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IV CONGRESSO SERGIPANO DE HISTÓRIA & IV ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA DA ANPUH/SE O CINQUENTENÁRIO DO GOLPE DE 64 ATUAÇÃO E MEDIAÇÃO DA COMISSÃO PASTORAL DA TERRA NA DITADURA CIVIL-MILITAR NO BRASIL (1975-1980) Hiolly Batista Januário de Souza 1 Resumo: O trabalho aqui apresentado busca compreender a atuação da Comissão Pastoral da Terra (CPT), entidade associada à Igreja Católica, a partir do ano de sua criação em 1975 até a publicação do documento Igreja e Problemas da Terra, aprovado na 18° Assembleia da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, em 1980. Sua atuação junto aos movimentos sociais rurais, se posicionando em favor destes com ações de denúncia de abusos cometidos por parte do governo, das elites locais e dos empresários. Faremos referência às tarefas por ela desempenhadas nesse período frente ao governo, suas entidades de apoio e contestação, passando pela problemática da concentração fundiária, do uso abusivo da violência no campo, do enfrentamento de uma ditadura civil-militar e do início da luta mais contundente pelo processo de redemocratização. Serão abordadas as mudanças ideológicas ocorridas na Igreja Católica nas décadas de 1960 a 1980, a partir da influência da Teologia da Libertação, proferindo, dentre os setores mais avançados da Igreja Católica, uma ressignificação do “ser católico” no Brasil em fins dos anos de 1970 e início da década de 1980. Palavras-chave: Comissão Pastoral da Terra; Movimentos sociais rurais; Ditadura Civil-militar. APONTAMENTOS INICIAIS. 1 Graduada em História pela Universidade Federal Fluminense, aluna especial do Programa de Pós Graduação em História pela UNIOESTE e professora da educação básica. [email protected].

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O CINQUENTENÁRIO DO GOLPE DE 64

ATUAÇÃO E MEDIAÇÃO DA COMISSÃO PASTORAL DA TERRA NA

DITADURA CIVIL-MILITAR NO BRASIL (1975-1980)

Hiolly Batista Januário de Souza1

Resumo: O trabalho aqui apresentado busca compreender a atuação da Comissão

Pastoral da Terra (CPT), entidade associada à Igreja Católica, a partir do ano de sua

criação em 1975 até a publicação do documento Igreja e Problemas da Terra, aprovado

na 18° Assembleia da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, em 1980. Sua

atuação junto aos movimentos sociais rurais, se posicionando em favor destes com

ações de denúncia de abusos cometidos por parte do governo, das elites locais e dos

empresários. Faremos referência às tarefas por ela desempenhadas nesse período frente

ao governo, suas entidades de apoio e contestação, passando pela problemática da

concentração fundiária, do uso abusivo da violência no campo, do enfrentamento de

uma ditadura civil-militar e do início da luta mais contundente pelo processo de

redemocratização. Serão abordadas as mudanças ideológicas ocorridas na Igreja

Católica nas décadas de 1960 a 1980, a partir da influência da Teologia da Libertação,

proferindo, dentre os setores mais avançados da Igreja Católica, uma ressignificação do

“ser católico” no Brasil em fins dos anos de 1970 e início da década de 1980.

Palavras-chave: Comissão Pastoral da Terra; Movimentos sociais rurais; Ditadura

Civil-militar.

APONTAMENTOS INICIAIS.

1Graduada em História pela Universidade Federal Fluminense, aluna especial do Programa de Pós –

Graduação em História pela UNIOESTE e professora da educação básica. [email protected].

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O presente artigo visa fazer algumas indicações acerca da trajetória da Comissão

Pastoral da Terra - entidade vinculada à Igreja Católica - no bojo de sua atuação junto

aos movimentos sociais rurais no Brasil, bem como sua posição frente ao governo

brasileiro, se estendendo da sua criação, em 1975, durante o governo do General

Ernesto Geisel, até a elaboração do documento Igreja e Problemas da Terra, publicado

após a Assembleia da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) no ano de

1980 e que

mostrou de vez aquilo que já vinha aparecendo em documentos e

pronunciamentos episcopais: a gravidade da questão fundiária, a

brutalidade do regime político, a amplitude nacional do confronto entre

trabalhadores rurais e grandes proprietários de terra. (MARTINS,

1985: 94).

