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Até quando?

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Enquanto ela sobrevivia e contra-riava os prognósticos médicos que in-dicavam 60% de risco de óbito, T.S. se mudava para a casa da mãe em Canoas (RS). Já o inquérito policial que inves-tigava a tentativa de homicídio rodava pelas delegacias. Da 3.a Delegacia de Polícia de Florianópolis, que também cobre a região do Estreito, foi encami-nhado a Biguaçu, onde reside a vítima, que repassou para a delegacia de São José, que disse não ter nada a ver com a averiguação e encaminhou à Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher da Capital (6.a DP), que ouviu o acusado em dezembro. As investigações da Polícia Civil foram, então, encerradas, o caso foi encaminhado ao Ministério Público e o processo criminal foi aberto. A reporta-gem teve acesso aos documentos da ação e constatou que o inquérito policial traz fotos e informações de dois acusados

diferentes. William Pereira do Amaral, técnico judiciário do Juizado de Violên-cia Doméstica e Familiar Contra a Mulher da comarca da Capital, diz que a Dele-gacia deve ter se confundido e anexado papelada de outro caso. O arquivo, por exemplo, tem registros da ficha prisional de um homem, mas, segundo Aldemir Ribeiro, assessor jurídico da Promotoria, a prisão preventiva de T.S. não foi soli-citada: “Não vimos necessidade. Ele está colaborando com a justiça, não tentou coagir testemunhas e nem se aproximar da vítima. Mas pode vir a ser preso, caso não cumpra suas obrigações como réu”, explica. A audiência acontecerá em Flo-rianópolis, no dia 7 de novembro, 14 meses após o crime. Mulheres que so-frem agressões não tão extremas, porém não necessariamente menos traumáticas, enfrentam um caminho ainda mais tortu-oso para levar o agressor a julgamento.

Pâmela Padilha, 17 anos

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Gabrielle Estevans

Pâmela Padilha afasta com dificulda-de a canga que faz vezes de cortina e que separa seu quarto da sala na

casa simples de madeira onde mora, no município de Biguaçu (SC). A jovem de 17 anos, que teve 40% do corpo queimados pelo namorado em agosto do ano passado, atravessa os cômodos e quase que sussurra um cumprimento. “Aspirei as chamas numa tentativa de pedir socorro. Meus órgãos internos queimaram”, justifica. Aos pou-cos, os porta-retratos de família começam a ganhar novas fotografias. As imagens da jovem de cabelos longos, olhos verdes e expressão alegre vão dividindo espaço com registros de uma menina tímida, deforma-da pelo fogo. Sua história faz coro à an-gústia de milhares de mulheres vítimas de violência doméstica e familiar que clamam por justiça na Grande Florianópolis, mas encontram uma longa batalha pela frente.

Depois de um relacionamento contur-bado que durou seis meses e resultou em três Boletins de Ocorrência (BO) por vio-lência física, Pâmela, que já havia largado os estudos e o emprego como auxiliar de padaria devido ao ciúme excessivo do com-panheiro, decidiu pôr fim ao namoro com T.S., 28. Quando foi pegar suas coisas na quitinete que haviam alugado, no Kobrasol, em agosto do ano passado, o ex-namorado derramou um galão de álcool sobre a cabeça de Pâmela e ateou fogo com um isqueiro. “Comecei a queimar e tentei sair da casa, mas ele me segurou pela mão esquerda e ficava dizendo: ‘vai embora agora, sua va-gabunda’. Consegui me soltar e corri para a rua.” Funcionárias de um salão de beleza ao lado da casa tentaram ajudá-la. “Eu esta-va muito cansada e elas me trouxeram um colchão para deitar. Apaguei. É a última lem-brança que tenho.” Foi socorrida pelo Ser-viço de Atendimento Médico de Urgência (SAMU), que a levou ao Hospital Regional de São José, de onde foi transferida para o Hospital Universitário, em Florianópolis. A continuação da história não é menos terrí-vel. A jovem ficou 48 dias em coma e teve de enfrentar infecções e descarnações graves.

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Embora a lei brasileira seja conside-rada pela Organização das Nações Unidas (ONU) como uma das mais avançadas do mundo em prevenção, combate e punição de crimes relacionados à violência física, moral, psicológica, sexual e patrimonial contra a mulher, os serviços que deveriam acolhê-la não estão cumprindo plenamen-te a tarefa. Para Sandra Mara Pereira — três anos à frente da 6.a DP de Florianópolis e, agora, atuando como delegada regional de São José —, essas mulheres também são vítimas de um Estado que não está prepa-rado para ampará-las: “Ainda é preciso ofe-recer a elas um recomeço com dignidade, de forma que se sintam resgatadas e prote-gidas da dor”.

Os avanços na legislação são evidentes. A Lei Maria da Penha, sancionada em 2006, mudou o tratamento dado à violência do-méstica e familiar — aquela praticada no âmbito da unidade doméstica, da família ou em qualquer relação íntima. Tornou-a um crime específico e aumentou o rigor das punições. Teoricamente, a lei estabe-leceu um novo parâmetro de combate, ao aumentar os mecanismos de defesa das vítimas e minimizar a sensação de impu-nidade. Penas pecuniárias, como multas e doações de cestas básicas, foram substituí-das por penalidades mais severas, como a detenção, que pode variar de três meses a três anos. A possibilidade das prisões em flagrante e preventiva, quando houver ris-co à integridade física ou psicológica da mulher, também é importante instrumen-to de proteção e prevenção. Contudo, a efetivação da lei e sua aplicação ainda ca-minham devagar e mesmo as equipes poli-ciais reconhecem: “É necessário otimizar o sistema de atendimento a essas mulheres, por meio de um trabalho articulado de to-dos os órgãos envolvidos”, afirma a delega-da Sandra Mara.

No ano passado, uma audiência pú-blica da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do Congresso Nacional que apura a violência contra a mulher detectou problemas graves na rede de assistência às vítimas em Santa Catarina. Número reduzido de delegacias especiali-zadas e servidores, falta de capacitação e informações consolidadas para orientar as

políticas públicas, centros de referência e casas de abrigo insuficientes, e a ausência de uma defensoria pública estruturada são algumas das fragilidades apontadas.

Déficits que preocupam, quando se observa o número elevado de denúncias. No primeiro semestre de 2012, o “Ligue 180 Mulher”, serviço nacional gratuito que recebe denúncias ou relatos de violência, atendeu uma taxa de 150,77 ligações a cada grupo de 100 mil mulheres em Santa Cata-rina. No mesmo período do ano anterior, foram 97,31 relatos por grupo de 100 mil mulheres, o que representa um aumento de 54,93% nos atendimentos. Somente em Florianópolis, no ano passado, segundo dados da 6.a DP da Capital, foram registra-dos 5.919 Boletins de Ocorrência em que mulheres aparecem como vítima de algum delito — estima-se que 80% representem casos de violência doméstica e familiar e que a maioria deste percentual seja pratica-do por homens que têm ou tiveram algum envolvimento amoroso com a vítima. Ape-sar de assustadores, tais números podem ser apenas um recorte da realidade, uma vez que, de acordo com especialistas, a maioria das vítimas ainda tem dificuldades em denunciar o agressor.

