Trabalho, o ilustre Juiz doTrabalho, escritor e professor, MauricioGodinho Delgado, defende a tese deque se deve fazer uma interpretaçãorestrit iva do inciso I do art. 114,demonstrando entender estar afastadada competência da Justiça do Trabalhoas lides que se refiram a eventuaisrelações de consumo.

Reversamente, a Drª TaísaMaria Macena de Lima, Professora daPUC/MG, também em mais recenteobra sobre o tema, publicada pelaEditora LTr em convênio com aANAMATRA, Justiça do Trabalho,

Competência ampliada, p. 509-512,adota posicionamento no sentido deque “A relação trabalhista-consumerista (híbrida) qualifica-secomo relação jurídica simples e nãocomplexa, porquanto há somente umarelação jurídica e não o entrelaçamentode relações” para concluir que “Essaestrutura da relação jurídica híbridaexige sua apreciação integrada para asolução judicial. Por isso, a tese debipartir os conflitos, levando para aJustiça comum os de naturezaconsumerista, e para a Justiça doTrabalho, os de natureza trabalhista,além de não encontrar respaldo notexto constitucional, dificultaria a tutelajurisdicional. O magistrado sempre teriauma visão fragmentada, incompleta darealidade, abstraindo elementos fáticosrelevantes para o fenômeno litigioso”e que “As relações híbridas(simultaneamente relação de trabalho

humano por conta alheia e relação deconsumo) foram deslocadas dacompetência da Justiça comum para aJustiça do Trabalho, com a vigência daEmenda Constitucional n. 45 de08.12.2004.”

Até então, data venia,

vislumbram-se posições extremadas eque não refletem, permissa venia, amelhor exegese do inciso I do art. 114da Constituição Federal.

Para que se possa apreender oque de fato seja relação de trabalho,cujas ações dela decorrentes são decompetência da Justiça do Trabalho,mister breve análise do que seja relaçãode consumo (de forma ampla) para delase extraírem os conflitos intersubjetivosde interesses afetos à competência daJustiça Comum.

Socorre-nos o magistério doilustre Ministro do TST, Ives GandraMartins Filho, in “A reforma do PoderJudiciário e seus desdobramentos naJustiça do Trabalho”, segundo o qual“relação de consumo (regida pela Lei n.8.078/90), cujo objeto não é o trabalhorealizado, mas o produto ou serviçoconsumível, tendo como pólos ofornecedor (art. 3º) e o consumidor (art.2º) que podem ser pessoas físicas oujurídicas”. É dizer, se o objeto da relaçãojurídica é o trabalho em si, a relação nãoé autenticamente de consumo, mas detrabalho.

Esclarecedoras as palavras do e.Juiz do Trabalho da 15ª Região,Guilherme Guimarães Feliciano, aodizer que “para que a Justiça doTrabalho seja competente em razão damatéria, a relação socioeconômica deveser de tal natureza que envolvaintimamente alguma vinculação jurídicaapta a afetar ou condicionar o própriotrabalho como projeção dapersonalidade humana, desafiando oprincípio da tutela, insculpido no artigo

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1º, III, da CFRB (dignidade da pessoahumana)”, exigindo que a relação defato ou de direito definidora dacompetência da Justiça do Trabalhoapresente cumulativamente umaprestação de trabalho humano (contratode atividade ou de fim com obrigaçõesde meios), fundo consensual (contrato,aceitação tácita ou ato de adesão),pessoalidade mínima e carátercontinuativo (advogado e seu cliente,médico e seu paciente, etc.).

Conclui-se, pois, com base nosautores supramencionados, que sempreque a relação de consumo seestabeleça entre uma pessoa física quepresta serviços a outrem, seja o tomadoruma pessoa física ou jurídica, acompetência será da Justiça doTrabalho, mesmo que se tenha queaplicar o Código do Consumidor (Lei n.8.078/90).

Noutro norte, caso o fornecedordos serviços seja uma pessoa jurídica,quando restará ausente a pessoalidademínima, e já não se terá o trabalho comoobjeto da prestação, a relação seráautenticamente de consumo, afeta, pois,à Justiça Estadual.

Note-se ademais, e em remate,que a pequena empreitada, que seconfigura pela prestação de serviços poruma pessoa física a uma pessoa físicaou jurídica, contrato consensual, de fim,com obrigações de meios, comoprevisto nos arts. 610 e seguintes doCódigo Civil, e que não deixa de revelaruma relação de consumo, de há muitoé da competência da Justiça doTrabalho, conforme o já apontado incisoIII do art. 652 da CLT.