A Comissão Pastoral da Terra (CPT) surge no ano de 1975 como uma

materialização da mudança no pensamento da Igreja Católica na América Latina

(CATÃO, 1986: 53-56) no que diz respeito à sua compreensão de atuação no mundo

contemporâneo, já que até meados do século XX a Igreja Católica, em solo latino-

americano, assim como no Brasil, apenas seguia, em linhas gerais, as orientações vindas

de Roma, com sua realidade europeia que pouco, ou em nada, se enquadravam no

cotidiano latino-americano e brasileiro. Assim, a partir do Concílio Vaticano II tal

instituição muda seu foco de atuação na América Latina, pois

A partir do concílio ela [Igreja Católica] desenvolve estratégias

para voltar-se para a sociedade civil, passando a ser, ela própria,

um agente ativo na organização dessa sociedade, por meio de

pastorais e comunidades eclesiais de base. (GOHN, 2000: 230).

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Não só a Igreja passava por consideráveis mudanças em sua estrutura. Os países

latinos, de modo geral, estavam sob um período de instabilidade política, econômica e

sociocultural, onde vários setores da sociedade tinham seus direitos (trabalho, liberdade

de expressão, participação política) cerceados por regimes autoritários, que se

mostravam cada vez menos interessados em atender as reivindicações feitas pela

população civil. O Brasil se encontrava regido por uma ditadura civil- militar sob o

comando, quando da criação da Comissão Pastoral da Terra, do general Ernesto Geisel

(1974-1979) e passava por uma série de problemas econômicos após o fim do “milagre

econômico” brasileiro (1967-1973), que se caracterizou por ser um período de forte

concentração de renda, aumento da pobreza e vertiginoso crescimento econômico

(PRADO, 2003: 208-215). Desde a instauração da ditadura civil-militar no Brasil, em

1964, os governos militares se aproximaram cada vez mais dos grandes latifundiários

(MARTINS, 1980: 9-16), focando em um projeto de “modernização conservadora” do

campo, no qual, como nos lembra Manoela Pedroza, se assegurava as “transformações

na base técnica e econômica” mas que “não tiveram correspondência nos planos social e

político” (PEDROZA, 2005: 96). O modelo de mecanização do campo brasileiro, bem

como de uma reforma agrária não distributiva, que visava a maximização da produção,

e, mesmo, a formação de uma classe média no campo, podia, entretanto, ser observada

no pensamento que regia o governo ditatorial que havia se instalado no país desde 1964.

Um de seus principais representantes fosse enquanto intelectual orgânico do regime, ou

enquanto membro direto do governo como ministro, Delfim Netto, não se opunha à

agricultura ou ao campo brasileiro, pois para ele

A agricultura não desempenharia um papel marginal ou derivado no

processo de desenvolvimento, mas estaria no cerne do próprio

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processo, devendo colocar-se no centro mesmo das mudanças que

seriam feitas. Tais mudanças não teriam caráter estrutural, mas sim

constituir-se-iam numa procura de otimização e racionalização dos

fatores de produção. Descartava-se a necessidade de reformas

‘radicais’ ou de ‘base’. O grande proprietário fundiário é

considerado como um empresário. (LINHARES, SILVA, 1981: 61).

Assim, temos uma mecanização do campo e a não preocupação com a socialização das

terras, bem como a não melhoria das condições de vida e o não reconhecimento dos

trabalhadores rurais de fato; justificada por um projeto maior de maximização dos

lucros e desenvolvimento da economia do país, além da utilização da violência em larga

escala contra índios, posseiros, camponeses, colonos, membros eclesiásticos e toda a

sorte de pessoas menos abastadas ou que fossem contrárias ao regime que se

encontravam no campo brasileiro (OLIVEIRA, 2001: 196) de fins da década de 1960,

perdurando durante as décadas seguintes. Esse processo não visava doar as terras pouco

povoadas do Norte e Oeste brasileiros a um grande número de pequenos proprietários,

ou mesmo realizar uma reforma agrária. Segundo Wenceslau Gonçalves Netto “a

política voltada para o setor rural dos governos do período autoritário será voltada para

uma modernização de tipo conservadora, sem alteração da estrutura fundiária e

privilegiando o setor que produz para o mercado externo.” (NETTO, 1997: 76).

A “opção pelos pobres”

A Comissão Pastoral da Terra tem seu surgimento e trabalho voltados para o

auxílio dos trabalhadores rurais em meio à uma mudança de mentalidade ocorrida

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dentro da Igreja católica brasileira2, que passou a se enxergar como uma instituição que

deveria assistir aos menos favorecidos, auxiliando-os nas reivindicações de seus

direitos, declarando, a partir do documento de 1980 que a

A atuação pastoral, cuidando de não substituir as iniciativas do povo,

estimulará a participação consciente e crítica dos trabalhadores nos

sindicatos, associações, comissões e outras formas de cooperação,

para que sejam realmente organismos autônomos e livres, defendendo

os interesses e coordenando as reivindicações de seus membros e de

toda sua classe. (CNBB, 1980: 11).

