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PAISAGEM CULTURAL DO MONTADO: VALORIZAÇÃO DE UM SISTEMA SINGULAR Atas do Webinar - 23 de junho de 2020

Atas do Webinar - 23 de junho de 2020...ÍNDICE 1. INTRODUÇÃO 052. VALORIZAÇÃO DO SISTEMA DE MONTADO: O CAMINHO PERCORRIDO 073. CONTRIBUTOS PARA A COMPREENSÃO DA PAISAGEM CULTURAL

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PAISAGEM CULTURAL DO MONTADO: VALORIZAÇÃO DE UM SISTEMA SINGULAR

Atas do Webinar - 23 de junho de 2020

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ÍNDICE

1. INTRODUÇÃO 05

2. VALORIZAÇÃO DO SISTEMA DE MONTADO: O CAMINHO PERCORRIDO 07

3. CONTRIBUTOS PARA A COMPREENSÃO DA PAISAGEM CULTURAL DO MONTADO 11

3.1. Caracterização geral 11

3.2. Síntese histórica 12

3.3. Paisagem cultural 14

4. ENSAIOS DE DELIMITAÇÃO DE ÁREAS A CLASSIFICAR 17

5. ATAS DO ÚLTIMO SEMINÁRIO 21

PAISAGEM CULTURAL DO MONTADO: VALORIZAÇÃO DE UM SISTEMA SINGULAR

Atas do Webinar - 23 de junho de 2020

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A presente publicação1 marca o final de mais uma eta-pa dentro de um importante processo de intervenção da Entidade Regional de Turismo do Alentejo e Ribatejo, que tem como objetivo principal criar condições e dotar a região de contributos, técnicos, científicos e organizativos, tendo em vista a valorização e promoção do sistema agro-silvo--pastoril do montado enquanto paisagem cultural com forte potencial turístico. Dentro das prioridades estratégicas que a região do Alente-jo tem enunciado em matéria do setor do turismo, os ativos diferenciadores deste território, baseados nos seus diversos elementos patrimoniais, seja ao nível do património cultural imóvel – monumentos, sítios arqueológicos, centros históri-cos, da paisagem cultural ou do património cultural imaterial, constituem elementos estratégicos de valorização e de afir-mação enquanto destino turístico identitário e sustentável.O processo de mobilização de recursos e de instituições ten-do em vista levar a cabo, com sucesso, a proposta de candi-datura da Paisagem Cultural do Montado a inscrição na Lista do Património Mundial tornou-se um contributo relevante para a prossecução da estratégia turística para a região. Por sua vez, a Entidade Regional de Turismo do Alentejo e Ribatejo tomou consciência ao longo deste processo, até pela sua equidistância relativamente aos interesses particu-lares que pesam sobre o montado, de que tem condições para manter um papel mobilizador e integrador dos diferen-tes interesses sectoriais, territoriais e institucionais. A comunicação e a partilha de conhecimento, nos seus diversos tipos, científico, técnico, empírico e popular, do sen-

so comum, recolhido, trabalhado ou sedimentado por diver-sas entidades ou nas próprias comunidades, constitui uma condição e um motor em qualquer um dos objetivos anteriormente enunciados: a valorização e afirmação estraté-gica do destino turístico do Alentejo e a inscrição da Paisagem Cultural do Montado na Lista do Património Mundial.Assegurar os meios e suportes para essa partilha de conhe-cimento e para a comunicação desse conhecimento tem estado também nas prioridades da Entidade Regional de Tu-rismo do Alentejo e Ribatejo, consciente de que a perceção que as comunidades e os agentes e consumidores turísticos venham a ter deste património singular, que é a paisagem cultural do montado, é simultaneamente um garante da sua salvaguarda e da sua fruição.A presente publicação, à semelhança de outras que foram já lançadas anteriormente pela Entidade Regional de Turismo do Alentejo e Ribatejo, pretende ir ao encontro des-se desejo de partilha e disseminação de informação, nomea-damente da produzida no âmbito do projeto “Estrutura de informação e de Suporte de Montado” o qual foi financiado pelo PO Regional Alentejo 2020. Mas para além disso, pre-tende ser mais um contributo para a tomada de consciência de todos, comunidades, stakeholders, responsáveis públi-cos, de que a garantia de preservarão da paisagem cultural do montado só é possível no quadro de uma evolução sus-tentável, económica, social e ambientalmente, do sistema agro-silvo-pastoril que é o elemento central dessa paisagem.

1 A presente publicação reúne textos provenientes de diversos trabalhos realizados por diversas equipas e promovidos pela Entidade Regional de Turismo do Alentejo e Ribatejo, tendo sido solicitado à equipa da Quaternaire Portugal, a adaptação dos

conteúdos incluídos nesta publicação, que se destina igualmente à publicação das atas do Webinar realizado em 23 de junho de 2020, com o tema PAISAGEM CULTU-RAL DO MONTADO: VALORIZAÇÃO DE UM SISTEMA SINGULAR.

1. INTRODUÇÃO

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O sistema de montado, ativo inquestionável da história, da cultura e da geografia alentejanas, constitui um legado que urge conservar, proteger e valorizar, não só por aquilo que ele representa em termos da identidade e do ecossistema económico e social do Alentejo no presente, mas também por aquilo que significa em termos de capital de futuro. A evolução recente da região testemunha inúmeras fragili-dades sociais e económicas que se têm vindo a agudizar. Algumas das ameaças atuais à sustentabilidade do sis-tema produtivo tradicional do montado estão associadas ao declínio demográfico e ao abandono do espaço rural, à transformação da organização territorial e de povoamento, à expansão de modos intensivos de produção agrícola, mas também ao desaparecimento de competências de gestão da multifuncionalidade. Em 2011, entre as várias hipóteses de intervenção com vista à defesa e valorização do sistema de montado, a En-tidade Regional de Turismo do Alentejo e Ribatejo decidiu avançar com o processo de lançamento da candidatura à inscrição do montado na Lista do Património Mundial da UNESCO. Esta foi considerada uma decisão vantajosa, quer porque se mostrava capaz de induzir maiores benefí-

cios para o próprio desenvolvimento sustentado do Alente-jo, quer porque permitia associar um número diversificado de parceiros, incluindo várias instituições com responsabi-lidade sobre a gestão e preservação deste sistema. A Enti-dade Regional de Turismo do Alentejo e Ribatejo depositou simultaneamente, nesta candidatura, uma declaração de interesses. A valorização do sistema e da paisagem do montado, para além da relevância que possui em vários sectores da vida económica e social do Alentejo, constitui um recurso estratégico para o desenvolvimento regional sustentável e diferenciador do setor do turismo, porquanto contribui para o robustecimento do segmento do Touring Cultural e Paisagístico, produto turístico considerado à data uma prioridade estratégica nacional e regional.Entre 2011 e a atualidade, percorreu-se um caminho longo, mas muito profícuo. Para além das sucessivas metas que se foram alcançando – de que se destaca a inscrição da Paisagem Cultural do Montado na Lista Indicativa do Pa-trimónio Mundial da UNESCO, a evolução em termos de aquisição e partilha de conhecimento, de sensibilização junto das comunidades, de tomada de consciência por par-te dos responsáveis públicos e dos proprietários privados,

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2. VALORIZAÇÃO DO SISTEMA DE MONTADO: O CAMINHO PERCORRIDO

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Alargamento da Comissão Científica, reforçada pela designação do Prof. Inocêncio Seita Coelho como Coordenador científico da candidatura.

de cooperação e concertação de interesses, permitiram criar um conjunto de condições irreversíveis que hoje se tornam garante da futura salvaguarda deste património. A entidade Regional de Turismo do Alentejo e Ribatejo assumiu, desde o início, que não deveria estar sozinha neste processo, protagonizando o lançamento de diversas iniciativas coletivas, públicas e/ou privadas, de proximida-de com as comunidades ou de cooperação com as insti-tuições participantes na gestão do sistema do montado. Por sua iniciativa, foram constituídos, ainda em 2011, uma Comissão Cientifica (CC) e uma Comissão Executiva (CE) tendo em vista a referida candidatura à UNESCO. Ao CC, formado por especialistas provenientes dos centros de competência científica e académica regionais e nacionais, foi atribuída uma função geral de supervisionar a qualidade

dos trabalhos técnicos e científicos desenvolvidos no âmbi-to do processo de candidatura, para além de prestar apoio no processo de tomada de decisão relativamente ao teor e qualidade desses trabalhos e à sua credibilização externa. Por sua vez, à CE, presidida pela Entidade Regional de Turis-mo do Alentejo e Ribatejo e formada por representantes de diversas instituições regionais e nacionais e dos interesses setoriais relevantes para o sistema de montado, foi conferi-da a responsabilidade pela orientação e promoção dos tra-balhos técnicos a desenvolver e pela criação de condições de cooperação institucional indispensáveis à credibilização e execução do processo de candidatura à UNESCO. Estas estruturas foram mais tarde alargadas a outras individuali-dades e entidades, de modo a que a sua constituição refle-tisse o âmbito temático e territorial dos trabalhos em curso.