Violência institucional

Úrsula Dias, 24 anos, estudante de Pe-dagogia em Florianópolis, tem um sorriso protocolar, contido, que aparece apenas em situações sociais necessárias: quando a garçonete vem colher seu pedido, ao tra-zer seu café. Não ri. A voz suave relata a violência sofrida dentro de um relaciona-mento amoroso até então normal, cheio de sonhos e perspectivas. Em novembro de 2012, o companheiro a agrediu com um soco no rosto. O golpe fez inchar, na hora, o olho esquerdo, que ficou com hematoma do tamanho de uma bola de tênis. O laudo do exame de corpo de delito diagnosticou lesão corporal leve. Da dor física ela quase não se recorda: “Quando acontece, parece que anestesia a gente”. As longas pausas na narrativa denotam o cansaço emocional de quem aguarda, há sete meses, que o agres-sor seja punido. “Foi a primeira vez que ele me agrediu e denunciei para ter certeza que seria a última. A gente não deve testar nossos limites de aceitação. Às vezes, a gota d’água é um soco, mas também pode ser um tiro fatal.”

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Úrsula Dias, 24 anos

foto divulGação

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como essas estão na contramão do aten-dimento ideal às vítimas, que deveriam ser auxiliadas de maneira humanizada e qualificada.

O primeiro atendimento é fundamen-tal para dar visibilidade ao problema e servir como incentivo àquelas que ainda não têm coragem de denunciar. Os pro-fissionais que prestam esse serviço devem estar preparados para reconhecer e tratar o ciclo de violência como um dano social que, se não bem resolvido, pode produ-zir consequências ainda mais graves. Nas delegacia especializadas de atendimen-to à mulher de Florianópolis e São José, no entanto, não há cursos preparatórios. Para a delegada Sandra Mara Pereira, a capacitação dos funcionários é essencial, principalmente aos que atendem em de-legacias comuns, que também recebem registros de ocorrências dessa natureza. “Os cursos nos mantêm aptos a atender essas mulheres e evitar o círculo vicioso entre violência interpessoal e violência institucional. Não podemos reforçar a ex-periência emocional de vulnerabilidade. Não importa quantas vezes ela tenha ido à delegacia, se está com roupa decotada, se em outra oportunidade voltou atrás. Nin-guém tem o direito de julgá-la, atendê-la mal e, quem sabe com isso, fazê-la recuar da denúncia.”

A advogada criminalista Ana Paula Tra-visani entende que, além da necessidade de treinamentos, o foco deve estar em uma habilitação contínua, com cursos de reciclagem periódicos, já que o convívio diário com os mais diversos casos de vio-lência pode embrutecer o atendimento do funcionário ou, até mesmo, desmotivá-lo. Para o secretário de Estado da Segurança Pública de Santa Catarina (SSP-SC), César Augusto Grubba, as delegacias especia-lizadas devem ser vistas como uma das principais estratégias para ampliação e otimização da rede de atendimento à mu-lher. “Contamos hoje com 29 delegacias do tipo pelo estado. Pretendemos, assim, garantir as condições fundamentais para que esse crime seja combatido ao máximo e que as vítimas não sofram duplamente, seja com o mau atendimento, seja com a não resposta do Estado.”

O Brasil, de acordo com classificação da Organização Mundial da Saúde (OMS), está entre os países com maior taxa de homicídios, ocupando a sétima posição: a cada grupo de 100 mil mulheres, 4,4 são assassinadas. Segundo o estudo “Mapa de Violência: Homicídios de Mulheres no Brasil”, elaborado pelo sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz e editado pela Faculda-de Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso) e o Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos (Cebela), entre 1980 e 2010, mais de 92 mil mulheres foram assassinadas em território nacional. No ranking das capitais, Florianópolis figura entre as com menor índice de homicídios (25.a). Mesmo assim, para a agente poli-cial Joacyr de Paula Nizer, da Delegacia da Mulher da Capital, os números preocu-pam: “Só no ano passado, no município, cinco mulheres morreram vítimas de vio-lência doméstica e familiar”.

Úrsula preferiu não correr o risco de entrar nessa estatística. Apesar do medo de denunciar, devido à relação de poder instaurada na relação — o ex-companhei-ro J.C.M.M., 38 anos, era, na época, chefe do Departamento de Ciências Humanas da Universidade do Estado de Santa Ca-tarina (UDESC), mesma faculdade onde ela estuda —, decidiu quebrar o silêncio e expor a violência sofrida. Dirigiu-se à 6.a DP, em Florianópolis, para registrar BO. Ao chegar à delegacia, a amiga que estava com ela perguntou ao agente policial, res-ponsável pelo primeiro atendimento, se poderia acompanhar Úrsula por conta de seu abatimento emocional. “Ele disse que já era hora de eu aprender a me virar so-zinha”, relata. Por um momento, sentiu-se amedrontada, mas a resposta do policial não foi suficiente para que desistisse de prosseguir.

Enquanto dava seu depoimento, do lado de fora da sala um dos policiais de plantão alertava a amiga que era melhor ter registrado o Boletim de Ocorrência direto em Palhoça, local em que ocorreu a agressão. O agente disse que eles po-deriam encaminhar, mas que seria mais rápido ir direto à delegacia do municí-pio. “Comprovei que mulheres como eu, já fragilizadas, são muito maltrata-

das pelo sistema, que nem sempre está apto ou informado o suficiente para nos atender, e, por isso, faz com que a gen-te se sinta intimidada. Muitas desistem da denúncia”, explica Úrsula. O atual delegado da 6.a DP da Capital, Ricardo Guedes, soube do episódio e diz ter fica-do indignado. “Tentei entrar em contato com ela para que retornasse à delegacia e explicasse o que havia acontecido, mas não consegui.” Úrsula alega que nunca foi contatada.

O despreparo no atendimento não é um caso isolado. A estudante de Psico-

logia Ângela Medeiros, de 26 anos, com medo de que as ameaças de morte do ex--namorado W.J.S., 32, se concretizassem, decidiu procurar a polícia e se deparou com situação semelhante à de Úrsula. Quando o agente a atendeu, na Delega-cia da Mulher de Florianópolis, pergun-tou três vezes se ela realmente gostaria de oficializar a queixa. Mesmo confusa com a abordagem, decidiu seguir adian-te. Em outro momento, ao saber que Ângela tinha um filho, o policial a re-primiu por ter engravidado em apenas três meses de relacionamento. Situações

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“não importa quantas vezes ela tenha ido à delegacia, se está com roupa decotada, se em outra oportunidade voltou atrás. ninguém tem o direito de julgá-la, atendê-la mal e, quem sabe com isso, fazê-la recuar da denúncia.”