No entanto, ressaltava que não fazia a Igreja católica parte de nenhum

movimento político, fosse de esquerda ou de direita, se comprometendo “a condenar, de

acordo com o documento de Puebla, tanto o capitalismo, cujos efeitos funestos foram

em parte” apontados pelo documento Igreja e Problemas da Terra assim “como o

coletivismo marxista de cujos malefícios temos notícias de outros países” (CNBB,

1980: 12); mas que não poderia ficar passiva diante dos desmandos ocorridos sobre a

população mais carente.

Torna-se imprescindível citar a atuação da Teologia da Libertação, que passou a

se fazer presente nos meios eclesiásticos a partir da década de 1960, tendo adesão de

parte do clero brasileiro, mais aberto às mudanças, e sendo combatida pelos setores

mais conservadores da Igreja, gerando uma situação incômoda dentro da própria

2 Ressaltamos que em outros momentos históricos, membros da Igreja católica brasileira já haviam se

manifestado contra o regime vigente, mas compreendemos que a criação e atuação da Comissão Pastoral

da Terra a partir de meados da década de 1970 tem uma conotação ímpar dentro da história do Brasil e,

mesmo, se pensarmos em um contexto latino-americano. Para mais, ver: Shepard Forman, Camponeses:

sua participação no Brasil; Clifort Andrew Welch (org.), Camponeses brasileiros: leituras e

interpretações clássicas; Vanilda Paiva (org.), Igreja e Questão Agrária.

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instituição que se mostrava não uníssona e sim multifacetada (CATÃO, 1986: 51-53),

revelando as mais diferentes e divergentes correntes de pensamento que a compunham.

Em um estudo mais aprofundado que, infelizmente, não nos caberá aqui fazê-lo, mas, ao

menos levantar a questão de como, a Teologia da Libertação que

Constituiu-se na primeira teologia que nasceu na periferia, tentando

responder de forma crítica (usando categorias histórico-científicas, e

não somente metafísico-teológicas) aos problemas pertinentes do seu

contexto social concreto. Tornou-se sem dúvida o pilar institucional

para o surgimento de movimentos/ pastorais diretamente voltados

para questões político-sociais. Esta teologia, ao fornecer uma

sedimentação às mudanças que estavam acontecendo dentro da

própria instituição, propiciou a formação de diversas pastorais

sociais, como exemplo a própria CPT. (VILLALOBOS, ROSSATO,

1996: 03).

Consegue disputar hegemonia dentro da Igreja que, no documento de 1980, se opõe à

alinhamentos políticos de qualquer ideologia, mas apoia o trabalho de mediação da

CPT, fundamentada teoricamente, como exposto acima, na Teologia da Libertação.

Observamos como exemplo vivo dessa contradição a presença ativa de D. Pedro

Casaldáglia na construção da Comissão Pastoral da Terra e seu envolvimento ativo com

as discussões e disseminação da TL.

Mudança de pensamento e ação.

Dentro da ação da Igreja Católica desse período ao qual nos referimos (décadas

de 1970/ 1980), encontramos o pensamento definido por Maria da Glória Gohn como

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uma “vertente marxista – gramsciana” que “trata a ideologia no campo das práticas

sociais, como conjunto de idéias que dão suporte a projetos estratégicos de mudanças da

ordem das coisas na realidade social” (GOHN, 2000: 235).

Assim, a CPT, que inicialmente dava apenas auxílio aos trabalhadores rurais da

região amazônica e nordeste brasileiros, passou a atuar como uma defensora dos

trabalhadores rurais contra o avanço do grande capital no campo, bem como a

concentração fundiária, o trabalho escravo, etc., em nível nacional através de

campanhas e denúncias por ela realizadas, além da produção e distribuição de inúmeros

documentos (folhetos, panfletos, cartilhas), que visavam informar os trabalhadores

rurais e divulgar o que ocorria no campo. De tal modo a Comissão Pastoral da Terra

deixou de ser apenas um trabalho pastoral local para se tornar um veículo de atuação

junto aos movimentos sociais rurais frente à repressão do governo militar e dos

desmandos realizados pelos grandes proprietários de terra com o apoio do governo

central. Sua atuação a nível nacional pode ser compreendida a partir do fato de que mais