No caso dos autos, restaevidente que o reclamante, sendoengenheiro, não executaria, ele próprio,os serviços contratados, sendo públicoe notório que o profissional dessa áreasomente elabora os projetos e executa

a obra através de terceiros, porémsempre sob sua responsabilidade, comvisitas diárias, dados seusconhecimentos técnicos e científicos,ficando rechaçada a alegação dos réusno sentido de que não havia o caráterintuitu personae da prestação deserviços.

Com estes fundamentos, e porse tratar de contrato de empreitada,rejeito a preliminar de incompetênciaabsoluta da Justiça do Trabalho.

ILEGITIMIDADE PASSIVA DAPRIMEIRA RECLAMADA

A primeira ré eriça preliminar deilegitimidade passiva, argumentandoque na inicial o autor alega que celebroucontrato verbal de prestação de serviçoscom o “requerido”, pessoa física, e nãocom ela, pessoa jurídica.

Entendo assistir-lhe razão.A legi t imação passiva,

pertinência para a ação, está ligadaàquele em face do qual a pretensãolevada a Juízo deverá produzir seusefei tos, se acolhida a tutelajurisdicional pretendida. Deve seraferida in status assertionis. Vale dizer,com base naquilo que foi alegado napetição inicial. Se a parte autora, deinício, já afirma que celebrou contratoapenas com o segundo réu, evidenciaa relação jurídica material (causaremota do pedido deduzido em juízo),em clara demonstração de que, sendojulgada procedente a ação, estaproduzirá seus efeitos unicamente emrelação ao segundo réu, jamais emface da pessoa jurídica da qual ésócio.

Acolho a preliminar deilegitimidade passiva da primeira ré eextingo o processo, quanto a ela, semjulgamento do mérito, nos termos doinciso VI do art. 267 do CPC.

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EMPREITADA - SALDODEVEDOR

Sustenta o autor que, sendoprofissional de Engenharia Civil,celebrou com o réu contrato verbal paraprestar serviços de construção civil, naforma de empreitada, com preço global,em terreno de propriedade deste último.

Assevera que os serviços seriamexecutados em duas etapas, sendo aprimeira composta de infra-estruturacom serviço de terraplanagem, piso econtrapiso e reboco das paredesexistentes; a segunda, superestrutura,com lançamento de concreto nas vigas,lançamento e cobrimento de laje pré-moldada do primeiro pavimento eescada.

Afirma que o pagamento seriapor etapa, sendo R$6.000,00 pelaexecução da primeira, e R$5.500,00pela execução da segunda etapa.

Aduz que foi feito um orçamentode todo o serviço, onde fez um croqui(anteprojeto) para saber o valor certo aser cobrado, incluindo mão-de-obra ematerial (docs. anexos).

Diz ainda que o réu não solicitouque o projeto fosse aprovado pelaMunicipalidade, em razão do custo comdespesas e taxas, uma vez que oterreno estava irregular, pois o réuinvadiu três metros do terreno dosfundos e não queria fiscalização porparte da Prefeitura.

Alega que é correto oprocedimento de o profissional daEngenharia Civil ser contratado apenaspara a execução da obra, quando oprofissional faz um croqui para melhorexecução do serviço, e que o réu pagoua primeira etapa e parte da segunda,ficando um saldo remanescente deR$2.100,00.

Por derradeiro, informa querecebeu notificação do réu com intuito

de cobrar pelos serviços prestados, oque não encontra fundamentação narealidade fática.

Postula o pagamento do valor deR$2.477,56.

O réu se defende alegando quea legislação civil em vigor reza quenenhum dos contratantes é obrigado aadimplir a sua parte se o outro nãoadimpliu também a sua (art. 476 doCódigo Civil) - exceptio non adimpleti

contractus (exceção de contrato nãocumprido).

Afirma que contratou o autorpara elaboração de projeto e execuçãode obra, ficando sob a responsabilidadedele a regularização, com aprovação deprojeto e planta, assim como limpeza doterreno, terraplanagem, fixação depilares, concreto em piso, contrapiso ereboco de paredes, feitura de umaescada e de uma laje.