Sandra Mara Pereira, delegada

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A situação ideal de atendimento está, ainda, bem diferente da intenção decla-rada pelo secretário. Durante a reunião da CPMI, realizada ano passado, a sena-dora Ana Rita Esgario (PT-ES), relatora da comissão, indagou a SSP-SC sobre o problema das delegacias híbridas, que atendem crianças, jovens, idosos e mu-lheres no mesmo local. À época, o secre-tário Grubba explicou que os serviços funcionam no mesmo ambiente porque os diferentes grupos requerem, de for-ma igualitária, atenção específica, e disse que crianças, jovens e idosos ganhariam um novo espaço para que o atendimento à mulher pudesse ser feito em separado. Até junho deste ano, a 6.a DP continuava funcionando como Delegacia da Mulher e do Menor. A Secretaria de Segurança Pública de Santa Catarina manifestou--se, via e-mail, alegando que uma uni-dade exclusiva para o público feminino

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depende, ainda, de aumento no efetivo policial e, por isso, não há previsão para sua instalação.

Para o delegado Ricardo Guedes, o número reduzido de profissionais é o que mais preocupa. “Nosso quadro está defa-sado. Temos apenas um delegado, um es-crivão e dois psicólogos. Para a demanda atual na Delegacia da Mulher, precisaría-mos de uma equipe com três delegados, oito escrivães e três psicólogos”, contabi-liza Guedes, que também relatou a ausên-cia de uma equipe de investigação atuan-do na delegacia. Um dos resultados do efetivo reduzido é a lentidão no atendi-mento. Segundo o delegado, após o regis-tro da ocorrência, a vítima pode demorar até dois meses para ser intimada a prestar depoimento — trâmite importante, já que o BO traz apenas um resumo dos fatos e é preciso que a agredida dê informações mais completas para averiguação da polí-

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cia. Na Delegacia da Mulher de São José, inaugurada em 2010, após registrar o Bo-letim de Ocorrência, a vítima já sai com intimação agendada para dali a 15 dias. Guedes não esconde a apreensão com os prazos esticados da Capital: “Meu maior medo é que alguém morra enquanto o procedimento corre na minha delegacia”.

Há nove meses atuando como agen-te policial na 6.a DP de Florianópolis, Léa Prado, que veio transferida de Balneá-rio Camboriú, aponta falhas no método de trabalho: “Aqui, não temos escrivão plantonista. Se a vítima requisitar Medi-da Protetiva em um sábado ou domingo, por exemplo, terá de esperar até segunda--feira para que a delegacia possa solicitá-la ao juizado. Em Balneário, há um escrivão de plantão para atender justamente casos de emergência”. Na delegacia especiali-zada de Florianópolis, somente agentes policiais plantonistas trabalham aos finais de semana e feriados. Fora do expediente, não há psicólogos, delegado, nem escri-vão. Exames de corpo de delito, feitos no Instituto Geral de Perícias (IGP), também não são realizados aos finais de semana. “Se a mulher for arranhada na sexta à noi-te, tem de rezar que até segunda-feira as marcas ainda estejam presentes e se com-prove a agressão”, argumenta. Léa apon-ta o mau atendimento, a morosidade no processo e a certeza da impunidade como os principais motivos para que as vítimas não denunciem ou não prossigam com a denúncia. Mesmo com a lentidão, ela de-fende que a queixa é essencial para que-brar o ciclo de violência: “É assim que a gente começa a mudar algo: é a denúncia que transformará o problema particular em social”.

A psicóloga Rosana Campigotto tem uma longa experiência na delegacia de Florianópolis: está há 23 anos na 6.a DP e viu diferentes dinâmicas de atendimen-to serem aplicadas. Para ela, o serviço psicológico já foi mais humanizado, mas outros órgãos, como centros de referên-cia e ONGs, suprem essa necessidade. “Da maneira como fazemos, agora, ficou menos burocrático, conforme diretrizes da lei e necessidade das pessoas.” Antes da Lei Maria da Penha, o atendimento

Ângela Medeiros, 26 anos

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era feito por quatro psicólogos que rece-biam as vítimas, sem distinção de gravi-dade. Agora, dois psicólogos fazem parte da equipe de funcionários e só atendem casos em que não há lesão corporal. De-pois de receberem o Boletim de Ocor-rência encaminhado pelo delegado, eles irão verificar os fatos e intimar as vítimas para comparecerem à DP. “Existe uma grande diferença na intenção dessas mulheres na hora do BO e depois. Em 90% dos casos que tenho atendido há desistência da denúncia. Meu objetivo é orientar, encaminhar para procedimen-tos necessários e conscientizar a vítima sobre as consequências de sua decisão, seja na manutenção ou na retratação da representação criminal”, destaca Rosana.

De janeiro a abril deste ano, a psicólo-ga atendeu 103 ocorrências. Destas, ape-nas 22 mulheres decidiram seguir com a denúncia. As outras 81 desistiram de pros-seguir com a acusação na esfera criminal, não foram localizadas ou não comparece-ram às intimações. Vale ressaltar que nos casos em que há agressão física, mesmo considerada leve, a vítima não pode voltar atrás da denúncia. A alteração na lei veio em fevereiro de 2012, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que crimes de lesão corporal, independen-te da gravidade, são considerados ações penais públicas incondicionadas à repre-sentação da agredida. Assim, mesmo que a mulher vítima não queira que o agressor seja processado, o promotor de justiça do estado, representante do Ministério Públi-co, é titular da ação penal e tem legitimi-dade para promovê-la, independente da autorização da ofendida. “A lei ainda está sendo interpretada e, por isso, sofrerá algumas mudanças, conforme vão sendo detectadas vulnerabilidades”, explica o promotor Júlio Cesar Mafra, da Vara de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher de Florianópolis.

Em casos onde não há lesão corpo-ral, a vítima que decide seguir com a denúncia em âmbito criminal, mas não tem condições para pagar um advogado enfrenta a falta de estrutura de uma as-sessoria jurídica gratuita. Até 2012, San-ta Catarina era o único estado a não ter

uma defensoria pública. Adotou-se nos municípios outro modelo de assistência, nomeado Defensoria Dativa, que funcio-nou de 1997 a março deste ano, através de convênio entre o Estado e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), no qual profissionais interessados em atuar para a parcela carente da população se cre-denciavam em um sistema do Tribunal de Justiça de Santa Catarina e o pagamento

dos honorários era feito somente ao final trabalho, o que, muitas vezes, demorava anos — a dívida do Governo do Estado de Santa Catarina com a OAB-SC durante o período de atividade da defensoria está orçada em R$ 125 milhões. No método antigo, cerca de nove mil advogados ca-dastrados atendiam gratuitamente à po-pulação do Estado com renda familiar de até três salários mínimos mensais. Em

março do ano passado, o STF declarou a inconstitucionalidade da lei que regia a defensoria Dativa em Santa Catarina e determinou que o Estado criasse e re-gulamentasse a Defensoria Pública, que, diferente do sistema anterior, funciona com advogados concursados, que traba-lham exclusivamente para o atendimento do público carente, com uma estrutura especial voltada para suas atividades.