e mais vezes os casos de exploração, de abusos, de uso desmedido de violência eram

notados de norte a sul do país, não ficando uma região qualquer do território nacional

sem a presença de conflitos agrários. Partindo desse diagnóstico José de Souza Martins

defende que a luta pela reforma agrária, a luta pela terra se tornara uma luta contra o

grande capital, como podemos observar no excerto abaixo

A concentração ou divisão da propriedade não está

fundamentalmente determinada pela renda e renda subjugada pelo

capital. Nessas condições, que divergem neste momento das condições

clássicas de confronto entre terra e capital, as tensões produzidas

pela estrutura fundiária, pela chamada ‘injusta distribuição da terra’,

já não podem ser resolvidas por uma reforma dessa estrutura, uma

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vez que não há como reformar a exploração capitalista que já está

completamente embutida na propriedade fundiária. Uma reforma

agrária distributiva constituiria, neste momento, uma proposta

inexequível historicamente, como só pode ser qualquer proposta que

advogue a reforma das contradições do capital sem atingir o capital e

a contradição que expressa: a produção social e a apropriação

privada da riqueza. O questionamento da propriedade fundiária,

levado a efeito na prática de milhares de lavradores (...), leva-os,

mesmo que não queiram, a encontrar pela frente, o novo barão de

terra, o grande capital nacional e multinacional. Já não há como

separar o que o próprio capitalismo unificou: a terra e o capital; já

não há como fazer para que a luta pela terra não seja uma luta contra

o capital, contra a expropriação e a exploração que estão na sua

essência.” (MARTINS, 1980: 219-220).

Com esse diagnóstico defendemos que as tarefas realizadas pela CPT vão muito além de

um mero denuncismo do que ocorria no campo brasileiro, uma vez que ela se torna uma

ponte para as lutas sociais no campo, compreendendo luta social como

Um processo prático no qual experiências individuais de desrespeito

são interpretadas como experiências cruciais típicas de um grupo

inteiro, de forma que elas podem influir, como motivos diretores da

ação na exigência coletiva por relações ampliadas de reconhecimento

(HONNETH, 2003: 257).

Campo: um meio ainda em busca de reconhecimento.

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Examinar a práxis desempenhada pela Comissão Pastoral da Terra frente a esses

movimentos sociais rurais e suas mais variadas vertentes também é uma forma de se

analisar como os problemas do campo são vistos e encarados no Brasil. O meio rural é

tradicionalmente visto de forma menor, como se seus problemas não fossem de vital

interesse para o desenvolvimento e compreensão do país, sempre representando o

“atraso”; diferentemente da cidade, na qual as indústrias, o comércio e a urbanização

são mostras claras de progresso e avanço de uma sociedade, seguindo o imaginário

social criado a partir da construção do Estado brasileiro no pós-Revolução de 1930

(MENDONÇA, 2002: 15-21), sendo reforçado nas décadas seguintes por nossos

intelectuais, tanto de direita quanto de esquerda, que corroboravam com tal ideia, pois

“na problemática das pesquisas acadêmicas, a industrialização era um ponto consensual

que representaria o grau máximo de desenvolvimento humano” (PEDROZA, 2005: 98),

ou seja, o trabalhador rural, juntamente com sua forma de lavrar a terra, deveria ser

suplantado a partir da mecanização do campo e do avanço da industrialização, da

chegada do progresso.

Do mesmo modo, a percepção da ação da Comissão Pastoral da Terra no campo

brasileiro é uma forma de adentrar cada vez mais na questão agrária, que tanto no

Brasil, quanto na América Latina3, tem sido palco de violentas disputas. Cabe-se aqui

observar também o desenvolvimento do modo de pensar das elites e dos governos

brasileiros durante as décadas de 1960 e 1970, - foco do nosso trabalho -, sobre a

reforma agrária. Martins afirma que

3O trabalho em si se concentra na Comissão Pastoral da Terra, entidade vinculada á Igreja católica no

Brasil, no entanto compreendemos que não há possibilidade de entender certos processos históricos de

forma isolada, sem, ao menos, ter o mínimo de conhecimento sobre o contexto no qual se insere.

Indicamos para maiores esclarecimentos: Andrius Estevam Noronha, A reforma agrária na visão dos

intelectuais da década de 1960; Adir de Almeida Mota, Reforma agrária e revolução boliviana de 1952:

História e Historiografia.

