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 Atenção Psicossocial e Gestão de Populações PHYSIS: Rev . Saúde Coleti va, Rio de Janeiro, 15(1):127-150, 2005 127 Atenção Psicossocial e Gestão de Populações: Sobre os Discursos e as Práticas em Torno da Responsabilidade no Campo da Saúde Mental 1  MARTINHO BRAGA BATIS TA E SILV A * RESUMO Este artigo tem como objetivo delinear os discursos e as práticas em torno da noção de responsabilidade no campo da saúde mental, tendo em vista o processo de negociação, divisão e delegação de encargos pelo cuidado entre profissionais, familiares, usuários e membros da comunidade. A “tomada de responsabilidade do serviço pelo território” é um desses discursos. A cons- trução de “técnicos de referência” nos Centros de Atenção Psicossocial se torna exemplar dessas mudanças. Vê-se como as práticas relativas ao engajamento, ao vínculo e à implicação são técnicas cujas funções terapêu- ticas e administrativas são articuladas. Palavras-chave : Responsabilidade; saúde mental; atenção psicossocia l; ges- tão de populações. Recebido em: 04/04/2005. Aprovado em 30/06/2005.

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    PHYSIS: Rev. Sade Coletiva, Rio de Janeiro, 15(1):127-150, 2005 127

    Ateno Psicossocial e Gesto de Populaes:Sobre os Discursos e as Prticas em Torno da

    Responsabilidade no Campo da Sade Mental1

    MARTINHO BRAGA BATISTA E SILVA*

    RESUMO

    Este artigo tem como objetivo delinear os discursos e as prticas em tornoda noo de responsabilidade no campo da sade mental, tendo em vista oprocesso de negociao, diviso e delegao de encargos pelo cuidado entreprofissionais, familiares, usurios e membros da comunidade. A tomada deresponsabilidade do servio pelo territrio um desses discursos. A cons-truo de tcnicos de referncia nos Centros de Ateno Psicossocial setorna exemplar dessas mudanas. V-se como as prticas relativas aoengajamento, ao vnculo e implicao so tcnicas cujas funes terapu-ticas e administrativas so articuladas.

    Palavras-chave: Responsabilidade; sade mental; ateno psicossocial; ges-to de populaes.

    Recebido em: 04/04/2005.Aprovado em 30/06/2005.

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    1. IntroduoAssistimos a um apelo participao no campo da Sade Coletiva, na

    medida em que as diretrizes do Sistema nico de Sade (SUS) destacamjustamente a importncia de a sociedade civil decidir sobre a formulao eplanejamento das polticas pblicas, assim como controlar a oferta e distribuiode servios. A participao da comunidade e o controle social tm-se configuradocomo estratgias democrticas para romper com a tradio centralizadora doEstado brasileiro.

    A partir do trabalho de campo realizado, percebe-se que, no campo daSade Mental, esse apelo tem assumido a forma de uma convocao responsabilidade dos atores sociais envolvidos no cuidado. Profissionais,familiares, vizinhos e todos aqueles que cercam ou esto vinculados ao portadorde transtorno mental2 so convidados, de diferentes maneiras, a tomar para siuma parcela do encargo pela assistncia. As parcerias e as redes de suportesocial tm sido maneiras pelas quais se procura construir outro destino socialpara o louco que no a internao ou o abandono.

    Quando voltamos nosso olhar para o cotidiano assistencial, muitas dasdiretrizes governamentais assumem uma forma ambgua: se por um lado apopulao est sendo convidada a participar da gesto dos recursos pblicosem sade, tambm pode estar sendo incentivada a compartilharresponsabilidades pela assistncia. Cabe a ela formular, mas tambm, em certamedida, executar as diretrizes das polticas pblicas. Essa ambivalncia entreexercer direitos e comprometer-se com deveres se torna ainda mais agudaquando a populao beneficiada pelas polticas pblicas aquela tutelvel: loucos,crianas e ndios, por exemplo. O louco considerado irresponsvel (alm deincapaz e perigoso) de um ponto de vista jurdico; parece que seu engajamentocom essa ordem pblica ainda que democrtica pouco intenso e que seuvnculo com esse processo paulatino de participao e responsabilizao frgil3.

    A implementao dos princpios do SUS como a descentralizao dagesto, a ateno integral e a participao da comunidade desencadeia tensosprocessos poltico-administrativos, gerando conflitos entre recursos eresponsabilidades. Alguns autores da sade pblica designam por transfernciade responsabilidades para unidades locais com concentrao de poder e recursosa nvel central (LUZ, 2001, p. 21)4 esse processo de descentralizao da gesto,que acaba encarregando mais do que empoderando municpios, servios eprofissionais. Esse processo se atualiza na assistncia pblica como uma

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    necessidade de compartilhar responsabilidades entre os atores e instnciassociais, como uma tentativa de criar parcerias.

    O que poderia ser tomado como uma questo gerencial, poltica oumacro bate porta dos Centros de Ateno Psicossocial (CAPS) serviosextra-hospitalares de sade mental com freqncia, pois definir a atribuio ecompetncia de cada pessoa envolvida na assistncia torna-se algo quasecotidiano quando se procura manter em comunidade um paciente psiquitricoegresso de internao. Pode-se dizer que se encarregar pelo atendimento dodoente mental na comunidade costuma depender da construo de novosrecursos teraputicos alm de medicao e escuta, tais como visitas domiciliares,reunies com a famlia, agenciamento de escola, trabalho, passeios...

    Dividir, negociar e delegar encargos pelo cuidado entre profissionais,familiares, vizinhos e usurios tem-se transformado numa constante no cotidianodos servios de sade mental, medida que se procuram construir redes sociaisde suporte ao louco: quem cuida do qu ou de quem? Do que lanar mo paralidar com os momentos de crise psicopatolgica no meio de uma praa prximaao servio? E se a famlia no estiver atenta no momento, quem atende omdico, o psiclogo, o terapeuta com quem o usurio mais simpatiza e temproximidade? Mais do que isso, atende em nome de qu: cuidado, controle,manuteno da ordem pblica, solidariedade, piedade? Quando chega o momentode tirar o passe-livre, a quem solicitar? Chamar a assistente social pode ser umaestagiria nesses casos; no cabe ao servio se meter? Mas e se o usurio novem ao CAPS por que no tem dinheiro para o nibus e a famlia quer intern-lo?