Dos 60 aprovados em concurso para defensores públicos de Santa Catarina, realizado em cinco etapas, entre novem-bro e março de 2013, 45 tomaram posse em 9 de abril deste ano, em cerimônia realizada em Florianópolis — 15 deles irão atuar na Capital. Desde o dia 15 de março, no entanto, os cerca de nove mil advogados conveniados à OAB/SC que atendiam pela Dativa não exercem mais tal função, o que significa mais de um mês sem atendimento jurídico gratuito. Para os processos que continuam em an-damento, é facultativo ao advogado con-tinuar o atendimento. Novos processos, entretanto, não podem mais ser aceitos, a não ser os que são designados especi-ficamente pelo juiz da vara em questão. A advogada Ana Paula Travisan foi uma das que, a pedido da juíza Ana Luíza Schmidt Ramos, do Juizado da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Florianópolis, continua atendendo casos enquanto a Defensoria não consegue se adaptar à alta procura pelo serviço.

De acordo com a Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep), mesmo que todos os concursados fossem nomea-dos de imediato, não seriam suficientes para a demanda atual de Santa Catarina. Para atender a população e garantir o aces-so à Justiça de forma plena e igualitária, se-ria necessária a contratação de 509 defen-sores públicos, que deveriam atuar em 110 comarcas em todo o território catarinense. Para os advogados que continuam desem-penhando a assessoria jurídica pela extinta Dativa, não há garantias de que as novas defesas serão pagas à OAB-SC para repasse aos profissionais. “Não sei ainda como irei receber, mas continuo realizando o traba-lho porque acredito na causa”, esclarece Ana Paula Travisan.

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“Existe uma grande diferença na intenção dessas mulheres na hora do Bo e depois. Em 90% dos casos que tenho atendido há desistência da denúncia. Meu objetivo é orientar, encaminhar para procedimentos necessários e conscientizar a vítima sobre as consequências de sua decisão, seja na manutenção ou na retratação da representação criminal.”

Rosana Campigotto, psicóloga

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Para a vítima, a insegurança é maior caso queira deixar sua casa, mas não tenha para onde ir ou não se sinta protegida na residência de algum parente ou amigo. Isso porque Florianópolis não tem uma Casa Lar que as receba. Mulheres espanca-das pelos maridos são atendidas pelo Cen-tro de Atendimento às Vítimas de Crime (CEVIC), mas, se houver a necessidade de encaminhamento a um lugar que as hos-pede temporariamente, não podem contar com infraestrutura pública.

De 1995 a 2010, em uma casa no alto do bairro Agronômica, dona Fofa, como é conhecida Maria Eronita Rodrigues Bisso-lo, de 61 anos, acolheu voluntariamente mais de cinco mil mulheres que, deses-peradas, não tinham para onde ir. Seu lar funcionou durante todo esse tempo como uma entidade não governamental de As-sistência Preventiva de Apoio à Mulher (Apam), idealizada para acolher mulheres vítimas de violência doméstica, gestantes, mães desamparadas e portadoras do vírus HIV. O trabalho assistencial único realiza-do em Florianópolis dependia de doações. Com a procura cada vez maior de mulhe-res que solicitavam acolhimento, as preca-riedades da Apam tornaram-se evidentes. Para complementar a renda da associação, as abrigadas confeccionavam e vendiam pa-nos de prato.

Depois de um erro cirúrgico, em 2002, dona Fofa ficou cega e não pode mais coordenar o artesanato. Como as do-ações não acompanhavam o crescimento dos gastos da associação, ela e o marido Cláudio Onildo Bissolo buscaram ajuda governamental. A ideia era transformar a estrutura, deficiente para receber tantas mulheres, em um espaço apropriado ao atendimento das vítimas. Dona Fofa e seu Cláudio fizeram um projeto e apresenta-ram ao então governador do Estado, Es-peridião Amin, em busca de uma subven-ção social. Na proposta de construção e reformulação da Apam, também constava

o oferecimento de cursos profissionali-zantes. A intenção era instruir as mulhe-res para serviços como mecânica, hidráu-lica e elétrica, fazendo-as retomar com dignidade a vida após o trauma.

Nem a casa nem os cursos saíram do papel. Em 2010, o Conselho Municipal dos Direitos da Mulher (COMDIM) apon-tou carências na Apam. De acordo com a instituição, o abrigo não atendia às nor-mas técnicas determinadas pela Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidên-cia da República (SPM). Falta de seguran-ça e estrutura física precária foram algu-mas das fragilidades relatadas. Não havia dinheiro para se adaptar às exigências e a Apam foi, então, fechada. “Muitas ain-da me ligam pra dizer que, agora, ficaram desamparadas. Algumas delas passam por situações gravíssimas. Eu aguentei até quando meus ombros suportaram, mas, sem ajuda do governo, não deu pra se-guir”, diz dona Fofa.

Em todo o Estado, existem somente quatro abrigos para as vítimas. O último foi inaugurado em São José, em agosto do ano passado, em parceria com uma ONG da região — em endereço sigiloso para garantir a segurança das pessoas atendi-das. “A mulher entra aqui encaminhada por outros serviços da rede, e o primeiro contato é totalmente humanizado, sem burocracia alguma. Elas tomam banho, oferecemos roupas limpas e comida, e só depois preenchem as papeladas de cadas-

tro”, explica Maria Onilda da Silva, direto-ra administrativa.

Desde sua inauguração, aproxima-damente 200 pessoas foram acolhidas. A intenção é aumentar o número de leitos disponíveis: “Queremos ampliar a capaci-dade, mas, para isso, é necessário o inte-resse do município. O convênio firmado, hoje, não mantém a casa”, afirma Maria Onilda. O orçamento é complementado com doações da Igreja Adventista de São José e de pessoas físicas, que garantem que os serviços continuem. Além de ofe-recer um ambiente seguro, a ONG tam-bém atua no resgate de projetos de vida, oferecendo cursos de inglês, culinária, artesanato e informática.

O secretário estadual de Segurança Pública, Cesar Augusto Grubba, reconhe-ce a importância de parcerias como essa e diz que a SSP-SC tem feito todos os es-forços para garantir mecanismos de apoio a mulheres vítimas: “Uma das formas de enfrentar o problema é através de polí-ticas públicas. A criação de casas lar, por exemplo, é uma alternativa”. Para Fabíola Carolina Silva, assistente social do Centro de Referência de Atendimento às Mulheres em Situação de Violência (CREMV), uma casa de acolhimento já representaria um progresso significativo na rede de atendi-mento de Florianópolis: “Estão estudando a possibilidade de uma parte do CREMV ser fechada para esta finalidade. Mas não há data prevista”. z

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“Muitas ainda me ligam pra dizer que, agora, ficaram desamparadas. algumas delas passam por situações gravíssimas. Eu aguentei até quando meus ombros suportaram, mas, sem ajuda do governo, não deu pra seguir.”

