Atitudes face à Afectividade e Sexualidade do Jovem com

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Escola Superior de Altos Estudos Mestrado em Sociopsicologia da Sade

Maria de Lurdes Pereira Ramos

SEXUALIDADE NA DIVERSIDADEAtitudes de Pais e Tcnicos face Afectividade e Sexualidade da Jovem com Deficincia Mental

Dissertao de Mestrado em Sociopsicologia da Sade, apresentada ao I.S.M.T. e elaborada sob a orientao do Professor Doutor Lus Soczka

Coimbra, Dezembro 2002(Revista em Setembro 2004)

A sexualidade dos deficientes mentais combina os dois aspectos da vida humana que maior carga emocional encerram: SEXO E DEFICINCIA MENTALKempton (1983)

Agradecimentos,

A todos os que contriburam para a realizao desta investigao, nomeadamente:Ao Prof. Doutor Lus Soczka, pelo seu saber e disponibilidade para a orientao desta dissertao.Ao Prof. Doutor Carlos Amaral Dias, pelo seu apoio institucional, no mbito do Mestrado em Sociopsicologia da Sade.Ao Dr. Adriano Neto, pelo seu encorajamento e colaborao prestada no tratamento estatstico dos dados.Ao Dr. Joo Claro, pela excepcional receptividade que manifestou em colaborar neste projecto, sendo notrio o seu empenhamento e sensibilidade na experincia desenvolvida junto das pessoas com deficincia, particularmente na instituio que dirige.A todos os pais e tcnicos, que se disponibilizaram para dar os seus testemunhos, contributos essenciais para a concretizao dos objectivos deste trabalho.A todos aqueles que, de uma forma directa ou indirecta, contriburam, para levar a cabo esta investigao. minha famlia, pelo exemplo que me deram de coragem e de luta, que constitui para mim uma referncia permanente.

ResumoO principal objectivo deste trabalho prende-se com uma investigao sobre as atitudes dos pais e dos tcnicos relativamente afectividade e sexualidade das suas filhas/jovens com deficincia mental.Pretendemos, com este estudo, conhecer e compreender a posio dos pais e dos tcnicos perante a afectividade e sexualidade das jovens com deficincia mental e verificar se existem diferenas significativas entre as atitudes dos dois grupos de estudo, face a esta temtica.Pretende-se tambm verificar se existem diferenas significativas entre as atitudes dos tcnicos, tendo em conta a sua formao e a experincia profissional desenvolvida junto da populao com deficincia mental.Alm do que foi referido, pretende-se ainda verificar se existem diferenas significativas entre as atitudes dos pais, tendo em conta o sexo, a idade, a profisso e as habilitaes dos mesmos, assim como o grau de deficincia mental das suas filhas.Trata-se, por conseguinte, de um estudo comparativo.O instrumento utilizado no estudo emprico foi o questionrio, construdo tendo por base alguns instrumentos utilizados anteriormente em estudos nesta rea.O questionrio foi elaborado numa escala ordinal e nominal de medida de atitudes e constitudo por um conjunto de 25 afirmaes, com sistema de resposta aberta e fechada. Para cada item existem cinco respostas possveis: Discordo Totalmente, codificado com 1; Discordo, codificado com 2; No concordo nem Discordo, codificado com 3; Concordo, codificado com 4; Concordo Totalmente, codificado com 5.Optamos por adicionar tambm questes abertas, com o objectivo de termos acesso a uma anlise mais detalhada da atitude dos sujeitos, face s duas questes centrais do estudo, a afectividade e a sexualidade das suas filhas/jovens com deficincia.As respostas fechadas foram analisadas de acordo com o programa informtico SPSS (Statistical Package for the Social Sciences), utilizando testes estatsticos especficos, que nos pareceram adequados, quer natureza das variveis, como aos objectivos pretendidos.As respostas abertas foram analisadas atravs da tcnica de Anlise de Contedo.Na anlise estatstica dos dados, depois de se ter procedido a uma anlise intergrupal (comparao do grupo de pais, com o grupo de tcnicos), efectuou-se uma anlise intragrupal, com o intuito de verificarmos a influncia das variveis mencionadas, nas atitudes dos dois grupos de estudo.A hiptese geral colocada, de que existiriam diferenas nas atitudes dos pais e dos tcnicos face afectividade e sexualidade das suas filhas/jovens com deficincia mental, foi confirmada. Existem, de facto, algumas diferenas significativas entre os dois grupos de estudo.ndiceHYPERLINK \l "_Toc82595517" Introduo7HYPERLINK \l "_Toc82595518" I PARTE Enquadramento Terico10HYPERLINK \l "_Toc82595519" CAPTULO I Deficincia Mental11HYPERLINK \l "_Toc82595520" 1 Evoluo do Conceito de Deficincia Mental11HYPERLINK \l "_Toc82595521" 2 Etiologia da Deficincia Mental18HYPERLINK \l "_Toc82595522" 3 O novo paradigma da Deficincia Mental21HYPERLINK \l "_Toc82595523" 3.1 A Definio de Deficincia Mental (AAMD, 1992)23HYPERLINK \l "_Toc82595524" 3.2 O diagnstico e a classificao da Deficincia Mental25HYPERLINK \l "_Toc82595525" 4 O novo sistema de classificao C.I.F. (OMS, 2001)26HYPERLINK \l "_Toc82595526" CAPTULO II Afectividade e Sexualidade30HYPERLINK \l "_Toc82595527" 1 Desenvolvimento Afectivo e Sexual da Criana30HYPERLINK \l "_Toc82595528" 2 Desenvolvimento Afectivo e Sexual na Criana e no Jovem com Deficincia Mental34HYPERLINK \l "_Toc82595529" 3 Evoluo das Concepes sobre a Sexualidade na Deficincia Mental38HYPERLINK \l "_Toc82595530" 4 Sexualidade e Educao Sexual41HYPERLINK \l "_Toc82595531" 4.1 A Educao Sexual: um processo de controlo social41HYPERLINK \l "_Toc82595532" 4.2 Os Agentes de educao sexual42HYPERLINK \l "_Toc82595533" 4.3 As formas de Educao Sexual: a educao sexual implcita e explcita43HYPERLINK \l "_Toc82595534" 4.4 A importncia do modelo de desenvolvimento pessoal45HYPERLINK \l "_Toc82595535" 5 Breve abordagem da Educao Sexual em Portugal47HYPERLINK \l "_Toc82595536" CAPTULO III Atitudes50HYPERLINK \l "_Toc82595537" 1 Abordagem Conceptual50HYPERLINK \l "_Toc82595538" 2 Atitudes face Deficincia Mental54HYPERLINK \l "_Toc82595539" 3 Atitudes face Sexualidade59HYPERLINK \l "_Toc82595540" 4 Atitudes face Afectividade e Sexualidade do Jovem com Deficincia Mental62HYPERLINK \l "_Toc82595541" 4.1 Atitudes dos Pais64HYPERLINK \l "_Toc82595542" 4.2 Atitudes dos Tcnicos68HYPERLINK \l "_Toc82595543" II PARTE Estudo Emprico72HYPERLINK \l "_Toc82595544" CAPTULO I Objectivos e Metodologia73HYPERLINK \l "_Toc82595545" 1.Objectivos do Estudo73HYPERLINK \l "_Toc82595546" 2.Metodologia74HYPERLINK \l "_Toc82595547" 2.1.Hipteses74HYPERLINK \l "_Toc82595548" 2.2.Caracterizao dos Grupos de Estudo75HYPERLINK \l "_Toc82595549" 2.3.Instrumentos Utilizados77HYPERLINK \l "_Toc82595550" 2.4.Procedimentos80HYPERLINK \l "_Toc82595551" CAPTULO II Apresentao dos Resultados81HYPERLINK \l "_Toc82595552" 1.Dados Scio-Demogrficos81HYPERLINK \l "_Toc82595553" 2.Anlise de Contedo106HYPERLINK \l "_Toc82595554" CAPITULO III Anlise e Discusso dos Resultados121HYPERLINK \l "_Toc82595555" Consideraes Finais146HYPERLINK \l "_Toc82595556" Bibliografia153AnexosANEXO IQUESTIONRIO ATITUDES DOS PAIS FACE AFECTIVIDADE E SEXUALIDADE DA JOVEM COM DEFICINCIA MENTALANEXO IIQUESTIONRIO ATITUDES DOS TCNICOS FACE AFECTIVIDADE E SEXUALIDADE DA JOVEM COM DEFICINCIA MENTALANEXO III NOTAO SOCIAL DAS FAMLIAS (GRAFFAR ADAPTADO)

