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    Ativismo judicial

    Vicente Paulo de Almeida

    Publicado em 07/2011. Elaborado em 07/2010.

    "Ningum pode questionar seriamente que o Direito, como fenmeno social, tem conexes

    profundas e necessrias com os valores dominantes na sociedade em que incide."

    (Daniel Sarmento).

    RESUMO

    O objetivo do presente trabalho pesquisar pelo mtodo indutivo e dedutivo a legitimidade do Poder

    Judicirio, notadamente, do STF nas suas polmicas decises denominadas de ativistas ou contra

    majoritrias. Para tanto se fez uma leitura histrica do positivismo jurdico, da evoluo do Direito no

    Brasil, da expanso do Poder Judicirio aps a promulgao da Constituio de 1988, do

    neoconstiucionalismo e dos princpios constitucionais que tem servido de fundamento para as recentes

    decises da mais alta corte de nosso pas. Foi feita uma abordagem crtica do princpio da separao de

    poderes, da democracia e da segurana jurdica. Por derradeiro, verificamos que apesar da preocupao

    da doutrina, a prtica do ativismo judicial praticado pelo Supremo Tribunal Federal est em

    consonncia com os princpios constitucionais e com os objetivos da Repblica previstos no art. 3 da

    Constituio.

    Palavras Chaves.

    Ativismo Judicial, Democracia, Constituio, Judicializao, Neoconstitucionalismo, Separao de

    Poderes, Supremo Tribunal Federal.

    SUMRIO: 1.INTRODUO. 2 ATIVISMO JUDICIAL.2.1 O fenmeno Ativismo Judicial. 2.2.

    Diferena entre judicializao e ativismo judicial. 2.3. causas da judicializao. 3. ATIVISMO JUDICIAL

    EM OUTROS PASES. 4 CRTICAS AO ATIVISMO JUDICIAL. .4.1 Contramajoritarismo. 4.2

    Legitimidade contramajoritria. 4.3 Politizao, Ativismo Judicial e Democracia.. 4.4 Ativismo Judicial e

    a Separao dos Poderes. 4.4.1. Origem da separao dos poderes. 5 A EVOLUO DO DIREITO E A

    EXPANSO DO PODER JUDICIRIO NO BRASIL. 6. NEOCONSTITUCIONALISMO, PRINCPIOS

    CONSTITUCIONAIS E FILTRAGEM CONSTITUCIONAL . 6.1.Neoconstitucionalismo. 6.2 A

    Constituio de 1988 e a mudana de Paradigmas. 6.3 Os Princpios Constitucionais e sua fora

    normativa. 6.4 Filtragem constitucional . 7. ATIVISMO JUDICIAL NO BRASIL. 7.1. Ativismo

    jurisdicional. 7.2. Ativismo criativo. 7.2.1. Vedao do nepotismo nos trs poderes. 7.2.2. Fidelidade

    partidria. 7.2.3 Demarcao de terras indgenas . 7.2.4 Smulas Vinculantes. 7.2.5 Ativismo na Justia

    do Trabalho . 8. DISCUSSO. 9. CONCLUSO. 10. REFERNCIAS. 11 ANEXOS

    LISTAS DE SIGLAS, SMBOLOS E ABREVIATURAS

    ADC Ao Direta de Constitucionalidade

    ADI Ao Direta de Inconstitucionalidade

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    ADin Ao Direta de Inconstitucionalidade

    ADIO Ao Direta de Inconstitucionalidade por Omisso

    art.- Artigo

    CPP Cdigo de Processo Penal

    CPPM Cdigo de Processo Penal Militar

    CRFB- Constituio da Repblica Federativa do Brasil

    MI Mandado de Injuno

    MIn. Ministro.

    MS Mandado de Segurana

    PCB/MA Partido Comunista Brasileiro/Maranho

    PFL Partido da Frente Liberal

    STF - Supremo Tribunal Federal

    TCU Tribunal de Contas da Unio

    TRT Tribunal Regional do Trabalho

    TSE Tribunal Superior Eleitoral

    RE Recurso Extraordinrio

    LISTA DE ANEXOS

    Anexo 1. Extrato da Ata de Julgamento da Ao Petio n 3388-4

    Anexo 2. Resoluo TSE n 22.610.

    1. INTRODUO

    O termo Ativismo Judicial tem despertado intensa discusso no meio acadmico e na sociedade. J

    controvertido desde a sua origem, o ativismo caracteriza-se pelas decises judiciais que impem

    obrigaes ao administrador, sem, contudo, haver previso legal expressa. Decorre da nova

    hermenutica constitucional na interpretao dos princpios e das clusulas abertas, o que tem

    despertado pesadas crticas ao Poder Judicirio, notadamente, ao Supremo Tribunal Federal.

    inegvel que, aps a promulgao da Constituio de 1988, o Poder Judicirio passou a ter um papel

    de destaque na sociedade brasileira. O poder constituinte originrio atribuiu ao Poder Judicirio a

    importante misso de ser o guardio dos valores constantes no texto constitucional.

    A fim de garantir essa misso, o constituinte assegurou formas e mecanismos para proteger o prprio

    texto constitucional da ambio da sociedade e limitar os poderes atribudos ao executivo, legislativo e

    ao prprio poder judicirio:

    De igual forma, inegvel que, para assegurar o cumprimento das garantias constitucionais,principalmente os direitos fundamentais, os Tribunais, notadamente o Supremo Tribunal

    Federal tem que se valer, no raras vezes, dos princpios constitucionais e das denominadasclusulas abertas.

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    Ante a omisso legislativa, o STF tem sido chamado a se pronunciar sobre determinadas matrias que

    caberiam ao Legislativo regulamentar. Por vezes, o STF no se limita a declarar a omisso legislativa,

    indo alm do que a dogmtica legalista tradicional convencionou ser o papel do Judicirio, qual seja, a

    subsuno do fato norma, e ante a imposio de obrigaes aos outros poderes e aos administrados

    em geral, a doutrina diz que h intromisso indevida do Judicirio nos demais Poderes da Repblica,

    ferindo os princpios da separao dos poderes, a democracia e o estado democrtico de direito.

    Neste trabalho, propomos analisar o que o Ativismo Judicial, sua origem e suas causas, a sua relao

    com o Direito Constitucional e se, de fato, traz algum risco sociedade, se acarreta insegurana jurdica,

    se fere o princpio da separao dos poderes, o estado democrtico de direito e a operabilidade do

    direito.

    Assim, estruturamos o presente trabalho da seguinte maneira: no Captulo 2 pretende-se analisar o que

    o ativismo judicial, sua origem, diferenciao entre ativismo judicial e judicializao da poltica, bem

    como as causas da judicializao da poltica.

    Estabelecido o conceito de ativismo judicial e de judicializao do direito, abordaremos, no Captulo 3, a

    prtica do ativismo judicial em outros pases e, no Captulo 4, discutiremos as crticas ao ativismo

    judicial, o conceito de contramajoritarismo, se h legitimidade para as decises contramajoritrias; a

    politizao do Judicirio, o ativismo judicial e a democracia e a separao dos poderes.

    Nos Captulos 5 e 6, faremos uma breve sntese da evoluo do Direito no Brasil, com enfoque no

    neoconstitucionalismo e a filtragem constitucional decorrente dos princpios constitucionais e seus

    valores axiolgicos. Outro ponto importante ser destacar os riscos apontados pela doutrina da

    constitucionalizao do Direito, ante a subjetividade dos princpios constitucionais. Ser abordada,

    ainda, a mudana de paradigmas ante a Carta Magna de 88, com nfase nos Princpios constitucionais e

    sua fora normativa e filtragem constitucional.

    No Captulo 7, ser demonstrada a prtica do ativismo judicial no Brasil, destacando algumas decises

    do STF, do TSE e TRT. A reformulao de entendimento do STF quanto ao carter mandamental do

    mandado de injuno e a virada na Jurisprudncia de uma posio legalista para uma postura

    propositiva, tornando-se um legislador positivo.

    Nos Captulos 8 e 9 faremos uma breve discusso acerca das problemticas abordadas nos captulos

    anteriores.

    2. ATIVISMO JUDICIAL

    2.1. O fenmeno Ativismo Judicial

    O vocbulo ativismo pode ser empregado com mais de uma acepo . No mbito da cincia do

    Direito, ele empregado para designar que o poder judicirio est agindo alm dos poderes que lhe so

    conferidos pela ordem jurdica.

    A controvrsia sobre o termo Ativismo Judicial j surge quanto a sua origem e definio.

    Quanto origem, alguns autores afirmam que este fenmeno surgiu com a jurisprudncia norte-

    americana . Luis Roberto Barroso afirma que o ativismo judicial despontou com um matiz

    conservador, citando como exemplo a Suprema Corte Americana que utilizou ativismo para manter a

    segregao racial. "Foi na atuao proativa da Suprema Corte que os setores mais reacionrios

    encontraram amparo para a segregao racial" .

    Vanice Regina Lrio do Valle assevera que o termo ativismo judicial, conquanto se refira ao meio

    jurdico, nasceu com a publicao de um artigo na revista americana Fortune, pelo jornalista americano

    Arthur Schlesinger, numa reportagem sobre a Suprema Corte dos Estados Unidos, no qual ele traou o

    [01 ]

    [02]

    [03] [04]

    [05]

    [06]

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    perfil dos nove juzes da Suprema Corte. Ainda, segundo a autora, desde ento, o termo vem sendo

    utilizado, normalmente, em uma perspectiva crtica quanto atuao do poder judicirio .

    Em sentido contrrio, Carlos Eduardo de Carvalho afirma que o vocbulo ativismo judicial, de

    acordo com investigao sobre a sua origem, foi empregado, pela primeira vez em 1916, na imprensa

    belga. Porm, foi consagrado nos Estados Unidos da Amrica, em face da postura adotada pela Suprema

    Corte no julgamento de determinados casos, que tiveram efeitos mais abrangentes. Alm do que,

    conforme citado pelo autor, apoiado nas lies de Dierle Jos Coelho Nunes, tal vocbulo j era utilizado

    e defendido desde o final do sculo XIX:

    Esta percepo sociolgico-econmica e protagonista do Juiz j era defendida por vrios estruturadores

    da socializao processual, desde o final do sculo XIX, com destaque para Franz Klein em palestra em

    1901 .