Maria Eronita Rodrigues Bissolo, presidente da APAM

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O diálogo acima é real e faz parte da história de Luciana Silva, 33, que foi casada durante três anos e meio com o proprietário de salas comerciais M.M., 47. “Ele era um príncipe e, aos poucos, foi se transformando em um monstro. Minha vida virou um inferno”, recorda.

O ex-cônjuge da empresária de Floria-nópolis é acusado de agressões verbais e físicas, de persegui-la, ameaçá-la e de ter descumprido ordem judicial de não aproximação. M.M. tem cerca de 30 bo-letins de ocorrências registrados contra ele na 6.a DP por ex-companheiras. Mais de dez são de Luciana. Em janeiro deste ano, teve prisão domiciliar decretada — o mandado veio uma semana após a em-presária expor, em uma emissora de TV, as ameaças que vinha sofrendo há mais de um ano.

A decisão de mostrar sua batalha na mídia foi tomada após a fadiga em pro-curar auxílio em delegacias e na justiça e não ver seu caso resolvido. Depois de mais uma aproximação que descumpria medida judicial, no começo de janeiro, Luciana dirigiu-se à 4.a DP de Floria-nópolis, no bairro Coqueiros. Quando chegou à delegacia, o ex-parceiro tam-bém estava lá. “Ele me viu e começou a xingar, dizendo que eu era garota de programa, e a polícia não fez nada. Fa-

QuanDo a iMPuniDaDE PREValEcE

— Alô.— Vou fazer tudo para

quebrar essa tua loja, sua vagabunda. Vou fazer de tudo para quebrar. Tudo que eu puder. Vou te difamar. Vou falar a verdade sobre a tua pessoa. Para todas as pessoas que eu encontrar no bairro. Tudo que você é, tá?

lou apenas que se ele não parasse, ia descer o cacete porque aquilo ali não era favela pra tanta baixaria”, desabafa. “E, no fim das contas, nada se resolveu. Foi só mais um BO registrado.” Indig-nada, Luciana decidiu procurar a im-prensa: “O delegado de Coqueiros me chamou e pediu que eu esperasse, con-versasse com o delegado Ricardo Gue-des, em Florianópolis. No outro dia, eu fui até lá, às nove horas da manhã, mas ele só chegou às duas da tarde. Foi a gota d’água”.

Em dezembro do ano passado, Lu-ciana recebeu uma ligação do Fórum da Capital, dizendo que sua audiência seria cancelada porque havia casos mais ur-gentes na frente. “Depois que apareci na imprensa, minha audiência foi marcada para dali a 28 dias, em fevereiro. Foram duas tardes de julgamento.” Até agora, a sentença não foi proferida. Segundo o promotor Júlio César Mafra, foram pe-didas diligências por parte do acusado e, por isso, ainda não há determinação

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MEDiDas DE uRGência

Enquanto Ângela Medeiros coloca o fi-lho para dormir, o telefone de sua casa toca e ela reluta a atender. Mostra um desinte-resse honesto pelas oito vezes que a cam-painha do telefone denuncia alguém do outro lado da linha. “Dá um medo que seja ele”, diz. Para garantir sua segurança en-quanto o caso não é resolvido judicialmen-te, a estudante requereu Medida Protetiva de urgência. A resposta veio em novembro do ano passado, através da notificação, via correspondência, que informava que seu pedido havia sido, enfim, deferido. O ex--parceiro não poderia mais se aproximar. Motivo de alívio, se a solicitação não ti-vesse sido feita mais de um ano antes, em agosto de 2011. Ângela também solicitou a tutela de urgência para o filho e a mãe, com quem reside, no Morro da Caieira, em Florianópolis, mas só a dela foi concedida.

Dentre as ações emergenciais previstas em lei que podem ser aplicadas enquanto não há efetiva resolução do caso, tal medi-da cautelar é considerada uma das mais efi-cazes, atuando na redução de homicídios e das agressões sofridas pelas mulheres. De

acordo com levantamento feito pelo Con-selho Nacional de Justiça (CNJ), a expedi-ção de medidas de proteção de urgência para mulheres em situação de risco de vio-lência já salvou mais de 180 mil pessoas no País. A Lei Maria da Penha prevê que essa providência seja solicitada ao Juizado, sem necessidade de audiências, pela autoridade de polícia de cada delegacia ou diretamen-te pelo Ministério Público. A determinação judicial estabelece obrigações e regras para o agressor, como afastamento do lar e dis-tanciamento mínimo de aproximação.

Quando a Medida Protetiva é solicitada, o Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher deve averiguar em 48 horas se o pedido será deferido ou não. Rosemary Fortunato, chefe de cartório do Juizado espe-cializado de Florianópolis, diz que o prazo é cumprido, mas a demora é, muitas vezes, devida ao número reduzido de profissionais na Central de Mandados, que não conse-guem notificar os agressores: “Eles não dão conta da demanda”, explica, “em parte pelo alto número de medidas e em parte porque, muitas vezes, o agressor ou a vítima mudam de endereço e não avisam. Ninguém conse-gue localizá-los para entregar o mandado de intimação e a notificação”.

A advogada Claudia Nichnig diz que a espera na delegacia também é comum: “Acompanhei um caso recentemente e só agora, depois de cinco idas minhas à 6.a DP, conseguimos obter a solicitação da medida para minha cliente”, afirma. Luciana Silva também teve de aguardar. Mesmo com todas as ameaças de morte, o afastamento cautelar do ex-marido só foi deferido um mês depois do requerimento. Em 2012, 459 solicitações de Medidas Protetivas chegaram ao Juizado e o Cartório não soube informar quantas foram concedidas. Até maio deste ano, 149 pedidos haviam sido contabilizados.

Outro ponto de discussão da eficiência da aplicação da lei em Florianópolis é a au-diência de ratificação, solicitada pela Juíza para que a vítima confirme a intenção de dar continuidade ao processo, em casos em que não há lesão corporal. Segundo Júlio César Mafra, a audiência é inconstitu-cional: “A legislação determina que, em cri-mes que exigem a representação da vítima, ela só pode renunciar à denúncia perante

do caso. “Nada acontece com eles ou de-mora muito a acontecer. É por isso que eles se prevalecem”, diz Luciana, incon-formada.

Em um estudo realizado pelo Conse-lho Nacional de Justiça, em março deste ano, Santa Catarina figura entre as cinco piores relações do País entre população feminina e o número de unidades judici-árias exclusivas para atendimento à mu-lher. No estado, há somente um Juizado de Violência Doméstica contra a Mulher, localizado em Florianópolis e que atende uma alta demanda municipal. Em 2012, um total de 1.262 novas ações penais fo-ram propostas no Juizado de Violência Doméstica contra a Mulher da Comarca da Capital. Apenas 474 casos tiveram sentenças proferidas. Até maio deste ano, 334 novos processos sobre violên-cia doméstica e familiar deram entrada no fórum — somando o retroativo desde 2009, o número chega a 4.379; destes, 11 estão conclusos para sentença. Ape-sar do número de processos que ainda não foram julgados ou aguardam senten-ça, Júlio Cesar Mafra se mostra otimista: “Comparada às outras Varas, temos uma razoável celeridade por aqui. Há menos crimes prescritos”.

