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IV CONGRESSO SERGIPANO DE HISTÓRIA & IV ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA DA ANPUH/SE O CINQUENTENÁRIO DO GOLPE DE 64 Educação para as relações étnico raciais: a implementação da lei 10.369/03 e a análise dos livros didáticos do ensino de História 1 Maria Luciana Brandão Silva Assis 2 Lílian Silva Oliveira 3 Introdução O presente trabalho se constitui como parte final do projeto de pesquisa iniciado no ano de 2010, desenvolvido pelo Núcleo de Estudos da Cultura Africana e Afro- Brasileira (NEAB) do Centro Universitário do Leste de Minas Gerais, UnilesteMG com o apoio da FAPEMIG. Apresenta o estudo realizado em 2012, tendo como referência a análise de leituras relacionadas â questão étnico-racial na contemporaneidade e análise de dois volumes do livro didático destinado ao ensino de História do nível fundamental. Na primeira etapa foram analisados os livros didáticos destinados ao 6º e 7º anos do Ensino Fundamental da coleção didática Projeto Araribá - História - editora Moderna aprovada pelo PNLD de 2011 4 . A escolha dessa coleção se 1 Projeto desenvolvido em 2012 no Programa de Iniciação Científica do UnilesteMG com o apoio da FAPEMIG. 2 Doutora em Educação pela FAE/UFMG e professora do UnilesteMG. [email protected] 3 Graduanda em Pedagogia pelo Centro Universitário do Leste de Minas Gerais UnilesteMG. [email protected] 4 O projeto iniciado em 2010 e concluído em 2011 foi desenvolvido pelo Núcleo de Estudos da Cultura Africana e Afro-Brasileira (NEAB), contou com o apoio da FAPEMIG no Programa de Iniciação Científica.

Educação para as relações étnico raciais: a implementação ...encontro2014.se.anpuh.org/resources/anais/37/1424132156_ARQUIVO... · no ano de 2010, desenvolvido pelo ... Caderno

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O CINQUENTENÁRIO DO GOLPE DE 64

Educação para as relações étnico raciais: a implementação da lei

10.369/03 e a análise dos livros didáticos do ensino de História1

Maria Luciana Brandão Silva Assis2

Lílian Silva Oliveira3

Introdução

O presente trabalho se constitui como parte final do projeto de pesquisa iniciado

no ano de 2010, desenvolvido pelo Núcleo de Estudos da Cultura Africana e Afro-

Brasileira (NEAB) do Centro Universitário do Leste de Minas Gerais, UnilesteMG

com o apoio da FAPEMIG. Apresenta o estudo realizado em 2012, tendo como

referência a análise de leituras relacionadas â questão étnico-racial na

contemporaneidade e análise de dois volumes do livro didático destinado ao ensino de

História do nível fundamental. Na primeira etapa foram analisados os livros didáticos

destinados ao 6º e 7º anos do Ensino Fundamental da coleção didática Projeto Araribá -

História - editora Moderna aprovada pelo PNLD de 20114. A escolha dessa coleção se

1 Projeto desenvolvido em 2012 no Programa de Iniciação Científica do UnilesteMG com o apoio da

FAPEMIG. 2 Doutora em Educação pela FAE/UFMG e professora do UnilesteMG. [email protected]

3Graduanda em Pedagogia pelo Centro Universitário do Leste de Minas Gerais UnilesteMG.

[email protected] 4 O projeto iniciado em 2010 e concluído em 2011 foi desenvolvido pelo Núcleo de Estudos da Cultura

Africana e Afro-Brasileira (NEAB), contou com o apoio da FAPEMIG no Programa de Iniciação

Científica.

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deu por ser uma entre as mais utilizadas pelas escolas públicas do estado de Minas

Gerais.

Dando continuidade ao estudo iniciado, serão apresentadas as análises dos livros

destinados ao 8º e 9° ano da mesma coleção. Através delas, buscamos verificar no

material em questão, como nos diferentes contextos e tempos abordados, os

afrodescendentes foram e são percebidos. Pretendemos assim, mediadas pela análise

dos dois volumes, identificar as representações construídas ao longo de nossa história e

se preconceitos outrora criados, persistem ainda na atualidade.

Destacamos que os estudos tomando por referência as análises dos livros

didáticos, a exemplo das publicações de Cassiano (2004), Chiavenato (1987), Miranda

(2004), Silva (1995), Silva Filho (2005)5 se mostraram de fundamental importância para

o melhor entendimento do alcance e papel dessa ferramenta pedagógica não apenas no

processo ensino-aprendizagem, como também no reforço de valores e concepções já

presentes na sociedade. Como é sabido, esse artefato permite que o processo ensino

aprendizagem se realize, auxiliando a mediação necessária entre o professor/a6 e o

aluno na produção do conhecimento, na troca de suas experiências e saberes.

Ressalta-se que junto às informações presentes nos livros didáticos estão também

de forma mais sutil e velada valores, percepções, representações enfim, que podem

5 CASSIANO, Célia Cristina de Figueiredo. Aspectos políticos e econômicos da circulação do livro

didático de história e suas implicações curriculares. In:História, 23, 1-2. São Paulo, 2004, p. 33-48.

CHIAVENATO, José Julio. O negro no Brasil. São Paulo: Editora Brasiliense, 1987.MIRANDA, Sonia

Regina e LUCA, Tania Regina de. O livro didático de história hoje: um panorama a partir do PNLD.

Revista Brasileira de História. São Paulo, 2004, v. 24, nº 48, p. 123-144.SILVA, Ezequiel T da. Livro

didático: do ritual de passagem à ultrapassagem.. In: Em aberto, Brasília, ano 16, nº 69 jan/mar. 1996.

Site: http://www.rbep.inep.gov.br/index.php/emaberto/issue/view/76. Acesso em 12/12/2012. SILVA FILHO,

João Bernardo da. Os discursos verbais e iconográficos sobre os negros em livros didáticos de História.

Dissertação de mestrado. Faculdade de Educação. Universidade Federal de Minas Gerais-UFMG. Belo

Horizonte, 2005. 6 Com o objetivo de não tornar o texto repetitivo, utilizaremos os pronomes e substantivos no masculino

singular ou plural nos referindo também ao feminino singular e plural.

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interferir nas concepções já existentes quer seja alterando-as, quer seja reforçando-as.

Compreende-se então, que a produção dos livros didáticos nada tem de neutralidade,

pois eles trazem consigo a marca de seus autores, isto é, intencionalidades e visões de

mundo nem sempre registradas de forma explícita.