    A professora Vanice Regina Lrio do Valle, em sua obra Ativismo Jurisdicional e o Supremo Tribunal

    Federal, assim descreve:

    A consulta a duas fontes elementares ainda que prestigiadas- de conceituao no Direito

    norte-americano, Merriam-Websters Dictionary e Blacks Law Dictionary, evidencia que, jde origem o termo "ativismo" no encontra consenso. No enunciado da primeira referncia, a

    nfase se d ao elemento finalstico, o compromisso com a expanso dos direitos individuais; no

    da segunda, a tnica repousa em um elemento de natureza comportamental, ou seja, d-se

    espao prevalncia das vises pessoais de cada magistrado quanto compreenso de cadaqual das normas constitucionais. A dificuldade ainda hoje subsiste, persiste o carter ambguo

    que acompanha o uso do termo, no obstante s-lo um elemento recorrente tanto da retrica

    judicial quanto de estudos acadmicos, adquirindo diversas conotaes em cada qual desses

    campos.

    a mesma autora, citando Keenan Kmiec, quem traz a sistematizao das definies traadas ao termo

    em sede doutrinria e tambm em utilizao jurisprudencial, reconhecendo cinco principais

    conceituaes do termo ativismo judicial, de uso corrente na atualidade:

    a) a prtica dedicada a desafiar atos de constitucionalidade defensvel emanados de outros

    poderes; b) estratgia de no aplicao dos precedentes; c) conduta que permite aos juzes

    legislar "das salas das sesses"; d) afastamento dos cnones metodolgicos de interpretao; e)

    julgamento para alcanar resultados pr-determinados .

    Para Luis Roberto Barroso, o ativismo judicial uma atitude, uma escolha do magistrado no modo

    de interpretar as normas constitucionais, expandindo seu sentido e alcance, e normalmente est

    associado a uma retrao do Poder Legislativo:

    A idia de ativismo judicial est associada a uma participao mais ampla e intensa do Judicirio

    na concretizao dos valores e fins constitucionais, com maior interferncia no espao de atuaodos outros dois Poderes. A postura ativista se manifesta por meio de diferentes condutas, que

    incluem: (i) a aplicao direta da Constituio a situaes no expressamente contempladas em

    seu texto e independentemente de manifestao do legislador ordinrio; (ii) a declarao de

    inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critrios menosrgidos que os de patente e ostensiva violao da Constituio; (iii) a imposio de condutas ou

    de abstenes ao Poder Pblico.

    Luis Flvio Gomes diz que para Arthur Schlesinger h ativismo judicial quando o juiz se considera

    no dever de interpretar a Constituio no sentido de garantir direitos. Para Luis Flvio Gomes se a

    Constituio prev um determinado direito e ela interpretada no sentido de que esse direito seja

    garantido, no h ativismo, mas sim, judicializao do direito considerado. Ainda, segundo o autor, o

    ativismo ocorre sempre que o juiz inventa uma norma, cria um direito, ou inova o ordenamento jurdico.

    Alm disso, cita duas espcies de ativismo judicial: o inovador, no caso de o juiz criar uma norma e o

    ativismo revelador. Nesse, o juiz tambm ir criar uma regra, um direito, contudo com base em

    princpios constitucionais ou na interpretao de uma norma lacunosa:

    [07 ]

    [08]

    [09]

    [1 0]

    [1 1 ]

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    preciso distinguir duas espcies de ativismo judicial: h o ativismo judicial inovador (criao,

    ex novo, pelo juiz de uma norma, de um direito) e h o ativismo judicial revelador (criao pelojuiz de uma norma, de uma regra ou de um direito, a partir dos valores e princpios

    constitucionais ou a partir de uma regra lacunosa, como o caso do art. 71 do CP, que cuida do

    crime continuado). Neste ltimo caso o juiz chega a inovar o ordenamento jurdico, mas no no

    sentido de criar uma norma nova, sim, no sentido de complementar o entendimento de umprincpio ou de um valor constitucional ou de uma regra lacunosa.

    Luis Machado Cunha, apoiado em William Marshall, destaca quatro dimenses do ativismo e suas

    caractersticas:

    a) Ativismo contra majoritrio relutncia dos tribunais em aceitar as decises dos poderes

    democraticamente eleitos; fortalecimento da jurisdio constitucional; poder judicirio como legislador

    negativo;

    b) Ativismo jurisdicional ampliao dos limites jurisdicionais do poder judicirio; correo, modificao

    ou complementao de leis e atos administrativos;

    c) Ativismo criativo utilizao da hermenutica como forma de novos direitos ou afirmao jurdica de

    direitos morais; hermenutica concretista e princpio da proibio da proteo insuficiente (Konrad

    Hesse); fundamentao em conceitos do ps-positivismo e do neuconstitucionalismo e por fim;

    d) Ativismo remedial imposio pelo Poder Judicirio de obrigaes positivas aos poderes eleitos;

    determinao de polticas pblicas, criao ou remodelao de rgos, regulamentaes legais etc

    2.2. DIFERENA ENTRE JUDICIALIZAO E ATIVISMO JUDICIAL

    A judicializao um fenmeno bastante complexo e possui diferentes dimenses. Podemos dizer que,

    na judicializao da poltica, h a transferncia de deciso dos poderes Executivo e Legislativo para o

    poder Judicirio, o qual passa, normalmente dentre temas polmicos e controversos, a estabelecer

    normas de condutas a serem seguidas pelos demais poderes.

    "Em sntese, a judicializao da poltica ocorre quando questes sociais de cunho poltico solevadas ao Judicirio, para que ele dirima conflitos e mantenha a paz, por meio do exerccio da

    jurisdio" ."

    A expresso ativismo judicial, tem sentido, embora semelhante, diverso do acima referido" .

    Segundo Jos dos Santos Carvalho Filho , o termo judicializao da poltica passou a ser utilizado a

    partir da obra de Tate e Vallinder, em que os autores abordaram o conceito e as condies institucionais

    para a expanso do Poder Judicirio no processo decisrio em Estados democrticos. "Em ambos os

    casos, h aproximao entre jurisdio e poltica. Ocorre que essa aproximao decorre de necessidade,

    quando se estar diante de judicializao, e de vontade, quando se trata de ativismo" .

    Nos dizeres de Barroso , a judicializao origina-se do modelo constitucional que se adotou e no de

    um exerccio deliberado de vontade poltica; enquanto que, no ativismo, h uma escolha, uma opo do

    magistrado no modo de interpretar as normas constitucionais a fim de dar-lhes maior alcance e

    amplitude.

    Com efeito, Luis Roberto Barroso assim se refere judicializao e ao ativismo:

    [1 5]

    [1 6]

    [1 7 ]

    [1 8]

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    "A judicializao e o ativismo judicial so primos. Vm, portanto, da mesma famlia, frequentamos mesmos lugares, mas no tm as mesmas origens. No so gerados, a rigor, pelas mesmas

    causas imediatas. A judicializao, no contexto brasileiro, um fato, uma circunstncia que

    decorre do modelo constitucional que se adotou, e no um exerccio deliberado de vontade

    poltica. Em todos os casos referidos acima, o Judicirio decidiu porque era o que lhe cabia fazer,sem alternativa. Se uma norma constitucional permite que dela se deduza uma pretenso,

    subjetiva ou objetiva, ao juiz cabe dela conhecer, decidindo a matria. J o ativismo judicial

    uma atitude, a escolha de um modo especfico e proativo de interpretar a Constituio,

    expandindo o seu sentido e alcance. Normalmente ele se instala em situaes de retrao doPoder Legislativo, de um certo descolamento entre a classe poltica e a sociedade civil,

    impedindo que as demandas sociais sejam atendidas de maneira efetiva. A idia de ativismo

    judicial est associada a uma participao mais ampla e intensa do Judicirio na concretizao

    dos valores e fins constitucionais."

    Como j exposto, Luis Flvio Gomes considera judicializao do direito e no ativismo na medida em

    que a Constituio prev um determinado direito e ela interpretada no sentido de que esse direito

    seja garantido.

    Vanice Regina Lrio do Valle afirma que o problema na identificao do ativismo judicial reside nas

    dificuldades inerentes ao processo de interpretao constitucional, uma vez que o parmetro utilizado

    para caracterizar uma deciso como ativismo ou no reside numa controvertida posio sobre qual a

    correta leitura de um determinado dispositivo constitucional. De acordo com a autora, no a mera

    atividade de controle de constitucionalidade e, consequentemente, o repdio ao ato do poder legislativo

    que permite a identificao do ativismo como trao marcante de um rgo jurisdicional, mas a

    reiterao dessa mesma conduta de desafio aos atos de outro poder, perante casos difceis.

    2.3. CAUSAS DA JUDICIALIZAO

    Vanice Regina Lrio do Valle, citando Ernani Rodrigues de Carvalho, enumera seis condies para o

    surgimento e a consolidao da judicializao da poltica:

    um sistema poltico democrtico; a separao dos poderes; o exerccio dos direitos polticos; o

    uso dos tribunais pelos grupos de interesse; o uso dos tribunais pela oposio e a inefetividade

    das instituies majoritrias .

    Marcos Faro de Castro cita as seguintes condies para a judicializao:

    a constitucionalizao do Direito aps a 2 Guerra Mundial; o resgate do tema sobre a

    legitimao dos direitos humanos; o exemplo institucional da Suprema Corte norte-americana; e

    a tradio europeia (Kelsiana) de controle de constitucionalidade das leis como fatores

    importantes para explicar o fenmeno da judicializao

    Luis Roberto Barroso menciona os seguintes fatores para a judicializao no Brasil:

    a redemocratizaodo pas, que teve como ponto culminante a promulgao da Constituio de

    1988; a constitucionalizao abrangente, que trouxe para a Constituio inmeras matrias que

    antes eram deixadas para o processo poltico majoritrio e para a legislao ordinria, e por fim

    o sistema brasileiro de controle de constitucionalidade, um dos mais abrangentes do mundo .

    Eduardo Monteiro Lopes Junior, na obra A Judicializao da Poltica no Brasil e o TCU diz que, segundo

    Neal Tate e Torbjorn, existem certas precondies que facilitariam a expanso das competncias

    jurisdicionais. Seriam elas:

    a prevalncias de regimes democrticos, a separao constitucional dos poderes (funes), a

    positivao constitucional de direitos e garantias individuais, a utilizao das vias judiciais por

    grupos de interesse e de oposio poltica, a ineficcia das instituies majoritrias e das polticas

    pblicas e a delegao de competncia s instncias judiciais pelas instituies majoritrias .

    [22]

    [23]

    [24]

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    [27 ]

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    Vanice Regina Lrio do Valle alerta para a possibilidade de tanto o executivo quanto o legislativo,

    retirarem temas controvertidos do debate poltico e transferirem-nos para o Judicirio a fim de evitar

    possvel desgaste poltico. Retirando, assim, do debate pblico temas que dificilmente seriam decididos

    em sentido favorvel, sejam por falta de apoio da sociedade sejam por ausncia de debate poltico. Logo,

    esta estratgia deliberada de transferncia de responsabilidade ao judicirio pode evitar aos demais

    poderes desgaste poltico, reduzindo possveis prejuzos eleitorais.