António Fonseca Ferreira Cláudio Torres Fernando Oliveira BatistaGonçalo Ribeiro Teles Helena PereiraJoão FerrãoJosé Manuel Simões

Ana FonsecaCarlos Carmona BeloFilipe Duarte SantosGraça SaraivaInocêncio Seita Coelho Marta CorteganoJoão Santos PereiraTeresa Pinto Correia

POSTERIORMENTE

Em 2011

COMISSÃO CIENTÍFICA

Turismo do Alentejo, ERTCâmaras Municipais de Almodôvar, de Coruche, de Grândola, de Ponte de Sor, de Portel, de Portalegre, de Santiago do Cacém, de Vendas NovasAPCOR – Associação Portuguesa de CortiçaFILCORK – Associação Interprofissional da Fileira da CortiçaUNAC – União da Floresta MediterrânicaConfraria do Sobreiro e da CortiçaLPN – Liga para a Proteção da NaturezaQuercusComissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do AlentejoICNF – Instituto da Conservação da Natureza e da Florestas (ex ICNB)Direção Regional da Agricultura e da Florestas do AlentejoInstituto Politécnico de BejaInstituto Politécnico de PortalegreUniversidade de Évora

POSTERIORMENTE

Em 2011

COMISSÃO EXECUTIVA

De 2011 a 2015

Estudos preliminares de caracterização do sistema agro-silvo-pastoril e da paisagem cultural do montado, in-cluindo: (i) questões de delimitação da área do Bem a classificar, isto é, da área de Montado a propor para inscrição na Lista do Património Mundial; (ii) questões de fundamentação do Valor Universal Excecional do Bem a classificar, ou seja, atributos e valores que justificam o Valor Universal Excecional do Montado enquanto Bem a inscrever na categoria de Paisagem Cultural; (iii) questões preliminares sobre os modelos de gestão e de governação futura do Bem.

Maio 2015

Aprovação da candidatura apresentada à Comissão Nacional da UNESCO tendo em vista a inscrição da Paisagem Cultural do Montado na Lista Indicativa do Património Mundial de Portugal

Entre 2017 e 2019

Aprofundamento dos trabalhos de caracterização e descrição da Paisagem Cultural do Montado, nas suas diferentes componentes, tendo em vista consolidar e robustecer a demonstração dos atributos que lhe conferem Valor Universal Excecional. Elaboração de proposta preliminar de delimitação das cinco áreas ocupadas pelo sistema agro-silvo-pastoril do montado, representativas da singularidade deste sistema, nas suas diversas tipologias, apresentada, discutida e validada junto das CIM’s e das onze Câmaras Municipais diretamente envolvidasAprofundamento da análise e de caracterização no terreno, incluindo o levantamento de espólios e a análise do seu estado de conservação.Elaboração da proposta de Requerimento inicial para o procedimento de classificação nacional da Paisagem Cultural do Montado como Monumento Nacional.

2017

Câmaras Municipais de Alcácer do Sal, de Alter do Chão, de Alvito, de Arraiolos, de Arronches, de Avis, de Barrancos, do Crato, de Elvas, de Estremoz, de Évora, de Ferreira do Alentejo, de Fronteira, de Monforte, de Montemor-o-Novo, de Mora, de Moura, de Mourão, de Sousel e de Viana do AlentejoCIM do Alto Alentejo, do Alentejo Central, do Alentejo Litoral e do Baixo AlentejoADER-Al, Leadersor, ADL da Charneca, ADL Monte, ADL Terras Dentro, ADL Rota do Guadiana, ESDIMEInstituto Politécnico de SantarémINIAV – Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária

Apoiado por um modelo de governance que se esperava suficientemente robusto e adequado aos desafios que a Entidade Regional de Turismo do Alentejo e Ribatejo se propunha alcançar, este processo cumpriu diversos ob-jetivos e ações em termos da preparação dos conteúdos técnico-científicos de fundamentação da candidatura, da

mobilização de vontades e de participações e da sensibili-zação para a prioridade da salvaguarda de um valor que se reconhece de carácter singular e universal.Apresenta-se de seguida uma fita do tempo que baliza, de forma resumida, várias etapas e marcas do trabalho desenvolvido.

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3.1.CARACTERIZAÇÃO GERAL

O sistema agro-silvo-pastoril (agroflorestal) multifun-cional do montado, que se localiza no sul de Portugal e se forma a partir da transição do século XVIII para o sé-culo XIX, apresenta características próprias e peculia-res que decorrem quer das condições biofísicas deste território, quer do processo de evolução histórica que nele se desenrola. Trata-se de um sistema com características específicas a diversos níveis: da forma como o Homem adapta a natureza, sem recorrer a qualquer intervenção de alte-ração da morfologia do terreno ou a qualquer edifica-ção; do modo como são geridas as três componentes da vegetação, arbórea, arbustiva e herbácea, pressu-pondo um controlo da componente arbustiva que reduz de forma acentuada os riscos de incêndio; da natureza

económica (exploração de recursos com vista ao mer-cado); da estrutura fundiária (predominantemente lati-fundiária) e das serventias; dos saberes fazer tradicio-nais e das manifestações culturais associadas. A singularidade deste sistema explica-se por condi-ções biofísicas particulares, incluindo grandes exten-sões de terrenos cobertos com vegetação mediterrâ-nica primitiva (matorrais) onde vegetavam sobreiros e azinheiras, com as quais se combinam razões de ordem histórica. Como é sabido, nem todos os povoamentos de sobrei-ros e azinheiras constituem montados. De fato, como escreveram vários autores: «os ecossistemas em que o sobreiro e a azinheira desempenham papel de relevo podem ser agrupados em três tipos de estruturas: bos-ques; montados e matagais arborizados. Os montados constituem os ecossistemas que ocupam de longe a maior área e correspondem a formações semi-flores-

3. CONTRIBUTOS PARA A COMPREENSÃO DA PAISAGEM CULTURAL DO MONTADO2

2 Retirado de “SÍTIO PAISAGEM CULTURAL DO MONTADO - REQUERIMENTO INICIAL DO PROCEDIMENTO DE CLASSIFICAÇÃO NACIONAL DE BENS”, Promotor: Turismo do Alentejo, ERT, Abril 2019

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3 Palma, L., N. Onofre e L. Oliveira (1985), A situação actual e perspectivas de conservação da fauna silvestre nos povoamentos de sobro e azinho. Sua importân-cia como factor de valorização ecológica e económica, em 1.º Congresso sobre o Alentejo, Évora, 3, pp. 1487-1502., citado em Belo, C. C., Pereira, M. S., Moreira,

A. C., Coelho, I. S., Onofre, N. e Paulo, A. A., “Ecossistemas e Bem-Estar Huma-no em Portugal” (capitulo 8, Montado), https://desafiouhu.abae.pt/wp-content/uploads/2016/03/PAULOCARMONA_Montado_2009.pdf

tais intervencionadas, com uma estrutura artificializada em tipo de “parque” (Park land, segundo a terminologia anglo saxónica), apresentando uma dominante arbó-rea» 3.” O sistema montado estrutura paisagens mais abertas que as florestas tradicionais. A densidade arbórea é menor e, no conjunto das herdades, o montado mescla--se, formando um mosaico, com áreas de terra limpa.O montado é um sistema multifuncional, onde estão bem presentes as funções produtivas, sociais e am-bientais. Constitui, também, um sistema de uso múlti-plo dos recursos presentes no território, ou seja, é um sistema do tipo agro silvo pastoril. Podem coincidir no mesmo território (herdade) o uso agrícola, o uso flores-tal e o uso pecuário. É, pois, claro, que num montado temos presentes uma estrutura arbórea (de sobreiros ou azinheiras), uma estrutura herbácea (pastagens) e uma estrutura arbustiva (matos). A peculiaridade deste sistema baseia-se na coexis-tência, no espaço e no tempo, da atividade agrícola, da atividade pecuária e da exploração florestal. Uma singularidade do sistema consiste no facto da explora-ção florestal assentar na extração de uma casca (nos montados de sobro ou mistos) e na sua subsequente transformação. Por outro lado, a utilização do fruto da azinheira, a bolota, na engorda de suínos em regime de pastoreio (montanheira) é igualmente uma raridade.