SEXUALIDADE NA DIVERSIDADE9MESTRADO EM SOCIOPSICOLOGIA DA SADEIntroduoA sexualidade uma funo natural, existente em todos os indivduos. Sendo o estudo da sexualidade humana uma tarefa complexa, mas aliciante, h quem afirme que escrever sobre sexualidade humana quase to difcil como escrever sobre a morte. necessrio coragem, honestidade e discernimento para abordagem desta temtica. A discusso do tema sexualidade na nossa cultura est envolta de preconceitos e discriminao. Quando o tema se reporta sexualidade no indivduo com deficincia mental, os preconceitos e discriminao intensificam-se e geram polmica quanto s diferentes formas de abordagem, quer com os prprios indivduos com deficincia, como com as suas famlias e sociedade em geral.A sexualidade na deficincia mental est carregada de conotaes negativistas e preconceituosas (Pereira, 1997). De facto, a sexualidade das pessoas com deficincia est eivada de mitos e tabus, isto , os esteretipos existentes sobre a sexualidade em geral aplicam-se sexualidade das pessoas com deficincia, assumindo ainda, nestas, tonalidades mais negativas.A viso do senso comum sobre a sexualidade desta populao, sobretudo a que se manifesta ao nvel da deficincia mental, inscreve-se tambm neste quadro nebuloso que necessita de ser clarificado, visando ultrapassar a sua classificao, quer como anjos (assexuados) quer como seres de impulsos perversos e incontrolveis (Felix e Marques, 1995). A pessoa com deficincia ainda encarada, pela sociedade, como um ser assexuado, sem direito sua realizao afectiva e sexual, pelo facto de no conseguir a sua autonomia e independncia econmica. Constituindo um factor de inadaptao social, a sexualidade do jovem com deficincia mental torna-se objecto de diferentes reaces numa sociedade pouco sensibilizada para questes relacionadas com um tema envolto em polmica, mitos, crenas e preconceitos. Numa poca em que o sistema de ensino em Portugal d os primeiros passos na introduo de temas de educao sexual em programas curriculares, seria pertinente que os jovens com deficincia pudessem beneficiar de uma experincia similar e adequada s suas necessidades. A desejada integrao s ser possvel quando esses jovens dominarem e explorarem as suas potencialidades fsicas, psico-afectivas e sociais, incluindo, necessariamente, as que se relacionam com a sua sexualidade.Para tal, haver necessidade de conhecer as atitudes da comunidade directamente implicada na deficincia (famlias, tcnicos e pessoas com deficincia), perspectivando o grau de abertura e os moldes possveis para aplicao de um programa de educao sexual especfico para jovens com deficincia. neste contexto que surge o nosso estudo, o qual dever ser visto como um contributo para alcanar esses objectivos.A experincia profissional que desenvolvemos, h alguns anos, na rea da sade, junto de jovens com deficincia e suas famlias, alertou-nos para as mltiplas dificuldades com que se debatem no dia-a-dia estas minorias. Pretendemos, assim, articular esta investigao com a prtica profissional, de modo a contribuir para uma melhoria do nosso desempenho profissional e aumentar a qualidade da nossa interveno junto desta populao.A escassez de estudos sobre esta temtica e o carcter inovador desta pesquisa constituram tambm factores de motivao para o desenvolvimento deste trabalho. Clarificar as atitudes dos tcnicos e famlias face s vivncias e manifestaes afectivo-sexuais da jovem com deficincia mental e detectar factores e causas que limitam o desenvolvimento de uma sexualidade adequada, so os objectivos primordiais deste estudo.Com este estudo, esperamos sensibilizar os profissionais que trabalham na rea da deficincia e os pais para uma melhor compreenso e tolerncia face expresso afectivo-sexual da jovem com deficincia, visando um trabalho de preveno e aconselhamento educacional ao nvel da sexualidade dos indivduos com deficincia.Assim, o nosso trabalho constar de duas partes fundamentais: na primeira faremos uma abordagem terica e um enquadramento conceptual do tema a analisar e na segunda apresentaremos a investigao de campo e as concluses. Para no se tornar extremamente exaustiva a nossa reviso terica, pretendemos apenas abordar aspectos tericos especificamente relacionados com o tema e as questes de investigao.Assim, a primeira parte constituda por trs captulos, sendo o primeiro consagrado questo da deficincia mental. Neste primeiro captulo tentaremos apresentar uma operacionalizao conceptual, iniciando com a evoluo do conceito de deficincia mental, seguida de uma abordagem da sua etiologia e causas. Ser tambm abordado o novo paradigma da deficincia mental e os novos sistemas de classificao e definio.No segundo captulo passamos a analisar a temtica central do estudo a afectividade e sexualidade descrevendo as diversas etapas da evoluo das ideias sobre a sexualidade dos indivduos com deficincia mental. Ser analisado ainda o desenvolvimento afectivo da criana e do jovem com deficincia mental. Seguidamente, tecemos algumas consideraes sobre a sexualidade e a educao sexual, terminando por destacar algumas medidas legislativas sobre a educao sexual em Portugal.No terceiro capitulo, abordamos a noo de atitude, seguida da anlise das atitudes de pais e tcnicos face afectividade e sexualidade do jovem com deficincia mental. Esta anlise ser complementada com alguns estudos significativos sobre esta temtica.A segunda parte ser dedicada ao estudo emprico. Integra toda a fundamentao e descrio do trabalho prtico, bem como a apresentao e anlise dos resultados. Tratando-se de um estudo comparativo, utilizou-se como instrumento de colheita de dados um questionrio elaborado sob a forma de escala de medida de atitudes aplicado s populaes em estudo: tcnicos e pais de jovens com deficincia mental. Seguidamente, discutem-se os resultados com base no enquadramento terico, resultantes da reviso da literatura e provenientes da pesquisa de campo.Para finalizar, apresentamos as principais concluses do estudo, os limites e perspectivas de futuras pesquisas.

SEXUALIDADE NA DIVERSIDADE181MESTRADO EM SOCIOPSICOLOGIA DA SADEI PARTE

Enquadramento Terico

CAPTULO I

Deficincia MentalA deficincia uma de entre todas as possibilidades do ser humano, portanto deve ser considerada, mesmo se as suas causas e consequncias se modificam, como um factor natural que ns mostramos e de que falamos do mesmo modo que o fazemos em relao a todas as outras potencialidades humanas.(UNESCO, 1977, p. 14)1 Evoluo do Conceito de Deficincia MentalO conceito de deficincia mental bastante variado e torna-se uma entidade clnica difcil de precisar, porque sofre a influncia do meio no qual estruturado. Tentando apreend-lo, iniciaremos a nossa reflexo com uma referncia ao modelo mdico de doena que tem servido de base definio da deficincia. A Organizao Mundial de Sade (O.M.S) e a Classificao Internacional de Deficincia (I.C.D.) referem que no decurso de uma doena existe uma sucesso de circunstncias causais (etiologia) que provocam alteraes na estrutura ou funcionamento do corpo (patologia) e so exteriorizadas atravs de diversos tipos de manifestaes (sintomas). Isto pode ser ilustrado pelo seguinte esquema:Etiologia PatologiaManifestaoO modelo pressupe, ento, que a doena, ao provocar alteraes no indivduo, o torna incapaz de realizar plenamente as suas funes e obrigaes. Isto , o doente vse impossibilitado de desempenhar o seu papel social ou de manter o seu relacionamento habitual com os outros (O.M.S., 1989, p.17). Uma vez que o tratamento mdico prev o desaparecimento do sintoma, supe-se que o doente, quando curado, retome as funes e desempenhos normais anteriores. E essa aco s possvel a partir de um conhecimento etiolgico da doena.Implicitamente, este modelo vlido para as perturbaes que podem ser prevenidas ou curadas. No entanto, revela-se imperfeito, porque no toma em considerao as consequncias da doena, principalmente no que concerne a perturbaes crnicas e irreversveis. Na verdade, as manifestaes clnicas nem sempre podem ser curadas e, no caso de degenerarem em anomalias permanentes (deficincias), biolgicas, fsicas ou psicolgicas, acabam por representar incapacidade em termos de rendimento funcional e de actividades desempenhadas pelo indivduo (O.M.S., 1989, p.34). Assim, o esquema anterior deve ser reformulado para:Doena Deficincia Incapacidade DesvantagemEste novo modelo esclarece o conceito de deficincia, e as distines apresentadas permitem uma maior racionalizao dos servios disponveis: mdicos, de reabilitao, educacionais, de apoio social e de apoio institucional.De acordo com a Classificao Internacional das Deficincias, Incapacidade e Desvantagens, deficincia representa no domnio da sade qualquer perda ou anormalidade da estrutura ou funo psicolgica, fisiolgica ou anatmica (O.M.S., 1989, p.35). A deficincia caracteriza-se, assim, por perdas ou alteraes que podem ser temporrias ou permanentes e que incluem a existncia ou ocorrncia de uma anomalia, defeito ou perda de um membro ou outra estrutura do corpo, incluindo a funo mental. Este estado representa a exteriorizao de uma patologia que inclui situaes inatas ou adquiridas e, em princpio, reflecte perturbaes a nvel do rgo.Por incapacidade entende-se qualquer restrio ou falta (resultante de uma deficincia) da capacidade para realizar uma actividade dentro dos moldes considerados normais para o ser humano. As incapacidades podem surgir no apenas como consequncia directa da deficincia, mas tambm como resposta do indivduo, sobretudo psicolgica, a deficincias fsicas, sensitivas ou outras.A desvantagem (ou handicap) traduz os prejuzos que o indivduo experimenta devido sua deficincia ou incapacidade. Subjacente a esta noo, a ideia de adaptao social e a desvantagem s se constitui como condio face a outrm. Aplicando estas definies situao especfica de doena mental, verifica-se que:Deficincia indica um funcionamento intelectual deficitrio.Incapacidade revela o comportamento resultante da deficincia mental. O indivduo com deficincia tem dificuldades de orientao, de autonomia e de compreenso da realidade.Desvantagem evidencia as dificuldades que o deficiente mental tem em se integrar socialmente.Estes trs conceitos baseiam-se na noo de desvio em relao norma, pelo que quando falamos de uma pessoa com deficincia estamos, tendencialmente, a identificar um indivduo que apresenta determinadas caractersticas que o colocam numa situao de desvantagem, em relao a outros, no exerccio de determinada actividade. Esta identificao pressupe um julgamento social do desempenho do indivduo com deficincia mental acabando este por ser rotulado.Em 1828, Esquirol apresentava uma definio que se identificava com estes critrios. Ele afirmava que o atraso mentalO termo idiota substitudo por atraso mental no era uma doena, mas uma condio na qual as dificuldades intelectuais nunca eram manifestadas ou desenvolvidas suficientemente para permitir pessoa com atraso adquirir a quantidade de conhecimentos das pessoas da sua idade e colocadas nas mesmas circunstncias (Szymansky, Crocker, 1989).Como podemos constatar, Esquirol preocupa-se em caracterizar a deficincia mental em termos de desempenho de actividades numa comparao com outros elementos da sociedade.Mais de um sculo depois, Zazzo (1969) apresenta uma noo de debilidade que se baseia nos mesmos critrios. Ele afirma que a debilidade deve ser considerada em relao s exigncias da sociedade (que variam em relao ao tipo de sociedade e idade do indivduo), incluindo os determinantes biolgicos (normais e patolgicos) de efeito irreversvel.De acordo com estas perspectivas, ao indivduo com deficincia difcil competir, em condies iguais, com os companheiros normais, dentro do seu agrupamento social. A deficincia reflecte ento, o grau em que a pessoa funciona abaixo das normas sociais e culturais num determinado tempo e lugar.Por sua vez, Porteus e Della Volta (Zazzo, 1969), defendem tambm uma concepo de debilidade que faz apelo s noes de incapacidade e desvantagem social e pessoal. Para estes autores a debilidade uma insuficincia mental que impede o sujeito de satisfazer as mltiplas exigncias da vida individual e social e, consequentemente, prover a sua prpria existncia.Todas estas definies tm subjacente um determinante biolgico traduzido por uma incapacidade intelectual. Para Zazzo, por exemplo, existe uma classificao, ou melhor, uma categorizao de diferentes espcies de debilidades segundo uma variao de critrios sociais e de determinantes biolgicos. Os indivduos com deficincia mental so pessoas limitadas em competncias humanas e o grau de desempenho com que so julgados determina a classe onde so rotulados: ligeira, moderada, severa e profunda.Este rtulo indica a presena de processos mentais inadequados cuja existncia s pode ser inferida observando o comportamento imprprio do indivduo em causa. Para isso necessrio realizar um diagnstico baseado em critrios claros e objectivos que possibilitem ao sujeito com deficincia recorrer aos servios mais adequados. Um diagnstico de deficincia mental mal feito pode produzir efeitos negativos sobre o indivduo, tais como segregao social, institucionalizao, inadequados programas educacionais, falta de autonomia, ansiedade e stress pessoal e familiar. Enquanto que um diagnstico bem determinado reduz a confuso e a ansiedade sobre a verdadeira condio do indivduo, permitindo-lhe o acesso a servios indispensveis ao seu normal desenvolvimento.Inicialmente o diagnstico de atraso mental baseava-se na suposio clnica de um atraso funcional e de desenvolvimento, o que potenciava o reconhecimento da deficincia com um certo grau de severidade e que muitas vezes no era diferenciado de doena mental (Skymansk e Crocker, 1989, p.1729).Os testes de inteligncia desenvolvidos por Binet e Simon constituem um elemento fundamental da evoluo de uma definio e diagnstico do atraso mental. S que esta escala, pioneira e inovadora para a altura, identificava apenas a diferena de desenvolvimento intelectual e no tinha em considerao outras circunstncias.Os testes foram elaborados para responder a critrios pedaggicos e no eram extensveis definio de um atraso em qualquer domnio ou, como diz Zazzo (1969), no previam a gravidade do atraso psicomotor que deve ser definido por um nvel de eficincia e adaptao previsto para um grupo social. A experincia clnica veio confirmar esta ideia: os testes no so preditivos do funcionamento adaptativo, excepto para pessoas com um atraso significativo. Com efeito, muitos dos sujeitos com atraso mdio tm desempenhos sociais equivalentes s pessoas sem deficincia assim que saem da escola.Verificamos, pois, que definio de deficincia mental foi adicionado um novo critrio o de adaptao social. E a Associao Americana de Deficincia Mental (A.A.M.D.)Esta definio foi proposta por Rick Heber em 1959, mas foi actualizada em 1961. desenvolveu a seguinte definio: atraso mental refere-se a um funcionamento intelectual geral abaixo da mdia que tem origem durante o perodo de desenvolvimento e associa-se a um prejuzo no comportamento adaptativo (Skymanski e Crocker, 1989, p. 1729).Em 1973 a definio de AAMD foi revista por Grossman que definiu atraso mental como sendo um funcionamento intelectual significativamente abaixo da mdia e existindo concomitantemente com dfices no comportamento adaptativo e manifestado durante o perodo de desenvolvimento (Grossman, 1983, p.11).Numa primeira leitura as duas definies parecem semelhantes, mas um estudo mais atento revela uma evoluo nos critrios. Assim, na primeira constata-se que a deficincia mental se traduz por um funcionamento geral abaixo da mdia, associado a danos no comportamento adaptativo. Na segunda, o funcionamento geral abaixo da mdia considerado nas duas vertentes em simultneo comportamento intelectual e adaptativo. Para alm disso, os parmetros de avaliao so tambm alterados: para se ser diagnosticado como deficiente necessrio ter um Q.I. abaixo de 70, e o perodo etrio considerado alarga-se at aos 18 anos.Em 1977 a A.A.M.D. lana uma nova edio e apresenta uma escala para avaliar o comportamento adaptativo: a Behavior Scale (ABS). Em 1980 a Classificao Internacional das Doenas, nona reviso (ICD-9), considera igualmente a deficincia mental nos aspectos de avaliao de QI e comportamento adaptativo.No mesmo ano a American Psychiatric Association apresenta o Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM-III), revisto em 1986 (DSM-III-R) e que partilha a mesma definio de AAMD (esta associao publica a nova definio em 1983, igual anterior) e utiliza os mesmos cdigos de classificao do ICD-9. Contudo, afirma a no existncia, at data, de uma definio de critrios explcitos de diagnstico, pelo que recomenda o recurso ao exame clnico.Por sua vez, o DSM-IV (APA, 1994) conceptualiza a Deficincia Mental como uma desordem usualmente diagnosticada na infncia e na adolescncia e, que ao ter etiologias diversas, pode ser considerada como o resultado comum de vrios processos patolgicos que afectam o sistema nervoso central. Assim, a Deficincia Mental caracteriza-se por um funcionamento intelectual geral significativamente abaixo da mdia (critrio A), acompanhado por limitaes significativas em, pelo menos, duas reas do comportamento adaptativo comunicao, cuidados pessoais, vida domstica, relaes pessoais e interpessoais, utilizao dos recursos comunitrios,. autonomia pessoal, habilidades acadmicas funcionais, trabalho, tempos livres, sade e segurana (critrio B) e com inicio antes dos 18 anos de idade (critrio C).Existem algumas reservas relativamente ao diagnstico, o que origina algumas limitaes na escolha e seleco dos instrumentos de avaliao a utilizar. A escolha dos instrumentos de testagem e a interpretao dos resultados obtidos com esses instrumentos dever ter em conta alguns factores potencialmente limitativos do desempenho individual durante a sua aplicao, tais como o nvel scio-cultural do indivduo, as suas especificidades lingusticas, a presena de deficincias comunicativas associadas, etc. (APA, 1994).Os critrios frequentemente aceites para definio da deficincia mental englobam: Funcionamento intelectual geral, que avaliado pelo resultado obtido pelos testes de inteligncia. definido como deficiente mental o indivduo que se situa significativamente abaixo da mdia, ou seja, que tem um Q.I. de 70 ou abaixo das medidas estandardizadas da inteligncia consoante os testes utilizados. Os dfices no comportamento adaptativo, que exprimem as limitaes significativas da eficcia individual reflectidas na maturao, aprendizagem e/ou ajustamento social (relacionadas com a idade e o nvel cultural do indivduo) e determinadas pela avaliao clnica e escalas estandardizadas. Para esta avaliao, o perodo de desenvolvimento considerado est compreendido entre a concepo e o 18 aniversrio.Para a definio e classificao da deficincia mental a A.A.M.D. sugere ainda a realizao das seguintes avaliaes:Reconhecimento da existncia do problema, isto do atraso de desenvolvimento;Determinao da existncia de um dfice no comportamento adaptativo;Recolha de uma medida de funcionamento intelectual geral;Definio da existncia ou no de um atraso no funcionamento intelectual;Determinao do nvel de deficincia com base na medida de funcionamento intelectual.