    "A Judicializao de questes sociais polmicas pode reduzir os custos eleitorais de uma deciso

    controvertida ou, ainda, obstaculizar a abertura de um debate sobre polticas pblicas ou

    reformas polticas sociedade" .

    3. O ATIVISMO JUDICIAL EM OUTROS PASES

    O ativismo Judicial no um fenmeno praticado apenas pelo judicirio brasileiro. Todos os autores que

    discutem o tema apontam que, em algum momento, tanto pases da Amrica Latina quanto pases

    europeus, praticaram em maior ou menor intensidade o ativismo judicial. Luis Roberto Barroso aponta

    os seguintes casos na Amrica:

    De fato, desde o final da Segunda Guerra Mundial verificou-se, na maior parte dos pases

    ocidentais, um avano da justia constitucional sobre o espao da poltica majoritria, que

    aquela feita no mbito do Legislativo e do Executivo, tendo por combustvel o voto popular. Os

    exemplos so numerosos e inequvocos. No Canad, a Suprema Corte foi chamada a semanifestar sobre a constitucionalidade de os Estados Unidos fazerem testes com msseis em solo

    canadense. Nos Estados Unidos, o ltimo captulo da eleio presidencial de 2000 foi escrito pela

    Suprema Corte, no julgamento de Bush v. Gore. Em Israel, a Suprema Corte decidiu sobre a

    compatibilidade, com a Constituio e com atos internacionais, da construo de um muro na

    fronteira com o territrio palestino. A Corte Constitucional da Turquia tem desempenhado um

    papel vital na preservao de um Estado laico, protegendo-o do avano do fundamentalismo

    islmico. Na Hungria e na Argentina, planos econmicos de largo alcance tiveram sua validade

    decidida pelas mais altas Cortes. Na Coreia, a Corte Constitucional restituiu o mandato de umpresidente que havia sido destitudo por impeachment. Todos estes casos ilustram a fluidez da

    fronteira entre poltica e justia no mundo contemporneo.

    Vanice Regina Lrio do Valle relata alguns casos de ativismo na Europa

    se certo que, no terreno do direito em geral, a tradio germnica repousa em uma premissa

    de um sistema normativo racional, dedutivo, vinculado jurisprudncia dos conceitos, no

    menos certo que a interpretao constitucional culminou por determinar ao TribunalConstitucional outras aproximaes do Texto Fundamental, a partir das premissas de sua

    unidade estrutural, e de seu compromisso em estabelecer uma ordem de valores objetiva,

    instrumental garantia de um ncleo fundamental de direitos (...).

    de Donald Kommers a sntese de estratgias adotadas pela suprema corte, na Alemanha,

    destinadas a suavizar o impacto poltico de suas decises, que pudessem, em alguma medida,traduzir uma interferncia na atuao anterior do legislador. So provimentos ou cunhos

    admonitrio, em que o legislador advertido das deficincias (omisses ou incompreenses dos

    reais limites constitucionais) de sua prpria atuao para corrigi-la diretamente pelo exerccio

    da funo legislativa; ou aquele em que a corte sustenta a constitucionalidade da norma, mas

    adverte o legislador que esse mesmo texto normativo vir a ser revogado, salvo atuao

    legislativa retificadora (...).

    No mesmo sentido, discorre Gilmar Mendes:

    A Corte Constitucional prevista na Lei Fundamental somente foi instituda dois anos aps com aedio da Lei de 12 de maro de 1951.

    [28]

    [29]

    [30]

    [31 ]

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    Imediatamente aps a instituio do Tribunal comeou a luta da Corte Constitucional pelo seu status. A

    insuficiente regulamentao de diferentes questes de ndole organizatria levou o

    Bundesverfassungsgericht a encaminhar, em 21 de maro de 1952, documento aos rgos superiores

    federal, no qual destacava suas qualidades de corte judicial e de rgo constitucional dotado de elevada

    autoridade. Nesse documento solicitava-se a imediata alterao do regime jurdico em vigor. A

    legitimidade desse documento foi contestada por Thoma, em parecer solicitado pelo governo federal. As

    objees contra esse documento no impediram, todavia, que o Tribunal acabasse por fazer valer as

    suas exigncias .

    No raro reconhece a Corte que a lei ou a situao jurdica no se tornou "ainda" inconstitucional,

    conclamando o legislador a que proceda - s vezes dentro de determinado prazo correo ou

    adequao dessa "situao ainda constitucional (...)"

    4. CRTICAS AO ATIVISMO JUDICIAL

    As principais crticas ao ativismo judicial residem nos argumentos de que os juzes e Tribunais, incluindo

    os Tribunais Constitucionais, no teriam legitimidade democrtica para, em suas decises, insurgirem-

    se contra atos legalmente institudos pelos poderes eleitos pelo povo. Surge, ento, o denominado

    contramajoritarismo, que a atuao do poder judicirio atuando ora como legislador negativo, ao

    invalidar atos e leis dos poderes legislativos ou executivos democraticamente eleitos, ora como

    legislador positivo ao interpretar as normas e princpios e lhes atriburem juzo de valor. Os crticos

    argumentam tambm que h intromisso do poder judicirio nos demais poderes da repblica, ferindo

    de morte o princpio da separao e harmonia entre os poderes, bem como o estado democrtico de

    direito e a democracia.

    "Como possvel que um minsculo grupo de juzes, que no so eleitos diretamente pela

    cidadania (como o so os funcionrios polticos), e que no estejam sujeitos a peridicas

    avaliaes populares (e, portanto gozam de estabilidade em seus cargos, livre do escrutnio

    popular) possam prevalecer, em ltima instncia, sobre a vontade popular?

    Faustino da Rosa Jnior assim se posiciona:

    Na verdade, um magistrado s apresenta uma legitimidade legal e burocrtica, no possuindoqualquer legitimidade poltica, para impor ao caso concreto sua opo poltico-ideolgica

    particular na eleio de um meio de efetivao de um direito fundamental. Sucede que, em

    nosso sistema, os magistrados no so eleitos, mas sua acessibilidade ao cargo d-se por meio de

    concursos pblicos, o que lhes priva de qualquer representatividade poltica para efetuar juzos

    desta magnitude. Ademais, por sua prpria formao tcnica e atuao no foro, evidente que

    os magistrados so incapazes de conhecerem as peculiaridades concretas que envolvem a

    execuo de polticas pblicas que visam a realizar concretamente direitos fundamentais pela

    Administrao Pblica.

    Dessa forma, efetua-se uma "politizao" do Judicirio, uma vez que os magistrados passam a efetuar,

    fundados na distorcida prerrogativa do chamado "controle difuso", inadequado a pases de sistema

    romano-germnico, juzos eminentemente polticos. Surge o chamado "juiz poltico", que concretiza

    polticas pblicas de forma descomprometida, uma vez que no responsabilizado pelo cumprimento da

    alocao de recursos efetuada pelos oramentos e planos plurianuais, nem goza de qualquer espcie de

    representatividade poltica, ou mesmo compromisso poltico-partidrio e/ou com algum programa de

    governo especfico .

    Na opinio da sociloga Maria Alice Rezende, as democracias contemporneas sofreram diversas

    mudanas nas ltimas dcadas, e a judicializao seria uma modificao positiva:

    [32]

    [33]

    [34]

    [35]

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    Nos ltimos 60 anos, portanto em consonncia com a Declarao de Direitos Humanos, a

    democracia passou a ser identificada com acesso generalizado a direitos de cidadania. Hoje, ela

    est identificada com a fruio plena de uma cesta bsica de direitos. No se trata de pensar a

    democracia contempornea, marcada pelo processo de judicializao, como uma alternativa

    democracia representativa. Ela se soma aos efeitos e s mutaes dessa democracia nos ltimos

    anos. A virtude da judicializao no o papel proeminente dos magistrados, mas sim a

    educao cvica, a discusso pblica sobre direitos. A lei no pode ser apenas o brao que pune,mas deve tambm acolher, para ajustar, as desigualdades originadas pela globalizao .

    Para analisar as teses contrrias ao ativismo judicial, mister se faz analisar cada um dos institutos

    mencionados.

    4.1. CONTRAMAJORITARISMO

    O termo countermojoritarian difficulty foi utilizado ineditamente por Alexander Bickel, na obra The

    least dangerous branch. Trata-se, em tese, da impossibilidade de tribunais ou rgos no eleitos

    democraticamente invalidarem decises de rgos eleitos por eleies populares. Diante deste

    raciocnio, o STF no poderia declarar inconstitucionalidade de leis, visto que seus membros no foram

    eleitos pelo povo.

    4.2. LEGITIMIDADE CONTRAMAJORITRIA

    A legitimidade contramajoritria encontra-se baseada em dois fundamentos: um jurdico e outro

    filosfico. O fundamento jurdico decorrente da prpria constituio a qual lhe atribui este poder.

    Logo, ao interpretarem e fazerem valer as clusulas abertas e princpios constitucionais, os juzes e

    tribunais esto, em verdade, garantindo a vontade soberana do povo, que em assemblia nacional

    constituinte assim lhes determinou.

    Inobstante, conforme ensinamento de Barroso deve-se acrescentar justificativa jurdica a justificao

    filosfica:

    A justificao filosfica para a jurisdio constitucional e para a atuao do Judicirio na vida

    institucional um pouco mais sofisticada, mas ainda assim fcil de compreender. O Estado

    constitucional democrtico, como o nome sugere, produto de duas idias que se acoplaram,

    mas no se confundem. Constitucionalismo significa poder limitado e respeito aos direitos

    fundamentais. O Estado de direito como expresso da razo. J democracia significa soberania

    popular, governo do povo. O poder fundado na vontade da maioria. Entre democracia econstitucionalismo, entre vontade e razo, entre direitos fundamentais e governo da maioria,

    podem surgir situaes de tenso e de conflitos aparentes.

    Por essa razo, a Constituio deve desempenhar dois grandes papis. Um deles o de estabelecer as

    regras do jogo democrtico, assegurando a participao poltica ampla, o governo da maioria e a

    alternncia no poder. Mas a democracia no se resume ao princpio majoritrio. Se houver oito catlicos

    e dois muulmanos em uma sala, no poder o primeiro grupo deliberar jogar o segundo pela janela,

    pelo simples fato de estar em maior nmero. A est o segundo grande papel de uma Constituio:

    proteger valores e direitos fundamentais, mesmo que contra a vontade circunstancial de quem tem

    mais votos.

    (...) para assegurar a legitimidade e a racionalidade de sua interpretao nessas situaes, o

    intrprete dever, em meio a outras consideraes: (i) reconduzi-la sempre ao sistema jurdico,

    a uma norma constitucional ou legal que lhe sirva de fundamento a legitimidade de umadeciso judicial decorre de sua vinculao a uma deliberao majoritria, seja do constituinte ou

    do legislador .