Aduz que, percebida a quantiade R$9.400,00, o autor e seusempregados abandonaram a obra,deixando-a inacabada. Além disso, osserviços realizados o foram de modoinadequado e irregular: o piso já teveque ser trocado, pois soltava commuita facilidade; as vigas concretadasestão trincadas e com rachaduras,impossibilitando o término da obra, jáque não sustentam a laje que foi feita;a laje tem diferença de 10 cm de umlado para o outro e a escadaconstruída ficou torta e teve que serreconstruída. Frisa que refez umaparte da obra e que a outra parte estápara ser consertada.

Aumentando seus prejuízos, dizo réu, recebeu notificação do CREA eda Prefeitura, razão da notificação feitaao autor.

Entende, com estes argumentos,nada ser devido.

Estes os limites da lide noparticular.

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Em observância ao disposto noart. 420 do CPC e dependendo odeslinde da questão posta sub judice doconhecimento especial de técnico, foideterminada a realização de perícia, atade f. 26.

Elaborado o laudo, f. 95/98, a i.perita, também profissional daEngenharia, registrada no CREA-MGsob o n. 55.897/D, na presença doassistente técnico do réu e de suaprocuradora, e respondendo aosquesitos formulados pelo réu (nãohouve quesitos por parte do autor),concluiu que não existe projetoestrutural e que os materiais foramfornecidos pelo reclamante, como, aliás,consta da inicial. Informa ainda a peritaque as vigas apresentam deformaçõesacentuadas, com trincas e rachadurasem vários vãos, e que a laje pré-moldada apresenta diferença com onível do piso, possuindo trinca horizontalno encontro com a parede e que aescada tem dimensões e aspectosgeométricos irregulares. Além disso, hátrincas nas paredes e cintas.

Em que pese a exigência devistoria por técnico de Engenharia, asfotografias anexadas à defesa, f. 79/85,permitem, até mesmo ao leigo na áreade construção civil, constatar asinúmeras irregularidades detectadas naobra, seja nas paredes, nas vigas, lajee escada.

Não colhe a impugnação aolaudo pericial no sentido de que a i.perita tenha obtido informações apenasda parte ré, porquanto, desde a ata emque foi designada a perícia, f. 26, tinhao autor ciência de que poderiaacompanhar os trabalhos da vistora,bem como apresentar quesitos eassistente técnico, não tendo tomadoqualquer providência neste sentido.

Quanto à prova oral, asdeclarações da testemunha trazida pelo

autor não fazem com que suaresponsabilidade pela obra possa serafastada, mesmo em se considerandoque parte da obra já estava executada,seja no que toca à fundação, seja nopertinente às vigas e terraplanagem.

Ora, sendo o autor umprofissional da área da Engenharia,devidamente inscrito no ConselhoRegional respectivo (f. 10), responde naforma do art. 20 da Lei n. 8.078/90, pelosvícios de qualidade que tornem osserviços “impróprios ao consumo oulhes diminuam o valor, assim como poraqueles decorrentes da disparidadecom as indicações constantes da ofertaou mensagem publicitária, podendo oconsumidor exigir, alternativamente e àsua escolha: I - a reexecução dosserviços, sem custo adicional e quandocabível; II - a restituição imediata daquantia paga monetariamenteatualizada, sem prejuízo de eventuaisperdas e danos; III - o abatimentoproporcional do preço.”

Diz ainda o Código de Defesa doConsumidor no § 1º do mesmo artigoque “A reexecução dos serviços poderáser confiada a terceiros devidamentecapacitados, por conta e risco dofornecedor” e que “§ 2º São imprópriosos serviços que se mostreminadequados para os fins querazoavelmente deles se esperam, bemcomo aqueles que não atendam asnormas regulamentares deprestabilidade. (grifei)

Frise-se que o fornecedor dosserviços, conforme os termos do art. 14do mesmo diploma legal, “responde,independentemente da existência deculpa, pela reparação dos danoscausados aos consumidores pordefeitos relativos à prestação dosserviços, bem como por informaçõesinsuficientes ou inadequadas sobre suafruição e riscos.” Sendo que no caso dos

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autos, por se tratar de profissionalliberal, tem aplicabilidade o § 4º domesmo artigo no sentido de que “Aresponsabilidade pessoal dosprofissionais liberais será apuradamediante a verificação de culpa”, a qualfoi devidamente verificada através daprova técnica produzida.