A classificao dos nveis ou graus de deficincia mental o critrio que rene maior consenso entre a A.A.M.D., a D.S.M.-IV e a OMS e pode ser observada no Quadro 1:Quadro 1Classificao das deficincias mentais em funo do QICategoriaNvel de QID.M. Ligeira50-57 a aproximada/ 70D.M. Moderada35~40 a 50-55D.M. Severa20-25 a 35-40D.M. Profundaabaixo de 20-25D.M. No especficapessoas no testveis

A flutuao do QI em cada categoria relaciona-se com as variaes do mesmo, como resultado da utilizao de escalas diferentes. A classificao dos indivduos numa determinada categoria deve ser feita considerando, igualmente, o valor do QI e da informao clnica. Deste modo, uma pessoa que apresenta um QI de 23 poder ser classificada como deficiente mental severo ou profundo, consoante as informaes clnicas complementares.Outras definies tm sido apresentadas, contestando a prpria definio de AAMD. Zigler postula a deficincia mental numa vertente pessoal (funcionamento cognitivo) e de caractersticas estveis. Bijou valoriza os aspectos comportamentais. Mercer e Gold apresentam uma perspectiva mais sociolgica, defendendo o primeiro a ideia de que a deficincia mental um construto da sociedade em relao ao estatuto e papel desempenhado por cada um, e o segundo argumentando a noo de responsabilidade social da deficincia (Neves, 1995).Como podemos constatar, a questo de definio da deficincia mental ainda no conclusiva. Tem-se registado uma enorme evoluo na sua objectivao e clarificao, nomeadamente atravs da adopo da mesma definio em quase toda a comunidade cientifica. De facto, a maior parte dos tcnicos, investigadores e instituies utilizam a definio de AAMD porque promove uma uniformizao de conceitos e facilita o entendimento.2 Etiologia da Deficincia MentalApesar do desenvolvimento cientfico (ao nvel da neurocincia, gentica e bioqumica) que tem acontecido nas ltimas dcadas, a etiologia da deficincia mental de difcil descrio, j que esta se apresenta como um sintoma e no como uma entidade clnica bem definida (Andrada; Levy; Feij, 1981). possvel identificar, com algum rigor, a deficincia mental de um determinado indivduo, atravs de exames e estudos de acompanhamento. No entanto, essa identificao pontual, sendo muito complexa a sua generalizao, uma vez que cada caso tem caractersticas prprias.De acordo com Andrada (1991), o desenvolvimento da criana comea muito antes do nascimento e nele tm influncia diversos factores que podem ser transmitidos pelos pais. Esses factores podem actuar durante a gravidez, parto ou perodo de puerprio, ou ainda resultarem de factores desfavorveis do meio ambiente.Se, nalguns casos, uma nica causa responsvel pela deficincia, na maioria dos casos interferem mltiplos factores que actuam em conjunto, podendo, por vezes, um factor adverso condicionar outros (Andrada, 1991).Neste sentido, a deficincia mental aparece muitas vezes associada a outro tipo de deficincia e pode ser consequncia desta. Da a importncia de uma avaliao interdisciplinar em todos os aspectos do desenvolvimento e um exame neurolgico, de modo a conseguir detectar possveis problemas. Nesse desenvolvimento participam mltiplos factores, genticos e ambientais, que podem estar relacionados e, portanto, ao analisarmos as causas da deficincia mental, temos que ter presente este complexo mecanismo (Andrada et al., 1981). O estudo das causas da deficincia mental vem de longa data. J em 1838, Esquirol refere causas locais e fsicas: influncias das guas e do ar, modo de vida da me, hereditariedade, dificuldade no parto, convulses e infeces (febre cerebral ou meningite). Em 1846, Seguin d tambm muito valor s causas orgnicas, leses do sistema nervoso, resultantes de vrios factores adversos tais como: comoes profundas durante a gravidez, abuso do lcool, pai idoso, etc. (cit. Zazzo, 1971; cit. Andrada et al., 1981).Por sua vez, em 1905, Binet (cit. Zazzo, 1971; cit. Andrada et al., 1981) d menos valor etiologia da deficincia mental. O autor desenvolveu, sobretudo, o estudo da deficincia sob o ponto de vista psicolgico, que levou classificao dos diferentes graus de inteligncia.Mais tarde, e de acordo com vrios autores (Knobloch e Pasamanick, 1962; cit. Bautista, 1997), constatou-se que a maior percentagem de deficincia mental se devia a factores biolgicos, sociais e envolvimentais, antes e depois do nascimento, constituindo as aberraes cromossmicas e genticas apenas uma pequena parte. So as condies socioculturais e a qualidade de vida que, na ausncia de leso cerebral, deficincias hereditrias e leses peri-natais, influenciam grandemente as funes psico-biolgicas que participam na adaptao social.Associado ao conceito e, principalmente, s causas da deficincia mental, aparece o conceito de inteligncia. E, no desenvolvimento da inteligncia, h vrios factores que podem surgir relacionados e interdependentes, como por exemplo os genticos e ambientais. Alteraes de origem gentica como: deficincias cromossmicas, malformaes no SNC, mutaes de um nico gene, entre outras; e factores ambientais como as drogas, infeces, toxinas, radiao, entre outros (Andrada et al., 1981).De acordo com as autoras, as dificuldades inerentes ao processo dinmico do desenvolvimento da inteligncia e a falncia da categorizao dos nveis de inteligncia atravs de um QI processo falvel , tornam extremamente difcil, em muitos casos, estabelecer nitidamente uma relao de causa-efeito e definir, portanto, a etiologia especfica da deficincia mental em cada caso.No entanto, e embora existam poucos dados estatsticos sobre a etiologia da deficincia mental em Portugal, Bairro (1981) refere as causas mais comuns da deficincia mental: Causas orgnicas ou disfuno; Alteraes genticas (ou cromossomticas); Causas mesolgicas (socioculturais); Causas de etiologia afectiva, psicopatolgica grave ou devido a institucionalizao precoce e/ou prolongada; Causas devidas pobreza do patrimnio hereditrio, tambm designadas culturais- familiares pelos autores anglo-saxnicos; Causas desconhecidas e de etiologia mista.Tambm a Associao Americana de Deficincia Mental identificou nove disposies principais como agentes causadores da deficincia mental (Grossman, 1973; cit. Bairro, J., 1981): 1) Infeco e intoxicao; 2) Trauma ou agente fsico; 3) Metabolismo ou nutrio; 4) Doena cerebral grave; 5) Influncia pr-natal desconhecida; 6) Anomalia cromossmica; 7) Distrbios de gestao; 8) Atraso decorrente de distrbio psiquitrico; 9) Influncias ambientais.Por sua vez, Bautista (1997), refere que a etiologia da Deficincia Mental muito diversa podendo, no entanto, ser classificada da seguinte forma:

A Factores GenticosEstes factores actuam antes da gestao; a origem da deficincia determinada pelos genes ou herana gentica. So factores de tipo endgeno, ou seja, actuam no interior do prprio ser. Existem dois tipos de causas genticas conhecidas: as Genopatias (alteraes genticas) e as Cromossomopatias (sndromes devidos a anomalias ou alteraes nos cromossomas).