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o juiz, caso ela mesma solicite audiência. Dessa forma, em casos sem agressão física, a simples realização do Boletim de Ocor-rência e a não solicitação da audiência por parte da ofendida já deveria ser conside-rado como intenção de seguir com a ação penal”. Ainda de acordo com o promotor, o Superior Tribunal de Justiça concedeu, recentemente, mandado de segurança ao Ministério Público do Mato Grosso do Sul para que a audiência de ratificação só ocor-ra quando a vítima manifeste, antecipada, espontânea e livremente, o interesse de se retratar. Mafra já informou à Juíza Ana Luíza Schmidt Ramos que estuda pedir mandado de segurança coletivo para que o mesmo ocorra em Florianópolis.

Ângela Maria compareceu, em janeiro de 2012, à audiência de ratificação e confir-mou sua intenção de prosseguir. Aguarda, desde então, a continuidade do caso. “Se pensarmos que antes era a vítima que le-vava a intimação para o agressor, fica claro que muita coisa mudou. Mas não podemos achar que assim está ótimo. É uma cadeia de negligências. Com tantas falhas no sis-tema de apoio à mulher vitimada, temos sorte de estar vivas.” Úrsula Dias ainda não passou pela audiência de ratificação. O processo deu entrada na Promotoria da Palhoça em fevereiro deste ano e no site do Tribunal de Justiça (TJ) o status da ação é “aguardando cumprir despacho”. A demo-ra na resolução do caso angustia Úrsula: “Tenho medo que ele acabe saindo imune e impune. Penso muito em uma frase do Ruy Barbosa que diz que justiça tardia não é justiça, mas sim injustiça qualificada e manifesta. Espero que minha história seja diferente”.

Embora uma rede eficiente de com-bate seja fundamental, a erradicação da violência contra a mulher não se restringe somente a ações punitivas, mas compreen-de também as dimensões da prevenção, da assistência e da garantia de direitos igua-litários para as mulheres. “A lei, no papel, é muito bonita, mas não há aplicabilidade justamente porque faltam políticas públi-cas”, alerta Ana Paula Travisan. Como pre-sidente da comissão “OAB Vai à Escola”, a advogada observou que o maior índice de crianças em situação de vulnerabilidade

social vem, justamente, de ambientes fami-liares violentos.

Nos três maiores colégios particulares de Florianópolis (Colégio Catarinense, Centro Educacional Menino Jesus e Colégio Bom Jesus), não existe campanha socioeducativa que aborde o tema e não há ações futuras sendo desenvolvidas. Em escolas públicas, Ana Paula tem, aos poucos, incentivado tais discussões: “Buscamos levar noções de di-reito e cidadania, através de palestras que abordem temas polêmicos como diversidade sexual, bullying e violência doméstica”.

Ana fala com conhecimento de causa. Cresceu vendo o pai, alcoólatra, espancar a mãe. “Às vezes, a questão não é de polícia, mas de política. Nenhum assistente social bateu à nossa porta, em todo esse tempo, para ver como era o contexto familiar em que eu e meu irmão estávamos imersos.” Das ligações atendidas ano passado pelo “180 Ligue Mulher”, em 66% os filhos pre-senciaram a violência sofrida, e em 18,38% também foram vítimas. Com as palestras, a advogada pretende mudar um pouco a si-tuação: “Conto a minha história para que, se for o caso, as crianças e adolescentes observem sua situação e entendam a re-percussão disso, para que não reproduzam com suas futuras famílias”.

a sociEDaDE claMa PoR JustiÇa

Em novembro do ano passado, estudan-tes da UDESC se reuniram para questionar o ato violento praticado pelo professor J.C.M.M. contra Úrsula Dias. O resultado foi a petição pública, denominada “Patriarcado: nós te vemos, nós te combatemos”, que exi-gia a demissão por justa causa do docente. Segundo o texto de apresentação, “é inad-missível um formador de sujeitos, em um centro de ciências humanas, agir de tal ma-neira”. Para os autores da petição, o abaixo--assinado serve não só como apoio à colega, mas como repúdio à sociedade machista. Até agora, 946 pessoas assinaram o docu-mento. Na época, a Direção-Geral do Cen-

tro de Ciências Humanas e da Educação da UDESC se manifestou em nota, posicionan-do-se contrária a qualquer tipo de violência, dando apoio a Úrsula e informando que o professor estava temporariamente afastado dos cargos e de funções administrativas.

Na realidade, J.C.M.M. não foi afastado pela instituição. Na época da agressão, o professor pegou dispensa alegando aba-lo emocional e, depois, solicitou licença prêmio. “Como os fatos não aconteceram dentro da universidade, não vimos a neces-sidade de um afastamento oficial”, explica Danilo Ledra, assistente do Gabinete da Direção-Geral. Segundo a advogada Ana Paula Travisan, a faculdade não tem obri-gação de tomar qualquer medida, até que se comprove, pela Justiça, a veracidade dos acontecimentos.

Com a petição pública, o caso se espa-lhou pela internet e fez com que a estudan-te se sentisse amparada por pessoas que a defendiam e lutavam pela sua causa. Mas com o tempo, as críticas começaram a apa-recer: “Quase ninguém apoia quando você decide seguir em frente com a denúncia. A ausência de campanhas culturais sobre gê-nero faz com que as pessoas não encarem esse enfrentamento como natural, necessá-rio”, diz Úrsula. “Tinha gente que me per-guntava o que eu havia feito para que ele agisse como agiu — me culpavam porque foram educados assim, nasceram dentro de uma cultura que mitifica o patriarcado, sem ações culturais que promovam a igual-dade de gênero e valores éticos.”

No começo de maio, J.C.M.M retornou à UDESC. Em 21 do mesmo mês, Úrsula entrou no site do TJ para conferir o anda-mento do processo e encontrou uma ou-tra ação ligada a seu nome, dessa vez, ela aparecia como ré. O ex-companheiro a está processando por danos morais. Úrsula não esconde o descontentamento: “Eu poderia ter levado um soco daqui um século, quem sabe as coisas estivessem melhores para nós mulheres”. A reportagem entrou em contato com a advogada de J.C.M.M., que preferiu não se manifestar. A grade de ho-rários do professor já está definida até final deste ano. No próximo semestre, dará aula no curso de biblioteconomia, lecionando a matéria Ética na Gestão da Informação.