As relações étnico-raciais na escola e a lei 10.639/2003

Assim como nas mais diversas relações presentes na sociedade, o ambiente

escolar, marcado pela diversidade e multiplicidade de identidades e valores, pode

muitas vezes, na convivência escolar cotidiana, propiciar tanto a produção como a

reprodução de discriminações diversas como a racial, a socioeconômica, de gênero.Esse

contexto escolar, espaço por excelência de possibilidades de aprendizado é responsável

não só pela transmissão dos saberes, como também pela produção e reprodução de

crenças e valores. Essas por sua vez, podem se verificar de forma a incentivar o

preconceito e a discriminação racial, como de forma oposta, incentivar a tolerância e o

aprendizado da e na convivência multicultural e multirracial. Portanto, deve ser

compromisso da escola contribuir para a minimização de preconceitos culturalmente

herdados por séculos. Em muitas situações vivenciadas no cotidiano escolar, a

exteriorização de preconceitos e de discriminações resulta de um processo que não é

isolado. Vivendo outras relações em outros espaços sociais, a criança, o jovem

estudante compartilham de valores e crenças construídos e compartilhados socialmente

nas demais instituições que fazem parte da sua realidade social.

Tais valores e crenças estão culturalmente tão arraigados e se manifestam de tal

forma nas práticas sociais que, na maioria das vezes, são entendidos e tratados como

questões “naturais” quando na verdade, resultam de construções histórico-culturais, que

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ao longo dos e dos séculos foram sendo reforçadas. É neste contexto que pode ser

compreendida a questão étnico-racial.Sobre ela, podemos afirmar que na atualidade

muitos são os desafios enfrentados pelos professores, especialmente no que diz respeito

à questão dos conteúdos de ensino a ela relacionados, uma vez que eles não são

estáticos ou definitivos. As abordagens variam e se renovam segundo a produção de

novas concepções historiográficas em se tratando dos conteúdos de ensino de História,

como formas de interpretação e análise do que está sendo estudado.

Assim, não é demais destacar a importância da formação continuada como prática

recorrente do professor de Historia, para citar uma entre as inúmeras possibilidades de

atualização. A ilustração para essa afirmativa pode ser verificada na obrigatoriedade do

ensino da História da África e estudos relativos à cultura africana e afro-brasileira na

aplicação da Lei 10.639/037, não apenas na Educação Básica, como também nos cursos

de graduação História e Pedagogia, uma vez que são recentes as disciplinas específicas

que tratam desse tema.

Associado a pouca ou nenhuma discussão acadêmica mais sistematizada nos

cursos de graduação, nas escolas o reforço às discriminações étnico-raciais pode

também estar presente nas ferramentas e materiais pedagógicos utilizados, a exemplo

dos livros didáticos. Representando diferentes áreas do conhecimento, eles não apenas

informam como uma dada realidade é percebida, interpretada e representada, mas

7 A lei 10.639/03 altera os artigos 26-A e 79-B da Lei 9394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional (LDB) (BRASIL, 2003): Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio,

oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira. § 1° O

conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos

Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade

nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinente à

História do Brasil. § 2° Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no

âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História

Brasileiras. Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como ‘Dia Nacional da

Consciência Negra’ (BRASIL, 2003. n.p.).A Resolução CNE/CP 1/2004, define as Diretrizes

Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e

Cultura Afro-Brasileira e Africana (BRASIL, 2004), fundamentada no Parecer CNE/ CP 3/2004.

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também como valores e percepções estão presentes e podem ser internalizados e

apropriados por cada um dos leitores e leitoras, num processo dinâmico e permanente,

pois o mundo é o que representamos. Assim, como bem afirma Lana Siman8

(...) é necessário enfatizar que o sujeito constroi representações

individuais que não são simples reflexos das representações sociais,

mas fruto de processos de construção e reconstrução de símbolos

socializados e internalizados.(...). Como o sujeito se insere numa

comunidade concreta e simbólica, este não está condenado a

simplesmente reproduzir esta realidade. Ou seja, ao mesmo tempo em

que este sujeito recria a realidade social e suas representações ele é

também modificado em sua própria relação com o mundo. Dessa

forma, os objetos presentes no meio social aparecem sob a forma de

representação, recriados pelos sujeitos. (2005: 352)

Uma maior atenção para as questões relativas às práticas contra o racismo, o

preconceito e a discriminação ganhou maior visibilidade a partir da Lei 10.639 de 09 de

janeiro de 20039. Entretanto, essa trajetória vem sendo percorrida desde a

promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (9.394 /1996) considerada

referência para mudanças significativas que passaram a ocorrer na educação desde

então.

A Lei 10.639/2003 bem como sua versão atual (11.645/2008), surge como uma

entre outras alternativas às visões estereotipadas e discriminatórias sobre negros,

indígenas e seus descendentes. Ela representa ainda, o resgate de uma história que há

séculos, vem sendo apresentada de forma distorcida e equivocada, herança cultural do

mito da “democracia racial” presente na sociedade a partir das produções de Gilberto

8 SIMAN, Lana Representações e memórias sociais compartilhadas: desafios para os processos de

ensino e aprendizagem da História. Caderno Cedes, Campinas, vol. 25, n. 67, p. 348-364, set./dez.

2005.Disponível em http://www.cedes.unicamp.br Acesso em 4/10/2012. 9 A institucionalização da Lei 10.639/2003, complementada pela atual Lei 11.645/2008, instaura a

obrigatoriedade do ensino de História da África e Cultura Afro-brasileira e História das populações

indígenas, nas escolas no âmbito público e privado da Educação Básica e Superior destinada à formação

de professores.

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Freire10. Esse mito corresponde à ideia de que no Brasil, ao contrário de outros países,

existe uma convivência pacífica entre as varias etnias onde cada um tem chances

iguais de sucesso, não havendo por isso, o racismo.

Embora não se reportasse diretamente a essa expressão, o sociólogo Gilberto

Freyre foi responsabilizado pela criação deste “mito”. Isto porque, em sua obra Casa

Grande e Senzala, ele apresenta as contribuições do negro à sociedade brasileira

contestando assim, a sua inferioridade. Freyre apresenta ainda em seu livro, a harmonia

presente nas relações raciais no Brasil, defendendo que a distância entre negros e

brancos se verificava mais no plano econômico (diferença de classes sociais) do que por

meio do preconceito racial. Essa falsa ideia de “democracia racial” utilizada desde

então, tem mascarado o racismo existente nas relações sociais, amortecendo assim,

consciências de muitos que preferem não identificá-lo como prática real e cotidiana em

nossa sociedade, ao mesmo tempo que impede uma maior organização da população

afrodescendente na luta por igualdade e respeito.

Para além dos avanços possíveis e esperados resultantes de políticas e legislações

educacionais nesse campo, muitos são os desafios a serem enfrentados. Em muitas

situações, o vivido e o praticado no espaço educacional tem sido diferente do

esperado, uma vez que professores encontram dificuldades em trabalhar a história da

África, dos negros e afrodescendentes em sala de aula, seja pelas lacunas presentes na

sua formação inicial e continuada, seja pela dificuldade em se ter acesso a um material

didático mais consistente, ou mesmo, pela própria dificuldade que muitos ainda têm em

admitir a “democracia racial” não como uma realidade, mas como uma construção

ideológica que por séculos têm sido utilizada para mascarar e escamotear relações

discriminatórias e racistas vivenciadas também no ambiente escolar. Associado ao

10 FREYRE, Gilberto. Casa-grande & senzala. Introdução à história da sociedade patriarcal no Brasil. 43.

ed. Rio de Janeiro: Record, 2001.