3.2. SÍNTESE HISTÓRICA

Na transição do século XVIII para o século XIX e ao lon-go do século XIX coincidiram, no tempo e no espaço, um conjunto de condições que permitiram a criação e de-senvolvimento dos montados, tal como os conhecemos e os entendemos na atualidade. Entre essas condições incluem-se: a instituição da propriedade privada plena, o predomínio da propriedade de grande a muito grande dimensão, a disponibilidade de mão-de-obra assalariada abundante e barata, o aparecimento e incremento sus-tentado da procura no mercado nacional e/ou interna-cional de bens transacionáveis específicos do montado, o surgimento de condições propícias ao despoletar das arroteias. O período histórico em que se dá a incidência dessas condições coincide com o fim do Antigo Regime e começo do Regime Liberal. O espaço em que ocorrem, em simultâneo, as referidas condições, engloba todo o Alen-tejo, parte do Ribatejo, parte Sul da Beira Baixa e uma pequena faixa no limite Norte da Serra do Algarve.Nos fundamentos do que veio a constituir a versão mo-derna do sistema agro-silvo-pastoril do montado, reco-nhecem-se ricas e amplas influências culturais que resul-taram da presença de povos que conviveram e pelejaram nesses territórios, se influenciaram em hábitos, expres-sões artísticas, espaços habitados, o que originou mútuas apropriações, mais impostas, ou mais negociadas. Inú-meras evidências dessa presença humana encontram-se no património literário e nas contaminações linguísticas,

nos modos musicais, nos sabores que combinam a exi-guidade de recursos com influências gastronómicas do-cumentadas desde o séc. X, nas artes cerâmicas e têxteis e do amanho da terra. Reconhecem-se igualmente ricos vestígios arqueológicos, que testemunham a presença de comunidades pré-históricas que aqui se dedicaram à exploração de minérios, e grandes propriedades agríco-las que abasteciam o Império Romano, dominadas pelas villae, conjuntos que acumulavam funções de habitação e de apoio à produção, onde se poderão encontrar ances-trais dos montes alentejanos. Aqui foi disputada durante quase cinco séculos (até ao séc. XIII) a fronteira entre o mundo cristão e o mundo muçulmano tendo-se fortalecido, durante o longo perío-do da reconquista, a distribuição régia das propriedades aos concelhos e às ordens religiosas, medidas com gran-de impacto na constituição e nos direitos associados ao montado, que prolongaram muito o regime feudal neste território. Durante a ocupação islâmica há referências à prática da transumância e à introdução de ovelhas meri-no, produtoras de lã de grande qualidade. Há notícias que se reportam a este período e que referem o incremento de conflitos entre as atividades de pastagem e criação de gado com as áreas cultivadas. A bolota assumia então grande importância para a alimentação humana e igual-mente de animais domésticos.A história do montado foi amassada num vasto conjun-to de leis de proteção e controlo dos usos e das práticas agro-silvo-pastoris. As medidas sistemáticas de proteção do sobreiro surgem com os romanos e são compiladas pela legislação visigótica, que prevê em especial o direi-to de compáscuo (pasto em comum), com implicações no acesso livre das comunidades a determinados bens.

A monarquia portuguesa foi sempre muito diligente nas leis de proteção dos sobreiros e espécies arbóreas. Em-bora não se fizesse ainda referência ao montado, havia um entendimento nas políticas de que deveria haver um equilíbrio entre coberto arbóreo e pastagens, o qual exigia ser encarado com prudência. O mesmo acontece, nesses períodos, noutras regiões mediterrânicas, como a Catalu-nha e a República de Veneza. Poder-se-ia considerar um sistema de proto-montado. É com o Marquês de Pombal, em meados do séc. XVIII, que o regime de propriedade vai ser profundamente alte-rado, deixando de constituir entrave ao desenvolvimento do montado e da montanheira. Algumas leis anteriores foram modificadas, nomeadamente a regulamentação da transumância, que foi abolida, bem como a taxa de uso dos terrenos, que cessou em 1739.No séc. XIX surge uma nova conceção do liberalismo agrá-rio, em que a terra, liberta de antigas servidões, se con-centra nas mãos de poucos proprietários, sem constrangi-mentos de usos. Os pastos, que antes eram comuns, são agora arrendados. Acaba o regime de Morgadio, levando a que os domínios senhoriais e a propriedade deixassem de ser indivisíveis e como tal não sujeitos a partilha. Em 1834 são extintas as ordens religiosas sendo os seus bens secularizado e incorporados na Fazenda Nacional. O sistema agro-silvo-pastoril do montado evolui nesta fase por influências diversas, designadamente da revolu-ção industrial e da expansão que lhe está associada do mercado da cortiça, dominado até aos anos 30 do século XX pelos espanhóis. Contudo no primeiro decénio do séc. XX Portugal tornou-se o maior produtor mundial de cortiça e detentor da maior área suberícola europeia. Hoje, o país detém 1/3 da superfície mundial ocupada com sobreiro.

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A criação do porco de montanheira, desenvolvida de forma muito ténue nos séculos XVII e XVIII, surgiu com grande vigor no séc. XIX. Mas a peste suína africana, nos anos 60 do séc. XX, veio comprometer a sustentabilidade da atividade pecuária e em consequência dos montados de azinho. Como consequência, acelerou-se o processo de desertificação humana, motivada por migração interna e externa, e com ela o abandono progressivo de montes e das pequenas aldeias.O final do séc. XIX e o início do XX trouxeram a maior ocupação do território do Alentejo jamais registada. Coin-cide com a expansão significativa da cultura cerealífera, durante as campanhas do Estado Novo, que afetou de certo modo o sistema do montado nos seus equilíbrios instáveis, com uma forte aposta na componente agrícola e com consequências muito significativas na densidade do coberto arbóreo.Justifica-se uma referência especial a um fenómeno mais circunscrito, associado às políticas de colonização inter-na, e que diz respeito à ocupação de baldios na Serra de Serpa / Mértola. Por finais da década de 40, estes colo-nos tiveram a possibilidade de redimirem os foros para se tornarem proprietários efetivos dessas terras. Tal facto determinou que, de modo excecional nesta zona, a pro-priedade mantém uma dimensão média bem abaixo do que é predominante no Alentejo e em particular em áreas ocupadas pelo sistema de montado.

As marcas indeléveis deste percurso anteriormente enun-ciado constituem elementos explicativos da formação do sistema do montado, hoje associado predominantemente à economia da cortiça e à economia do porco. Trata-se de duas produções com tradição histórica confirmada – a cortiça com produção industrial e mercado globalizado e o porco com marca protegida e reconhecida e que se distri-buem de forma diversa no território do Alentejo.Atualmente o sobreiro e a azinheira são espécies protegidas pela legislação portuguesa produzida em 2001. Essa prote-ção não tem sido suficiente para travar a regressão da ár-vore em território português, motivada por práticas erradas ou a ocorrência de doenças. Mais recentemente, em 2012 o sobreiro é classificado como Árvore Nacional de Portugal.

3.3. PAISAGEM CULTURAL

Em sintonia com a complexidade do sistema, a paisagem do montado resulta da interação entre fatores naturais e culturais em permanente transformação ao longo dos tempos, a qual reflete a construção de uma paisagem úni-ca e excecional que combina a diversidade ecológica e a matriz cultural de cada local nas múltiplas relações (eco-lógico-naturais; histórico-culturais e socioeconómicas).O montado tem características de paisagem essencialmente evolutiva e viva 4 , com uma identidade única e um carácter

4 Trata-se de uma categoria dentro das Paisagens Culturais que a UNESCO admite no quadro da Convenção do património Mundial e da inscrição de Bens na Lista do Património Mundial, definida de acordo com o trabalho de um grupo de peritos em paisagens culturais (ver o documento WHC-92/CONF.202/10/Add), seguidamente aprovado para inclusão nas Orientações pelo Comité do Património Mundial na sua 16ª sessão. De acordo com o texto do anexo 3 das Orientações Técnicas para Aplicação da Convenção do Património Mundial (http://whc.unesco.org/archive/opguide11-pt.pdf), “A segunda categoria é a paisagem essencialmente evolutiva.