B Factores Extrnsecos Factores pr-natais: so factores que actuam antes do nascimento e podem classificar-se da seguinte forma:1) Embriopatias (actuam durante os trs primeiros meses de gestao);2) Fetopatias (actuam a partir do primeiro ms de gestao).Dentro dos factores que actuam sobre o embrio ou sobre o feto, originando deficincia mental, para alm de outras deficincias, podem destacar-se os seguintes: Infeces, Endocrinometabolopatias, Intoxicaes, Radiaes e Perturbaes Psquicas. Factores perinatais e neonatais: so factores que actuam durante o momento do parto ou no recm- nascido e importante destacar os seguintes: Prematuridade, Metabolopatias, Sndrome de Sofrimento Cerebral, Infeces e Incompatibilidade RH. Factores ps-natais: so factores que actuam aps o nascimento, tais como: Infeces, Endocrinometabolopatias, Convulses, Anoxia, Intoxicaes, Traumatismos Crneo- Enceflicos e Factores Ambientais.Outra causa a que muitos investigadores fazem referncia ao meio socio--cultural em que a criana se desenvolve, j que um facto constatado que aparecem maiores dificuldades cognitivas, afectivas e emocionais, em indivduos pertencentes a meios sociais mais pobres (Daz e Resa; cit. Bautista, 1997).Segundo Andrada (1991), os factores socio-econmicos desfavorveis favorecem o aparecimento da deficincia mental, facto este que tem sido comprovado em diversos estudos (Slone; Durrheim; Lachman; Kaminer, 1998).Grossman (1973; cit. Marques, 1998) considera que 75% das deficincias mentais ligeiras se encontram em indivduos pertencentes s classes sociais mais desfavorecidas.Mayor e Gonzlez (1987; cit. Daz e Resa; in Bautista, 1997) sustentam a posio de Grossman, afirmando que a classe social uma das variveis mais relacionadas com o QI, entendendo-se que isso acontece porque os indivduos que se desenvolvem em ambientes desfavorecidos sofrem uma carncia nas capacidades que lhes permitem potencializar as suas aprendizagens e desenvolvimento cognitivo.Andrada (1981), refere que no existem quaisquer dvidas de que uma srie de influncias nocivas do meio ambiente podem afectar o desenvolvimento das estruturas cerebrais e, consequentemente, originar deficincia mental e/ ou outras deficincias.3 O novo paradigma da Deficincia MentalCom os recentes avanos cientficos, principalmente na rea da gentica, da biologia e das neurocincias e com o surgir dos movimentos humanitrios em prol dos direitos humanos assiste-se a uma mudana na forma de conceber e classificar a deficincia. Porm, um dos problemas que se mantm na literatura a dificuldade de uma definio conceptual da deficincia mental, ou seja a dificuldade de uma definio conceptual da inteligncia com todas as consequncias ao nvel dos direitos de assistncia, da escolarizao, da socializao e integrao profissional das pessoas com deficincia mental (Zigler, Balla & Hodapp, 1984).Contudo, apesar da evoluo positiva que o conceito tem sofrido, os critrios da sua definio permanecem discutveis pelas implicaes determinantes do carcter estigmatizante das classificaes por nveis de dificuldade (ligeiro, moderado, severo, profundo) (Morato et al., 1997). As modificaes que se tm operado reflectem o esforo que se tem verificado nesta rea para que se aumente a compreenso da condio de Deficincia Mental e para implementar uma terminologia, classificao e sistemas de apoio mais precisos e mais facilmente aplicveis.Continua, pois, a existir o problema de encontrar uma definio multidimensional e integrativa da Deficincia Mental. A definio de Deficincia Mental encontra-se num perodo de transio. Surge, ento, a nova definio de Deficincia Mental elaborada pela AAMD (1992) que altera radicalmente o modo de conceptualizar e de reabilitar a pessoa com deficincia mental.A nova definio centra-se nos apoios necessrios em vez de procurar definir um nvel de atraso mental derivado do Q.I.. A Deficincia Mental passa agora a ser entendida no como uma caracterstica inerente somente prpria pessoa com deficincia, mas como expresso do impacto funcional da interaco entre a pessoa com limitaes ou dificuldades intelectuais e adaptativas e o envolvimento onde se insere (Morato et al., 1997).Esta nova definio representa uma mudana de paradigma, e como dizem os prprios autores da obra o velho sistema de classificao terminou. Caracteriza-se por uma descrio do funcionamento actual do indivduo e dos apoios ambientais necessrios para melhorar esse funcionamento.A nova classificao e definio de deficincia mental (AAMD) apresenta como mudana fundamental a alterao do quadro de referncia, isto , de uma classificao baseada somente numa caracterstica expressa pelo indivduo, para uma nova concepo, que considera as relaes que o indivduo com deficincia mental estabelece com o envolvimento, passando de uma perspectiva singular para uma perspectiva plural, embora essa pluralidade no seja inovadora per se. Esta mudana tem como crena fundamental que a aplicao adequada dos apoios necessrios pode, efectivamente, melhorar as capacidades funcionais da pessoa com deficincia mental. A nova concepo baseia-se na perspectiva de que a escola deve assumir a responsabilidade dos objectivos educacionais, sendo para isso necessrio formao no s, ao nvel dos processos de avaliao como da tomada de deciso e da interveno propriamente dita (Luckasson et al., 1992).3.1 A Definio de Deficincia Mental (AAMD, 1992)Com a publicao da 9 edio da AAMD (1992) assiste-se a uma verdadeira mudana de paradigma na rea da deficincia.A Deficincia Mental refere-se a limitaes substanciais no funcionamento actualmente presente. Caracteriza-se por um funcionamento intelectual significativamente abaixo da mdia, existindo concomitantemente com limitaes relacionadas em duas ou mais reas de aptides adaptativas: comunicao, autonomia pessoal, autonomia em casa, aptides sociais, uso de recursos da comunidade, auto--direco, sade e segurana, acadmica funcional, lazer e ocupao/emprego. A deficincia mental manifesta-se antes dos 18 anos (Luckasson et al., 1992, p.1).Nesta perspectiva a classificao da Deficincia Mental passa a ter, ento, como base o nvel de apoios necessrios a uma vida o mais independente possvel, com vista promoo da autonomia e independncia do indivduo com deficincia mental. Esta mudana levanta algumas questes e encontra obstculos, sobretudo, ao nvel das mentalidades e estilos atribucionais, tomando necessria a clarificao das formas de classificao, diagnstico e de interveno. Acarreta, assim, duas grandes consequncias: a primeira, prende-se com o facto das categorias referenciadas ao indivduo no se basearem num nico aspecto (porque so insuficientes) e a segunda, por ser necessrio mais clareza na descrio das capacidades de adaptao e das respectivas limitaes que influenciam a vida quotidiana, e que so determinantes na interaco entre o indivduo e o meio (Morato et al, 1997).A AAMD, ao conceptualizar desta forma a Deficincia Mental, reala quatro premissas essenciais conceptualizao e aplicao da definio de deficincia mental:1)A avaliao adequada e rigorosa tem que considerar a diversidade lingustico--cultural, assim como as diferenas na comunicao e no comportamento;2)A existncia de limitaes no comportamento adaptativo ocorre dentro do contexto dos ambientes da comunidade, tpicos dos pares do indivduo e indexada s necessidades de apoio individuais;3)As limitaes adaptativas especficas coexistem muitas vezes com pontos fortes noutros comportamentos adaptativos ou outras capacidades pessoais (modelo funcional);4)Com os apoios adequados e durante o tempo necessrio, a funcionalidade do indivduo com deficincia mental, de uma forma geral melhora (Luckasson et al., 1992).A Deficincia Mental definida dentro do contexto dos meios nos quais o indivduo vive; existe como incapacidade (limitaes no funcionamento) e como resultado da interaco entre as limitaes nas capacidades e as exigncias do meio. Constitui um estado particular de funcionamento que se inicia na infncia e se caracteriza, simultaneamente, por limitaes na inteligncia e nas aptides adaptativas. Assim, a Deficincia Mental reflecte o ajustamento entre as capacidades dos indivduos e a estrutura e expectativas do seu meio envolvente (Luckasson et al., 1992).Embora o nvel de funcionamento de um indivduo com deficincia mental elemento central na sua definio possa ter uma etiologia especifica (como o caso, por exemplo, da Trissomia 21) a etiologia no uma condio determinante (fig. 1).Figura 1Estrutura geral da definio de deficincia mental (AAMD, 1992)