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discurso da democracia racial, está a existência da diversidade e do multiculturalismo,

que na prática tem sido negada por meio de ações diversas de intolerância e de

desrespeito. Como nos lembra Nilma Gomes(2006),

De fato, não é tarefa fácil para nós, educadores e educadoras,

trabalharmos pedagogicamente e inserirmos no currículo uma

discussão profícua sobre diversidade cultural, de um modo geral, e

sobre o segmento negro, em específico. Apesar de reconhecermos,

pelo menos no nível do discurso, que a construção social, cultural e

histórica das diferenças, ou seja, a diversidade, é algo de belo e que dá

sentido à nossa existência, sabemos que, na prática, no jogo das

relações de poder, as diferenças socialmente construídas e que dizem

respeito aos grupos sociais e étnico-raciais menos favorecidos foram

naturalizadas e transformadas em desigualdades. ( 2006, p. 25)11

Se por um lado, a escola acaba por reproduzir visões distorcidas e

preconceituosas, por outro, o cuidado deve estar presente não apenas na conduta dos

profissionais que nela atuam, mas também nos livros didáticos destinados ao ensino de

História para a Educação Básica disponibilizados com a função precípua de informar e

educar. Nesse sentido, a escola tem sido também espaço de veiculação e reprodução

de uma série de conceitos, ideias e práticas que corroboram com a construção do mito

da inferioridade do negro. Ao omitir conteúdos em relação a história do país,

relacionados à população negra, contribuições do continente africano no processo

civilizatório e ao reforçar determinados estereótipos, a escola contribui fortemente para

a constituição de uma ideologia de dominação étnico-racial.

Segundo os estudiosos da questão a exemplo de Cavalleiro (2000); Gomes (2006,

2005); Hasenbalg (1987; 2005), Munanga (1999, 2001); Rosemberg, (1987);

11 GOMES, Nilma Lino. Diversidade Cultural, currículo é Questão racial: desafios para a prática

pedagógica. In: Educação como prática da diferença. Anete Abramovicz, Lúcia Maria de Assunção

Barbosa, Valter Roberto Silvério (Orgs.). Campinas - SP: Armazém do Ipê (Autores Associados), 2006.

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Gonçalves e Silva (1993)12, o negro chega aos currículos, apresentado principalmente

pelos livros didáticos, não como o humano negro, mas como exclusivamente o objeto

escravo, como se pudesse ser destituído de um passado, uma história e trajetória ou

ainda, não tivesse participado de outras relações sociais que não fossem a escravidão.

Também a posição dos negros em relação à escravidão que tem sido via de regra

apresentada se divide em duas perspectivas opostas e excludentes com raras exceções:

ora a passividade, ora a extrema revolta e violência. Ainda, o continente africano, de

forma geral, tem sido mostrado como um continente primitivo, menos civilizado,

atrasado, quando na verdade há muito mais a ser dito sobre ele. Tais lacunas

evidentemente contribuem para a constituição da ideologia de dominação racial e da

ideologia de inferioridade da população negra. Estudos, especialmente os de análise de

livros didáticos, a exemplo dos autores citados, têm dado sustentabilidade à tese

levantada. Em vários deles, o negro é apresentado com tons de inferioridade ou

permitindo uma interpretação distorcida a seu respeito em decorrência de

silenciamentos que até hoje persistem, observados nas abordagens dos livros didáticos.

12

CAVALLEIRO, Eliane. Racismo e antirracismo na educação: repensando nossa escola. 3. ed. São

Paulo: Selo Negro, 2001. GOMES, Nilma Lino. GOMES, Nilma Lino. Alguns termos e conceitos

presentes no debate sobre relações raciais no Brasil: uma breve discussão. Educação antirracista:

caminhos abertos pela Lei Federal nº 10.639/03. Brasília: MEC/SECAD, 2005. p. 39-62..

GHASENBALG, Carlos A. Desigualdades sociais e oportunidade educacional a produção do fracasso.

Cadernos de Pesquisa, v. 63, p. 24-26, 1987. MUNANGA, Kabengele. Rediscutindo a mestiçagem no

Brasil – identidade nacional versus identidade negra. Petrópolis, RJ:Vozes, 1999. MUNANGA,

Kabengele (org.) Superando o racismo na escola. 3. ed. Brasília: Ministério da educação, 2001.

ROSEMBERG, Fúlvia. Relações raciais e rendimento escolar. Cadernos de Pesquisa, n. 63, nov., p. 19-

23, 1987. SILVA, Petronilha Beatriz Gonçalves e. Diversidade étnico-racial e currículos escolares –

dilemas e possibilidades. Cadernos CEDES, Campinas, n. 32, p. 25-34, 1993.

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Afrodescendentes na realidade e na literatura brasileira

Na realidade brasileira os resultados do tratamento dispensado às diferenças

raciais é têm deixado marcas e produzem resultados visíveis: crianças e jovens negros

estão menos presentes nas escolas, apresentam médias de anos de estudo inferiores e

taxas de analfabetismo bastante superiores em relação à população branca. Também, de

acordo com a pesquisa realizada pelo Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas

para a Mulher (UNIFEM), Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e

Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres:

as diferenças raciais tendem a se perpetuar, caso não sejam

empreendidas ações voltadas a reverter o atual quadro, no qual as

diferenças entre brancos e negros impressionam.(...) Um dos

momentos importantes que a discriminação se faz presente na vida das

pessoas é o momento de socialização via inserção escolar. São os

estabelecimentos escolares, juntamente com as famílias, os espaços

privilegiados de reprodução (e, portanto, também de destruição) de

estereótipos, de segregação e de visualização dos efeitos perversos que

esses fenômenos têm sobre os indivíduos. Os indicadores

educacionais expressam, com clareza, as desigualdades a que negros

estão submetidos e que, certamente, serão levadas e reproduzidas de

forma ainda mais intensa no mercado de trabalho. (Retrato das

Desigualdades, 2008:12)13

Na sociedade brasileira a maior parte dos afrodescendentes têm pouco

reconhecimento social, vivem em locais impróprios, em condições precárias de saúde e

segurança e frequentam escolas sem preocupação ou preparação para recebê-los. Isso

quando eles não são obrigados a deixarem os estudos para trabalhar e ajudar no

sustento da casa.

13 Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. Retrato das Desigualdades de gênero e raça. 3 ed.

Análise preliminar de dados do Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (UNIFEM),

Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) 2008.

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Na literatura didática essa situação de descaso não é diferente. Negros são

abordados apenas quando o assunto é escravidão, embora como os demais segmentos

sociais, eles façam parte da sociedade brasileira, e, nesse percurso tenham e têm

participado da construção de sua história, ao mesmo tempo em que vêm forjando a

própria história. Tais considerações nos remetem aos seguintes questionamentos aqui

compartilhados: Como superar e ultrapassar a imagem do negro associada

exclusivamente ao passado e à escravidão, aos castigos, chibatas, maus tratos? Que

projetos e propostas têm sido desenvolvidos nas escolas, objetivando evidenciar e

combater a discriminação racial e os desdobramentos do mito da democracia racial?