Resulta de uma exigência de origem social, económica, administrativa e/ou reli-giosa e atingiu a sua forma atual por associação e em resposta ao seu ambiente natural. Estas paisagens refletem esse processo evolutivo na sua forma e na sua composição. Subdividem-se em duas categorias: (…) - uma paisagem viva é uma paisagem que conserva um papel social ativo na sociedade contemporânea, inti-mamente associado ao modo de vida tradicional e na qual o processo evolutivo continua. Ao mesmo tempo, mostra provas manifestas da sua evolução ao longo do tempo.” Pp 69-70

específico, que refletem formas diversas dos seus elementos singulares em função do estágio de desenvolvimento e das condições territoriais particulares, e se repercute numa paisagem sustentável, adaptativa e evolutiva, cujos traços identitários combinam diferentes atributos, que se passam a fundamentar.

SingularidadeA paisagem cultural do montado caracteriza-se pelos traços distintivos do saber e da prática de um sistema multifuncio-nal agro-silvo-pastoril, definido por um povoamento flores-tal (arbóreo) de baixa densidade, composto essencialmen-te por Quercíneas (Quercus suber e Quercus rotundifolia), a que se associam essencialmente práticas de pastoreio. É por definição uma paisagem construída exclusivamente com elementos vivos, que o homem gere de forma singular, capaz de assegurar a sua sustentabilidade, conjugando de forma única ecologia com eficiência económica em respeito com as condições específicas do território.As especificidades do processo de povoamento, profun-damente marcado pela pobreza dos solos e consequente escassez de recursos, destaca como elemento estruturan-te desta paisagem o “monte”, sinal de enorme interde-pendência com o sistema de exploração multifuncional de produção extensiva.

HarmoniaA singular simbiose entre os elementos vivos que compõem o sistema do montado reflete-se na forma e na expressão da paisagem resultante, cujo valor estético é inegável e tem, como traços distintivos: a forma (profundidade e extensão), o movimento (superfícies onduladas marcadas pelas silhue-tas das copas dos Quercus, que se configuram como sebe

horizontal descontinuada sobre o solo), a cor (diversidade e dinâmica cromática com cambiantes ao ritmo das estações do ano) e a luz (quer de dia, no contraste entre as clareiras e as sombras, quer de noite, na luminosidade e vasta paisa-gem da abóbada celeste).

DiversidadeA enorme variabilidade dada pela variação espacial das características biofísicas (geologia, solos, clima, etc.), biométricas, de produtividade e capacidade de resiliên-cia das árvores, fazem com que a paisagem de montado seja composta por diferentes tipologias, numa sucessão progressiva, sem limites bruscos, mas sempre variada e nunca monótona.Tal heterogeneidade, espacial e temporal, promove uma excecional riqueza em nichos ecológicos. Os diferentes graus de cobertura arbórea (frequentemente com árvores de diferentes idades), arbustiva e herbácea conferem à paisagem do montado uma grande diversidade na estru-tura vertical e horizontal da vegetação, que raramente se encontram noutros sistemas florestais. Por outro lado, a sua natureza irregular, onde predominam os gradientes acompanhados de orlas difusas, ao invés de geometrias rígidas com orlas vincadas, torna cada área de montado única e irrepetível, tal como únicas e irrepetíveis são algu-mas das suas comunidades.

EscalaO relevo suave e ondulado e a baixa densidade dos po-voamentos, florestal e humano, associados à imensidão das áreas ocupadas pelo sistema de montado permitem panorâmicas com grandes amplitudes e horizontes largos, únicos deste território.

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5 Inscrita na Lista Representativa do Património Cultural Imaterial da Humanidade em 2013

6 Inscrita na Lista Representativa do Património Cultural Imaterial da Humanidade em 2014

7 Inscrito na Lista do Património Cultural Imaterial da Humanidade que necessita de Salvaguarda Urgente em 2015

8 Inscrita na Lista Representativa do Património Cultural Imaterial da Humanidade em 2017

9 Inscrito no Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial

Complementar à vastidão dos horizontes, a tranquilidade surge como um outro elemento de força na paisagem do montado, reforçando o carácter da identidade da paisa-gem com a dimensão sensorial. Trata-se de uma paisa-gem onde a ausência de ruído e a sensação de “estar longe de tudo” amplificam a extensão da sua escala.

MultifuncionalidadeDada a sua complexidade e interação constante entre as várias componentes, o montado é um sistema por natu-reza multifuncional, sendo os produtos que resultam da sua exploração, equilibrada e integradora, a expressão dessa multifuncionalidade. Como principal produto surge a produção de cortiça, seguindo-se os produtos pecuários, a madeira, a apicultura/mel, as plantas aromáticas e me-dicinais, os cogumelos, a caça, o turismo e o lazer. Para além destas múltiplas produções, o sistema de montado garante ainda uma série de serviços dos ecossistemas, tais como a regulação do ciclo da água, a fixação do car-bono, a prevenção da erosão, a elevada biodiversidade, entre outras.A sua multifuncionalidade faz com que uma enorme parte do património intangível da região do Alentejo, como a gastronomia (Dieta Mediterrânea 5), as tradições, as ex-pressões artísticas, como é o caso do Canto Polifónico do Alentejo, Sul de Portugal 6, o imaginário, as lendas, os saberes-fazer, como são os casos dos saber-fazer da Manufatura dos Chocalhos 7, da Produção de Figurado em

Barro de Estremoz 8 ou da Tiragem da cortiça no concelho de Coruche 9, se referenciem e tenham raízes nas particu-laridades deste sistema.

O conhecimento técnico-científico acumulado, a mo-bilização institucional e dos agentes e os trabalhos de levantamento do estado atual do sistema do montado10 permitiram a identificação e delimitação de áreas tipo-logicamente diversas, mas complementares no quadro do conceito global do sistema de montado11, com capa-cidade de representar, de modo integral, os valores mais significativos e diferenciadores desta paisagem cultural e de caracterizar o seu perfil e vocação para atividades interpretativas e de fruição da paisagem, tendo em vista a organização de produtos turísticos.A proposta de delimitação elaborada no âmbito dos pre-sentes trabalhos12 procura, assim, assegurar uma diver-sidade de situações e combinatórias representativas da singularidade e da integridade desta paisagem cultural, nos seguintes domínios:

• Elemento arbóreo dominante do povoamento flo-restal: sobreiro, azinheira ou os dois• Densidade do povoamento florestal,• Condições biofísicas presentes,

• Condição específica da orografia,• Produções económicas dominantes: exploração de cortiça, pastoreio de ovinos e caprinos, produ-ção de porco de montanheira, etc.,• Produções complementares: PAM, apicultura, micologia, caça, serviços turísticos, etc.,• Estrutura da propriedade fundiária,• Estágio evolutivo e adaptativo do sistema face às características edafoclimáticas e socioecónomicas, • Características estruturais da paisagem (morfoló-gicas, funcionais e estéticas),• Formas predominantes de povoamento humano e marcas da presença humana no território, no-meadamente monte, aldeias, povoamento,• Saberes-fazer tradicionais e outro património cul-tural imaterial associado,• Formas tradicionais de arquitetura popular tradi-cional.

4. ENSAIOS DE DELIMITAÇÃO DE ÁREAS A CLASSIFICAR

10 Os trabalhos de levantamento no terreno foram complementados com a realiza-ção de várias rotas de voo cobrindo os territórios mais representativos.

11 Entre as fontes de informação documental, cartográfica e estatística mobili-zadas contam-se as seguintes: Plano Regional de Ordenamento do Território do Alentejo (CCDRA), Carta de Uso e Ocupação do Solo e Corine Land Cover (DGT), Inventário Nacional Florestal (ICNF), Recenseamento Geral Agrícola (INE), Inven-tário Nacional de Mortalidade de Sobreiro e da Azinheira (ICAM/Universidade de Évora), Sistema de informação relativo às instalações pecuárias (DRAPAL), bases

de dados sobre Património natural (ICNF) e Património cultural (DGPC), Atlas do Ambiente (APA) e diversos elementos disponibilizados pelos municípios. Comple-mentarmente, foi desenvolvida uma análise de benchmarking de outras áreas ins-critas na Lista de Património Mundial da UNESCO.

12 Levantamento e Caracterização do estado atual do sistema do Montado, inse-rido no âmbito do Projeto Estrutura de Informação e de Suporte ao Sistema de Montado, promovido pela Turismo do Alentejo e Ribatejo e financiado no quadro do Alentejo 2020.