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O marechal Castelo Branco, já em 1964, encaminhando ao

Congresso Nacional a proposta de reforma constitucional que abriria

caminho para o Estatuto da Terra, esclarecia que a reforma agrária

era necessária, mas necessário era também eliminar as lideranças

que davam sentido político à luta pela terra. Até 1973,

aproximadamente, o governo militar continuou achando que a

reforma era necessária, mas não a luta política pela reforma agrária.

A partir de 1973, depois da derrota da Guerrilha do Araguaia, o

governo passou a achar que nem a luta política pela reforma agrária

era necessária nem a própria reforma agrária era necessária.”

(MARTINS, 1985: 92).

Com essa transformação no pensamento sobre a necessidade e, mesmo,

viabilidade de uma reforma agrária, que já era contestada por Delfim Netto e Ruy

Muller, é que fica mais fácil de entender a forma bruta com que na década de 1970 se

deu a ampliação da fronteira agrícola do país, a mecanização do trabalho, a

expropriação e expulsão dos camponeses de suas terras, entre outros fatores que se

tornaram objeto de denúncia da CPT a partir de 1975.

Ao focarmos nessa pastoral poderemos entender melhor o papel desses

trabalhadores rurais dentro de nossa sociedade, na qual suas lutas, levadas até a

exaustão, e sua forma de resistir nos mostram um homem do campo disposto a lutar por

reconhecimento e justiça (GOHN, 2000: 238), buscando ter seus direitos assegurados e

respeitados por todas as instâncias dentro da sociedade brasileira.

Luta Legal

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A Comissão Pastoral da Terra não fazia a defesa do trabalhador do campo

baseada em questões abstratas ou em pressuposto lúdicos sobre o que deveria ser

cidadania, por exemplo, mas sim em leis concretas criadas pelo próprio Estado

brasileiro como o Estatuto do Trabalhador Rural, criado em 1963 no governo de João

Goulart que, mesmo sendo vago e não apresentando objetivamente um conceito claro de

camponês, existia e buscava resguardar minimamente o trabalhador rural dentro da

sociedade brasileira; na promulgação da legislação trabalhista no campo em 1973

(PROPOSTA, 1980: 17); no Estatuto da Terra, criado pelo próprio regime de exceção

em 1964, que tinha como um de seus pontos a reforma agrária como uma tentativa de

amenizar as tensões sociais, mas que não mexia na estrutura fundiária ou qualquer outra

ação socialmente pensada com a finalidade de amenizar as contradições do campo de

uma forma mais ampla (NETTO, 1997: 76).

Com a propagação de uma visão pejorativa sobre o campo e um regime

autoritário, onde a ordem era reprimir, os pequenos proprietários, posseiros, colonos

passaram a necessitar cada vez mais de um auxílio que freasse de alguma forma a

atuação violenta do governo, que acabou por se estender aos padres, agentes pastorais e

todos os que se envolviam de alguma forma com as disputas no campo (OLIVEIRA,

2001: 192).

Durante a década de 1980 houve um aumento da pressão popular contra a

ditadura civil-militar em favor de um regime democrático, defendendo a liberdade de

expressão, anistia aos exilados e uma melhor distribuição de renda para a população de

um modo geral, implicando diretamente no desejo de reforma agrária, surgindo assim

um receio por parte dos grandes latifundiários, que muito se beneficiaram do governo

militar (MARTINS, 2000: 11-22), de perderem suas propriedades. Esses grandes

proprietários se uniram e, em 1985, criaram a União Democrática Ruralista (UDR), com

o intuito de protegê-los de eventuais perdas. O que acabou por ser bem sucedido, já que

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fizeram com que a reforma agrária continuasse no plano imaterial após a

redemocratização (OLIVEIRA, 200: 192).

No início da década de 1980 surge o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-

Terra (MST), que se organizaram para lutar contra os desmandos cada vez maiores dos

grandes proprietários (OLIVEIRA, 2001: 192-3), visando a partilha da terra entre os

trabalhadores rurais, buscando o fim da concentração fundiária e recebendo o apoio da

Comissão Pastoral da Terra.

Frente a tais mudanças sociais, políticas, econômicas e culturais ocorridas no

Brasil, estudar a atuação da Comissão Pastoral da Terra se mostra importante para uma

melhor compreensão da própria história rural brasileira que normalmente é posta em

segundo plano, mas que muito nos diz sobre nossa concepção de propriedade, de

trabalho, de desenvolvimento e de sociedade.