    Assim, a jurisdio constitucional atuando contra majoritariamente, est na verdade, funcionando como

    guardi da prpria democracia. No se pode conceber democracia como mera participao dos cidados

    em pleitos eleitorais, como bem salienta Jonatas Luiz Moreira de Paula, apoiado em Norberto Bobbio:

    [36]

    [37 ]

    [38]

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    democracia pressupe no s a distribuio de poderes, mas igualdade entre os cidados

    membros da sociedade, seja em oportunidade, seja em condies. A despeito de a democraciareferir-se idia de igualdade, fato inegvel que ela assenta-se sobre uma base social

    complexa e pluralista .

    Portanto, enquanto os demais poderes se legitimam com o resultado das eleies, o poder judicirio se

    legitima na medida em que suas decises so no sentido de alcanar os objetivos previstos na

    constituio, aprovados em Assemblia Nacional Constituinte.

    4.3. POLITIZAO, ATIVISMO JUDICIAL E DEMOCRACIA

    Os limites deste trabalho no permitem aprofundar o debate sobre a democracia em todas as suas

    vertentes, ante a sua pluralidade de sentido e controvrsia, mas faz-se necessrio uma breve anlise

    deste instituto.

    A palavra democracia tem sua origem na Grcia Antiga, vem da palavra grega "demos" que significa

    povo. (demo=povo e kracia=governo). Da porque hoje na maioria das vezes entendemos a democracia

    apenas no clebre conceito de Lincoln o governo do povo, pelo povo e para o povo -, ou simplesmente,

    resumindo-a as eleies diretas para os cargos polticos.

    Este sistema de governo foi desenvolvido em Atenas (uma das principais cidades da Grcia Antiga),

    como um sistema ideal de governo em oposio ao sistema aristocrtico. Esta democracia clssica

    fundava-se na idia de que o governo o prprio povo (demos), sem qualquer intermediao. Esse

    modelo tinha como premissa o princpio da isonomia, segundo o qual os cidados tinham peso poltico

    idntico, independentemente de suas posies sociais.

    Porm ao longo do tempo foi sofrendo transformaes e adaptaes, adequando-se realidade e

    contextos histricos particulares. Aquele modelo de democracia direta surgida na Grcia foi substitudo

    pela democracia representativa, na qual o povo elege os seus representantes, somente vindo a exerc-

    la diretamente, em rarssimas ocasies, como nos plebiscitos e referendos.

    Explicar a "democracia" muito difcil, por tratar-se de um conceito no unvoco, podendo ser analisada

    sob diversos vetores, mas podemos apontar alguns princpios e prticas presentes nos regimes

    democrticos que o diferencia de outras formas de governo.

    A democracia baseia-se nos princpios do governo da maioria, respeitando os direitos individuais e os

    direitos das minorias. A democracia sujeita os governos ao Estado de Direito e assegura que todos os

    cidados recebam a mesma proteo legal e que os seus direitos sejam protegidos pelo sistema

    judicirio. Os governos democrticos exercem a autoridade por meio da lei e esto eles prprios sujeitos

    aos constrangimentos impostos pela lei. Nas democracias, o povo quem detm o poder soberano sobre

    o poder legislativo e o executivo.

    Segundo Robert Alexy , a proposio "Todo o poder estatal provm do povo", exige conceber no s

    o parlamento como, ainda, o tribunal constitucional como representao do povo. O parlamento

    representa o cidado politicamente; o tribunal constitucional, argumentativamente.

    (...) Com isso, deve ser dito que a representao do povo pelo tribunal constitucional tem um

    carter mais idealstico de que aquela pelo parlamento. O cotidiano da explorao parlamentar

    contm o perigo que maiorias imponham-se desconsideradamente, emoes determinem o

    ocorrer, dinheiro e relaes de poder dominem e simplesmente sejam cometidos erros graves.

    Um tribunal constitucional que se dirige contra tal no se dirige contra o povo, mas, em nome do

    povo, contra seus representantes polticos .

    Luana Paixo Dantas do Rosrio assevera que a expanso do mbito de atuao do Poder

    Judicirio, bem como sua politizao, no so contrrias Democracia, mas esto em consonncia com

    ela, com o seu contedo e os seus princpios. Ressalta que as relaes entre direito e poltica na

    dimenso constitucional criam um novo espao aberto ao ativismo positivo de agentes sociais e judiciais

    na produo da cidadania:

    [39]

    [40]

    [41 ]

    [42]

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    O constitucionalismo liberal preza pela defesa do individualismo racional, a garantia limitada dos

    direitos civis e polticos e clara separao dos poderes; o constitucionalismo democrtico prioriza os

    valores da dignidade humana e da solidariedade social, a ampliao do mbito de proteo dos direitos e

    redefinio das relaes entre os poderes do estado .

    A legitimidade democrtica do Judicirio pode ser compreendida pelo vis do discurso, pela realizao

    da finalidade ou contedo da democracia, os Direitos Fundamentais, ou pelo vis da participao direta

    do cidado no Poder Judicirio, considerado como espao poltico. Deste modo, pode ser compreendida

    pela idia de legitimidade discursiva, da participao poltica e da representatividade discursiva .

    " preciso no esquecer que a crescente busca, no mbito dos tribunais, pela concretizao de

    direitos individuais e/ou coletivos tambm representa uma forma de participao no processo

    poltico" :

    A politizao do Judicirio - para utilizar corrente expresso doutrinria, embora esta expresso possa

    dar a entender que signifique conferir natureza de poltico a algo que no tivesse essa natureza

    originariamente, o que seria um grave equvoco possibilita a construo da Democracia, porque torna

    este um importante nvel de acesso do cidado s instncias do poder. Dessa forma, possibilita-se, na

    sociedade plural, que grupos no possuidores de representatividade, influam nas decises polticas. Isto

    no enfraquece a Democracia representativa, antes, a complementa ao contemplar os princpios

    democrticos.

    "Os mtodos de atuao e de argumentao dos rgos judiciais so, como se sabe, jurdicos,

    mas a natureza de sua funo inegavelmente poltica"

    Outra vez recorreremos aos ensinamentos de Luis Roberto Barroso.

    (...) o Judicirio tem caractersticas diversas da dos outros Poderes. que seus membros no

    so investidos por critrios eletivos nem por processos majoritrios. E bom que seja assim. Amaior parte dos pases do mundo reserva uma parcela de poder para que seja desempenhado

    por agentes pblicos selecionados, com base no mrito e no conhecimento especfico. Idealmente

    preservado das paixes polticas, ao juiz cabe decidir com imparcialidade, baseado na

    Constituio e nas leis. Mas o poder de juzes e tribunais, como todo poder em um estado

    democrtico, representativo. Vale dizer: exercido em nome do povo e deve contas

    sociedade

    Em sentido contrrio, Daniel Sarmento diz que h uma tenso potencial entre o constitucionalismo e a

    democracia.

    H uma tenso potencial entre o constitucionalismo e a democracia. De forma bem esquemtica,

    a democracia identifica-se com o governo do povo, postulando o predomnio da vontade da

    maioria, enquanto o constitucionalismo preocupa-se com a limitao ao exerccio do poder,

    estabelecendo barreiras para o exerccio da soberania popular (...)

    Embora na viso contempornea do Estado Democrtico de Direito, democracia e

    constitucionalismo sejam corretamente vistos como valores complementares e sinrgicos,

    preciso dosar com cuidado os ingredientes desta frmula. Limitaes exageradas ao poder

    podem asfixiar a soberania popular e comprometer e autonomia poltica do cidado, coautor do

    seu destino coletivo. Mas tambm uma "democracia" sem limites tenderia a pr em risco osdireitos das minorias, alm de outros valores essenciais, que so pressupostos para a prpria

    continuidade da empreitada democrtica. (...)

    O autor refuta a tese de que a Constituio , por definio, a expresso da soberania do povo, e que

    no haveria qualquer obstculo democrtico imposio pela constituio de limites ao legislador sob

    dois argumentos: um temporal - no qual discute at que ponto legtimo que uma determinada

    gerao, sob determinado contexto histrico, adote decises que iro vincular geraes futuras, em

    cenrios muitos diferentes - e outro semntico ante as prescries constitucionais vagas, como

    [43]

    [44]

    [45]

    [46]

    [47 ]

    [48]

    [49]

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    dignidade da pessoa humana; igualdade, solidariedade social e moralidade administrativa, cita como

    exemplo a discusso sobre pesquisas com clulas-tronco, cujo princpio da dignidade da pessoa humana

    que era utilizado tanto pela corrente favorvel quanto por aquela que se opunha a tais pesquisas.

    Cumpre destacar que o autor no nega a legitimidade das constituies, nem sua garantia pelo

    judicirio, apenas demonstra que h tenso entre democracia e constitucionalismo.

    Luiz Verneck Vianna afirma que, na cena contempornea do Ocidente, no se pode mais

    compreender a democracia sem levar em conta as profundas transformaes por que tem passado,

    desde o segundo ps-guerra, as relaes entre os sistemas do direito e da poltica. Com efeito, a

    consagrao do modelo do constitucionalismo democrtico, impondo a frmula do judicial review afetou

    o princpio da soberania da maioria, cujas manifestaes legislativas se tornam passveis de controle por

    parte do juiz nos casos em que no esto condizentes com o texto constitucional ou com os princpios

    que os informam.

    4.4. Ativismo judicial e a separao dos poderes

    4.4.1. Origem da separao dos poderes

    A teoria da separao dos poderes brotou ainda na antiguidade, nas manifestaes de Aristteles ao

    tratar, na obra A Poltica, da existncia de trs poderes. Para Aristteles, a concentrao do poder

    poltico nas mos de um s homem, "sujeito a todas as possveis desordens e afeies da mente

    humana", era inconveniente, distinguindo, pois, trs funes do estado: o deliberativo, o executivo e o

    judicirio. O primeiro encarregado de deliberar sobre os negcios do Estado, entregue a uma

    assemblia, que era dotada de competncia para decidir sobre a paz e a guerra, estabelecer ou romper

    alianas, e ainda, fazer ou revogar leis. O segundo exercido pelas magistraturas governamentais teria

    prerrogativas e atribuies a determinar em cada caso, e por fim, o terceiro rgo de uma constituio,

    para Aristteles, o que administra a justia.

    Foi John Locke, entretanto que, na era moderna, formulou a primeira construo sistemtica de uma

    teoria da separao dos poderes, dividindo-os em Legislativo, Executivo e Federativo. Ao primeiro,

    competia elaborar as leis que disciplinariam o uso da fora na comunidade civil; ao segundo, aplicar as

    leis aos membros da comunidade; e ao terceiro, o desempenho da funo de relacionamentos com

    outros estados.