    Esses e outros impasses da ateno psicossocial5 revelam os desafiosde produzir uma autonomia e uma cidadania possveis ao louco, os dilemas deoferecer atendimento na comunidade queles que conhecem a internao comomodo principal de tratamento e a medicao como principal tcnica de alvio dosofrimento.

    Com base nas contribuies de autores como Castel (1978; 1986) eFoucault (1978; 1979), a pesquisa mostra que a ateno psicossocial contajustamente com uma intensa responsabilizao de atores sociais pelo cuidadopara alcanar tais objetivos, por meio de diferentes procedimentos de gestoarticulados teraputica.

    Em outro momento histrico, quando da instaurao da psiquiatria e doasilo na Frana do sculo XVIII, a medicina tomou para si o mandato de controle

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    social de alguns comportamentos desviantes. Na sociedade liberal emconstituio, o Estado, a justia e a famlia dividiam as responsabilidades pelocontrole do louco (dentre outros personagens urbanos que representavam umdesafio ordem pblica, como prostitutas, criminosos e sifilticos), at que amedicina entrou nessa partilha, tornando o louco um doente mental passvel detutela, tendo em vista sua desimplicao com a ordem republicana, de exercciode direitos mas sujeio a deveres cvicos. O louco se transforma em algumque necessita de proteo / cuidados e ao mesmo tempo precisa ser administrado/ controlado, ou seja, fato histrico que aponta para a articulao entre ateraputica da doena mental e a gesto dos comportamentos que desafiam aordem pblica.

    Assim como no advento da psiquiatria e do asilo, as relaes entreinstncias e atores sociais no sentido de encarregar-se do louco se agudizam.Entretanto, nesse momento, em vez de a medicina tomar para si o mandatosocial de controle e legitimar uma atuao tcnica sobre o doente mental, procura-se a todo custo compartilhar responsabilidades com famlia e comunidade, emdireo a um estatuto de cidadania e um grau de autonomia possveis ao louco.

    Alm de explicitar a perspectiva terica desse estudo, importantesublinhar que esses resultados e concluses sobre o processo de ReformaPsiquitrica no Brasil so fruto de uma pesquisa de campo (de cunhoetnogrfico) num dos servios territoriais de sade mental do Municpio do Riode Janeiro. Ao longo de seis meses foram realizadas entrevistas semi-estruturadascom profissionais (psiquiatras, psiclogos, pedagogos e nutricionistas, entreoutros), observao de reunies semanais de equipe e leitura de registros empronturio. Juntaram-se a esses dados qualitativos informaes sobre o perfilsociodemogrfico e clnico-institucional dos usurios, contidas em documentoscedidos pelo Instituto Franco Basaglia (IFB), organizao no-governamentalque presta assessoria aos CAPS cariocas.

    Neste artigo sero apresentadas principalmente informaes contidasem pronturio, atravs da descrio e anlise dos procedimentos e expedientesda equipe para com o usurio, sua famlia e vizinhana. Essa escolha no ocasional: o pronturio justamente um documento administrativo, burocrtico,no qual as informaes sobre a teraputica ganham alto teor formal.Diferentemente das reunies e entrevistas, no uma fala acerca da atenopsicossocial, mas um registro desse trabalho que tem peso institucional e inclusivelegal ou seja, tem uma faceta pblica mais acentuada.

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    Com base nos apontamentos de Lima (1995) e Vianna (2002),pesquisadores da dimenso tutelar da administrao pblica em relao respectivamente aos povos indgenas e aos menores, pretende-se apresentaresse caso clnico como exemplar dos elementos administrativos das prticasde ateno psicossocial.

    2. A Reforma Psiquitrica Brasileira e os Discursos acerca daResponsabilidade no Campo da Sade Mental

    A histria dos mais de 20 anos de Reforma Psiquitrica no pas vemsendo documentada por diferentes autores6. Apesar das diferentes verses,acredita-se que ao final da dcada de 70 o primeiro pontap j tivesse sidodado pelo Movimento dos Trabalhadores de Sade Mental (MTSM), mas sna dcada seguinte que as primeiras experincias concretas aconteceram,na forma de servios pblicos com uma proposta de prtica clnicadiferenciada. Assim, apesar de o MTSM iniciar, em 1978, um movimentopela mudana da assistncia psiquitrica brasileira, muitas vezes por meio dadenncia das pssimas condies de atendimento nos asilos, apenas em 1987um primeiro servio pblico o CAPS Luis Cerqueira, em So Paulo-SP prope e exercita uma prtica clnica dita ampliada com portadores detranstorno mental.

    Recentemente, a partir de 2000, duas leis consolidam a direo dapoltica de sade mental no Brasil, no sentido da desospitalizao da assistnciapsiquitrica, atendimento na comunidade e respeito aos direitos humanos dopaciente: a Lei Federal n 10.216, de abril de 2001, com base na famosa LeiPaulo Delgado, sobre a extino dos manicmios, criao de serviossubstitutivos na comunidade e regulao da internao psiquitrica compulsria;e a Lei Federal n 10.708, de julho de 2003, conhecida como Bolsa-Auxlio,que assegura recursos financeiros que incentivam a sada de pacientes comlongo tempo de internao dos hospcios para a famlia ou comunidade.

    Pode-se dizer que a reforma diz respeito, necessariamente, a umamudana nas polticas pblicas de sade mental, no sentido de priorizar oatendimento comunitrio do paciente psiquitrico em detrimento da internaoasilar: do tratamento da doena mental no hospcio para a reinsero socialdo usurio na comunidade. o que alguns autores (BEZERRA JR., 1994;AMARANTE, 1996) apontam como desospitalizao, a nfase no atendimento

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    comunitrio como medida governamental, redirecionando os recursos no sentidoda criao de servios comunitrios de sade mental.