Teoria para compreender a prática

Segundo José de Souza Martins, as elites agrárias no Brasil são tão fortes do

ponto de vista político que, mesmo os militares tiveram de se aliar a elas para poderem

seguir com seu plano de governo (MARTINS, 1994: 25) e também, segundo tal autor,

“a história brasileira, mesmo aquela cultivada por alguns setores de esquerda, é uma

história urbana” (MARTINS, 1981: 26). Partindo dessas ideias é que nos propusemos a

analisar melhor a atuação da Comissão Pastoral da Terra, pois se essas elites davam

apoio ao governo ditatorial brasileiro e o senso comum era o de que o trabalhador rural

e sua forma de produção deveriam ser extintas. A Igreja católica, que passava por uma

série de transformações em parte de seu entendimento do contexto na qual estava

inserida e modus operandis, seria responsável por uma mudança interessante na

composição do quadro político e social brasileiro, já que suas ações, anteriormente,

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eram normalmente associadas aos grupos dominantes, estando ao lado do Estado em

seus projetos para a sociedade brasileira e agora se mostrava cada vez mais inclinada a

apoiar as camadas menos favorecidas em detrimento dos grupos tradicionais.

Abrimos aqui um parêntese, porque, quando falamos em Igreja Católica, nos

referimos não à instituição como um todo, mas a partes da mesma, visto que, como fora

dito anteriormente, não se trata de uma instituição de pensamento único, mas sim de

grupos que vão dos mais conservadores aos mais libertários e que a compõem e vivem

em disputa por espaço dentro da mesma. Por isso, estudar a CPT, sua base teórica e sua

atuação serve para entendermos melhor como que essas disputas se refletem na própria

sociedade brasileira, em especial, em suas camadas menos favorecidas e de como o

trabalho de interpelação da comissão frente aos camponeses será ou não aproveitado

positivamente na prática de alteração da realidade.

Buscamos também levantar questionamentos sobre a acusação de comunismo

sofrida por alguns clérigos (ANDRADE, 2006: 40-42) envolvidos com a Teologia da

Libertação e a Comissão Pastoral da Terra, que apenas por quererem um melhoramento

de vida para as famílias do campo passaram a ser acusados e mesmo perseguidos pelo

regime militar, fato este que mostra de forma mais concreta de como se vivia no período

de exceção e de como os direitos, mesmo o de livre pensamento e filiação ideológica

eram cerceados, perseguidos e, sempre que possível, punidos.

Recorremos ao auxílio, para este trabalho, dentre outros, da produção de E. P.

Thompson que trata a lógica do campo sob outra perspectiva, na qual não se pode vê-los

e/ou entende-los [os camponeses] como sendo seres rasos, sem muita valia, e sim como

uma parcela da sociedade que é regida por regras sociais próprias ao seu modo de vida

(THOMPSON, 1998: 213-221) sendo sua estrutura uma herança cultural (PEDROZA,

2005: 100). Pensamento este que entra em consonância com o afirmado por Maria da

Glória Gohn, de que a partir do contato direto que os agentes da pastoral passam a ter

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com os trabalhadores rurais, eles adquirem uma experiência de vida que para tal autora,

a

[experiência] foi resgatada nos anos 80 a partir dos trabalhos de

Thompson. Essa categoria foi retrabalhada no sentido de lhe ser

retirado o caráter pragmático e utilitarista e contextualizando-a em

termos culturais e de consciência de classe. ‘A experiência é gerada

na vida material, estruturada em termos de classe... As pessoas

experimentam suas experiências nãos só com idéias, também com

sentimentos. Lidam com este sentimento na cultura, como normas,

obrigações familiares e de parentesco, reciprocidades como valores

ou arte, ou nas convicções religiosas. Essa metade da cultura pode

ser descrita como consciência afetiva e moral’. Ou seja, a experiência

deixa de ser vista como produto pronto, acabado, inerte, e passa a ser

vista como depositária de forças e energias, motivadoras da ação, do

fazer político dos indivíduos. A cultura política das classes passa a

ser fundamental. Ela será o fermento gerador da consciência e da

organização dos sujeitos na história. (GOHN, 2000: 243).

A partir de uma leitura maior de E. P. Thompson em seu, Costumes em Comum:

estudos sobre a cultura popular, tentamos supor como que, a partir da mescla de

estudos sobre o processo de formação das relações no campo brasileiro, - a datar da

República das oligarquias de inícios do século XX -, a Comissão Pastoral da Terra

passa, em seu trabalho de interpelação dos movimentos sociais rurais, a atuar de forma

a preencher um “vazio” provocado nas relações do campo quando da entrada massiva

do grande capital. Uma vez que, nas análises gerais, temos, durante a república velha o

clientelismo personificado pelo coronelismo, no qual o coronel tem, por assim dizer,

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uma responsabilidade para com o seu agregado, o seu empregado, entre outros, de lhes

assegurar o mínimo durante os períodos de maiores dificuldades, como a seca no

nordeste, por exemplo. Frederico de Castro Neves em A Multidão e a História: saques e

outras ações no Ceará nos mostra como que o governo de Getúlio Vargas e seu projeto

burguês minavam as relações clientelísticas, fazendo a substituição do coronel pelo

Estado centralizado e forte. Com isso “o regime, (...), tornava público um domínio

considerado como pertencente à esfera privada” (NEVES, 2000: 140).