O modelo proposto (fig.1) ao colocar ao mesmo nvel as capacidades e o meio/os envolvimentos assume que o indivduo com deficincia mental tanto pode ser afectado pelas suas capacidades ou caractersticas pessoais, como pelas caractersticas dos contextos sociais.Da que, se forem garantidos os apoios adequados e durante o perodo de tempo necessrio, a grande maioria dos indivduos com deficincia mental poder incrementar o seu nvel de funcionalidade e poder mesmo conseguir uma melhor e maior produtividade, independncia pessoal e integrao social, aumentando assim a sua qualidade de vida (Schalock, 1990).O modelo conceptual da nova definio de deficincia mental no nem um modelo mdico nem um modelo psicopatolgico, mas sim um modelo funcional (Luckasson et al., 1992). Esta nova definio, apesar de manter os aspectos fundamentais da verso de Grossman (1983), apresenta aspectos inovadores: correspondncia entre as limitaes individuais e o seu nvel especfico de necessidades de suporte social.3.2 O diagnstico e a classificao da Deficincia MentalMorato et al. (1997) referem que o sistema de classificao proposto pela, AAMD, como qualquer outro sistema de classificao, obedece a um conjunto de regras e caractersticas previamente definidas e formalmente determinadas, a que o indivduo assinalado com deficincia mental deve corresponder. Este sistema difere significativamente do sistema anterior (Grossman, 1983) em trs aspectos:Primeiro, usado no diagnstico um nico cdigo de deficincia mental se a pessoa satisfizer os trs critrios, ou seja, utiliza-se apenas um cdigo para o diagnstico baseado em trs critrios cumulativos (idade de incio, funcionamento intelectual abaixo da mdia e limitaes em duas ou mais reas do comportamento adaptativo);Segundo, usada uma abordagem muldimensional para a descrio das reas fortes e fracas. Isto quer dizer que as caractersticas psicolgicas e fsicas da pessoa, as condies e os diferentes contextos que frequenta, a etiologia da sua condio deficitria so aspectos importantes a ter em conta quando se avalia as reas fortes (capacidades pessoais especificas a implementar) e as reas fracas (limitaes e dificuldades de maior ou menor gravidade);Terceiro desenhado um perfil de apoios necessrios quando so percorridas as quatro dimenses apontadas: funcionamento intelectual e competncias adaptativas, caractersticas psicoemocionais, condies de sade e bem-estar fsico e caractersticas e qualidade dos contextos de vida, de formao ou de trabalho ( Luckasson et al., 1992; Alonso & Bermejo, 2001).O sistema de classificao proposto pela AAMD (1992) baseia-se assim numa perspectiva multidisciplinar e tenta, no s descrever as alteraes que o indivduo vai manifestando ao longo do tempo nas suas respostas s actividades educativas e intervenes teraputicas a que submetido, mas tambm ampliar o conceito de Deficincia Mental e evitar a sobrevalorizao do Q.I. como determinante do grau do atraso. Procura tambm relacionar as necessidades do indivduo com os apoios e os recursos necessrios para aumentar o seu nvel de independncia/interdependncia, de produtividade e de integrao social (Luckasson et al., 1992).Assim, o diagnstico de Deficincia Mental dever incluir uma descrio global da pessoa, que considere para alm da constatao da existncia real da deficincia mental, outros aspectos: as suas caractersticas psicolgicas e emocionais, as suas potencialidades e fragilidades na sade e bem-estar fsico, a caracterizao das suas actuais condies de vida em casa, escola, emprego ou na comunidade; a identificao dos elementos dos diferentes contextos sociais que facilitam ou impedem o seu nvel de funcionamento adaptativo, a identificao de contextos e sistemas de apoio que facilitem a sua autonomia pessoal, as relaes interpessoais, a produtividade e a integrao na comunidade e que permita ainda a definio de um perfil de recursos de apoio a disponibilizar, de acordo com os factores acima referenciados.Pelo exposto, o novo sistema de classificao da AAMD permite criar um sistema de fcil utilizao, facilitando a elaborao do diagnstico e a previso de apoios necessrios, o que contribui para importantes alteraes nos sistemas de apoio e na reabilitao das pessoas com deficincia mental.4 O novo sistema de classificao C.I.F. (OMS, 2001)O actual modelo de classificao e definio proposta pela AAMD (1992) suscitou a necessidade de encontrar novas metodologias de recolha de informao e o desenvolvimento de novos instrumentos que correspondam a essa mudana.As classificaes internacionais da OMS constituem um instrumento fundamental para a descrio e avaliao da sade das populaes ao nvel internacional.A reviso da Classificao Internacional de Deficincias, Incapacidades e Desvantagens (ICD), publicada inicialmente pela OMS em 1980, e sujeita a vrias revises posteriores, veio dar lugar, em 2001, a uma nova classificao Classificao Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Sade (CIF).O objectivo geral da nova classificao fornecer uma linguagem unificada e padronizada, assim, como um instrumento de trabalho para a descrio da sade e dos estados relacionados com a sade. A classificao define os componentes da sade e alguns indicadores do bem estar relacionados com a sade (OMS, 2004, p. 7).Assim, a CIF abandonou a classificao de consequncias da doena (contida na verso de 1980), para se tornar numa classificao de componentes da sade (ibidem, p. 8).Os domnios contidos na CIF so definidos em duas categorias: Funes e Estruturas do Corpo (e Deficincias) e Actividades e Participao. Como instrumento de classificao, articula os diferentes domnios do indivduo com uma determinada condio de sade.A nova classificao tambm utiliza as deficincias como problemas das Funes e Estruturas do Corpo associados aos estados de sade. As deficincias so classificadas nas categorias apropriadas, utilizando-se critrios de identificao definidos (presente ou ausente, de acordo com um valor limiar). Esses critrios so os mesmos para as Funes e Estruturas do Corpo: (a) perda ou ausncia; (b) reduo; (c) aumento; (d) desvio (OMS, 2004, p. 16).Nesta nova concepo, as deficincias no tm uma relao de causalidade com a etiologia ou com a forma como se desenvolveram. A existncia de uma deficincia implica necessariamente uma causa, mas esta pode no ser suficiente para explicar a deficincia da resultante.Introduziu tambm o conceito de Funcionalidade, que integra todas as Funes do Corpo, Actividades e Participao. A classificao das Funes e Estruturas do Corpo foi concebida para ser utilizada conjuntamente com as categorias de Actividades e Participao.O diagrama apresentado na Fig. 2 pode ser til para a compreenso da interaco dos vrios componentes.Figura 2Interaces entre os componentes da CIF (OMS, 2004)

Neste diagrama, a funcionalidade de um indivduo num domnio especfico uma interaco ou relao complexa entre a condio de sade e os factores contextuais (i.e. factores ambientes e pessoais). H uma interaco dinmica entre estas entidades: uma interveno num elemento pode, potencialmente, modificar um ou vrios outros elementos. Estas interaces so especficas e nem sempre ocorrem numa relao unvoca previsvel. A interaco funciona em dois sentidos: a presena da deficincia pode modificar at a prpria condio de sade (OMS, 2004, p. 20).Neste sentido, a classificao permite registar perfis de funcionalidade, incapacidade e sade dos indivduos em vrios domnios.A OMS reconhece que a terminologia utilizada na ICD poderia, apesar de todos os esforos, estigmatizar e rotular. Em resposta a esta preocupao, eliminou-se o conceito de handicap (desvantagem, limitao), devido s suas conotaes negativas, para identificar os indivduos com algumas limitaes ou restrio funcional.Igualmente o termo incapacidade passou a sofrer alteraes na sua aplicao, deixando de ser utilizado apenas como componente, mas com um significado mais abrangente. O conceito de incapacidade inclui deficincias, limitaes na actividade ou restrio na participao.A nova classificao utiliza o conceito de incapacidade para designar um fenmeno multi-dimensional, que resulta da interaco entre as pessoas e o seu ambiente fsico e social (OMS, 2004, p. 215).Contrariamente s classificaes internacionais da OMS utilizadas anteriormente, nomeadamente a ICD 10 (Classificao Internacional de Doenas Dcima Reviso), esta classificao no classifica as pessoas, mas sim as caractersticas de sade das pessoas, dentro do contexto das situaes individuais de vida e dos impactos ambientais. A interaco das caractersticas de sade com os factores ambientais que produz a incapacidade.Assim, os indivduos no devem ser reduzidos ou caracterizados apenas em termos das suas deficincias, limitaes da actividade ou restries na participao (ibidem, p. 215).Para compreender a funcionalidade e incapacidade foram propostos vrios modelos conceptuais: expressos numa dialctica de modelo mdico versus modelo social.O modelo mdico considera a incapacidade como um problema da pessoa, causado directamente pela doena, trauma ou outro problema de sade, que requer assistncia mdica por profissionais.Por outro lado, o modelo social de incapacidade, considera-a como um problema criado pela sociedade e como uma questo de integrao plena do indivduo na sociedade. A incapacidade no um atributo do indivduo, mas sim um conjunto de condies, muitas das quais criadas pelo ambiente social (OMS, 2004, p. 22)A CIF baseia-se na integrao destes dois modelos. Para a integrao das vrias perspectivas de funcionalidade, utilizada uma abordagem biopsicossocial. Em sntese, procura fornecer uma viso coerente das diferentes perspectivas de sade: biolgica, individual e social.Naturalmente esta nova viso tem influncias a nvel da preveno, quer primria, como secundria ou terciria.CAPTULO II