    Dependendo da forma como esse processo de mudana poltico-administrativa venha a ocorrer se amparado num projeto de assistnciaalternativa ou substitutiva aos manicmios; se voltado para a desmontagemda instituio fsica ou simblica do asilo pode vir a se tornar desassistncia.Ou seja, desospitalizar pode no significar atendimento na comunidade, masabandono: deixar o paciente psiquitrico sem tratamento por recusar a internaocomo medida assistencial; no sustentar seu atendimento na comunidade comrecursos tcnicos suficientes.

    Desta maneira, no s o redirecionamento dos recursos assistenciaisdo hospcio para a comunidade que decisivo para alcanar adesinstitucionalizao da loucura. O isolamento e a excluso do louco da vidaem sociedade so amparados por um modo de lidar com a diferena, comfenmenos que no interior de uma determinada ordem pblica so consideradosinsensatos ou tresloucados. Assim, faz-se necessrio um processo dedesmontagem dos saberes que comprimem essa experincia da loucura nointerior da sintomatologia da doena mental, com concomitante criao de novosmodos de sociabilidade e produo de valor social.

    Eis, resumidamente, as diferenas apontadas por Amarante (1996) entredesinstitucionalizao, desospitalizao e desassistncia. nesse sentido que aresponsabilizao do servio, do profissional e do usurio questo para areforma: procurando evitar o abandono e a internao, diferentes atores einstncias sociais envolvidos no cuidado so implicados no (mas tambmencarregados pelo) processo de desinstitucionalizao da loucura.

    Em alguns momentos, temos o profissional de sade mental em foco,procura-se compromet-lo com as transformaes da assistncia psiquitrica,com o trabalho imerso em novos e instigantes encargos e recursos: acredita-seque o aumento da responsabilidade do tcnico pelo processo de trabalho exercebastante influncia sobre a produo de sade.

    como se modos de administrao de recursos humanos, fortementeligados s formulaes da anlise institucional, apontassem na responsabilidade,implicao e participao dos profissionais, uma linha de fuga inrcia eburocratizao das instituies de sade. O que se procura produzir ocomprometimento e engajamento do profissional no projeto reformista:

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    Ousar pensar o fim da Administrao tradicional. Do taylorismo. A equipeseria coordenada, articulada a diretrizes gerais e s iniciativas de outrasequipes congneres. No teria seus atos normatizados, no seria dirigida.Cada conjunto de trabalhadores, em um servio, deveria responder aos pro-blemas de sua rea [...] Este estilo de gesto pressupe uma combinao deprogressiva autonomia com responsabilidades e compromissos crescentes(CAMPOS, 1992, p. 50 grifos nossos).

    Segundo essa contribuio da anlise institucional Reforma, oprofissional deve tornar-se referncia de um conjunto de usurios,responsabilizando-se pela gesto dos cuidados necessrios sua sade mental:

    O profissional, em seu papel de referncia, no responsvel pela execuode todas as atividades previstas no projeto teraputico, mas deve estar cientee acompanhar, ainda que distncia, a evoluo do paciente no curso dasatividades [...] O que caracteriza o papel de referncia o fato de umprofissional tomar para si o encargo de planejar, acompanhar e avaliar oconjunto de aes teraputicas que devero potencializar o processo dereabilitao psicossocial daquele paciente cronificado. Temos a expectativa deque a responsabilizao e o vnculo sejam uma das decorrncias dessa formade trabalho (FURTADO, 2001, p. 45 grifos nossos).

    O prprio usurio da assistncia psiquitrica pblica aparece nosdiscursos em torno da noo de responsabilidade, sendo que suas possibilidadese limites em responder enquanto agente dos prprios atos, afetos e pensamentosso objeto de debate. H um apelo nos sentido de torn-los sujeitos da suaexistncia. Segundo a concepo psicanaltica lacaniana das psicoses, o sujeitodeve advir como responsvel pela prpria condio, de modo que haja algumreposicionamento psquico possvel:

    Aceita-se com alguma facilidade que a contribuio da psicanlise para areforma est no fato de ser ela, psicanlise, um conjunto articulado deconceitos e prticas que visam a localizar o sujeito no sofrimento de quepadece e a faz-lo advir como responsvel por sua condio o que verdadeiro e orienta o trabalho de qualquer psicanalista que atue comoprtico na reforma (TENRIO, 2001, p. 88 grifo nosso).

    Tendo em vista os objetivos reformistas de oferecer autonomia ecidadania possveis ao louco, pode-se dizer que essa contribuio da psicanlise

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    lacaniana Reforma sugere uma responsabilidade possvel ao louco no horizontedas prticas de ateno psicossocial:

    [...] de que modo seu trabalho [do psicanalista] pode interessar s prticasda reforma psiquitrica e da sade mental? Se o que norteia essas prticas fazer o sujeito atingir melhores nveis de autonomia, cidadania econtratualidade, podemos dizer que ao psicanalista cabe abrir as possibi-lidades para que o sujeito tome para si a responsabilidade de se situar emsua condio e, ento, transform-la at onde o que se apresenta comoirredutvel, ineducvel, possa se dar como limite. (FIGUEIREDO, 2001, p.81 grifo nosso).

    Mas no so apenas os componentes da clssica relao mdico-paciente que compem os discursos acerca da responsabilidade nesse campo:tambm a relao servio-populao conforma essa convocao responsabilidade de atores e instncias sociais pelo cuidado em sade mental.O servio um elemento crucial, pois se quer dele a assuno deresponsabilidade pelas necessidades em sade mental de uma populao adscritaa uma rea geogrfica, na trilha da descentralizao da gesto da assistnciapblica. Ele deve ter atribuies gerenciais sobre uma rea administrativamunicipal de sade7, sendo o organizador da demanda de atendimentopsiquitrico (no o executor exclusivo do cuidado), ocupando funes de maiorpoder decisrio sobre o uso dos recursos assistenciais, mas angariando maioresencargos pelo acompanhamento e agenciamento dos problemas em sade mentalde uma populao.