A exclusão dos afrodescendentes marcou e tem marcado a sociedade brasileira.

Mecanismos de dominação e poder foram utilizados para impor e justificar uma

suposta superioridade que, apesar da abolição da escravidão ocorrida no século XIX,

se perpetua no século XXI, por meio de diferentes formas e mecanismos, às vezes sutis,

outras nem tanto.

De forma geral, indiferença e distanciamento são posicionamentos que podem ser

percebidos por parte de diferentes setores sociais diante das mais diversas situações

de dificuldades e desfavoráveis vividas pelos afrodescendentes. Associado a esse

distanciamento, o sentimento de superioridade é, nos dias de hoje, substituído e/ou

perpetuado por atitudes veladas ou não, de preconceito e discriminação como nos

lembra Milton Santos:

Ser negro no Brasil é, pois, com frequência, ser objeto de um olhar

enviesado. A chamada boa sociedade parece considerar que há um

lugar predeterminado, lá embaixo, para os negros e assim

tranquilamente se comporta... (Folha de São Paulo, Caderno Mais. 07

de maio. 2000)14

14 SANTOS, Milton. Ser negro no Brasil hoje. Disponível em: http://inculturacao.salesianos.br/wp-

content/uploads/2012/08/Ser-negro-no-Brasil-hoje-Milton-Santos-materia-da-Folha-de-S-Paulo.pdf

Acesso em: 03/01/2013.

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O papel do PNLD na escolha dos livros didáticos

Com o objetivo de garantir que produções didáticas bem estruturadas cheguem às

mãos dos alunos e não comprometam o aprendizado e a formação dos mesmos, o

governo federal, por meio do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) avalia os

mesmos antes de serem distribuídos às escolas15. Sob a coordenação do Ministério da

Educação (MEC), o PNLD tem sido desde sua institucionalização, uma entre outras

políticas educacionais, que objetiva que o acesso por parte dos alunos das escolas

públicas aos livros de boa qualidade se torne cada vez mais uma realidade concreta. A

chegada dos livros didáticos nas escolas corresponde à etapa final de um processo

antecedido por etapas que envolvem discussões e debates entre a União, as secretarias

estaduais e municipais de educação acerca das suas potencialidades e fragilidades, dos

princípios didático-pedagógicos, que devem permear o material didático para que

assim, professores tenham em mãos um livro bem formulado e que os jovens estudantes

possam desenvolver um aprendizado significativo. Nas palavras dos coordenadores e

responsáveis pelo PNLD, este, além de ter se tornado cúmplice das Secretarias de

Educação,

é uma política do Estado Brasileiro que compreende a participação de

vários sujeitos. Os dirigentes e os técnicos do MEC e do o Fundo

15 O Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) tem como principal objetivo subsidiar o trabalho

pedagógico dos professores por meio da distribuição de coleções de livros didáticos aos alunos da

educação básica. Após a avaliação das obras, o Ministério da Educação (MEC) publica o Guia de Livros

Didáticos com resenhas das coleções consideradas aprovadas. O guia é encaminhado às escolas, que

escolhem, entre os títulos disponíveis, aqueles que melhor atendem ao seu projeto político pedagógico.

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Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), conjuntamente

com os membros da Comissão Técnica do PNLD, elaboram o edital

que informa os critérios para inscrição e participação dos detentores

de direito autoral das obras didáticas e, a partir desse passo inicial,

juntam-se as ações de técnicos do Instituto de Pesquisa Tecnológicas

da Universidade de São Paulo que garantem a qualidade técnica dos

livros, passando pelos professores que são convidados pelas

universidades públicas para emitirem pareceres acadêmicos, chegando

agora ao público para o qual existe esse Programa: professores e

alunos da educação básica. (PNLD, 2011: 9)16

Sabemos que entre os materiais pedagógicos utilizados nas escolas, o livro

didático é sem dúvida, uma das ferramentas pedagógicas e um dos recursos didáticos

mais utilizados, uma vez que as políticas educacionais e em especial aquelas

direcionadas de forma específica ao uso do livro didático têm favorecido não só sua

ampla utilização, como cobrado dos autores e editoras uma produção e publicação

mais criteriosa. A existência dos critérios sugeridos pelo PNLD, tem favorecido um

olhar mais cuidadoso das editoras sobre esse artefato cultural. Nesse sentido, fica

evidente a importância de sua utilização e seu peso na formação dos alunos. Desse

modo, os livros didáticos avaliados e oferecidos às escolas têm, em várias situações,

atendido às demandas que vão se apresentando no cotidiano escolar nos últimos anos.

A preocupação em trazer informações significativas e conteúdos que possibilitem um

diálogo com a realidade imediata dos alunos tem se manifestado, em resposta às

permanentes cobranças e demandas que vêm se apresentando por parte dos diferentes

atores sociais.

Vale destacar, no entanto, que de nada vale o acesso a um bom livro, se os

professores não tiverem a preparação adequada para utilizá-lo. Nesse processo, os

professores desempenham papel fundamental desde a escolha do livro didático, até as

16 BRASIL. Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. PNLD. Guia de livros didáticos

2011: História. – Brasília: 2011.

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diferentes formas de utilizá-lo e explorá-lo, tomando-o como mais uma ferramenta a

auxiliar o seu trabalho. Contudo, apesar de todo o processo de avaliação, de todos os

cuidados que têm cercado a publicação e divulgação dos livros didáticos, esses trazem

consigo ideologias, concepções e visões de mundo e sociedade que, longe de serem

únicas e imparciais, representam uma entre as varias possibilidades de interpretação e

análise da realidade social.

É nesse aspecto que o trabalho do professor é insubstituível e especial no que diz

respeito ao trabalho com os conteúdos do ensino de História presentes nos livros

didáticos e que tratam de forma específica, da entrada dos negros africanos no Brasil,

sua trajetória histórica, bem como dos afrodescendentes em situações e momentos

diversos, até os períodos mais contemporâneos. Tais temas e assuntos, como os demais

na produção historiográfica, precisam ser analisados e discutidos por serem passíveis

de não apenas uma interpretação, mas quantas a documentação existente e as fontes

utilizadas puderem sustentar .

Estudos e publicações como de Davies (1999), Fonseca (2005), Silva (1996)17,

têm repetidamente reforçado a tese que professores não devem utilizar o livro didático

como único recurso, mas um entre tantos outros a serem explorados no cotidiano

escolar. Embora o PNLD desde seu surgimento tenha como objetivo garantir a

qualidade técnica dos livros didáticos antes de serem distribuídos e utilizados, é

necessário uma atenção especial na sua escolha e sejam resultado de uma análise

historiográfica mais crítica e contextualizada .