Demais disso, e o que é maisimportante, o consumidor tem comodireito básico “a informação adequada eclara sobre os diferentes produtos eserviços, com especificação correta dequantidade, características, composição,qualidade e preço, bem como sobre osriscos que apresentem” (inciso III do art.6º do CDC). Vale dizer, se a parte da obrajá executada não comportavacontinuidade em face de riscos para oréu, não poderia o autor, comoprofissional da Engenharia, aprová-la,dando-lhe andamento. Se dele, que éprofissional, isso não se pode esperar,jamais terá o consumidor segurança paraconstruir um imóvel. Aqui também temaplicação a ética, data venia. Afastou-seo autor das regras técnicas do seutrabalho, sendo inaceitável que executeuma obra sem os projetos exigidos pelalegislação municipal, mormente se aprópria entidade que fiscaliza suaprofissão (CREA) notifica o proprietáriodo imóvel e lhe aplica multas pordescumprimento da legislação, conformese colhe do documento de f. 65.

Lado outro, merece acolhida aaplicação do art. 476 do Código Civil,que alberga a exceção de contrato nãocumprido, dizendo que nenhum doscontratantes, antes de cumprida suaobrigação, pode exigir o implemento dado outro.

Na hipótese vertente, a culpapela má qualidade dos serviços revelaque o reclamante não cumpriu acontento sua obrigação. Asirregularidades verificadas demonstram

que a obra não está acabada nosmoldes como contratados, o queequivale dizer que o contrato verbal nãofoi integralmente cumprido, não sepodendo exigir do réu que cumpra comsua obrigação de pagar o saldo devedor.

Com estes fundamentos, rejeitoo pedido de pagamento da importânciaapontada na inicial.

PEDIDO CONTRAPOSTO

Formula o réu pedidocontraposto para que o autor lhe paguea importância de R$10.055,00,despendida com elaboração de planta,regularização perante os órgãoscompetentes, reexecução da obra eaquisição de materiais, f. 35.

A pretensão encontra guarida noordenamento jurídico, conforme seextrai do § 1º do art. 278 do Código deProcesso Civil, verbis: “É lícito ao réu,na contestação, formular pedido em seufavor, desde que fundado nos mesmosfatos referidos na inicial.”

O pedido contraposto, segundocomentário do saudoso TheotônioNegrão, nota 11 ao art. 278 do CPC,corresponde à reconvenção noprocedimento comum. Diz ocomentarista que

As ações de procedimentosumaríssimo são consideradasdúplices. Por este motivo, nãocomportam reconvenção; mas,na resposta, o réu poderá“formular pedido, em seu favor,desde que fundado nos mesmosfatos referidos na inicial”.

Manifestando-se sobre o pedidocontraposto, o autor invocou aprescrição, f. 406, na forma do dispostono caput do art. 618 do Código Civil.Mencionado dispositivo preceitua que

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Nos contratos deempreitada de edifícios ou outrasconstruções consideráveis, oempreiteiro de materiais eexecução responderá, durante oprazo irredutível de cinco anos,pela solidez e segurança dotrabalho, assim em razão dosmateriais como do solo.

Parágrafo único. Decairádo direito assegurado nesteartigo o dono da obra que nãopropuser a ação contra oempreiteiro, nos cento e oitentadias seguintes ao aparecimentodo vício ou defeito. (destaquei)

Tratando-se de norma específicaao contrato de empreitada, fica afastadaa aplicação das normas do Código deDefesa do Consumidor, no particular.

Verifica-se que a ação ajuizadaperante o Juizado Especial Cível foidistribuída em 22 de agosto de 2003 (f.45), menos de 180 dias do término daobra alegado na inicial pelo autor, queteria ocorrido em maio de 2003, nãohavendo, portanto, que se falar emprescrição (rectius) decadência.

No tocante ao pedido formuladona defesa, tenho que também nãoassiste razão ao réu.

Não obstante tenha comprovadoque efetuou gastos com elaboração deprojeto e regularização da obra (o que,pela prova produzida, não foi objeto decontratação com o autor), esta, como jáexpendido, não sofreu modificações,conforme se extrai das fotoscolacionadas à defesa e da provatécnica produzida.