    John Locke considerava o legislativo como o poder supremo, ao qual os outros dois poderes se

    subordinavam, sendo que o legislativo se submetia apenas ao poder do povo. Para ele, o poder

    executivo e o poder federativo deveriam ser exercidos pela mesma pessoa. O essencial era a separao

    entre legislativo e executivo.

    Embora tenha surgido da antiguidade, esta teoria somente foi acolhida pelo mundo moderno aps a

    sistematizao de Montesquieu, em sua obra O Esprito das Leis.

    Para Montesquieu,

    quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura o poder legislativo est reunido

    ao poder executivo, no existe liberdade, pois pode-se temer que o mesmo monarca ou o

    mesmo senado apenas estabeleam leis tirnicas para execut-las tiranicamente. Tambm no

    haver liberdade se o poder de julgar no estiver separado do poder legislativo e do executivo.

    Se estivesse ligado ao poderlegislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidados seria

    arbitrrio, pois o juiz seria legislador. Se estivesse ao poder executivo, o juiz poderia ter a fora

    de um opressor. Tudo estaria perdido se o mesmo homem ou o mesmo corpo dos prncipes ou

    dos nobres, ou do povo exercesse esses trs poderes. O de fazer as leis, o de executar as

    resolues pblicas e o de julgar os crimes ou as divergncias dos indivduos.".

    Assim, baseado na realidade poltica da Frana daquela poca, Montesquieu props a separao dos

    poderes a fim de controlar o poder do soberano, tendo como objetivo a liberdade:

    [50]

    [51 ]

    [52]

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    encontra-se a liberdade poltica unicamente nos estados moderados. Porm ela nem sempre

    existe nos estados moderados: s existe nesses ltimos quando no se abusa do poder; mas a

    experincia eterna mostra que todo homem que tem o poder tentado a abusar dele; vai at

    onde encontra limites (...). Para que no se possa abusar do poder preciso que, pela disposio

    das coisas, o poder freie o poder.

    "O autor tinha os olhos postos na realidade poltica francesa, dentro da qual era ardoroso

    defensor do liberalismo contra o absolutismo monrquico do Ancien Regime" . Por

    conseguinte, esta teoria visava a combater o poder poltico e no a uma tcnica de organizao

    racional das funes pblicas. o que nos ensina Hans Kelsen na obra Teoria geral direito e do

    estado. (...) "A significao histrica do princpio chamado separao de poderes encontra-se

    precisamente no fato de que ele opera antes contra uma concentrao que a favor de uma

    separao de poderes"(...).

    No mesmo sentido, o Ministro Cezar Peluso, no julgamento da Adin 3367, traz os ensinamentos de

    Trcio Sampaio Ferraz Junior.

    Montesquieu, na verdade, via na diviso de poderes muito mais um preceito de arte poltica do

    que um princpio jurdico. Ou seja, no se tratava de um princpio para a organizao do sistema

    estatal e de distribuio de competncias, mas um meio de se evitar o despotismo real. "(...)

    Nesse sentido, o princpio no era de separao de poderes, mas de inibio de um pelo outro de

    forma recproca."

    E prossegue o eminente ministro Cezar Peluso em seu voto:

    A matriz histrica da separao dos poderes h de ser, pois, reconduzida, no contexto da causa,ao alcance de instrumento poltico que lhe emprestava o autor que a consagrou como teoria:

    conter o poder, para garantir a liberdade. esta a razo por que, em coerncia com seus

    pressupostos tericos e objetivos prticos, MONTESQUIEU jamais defendeu a ideia de uma

    separao absoluta e rgida entre os rgos incumbidos de cada uma das funes estatais .

    Tambm o Ministro Eros Grau, em seu voto no julgamento da Adin n 3367, assim se posicionou: "O

    que importa verificar, inicialmente, na construo de Montesquieu, o fato de que no cogita de uma

    efetiva separao de poderes, mas sim de uma distino entre eles, que, no obstante, devem atuar em

    clima de equilbrio" .

    Este o entendimento do mestre Jos Joaquim Gomes Canotilho.

    Hoje, tende a considerar-se que a teoria da separao dos poderes engendrou um mito.

    Consistiria este mito na atribuio a Montesquieu de um modelo terico reconduzvel teoria da

    separao dos poderes rigorosamente separados: o executivo (o rei e seus ministros), o

    legislativo (1 cmara e 2 cmara, cmara baixa e cmara alta) Cada poder recobriria um

    funo prpria sem qualquer interferncia dos outros. Foi demonstrado por Eisenmann que esta

    teoria nunca existiu em Montesquieu: por um lado reconhecia-se ao executivo o direito de

    interferir no legislativo porque o rei gozava do direito de veto; em segundo lugar, porque olegislativo exerce vigilncia sobre o executivo na medida em que controla as leis que votou,

    podendo exigir aos ministros conta da sua administrao; finalmente, o legislativo sobre o

    judicial quando se trata de julgar os nobres pela Cmara dos Pares, na concesso de anistias e

    nos processos polticos que deviam ser apreciados pela Cmara alta sob acusao da Cmara

    baixa

    Dalmo de Abreu Dallari relata que os trs poderes que compem o aparato governamental dos estados

    contemporneos, sejam ou no definidos como poderes, esto inadequados para a realidade social e

    poltica do nosso tempo, assim se justificando.

    (...) Isso pode ser facilmente explicado pelo fato de que eles foram concebidos no sculo dezoito,

    para realidades diferentes, quando se imaginava o "Estado Mnimo", pouco solicitado, mesmo

    porque s uma pequena parte das populaes tinha a garantia de seus direitos e possibilidade de

    se exigir que eles fossem respeitados. Esse desajuste, sob certos aspectos, ainda mais

    acentuado quanto ao judicirio (...)

    [53]

    [54]

    [55]

    [56]

    [57 ]

    [58]

    [59]

    [60]

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    5. A EVOLUO DO DIREITO NO BRASIL: DO POSITIVISMO JURDICO AO

    NEOCONSTITUCIONALISMO E A EXPANSO DO PODER JUDICIRIO

    5.1. Contextualizao

    O Sistema Jurdico no Brasil foi inspirado no Cdigo Civil Napolenico o qual era pautado em trs

    premissas: o liberalismo, o individualismo e o patrimonialismo. A nossa cultura jurdica era pautada no

    constitucionalismo liberal, que visava garantir as liberdades individuais; a limitar os poderes do estado

    e a rgida separao dos poderes.

    De concepo profundamente positivista e, ante a hermenutica tradicional, no era permitido aos

    intrpretes juzes qualquer juzo de valor na aplicao dos princpios constitucionais e tambm no

    eram assegurados os direitos fundamentais sociais. A constituio era na verdade uma carta de

    inteno poltica, a qual dispunha apenas de meros conselhos. No se reconhecia tambm a jurisdio

    constitucional.

    O Poder Judicirio, diante da rgida separao dos poderes, no dispunha de nenhuma margem de

    interpretao axiolgica. A interpretao jurdica era um processo silogstico de subsuno do fato

    norma. O juiz " um revelador de verdades abrigadas no comando geral e abstrato da lei". .

    Conforme Maximiliano citado por Lopes Junior:

    Dirige-se ao magistrado (a parte prejudicada) somente porque ele encarna a vontade soberana

    do estado, respeitada pelos bons, imposta aos maus. No se fala no pretrio, em motivos

    econmicos, sentimentos morais, costumes populares. O juiz apenas colhe nos repositrios as

    ordens escritas do estado, sob qualquer de suas formas; conclui com aparente rigor lgico, e

    profere a sentena, como se fora esta uma simples realizao positiva da vontade do soberano

    Rex ou do soberano Demos, isto , do monarca, ou do povo representado pelas autoridades

    eleitas .

    A Constituio no tinha nenhuma fora normativa, portanto seus preceitos no eram aplicados

    diretamente aos casos concretos. Vrios direitos fundamentais contidos na Constituio eram

    interpretados como normas que dependiam de regulamentao pela legislao ordinria. Logo, "a

    concretizao das propostas contidas na Constituio ficava invariavelmente condicionada

    conformao do legislador ou discricionariedade do administrador" . "Ao Judicirio, no se

    reconhecia qualquer papel relevante na realizao do contedo da Constituio" .

    Luis Roberto Barroso afirma que "a experincia poltica e constitucional no Brasil, da independncia at

    1988, a melanclica histria do desencontro de um pas com a sua gente ".Assegura que "a falta de

    efetividade das sucessivas constituies brasileiras decorreu do no-reconhecimento da fora

    normativa aos seus textos e da falta de vontade poltica de dar-lhe aplicabilidade direta e imediata

    ".

    Assim, no Estado Liberal positivista, (...) "cujo apreo reverencial s codificaes e soberania da

    vontade do legislador foram incentivados pelo esprito formalista da dogmtica tradicional" (...) , o

    Direito institucionalizado, para, em nome da ordem e da justia, encobrir a dominao das elites

    detentoras do poder, em detrimento da maioria de seu povo.

    Eduardo Monteiro Lopes Junior aponta dois acontecimentos que promoveram a modernizao da

    cultura jurdica no pas: a reforma constitucional de 1926 e a influncia do processualista italiano Enrico

    Tullio Liebman, a partir da dcada de 1940. O autor se reporta na reforma de 1926 instituio do

    instrumento processual, recurso extraordinrio, que passou a possibilitar a contestao de atos

    administrativos, leis e decises judiciais que contrariassem dispositivo de lei federal ou da prpria

    constituio federal. Ainda que esse remdio judicial possibilitasse a homogeneizao da jurisprudncia

    constitucional, at ento fragmentada por decises contraditrias por todo o territrio nacional, este

    continuava a ser mtodo de controle da constitucionalidade por via de exceo.

    [61 ]

    [62]

    [63]

    [64]

    [65]

    [66]

    [67 ]

    [68]

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    Em razo da peculiar evoluo do direito brasileiro, a ordem constitucional apresentou, no decorrer da

    histria poltica do pas, as seguintes incongruncias: a concentrao de funes governamentais; a

    independncia meramente formal e submissa das atividades judicantes; a crena na supremacia da

    autoridade legislativa na aplicao e interpretao das leis (.) .

    6. NEOCONSTITUCIONALISMO, PRINCPIOS CONSTITUCIONAIS E FILTRAGEM

    CONSTITUCIONAL

    Como visto, o direito e a cultura jurdica no Brasil evoluram lentamente, como salientados por Paulo

    Ricardo Schier:

    viveu-se no direito, por longos e longos anos, sob o quarto escuro e empoeirado do positivismo

    jurdico, da separao quase absoluta entre direito e moral, da idia do juiz neutro e passivo, da

    reduo do direito a enunciados lingusticos da repulsa aos fatos e vida em relao a tudo que

    se dissesse jurdico, da separao metodolgica e cognitiva entre sujeito e objeto de

    interpretao, da prevalncia sempre inafastvel das opes do legislador em detrimento das

    opes da constituio e da criatividade hermenutica do juiz, da negao da normatividade aos

    princpios e, assim, em grande parte da prpria Constituio .