    No Brasil, a tomada de responsabilidade pelo territrio uma diretrizligada substituio da lgica dos servios privados (demanda espontnea ecapacidade) por uma lgica dos servios pblicos (cobertura assistencial ereferncia domiciliar). A partir da Portaria Federal n 336 que aponta o CAPScomo organizador da demanda em sade mental no territrio a ltima lgicatornou-se estatal:

    Situemos a questo: um CAPS tem capacidade limitada (cerca de quarentaa cinqenta pacientes em atendimento dirio, intensivo, e em torno de 300a 400 matriculados, isto , atendidos em graus muito diversos de intensidadedo cuidado); j o NAPS define sua capacidade pela meta a atingir de cober-tura de uma populao adscrita (territrio), e pelo pressuposto tico datomada de responsabilidade. Para que o contexto urbano possa tornar-se

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    objeto de nossa anlise, ou seja, para dar-lhe sentido na organizao deservios e na clnica, preciso superar o modelo da demanda espontnea (que coerente na clnica de consultrios e servios privados), e tomar as noesde cobertura assistencial e referncia domiciliar como indispensveis. Assim,importa menos que o CAPS de Campo Grande defina sua capacidade [...]e mais o fato de que aquele seja o servio territorial de referncia para apopulao de tal bairro da cidade do Rio de Janeiro (DELGADO, 1999, p.113-114 grifos nossos).

    Essa diretriz tem como base as contribuies da experincia italiana deReforma Psiquitrica. Segundo Rotelli (1990), houve muita ateno para comos efeitos de capilarizao do controle social produzido pelos servios psi nacomunidade, enquanto se deixava de lado o abandono gerado pelos mesmosespecialismos:

    As anlises sociolgicas e scio-psiquitrica tm insistido em apontar osriscos presentes nesta difuso e especializao dos servios psiquitricos nacomunidade: psiquiatrizao dos problemas sociais e difuso capilar dosmecanismos de controle social na comunidade [...]. Mas estas preocupaesdeixaram de lado outros efeitos complementares a estes, ou seja, os efeitosde seleo, de falta de resposta aos problemas e sofrimentos das pessoas,de abandono (ROTELLI, 1990, p. 22).

    O lugar da responsabilizao do servio na mudana da situao criadapelas atividades profissionais especializadas, segundo o autor, fundamental. nesse sentido que a tomada de responsabilidade do servio pelo territrio setorna uma diretriz, favorecendo um incremento no repertrio profissional nosentido de evitar o abandono e a internao:

    Este ento outro aspecto de trabalho teraputico entendido como tomarencargo [presa in carico foi traduzido por tomar encargo; cabe ressaltarque esta expresso se constitui numa premissa fundamental na organizao dosservios territoriais e significa o fazer-se responsvel, isto , a impossibili-dade de delegar a uma outra estrutura a assistncia populao da regio dereferncia], de cuidar de uma pessoa: desenvolvido de tal modo a evitar oabandono do paciente a si mesmo (ROTELLI, 1990, p. 34 grifos nossos).

    Resumindo, esses discursos em torno da responsabilidade sodisseminados por diferentes saberes, sob a forma da tomada de

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    responsabilidade do servio pelo territrio, do aumento da responsabilidadedo profissional sobre o processo de trabalho e da possibilidade de o sujeitoadvir como responsvel pela prpria condio8. Veremos ao final deste textoque esses discursos se conjugam a diferentes prticas de responsabilizao deatores sociais pelo cuidado, como a mediao, a arbitragem e a negociao dasaes da famlia e da vizinhana em relao ao usurio. Esse profissional, cujaatribuio produzir implicao e vnculo, muitas vezes at adeso, tambm objeto de prticas discursivas, como aquelas que tentam estimular seuengajamento no trabalho.

    3. O Centro de Ateno Psicossocial e as Prticas em Torno daResponsabilidade

    Na dcada de 80, algumas experincias assistenciais buscaramalternativas para a conquista de direitos por parte do paciente psiquitrico. Umaavaliao dessas iniciativas tcnico-assistenciais apresentada por Bezerra Jr(1994, p. 186). Ele aponta os fracassos na ressocializao dos pacientes, tendoem vista idealizaes em relao ao louco e sociedade, pois no haviapermeabilidade no tecido social que possibilitasse a incorporao de pessoascom caractersticas muito prprias e, do ponto de vista dominante, limitadas.Assim, a defesa do estatuto de igualdade e a incluso social automtica cederamlugar proteo e aos mecanismos de insero social.

    Mas como acontece essa proteo? Como funcionam tais iniciativasde insero social? Se admitirmos a necessidade de algum grau de tutela paraos pacientes psiquitricos, precisamos pensar nos mecanismos de controle edomnio que estamos acionando, pois a atividade de integrar socialmente eressocializar est articulada e ao mesmo tempo tem autonomia em relaoquela jurdica de interditar. Ou seja, neste momento, precisamos investigar atutela no tanto a partir de sua dimenso de estatuto jurdico, mas principalmentede exerccio de controle que permite integrar socialmente:

    Cabe aos tcnicos de sade mental o papel tutelar de elaborar projetos eaes prticas que modifiquem as condies concretas de vida desses usu-rios, incentivando-os a participar de trocas sociais e conseqentementeaumentando o seu poder contratual e a sua autonomia (DIAZ, 2001, p. 14 grifo nosso).

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    A ateno psicossocial envolve diferentes procedimentos, tais comomediar as trocas sociais do louco no sentido de aumentar sua contratualidade(TYKANORI, 1996), favorecer um maior grau de gerenciamento de si prprioem busca de maior autonomia (GOLDBERG, 1996) e tornar-se refernciapara garantir um vnculo de confiana e uma continuidade no atendimento(GOLDBERG, 1996). Em todas essas atividades se conjugam cuidado eadministrao da loucura, tendo em vista as limitaes que esta impe existnciano meio social e aos conflitos que gera na ordem pblica. Inclusive, a pesquisade campo realizada em um dos CAPS cariocas9 mostra que novos encargossociais se conectam a novos modos de cuidar e gerir a loucura no tecido social,preferencialmente por meio do engajamento, da implicao e do vnculo deatores e instncias sociais envolvidos no cuidado.