Falou-se em reparos, mas aperita relata, através de informação dopróprio réu, que a escada foi toda refeita,com reconstituição de parede de apoioe melhora em suas dimensões easpectos, além de reforço estrutural nas

vigas. Todavia, se as fotografiascolacionadas demonstram, a não maispoder, as irregularidades cometidas peloautor, a prova pericial não permite aferir,por amparada em informações dopróprio réu, que tenham ocorrido osreparos alegados na defesa. Reitere-se,as despesas com projeto não podemficar a cargo do autor, visto que não háprova de que tenha se responsabilizadopelo mesmo ou sua regularização.

Não bastasse isso, insta salientarque, em se tratando de empreitada, háregra própria no Código Civil que deveser aplicada em primeiro lugar. Se nãofor suficiente para resolver a pendência,parte-se para a regra de aplicação geraldo CDC, ante o que dispõe o § 2º doart. 2º da Lei de Introdução ao CódigoCivil.

Preceitua o art. 616 do CódigoCivil que, em vez de rejeitar a obraimperfeita, pode quem a encomendourecebê-la com abatimento de preço.

Na hipótese sob exame, nãocomprovou o réu que deixou de recebera obra ou que a recebeu ou receberiacom abatimento de preço, não sepodendo cunhar de lícita sua condutade, aplicando, a seu talante, as regrasdo Código de Defesa do Consumidor,ter determinado a execução de reparosna obra. Faltou o autor com seu deverético e legal. No entanto, o réu adotouprocedimento similar, acolhendo ainterpretação da lei que entendeu lhefosse mais favorável em detrimento daparte contrária. Nada deve ao autor.Este nada deve ao réu. O mesmo peso,a mesma medida.

Com base no exposto, julgoimprocedente o pedido contraposto.

HONORÁRIOS PERICIAIS

Ab initio, cabe frisar que o feitosob análise tem natureza

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eminentemente civil, não tendoaplicação a regra do art. 790-B da CLT.

No entanto, o autor requereu osbenefícios da justiça gratuita,declarando-se pobre no sentido legal,conforme documento de f. 09, o queatende aos requisitos do art. 4º da Lein. 1.060/50, autorizando a concessão dobenefício, o que se defere.

Considerando os termos do art.3º da Lei n. 1.060/50, fica o autor isentodos honorários periciais, fixados emR$1.000,00, até que possa efetuar seupagamento, conforme disposição do art.12 do mesmo diploma legal.

CUSTAS PROCESSUAIS

O art. 789 da CLT dispõe acercadas custas relativas às ações eprocedimentos de competência daJustiça do Trabalho, o que noentendimento do Eg. TST, conformeconsta da Instrução Normativa n. 27/05,art. 3º, § 1º, seria aplicável no caso dosautos.

Entrementes, dispõemencionada Resolução que as custasserão pagas pelo vencido. Na hipótesevertente, em face do pedidocontraposto, vencidos são autor e réu,não havendo procedência parcial ouimprocedência apenas em favor de umadas partes, o que revela que seria injustaa aplicação integral da orientação daCorte Maior da Justiça do Trabalho, data

venia.

Assim sendo, tenho por bemaplicar o disposto no art. 21 do Códigode Processo Civil c/c art. 789, caput, da

CLT, condenando cada litigante, porvencedor e vencido ao mesmo tempo,ao pagamento das custas processuais,sendo de 2% sobre o valor atribuído àcausa (em relação à inicial) e 2% sobreo valor do pedido contraposto (emrelação à contestação), isento o autorem razão da concessão da justiçagratuita.

CONCLUSÃO

Posto isso, e por tudo mais quedos autos consta, rejeito a preliminar deincompetência absoluta em razão damatéria; acolho a preliminar deilegitimidade passiva da primeira ré, A.A. CARVALHO RETÍFICA DEMOTORES LTDA., com extinção doprocesso, sem julgamento do mérito, naforma do inciso VI do art. 267 do CPCe, no mérito, julgo IMPROCEDENTE opedido formulado pelo autor, WALTERFERREIRA NUNES, em face do réu,ARCE ANTÔNIO DE CARVALHO, etambém IMPROCEDENTE o pedidocontraposto formulado na peçadefensiva, nos termos dafundamentação.

Honorários periciais, ônus doautor, arbitrados em R$1.000,00, isento.

Custas, pelo autor, no importeR$49,55, calculadas sobre R$2.477,56,valor atribuído à causa, isento; custas,pelo réu, fixadas em R$201,10,calculadas sobre R$10.055,00, valoratribuído ao pedido contraposto.

Cientes as partes nos termos doEnunciado n. 197 do TST.

Encerrou-se.