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que apontaram. Um relatório feito ao final do projeto indicou alguns estereótipos im-pregnados culturalmente e que precisam ser colocados em evidência para que haja uma nova possibilidade de compreensão sobre a questão de gênero. Falas como “A nova lei faz com que algumas mulheres se aprovei-tem porque vão na onda das amigas. Mulher tem cabeça fraca, sabe?” (M.A.) e “Deus fez o homem pra trabalhar e a mulher pra cuidar da casa” (A.B.) denotam questões sexistas enraizadas na sociedade. Um discurso chama a atenção e comprova a efetividade de gru-pos desse tipo. A.D., um dos participantes, apresentou-se logo nos primeiros encontros com uma postura defensiva: “Mulher apanha porque provoca. Com a nova lei, ninguém ouve o lado do cara”. Depois das dinâmicas e discussões, o participante foi tomando cons-ciência acerca das desigualdades de gêneros construídas socialmente, e como a violência poderia reforçá-la ainda mais: “Eu não que-ria estar na pele dessas mulheres”, admitiu. Dos 12 participantes, apenas um voltou a agredir a companheira. Para B.R., a mudança também foi positiva: “Fico feliz de ter feito parte desse grupo. Achava que só eu existia no mundo, eu era um ignorante. Aprendi a dar valor pra minha família e a evitar con-fusões”. Em 2008, o projeto encerrou suas atividades. Não havia verba para montar um segundo grupo. z

Em uma iniciativa para estimular o de-bate sobre o tema e ampliar a conscientiza-ção do público masculino, o Banco Mundial lançou, em março, no País, a campanha “Homem de Verdade não Bate em Mulher”. Dez personalidades masculinas foram con-vidadas a posar empunhando um cartaz com o slogan da causa. Maria da Penha Maia Fernandes, que dá nome à legislação brasi-leira, foi a única mulher participante. Para homens autores de violência, a lei também prevê ações especiais. Cabe ao Juiz o enca-minhamento do agressor a Centros de Re-cuperação e Reeducação, com o intuito de reeducá-lo e ajudá-lo a construir novas mas-culinidades, a partir do conceito de gênero e de uma abordagem responsabilizante.

Não há nenhum centro que atenda o agressor em Florianópolis. Em 2007, o psi-cólogo policial Paulo Henrique de Andrade Pinto e as delegadas Sandra Mara e Maria Carolina Milani Caldas Opilhar idealizaram um projeto pioneiro na cidade: um grupo de atendimento para homens autores de ato violento. Na época a iniciativa recebeu críticas da Secretaria de Políticas Públicas para Mulheres, por funcionar dentro da de-legacia da mulher de Florianópolis. Hoje, há diretrizes que apontam que programas de atendimento a agressores devem ser realiza-dos em outros espaços, que não fiquem em conflito ou intimidem as mulheres que vão

registrar ocorrências. “A gente fazia o que podia. Eu me voluntariei para coordenar o grupo e usava meu tempo livre para isso. A gente percebia que muitos casos de homicí-dios aconteciam em casos que os agressores eram presos e ficavam revoltados ao sair da cadeia porque achavam que estavam sendo injustiçados — por isso a importância de dinâmicas socioeducativas que o ajudem a compreender”, explica Paulo.

O grupo era de demanda espontânea e os interessados, autores de atos violentos registrados em Boletins de Ocorrência na 6.a DP, passavam por uma triagem antes de serem incluídos na atividade. Foram 12 agressores, que participaram de encontros quinzenais, durante sete meses. A verba para funcionamento do programa vinha do CEVIC e os custos variavam de R$ 120,00 a R$ 180,00 por mês, em gastos com pas-sagem de ônibus e um lanche que era ofe-recido aos participantes a cada encontro. “Era um valor ínfimo se comparado aos gastos quando o agressor é preso. Cada homem na prisão custa R$ 3 mil por mês aos cofres públicos”, salienta Sandra Mara.

Logo no primeiro encontro, os próprios agressores conversaram a respeito dos temas que gostariam de trabalhar. Relação de gê-nero, lei de proteção à mulher, álcool e dro-gas, educação dos filhos e responsabilidade sobre os próprios atos foram os assuntos

aÇÕEs EsPEciais PaRa autoREs DE Violência

Úrsula não é a única que enfrenta a tolerância da sociedade frente à violência doméstica e familiar. Segundo Alana Gran-do Rauen, coordenadora da Coordenado-ria Municipal de Políticas Públicas para Mulheres (CMPPM), a cultura machista naturaliza tais fenômenos e faz com que a aceitação seja maior. “Realizamos ações nos bairros de Florianópolis e, quando chegamos, elas não querem nem ser vis-tas conversando com nossa equipe, para

que os vizinhos não saibam que são possí-veis vítimas e julguem por procurar ajuda. Muitas acabam se recolhendo, acostu-mando e não questionando mais. Passam a acreditar que aquilo é normal.” Tais mulheres fazem parte do que a delegada Sandra Mara chama de cifra negra — são os casos de violência que acontecem, mas não são denunciados. Neste contexto, as campanhas educativas e antidiscriminató-rias realizadas pelos governos têm papel

fundamental, em especial no que tange à cultura do silêncio e a banalização do pro-blema pela sociedade. Em Florianópolis, a Secretaria Municipal de Assistência Social tem desenvolvido campanhas de preven-ção e de conscientização, principalmente com a divulgação do “Ligue 180 Mulher” que, além das denúncias, também recebe reclamações sobre os serviços da rede e orienta o público feminino sobre seus di-reitos e sobre a legislação vigente.

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cargos comissionados do município sejam ocupados por mulheres, a partir da próxi-ma legislatura já que, segundo o vereador Thiago Silva (PT-SC), autor do projeto, Florianópolis é a única Capital que não tem representação feminina no Legislativo municipal. Na parte externa do plenário, no dia da aprovação do projeto, um grupo de mulheres acompanhava a sessão empu-nhando cartazes que reivindicavam igual-dade de direitos e respeito.

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Para garantir maior fiscalização do cumprimento efetivo da lei, uma das pro-vidências é, de acordo com a deputada estadual Angela Albino (PCdoB-SC), es-timular o empoderamento feminino na política. Atualmente, a legislação eleitoral determina que 30% das vagas disputadas pelos partidos ou coligações devem ser destinados à ala feminina. Reforçando essa ideia, em abril, a deputada apresentou, na Assembleia Legislativa do Estado de Santa

Catarina, uma proposta de lei para garan-tir a contratação de mulheres em 30% dos cargos de confiança no Governo do Estado de Santa Catarina. Para ela, é necessário assegurar mesma participação entre ho-mens e mulheres na tomada de decisões em todas as esferas da administração pú-blica estadual.