    A despeito de, com o incio do Estado Social no Brasil, na dcada de 30, surgirem alguns mecanismos de

    defesa judicial, notadamente, o recurso extraordinrio apontado anteriormente e o mandado de

    segurana . Somente com a promulgao da Constituio de 1988 houve uma mudana significativa

    na forma de pensar e fazer o direito.

    6.1. NEOCONSTITUCIONALISMO

    Para se contrapor ao modelo jurdico vigente, surge na Europa na dcada de 70 e 80, o movimento

    denominado de teoria crtica do direito. Nas palavras de Barroso "era um conjunto de movimentos e de

    ideias que questionam o saber jurdico tradicional na maior parte de suas premissas: cientificidade,

    objetividade, neutralidade e completude" . Este movimento trazia como premissa recompor a

    ordem legal e social com base em princpios ticos e questionavam a separao entre cincia e tica,

    resultante do positivismo e da teoria pura do direito.

    No Brasil, apesar do perodo autoritrio, este movimento teve papel importante na

    redemocratizao do pas e, uma vez mais, recorreremos aos ensinamentos de Barroso.

    (...) o pensamento crtico no pas alou voo de qualidade e prestou inestimvel contribuio

    cientifica.

    Mas no foi um sucesso de pblico.

    Nem poderia ter sido diferente. O embate para ampliar o grau de conscientizao dos operadores

    jurdicos foi desigual. Alm da hegemonia quase absoluta da dogmtica convencional beneficiria da

    tradio e da inrcia -, a teoria crtica conviveu, tambm, com um inimigo poderoso: a ditadura militar e

    seu arsenal de violncia institucional, censura e dissimulao. A atitude filosfica em relao ordem

    jurdica era afetada pela existncia de uma legalidade paralela dos atos institucionais e da segurana

    nacional que, frequentemente desbordava para um estado de fato. No eram tempos amenos para o

    pensamento de esquerda e para o questionamento das estruturas de poder poltico e de opresso social

    .

    Com a crise do positivismo jurdico e da velha dogmtica do estado legalista, no qual o direito regulava

    apenas as relaes privadas e a persecuo criminal por parte do estado, surge o estado constitucional

    ou neoconstitucionalismo. Os valores da sociedade se materializam em princpios constitucionais e

    passam a integrar os textos das constituies, trazendo ao sistema jurdico a aproximao do direito, da

    tica e da moral.

    Nas palavras de Vanice Regina Lrio do Valle:

    [69]

    [7 0]

    [7 1 ]

    [7 2]

    [7 3]

    [7 4]

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    Neoconstitucionalismo, constitucionalismo avanado ou constitucionalismo de direitos so

    expresses que traduzem uma mesma realidade, consistente num modelo que limita o poder,

    porque suas ideias fundantes assim o exigem como mecanismo de sua prpria afirmao.

    Esclarece a autora que no se cuida mais, portanto, de limitar o poder porque ele se possa

    desviar de seus parmetros de atuao; mas sim, de limitar o poder, numa cogitaoobjetivamente orientada de que o seu exerccio h de ser voltado concretizao daquelas

    mesmas normas fundamentais, e qualquer outro percurso ser ilegtimo, tanto do poder que age

    por fora de competncia originria, como daquele que controla a ao j desenvolvida .

    Ainda de acordo com a autora:

    a partir da moldura terica consagradora da constituio como materializao das premissas

    valorativas do estado, e da democracia substantiva, como mecanismo de concretizao desses

    mesmos propsitos, surge espao para o denominado neoconstitucionalismo, que nas lies de

    Pietro Sanchs associa duas tradies: (1) do constitucionalismo norte-americano, voltado aoestabelecimento das regras do jogo de competncia social e poltica, como pacto de mnimos

    destinados a assegurar a autonomia dos indivduos, autores principais das decises coletivas; e

    (2) do constitucionalismo de matriz europia, que concebe a constituio como um projeto

    poltico articulado, tendo em conta a promoo de uma transformao social e poltica. Dessa

    combinao resultar uma constituio com forte contedo normativo, revestida de garantias

    necessrias sua concretizao, que por essa mesma vincularidade, dialoga no mais

    exclusivamente com o legislador, mas com todos os operadores jurdicos .

    Andr Rufino do Vale sintetiza o neoconstitucionalismo da seguinte maneira:

    a) a importncia dada aos princpios e valores como componentes elementares dos sistemas

    jurdicos constitucionalizados; b) a ponderao como mtodo de interpretao/aplicao dos

    princpios e de resoluo dos conflitos entre valores e bens constitucionais; c) compreenso da

    constituio como norma que irradia efeitos por todo o ordenamento jurdico, condicionando

    toda a atividade jurdica e poltica do estado e at mesmo dos particulares em suas relaes

    privadas; d) o protagonismo dos juzes em relao ao legislador na tarefa de interpretar aConstituio e a aceitao de alguma conexo entre Direito e moral .

    Luis Roberto Barroso aponta como marco do novo direito constitucional no Brasil a Constituio de

    1988 e o processo de redemocratizao que ela ajudou a protagonizar:

    No caso Brasileiro, o renascimento do direito constitucional se deu, igualmente no ambiente dareconstitucioanalizao do pas, por ocasio da discusso prvia, convocao, elaborao e

    promulgao da Constituio de 1988. Sem embargo de vicissitudes de maior ou menor

    gravidade no seu texto, e da compulso com que tem sido emendada ao longo dos anos, a

    Constituio foi capaz de promover, de maneira bem sucedida, a travessia do Estado Brasileiro

    de um regime autoritrio, intolerante e, por vezes, violento para um Estado democrtico de

    direito .

    Como o neoconstitucionalismo ou estado constitucional de direito emergiu para contrapor-se ao

    positivismo jurdico que no mais atendia ao ideal de justia. Este novo modelo traz, como trao

    marcante, a valorizao dos princpios e direitos fundamentais, os quais passam a serem materializados

    na constituio e vincula todo o ordenamento jurdico com a fora normativa que lhes so atribudos

    pela nova ordem jurdica, exigindo dos juristas uma nova forma de interpretao da Constituio e de

    todo o ordenamento jurdico luz dos princpios nela contidos.

    Com efeito, neste novo modelo, o constituinte opta pelas denominadas clusulas abertas ou conceitos

    jurdicos indeterminados no qual os intrpretes juzes e demais operadores jurdicos - tornam-se

    coparticipantes do processo de criao do Direito, completando o trabalho do legislador ao fazer

    valoraes de sentido para as clusulas abertas e ao realizar escolhas entre solues possveis .

    6.2. A CONSTITUIO BRASILEIRA DE 1988 E A MUDANA DE PARADIGMAS

    [7 5]

    [7 6]

    [7 7 ]

    [7 8]

    [7 9]

    [80]

    [81 ]

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    A Constituio promulgada em 1988 elevou a status constitucionais vrios direitos fundamentais e, por

    via de consequncia, ampliou sobremaneira os mecanismos de defesa destes direitos, incluindo os

    institutos especficos para defesas dos direitos individuais e coletivos como o mandado de segurana, o

    habeas-data, o mandado de injuno e o controle concentrado de constitucionalidade, a ampliao dos

    legitimados a proporem aes de inconstitucionalidades e, ainda, com a ampliao dos poderes do Poder

    Judicirio.

    Com esses direitos fundamentais insculpidos no texto constitucional e a ampliao e a facilitao do

    acesso justia, a populao que, at ento, era excluda de qualquer mecanismo de poder, e ante a

    omisso dos poderes executivos e legislativos para efetiv-los, passou a exigir que o Judicirio se

    manifestasse a fim de ver garantido aqueles direitos assegurados pelo poder constituinte. neste

    cenrio que comeam a surgir as primeiras manifestaes do novo neoconstitucionalismo, surgindo, no

    Brasil, a denominada judicializao da poltica e o ativismo judicial.

    Com efeito, dentre os direitos fundamentais assegurados ao cidado, o art. 5, inciso XXXV dispe que a

    lei no excluir da apreciao do Poder Judicirio leso ou ameaa a direito; de igual forma o art. 4 da

    lei de introduo ao Cdigo Civil diz que, sempre que a lei for omissa, o juiz decidir o caso de acordo

    com a analogia, os costumes e os princpios gerais de direito. Donde, facilmente, se conclui que, mesmo

    nos casos em que o legislador no regulamentou determinado direito, se houver leso ou ameaa a

    direitos, o poder judicirio ao ser chamado, tem de se manifestar, porm, agora, os princpios que antes

    eram utilizados somente na ausncia de norma aplicvel ao caso concreto, passam ao centro do

    ordenamento jurdico, como ator principal, e, na maioria das vezes, limitando o poder do legislador e

    vinculando todo o ordenamento jurdico.

    6.3. OS PRINCPIOS CONSTITUCIONAIS E SUA FORA NORMATIVA

    Paulo Ricardo Shier assevera que, durante longo perodo de tempo, afirmar que determinado

    enunciado tinha carter principiolgico significava retirar-lhe sua normatividade, pois, nos modelos

    conservadores da teoria jurdica, os princpios no passavam de meros conselhos ticos, polticos ou

    morais aos quais no estavam os legisladores vinculados.

    Atrelada a uma concepo de norma reduzida ao enunciado lingustico de carter eminentemente

    positivista, a aplicao do Direito limitava-se subsuno entre normatividade e realidade. Este

    mecanismo funcionava diante das regras, todavia, no era suficiente para proceder diante de

    enunciados dotados de elevada carga axiolgica, baixa densidade normativa e alto grau de

    indeterminao. O processo de subsuno no funcionava nestes casos, da a razo por que o

    positivismo retirou dos princpios sua normatividade.

    "Assim a Constituio, por sua feio eminentemente principiolgica, encontrava dificuldade de

    realizao com as teorias formalistas tradicionais" . "Logo, no plano do Constitucionalismo,foi necessrio superar os referidos modelos de norma jurdica propugnados pelos diversos

    positivismos, impondo uma viso que comportasse tambm normatividade aos princpios" .

    "Logo, necessita o sistema jurdico e o constitucional, de regras e princpios, que passam a

    desempenhar, no ordenamento, funes diversas" .

    Luis Roberto Barroso nos ensina que:

    No Direito contemporneo, a Constituio passou a ser compreendida como um sistema aberto

    de princpios e regras, permevel a valores jurdicos suprapositivo, no qual as idias de justia e

    de realizao dos direitos fundamentais desempenham um papel central. Rememore-se que o

    modelo jurdico tradicional fora concebido apenas para a interpretao e aplicao de regras.