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O ensaio de delimitação traduziu-se na identificação e caracterização do estado atual de cinco áreas, que cor-respondem a diferentes tipologias do sistema agro-sil-vo-pastoril de montado, sugerindo condições para o seu aprofundamento posterior, no âmbito do processo de

apresentação da candidatura desta paisagem cultural à inscrição na Lista do Património Mundial na categoria de bem seriado. Essas cinco áreas correspondem às seguin-tes tipologias, que se distribuem, territorialmente, por di-versas localizações dentro da região do Alentejo (NUT II):

V

ELEMENTOS DETERMINANTES I II III IV V

Povoamento florestal – elemento arbóreo dominante

Sobreiro Azinheira Sobreiro e Azinheira

Sobreiro e Azinheira

Sobreiro e Azinheira

Densidade dos povoamentos Elevada Elevada Elevada Baixa Baixa

Condições biofísicas Incompletas Incompletas Total (diversidade dentro da área) Incompletas Incompletas

Orografia Ondulado leve (“sensual”) Ondulado Ondulado Ondulado Peneplanície

Produções económicas dominantes Cortiça e pecuária /pastoreio

Pastoreio / porco de montanheira

Cortiça e pecuária /pastoreio

Pastoreio / porco de montanheira

Pastoreio / porco de montanheira

Produções complementares: PAM, cogumelos, mel, caça

Presença Presença Presença Presença muito acentuada Presença

Exploração de outros serviços (turismo)

Presença acentuada Presença mod-erada

Presença acentuada

Presença acen-tuada

Presença acentuada

Estrutura da propriedade dominante Grande dimensão / latifúndio

Grande dimensão / latifúndio

Grande dimensão / latifúndio

Média e pequena dimensão

Grande dimensão / latifúndio

Povoamento humano Concentrado Concentrado Concentrado Relativamente disperso Concentrado

Saberes fazer tradicionais e manifestações culturais

Gastronomia medi-terrânica

CanteTiragem da cortiça

Gastronomia mediterrânica

Cante

Gastronomia mediterrânica

Tiragem da cortiça

Gastronomia mediterrânica

CanteMontanheira

Tiragem da cortiça

Gastronomia mediterrânica

CanteMontanheira

Tiragem da cortiça

Arquitetura populares dos povoados13 Sub-região da plata-forma de Évora

Sub-região do além Guadiana

Sub-região das Areias

(S. Mamede e Marvão)

Sub-região do além Guadiana

Sub-região dos barros de Beja

13 Foram adotadas neste trabalho as sub-regiões estabelecidas por José Baganha no seu trabalho: Baganha, José (2016) A Arquitetura Popular dos Povoados do Alentejo, Edições 70, Lisboa.

I

IV

II

III

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I. Sistema agro-silvo-pastoril de montado com predominância de povoamentos puros de sobrei-ro, com uma presença determinante da atividade económica de produção de cortiça, embora com-binada com outras atividades, em particular a pecuária extensiva (área localizada na NUT III do Alentejo Central);

II. Sistema agro-silvo-pastoril de montado com predominância de povoamentos puros de azinheira (área localizada na NUT III do Baixo Alentejo, na zona fronteiriça);

III. Sistema agro-silvo-pastoril de montado que combina povoamentos puros de sobreiro, puros de azinheira e mistos de sobreiro e azinheira, cuja sequência se estabelece em função da orografia do terreno e dos níveis de precipitação associa-dos (área localizada na NUT III do Alto Alentejo);

IV. Sistema agro-silvo-pastoril de montado com povoamentos de sobreiro e de azinheira (puros e mistos) que se distinguem pela presença de mais acentuada multifuncionalidade (área localizada na NUT III do Baixo Alentejo;

V. Sistema agro-silvo-pastoril de montado com povoamentos de sobreiro e de azinheira (puros e mistos), com uma forte presença e relevância económica da produção de porco em regime de “montanheira” (área localizada na NUT III do Bai-xo Alentejo).

Para uma melhor compreensão das diferentes tipologias do sistema agro-silvo-pastoril do montado estabeleci-das, a tabela seguinte procura enunciar, relativamente a um conjunto de elementos determinantes que se in-serem nos diversos domínios referidos anteriormente, alguns dos principais aspetos de distinção ou de coin-cidência entre essas tipologias, para as quais se identi-ficaram e delimitaram preliminarmente cinco áreas em toda a região do Alentejo:O mapa que se segue permite dar uma ideia geral da dis-tribuição da série de cinco áreas, preliminarmente deli-mitadas segundo os critérios das tipologias trabalhadas, permitindo dar mais um passo no sentido de uma propos-ta de delimitação do Bem para o processo de candidatura à inscrição da paisagem Cultural do Montado na Lista do património Mundial.

PROGRAMA

ABERTURA

António Ceia da Silva – Presidente da Entidade Regional de Turismo do Alentejo e Ribatejo

COMUNICAÇÕES

Do sistema à paisagem cultural do Montado: resultados de um processo de conhecimento e apropriação

Elisa Pérez Babo, Quaternaire Portugal

Legado para uma futura candidatura do Montado a Património da Humanidade

Inocêncio Seita Coelho, Investigador

Qualificação e competências das novas gerações para a preservação e valorização do Montado

José Mira Potes, Instituto Politécnico de Santarém

Contexto sócio-ecológico da produção animal no Montado

Elvira Sales Baptista, Universidade de Évora / ICAAM

Potencial da Paisagem Cultural do Montado na estratégia de desenvolvimento territorial

Mª Teresa F. Batista, CIMAC, ICAAM

DEBATE

ENCERRAMENTO

Ana Paula Amendoeira, Diretora Regional da Cultura do AlentejoMODERAÇÃO

José Manuel Santos, Diretor de Departamento da Entidade Regional de Turismo do Alentejo e Ribatejo

5. ATAS DO ÚLTIMO SEMINÁRIO*

* Realizado em formato webinar no dia 23 de Junho 2020

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I – ABERTURA

António Ceia da Silva – Presidente da Entidade Regional de Turismo do Alentejo e Ribatejo

A abertura dos trabalhos deu-se com a apresentação pelo Presidente da ERT de alguns agradecimentos: à Comissão Executiva da Candidatura, aos autarcas, aos empresários e aos produtores na área do montado; à Comissão Científica da Candidatura que o acompanhou; à Universidade de Évora e aos Politécnicos; à equipa da Quaternaire Portugal pelos trabalhos desenvolvidos no quadro do processo de preparação da proposta de inscrição da Paisagem Cultural do Montado na Lista do Património Mundial da UNESCO à Dra. Maria Manuel Gantes, técnica da ERT, e a todos os outros que se envol-veram neste processo de forma empenhada.

O Presidente da Entidade Regional de Turismo do Alentejo e Ribatejo sublinhou o facto de este Webinar constituir ape-nas uma das etapas de um caminho que merece ser con-cluído no futuro. O processo de preparação da candidatura encontra-se num ponto de discussão crucial, que envolve questões complexas, designadamente associadas à gestão territorial. O seu prosseguimento implica, sem dúvida, para além da criação de uma parceria global, o claro empenho do Governo, designadamente dos Ministérios da Agricul-tura e do Ambiente. O Presidente da Entidade Regional de Turismo do Alentejo e Ribatejo terminou a sua intervenção inicial reafirmando a disponibilidade da ERT para, em asso-ciação com todas as restantes entidades, ao nível governa-mental e da administração central, mas também das Comu-nidades Intermunicipais e das Universidades, entre outras,

dar continuidade ao processo de classificação nacional e de inscrição da Paisagem Cultural do Montado na Lista do Património Mundial na Unesco, reconhecendo ser este um desígnio nacional.

José Santos – Diretor de Departamento da Entidade Regional de Turismo do Alentejo e Ribatejo

O Diretor de Departamento da ERT da Entidade Regional de Turismo do Alentejo e Ribatejo sublinhou o facto de o presente Webinar marcar o encerramento do projeto “Estrutura de informação e de suporte ao sistema de Montado” e informou que dele serão elaboradas as res-petivas atas.