Consequentemente podemos pensar que, em se tratando do período que abrange a

ditadura civil-militar no Brasil, as populações marginalizadas do campo ficaram sem

esse referencial moral, já que o lucro, o crescimento da economia, o liberalismo

econômico, um Estado técnico antes de tudo, era quem ditava as regras, desse modo os

acordos morais até então ainda existentes, caem totalmente no ostracismo, ficando a

população totalmente desassistida.

Nesse contexto o trabalho realizado pela CPT vai muito além de questões de

denúncia no campo, mas poderíamos pensá-la como uma entidade que tenta mostrar

que, segundo a lógica da população rural, o Estado tem uma obrigação não só

econômica e social com aquela, mas, sobretudo moral. Daí, podermos entender a luta no

campo pelos trabalhadores rurais se tornar uma luta contra o capital, pois foi com o

acirramento do mesmo no campo que qualquer resquício de proteção que garantiria o

mínimo em tempos de recessão estava suplantado, onde o mercado se encarregaria de

tudo, mas o mercado não obedece à leis morais e sim às suas próprias, que são pautadas

em questões mercadológicas e que não apresentam uma preocupação com o material

humano em si.

“Igreja-no-mundo” e “Igreja-para-o-mundo”

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Com o presente artigo buscamos fazer apontamentos breves, mas que ficam

como uma provocação para um aprofundamento maior visando compreender as ações

realizadas pela Igreja Católica na América – Latina, focando no Brasil, durante o

período da Ditadura civil - militar e início do processo de redemocratização, e de como

a Igreja Católica, uma entidade naturalmente associada às elites, por sua defesa à

propriedade privada, em especial, no Brasil, o latifúndio e seus representantes, muda seu

foco e passa a fazer parte de um projeto de “Igreja-no-mundo” e “Igreja-para-o-mundo”

(CATÃO, 1986: 58) observando e atuando em favor dos movimentos sociais rurais e

urbanos e contra os desmandos das elites locais, dos patrões e do grande capital, bem

como a atuação das formas arbitrárias de poder em todas as suas instâncias, que

contavam com o apoio, direto ou indireto, do governo central. Compreendendo a

paulatina mudança da Igreja “em favor da reforma agrária”, já que

até o fim dos anos cinquenta, a defesa da propriedade privada fazia

da Igreja um aliado essencial dos proprietários de terra no

avassalamento da consciência dos camponeses, na sustentação da

política de clientela e dos mecanismos do curral eleitoral. A partir de

1950, a adesão progressiva da Igreja, no Brasil, à tese da reforma

agrária e, relacionada com essa tese, a do primado do bem comum,

romperam a aliança tácita latifúndio – Igreja. (MARTINS, 1985: 96).

E de como esse pensamento abriu caminhos para o trabalho desenvolvido pela CPT

dentro e fora da Igreja.

Compreender a atuação da Comissão Pastoral da Terra é entender a própria

presença da Igreja Católica no Brasil e as mudanças sociais e políticas pelas quais a

sociedade brasileira e a Igreja Católica passaram durante as décadas de 1960, 1970 e

1980, ainda mais se observarmos que a

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Igreja entrou na questão agrária, através da pastoral de D.

Inocêncio, por uma porta extremamente reacionária. Aquela pastoral

nasceu numa reunião de fazendeiros, padres e professores rurais e

não numa reunião de camponeses e trabalhadores rurais. A

preocupação era com a agitação que estava chegando ao campo, com

a possibilidade da Igreja perder os camponeses, como tinha perdido

os operários. A questão era desproletarizar o operário dos campos,

evitar o êxodo que levava os trabalhadores para a cidade e os tornava

vulneráveis à agitação e ao aliciamento dos comunistas, como

assinalariam outros documentos produzidos por outros membros do

episcopado. (MARTINS, 1983: 88).