    Modernamente, no entanto, prevalece a concepo de que o sistema jurdico ideal se

    consubstancia em uma distribuio equilibrada de regras e princpios, nos quais as regras

    desempenham o papel referente segurana jurdica previsibilidade e objetividade das

    condutas e os princpios, com sua flexibilidade, do margem realizao da justia do caso

    concreto .

    [82]

    [83]

    [84]

    [85]

    [86]

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    com base nos princpios constitucionais que os tribunais invalidam leis e atos do poder executivo,

    gerando a crtica ao denominado contramajoritarismo. tambm em respeito aos princpios

    constitucionais que todos os ramos do direito devem se conformar ao texto da constituio, surgindo a

    filtragem constitucional ou, como alguns autores a denominam, a constitucionalizao do direito. Nesse

    novo modelo de ordenamento com a efetivao da Jurisdio Constitucional, toda norma

    infraconstitucional dever ser interpretada e aplicada luz da constituio, no podendo afrontar

    normas e princpios nela previstos.

    com base em princpios e clusulas abertas como o da dignidade da pessoa humana; moralidade, que o

    STF tem sido provocado para se manifestar sobre a constitucionalidade de diversos temas avaliados

    como polmicos pela opinio pblica, como: pesquisas com clulas-tronco, aborto, dentre tantos outros.

    nessa interpretao, que aparece o chamado ativismo judicial que ser analisado no prximo captulo.

    Daniel Sarmento faz uma crtica ao que ele chama de decisionismo judicial com base nos princpios

    constitucionais, assim se posicionando.

    E a outra face da moeda o lado do decisionismo e do "oba-oba". Acontece que muitos juzes,

    deslumbrados diante dos princpios e da possibilidade de atravs deles, buscarem a justia ou que

    entendem por justia -, passaram a negligenciar no seu dever de fundamentar racionalmente os seus

    julgamentos. Esta "euforia" com os princpios abriu um espao muito maior para o decisionismo judicial.

    Um decisionismo travestido sob as vestes do politicamente correto, orgulhoso com seus jarges

    grandiloquentes e com a sua retrica inflamada, mas sempre um decisionismo. Os princpios

    constitucionais, neste quadro, converteram-se em verdadeiras "varinhas de condo": com eles, o

    julgador de planto consegue fazer quase tudo o que quiser.

    Esta prtica profundamente danosa a valores extremamente caros ao Estado Democrtico de Direito.

    Ela prejudicial democracia, porque permite que juzes no eleitos imponham a suas preferncias e

    valores aos jurisdicionados, muitas vezes passando por cima de deliberaes do legislador. Ela

    compromete a separao dos poderes, porque dilui a fronteira entre as funes judiciais e legislativas. E

    ela atenta contra a segurana jurdica, porque torna o direito muito menos previsvel, fazendo-o

    dependente das idiossincrasias do juiz de planto, e prejudicando com isso a capacidade do cidado de

    planejar a prpria vida com antecedncia, de acordo com o conhecimento prvio do ordenamento

    jurdico .

    Schier tambm chama ateno para no se alargarem os horizontes da principiologia constitucional a

    ponto de se afirmar que toda e qualquer norma pode ser ponderada ou relativizada. Para o autor, essa

    atitude, que tem se disseminado em parte da doutrina nacional, parece ser perigosa:

    Diz-se que tudo princpio e assim busca-se forar a possibilidade de "encontrar" colises com vistas a

    relativizar certos contedos da Constituio. Trata-se aqui, no de uma adequada compreenso

    principiolgica da Lei Fundamental, mas, ao contrrio, de uma atitude que, levada ao extremo, pode, ao

    invs de contribuir com os discursos de afirmao da normatividade constitucional, nega-lo .

    6.4. FILTRAGEM CONSTITUCIONAL

    Como visto no tpico anterior, uma das caractersticas do neoconstitucionalismo a normatividade dos

    princpios constitucionais. Esses princpios irradiam os seus valores por todo o ordenamento jurdico,

    impondo uma filtragem constitucional em todos os ramos do Direito, limitando as liberdades de atuao

    e impondo deveres, tanto ao executivo quanto ao legislativo e, ao mesmo tempo, servindo de

    parmetros para o judicirio no controle de constitucionalidade e interpretao das normas

    infraconstitucional.

    A filtragem constitucional impe que toda a ordem jurdica seja interpretada luz da constituio, em

    conformidade com seus princpios e direitos fundamentais, possibilitando a aplicao da Constituio

    diretamente ao caso concreto.

    [87 ]

    [88]

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    Entretanto, boa parte da doutrina tem manifestado preocupao e recomendado cautela na aplicao da

    constituio e, consequentemente, na filtragem constitucional.

    Daniel Sarmento reconhece o papel extremamente importante que a filtragem constitucional tem

    desempenhado nos diversos ramos do direito, impondo uma releitura dos mais importantes institutos,

    porm chama ateno para o que ele denomina de "Panconstitucionalizao". Para o autor, a

    constitucionalizao em excesso antidemocrtica na medida em que retira da maioria o poder de

    deciso.

    7. ATIVISMO JUDICIAL NO BRASIL

    No obstante o fato de que o fenmeno ativismo judicial, como visto, tenha surgido no sculo passado;

    no Brasil, somente aps a Constituio de 1988, a discusso sobre judicializao da poltica e,

    conseqentemente sobre o ativismo judicial, tem sido abordada, tanto por cientistas polticos, como por

    operadores do direito. Atualmente este tema tem despertado interesse no s no meio acadmico, que

    tem produzido vrios artigos, teses e monografias abordando o tema, especialmente da problemtica da

    judicializao da poltica, como tambm da mdia em geral.

    Sem adentrar no mrito da linha editorial, do grupo de interesse ou orientao poltica que a mdia

    representa, fato que atualmente grandes jornais de repercusso nacional tm contribudo no debate

    sobre o tema, atravs da opinio de jornalistas, intelectuais, analistas polticos e colunistas,

    notadamente naqueles casos de repercusso nacional.

    Conforme apontado por Vanice Regina Lrio do Valle e outros autores no captulo I, no tarefa fcil

    definir uma deciso judicial como ativista, j que o parmetro utilizado para caracterizar uma deciso

    como ativismo judicial reside numa controvertida posio sobre qual a correta leitura de um

    determinado dispositivo constitucional. Ante o exposto neste captulo, abordaremos algumas decises

    judiciais apontadas pela doutrina como ativista.

    No Brasil, detectamos todas as modalidades de ativismo judicial descrito por Luiz Machado Cunha e

    apontado no captulo 1, notadamente pelo STF, ainda que os outros Tribunais tambm as pratiquem,

    como veremos adiante, tanto na Justia Eleitoral, quanto na Justia do Trabalho.

    7.1. ATIVISMO JURISDICIONAL

    Conforme j mencionado, nesta modalidade de ativismo, o tribunal amplia seus limites jurisdicionais a

    fim de modificar, corrigir ou complementar leis e atos administrativos. o que vem ocorrendo no STF,

    que saiu de uma posio conservadora, para, ampliando os limites de sua competncia, mudar o

    entendimento da corte e ter uma jurisprudncia mais ativa.

    Na inaugurao de nosso sistema de controle de constitucionalidade, nos albores da vigncia da Carta de

    1988, revelava o STF maior afinidade com os temas prprios do direito privado e ao processo, fator que

    contribuiu para formao de uma jurisprudncia defensiva no que toca s potencialidades dos

    instrumentos de jurisdio constitucional ento criado. Esse mesmo quadro no mais prospera, seja pelo

    crescimento da valorizao das questes diretamente afetas ao Direito Constitucional seja pela mudana

    de composio da corte, que passou a receber magistrados originrios de um ambiente acadmico ou

    judicirio que j experimentava essa mesma valorizao da Constituio. .

    Antonio Moreira Maus e Alexandre Pinho Fadel, analisando as aes Diretas de

    Inconstitucionalidades, observam uma postura limitativa do Supremo Tribunal Federal aps a

    promulgao da Constituio. "No entanto, nos primeiros anos aps a promulgao da, o STF elaborou

    uma jurisprudncia que limitou os canais pelos quais as decises ou omisses do legislador poderiam ser

    por ele revistas" .

    [89]

    [90]

    [91 ]

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    De fato, no ano de 1994 no Mandado de Injuno n. 20, o STF reconheceu a mora do legislador quanto

    regulamentao do direito de greve dos servidores pblicos, todavia limitou-se a comunicar a mora ao

    Poder Legislativo, nos termos do artigo 103, inciso IX, 2, da CRFB, inobstante, j, naquela poca, os

    ministros Marco Aurlio de Melo e Carlos Veloso defenderem que o tribunal fixasse as bases para o

    regular exerccio do direito de greve, tomando como parmetro a lei 7783/89. Ressaltava o ministro

    Marco Aurlio que, ao Mandado de Injuno, no se poderiam emprestar contornos prprios ao

    direta de inconstitucionalidade por omisso, sob pena de se reconhecer a dualidade de institutos com o

    mesmo objeto.

    Transcorridos 19 anos da promulgao da Constituio e 13 anos da primeira deciso, reconhecendo a

    mora do Poder Legislativo, sem que este a suprisse, o STF, em 2007, no julgamento do MI 712

    determinou a aplicao da Lei 7783/89 que regulamenta o direito de greve na iniciativa privada aos

    servidores pblicos, tornando, in casu, um legislador positivo.

    Tambm no MI 721, o STF o julgou parcialmente procedente para reconhecer a mora do legislador na

    regulamentao do artigo 40, 4, inciso III, da CRFB e determinou que se aplicasse a uma servidora

    pblica o art. 57 da Lei 8213/91, concedendo-lhe o direito aposentadoria especial por exercer

    atividades em rea insalubre.

    Tambm verificamos essa ampliao de competncia em relao s Aes Declaratrias de

    Inconstitucionalidade por Omisso ADIO, notadamente, na ADIO 3.682, na qual o STF fixou prazo de

    18 meses para que o Legislador purgasse a mora e editasse a lei reclamada. O Tribunal entendia que

    desencadeado o processo legislativo, no haveria mora , no entanto, neste julgamento, os ministros

    acompanharam o voto do relator Gilmar Mendes e reconheceram a inertia deliberandi, como causa de

    inconstitucionalidade por omisso.