Agradeceu aos palestrantes e aproveitou para apesentar o painel de oradores, incluindo, a Dra. Elisa Pérez Babo, coordenadora técnica dos trabalhos do projeto, enquanto administradora da Quaternaire Portugal, ao Prof. Inocên-cio da Seita Coelho, investigador e iminente conhecedor dos sistemas de montado, coordenador científico dos tra-balhos preparatórios da candidatura da Paisagem Cultural do Montado a inscrição na Lista do Património Mundial, ao Prof. Mira Potes, do Instituto Politécnico de Santarém, grande conhecedor e entusiasta dos sistemas do montado, à Profª. Elvira Sales Baptista, investigadora do Instituto de Ciências Agrárias e Ambientais Mediterrânicas, Universi-dade de Évora, com trabalho relevante nos temas da gestão integrada e da produção animal em sistema de montado, à Engª Teresa Baptista, que, no âmbito da CIMAC, coordena vários projetos que põem no terreno o conhecimento sobre o Montado, designadamente, através da proposta de ro-tas, de que é exemplo a Grande Rota do Montado.

PARTICIPANTESAcompanharam os trabalhos, pela plataforma zoom ou pelo Facebook, para além dos oradores, do moderador e dos representantes da ERT, cerca de 50 participantes, um número semelhante ao dos inscritos. O Seminário contou com 5 oradores.

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II - INTERVENÇÕES DOS

ORADORES

DO SISTEMA À PAISAGEM CULTURAL DO MONTADO: RESULTADOS DE UM PROCESSO DE CONHECIMENTO E APROPRIAÇÃO

Elisa Pérez Babo – Quaternaire Portugal, SA

A oradora iniciou a sua apresentação com um balanço dos trabalhos desenvolvidos no âmbito do projeto “Es-trutura de informação e de suporte ao sistema de Mon-tado”, que se enquadra no que considerou um processo longo e frutuoso para a região do Alentejo e para o con-junto de promotores e parceiros envolvidos.O sistema agro-silvo-pastoril do montado, que ocupa uma área significativa da região do Alentejo, detém caracte-rísticas singulares e incorpora valores de grande impor-tância, aspetos que estiveram na origem do lançamento, em 2011, do processo para a salvaguarda desta paisagem cultural, através da preparação da proposta de inscrição na Lista do Património Mundial. Desencadeado pela En-tidade Regional de Turismo do Alentejo e Ribatejo, o pro-cesso deu lugar à criação das bases do que poderá cons-tituir um novo modelo de governança da paisagem, com a constituição de uma Comissão Executiva e de uma Comis-são Científica. Entre 2011 e 2015, os trabalhos incidiram no aprofundamento do conhecimento sobre o sistema e a paisagem cultural do Montado, incluindo exercícios preli-minares de delimitação da área de Montado a propor para

inscrição na Lista do Património Mundial, a identificação e sistematização dos atributos e valores dessa paisagem suscetíveis de fundamentar o seu Valor Universal Excecio-nal do Montado, para além de uma proposta preliminar de modelos de gestão e de governação futura do Bem. Em 2016 concluiu-se um primeiro passo fundamental para o processo, que consistiu na inscrição da Paisagem Cultural do Montado na Lista Indicativa do Património Mundial, a nível nacional. O processo de cooperação interinstitucio-nal e de mobilização dos atores prosseguiu então, com o objetivo de aprofundar os argumentos justificativos do processo de inscrição, bem como, de cumprir o que, entre-tanto, se tornou um requisito obrigatório, de classificação nacional da paisagem cultural de montado como monu-mento nacional.O sistema agro-silvo-pastoril do montado combina for-mas diversas dos seus elementos singulares em fun-ção do estágio de desenvolvimento e das condições territoriais particulares, e repercute-se numa paisagem sustentável, adaptativa e evolutiva, cujos traços identi-tários combinam os seguintes atributos: Singularidade, Harmonia, Diversidade, Escala, Multifuncionalidade.O conhecimento técnico-científico acumulado e os tra-balhos de levantamento permitiram identificar áreas de sistema agro-silvo-pastoril de montado tipologicamente diversas. A noção e compreensão dessas tipologias e da sua distribuição, num território de enorme extensão, justificaram, no seguimento dos trabalhos, a opção por uma proposta de delimitação do bem dentro da catego-ria, estabelecida pela UNESCO, de “Bem seriado”. Desse modo, a proposta de tipologias que foi elaborada pela equipa técnica procurou assegurar a diversidade de si-tuações em termos dos seguintes parâmetros: elemento

arbóreo dominante, densidade do povoamento florestal, condições biofísicas, orografia, produções económicas dominantes e complementares, estrutura fundiária, po-voamento humano, saberes fazer tradicionais e manifes-tações culturais e arquitetura popular dos povoados. As cinco tipologias da paisagem cultural de montado que se estabeleceram com base nesses parâmetros foram as seguintes, com localizações específicas no território: Sistema agroflorestal de Montado com predominância de povoamentos puros de sobreiro e produção de cortiça (Alentejo Central); Sistema agroflorestal de Montado com predominância de povoamentos puros de azinheira (Baixo Alentejo, área fronteiriça); Sistema agroflorestal de Mon-tado que integra povoamentos puros de sobreiro, puros de azinheira e mistos de sobreiro e azinheira distribuídos em função da orografia e dos níveis de precipitação (Alto Alentejo); Sistema agroflorestal de Montado com povoa-mentos de sobreiro e azinheira (puros e mistos) onde exis-te forte multifuncionalidade (Baixo Alentejo); e Sistema agroflorestal de Montado com povoamentos de sobreiro e azinheira (puros e mistos) onde a produção de porco de montanheira é mais significativa (Baixo Alentejo).De acordo com esta distribuição de áreas, dentro do con-ceito de bem seriado, a equipa elaborou uma proposta de uma rede de estruturas de interpretação e compreen-são do sistema e da paisagem cultural do Montado, que designou de “Centros de Proximidade da Paisagem Cultural do Montado”, vocacionados para o acolhimento dos visitantes, mas simultaneamente, para a interação com as comunidades locais e a monitorização da evolu-ção da paisagem. Na perspetiva dessa proposta, cada um desses Centros estaria focado num dos seguintes temas: suporte físico e geográfico da paisagem cultu-

ral do Montado; sistema agro-silvo-pastoril criado pelo homem, por adaptação do bosque mediterrâneo; siste-ma agro-silvo-pastoril atual nas suas diversas tipolo-gias; economias (de transformação) associadas ao sis-tema de montado; e marcas de um processo histórico associado à paisagem cultural do Montado.Para terminar, a oradora sublinhou as diferentes mais--valias deste processo de colaboração e de construção de um desígnio comum para a paisagem cultural do Montado. Por um lado, o processo permitiu produzir e reunir conhecimento científico, técnico, mas também tácito e não formalizado, criando condições para uma maior capacidade de decisão e de gestão dos recursos. Por outro lado, o mesmo processo ampliou a perceção dos valores por parte que quem habita, explora (econo-micamente) e usufrui do sistema agro-silvo-pastoril do montado e desta paisagem cultural. Por fim, o processo consolidou ainda vantagens especialmente relevantes para a gestão de oportunidades regionais ao nível das políticas de mitigação das alterações climáticas, das novas políticas de coesão social e territorial e de com-petitividade estratégica.

LEGADO PARA UMA FUTURA CANDIDATURA DO MONTADO A PATRIMÓNIO DA HUMANIDADE

Inocêncio Seita Coelho – Investigador, coordenador científico dos trabalhos preparatórios da candidatura da Paisagem Cultural do Montado a inscrição na Lista do Património Mundial

A intervenção centrou-se em quatro observações que pretenderam sublinhar aspetos referidos pela anterior