17

DAVIES, Nicholas. Livro didático: apoio ao professor ou vilão do ensino de

história?:http://www.uff.br/departamentos/docs/_politica_mural/livro_didatico.doc Acesso em 12

/12/2012. FONSECA, Selva Guimarães. Didática e prática de ensino de história: Experiências, Reflexões

e Aprendizados. 4 ed. São Paulo: Papirus Editora, 2005. SILVA, Ana Célia. A discriminação do negro no

livro didático. Salvador: – Centro Editorial Didático e Centro de Estudos Afro-Orientais, 1995.

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Considerando que a educação escolar caracteriza-se pela mediação didático

pedagógica que se estabelece entre conhecimentos práticos e teóricos, é sabido que o

livro didático é um importante recurso que auxilia os professores em sua prática

pedagógica e, aliado a outros meios metodológicos, se constitui como considerável

ferramenta para uma aprendizagem significativa. Contudo, pode também se constituir

como mais um instrumento de discriminação, se não receber por parte dos professores

uma intervenção crítica, que instigue os alunos a refletirem sobre a forma como os

conteúdos são apresentados , pois como nos mostra Silva,

os livros didáticos de História geralmente representam o negro na

condição de escravizado, em situação de submissão, sofrendo castigos

corporais. Esse tipo de representação faz com que o aluno negro não

queira identificar-se com os membros de sua etnia, sinta-se

envergonhado. A formação da identidade do aluno negro acaba sendo

afetada muitas vezes de forma profunda levando-o a crer que a

situação de inferioridade em que a história oficial o tem representado

é natural. (1995:7)18

O estudo da imagem nos veículos de comunicação e, em especial naqueles de

caráter pedagógico como os livros didáticos, instaura no âmbito escolar, a

necessidade de se analisar com um maior cuidado a presença da imagem nessa

ferramenta pedagógica, por meio de ilustrações que representam o cotidiano dos

sujeitos e grupos nos vários tempos e espaços sociais e nas mais diversas situações. A

relevância dessa análise reside no fato que também essas imagens/ilustrações

influenciam na construção da identidade social, por serem elaboradas e reelaboradas

socialmente, podendo interferir na maneira como nos percebemos, assim como

percebemos o outro. (SILVA FILHO,2005). Embora nosso estudo não tenha como

18 SILVA, Ana Célia. A discriminação do negro no livro didático. Salvador: – Centro Editorial Didático

e Centro de Estudos Afro-Orientais, 1995.

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objeto a análise das ilustrações presentes nos livros didáticos é importante ressaltar o

peso que essas desempenham, principalmente por não serem num primeiro momento

consideradas por muitos professores e alunos como mais um recurso que marca e

demarca posições e valores em nossa sociedade, através de mensagens subliminares.

Estereótipos e silenciamentos

Entre importantes estudos que trouxeram reflexões sobre a questão racial e o

racismo no Brasil, destacam-se as produções Florestan Fernandes (1972), Octávio Ianni

(2004) e Munanga (1999)19. Esses estudos comprovam entre outros aspectos, que o

racismo é um elemento integrante da sociedade brasileira, embora um dos mitos

fundadores da nação brasileira tenha sido o de negação do racismo. A crença da

convivência cordial e harmoniosa das raças/etnias que compuseram a sociedade

brasileira, aliada à construída crença da inferioridade do negro, consolidou um quadro

de desigualdade racial estrutural no país. Deste modo, o racismo mesmo nos dias de

hoje, toma formas especiais; ele é negado, se apresenta de forma velada e nas palavras

de Florestan (FERNANDES, 1972, p.42): “o brasileiro tem preconceito de ter

preconceito”20.

No entanto, é preciso ressaltar que nas últimas décadas a consciência da existência

do racismo tem aumentado na sociedade brasileira, muito em função das intervenções

do Movimento Negro em parceria com diversos setores da sociedade, contribuindo para

19 FERNANDES, Florestan. O negro no Mundo dos Brancos. São Paulo: Difel, 1972. IANNI, O. Raças e

classes sociais no Brasil. SP: Brasiliense, 2004. MUNANGA, Kabengele.. Rediscutindo a Mestiçagem no

Brasil: Identidade Nacional Versus Identidade Negra. Petrópolis, R] : Vozes, 1999. 20FERNANDES, Florestan. O negro no Mundo dos Brancos. São Paulo: Difel, 1972

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a tomada de posições mais propositivas por parte do Estado, a exemplo das políticas e

legislação educacionais. Felizmente também esse esforço dos diferentes segmentos

sociais tem resultado na mudança concreta de representações sobre os negros, que

podem ser observadas nas publicações diversas e, mesmo que de forma tímida e lenta,

naquelas destinadas à utilização pedagógica nas escolas, demonstrando que a

participação do negro em nossa história e cultura vai muito além da escravidão.

Exemplo disso, é a comemoração do dia da Consciência Negra em 20 de

novembro, inicialmente criada em 1978, em homenagem ao aniversário de morte de

Zumbi, o líder do Quilombo de Palmares. A institucionalização da comemoração dessa

data em detrimento do 13 de maio que rememora a assinatura da Lei Áurea, já é por si

só, uma significativa demonstração de que mudanças vêm ocorrendo na forma de ver

essa questão. Na atualidade, essa data, O dia da Consciência Negra, simboliza de modo

especial, a luta permanente e contínua do Movimento Negro representado pelas diversas

entidades e movimentos em defesa dos direitos, do respeito e igualdade de

oportunidades aos negros e afrodescendentes em nossa sociedade.

Entretanto, cabe ressaltar que embora muitas mudanças, estejam ocorrendo, o

racismo ainda marca presença e contextualiza os espaços das universidades, da mídia e

da literatura em muitos aspectos e situações, mesmo que de forma sutil, já que a sua

prática é considerada crime, desde a promulgação da constituição de 1988. A

constatação dessa realidade pode ser observada através da história do negro contada, e

em grande parte silenciada, em diferentes aspectos e momentos de sua história

registrada nos livros didáticos. Esses, na maioria das vezes, teimam em relacioná-la

apenas à escravidão, embora essa história possa e deva ser relatada de diversas formas.

Diante dessa constatação permanecem sem respostas algumas questões sobre as

produções didáticas relativas aos negros e afrodescendentes. Entre elas, assinalamos

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motivadas pela leitura de Proença Filho (2004)21 a seguinte questão: Por que mesmo

nos dias atuais, escritores se calam diante das inúmeras lutas e conquistas que vêm

ocorrendo ao longo de toda a historia? Repetindo o questionamento do autor, por que

“a prevalência da visão estereotipada permanece dominante?” (2004, p. 166).

Observações possíveis sobre os livros didáticos analisados

Como já mencionado, a análise se deu em dois volumes didáticos (8ª e 9º ano)22

da coleção didática Projeto Araribá História - Editora Moderna23 aprovada pelo PNLD

de 2011 e escolhida entre aquelas mais utilizadas por professores da rede estadual de

Minas Gerais.