E que parte da Igreja católica, durante o período acima citado, se transforma junto com

a criação e a consolidação da CPT, que pode ser encarada como sendo uma “das

mediações fundamentais” do

processo político: na base social abriu um espaço novo para a Igreja

na obra de construção da democracia no Brasil e de emancipação dos

trabalhadores do campo – as condições do compromisso com o

trabalhador no lugar do compromisso com a propriedade.

(MARTINS, 1985: 96).

Para um maior alcance sobre o que fora aqui abordado temos que aprofundar

as leituras, e, para isso deve-se lançar mão de obras que versam sobre o tema do meio

rural brasileiro em período específico das décadas de 1960-80 como José de Souza

Martins, Maria Yedda Linhares, Vanilda Paiva, entre outros; bem como os trabalhos

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que se ocupem sobre a composição e trajetória política do campesinato brasileiro, para

elucidar questões postas no âmbito da ação e tarefas desempenhadas pela CPT.

As fontes e os locais para pesquisa pensados para o aprimoramento do trabalho

aqui apresentado que se pretende desenvolver, em breve, como uma pesquisa mais

profunda e enriquecedora se darão a partir do entendimento que temos sobre a atuação

da Comissão Pastoral da Terra. Logo, indicamos aqui órgãos públicos de documentação

como o CEPEDAL (Núcleo de Pesquisa e Documentação Sobre o Oeste do Paraná -

CEPEDAL) versando, particularmente sobre o Fundo Vilma Fiorotto, o NDP (Núcleo

de Documentação, Informação e Pesquisa) pertencente à UNIOESTE – Toledo (PR), os

arquivos físicos dos centros regionais da CPT localizados em cidades do Paraná como

Londrina e Maringá, os próprios sítios eletrônicos da Comissão Pastoral da Terra (CPT)

e da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), buscando também em sites do

Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST) e da União Democrática Ruralista

(UDR), que já disponibilizam alguns documentos em seus domínios. Essas indicações

consistem em se buscar entender o local de fala dos envolvidos diretamente nas disputas

políticas e sociais, e como estabeleceram suas relações. A escolha da utilização de

endereços eletrônicos em conjunto com órgãos de pesquisas tradicionais vem da própria

forma de atuação desses movimentos que buscam uma forma “moderna, com uso de

meios avançados de comunicação- como computadores, a Internet e a mídia (televisão e

principais jornais)” (GOHN, 2000: 238) como meios de divulgar seus trabalhos,

organizar suas ações, ou seja, tentar conseguir cada vez mais visibilidade para suas

reivindicações.

A diversidade de indicações documentais acima parte da ideia de que para

melhor compreender a atuação da Comissão Pastoral da Terra frente ao governo, e as

entidades que o apoiavam, bem como as que lhe faziam oposição e, em especial, aos

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trabalhadores rurais é necessário observar o que foi produzido por cada um desses

segmentos, dando-lhes espaço de fala e construindo a crítica.

Considerações finais.

Em vista do apresentado tentamos esquadrinhar um maior, como já fora dito

exaustivamente, entendimento sobre o trabalho desempenhado pela Comissão Pastoral

da Terra junto aos movimentos sociais rurais, bem como suas ações de denúncia e apoio

à esses trabalhadores durante o período que abarca o ano de sua criação, em 1975, até o

reconhecimento último por parte da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)

sobre a importância do trabalho da CPT na divulgação do documento Igreja e

Problemas da Terra, no ano de 1980.

Igualmente procuramos:

Compreender a estruturação e atuação da Comissão Pastoral da Terra em seus

primeiros cinco anos;

Como que seu pensamento se mostrava novo, frente aos já consagrados atores

que trabalhavam em meio aos camponeses, já que não encarava o campesinato

de forma preconceituosa, como algo a ser superado;

A influência de seus trabalhos na política e no contexto social do país;

A importância da Teologia da Libertação em seus trabalhos pastorais e nas

disputas internas que ocorreram na Igreja católica e como permitiram que uma

tendência tão progressista de pensamento ganhasse importância e visibilidade

nos trabalhos pastorais dessa;

Entender como que uma entidade que, apesar de associada à Igreja Católica,

contava com a participação de membros de outras religiões ganha força e

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reconhecimento por parte de setores dos mais conservadores dentro da Igreja e

de como isso refletiu na CPT concretamente.

Fica aqui um trabalho de caráter mais provocativo e com indicações do que algo

já consolidado, mas que, esperamos, sirva de base para podermos (re)pensar o campo

brasileiro e seus habitantes, bem como a própria história contemporânea brasileira.

Esclarecendo que o trabalho aqui apresentado fora parte de um projeto de pesquisa que

será melhor desenvolvido posteriormente.

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