Em maio, foi a vez da Câmara de Ve-readores de Florianópolis aprovar a emen-da à Lei Orgânica que indica que 30% dos

EMPoDERaMEnto FEMinino

Centro de Referência de Atendimento às Mulheres em Situação de Violência (CREMV)acolhimento e atendimento social, psicológico e orientação jurídica individual ou em grupo, visando promover a ruptura da situação da violência.48 3224.7373

6.a Delegacia de Proteção à Criança, Adolescente e Mulherrealização do boletim de ocorrência e investigação da denúncia.48 3228.5304

Instituto Geral de Perícias (IGP)realização de exames de corpo e delito e situação de violência.48 3331.4446

Conselho Municipal dos Direitos da Mulher (COMDIM)recebe e examina denúncias sobre todas as formas de discriminação e violência contra a mulher e propõe campanhas de prevenção.48 3251.6220

Protocolo de Atenção Integral às Vítimas de Violência Sexual de Florianópolisapresenta rede de atendimento às vítimas de violência sexual.48 3239.1547

Maternidade Carmela Dutraunidade de referência na área da saúde, responsável pelo atendimento, orientação para prevenção das dsts/ aids e, se necessário, acionamento da 6.a dP.48 3251.7500

Hospital Infantil Joana de Gusmãounidade de referência na área da saúde, responsável pelo atendimento, orientação para prevenção das dsts/ aids e, se necessário, acionamento da 6.a dP e conselho tutelar.48 3251.7500

Disque Denúncia/Criança e Adolescenterecebe denúncia em casos de direitos violados (violência).0800.0431407 ou 100

Hospital Universitário Polydoro Ernani de São Thiagounidade de referência na área da saúde, responsável pelo atendimento, orientação para prevenção das dsts/ aids e, se necessário, acionamento da 6.a dP e Conselho tutelar.48 3721.9100

Atendimento ao Idosorecebe denúncias em casos de direitos violados (violência).0800.6440011

Rede de Atenção Integral às Vítimas da Violência Sexual de Florianópolis (RAIVVS)responsável pelo armazenamento e controle estatístico dos dados referentes aos atendimentos prestados na rede.48 3239.1547

Ministério Público Estadual (MPE)fiscaliza o cumprimento da lei, defendendo os direitos individuais e difusos.48 3956.4000

Promotoria de Justiça da Capitalatua nas áreas cível e criminal perante o Juizado de violência doméstica e familiar contra a Mulher.48 3287.6477

3.a Vara Criminal e Juizado de Violência contra a Mulher da comarca da CapitalJulga as ações dos direitos violados (violência doméstica e familiar).48 3251.6642

Coordenadora de Execução Penal e da Violência Doméstica (CEPEVID)Coordena a elaboração e execução das políticas públicas, no âmbito do Poder Judiciário, relativas às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.48 3287.2580

Associação Casa da Mulher Catarinaatua em defesa das mulheres por meio de ações socioeducativas.48 3223.8010

Fórum Estadual para a Implementação da Lei Maria da Penhatrabalha na implementação da legislação brasileira.48 3229.3711

Dados: lei Maria da Penha 2012 — manual realizado pela Coordenadoria Municipal de Políticas para Mulheres (CMPPMulher) em parceria com a secretaria de Políticas Públicas para Mulheres.

Conheça a rede de atendimento à mulher vítima de violência em Florianópolis

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DEsconEXÃo EM REDE

Pâmela Padilha é uma das vítimas da desarticulação dos serviços de apoio à mulher em situação de violência domés-tica e familiar. Nesses dez meses, além de lutar dia a dia pela vida, a jovem de-pendeu da generosidade alheia para se reestabelecer, já que a descontinuação do atendimento em rede não garantiu acesso a todos os serviços que a jovem necessitava. Apenas setenta dias após dar entrada na emergência do Hospital Universitário, a menina recebeu alta, devido à possibilidade de uma infecção hospitalar. A assistência social da insti-tuição desconsiderou a precariedade da casa da vítima, que não apresentava as condições mínimas para uma recupera-ção adequada. Depois de sair do HU, conseguiu atendimentos gratuitos com fonoaudiólogo e psicólogo no posto de saúde do bairro onde mora. Para os re-médios e as sessões de fisioterapia, no entanto, precisa contar com doações e profissionais que se voluntariam para atendê-la.

Embora seja imprescindível a es-truturação de uma rede coesa de aten-dimento à mulher vítima de violência, ainda há uma tendência ao isolamento dos serviços. A coordenadora da CMPPM Alana Rauen afirma que a integração operacional entre os atendimentos é ne-cessária para dar conta da complexidade e do caráter multidimensional do pro-blema, mas confessa que a coordenado-ria não consegue realizar a fiscalização da rede: “De que adianta a mulher fazer um curso de capacitação, se depois não há recolocação no mercado de traba-lho? Existe a formação, mas não existe um encaminhamento. E esse é apenas um dos exemplos da falta de continui-dade dos serviços.” E completa: “É um jogo de empurra-empurra. Todo mundo diz que a responsabilidade de vistoriar a rede é do outro e, por fim, nenhuma instituição faz.”

Segundo a Lei Maria da Penha, é função da CMPPM fiscalizar e promover o diálogo constante entre os diversos órgãos,assegurando a não revitimização

da mulher. “A coordedoria não está de braços cruzados. Estamos propondo para a SPM um projeto que prevê a criação de um Sistema Único de Dados, em Florianópolis”, diz Alana. Intitulado “Criando Dados e Estratégias de Com-bate e Enfrentamento à Violência”, o programa pretende identificar o perfil básico da mulher vítima no município e sua vulnerabilidade e desinformação. O mapeamento será feito por agentes de saúde. “Os dados servirão para conver-gir e interligar todos os órgãos da rede porque permitirá um monitoramento da violência.” O projeto ainda não foi aprovado.

Hoje, Pâmela aguarda por uma ci-rurgia que irá retirar tecido da mama e implantar no pescoço. Ainda não há data predefinida, mas as necessidades emergenciais decorrentes da operação já podem ser apontadas: precisará com-prar mais remédios e seu quarto deve ser reformado — de madeira, o cômodo não é suficientemente arejado para sua reabilitação. “Temos gente pra ajudar a fazer, mas precisamos de doações de material de construção”, diz uma vizi-nha, apoiada na cerca de arame que se-para os terrenos.

A jovem não esmorece e mostra com orgulho cada melhora: as mãos, antes comprometidas, já conseguem fa-

zer pequenos movimentos. Ela pega o irmão mais novo, de um ano e sete me-ses, no colo, para mostrar o avanço na recuperação. A criança brinca com as cicatrizes da perna da irmã, que parece não se incomodar. Tem retomado a vida social aos poucos, mas diz que muitos amigos ainda não querem vê-la. Espe-ra o tempo de cada um e lembra que teve seu próprio tempo para aceitar a nova aparência. O pavor de se olhar no espelho deu lugar ao receio de encon-trar o agressor. “Eu tenho medo que ele volte pra terminar o serviço”, confessa. Mesmo assim, acredita que Thiago não sairá impune, se não pela lei brasilei-ra, ao menos pela lei divina. “Só quero que a justiça seja feita e que ele pague duas vezes pior o que estou pagando até agora. Se vai demorar? Eu não sei. Mas se ele não pagar aqui, que seja pe-las mãos de Deus.” n

EXPEDiEntE:

Trabalho de Conclusão de

Curso apresentado ao curso

de Jornalismo, do Centro de

Comunicação e expressão,

da Universidade Federal de

santa Catarina, no primeiro

semestre de 2013.

alUna: Gabrielle Estevans

orienTadora: Daisi Vogel

“É umjogo deempurra-empurra. todo mundo diz que a responsabilidade de vistoriar a rede é do outro e, por fim, nenhuma instituição faz.”

Alana Rauen, coordenadora da CMPPM