As questões iniciais elaboradas na primeira fase do projeto continuam servindo

como mote na produção atual, que a seguir são descritas: Como o tema da cultura

africana e afrobrasileira tem sido abordado pelos livros especialmente a partir de

20003? Ainda podemos encontrar estereótipos quanto à história dos negros no Brasil?

Quais silenciamentos sobre os afrodescendentes ainda persistem nos livros didáticos?

Quais versões da escravidão têm sido apresentadas por esses autores?

Tomando a questão étnico-racial e a questão dos escravos e afrodescendentes

como nosso objeto de estudo, buscamos na análise desses livros didáticos escolhidos

responder as seguintes questões, junto as iniciais acima descritas: Como identificar se

os assuntos abordados consideram os negros e sua história? Que outras relações sociais

21 PROENÇA FILHO, Domício. A trajetória do negro na literatura brasileira. Estudos avançados. Revista

do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Negro brasileiro negro nº 25, 1997, pp. 159-77, 2004. 22

Como já afirmado, a análise dos livros didáticos correspondentes ao 6º e 7º ano dessa coleção foi

realizada em trabalho anterior e produzida no artigo intitulado: “Usos e abusos dos livros didáticos e

paradidáticos representações sobre o negro e sua história nos livros didáticos”. 23 APOLINÁRIO, Maria Raquel (org.). História: ensino fundamental, 6ª. Projeto Araribá. São Paulo:

Moderna, 2003.

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além de escravo são reportadas aos negros na história brasileira? Quais são as

abordagens relativas aos negros e afrodescendentes para além dos conteúdos relativos à

escravidão? Quais os papeis sociais são apresentados quando eles são abordados em

assuntos como movimentos sociais e participação popular? Como a ausência e

limitações de oportunidades sociais e educacionais presentes entre negros em nossa

sociedade são apresentadas?

Sabemos ser impossível responder a todas as perguntas apenas nessa breve artigo,

assim como também não nos foi possível realizar uma análise mais profunda e

minuciosa, diante do tempo disponível para a realização e conclusão da pesquisa.

Entretanto, julgamos importante registrá-las como forma de manter permanentes essas

reflexões, indagações relativas ao tema.

Sobre os dois volumes dos livros didáticos analisados, deve ser ressaltado que no

site da editora há no portal da coleção, a indicação de um blog com a proposta de

recursos multimídia24 onde o conteúdo de Historia é contemplado. Como não foi nosso

objetivo analisar as atividades multimídias, elas não foram analisadas. Na apresentação

desses volumes analisados da coleção, temos a seguinte informação:

Os acontecimentos históricos são apresentados em ordem cronológica,

com aprofundamento de temas selecionados. Prioriza a postura crítica

e a formação ética, desenvolvendo atitudes e valores a partir da

compreensão de textos e de um conjunto completo de atividades. O

24 De acordo com as orientações didáticas pedagógicas da coleção, destaca-se a observação feita para “Os

objetos multimídia - história: Seguindo as tendências educacionais, os materiais didáticos do Projeto

Araribá integram diferentes recursos digitais que apresentam novas possibilidades de ensino ao educador.

O conhecimento é construído de forma interativa e em contexto com o mundo do aluno, que está

habituado com a linguagem digital. (...) Com essa ferramenta, o estudante pode fazer anotações, grifar

pontos importantes e interagir de forma dinâmica com os recursos multimídia exclusivos, que estão

disponíveis no portal da coleção”.

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livro impresso é complementado por vídeos, filmes e animações que

permitem uma maior interação com o conteúdo.

(http://www.moderna.com.br/arariba/historia).

A análise dos volumes em questão (8º e 9º anos), em seus diferentes capítulos nos

permite inferir que a apresentação dos capítulos, ao contrário do que é afirmado, se

verifica de forma superficial e não de forma aprofundada como anunciado. Não

queremos com isso afirmar que os livros devam trazer em seus textos uma produção

minuciosa e detalhada, pois sabemos não ser este o objetivo presente nesse tipo de

material didático. Quanto às demais possibilidades de competências de formação

anunciadas como “postura crítica e a formação ética, desenvolvimento de atitudes e

valores a partir da compreensão de textos”, essas não se efetivarão sem que haja uma

postura propositiva do professor para este fim. Salientamos, entretanto, que a menção de

algumas problematizações a título de provocações sobre determinados assuntos

abordados no corpo dos textos resultariam, a nosso ver, em uma significativa diferença,

pois no processo de interação com o livro didático e na forma de apropriação dos

conteúdos, tais problematizações produziriam uma outra atitude por parte dos

professores e alunos.

Destaca-se ainda que as atividades propostas ao final de cada capítulo dos livros

analisados são apresentadas como sendo “atividades que desenvolvem habilidades de

síntese, interpretação, leitura de imagens e reflexão sobre os conteúdos de história.”

Também estas, na maioria das vezes, são propostas de forma superficial e não provocam

por si só a aquisição de tais competências anunciadas. Entretanto, não se pode afirmar

que não haja uma intenção de se alcançar o que foi apresentado. Também as propostas

são padronizadas, não havendo assim, um tratamento específico para o tema discutido

nas atividades anunciadas. Novamente percebe-se que cabe ao professor direcionar e

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aprofundar as discussões para cada assunto abordado, uma vez que apenas são

mencionados no texto alguns aspectos a título de informação.

Análise da livro do 8º ano da coleção escolhida

No livro do oitavo ano, o negro ganha destaque no tema escravidão, confirmando

a hipótese de que parece ser este o único tema em que ele é apresentado. Assim,

algumas unidades abordam a presença do negro privilegiando a sua condição de

escravo. Dessa forma, na Unidade 2 - A ÉPOCA DO OURO NO BRASIL - temos a

referência a algumas situações vividas pelos escravos na mineração, seu papel

produtivo, as péssimas condições de trabalho e as justificativas para as constantes

rebeliões, fugas assassinatos de feitores e senhores e a formação de quilombos como

respostas dos negros diante da brutalidade da escravidão (8º ano, p. 45).

Embora anunciadas, as propostas de aprofundamento, ou “de diálogo entre

passado e presente permitindo a compreensão de temas socialmente relevantes e a

conexão de conhecimentos” não são exploradas no desenvolvimento das atividades.

Novamente percebe-se a importância do professor para a condução e aprofundamento

das análises propostas, mesmo que superficialmente. A proposição de “interpretações

divergentes, desenvolvendo a percepção de que a história pode ser analisada sob vários

pontos de vista” pode ser ilustrada com a menção a dois historiadores: Kenneth,

Maxwell e Laura de Melo e Souza que se posicionam de forma diferenciada sobre as

relações sociais nas áreas mineradoras (8ª ano, p.47). Embora apareça de forma tímida,

esse é um claro sinal de que o processo de mudança na condução e interpretação da

historia está em curso. Entretanto, mais uma vez, percebe-se que as questões propostas

aos alunos leitores sobre tais posicionamentos são ineficientes para explorar o

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pensamento crítico e reflexivo, nas comparações entre passado e aspectos da realidade.