    Em julho de 1996, abriram-se as portas desse CAPS para a populaolocal. Em abril de 2004, esse servio tinha mais de 400 usurios. A partir damudana na diretriz governamental relativa aos CAPS, entre as Portariasfederais ns 224 e 336, de uma lgica da capacidade (150 usurios por servio,no mximo), se passou a uma lgica territorial (ordenar e gerenciar a demandae os servios de sade mental da populao da AP). Logo, uma sobrecarga foivivida pelos profissionais (IFB, 2003).

    De menos de 100 usurios em 1998, passou-se a 429 usuriosmatriculados, 503 em atendimento no servio no ano de 2004. Dentre eles, 220se encontravam em ateno diria e 49 foram matriculados no segundo semestrede 2002. O lugar do servio como agenciador do cuidado ao usurio o encargode gerenciamento da ateno em sade mental da populao local no impediuo servio de ocupar lugar de principal agente desse cuidado responsabilizando-se pela execuo do cuidado que ultrapassou seus limites:

    O ano foi percorrido por intensos debates em torno, principalmente, doexcessivo nmero de usurios atendidos no CAPS (em dezembro de 2002totalizando 503). Esta difcil situao gerou sobrecarga de trabalho para aequipe, ocupou parte do tempo da superviso na tentativa de encontrarsolues que implicavam, na verdade, em aes do restante da rede deassistncia da rea [...] (IFB, 2003, p. 62).

    A partir dos impasses que o servio encontrava, uma reorganizaodos processos de trabalho em equipe ganha destaque, contando com a noode Tcnico de Referncia TR e de Projeto Teraputico Individual PTI

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    (IFB, 2003, p. 60). Esses dois dispositivos so importantes elementos produtoresde implicao, engajamento, comprometimento e participao entre os atoressociais envolvidos no cuidado profissionais, mas tambm familiares, usuriose eventuais membros da comunidade. Pode-se dizer que a constituio dereferncias e contratos se tornaram estratgias privilegiadas para lidar comos novos encargos de gesto de populaes nos CAPS. nesse sentidoque se torna inteligvel uma das recomendaes para a superviso em 2003, noque tange s estratgias clnico-polticas, que nos acompanhar ao longo daslinhas abaixo:

    Projeto Teraputico Individual e o Tcnico de Referncia: avanar na dis-cusso/teorizao sobre papel do TR: qual a concepo de clnica quesubjaz noo do TR? Como se constri a referncia? Trabalhar as noesde vnculo, mediao, transferncia, co-responsabilidade, suporte; valoriza-o do encontro com os familiares; importncia de registro no pronturio dasaes desenvolvidas; o PTI como dispositivo de visibilizao do usurio(IFB, 2003, p. 74 grifos nossos).

    A dicotomia entre um papel de gesto dos encaminhamentos e o deatendimento contnuo ao paciente percorrer boa parte do debate sobre TR nasreunies de equipe. Por um lado, aparece a figura do catalisador, gerente dasaes de cuidado; por outro, a figura do clnico, aquele que intervm nomomento em que a demanda surge.

    Essa dicotomia se desdobra em outra: entre aqueles que atendem eaqueles que fazem reunio. Tendo em vista a enxurrada deencaminhamentos ao servio e a tomada de responsabilidade pelo territriocomo diretriz assumida pelos CAPS, o servio optou por tomar esse encargoem conjunto com os demais servios da rede de sade, procurando engaj-losnos atendimentos aos pacientes menos graves por meio de reunies (IFB, 2003).Entretanto, um dilema se instaurou: como conciliar o tempo de servio entreatendimentos e reunies, entre estar com o usurio e estar com os outrosservios que colaboram para o acompanhamento de usurios menos graves:

    Eu tambm acho ruim esse negcio de ficar enchendo o servio de quinhen-tas atribuies quando tem muita gente para ser atendida [...]. s vezes ficamos profissionais aqui do CAPS fazendo quinhentas reunies para acharburaco numa rede que est saturada, absolutamente saturada (psiquiatra).

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    No decorrer da pesquisa de campo, quando perguntamos a uma psiclogasobre a atividade de compartilhar tarefas, se h algum caso em que h necessidadede agir em conjunto, escutamos: A grande maioria deles, TR justamente essearticulador [...] o TR esse que vai estar estruturando vrias frentes deinterveno. Cita um exemplo, no qual houve uma parceria com a famlia e aescola, tendo em vista o diagnstico de deficincia mental. Pela via de um contratocom a coordenadora pedaggica, houve a tentativa de manter o paciente numaescola comum, de modo que ficasse menos dependente da me.

    Um dos tcnicos chega a sugerir que o tcnico de referncia seria umanova especialidade em Sade Mental, um modo de fazer a clnica, como aPsicologia, a Psiquiatria, a oficina (auxiliar de enfermagem). Alm disso, sugereuma ligao entre a figura do tcnico de referncia e se adequar SadeMental. Ele acrescenta:

    O tcnico de referncia pode se tornar um profissional, fazer visita domi-ciliar, acompanhamento teraputico [...]. Vai existir um tcnico de refernciacomo existe hoje o enfermeiro, o mdico [o profissional] vai ficar circulandocom o paciente (auxiliar de enfermagem grifo nosso).

    Mas o que realiza esse tcnico de referncia, que rene em si o papelde agente e agenciador do cuidado?

    Para responder a essa pergunta, vamos nos dedicar exclusivamente aoatendimento psicossocial de um portador de transtorno mental, pelo fato deele reunir em sua trajetria clnico-institucional elementos exemplares do processode negociao, diviso e delegao de encargos entre profissionais, usurios,familiares e membros da comunidade. Sandro (nome fictcio, como todos osdemais aqui citados), usurio do servio desde 1996, aponta questesextremamente emblemticas dos desafios desses servios de atenopsicossocial no territrio, com seus encargos angustiantes e ao mesmo temporecursos inusitados, com suas tecnologia de cuidado, mas tambm de controle.Mais do que nunca, o teor administrativo das decises no atendimento aousurio que se destaca a seguir.