Afectividade e SexualidadeA sexualidade uma energia que nos motiva para encontrar amor, contacto, ternura e intimidade; ela integra-se no modo como nos sentimos, movemos, tocamos e somos tocados. A sexualidade influencia pensamentos, sentimentos, aces e interaces e, por isso, influencia tambm a nossa sade fsica e mental. (Miguel; Arajo; Fiadeiro, 1996).1 Desenvolvimento Afectivo e Sexual da CrianaO desenvolvimento afectivo-sexual um processo complexo e subtil, que est sujeito a diversos factores, medida que o ser humano passa pelas diversas etapas da sua vida. Todos os seres humanos tm impulsos sexuais e, porque vivem em sociedade, o seu comportamento sexual condicionado e controlado pelo contexto socio-cultural em que se inserem (Flix e Marques, 1995).Na perspectiva de Loureiro (1995), o desenvolvimento afectivo e sexual da criana resultante da interaco desta com outros, nos contextos de vida em que se desenvolve, e todos os que com ela interagem, sobretudo os pais (primeiras pessoas e mais significativas) influenciam o seu desenvolvimento psico-sexual e, por conseguinte, as suas manifestaes sexuais. neste processo interactivo que a criana se desenvolve psicologicamente e com base no modelo dos pais que se vo consolidar os seus sentimentos, atitudes e valores face sexualidade e ao relacionamento interpessoal em geral (Loureiro, 1995).Deste modo, o desenvolvimento da criana ento marcado pelos pais e a sua personalidade vai sendo constituda na sua relao com eles.Segundo Lpez (1989, cit. Flix e Marques, 1995), o vnculo afectivo entre a criana e o adulto que dela cuida implica sentimentos, comportamentos e expectativas, que se formam nos primeiros tempos de vida. De acordo com Gonalves (1981), sobretudo a partir do segundo ano de vida, a organizao psquica da criana est muito directamente influenciada pelas atitudes dos adultos que se ocupam dela. Na relao com os pais ou com os adultos, a criana vai necessitar de encontrar eco das suas necessidades e dos seus desejos de amor e dio, de se rever nas atitudes dos pais para com ela. A criana toma conhecimento de si prpria atravs da sua imagem reflectida nos outros.Na experincia relacional com as figuras de apego, a criana adquire confiana e segurana que lhe permitem abrir-se a contactos com o meio envolvente, uso e significado de formas de comunicao ntimas e formais, de expresses emocionais, capacidade de explicitar as suas necessidades, bem como a de satisfazer as necessidades dos outros. As relaes precoces com as figuras de apego assumem uma importncia fundamental na sexualidade infantil, na medida em que atravs deste tipo de relaes que se desenvolvem vnculos afectivos (Flix e Marques, 1995).No perodo que se segue ao nascimento da criana, a procura instintiva da tranquilidade e satisfao feita atravs de numerosas aquisies como a alimentao, que proporciona o prazer fsico do contacto e presena da me, e atravs do qual a afectividade da criana vai despertando. Graas a este despertar afectivo, o interesse por tudo o que exterior criana vai-se desenvolvendo e esta vai tomando conscincia, ainda que rudimentar, de si, da me e do mundo que a rodeia (Myriam, 1981).De acordo com Lpez (1989, cit. Flix e Marques, 1995), as experincias e relaes precoces da criana com as figuras de apego so generalizadas pelas crianas, que posteriormente utilizam estas aprendizagens noutras relaes sociais, que impliquem afectos e formas de comunicao mais ntimas.Durante os primeiros anos de vida, a criana aprende a amar o outro e a dependncia afectiva substitui a dependncia fsica inicial. A criana vai conseguindo, cada vez mais, suportar algumas frustraes, controlar a sua agressividade e aprender a renunciar satisfao imediata dos seus desejos para conservar o amor dos outros. Comea, assim, a estender as suas relaes a outras pessoas, permitindo aumentar a sua experincia afectiva (Myriam, 1981).Nesta altura, as respostas dadas pelos adultos curiosidade natural da criana sobre a sexualidade (acentuada pela descoberta das diferenas anatmicas dos dois sexos, papis sexuais e a origem dos bebs), modelos de identificao e de imitao e a reaco dos adultos aos seus comportamentos sexuais, so determinantes. durante este perodo que a criana adquire a noo de que existem actividades adequadas ao sexo feminino e actividades adequadas ao sexo masculino.A criana estrutura, ela prpria, fantasias a respeito das questes bsicas que se levantam relativamente sexualidade, nomeadamente: nascimento, fecundao, diferena entre os sexos e vida intra-uterina (Gomes, 1996).Neste sentido, a primeira fase da infncia, que se estende at aos trs anos, o perodo no qual a criana se estrutura a nvel emocional e afectivo nos ciclos de vida seguintes. A infncia de extrema importncia para todas as etapas seguintes, na medida em que para alm de todas as aquisies que se fazem nesta fase (falar, andar, etc.), ela rica tambm nas trocas emocionais que se processam.Por volta dos trs anos e meio, a criana afirma o seu prprio sexo, exprime verbalmente interesse pelas diferenas fisiolgicas entre os sexos, surge o desejo de olhar e de tocar nos adultos, sobretudo no peito da me. Aos quatro anos, ainda marcada pelo seu egocentrismo caracterstico, a criana tem por vezes brincadeiras exibicionistas (Berge, 1976; cit. Marques, M.,1998).Segundo Myriam (1981), aos cinco anos a criana j est familiarizada com as diferenas fsicas entre os sexos, mas ainda pouco interessada nisso. As brincadeiras sexuais e exibicionistas atenuam-se. A descoberta do sexo, o sentimento de ser menino ou menina, est na base de impulsos que proporcionam criana alegrias manifestas, um sentimento de felicidade e orgulho que contribuem para o desenvolvimento da sua personalidade.De acordo com vrios autores (Lpez, 1989, cit. Flix e Marques, A. 1995; Kohlberg, 1966; cit. Modarressi, 1993) a partir dos cinco, seis anos, que as crianas tomam conscincia da permanncia da sua identidade sexual, na medida em que sabem que esta no depende da sua vontade, mas que um dado adquirido para toda a vida, assim como a reconhecem como estvel ao longo do tempo e esto seguras que no muda, apesar das alteraes na aparncia ou nas actividades que desempenham.Na perspectiva de Kohlberg (cit. Lpez, 1984), a aquisio da identidade e do papel sexual no est determinada pela programao biolgica, nem pelas influncias ambientais, mas sim pela organizao cognitiva da prpria criana. medida que se vo alterando as estruturas cognitivas, o mesmo acontece com as atitudes sexuais. por isso que, segundo o autor, a padres universais de evoluo cognitiva correspondem padres universais de evoluo na aquisio da identidade e do papel sexual.Por volta dos seis anos, e com a entrada na escola, h o despontar de uma srie de factores afectivos e emocionais que a criana at ento no havia sentido. Durante a fase escolar, a criana manifesta um crescente interesse e curiosidade pelo corpo e pelo sexo (Loureiro, 1995). H uma intensificao do interesse sexual (Group, 1965; cit. Martinson, 1993), e das capacidades para respostas erticas (Martinson, 1993).A partir dessa idade e at puberdade, as normas sociais tratam de conter o seu impulso instintivo e surgem o pudor e a moral. O princpio da moral ganha um peso maior e atravs do jogo de faz de conta que a criana continua a fazer a sua explorao sexual, sendo-lhe permitido descarregar os impulsos agressivos e sexuais (Martinson, 1993).Segundo Loureiro (1995), a forma como a criana vivencia estes jogos, interpreta o que observa ou ouve, assim como as atitudes e as reaces dos pais face a estes comportamentos podem influenciar, positiva ou negativamente, o modo como a pessoa portadora de deficincia mental vai viver e expressar a sua sexualidade.A crise da puberdade a mais importante da infncia, tanto pelas modificaes do psiquismo, como pelo crescimento do corpo e desenvolvimento da sexualidade (Chaplin, 1981).De acordo com Meyer-Bahlburg (1993), a puberdade marcada por duas grandes mudanas: maturao biolgica e transio de nvel escolar. Ambos os processos originam efeitos profundos e muitas vezes stressantes no adolescente e influenciam a sua personalidade, estando relacionados com o desenvolvimento psico-sexual (Hamburg, 1974; cit. Meyer-Bahlburg, 1993).O perodo da puberdade adolescncia perodo que se situa, em termos cronolgicos, entre os 10/11 anos e os 20/21 anos , do ponto de vista da sexualidade, aquela fase da vida em que os indivduos esto sujeitos a um maior nmero de transformaes biolgicas a puberdade , e psico-sociais a adolescncia (Flix e Marques, 1995).A adolescncia geralmente vista, segundo Shah e Zelnik (1993), como um perodo de mudanas e conflitos. De acordo com os autores, o adolescente encorajado a ser independente e assertivo mas, quando se trata da sua expresso sexual, depara-se com vrias proibies, de acordo com o sexo e o estatuto social.As restries sexuais impostas pela sociedade aos adolescentes, num estado em que as necessidades de expresso sexual aumentam, do origem a muitos conflitos (Shah; Zelnik, 1993).Para Flix e Marques (1995), na adolescncia que os jovens constrem uma nova identidade pessoal, atravs de um processo de autonomia face aos adultos com quem se relacionam mais directamente. A comparao com os seus pares um processo importante na construo da sua auto-imagem, mais propriamente como vem a sua sexualidade, as suas fantasias, a sua imagem corporal, os seus desejos e as suas condutas.Nos ltimos anos da adolescncia, com o processo de maturao fisiolgica concludo e com um corpo e uma identidade praticamente adultos, a vivncia sexual dos jovens assume muitos dos traos da sexualidade adulta.A sexualidade e o acto sexual promovem a dimenso socio-afectiva-emocional das relaes, porque ela implica sempre o outro, implica comunicao e para- comunicao, sempre desejo, amor por si e pelo outro. Procuramos no outro o que nos faz falta, o que nos (lhe) d prazer, o que nos faz sentir desejados e amados (Gomes, 1996).2 Desenvolvimento Afectivo e Sexual na Criana e no Jovem com Deficincia MentalSabemos que a sexualidade parte integrante do indivduo, estando fortemente ligada construo da sua identidade e personalidade.Desde o nascimento que o grupo social que transmite e define a identidade do beb, consoante se trate de um rapaz ou uma rapariga. Na infncia so particularmente importantes as relaes precoces com as figuras de apego, pois sero elas que mediatizaro a sexualidade ao longo da vida e especialmente nesta primeira fase. nesta experincia que a criana adquire: a confiana e a segurana que lhe permite abrir-se a contactos com o meio envolvente; o uso e o significado de formas de comunicao ntimas e informais; o uso e significado de expresses emocionais; a capacidade de explicitar as suas necessidades, bem como a de satisfazer as necessidades dos outros (Lpez, 1989; cit. Flix, 1995).Torna-se difcil saber como se desenrola todo este processo em relao aos indivduos com deficincia mental, devido falta de estudos nesta rea, o que por si s dificulta a realizao duma anlise e descrio do seu desenvolvimento afectivo-sexual, tanto pelo que foi referido, como pela diversidade das deficincias e pela heterogeneidade dos indivduos.No entanto, de acordo com Flix e Marques (1995), o desenvolvimento sexual da pessoa com deficincia mental no difere da pessoa dita normal, na medida em que ela passa pelas mesmas etapas, ao nvel da sexualidade, que as pessoas sem deficincia.Atravs de diversos estudos realizados por vrios autores (Abelson e Johnson, 1969; Hammar, Wright e Jensen, 1976; cit. Adams; Tallon; Alcorn, 1982) foi possvel concluir que a maioria das pessoas com deficincia mental desenvolve a sua sexualidade da mesma maneira que as pessoas sem deficincia mental.Deste modo, a pessoa com deficincia mental passa pelas mesmas fases do desenvolvimento afectivo e sexual da pessoa dita normal, desde a infncia at adolescncia, embora apresente algumas diferenas (Katz, 1970).Iremos, neste sentido, basear-nos nos estados de desenvolvimento dito normal, apontando somente alguns aspectos gerais que nos permitam conhecer um pouco como se efectua este desenvolvimento no indivduo com deficincia mental, tal como descrito por Katz (1970).Segundo o autor, nos primeiros anos de vida todas as crianas gostam de chuchar objectos que encontram em seu redor; os indivduos com deficincia mental, mesmo os mais profundos, gostam de chuchar tudo o que podem, inclusivamente numa idade adulta.Por volta dos dois, trs anos, as crianas gostam de mexer e manipular objectos, principalmente matrias moldveis. Outro grande interesse que as crianas encontram, nesta idade, o prazer que sentem ao brincar com os seus rgos sexuais. As crianas exploram e descobrem que podem sentir sensaes agradveis atravs da masturbao.Aos quatro, cinco anos, a criana mostra grande curiosidade sobre o comportamento sexual dos adultos, surgindo a fase das perguntas, devendo, nesta idade, as explicaes ser simples e adequadas ao grau de maturidade e nvel intelectual da criana. Nesta altura, o comportamento masculino e feminino vai ser definido, na medida em que o rapaz se identifica com o pai e a rapariga com a me, imitando-os nos seus jogos.De acordo com Woolfson (1995; cit. Aldecoa; Polaino-Lorente, 1996), desde uma idade precoce que a criana tem uma certa ideia acerca da sua identidade sexual. Por volta dos dois anos e meio, as crianas reconhecem que as meninas gostam de brincar com bonecas e ajudar a sua me na cozinha e limpeza da casa, e que os meninos gostam de brincar com carrinhos e ajudar o pai. Por volta dos cinco anos, as ideias que a criana tem sobre a identidade sexual estabelecem-se de uma maneira mais eloquente. A maioria das crianas pensa que os meninos so mais fortes do que as meninas, lutam mais, so menos sensveis, tendem a esconder os seus verdadeiros sentimentos e so menos educados.Tanto o pai como a me contribuem para a identidade de ambos os papis sexuais, entendendo estes como o conjunto de condutas e atitudes que, dependendo de factores de diversas ndoles (do biolgico ao cultural), configuram um estilo comportamental sexual prprio de um determinado gnero (Polaino-Lorente, 1992; cit. Aldecoa; Polaino-Lorente, 1996).Relativamente s caractersticas fsicas da puberdade, estas aparecem no jovem com deficincia mental por volta da mesma idade que na populao em geral, no entanto, as manifestaes psquicas do carcter podem aparecer mais tarde (Sandre; Raute; 1972). Apesar do desenvolvimento psicolgico ser mais lento, o desenvolvimento fsico normal e, por isso, a pessoa com deficincia mental tem os mesmos impulsos e desejos que qualquer outra pessoa da sua idade (Flix e Marques, A., 1995).As profundas modificaes fsicas e fisiolgicas originam modificaes psicolgicas paralelas. A puberdade fsica corresponde a uma especializao do indivduo que, sem dvida, j pertencia antes a um dos dois sexos, mas a partir de ento lhe pertencer ainda mais (Arthus, 1976).Na pessoa com deficincia mental, os fenmenos hormonais, fsicos e psquicos da puberdade aparecem em tempo normal e com a mesma intensidade que na pessoa dita normal (Mettey; Serville, 1996).Flix (1995) caracteriza a sexualidade na adolescncia como o perodo em que se operam intensas modificaes biofisiolgicas que afectam todo o desenvolvimento corporal; se adquirem as capacidades reprodutivas; se intensifica o desejo sexual e as capacidades de atraco sexual; se reformulam os papis sexuais anteriormente adquiridos; se iniciam as primeiras experincias de relaes amorosas (Flix, 1995, p. 39).De acordo com Buscaglia (1993), os anos adolescentes so difceis para todos os jovens e so particularmente confusos, frustrantes e traumatizantes para o jovem com deficincia mental. Neste perodo, a socializao atinge o seu momento de maior importncia; a aceitao por parte dos colegas e a participao no grupo tornam-se factores vitais para a formao de um conceito positivo de si mesmo.Nesta fase particularmente importante a comparao com o grupo de amigos na forma como o adolescente v a sua sexualidade, a sua imagem corporal e a sua conduta. No jovem com deficincia mental esta comparao muito limitada, pois alm da escola que possam frequentar, a maioria no tem contacto com jovens da sua idade (Sandre; Raute, 1972).A partir dos dezasseis anos, a sexualidade torna-se adulta. O desejo est presente e expresso de diversas formas; est mediatizado por processos biofisiolgicos, cognitivo-lingusticos e afectivos (Buscaglia, 1993).Segundo Flix (1992), se compreendermos que o desenvolvimento biolgico dos indivduos com deficincia mental , na maior parte das vezes, muito similar ao dos indivduos sem deficincia, talvez compreendamos as suas necessidades afectivas e sexuais. durante a puberdade que se assiste a um aumento da frequncia da masturbao, tanto nos rapazes como nas raparigas, que persiste at idade adulta, sendo para muitos jovens com deficincia a principal forma de expresso sexual (Flix e Marques, 1995).Embora prevalea a ideia de que as pessoas com deficincia mental so seres assexuados, que no sentem quaisquer necessidades sexuais, tambm comum considerar-se o oposto, isto , a ideia de que eles s pensam em sexo. No entanto, ambas as posturas parecem ser inadequadas, na medida em que a pessoa com deficincia mental, como qualquer outro ser humano, tem impulso sexual e, pelo simples facto de existir, um ser sexuado. De acordo com Gomes (1995) cada indivduo pode controlar, sublimar ou exprimir, de alguma forma, o seu impulso sexual.Segundo Flix e Marques (1995), ao proibirem-se comportamentos afectivo--sexuais populao com deficincia, est-se a impedi-las da satisfao de necessidades fundamentais para o seu crescimento e desenvolvimento enquanto pessoas. Uma dessas necessidades a sexualidade e esta no implica necessariamente o coito. Implica, sim, que nos queiram, que nos valorizem, que aprovem a nossa forma de actuar; sentimo-nos importantes e teis, pois temos algum com quem partilhar projectos e ansiedades.Assim, o jovem com deficincia mental experimenta as mesmas mudanas fsicas e emocionais, bem como a ansiedade que acompanha normalmente a adolescncia. Aos conflitos emocionais prprios desta fase, com os quais ele tem de lidar, so acrescidos os conflitos emocionais resultantes da sua deficincia (Gordon, 1981).3 Evoluo das Concepes sobre a Sexualidade na Deficincia MentalA sexualidade do indivduo com deficincia mental insere-se num quadro mais amplo que o da sexualidade humana. Assim, a vivncia da sexualidade pelos indivduos, nos seus diferentes papis, pelos grupos e comunidades ao longo da histria, importante para a anlise da sexualidade do indivduo com deficincia.Neste estudo, limitamo-nos a caracterizar a evoluo destas ideias nas ltimas dcadas. Lang (1992) parte de uma anlise da bibliografia especializada para distinguir trs perodos na histria das concepes mais recentes sobre a sexualidade das pessoas com deficincia mental, salientando alguns traos gerais de reflexo que surgiram em textos de reas muito diversas.O primeiro perodo abrangeria as dcadas de 50 e 60 at ao comeo dos anos 70. O segundo perodo situar-se-ia entre o comeo dos anos 70 e 1983, ano da publicao de LAnge et la Bte. Por fim, o terceiro perodo abrangeria o espao de tempo que vai de 1983 at ao incio dos anos 90.O autor caracteriza o primeiro perodo atravs de traos muito gerais que pretendem abranger o maior nmero possvel de publicaes e intervenes no debate: a sexualidade da pessoa com deficincia mental surge como objecto de estudo disciplinar de determinadas reas que consideram possuir competncia especfica para discutir este assunto, tais como a medicina, a psicologia e a pedagogia; e como tema de debate em discusses mais alargadas de ordem poltico-social, filosfica e religiosa; as representaes e as concluses que delas se podem retirar apoiam-se numa base slida formada pelo que se julga ser uma descrio e observao objectiva dos comportamentos sexuais dos indivduos com deficincia, tendo sempre como ponto de partida o comportamento sexual dos indivduos ditos normais; na maior parte dos casos, a sexualidade reduzida genitalidade; os estudos da poca permitem confirmar que o modo como os que estavam mais prximos do indivduo com deficincia mental viam a sua sexualidade estava relacionado com uma representao negativa, que o catalogava como um doente condenado a permanecer biolgica, afectiva e sexualmente como um beb; Como consequncia da atitude acima mencionada, assiste-se a um predomnio da dimenso profilctica. neste perodo que se do os primeiros passos decisivos na tentativa de estudar as situaes e os conflitos observados, no sentido de encontrar parmetros de compreenso da sexualidade na deficincia mental.No segundo perodo assiste-se a um aumento do nmero de publicaes e estudos sobre o tema em questo, trabalhos esses que revelam a influncia de estudos anteriores sobre psicopatologia dinmica. Novas perspectivas so tambm abertas por outras reas, nomeadamente psicologia social e clnica. O autor caracteriza este perodo da seguinte forma: Os comportamentos sexuais comeam a ser descritos de forma contextualizada, verificando-se uma tendncia para enquadrar a sua anlise numa compreenso global do comportamento do sujeito com deficincia; d-se ateno, para alm do nvel intelectual e idade real, a parmetros como o desenvolvimento sensrio-motor e cognitivo, relaes afectivas, meio scio-cultural, entre outros. O comportamento sexual da pessoa com deficincia mental e os problemas que lhe esto associados comeam a ser vistos como algo que resulta da actividade normal de um indivduo sexuado. A sexualidade deixa de ser entendida como algo que se reduz genitalidade ou funo reprodutora. Muitos dos textos produzidos neste perodo destinam-se a instituies de apoio deficincia, o que leva a uma alterao de perspectiva da rea mdico-legal para a rea institucional. Esta mudana conduziu a solues mais realistas, mais diferenciadas, em que a especificidade dos problemas de cada deficincia pde ser tida em conta. nesta fase que se faz uma diferenciao clara entre vrios aspectos que podem influenciar a vida sexual do indivduo com deficincia mental: a idade, o grau de deficincia e o meio em que vivem (rural/urbano) so alguns dos aspectos a ter em conta.No terceiro perodo mantm-se e aprofundam-se algumas caractersticas do perodo anterior: abordagem pluridimensional, individualizao das problemticas, inquritos institucionais, contextualizao da investigao. No entanto, Lang (1992) considera que o nfase principal nos trabalhos que surgem nesta fase se d a partir da noo de representao. a partir desta noo que o autor vai esquematizar as principais caractersticas dos trabalhos mais recentes: constata- se uma diminuio do nmero de publicaes neste domnio; comea-se a dar importncia anlise das representaes que o meio (famlia, educadores, sociedade) tem da sexualidade das pessoas com deficincia mental; pensa-se tambm nos efeitos que as representaes mencionadas anteriormente possam ter nos prprios sujeitos com deficincia, quer ao nvel da sua sexualidade, como dos seus fantasmas. Assiste-se a uma necessidade de reconhecer a legitimidade da expresso de desejo sexual por parte desta populao.O autor sublinha o facto de grande nmero de textos deste perodo tratarem de questes concretas, designadamente do ponto de vista de pais e educadores.Finalmente, Lang (1992) constata uma srie de limitaes s questes que hoje nos preocupam. O primeiro limite atingiria o discurso sobre a sexualidade dos indivduos com deficincia mental, na medida em que h menos artigos escritos sobre esta questo e verifica-se um certo bloqueio ao nvel das ideias, das concepes e das anlises. Um segundo limite verificar-se-ia ao nvel da expresso da prpria sexualidade destes indivduos. Por ltimo, um limite na comunicao e intercmbio entre equipas, instituies e grupos.4 Sexualidade e Educao Sexual4.1 A Educao Sexual: um processo de controlo socialComo j foi referido em captulos anteriores, todos os aspectos da actividade humana e, em particular, a sexualidade, so objecto de um processo de controlo social, produto de uma aprendizagem ou educao sexual que influencia quer pelas orientaes normativas e/ou ideolgicas, quer pelas atitudes sociais as nossas histrias sexuais, a nossa identidade sexual e os nossos comportamentos.A propsito da educao sexual, Allen (cit. Por Sampaio, 1987, p. 20) refere que (...) toda a gente quer a educao sexual mas, de facto, ningum quer. A ambiguidade destas palavras justificvel na esfera dos comportamentos e prticas sexuais enquadradas pelas instituies sociais e reguladas pelas orientaes normativas e/ou ideolgicas que lhes so correlativas, bem como na concepo que cada indivduo tem da sexualidade, a partir das suas experincias vivenciais muito diversas. Ora, a aposta numa escolarizao da educao sexual, assente no modelo actual de desenvolvimento pessoal onde h necessidade de se aumentar conhecimentos e desenvolver um trabalho centrado nas atitudes pessoais e em determinadas competncias especficas gera, indubitavelmente, maior complexidade e maior controvrsia volta da educao sexual.Conscientes desta realidade propomos, para o presente captulo, uma reflexo concertada sobre este modelo de educao sexual, assente numa perspectiva psicossocial e interactiva que preside sua concepo e s suas formas de interveno, fundadas no (...) conhecimento de si prprio e do outro, abrangendo este conhecimento a dimenso fsica, afectiva e relacional (social) de si e do outro enquanto ser sexuado e sexual (Loureiro, 1997, p. 17).A sexualidade, tal como j referimos, expressa-se no s no que sabemos, mas sobretudo nos nossos sentimentos, atitudes e comportamentos.Todos estes aspectos da expresso sexual esto condicionados a uma aprendizagem sexual que se traduz na transmisso de valores, atitudes e controlo normativo, estando implcitos os dispositivos legais.