Outros exemplos ainda podem ser citados nessa unidade como a presença das

irmandades religiosas dos brancos e pretos, a presença de Chica da Silva e das negras

quitandeiras no cotidiano das vilas mineiras (8º ano, p. 50), que abrem espaço para

outras interpretações da cultura africana.

Já na Unidade 8 intitulada O PERÍODO DAS REGÊNCIAS AO SEGUNDO

REINADO, os negros são lembrados nos capítulos na condição de escravos que tentam

por fim a escravidão africana, quando é apresentada a Revolta dos Malês num texto de

meia página (8º ano, p. 222), nada sendo explorado posteriormente de forma

significativa nas atividades propostas sobre essa questão. O mesmo ocorre no capítulo

seguinte e último do livro, quando o tema é “Abolição do trafico negreiro” sendo

descritas as leis e as pressões culminando com o fim do tráfico e seus efeitos para a

economia. (8º ano, p. 234 a 237). Sabemos que, sem dúvida o professor tem papel

fundamental nesse processo, mas reafirmamos como sendo de igual importância a

contribuição que os autores dos livros didáticos poderiam dar, se lançassem questões e

deixassem registradas provocações para que professores e alunos pudessem realizar

valiosos debates sobre os temas abordados.

Análise do livro do 9º ano da coleção escolhida

Ao analisar o livro do nono ano, tomamos como referência as seguintes questões:

Como identificar se os assuntos abordados consideram os negros e sua história? Que

outras relações sociais além de escravo são reportadas aos negros na história brasileira?

Quais são as abordagens relativas aos negros e os afrodescendentes para além dos

conteúdos relativos à escravidão?

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A Unidade 2 intitulada – A REPÚBLICA CHEGA AO BRASIL – o primeiro

capítulo, apresenta inicialmente a questão escravista no Brasil Imperial. O livro aborda a

questão da escravatura e discorre sucintamente sobre o fim da escravidão com a

aprovação da Lei Áurea, em 1888. Relaciona seu término, assinalando que o primeiro

golpe contra a escravidão, ocorreu em 1850, com a proibição do tráfico negreiro

decretado através da Lei Eusébio de Queiroz. (9º ano, p. 42) Tudo é escrito em um texto

de meia página, não havendo no próprio texto, qualquer indagação ou proposta de

discussão sobre o tema ou levantamento de outras hipóteses e razões para que a abolição

da escravatura ocorresse.

É destacada ainda a Lei Rio Branco (Lei do Ventre Livre, de 1871), que declarava

livres os filhos de mulher escrava nascidos a partir daquela data. No entanto, também

nesse texto, indagações sobre o sentido e significado dessa liberdade poderiam ser

apresentadas para que alunos e professores pudessem realizar uma discussão sobre as

características e aspectos dessa liberdade. Como uma criança totalmente dependente da

mãe pode ser considerada livre, se sua mãe não é?

Outra referência no livro analisado, diz respeito ao período pós-abolição para os

ex-escravos, que enfrentaram dificuldades de emprego, por não terem nenhuma

qualificação profissional. Além disso,registra que eles tinham que concorrer com

trabalhadores imigrantes, sendo obrigados a aceitar os trabalhos mais pesados e mal

remunerados. (9º ano, p.44) Novamente acreditamos que essas informações poderiam

vir acompanhadas de problematizações no corpo do texto que provocassem um debate

sobre temas como liberdade e condições de trabalho vividas ontem e hoje pelos negros e

afrodescendentes.

Após o conteúdo, o tema traz uma reflexão sobre o fim da escravidão, com

fragmentos de dois textos de Joaquim Nabuco e logo após, propõe quatro questões

subjetivas sobre os fragmentos dos textos. Vemos nesse tipo de atividade uma

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importante oportunidade para suscitar reflexões e comparações não só sobre o tema em

estudo como também, sobre as possíveis interpretações presentes na história, que não

pode ser apresentada como única, como na maior parte das vezes ocorre quando da

abordagem dos fatos históricos.

Apresentamos a seguir, algumas passagens significativas desse volume abordado,

que apresentam a vida social do Brasil República que, no entanto, poderiam, a nosso

ver, serem melhor exploradas.

Quando no capítulo 4 é discutido A industrialização e o crescimento das cidades,

o processo de urbanização e, consequentemente, o aumento da imigração são abordados

como respostas às oportunidades de trabalho que o Brasil na época oferecia. Sobre as

condições de vida dos trabalhadores, o livro aponta que, em sua maioria, negros e

pardos, viviam em cortiços, um tipo de habitação onde viviam várias famílias, mas as

autoridades procuravam manter os trabalhadores longe dessas áreas. Apresenta ainda

que, a construção de vilas operárias, representou uma iniciativa dos patrões que tinham

como objetivo conservar a mão de obra das fábricas, mantendo os trabalhadores sob

controle produtivo e bem comportados. (9º ano, p.57)

O capítulo 5, intitulado O movimento operário na Primeira República, retrata

como os trabalhadores viviam nas fábricas, já que a jornada de trabalho se estendia por

até 16 horas e os salários eram muito baixos. A ausência de legislação trabalhista,

somada a ausência de regulamentação das condições de higiene e de segurança nos

ambientes de trabalho, tornava comuns os acidentes e as doenças. (9º ano, p.58)

O capítulo 6, Reformas e revoltas na capital apresenta a cidade do Rio de Janeiro,

com aparência europeia e a Avenida Central (hoje Avenida Rio Branco) um cartão-

postal, que copiava Paris. Lembra o texto do livro, que o centro do Rio de Janeiro não

havia sido sempre assim. No lugar da Av. Central havia antigos casarões do período

Imperial. Segundo o texto, nesses antigos casarões, vivia amontoada em cômodos de

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aluguel, uma população formada principalmente por ex escravos e seus descendentes e a

moradia imprópria, combinada às precárias condições sanitárias, fazia com que

epidemias fossem comuns, como a febre amarela e a varíola. (9º ano, p. 60)

O processo de urbanização e a campanha higienista do início da República é

também mostrada ao abordar a reforma urbana e sanitária marcada por demolições,

que expulsaram da região central, a população mais pobre, obrigada a erguer barracos

nos morros próximos ou deslocar-se para áreas distantes do centro conhecido como os

subúrbios da Estrada de Ferro Central do Brasil, que hoje corresponde às favelas. (9º

ano, p. 61)

Entendemos que mesmo que o texto seja apresentado sem maiores

aprofundamentos, como é comum aos textos de livros didáticos, o maior problema

continua sendo em não serem apresentadas, mesmo que sem o compromisso de maior

aprofundamento para os leitores, questões que poderiam ser exploradas pelos

professores, relativas aos aspectos da vida cotidiana, tão próximo dos alunos, como o

trabalho, as condições de vida, saúde e de moradia para as camadas populares e

principalmente a composição dessas camadas como forma de demonstrar e comprovar a

ausência de oportunidades para a população pobre composta, não por acaso, pelos

negros e afrodescendentes.