    Sandro, 35 anos, foi descrito da seguinte forma quando chegou aoservio, em agosto de 1996:

    Vive sozinho, veio trazido pela tia Carla, irm do pai. Vivia na rua, dormiano prdio do CAPS, quando era LBA. Pais o rejeitaram, deixando com avs

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    paternos dos 6 aos 11 anos. Avs faleceram. Ficou com tia Carla at 18 anos.Marido no aceitou e ento Sandro passou a viver na rua. (pronturio).

    No h registro de que fora internado at ento, mas consta que desdeos 11 anos apresenta alucinao visual, agresso e depresso. Esteve preso em1994, ficando trs meses na cadeia (hiptese de tentativa de furto). Sandrorecebe atendimento mdico em grupo e individual, visitas domiciliares e participade oficinas em seu tratamento: eis o seu projeto teraputico.

    Constam tambm informaes sobre a rede social de suporte: Almoana casa de D. Senira (pronturio). Logo nos primeiros meses de atendimento,a participao dos parentes e vizinhos se coloca, fazendo parte freqentementede seu registro em pronturio reunies com a famlia ou com membros dacomunidade. Consta que o tio de Sandro (Sr. Santos) veio queixar-se que opaciente passa a noite em bailes e no faz uso da medicao (pronturio).

    Duas figuras se destacam no atendimento de Sandro: D. Senira, senhoraconhecida, em cuja casa ele costuma jantar, almoar, tomar banho e, s vezes,dormir. Ao mesmo tempo um membro da comunidade, citado em pronturio,que remete a um recurso comunitrio que pode ser acionado, alm de ser tambmum local, uma casa, algo onde alocar. Em se tratando de um usurio que oscilaentre a rua, a internao e a casa, com freqncia optando pela primeira emsua vida, essa questo do lugar onde ficar se torna relevante. Alm disso, TiaCarla tambm bastante citada, onde Sandro costuma dormir.

    Em outubro daquele ano, consta que Sandro trabalhava como faxinaem um trailer de cachorro-quente, na madrugada. Alm disso, Sandro costumachantagear o servio, ameaando profissionais com a afirmao de que vaivirar bandido, fogueteiro [do trfico]. Em dezembro, a atuao dosprofissionais junto a familiares e membros da comunidade comea a ser descritade modo mais extenso e detalhado. A atitude de mediao das relaes parecese destacar, no sentido de manter o usurio em uma rede social de cuidado.Assim, l-se:

    D. Senira traz uma srie de queixas sobre S., falando da dificuldade desteem chegar no horrio do jantar, chegando s vezes 22 horas. Ao mesmotempo, D. Senira demonstra uma enorme dificuldade em colocar limites noSandro que consegue muitas coisas atravs de atitudes sedutoras e s vezesfazendo chantagem como vou virar bandido. Foi pontuada a importnciada presena de limites para favorecer [...]. Atravs de contratos estabele-

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    cem-se limites como de Sandro chegar no horrio da refeio, do banho etc.Senira fica muito mobilizada, demonstrando linguagem ambgua quando per-guntado o que faria caso Sandro chegue atrasado. Pontuamos que impor-tante que no s o Sandro mas D. Senira tambm cumprir contratos(pronturio grifo nosso).

    As categorias limite e contrato delineiam a atuao tcnica. Atravsda criao de acordos, procura-se produzir uma relao menos conflituosaentre membros da comunidade e usurio, tendo em vista a atitude pouco disponvela cumprir regras por parte do segundo.

    No ano seguinte, em maio de 1998, Dois moradores da rea procurarama unidade para queixar-se do paciente. O dono da padaria [...] o cunhado deCarla, sua tia, diz.... Acusam-no de urinar em frente padaria e de possvelfurto dos prprios amigos. Logo em seguida, em agosto, aparece uma situaolimite no atendimento: no ter com quem ficar, no ter quem cuide e controle,quem se responsabilize por Sandro. A partir da, tecnologias de regulao socialaparecem, como a mediao e a arbitragem, no sentido de produzir responsveispelo cuidado e alocar indivduos em redes de relaes. Assim, l-se:

    D. Senira e D. Carla participaram de atendimento. Colocou-se para Sandroa importncia em seguir os limites colocados pois hoje chegou s 10:40 horasno CAPS e fizemos o acordo de que ele no poderia ficar na unidade no diaque chegasse nesse horrio. Carla coloca que a partir das dificuldades quesurgiram com Sandro a opo foi de no morar com ele, porm se mostroudisponvel para participar uma vez por ms do atendimento. D. Senira falaque Sandro tem respeitado o horrio estabelecido. Falamos da importnciadisso e tambm combinamos que Carla contactaria a assistente social daFUNLAR para Sandro fazer o curso profissionalizante (pronturio).

    Abandonado pela tia e morando com uma conhecida, Sandro instigadoa participar de um curso profissionalizante. Desse modo, da insero na redesocial imediata, familiar, passa-se insero social na rede imaginada comonacional, o Estado, pela via do trabalho. Alm disso, quem se responsabiliza poragenciar tal contrato? Curiosamente, o familiar que acabou de sedesresponsabilizar pelo cuidado contnuo do usurio. Passar de agente do cuidadoa agenciador de possibilidades de existncia acontece no s com os profissionais,mas tambm com os familiares. O que parece importar manter o vnculo, a redede relaes. Nesse momento, registra o profissional encarregado do caso:

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    Fui procurada pela tia de Sandro, Carla, que me informou que a partir dofinal deste ms, Sandro ter que deixar o quarto onde reside pois o mesmoser ocupado por ela. Nos dirigimos ento residncia de D. Senira para emconjunto pensarmos e buscarmos alternativas na comunidade para solucionara questo da moradia para Sandro Fiz tambm contato telefnico com Zilda[tcnica] do CPP II, responsvel pelo lar abrigado feminino que se prontificouem sondar possibilidades para o mesmo na instituio (pronturio).