4. 2 Os Agentes de educao sexualNeste processo de aprendizagem ou de educao sexual intervm vrios agentes que interagem, muitas vezes, de forma conflituosa.A este propsito, Vilar (1987) refere que o conflito, a recepo de mensagens diferentes e por vezes contraditrias ou mesmo antagnicas, a base dos prprios progressos na aprendizagem. Actualmente, e em oposio com pocas anteriores, o processo de educao sexual , mais do que nunca, objecto de contradies e de multiplicidade de mensagens. Argumentando, este autor refere que vivemos numa poca de grandes mudanas face s normas tradicionais da conduta sexual. (...) Quer os movimentos sociais de contestao da moral tradicional (nomeadamente os movimentos feministas, as grandes movimentaes estudantis dos anos 60 e 70, os movimentos ligados problemtica do planeamento familiar e da sexualidade), quer os progressos no estudo cientfico da sexualidade humana, quer a prpria utilizao do sexo para fins comerciais ou artsticos, abriram brechas irreversveis no sentido de um reconhecimento pblico, ideolgico e moral da sexualidade como um valor natural e positivo da vida humana (Vilar, cit. por Allen et al., 1987, p. 167). Por outro lado, (...) uma das principais caractersticas destas transformaes a crescente viso da sexualidade no s como um assunto do foro ntimo, mas como assunto de abordagem pblica. Ou seja, cresce o nmero de intervenientes e de mensagens que cada um recebe no seu processo de aprendizagem (ibidem, p. 167).Desta forma, depreende-se que esta nova caracterstica ir incidir junto dos jovens e de todos os agentes que intervm no processo de aprendizagem sexual, entre os quais salientamos a famlia, os amigos, os mass-media, os parceiros sexuais, a comunidade, os grupos de pertena e a escola.