    7.2. ATIVISMO CRIATIVO

    Nesta modalidade de ativismo, Luis Machado Cunha aponta como caracterstica a utilizao da

    hermenutica como forma de criar novos direitos ou afirmao jurdica de direitos morais, enquanto

    que Luis Flvio Gomes o denomina ativismo revelador, vez que o juiz ir criar uma regra, um direito,

    com base em princpios constitucionais ou na interpretao de uma norma lacunosa. Podemos apontar

    esta modalidade de ativismo praticada pelo STF nos julgamentos a seguir:

    7.2.1 VEDAO DO NEPOTISMO NOS TRS PODERES (ADC 12, REL. MIN. CARLOS

    BRITTO; E RE 579.951/RN REL. MIN. RICARDO LEWANDOWSKI)

    Nesta Ao Direta de Constitucionalidade, com base nos princpios da impessoalidade, da eficincia, da

    igualdade e da moralidade, o STF julgou procedente a referida ao, dando interpretao conforme a

    constituio, validando a resoluo n 7 do Conselho Nacional de Justia que proibia o nepotismo no

    Poder Judicirio. Posteriormente, no julgamento do RE 579951, foi estendida a proibio aos demais

    poderes com base nos princpios elencados no artigo 37 da Constituio, inclusive, posteriormente foi

    editada a smula vinculante n. 13.

    Interessante notar que, apesar de a smula vinculante n 13 ter sido baseada no julgamento da ADC 12

    e do RE 579951, conforme proposta do Ministro Ricardo Lewandowsky, a Suma Vinculante no

    corresponde ao que foi decidido naquele RE, visto que o recurso foi julgado parcialmente procedente,

    exatamente porque o Ministro Ricardo Lewandowsky entendia que o provimento integral feria o

    princpio da separao dos poderes.

    No vejo como, todavia, dar provimento integral ao pedido do recorrente, em especial, a segunda parte

    do pedido formulado no recurso extraordinrio, ou seja, "que o Municpio de gua Nova se abstenha de

    contratar ou nomear qualquer pessoa fsica que seja parente daquele ocupante de mandato eletivo ou

    cargo em comisso, estendendo-se, tambm s pessoas jurdicas, cujos scios mantenham alguma

    relao de parentesco com as citadas pessoas"

    [92]

    [93]

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    Isto porque no cabe a esta corte, conforme pacfica jurisprudncia, atuar como legislador positivo,

    sendo-lhe vedado inovar o sistema normativo, funo reservada ao Poder Legislativo,

    O provimento integral do RE, com efeito, revelaria flagrante extravasamento de competncias, com

    ofensa ao princpio constitucional da separao dos poderes .

    7.2.2. FIDELIDADE PARTIDRIA

    Este caso interessante porque a jurisprudncia do STF era pacfica sobre a inaplicabilidade do

    princpio da fidelidade partidria. O Tribunal somente veio a modificar seu entendimento, aps uma

    deciso do TSE em resposta a uma consulta partidria. Aps a modificao de seu entendimento, o

    Supremo remeteu ao TSE a competncia para disciplinar a perda do cargo eletivo por infidelidade

    partidria, sendo editada a Resoluo n 22.610, a qual disps sobre direito material e processual,

    sendo inclusive alvo de ADI, mas teve seu texto julgado Constitucional at que o Congresso

    regulamente a matria, ratificando o ativismo praticado pelo TSE.

    Aps a promulgao da CRFB de 1988, o STF foi provocado a se manifestar sobre a fidelidade

    partidria. Em 1989 no julgamento dos MS 20.916 e 20.927, o Tribunal, por maioria de votos, entendeu

    pela inaplicabilidade do princpio da fidelidade partidria.

    Em 2007, o Partido da Frente Liberal (PFL), com base no art. 23, inc. XII, do Cdigo Eleitoral (Lei n

    4.737/65), formulou consulta ao TSE indagando se partidos e coligaes tinham o direito de preservar a

    vaga obtida pelo sistema eleitoral proporcional, quando houvesse pedido de cancelamento de filiao ou

    de transferncia do candidato eleito por um partido para outra legenda. Em resposta, o TSE reconheceu

    o direito de os partidos e coligaes preservarem as vagas obtidas pelo sistema eleitoral proporcional,

    quando, sem justificao, ocorra cancelamento de filiao ou de transferncia de candidato eleito para

    outra legenda.

    A partir de ento, foram impetrados vrios mandados de segurana perante o STF, a fim de que a

    Cmara dos Deputados cumprisse o entendimento do TSE e declarasse a vacncia dos cargos daqueles

    deputados que abandonaram o partido.

    O STF, reformulando sua jurisprudncia, ratificou a Resoluo do TSE e decidiu que o prprio TSE

    expediria resoluo, disciplinando a perda do mandato, conferindo, assim, ao TSE a competncia para

    legislar sobre o procedimento. OTSE ento editou a Resoluo 22.610 disciplinando a perda do

    mandato, inovando o ordenamento jurdico, pois alm de criar norma de direito material, criou tambm

    norma de direito processual.

    O Partido Social Cristo ingressou no Supremo Tribunal Federal com ADI 3999 contra a resoluo,

    alegando usurpao de competncia do Poder Legislativo e do Poder Executivo, pois regulamentou

    matria reservada Lei complementar, no entanto o STF julgou a ADI improcedente, confirmando a

    constitucionalidade da referida resoluo, at que o Congresso disciplinasse a matria. Neste

    julgamento, apenas os Ministros Marco Aurlio de Mello e Eros Roberto Grau votaram pela

    inconstitucionalidade da Resoluo.

    Veja parte do voto do Ministro Marco Aurlio de Melo:

    [94]

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    http://jus.com.br/imprimir/19512/ativismo-judicial 22/37

    Presidente, assentada a premissa e fiquei vencido na matria segundo a qual o Tribunal

    Superior Eleitoral legislou, fez inserir no arcabouo normativo ptrio um ato abstrato autnomo,

    geral, obrigando a todos, devo, ento, a partir dessa premissa em relao qual continuo

    guardando reservas, proceder a exame da Resoluo. Vejo que, j de incio, no artigo 1 previu-

    se que possvel a Justia Eleitoral, no caso de infidelidade partidria, decretar a perda do cargoeletivo.

    O Tribunal Superior Eleitoral adentrou no campo do direito substancial para revelar situaes

    concretas em que se teria o abandono do partido que capitaneou a eleio do candidato, o

    abandono pelo candidato eleito, como justificado, como legtimo. E aqui, realmente se trata de

    direito substancial.

    Em preceito seguinte a Resoluo versa processo, porque condio da ao diz respeito a

    processo e no a procedimento. A Resoluo indica aqueles legitimados para adentrarem o

    campo jurisdicional e reclamarem a declarao em deciso constitutiva negativa, de perda de

    cargo (...)

    (...) Em sntese, esse condicionamento, para mim, implica dizer que julgou, acabou julgando, no

    para o caso concreto, como ocorre quando a ao revela mandado de injuno, o Tribunal

    Superior Eleitoral acabou julgando implicitamente um mandado de injuno ante a lacuna

    legislativa, ante a inexistncia de diploma que versasse todos os temas contidos na Resoluo,

    ante a inrcia do Congresso Nacional, e competente para julgar mandado de injuno, neste

    caso, e o Supremo Tribunal Federal e no o Tribunal Superior Eleitoral.

    7.2.3. DEMARCAO DE TERRAS INDGENAS NA REA CONHECIDA COMO

    RAPOSA/SERRA DO SOL (PET. 3388/RR, REL. MIN. CARLOS BRITTO)

    Trata-se de Ao Popular proposta pelo Senador da Repblica, Augusto Affonso, em face da Unio,

    impugnando a demarcao das Terras Indgenas conhecida como Raposa Terra do Sol, alegando vcio

    na Portaria 534/2005 do Ministrio da Justia e do Decreto do Presidente da Repblica que

    homologara a demarcao. Dentre outros argumentos, destacava-se que a demarcao contnua

    daquela rea traria consequncias desastrosas para o Estado de Roraima, notadamente, nos aspectos

    econmicos e sociais, assim como, comprometeria a segurana e soberania nacional.

    O Tribunal julgou parcialmente procedente, declarando a legalidade e constitucionalidade da portaria,

    entretanto, imps Administrao dezenove condies a serem observadas, residindo nestas

    imposies o ativismo judicial da corte por criar normas para regular situao no previstas em Lei.

    7.2.4. SMULAS VINCULANTES

    Outro assunto que tem provocado intenso debate so as smulas vinculantes editadas pelo STF. De

    acordo com o artigo 103A da CRFB, o STF poder, de ofcio, editar smulas vinculantes as quais tero

    efeitos vinculantes em relao aos demais rgos do Poder Judicirio e administrao pblica direta e

    indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. O Supremo at o momento j editou 31 smulas

    vinculantes, dentre estas a smula de n 11, que restringe o uso de algemas.

    Esta smula recebeu crticas de diversos setores da sociedade, pois sua aprovao se deu em momento

    de grandes operaes da polcia federal, resultando na priso de pessoas de alto poder aquisitivo,

    inclusive, um banqueiro.

    As crticas repousam na falta de pressupostos constitucionais para a sua edio, vez que a Constituio

    exige reiteradas decises e tem por objetivo a validade, a interpretao e a eficcia de normas

    determinadas. No caso, no houve reiteradas decises, pois a smula se baseou apenas no julgamento

    de um habeas corpus.

    Assim, teria o STF legislado e inovado:

    [95]

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    http://jus.com.br/imprimir/19512/ativismo-judicial 23/37

    Em suma, o STF inovou originariamente no ordenamento jurdico, ou seja, legislou mesmo. E

    isso fica mais evidente quando se observa a exigncia feita pelos ministros de que a ordem de

    uso das algemas venha por escrito. No ordenamento jurdico h dois dispositivos que

    mencionam o uso de algemas: o art. 474 (http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/91622/cdigo-

    processo-penal-decreto-lei-3689-41/oArtigo%2047 4%20do%20Cdigo%20Processo%20Penal%20-

    %20Decreto-lei%203689/41) , 3 (http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/91622/cdigo-processo-penal-

    decreto-lei-3689-41/oArtigo%203%20do%20Cdigo%20Processo%20Penal%20-%20Decreto-

    lei%203689/41) , do CPP (http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/91622/cdigo-processo-penal-decreto-

    lei-3689-41/oCdigo%20Processo%20Penal%20-%20Decreto-lei%203689/41) e o art. 234

    (http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/91622/cdigo-processo-penal-decreto-lei-3689-

    41/oArtigo%20234%20do%20Cdigo%20Processo%20Penal%20-%20Decreto-lei%203689/41) , 1

    (http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/91622/cdigo-processo-penal-decreto-lei-3689-

    41/oArtigo%201%20do%20Cdigo%20Processo%20Penal%20-%20Decreto-lei%203689/41) , do CPPM

    (http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/9167 9/cdigo-de-processo-penal-militar-decreto-lei-1002-

    69/oCdigo%20de%20Processo%20Penal%20Militar%20-%20Decreto-lei%201002/69) . Nenhum dessesdois dispositivos exige ordem escrita da autoridade p