    Dias depois, consta que um chefe de servio de moradia em hospitalpsiquitrico informa que Sandro no tem perfil para lar abrigado (pronturio).Novamente, trata-se de tentativas de engajar, de comprometer, de implicar atoressociais no cuidado. O CAPS se coloca em posio bastante difcil de sersustentada no atendimento de Sandro, que a de mediar a relao dele comdiferentes atores e instncias sociais. Ser que esses procedimentos envolvemalocao de indivduos em redes de relao social, por meio da produo deresponsveis pelo cuidado?

    Carla traz sua preocupao com a possibilidade de Sandro morar com elae o marido, por conta de determinadas regras que o marido (S. Lus) impe.Sandro inicialmente parece no querer posicionar-se e traz novamente comoopo trabalhar no trfico. Deixamos bem claro para Sandro que este tipode opo no ter apoio da equipe. Sandro permanece quase o tempo todocalado, e ao final da reunio posiciona-se para morar na rua guardaria seusobjetos na D. Senira (j teria combinado com ela) (pronturio).

    A rua, a internao e o trfico de drogas apresentam-se como situaesintolerveis pelo servio, de modo que se tenta a todo custo construir uma soluopossvel e aceitvel (do ponto de vista moral?). E isso se faz por meio de umagesto da comunidade, de tcnicas de mediao e arbitragem. Uma complexarede de relaes e uma diversidade de atores e instncias sociais compem umaespcie de malha administrativa em torno do usurio. O relato a seguir, na verdade,levanta mais perguntas do que as articulaes tericas permitem responder. Esseprecioso documento um convite s questes que a ateno psicossocial ofereceaos estudos sobre a atividade comunitria em sade.

    Fui procurada por Carla, que me comunicou que o proprietrio do quarto,no qual Sandro poderia morar, foi procurado pelo mesmo, porm no com-preende as informaes que Sandro lhe passou e que j havamos acordadona reunio para a abertura da negociao a respeito da moradia. Solicitei

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    ento que Sandro trouxesse unidade este senhor para iniciarmos as nego-ciaes em conjunto, j que o mesmo negou ajuda da sua tia Carla. O senhorGilson aceitou acolher Sandro e Sandro se comprometeu a pagar com seuganho de trabalho no trailer, mais o valor autorizado por sua tia Carla de R$10,00 e mais a cesta bsica fornecida pelo CAPS. O Sr. Gilson solicitou adoao de 50 tijolos e dois sacos de cimento, que sero negociados junto associao por outra profissional que participou tambm das negociaes.Sandro se comprometeu tambm em trabalhar como o Sr. Gilson, numaserralheria que o mesmo pretende montar futuramente. Foi dado a Sandro otquete da cesta bsica, para ser entregue ao Sr. Gilson [...]. Ser oferecidauma vaga no curso de marcenaria para o Sr. Gilson (pronturio grifosnossos).

    Imagino que a descrio do trabalho de muitos outros profissionais como os assistentes sociais poderia colaborar para investigar as tecnologiaspsicossociais descritas acima, assim como as atividades nos grupos de famliapoderiam indicar mais caminhos de investigao de tcnicas de implicao dousurio no tratamento, pela via da responsabilizao dos familiares ou docomprometimento de membros da comunidade. Atravs desses registros,entretanto, podemos ter um esboo das modalidades de exerccio de poderacionadas nos CAPS, em que as trocas, recursos e encargos entre o Sr. Gilson,Sandro e os profissionais do servio nos fazem perguntar sobre o objeto dasmediaes e negociaes das quais temos falado: a arbitragem mediar conflitosno sentido de adquirir poder de decidir e intervir sobre uma rede de relaessociais atinge Sandro ou o Sr. Gilson? Quem est sendo gerido nesse processocomplexo de engajamento e produo de vnculo com atores sociais?

    4. ConclusoPodemos concluir, desta maneira, que a tomada de responsabilidade

    pelo territrio, o aumento da responsabilidade do profissional pelo processode trabalho e a possibilidade de o sujeito advir como responsvel pela prpriacondio so um conjunto de discursos que operacionalizam essa convocao responsabilidade. Eles esto ligados sade pblica, anlise institucional e psicanlise, com incidncia tanto sobre a prtica psi de atendimento individual,quanto sobre a organizao dos servios e a gesto de recursos humanos.Assim, alguns saberes do campo da Sade Mental, que costumam deter

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    concepes diferentes e muitas vezes contraditrias do fenmeno psiquitrico,convergem no sentido de apontar a responsabilizao de atores e instnciassociais como caminho no sentido da desinstitucionalizao da assistnciapsiquitrica.

    De modo mais esparso, sem que assumam a forma de prtica discursiva,algumas formulaes procuram responsabilizar no s servios, profissionais eusurios, mas tambm a comunidade, atravs do estabelecimento de parceriase co-responsabilidades. Alm disso, no podemos nos esquecer de que cabejustamente ao Estado, a partir da Constituio de 1988, a responsabilidade pelascondies de sade da populao: a sade um direito do cidado e um deverdo Estado.

    Nos servios territoriais de sade mental, Centros de AtenoPsicossocial (CAPS) no Municpio do Rio de Janeiro, profissionais acionamprticas em torno da noo de responsabilidade. A ateno psicossocial umaatividade que conta com a contribuio de diferentes saberes e profissionais,como tambm do saber leigo (mas nem sempre laico) dos familiares e dacomunidade. O principal objetivo dessa modalidade teraputica aumentar aspossibilidades de existncia do louco no tecido social, ao mesmo tempo em queprocura minimizar o sofrimento psquico. Para tanto, cuida-se do usurio,convocando responsabilidade aqueles que o cercam, no sentido de que adependncia institucional diminua e os laos sociais aumentem. Paulatinamente,procura-se engajar, implicar e vincular atores sociais diversos na tarefade cuidar. Familiares, vizinhos e profissionais so convidados a participar daassistncia psiquitrica, apresentando dificuldades em tomar para si encargossobre o cuidado e, de certa forma, estando pouco vontade para exercer gernciasobre os recursos.