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oradora, enquanto referências ao trabalho técnico e colaborativo desenvolvido. Um primeiro ponto, sublinhando que, através deste processo, foi possível identificar, na realidade deste território do Alentejo e do seu sistema agro-silvo-pas-toril específico, os temas essenciais na avaliação que a UNESCO faz das candidaturas, e que, por isso, têm de ficar claros para que a candidatura seja aprovada. Con-seguir essa sistematização e centrar no mais importan-te, sabendo que o Montado é um tema inesgotável, foi um avanço importante.Um segundo aspeto que se prende com o facto de a Co-missão Científica e a Comissão Executiva chegarem a acordo na necessidade de centrar a discussão nos te-mas mais importantes, ainda que, ao longo do proces-so, se tenha discutido e refletido sobre um leque mais alargado de temas, fundamentando visões diversas mas complementares sobre esta mesma realidade, do siste-ma agro-silvo-pastoril e da paisagem cultural do Mon-tado. Contudo, os temas fortes foram consensualmente aceites.Um terceiro ponto, destacando o facto de o roteiro da pro-posta para classificação da paisagem cultural do Montado como Monumento Nacional não coincidir com o roteiro da candidatura da mesma à inscrição na Lista do Património Mundial da UNESCO. De acordo com a legislação nacional, as categorias de bens patrimoniais que se encontram esta-belecidas, incluindo para efeito dos procedimentos de clas-sificação nacional, não abrangem a categoria de paisagem cultural. Desse modo, o orador sublinhou a necessidade de as equipas técnicas desenvolverem um conjunto de traba-lhos que permitissem contribuir para o enquadramento da paisagem cultural do Montado no quadro dos referenciais e

documentos que devem fundamentar os procedimentos para a classificação nacional do património na categoria de Monumento Nacional. Essa adaptação foi feita com um acompanhamento próximo por parte da Direção Re-gional de Cultural do Alentejo, designadamente pela Dra. Ana Paula Amendoeira, Diretora Regional, e pela Dra. Ana Cristina Pais, o que representou um avanço bastante con-siderável.Por último, um quarto ponto, que, subscrevendo o que o Dr. Ceia da Silva referira na abertura dos trabalhos, realçou o facto de a candidatura da paisagem cultural do Montado a inscrição na Lista de Património Mundial, a qual pressu-põe a sua prévia classificação como Monumento Nacional, exigir não apenas um promotor forte (sublinhando que a Entidade Regional de Turismo do Alentejo e Ribatejo o é sem dúvida), mas também uma equipa técnica adequada (como foi a Quaternaire Portugal) e, necessariamente, uma forte componente política, traduzida no apoio do Governo (o que não se verificou até aqui), mas também das insti-tuições públicas e da sociedade civil. O orador concluiu, nesse sentido, que numa próxima tentativa de dinamiza-ção e conclusão deste processo, tal questão terá de ser garantida, sob pena de a candidatura não poder avançar, sublinhando a necessidade de encontrar uma plataforma institucional mais alargada e consistente para continuar o caminho.

QUALIFICAÇÃO E COMPETÊNCIAS DAS NOVAS GERAÇÕES PARA A PRESERVAÇÃO E VALORIZAÇÃO DO MONTADO

José Mira Potes – Instituto Politécnico de Santarém

A comunicação foi inicialmente enquadrada por algumas notas que o orador explicitou sobre as características es-pecíficas do sistema do montado.O montado é um sistema ecológico, um ecossistema, criado pelo homem, que se sustenta na exploração dos recursos naturais, complementado com a atividade agrícola extensiva, que se tem revelado não agressi-va para o ambiente, desde que respeitadas as regras necessárias à manutenção do equilíbrio dos diversos sistemas que o integram. É um sistema agro-silvo-pas-toril, multifuncional porque se constitui de diversos subsistemas de produção integrados e interdependen-tes, próprios de ambientes mediterrânicos. Subdivide--se em diversos sistemas produtivos que, embora de baixa produção quantitativa, lhe conferem o carácter extensivo, e são geradores de produtos, de qualidade diferenciada, e obtidos num meio paisagístico diferen-ciador e característico do ecossistema e da região.A sua sustentabilidade técnica, económica e ambien-tal tornou-o modelo da reforma da PAC 2014-2020 e foi reconhecido pela UNESCO, ao inscrever a Paisagem Cultural do Montado na Lista Indicativa do Património Mundial.O “Portugal Mediterrânico” ultrapassa as fronteiras do Alentejo, tendo o país uma superfície de mais de

três milhões de hectares com vocação para este tipo de sistemas multifuncionais. Contrastando com este potencial, o orador destacou o facto de não existir no país uma oferta adequada de formações superiores es-pecializadas neste tipo de sistemas.Seguidamente, foi destacada a criação recente do Mestrado em Agro-Silvo-Pastorícia Mediterrânica, do Instituto Politécnico de Santarém, o qual contém uni-dades curriculares nas áreas da Produção Agrícola, Produção Animal e Ciências Veterinárias. Este mes-trado funcionou durante dois anos, apesar de nem no 1º ano, nem no 2º ano atingir os 10 alunos inscritos, enquanto no 3º não teve candidatos. A intervenção terminou com a seguinte questão: Como é que num país com este potencial no quadro dos siste-mas agro-silvo-pastoris mediterrâneos, este mestrado corre o risco de fechar por falta de candidatos?

CONTEXTO SÓCIO ECOLÓGICO DA PRODUÇÃO ANIMAL NO MONTADO

Elvira Sales Baptista – Professor Associado (Departa-mento de Zootecnia) Universidade de Évora, Investigado-ra do ICAAM/ MED.

A oradora iniciou a sua intervenção sublinhando algumas notas sobre a importância de, ao tratar do montado, ter uma visão integrada entre os aspetos culturais, de con-servação e biodiversidade, de uso da terra e de produção.Foi referida a grande diversidade de tipologias de mon-tado: podem ter elevada densidade ou muito baixa;

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ainda que a dimensão média das propriedades seja grande, há uma grande variabilidade. Trata-se de uma paisagem associada a uma ocupação humana muito antiga e onde os aspetos do património cultural estão inscritos na paisagem, uma paisagem que se relaciona com diferentes dimensões também do património cul-tural imaterial como a dieta mediterrânica, o cante ou o fabrico de chocalhos.O sistema do montado é dinâmico, sustentável e com-plexo. Dele fazem parte vários estratos, interligados. Foi sublinhada a enorme extensão de área perdida anual-mente, desde 1990, relacionada, entre outros proble-mas, com a fraca regeneração natural.A exploração pecuária é uma das componentes produti-vas fundamentais do montado. Embora as áreas de mon-tado se caracterizem por ter solos pobres, com baixa matéria orgânica, com alguma acidez e toxicidade (que afetam o crescimento das plantas), têm uma grande ri-queza de pastagens, que são naturalmente biodiversas: com várias espécies nativas, uma grande diversidade de fauna e flora (pode chegar às 150 espécies/m2) e que representam importantes recursos alimentares para os animais. Foi referido que os animais têm necessidades energéticas diferenciadas consoante as várias fases do ciclo de produção.Foi citada ainda a biodiversidade que caracteriza o mon-tado, onde existe uma grande diversidade de fauna e flo-ra, espécies nidificantes e espécies cinegéticas impor-tantes. Foi ainda sublinhada a importância da interação entre as várias componentes do sistema que o fazem funcionar em equilíbrio.Para terminar, foram identificadas algumas inovações técnicas (apps, bases de dados fotográficas, etc.) que

têm ajudado a gerir melhor o sistema permitindo, por exemplo, a monitorização do pastoreio.

POTENCIAL DA PAISAGEM CULTURAL DO MONTADO NA ESTRATÉGIA DE DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL

Mª Teresa F. Batista – Unidade de Ambiente e Desen-volvimento da Comunidade Intermunicipal do Alentejo Central, Investigadora do ICAAM/ MED

A oradora iniciou a sua apresentação com a confissão de uma paixão antiga pelo Montado, que se traduziu em muitos anos de trabalho, de investigação e de várias pu-blicações sobre o montado. A apresentação feita, como referiu, resulta de uma re-flexão conjunta com os colegas José Manuel Mascare-nhas e Paula Mendes, acerca do Montado como paisa-gem biocultural e das funções ecológicas e serviços de ecossistema.O trabalho parte da diferenciação entre funções de ecos-sistema e serviços de ecossistema. As primeiras podem ser definidas como o conjunto de processos ecossis-témicos que ocorrem dentro de um sistema ecológico, independentemente de serem ou não úteis para os se-res humanos. Por seu lado, os serviços de ecossistema são benefícios obtidos da natureza que atendem às ne-cessidades humanas. Do ponto de vista económico, os serviços de ecossistemas são considerados externalida-des, uma vez que proporcionam benefícios que não são pagos e por isso não são internalizados nos processos económicos.