4. 3 As formas de Educao Sexual: a educao sexual implcita e explcitaTodos os aspectos inerentes esfera da sexualidade so construdos sob duas formas de aprendizagem ou educao: a Educao Sexual Implcita e a Educao Sexual Explcita.A Educao Sexual Implcita (informal, ocasional, no intencional) traduz-se numa aprendizagem contnua, ao longo da vida. Pelo que se diz, pela forma como se reage a situaes relacionadas com as relaes sexuais e afectivas das pessoas que conhecemos, pela informao oriunda dos media, pelos valores transmitidos por familiares, amigos, vizinhos e professores. neste ambiente relacional que entendemos a aprendizagem da sexualidade por modelagem, processo fundamental na educao sexual informal. Os adultos (pais e pares) modelos reais de observao constituem uma referncia relevante na formulao de padres de comportamento das crianas e jovens, em particular at adolescncia, e fundamentalmente aqueles com quem os laos afectivos so mais consistentes. Os modelos intermedirios (jogos, roupas, adornos, posturas, actividades), os modelos simblicos (os media), os modelos exemplares (personagens pblicas cuja sexualidade objecto especial de revelao pelos media), constituem outros agentes no que concerne a uma aprendizagem informal por modelao.Reconhecendo que a famlia referncia primordial na transmisso de valores e mensagens sobre sexualidade criana e ao jovem, torna-se pertinente uma interveno a nvel da educao sexual informal que tenha por base programas de educao sexual que incluam, como destinatrios, pais e professores. Esta escolarizao da educao sexual, assente em programas mais profissionais, democrticos e abertos, deve proporcionar informaes adequadas aos pais, no sentido de minimizar a hostilidade e a desconfiana em relao s questes da sexualidade, promovendo, paralelamente, um clima atitudinal mais positivo e favorvel e um dilogo mais intenso entre pais e filhos. Reconhecemos que no tarefa fcil, dado que a concepo naturalista do sexo (...) acaba por encerrar a sexualidade nas estruturas familiares, fazendo da conjugalidade cenrio normativo do sexo. Foucault (1976, p. 142). O autor refere mesmo que a famlia (...) o cambista da sexualidade e da aliana; transporta a lei e a dimenso do jurdico para o dispositivo da sexualidade; e transporta a economia do prazer e da intensidade das sensaes para o regime da aliana. No entanto, existe hoje uma atitude ambivalente e preocupada de muitos pais em relao forma de desempenhar o seu prprio papel na educao sexual dos filhos, em que o receio de que falar sobre a sexualidade pudesse despertar (...) mais precocemente os comportamentos sexuais dos filhos (e especialmente das filhas), foi progressivamente substitudo pelo receio de os filhos crescerem sem uma educao sexual adequada, a qual muitas vezes no se sentem preparados para promover (Vaz et al., 1996, p. 108). Esboa-se, ento, uma mudana de atitudes, por parte dos pais, produto (...) das profundas mudanas que se operam nas ltimas dcadas ao nvel das mentalidades e, nomeadamente, na forma de encarar a paternidade/maternidade (Vaz et al., 1996, p. 108). Depreende-se, ento, que esta mudana de atitudes no pode ser descontextualizada de toda uma vivncia actualmente mais liberal, no que concerne aos costumes e liberdade dos jovens.Para alm da Educao Sexual Implcita existe outro tipo de aprendizagem ou educao sexual, vulgarmente conhecida por Educao Sexual Explcita. Esta outra forma de aprendizagem sexual assenta em processos estruturados ou planeados, no redutveis escola, mas que exigem uma aco programada, com objectivos e contedos delineados por profissionais. Neste tipo de aprendizagem podemos encontrar a Educao Sexual No Formal que corresponde (...) a todos os processos intencionais de educao no mbito da Sexualidade Humana, desenvolvidos na escola extra-curricularmente e ou paralelamente ao sistema educativo formal (por exemplo, atravs de associaes de interveno social, de voluntrios, organismos de apoio juventude... (Vaz et al., 1996, p. 22) e a Educao Sexual Formal que diz respeito a (...) um processo intencional e programado atravs do currculo (ibidem, p. 23). neste ltimo tipo de educao sexual que se enquadram as responsabilidades da escola e profissionais de organizarem programas com objectivos e contedos no mbito da Sexualidade Humana. A organizao de programas de Educao Sexual no sistema educativo deve implicar a explicitao de um quadro de valores ticos que oriente a formulao de objectivos pedaggicos, contedos e metodologias de ensino/ aprendizagem (ibidem, p. 33).Neste sentido, justifica-se a clarificao embora sucinta do modelo educativo que mais se enquadra na perspectiva do quadro de valores da Educao Sexual: o modelo de desenvolvimento pessoal.4.4 A importncia do modelo de desenvolvimento pessoalO modelo de desenvolvimento pessoal produto de um conjunto de alteraes sociais e dos investimentos cientficos no domnio dos comportamentos humanos em geral e, em particular, dos comportamentos sexuais, a partir da dcada de 60. Com o aparecimento da doena do sculo a SIDA acentuaram-se as preocupaes com uma educao sexual que exercesse um controlo social adequado para com os comportamentos sexuais de risco. Tendo por base o modelo preventivo, os objectivos deste tipo de educao sexual assentavam na (...) aquisio de conhecimentos sobre anatomia e fisiologia da reproduo e das doenas sexualmente transmissveis (sintomas e meios de tratamento) e no (...) conhecimento dos mtodos contraceptivos e das formas mais eficazes de prevenir o contgio das DST (Vaz et al., 1996, p. 40).Contudo, este modelo mostrou-se insuficiente no que concerne transmisso de componentes emocionais e relacionais da sexualidade. Se a informao e preveno contra estas doenas constitui, de facto, uma preocupao, (...) as decises sobre aspectos das suas vidas e relacionamentos sexuais, as dvidas e frequentes situaes de ansiedade sobre o seu processo de crescimento, as suas relaes com a famlia (...) (ibidem, p. 41) so, tambm, motivo de preocupao.Neste sentido, requeria-se um modelo de educao sexual integral que englobasse vrias vertentes: uma vertente biolgica que correspondesse a informaes sobre (...) anatomia e fisiologia da sexualidade e da reproduo, reposta sexual humana (ibidem, p. 42); uma vertente psicolgica que englobasse processos como (...) a identidade de gnero (aquisio de papis sexuais), a orientao sexual (ou seja, a hetero, homo e bissexualidade), a auto-imagem e a construo da identidade sexual e todo o processo relacional, em particular as relaes afectivo-sexuais (ibidem, p. 43); e, finalmente, a vertente social que englobasse as (...) discusses sobre valores e atitudes, os modelos morais que recobrem as vertentes anteriores (ibidem, p. 43). assim que o modelo de desenvolvimento pessoal, assente neste conhecimento da sexualidade, estabelece um conjunto de objectivos capaz de responder a uma educao sexual adequada para qualquer tipo de populao, seja ela deficiente ou no: Reconhecimento de que a sexualidade, como fonte de prazer e de comunicao, uma componente positiva e de realizao no desenvolvimento pessoal e nas relaes interpessoais; Valorizao das diferentes expresses da sexualidade, nas vrias fases de desenvolvimento ao longo da vida; Respeito pela pessoa do outro, quaisquer que sejam as suas caractersticas fsicas ou a sua orientao sexual; Promoo da igualdade de direitos e de oportunidades entre os sexos; Respeito pelo direito a ser diferente; Reconhecimento da importncia da comunicao e do envolvimento afectivo e amoroso na vivncia da sexualidade; Reconhecimento do direito a uma maternidade/paternidade livres e responsveis; Reconhecimento de que a autonomia, a liberdade de escolha e uma informao adequada so aspectos essenciais para a estruturao de atitudes e comportamentos responsveis no relacionamento sexual; Recusa de formas de expresso da sexualidade que envolvam manifestaes de violncia e promovam relaes pessoais de dominao e explorao; Promoo da sade dos indivduos e dos casais, na esfera sexual e reprodutiva (ibidem, p. 43).As potencialidades deste modelo de educao sexual em prticas pedaggicas adequadas, podem constituir o melhor caminho para a construo de uma sexualidade adequada de todas as crianas e jovens, independentemente de terem ou no deficincia. Certamente que, para a deficincia, dever-se- organizar os ajustamentos necessrios que atendam sua especificidade.5 Breve abordagem da Educao Sexual em Portugal Sendo a educao um processo mediante o qual a pessoa se forma, se constri como pessoa, esta formao um processo global que integra, obrigatoriamente, a educao sexual, num esforo permanente de educao do indivduo.Contudo, esta aprendizagem pode ser feita atravs de dois processos: um implcito, espontneo, ocasional e quotidiano, desenvolvido a partir das atitudes dos pais, professores e outros adultos face sua sexualidade e afectividade e tambm em relao s suas opinies sobre a sexualidade dos outros; e outro explcito, estruturado, dirigido e intencional, com base em aces programadas que tm por objectivo definido a educao da sexualidade. H pois que distinguir claramente Informao Sexual e Educao Sexual.Assim, entende-se que a Informao Sexual um conjunto de informaes anatmicas, fisiolgicas e psicolgicas que podem permitir a um rapaz ou rapariga conhecer e compreender melhor o seu corpo, o seu funcionamento sexual e reprodutor, os processos contraceptivos e os aspectos psicolgicos da sexualidade; e que permitem tambm compreender-se na variedade de comportamentos sexuais existentes. A Educao Sexual inclui toda esta transmisso de conhecimentos, mas engloba outros elementos de natureza subjectiva, ideolgica (Miguel, 1983, p. 19).Allen Gomes, na mesma obra, refere que a Educao Sexual, para alm de visar questes relativas sexualidade e fornecer conhecimentos sobre tal, Educao da Afectividade, Educao para a Relao, pois com a Educao Sexual pretende-se a construo da capacidade para fundar relaes significativas com indivduos do outro sexo, contribuindo para o desenvolvimento harmonioso da personalidade.As dificuldades em concretizar um Programa de Educao Sexual no so alheias s conotaes preconceituosas e s crenas e ideias feitas, sobretudo estereotipadas sobre a sexualidade em geral. no campo da sexualidade que se encontram entrelaados aspectos de ordem biolgica, psicolgica e sociocultural, cuja influncia determinante de atitudes e comportamentos (Gomes, 1989).As experincias afectivas e sexuais podem alterar ou reforar os valores e conhecimentos face sexualidade que de forma no estruturada se apreendem.O Estado Portugus legisla pela primeira vez sobre Educao Sexual no ano de 1984: Lei 3/84 de 24 de Maro Educao Sexual e Planeamento Familiar. Nos artigos 1 e 2 da referida Lei, o Estado incumbe a si prprio o dever de garantir o direito Educao Sexual como componente do direit