    Pode-se afirmar que discursos e prticas em torno da responsabilidadeesto sendo configurados no campo da Sade Mental, no sentido de formularinstrumentos e tcnicas eficazes para manter em comunidade pacientespsiquitricos egressos de internao.

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    NOTAS* Mestre em Sade Coletiva pelo Programa de Ps-graduao em Sade Coletiva do IMS-UERJ;psiclogo do Centro de Ateno Psicossocial Lima Barreto (Bangu, Rio de Janeiro). Endereoeletrnico: [email protected].

    1 Este texto um resumo da dissertao de mestrado, defendida em abril de 2004 no Instituto de

    Medicina Social da UERJ, sob orientao do prof. Srgio Carrara, intitulada Responsabilidadee Reforma Psiquitrica Brasileira: sobre a produo de engajamento, implicao e vnculo nasprticas de ateno psicossocial.

    2 Usurio de servio de sade mental, paciente psiquitrico, doente mental, louco, psictico e

    portador de sofrimento psquico intenso so algumas das terminologias utilizadas para designaraquelas pessoas em tratamento psiquitrico na rede pblica. Embora cada uma delas reflita umadeterminada concepo terica do fenmeno da loucura e poltica da assistncia pblica emsade, no pretendemos cansar o leitor utilizando apenas um dos termos, de modo que osutilizaremos alternadamente. Entretanto, segundo nossa concepo terica, o termo louco mais apropriado pelo fato de ser uma categoria relativa a uma experincia existencial e histricamais abrangente que a doena mental.

    3 Castel (1978, p. 36) indica elementos no sentido dessa formulao: No obstante, apesar de

    seu carter formal, nem todos os sditos da repblica entram sem problema nesse quadrocontratual. A verdadeira especificidade do louco a de resistir a essa reduo, a tal ponto que,para inscrev-lo na nova ordem social, ser preciso impor-lhe um estatuto diferente ecomplementar quele, contratual, que rege a totalidade dos cidados.

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    4 Luz (2001) aponta essa disparidade entre atribuies, competncias e recursos como principal

    dificuldade implementao do SUS no Brasil, em um contexto scio-histrico de neoliberalismomundial. Alm disso, segundo a autora, no processo de redemocratizao das instituiespblicas no pas a sociedade civil se tornou importante ator social; entretanto, tendo em vistamudanas globais de cunho econmico e poltico, ela passa a adquirir encargos pela prpriaexecuo das polticas pblicas. Gomes e Albuquerque (1998, p. 122) tambm destacam essefenmeno no campo da Sade Mental.

    5 Clnica Ampliada, ressocializao, reabilitao psicossocial e clnica da Reforma so algumas

    das maneiras pelas quais se designam as prticas assistenciais concretas de atendimento aopaciente psiquitrico. Optamos por ateno psicossocial (VENNCIO et. al., 1997; COSTA-ROSA, 2001), pois o termo est ligado ao carter de atividade no exclusivamente mdica enecessariamente pblica das prticas.

    6 Tambm designaremos por Reforma Psiquitrica e com mais freqncia por Reforma ou RPb

    o processo histrico de transformao da representao social, do modelo de ateno e dapoltica pblica de Sade Mental no Brasil, em curso desde a dcada de 70. H textos que setornaram clssicos, como os de Amarante (1995; 1997); h tambm atualizaes recentes como as de Tenrio (2001) e Vasconcelos (2001) e outros autores igualmente relevantes paraa descrio abrangente do processo de Reforma, como o caso de Delgado (1992) e Bezerra Jr.(1994).7 O Municpio do Rio de Janeiro foi regionalizado em reas programticas (AP), para efeito de

    organizao de servios de sade, sendo que cada uma delas composta de um conjunto debairros adjacentes (SMS-RJ, 1999). Quando se fala de tomada de responsabilidade do serviopelo territrio, o servio comunitrio de sade mental deve ter como encargo justamente apopulao de uma A.P., ocupando o lugar de organizador e gerenciador da demanda poratendimento (Portaria Federal n 336).8 No desnecessrio lembrar que existe uma especificidade dessas formulaes em cada um

    dos saberes institucionalizados. Na anlise institucional, por exemplo, a idia de implicao uma tentativa de romper com o utilitarismo da idia de estmulo participao (LOURAU,1975), com o qual o aumento da autonomia e responsabilidade pelo processo de trabalho nasequipes de sade pode se confundir (CAMPOS, 1997). Alm disso, responsabilizar o sujeitopara remeter a um chamado ao sujeito do inconsciente, como se o analisando fosse instigado asituar sua posio subjetiva em atos aparentemente voluntrios, algo diferente, portanto, deculpabilizar o indivduo. O que procuramos destacar a articulao dessas recomendaestcnicas em um bloco, reunindo e condensando sentidos e formando palavras de ordem, algo

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    comum no campo da Sade Pblica, como Camargo Jr. (2001) demonstra em relao idia deintegralidade na ateno e no cuidado.

    9 No se poderia dizer que esse servio representativo dos CAPS cariocas, quanto mais do

    Brasil, j que cada um desses servios territoriais tem suas particularidades, com processos deimplantao na comunidade muito diversos. Entretanto, essas peculiaridades no sugerem queos procedimentos de gesto da loucura aqui descritos sejam problema dessa equipe ou culpados tcnicos, j que esto integrados s recomendaes da prpria poltica municipal e federalde sade mental, como esperamos ter demonstrado ao apresentar os discursos em torno daresponsabilidade.

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    ABSTRACT

    Psychosocial Care and Population Management: discourses and practicesconcerning responsibility in mental health

    This article aims to demarcate the discourses and practices concerning thenotion of responsibility in the field of mental health, given the process ofnegotiating, sharing, and delegating responsibilities for care between healthcareprofessionals, family, clients, and community members. Taking responsibilityfor the service through the territory is one such discourse. The constructionof reference staff members in Centers for Psychosocial Care is an exampleof such changes. One notes how practices pertaining to engagement, bond,and implication are techniques whose therapeutic and administrative functionsare linked.

    Key words: Responsibility; mental health; psychosocial care; populationmanagement.