O Montado, conforme sublinhou a oradora, é uma paisagem biocultural: assenta essencialmente em as-petos biológicos, mas foi transformada por ação do homem. É uma paisagem muito diversa, que assume diferentes formas. (Foi referida uma publicação onde estão identificadas as tipologias de Montado.)Nas últimas décadas, conforme estudado, houve uma forte regressão das áreas de Montado. Um estudo re-ferido avalia em 50 mil hectares a área de montado perdida entre 1990 e 2006.Ao longo da apresentação da oradora descreveu as-petos específicos das diversas funções ecológicas do Montado, como sejam: a captura de carbono; a qua-lidade do ar/regulação do clima; a proteção/enrique-cimento do solo; a regulação do ciclo hidrológico; o suporte da biodiversidade; abrigo e alimento para muitas espécies animais, entre outras. Foi igualmente sublinhada a capacidade de resiliência deste sistema, particularmente relevante no quadro das alterações climáticas.Dentro dos produtos, bens e serviços associados ao Montado, a oradora referiu-se de forma sucinta: aos produtos florestais (madeira, cortiça, carvão), à pecuá-ria, à caça, aos cogumelos e às aromáticas, à estética da paisagem e ao ecoturismo, à inspiração artística, ao património biológico, cultual e intangível e, finalmente, ao potencial educacional, recreativo e de pesquisa.A oradora procurou assim, deixar evidentes as diferen-ças entre as funções ecológicas e os bens/produtos e serviços fornecidos pelo sistema de montado. A finali-zar foram ainda partilhadas algumas dúvidas sobre o modo de valorizar, quantificar/avaliar e remunerar os serviços de ecossistema, questão que está hoje na or-

dem do dia e que tem vindo a envolver cada vez mais especialistas e os responsáveis públicos.

III – DEBATE

Célia Barroso – Vereadora da C.M. de Coruche

A Vereadora sublinhou a responsabilidade acrescida que sente ao participar no Webinar, pelo facto de repre-sentar a Lezíria. Considerando as tipologias do montado de sobro apre-sentadas pela primeira oradora, na Lezíria, nomeada-mente na Charneca do Montado, está bem presente o montado puro ou o montado com pinheiro (pinheiro man-so e pinheiro bravo), apesar de não se encontrar identifi-cado na área proposta para classificação. Acrescentou ainda que o Município de Coruche é líder da Estratégia de Eficiência Coletiva PROVERE “O Montado de Sobro e Cortiça” 2014-2020, no âmbito da qual foi pro-posta a inscrição da “Tiragem da cortiça” no Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial, para além de ser o promotor do Observatório da Cortiça. Estes aspetos, conforme referiu, justificariam a inclusão do concelho de Coruche nas áreas objeto da proposta de candidatura. Uma outra questão colocada pela mesma interveniente respeita à necessidade de a candidatura refletir a com-ponente florestal e agrícola, mas também a vertente hu-mana, da antropologia, elementos centrais do sistema do montado.A interveniente terminou mostrando a disponibilidade do Município de Coruche para colaborar no processo de

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candidatura da paisagem cultural do Montado a inscri-ção na Lista do Património Mundial.

Elisa Pérez Babo – Quaternaire Portugal, SA

Em resposta às duas questões colocadas, referiu o seguinte:1. A identificação das tipologias decorreu de um trabalho longo, que começou com um levantamento, caracteriza-ção e estudo que abrangeu as três regiões: Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve, sustentado em grande medi-da pelos respetivos Planos Regionais de Ordenamento do Território. Os trabalhos evoluíram sem qualquer exclusão de áreas ou municípios, mas no sentido da identificação de áreas, de dimensão reduzida e representativas das várias tipologias, no sentido da instrução do processo de classificação nacional e de apresentação da candidatura a inscrição na Lista do Património Mundial (por esse mo-tivo, a opção por identificar um bem seriado). Os monta-dos da Charneca estão considerados nas tipologias apre-sentadas, perspetiva da produção de cortiça associada à produção animal. Toda a paisagem cultural do Montado, na sua diversidade, deve ser considerada no processo de Candidatura. 2. O trabalho ao longo de todo o processo integra várias dimensões, onde estão incluídas as questões antropo-lógicas.Acrescentou ainda que, no seu entendimento, a Candi-datura da Paisagem Cultural do Montado a classificação e inscrição na Lista do Património Mundial constitui um processo de reconhecimento do valor estratégico deste sistema mediterrânico singular em termos de modelo de desenvolvimento sustentável da região.

IV – ENCERRAMENTO

Ana Paula Amendoeira – Diretora Regional da Cultura do Alentejo

A Diretora Regional de Cultura começou por louvar a iniciativa da Entidade Regional de Turismo do Alen-tejo e Ribatejo e felicitar esta entidade por ter sido bem-sucedida na fase inicial da inscrição da Paisagem Cultural do Montado na Lista Indicativa do Património Mundial, uma proposta que já fora feita por si anterior-mente, mas, na altura, sem resultados.Do ponto de vista da Diretora Regional de Cultura, a inscrição da Paisagem Cultural do Montado na Lista do Património Mundial é de crucial importância para a região e para o país, e esta amplifica-se a cada dia, à medida que cresce o reconhecimento externo do valor deste ecossistema, desta paisagem, da história e do modo de vida associados ao montado e da importância de “voltarmos às raízes” para, a partir delas e do co-nhecimento que delas temos, viver o território e cons-truirmos o nosso futuro. Simultaneamente, sublinhou que hoje é globalmente reconhecido que as formas de gestão tradicionais são contributos centrais e não ne-gligenciáveis para a adaptação às alterações climáti-cas e para outras questões de futuro, não se tratando de um mero “romantismo da contemplação da beleza”. A Diretora Regional de Cultura lamenta não se ter conseguido avançar nesta fase do processo, reco-nhecendo também que “às vezes é preciso dar vários passos atrás para dar um passo à frente”. Salientou

a importância de colocar o interesse geral acima de todos os interesses particulares, territoriais, setoriais ou outros, para relançar o processo de candidatura, adaptando-o ao que será um novo contexto, de modo a conseguir a inscrição deste bem na Lista do Patrimó-nio Mundial. Referiu ainda as dificuldades de levar adiante o pro-cesso particular de instrução da classificação como Monumento Nacional, no seio do sistema de classifi-cação nacional e no quadro da atual Lei do Património de uma paisagem cultural. Segundo a Diretora Regio-nal da Cultura do Alentejo a atual lei foi elaborada e aprovada numa época em que o conceito de património era muito mais restrito, reconhecendo a necessidade de proceder à sua revisão e regulamentação, de forma a adaptar-se pragmaticamente à realidade (que não é exclusiva do Montado). No caso da paisagem cultural do Montado, confirma a ideia de que não se justifica classificar um pequeno espaço, que não traduz a diver-sidade e riqueza do sistema global.Segundo a Diretora Regional, o atual momento de pausa no processo não põe em causa a urgência de reconhecimento deste sistema. A proposta de inscri-ção da “tiragem da cortiça” no Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial é, simultaneamente, uma boa notícia. O património “imaterial” é uma parte de um sistema complexo e a classificação não devia ser espartilhada. Ainda assim trata-se de uma iniciativa importante e que pode manter vivo este processo. Fez ainda referência a um trabalho recente sobre a criação do touro do montado, outra componente do sistema, que ilustra a atenção que o sistema do montado, nas suas diversas vertentes, tem merecido.

A Diretora Regional de Cultura do Alentejo terminou a sua intervenção com palavras de apoio e estímulo e reforçando a disponibilidade da Direção Regional da Cultural para o processo. Apelou a que todos os agen-tes no território se empenhem em retomar este pro-cesso. Conforme referiu, muito já foi ganho até ao mo-mento, muito já se trabalhou a produzir e sistematizar conhecimento; e, a partir de agora, “todos temos um papel”, maior ou mais pequeno. A Paisagem Cultural do Montado mantem-se na Lista Indicativa do Patrimó-nio Nacional e, conforme sublinhou, deve ser feito um esforço de concentração no interesse geral para levar a candidatura da sua inscrição na Lista do Património Mundial até ao seu final.

José Santos – Entidade Regional de Turismo do Alentejo e Ribatejo

Finalizou o encontro proferindo algumas palavras de agradecimento e que condensam uma ideia partilhada pelos vários intervenientes. A partir de agora, é impe-rioso que se encontre um novo caminho para chegar à inscrição da Paisagem Cultural do Montado na Lista do Património Mundial. Nesse caminho, seja ele qual for, estaremos muito mais bem preparados

Évora, 23 de junho de 2020

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EDIÇÃO: Turismo do Alentejo, ERT COORDENAÇÃO E ORGANIZAÇÃO DO WEBINAR: Quaternaire Portugal, SA FOTOGRAFIAS: Rui Figueiredo, Nicola DinunzioIMPRESSÃO: Norprint – a casa do livro DESIGN: Fernando Portugal Design ISBN: 978-989-54791-4-6 TIRAGEM: 150 exemplares ANO: 2020

CAPA, 04, 06, 07 e 08 | Nicola Dinunzio

02,03 e 05 | Rui Figueiredo

CRÉDITOS FOTOGRÁFICOS:

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