Há ainda outro aspecto de grande valor a ser destacado que poderia ser indicado,

mencionado nesses textos no que diz respeito às questões sociais vividas hoje nos

grandes centros urbanos, a exemplo das favelas, da violência urbana, da exploração do

trabalho não qualificado, como desdobramentos de situações de abandono e completa

ausência do Estado brasileiro por meio de políticas públicas.

Em relação às atividades a serem realizadas pelos alunos, o livro apresenta seis,

relacionadas aos capítulos 4 a 6. Como já constatado no comentário sobre o volume

anterior, novamente se verifica que as atividades propostas poderiam instigar os alunos,

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no pensar crítico reflexivo provocando-os a estabelecerem comparações entre o tempo

estudado e o tempo vivido. Ao contrário, as atividades propostas se distanciam desse

princípio ao proporem respostas que pouco estimulam a curiosidade, ao não desafiarem

o raciocínio dos leitores, propondo respostas que podem ser dadas com copias de partes

do texto. A título de ilustração apresentamos uma delas: “Registre o autor, o ano e o

título da obra; ou Como eram as condições de trabalho dos operários brasileiros do

início da República”.

Continuando na análise do livro, chegamos à época contemporânea e na Unidade

8 - A NOVA ORDEM MUNDIAL – e ao capítulo 6: Um balanço no Brasil

contemporâneo. Para analisá-lo apresentamos os seguintes questionamentos: Quais são

os papeis sociais atribuídos aos negros e como eles são percebidos, quando são

apresentados temas como movimentos sociais, construção do país, participação

popular? Como a ausência e as limitações de oportunidades econômicas, sociais, e

culturais historicamente presentes na vida dos afrodescendentes em nossa sociedade

são tratados e podem ser relacionadas às atuais questões econômicas, sociais, e

culturais que os envolvem e fazem parte da realidade de sua quase totalidade?

O capítulo em questão, retrata a modernização econômica do Brasil e com ela,

seus respectivos problemas, como as desigualdades sociais e o desemprego. O texto

apresenta a intensificação da urbanização no país e nas grandes cidades, o crescimento

da violência, da miséria e das desigualdades sociais. (9º ano, p. 252).

Outro assunto importante discutido nesse capítulo, se refere à educação básica no

Brasil como um dos direitos fundamentais da criança e um dos instrumentos essências

à formação de cidadãos críticos. O texto mostra que as condições socioeconômicas do

Brasil interferem no acesso e permanência das crianças e dos adolescentes na escola,

como a necessidade de trabalhar para melhorar a renda da família. Apresenta ainda, a

baixa remuneração dos profissionais do ensino, problemas de gestão dos serviços

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públicos e a grande desigualdade social existente no Brasil ainda como forte obstáculo

para garantir uma educação básica de boa qualidade no país. (9º ano, p. 255).

Todas as questões abordadas são tratadas de foram genérica, tendo como

referência apenas as distinções de classe, como tradicionalmente ocorre nos livros

didáticos. Entretanto, sabemos que os dados e informações trazidas atingem mais a uma

determinada parcela da sociedade, não apenas por razões socioeconômicas, mas também

por estarem associadas a elas, questões étnico raciais. Entretanto, elas não são

mostradas como se não fizessem parte da realidade social brasileira.

Cabe destacar que em outra parte, o livro apresenta ainda, alguns conceitos

históricos em forma de um texto sucinto, que discute a questão do sistema de cotas

raciais nas universidades brasileiras, com argumentos de defensores e de críticos da

reserva de vagas para negros e índios (9º ano, p. 257) e em seguida, três atividades

referentes ao texto lido. A proposição no livro de temas que propiciam debates e

discussões a exemplo do sistema de cotas, merece aplausos, embora essa proposta tenha

ocorrido de forma muito tímida nos dois volumes analisados. Entretanto, vale

destacar a relevância que tais debates e discussões assumem, quando instigadas pelos

autores dos livros didáticos demonstrando assim, o seu não silenciamento, bem como

serem evidenciadas e evidenciadas questões que têm atingido ainda na atualidade, os

afrodescendentes.

Embora saibamos não ser possível o aprofundamento nos textos e atividades de

aspectos dessa história diante dos objetivos para esse artefato, continuamos a insistir na

necessidade de provocações que serviriam como mote para discussões frutíferas na sala

de aula, contribuindo na formação humana e política dos alunos através dessa

ferramenta pedagógica podem também ajudá-los a exercitar a sua cidadania.

Finalmente destacamos que se por um lado é impossível responder de maneira

aprofundada e detalhada a todas as questões inicialmente apresentadas por nós para a

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análise dos dois volumes, por outro, fica claro que embora na produção dos livros

didáticos haja uma preocupação com as abordagens que tratam a presença no período da

escravidão, muito ainda há que ser mudado e acrescentado em outros momentos de sua

história.

Considerações finais

Seguindo os objetivos propostos no inicio da pesquisa realizada, pudemos

constatar que as questões relativas aos negros e afrodescendentes ainda continuam

silenciadas parcial ou totalmente em outros momentos que não o da escravidão. Este

estudo evidenciou ainda que, embora leis de inclusão destinadas aos afrodescendentes

tenham sido criadas com objetivo de minimizar as desigualdades sociais existentes e

resgatar a própria trajetória do negro em nossa sociedade nos mais diversos momentos

da historia brasileira, as mesmas não são suficientes para extinguir de fato um

comportamento que está ainda enraizado em nossa cultura, que os vê, apenas

relacionados à escravidão, a não ser em raros momentos específicos.

As leituras e análises realizadas, nos permitem inferir que mais forte que as

políticas e legislações que tentam reverter esse quadro, são os valores e crenças

introjetados, visões estereotipadas que necessitam ainda de um tempo maior para serem

desconstruídas, enquanto a reconstrução de novos valores e visões estão sendo

elaboradas para ocuparem definitivamente seu lugar. Estes, felizmente estão sendo

construídos na dinâmica dos posicionamentos, ações e iniciativas que parecem inexistir,

mas que estão presentes, através dos movimentos sociais, da atuação de diferentes

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setores da sociedade incluindo aí, a postura consciente e crítica dos educadores que

atuam na Educação Básica e no Ensino Superior.

Nessa perspectiva, há a necessidade de novos estudos nesse campo. A história da

África e da cultura negra reserva descobertas sequer mencionadas pelos livros didáticos

e surpreendem pela trajetória de luta, conquistas, embora persistam os silenciamentos,

as negligências, os estereótipos, as discriminações. A luta atual pelo reconhecimento

dos direitos dos afrodescendentes como cidadãos e por igualdade de oportunidades já

não mais é solitária, podendo contar com o apoio e ações diversas. Assim, é preciso de

forma contínua e permanente, resgatar os valores de igualdade, respeito e valorização

das diferenças, numa sociedade marcada pela diversidade e pluralidade como é o caso

de sociedade brasileira que, em muitas situações, teima em não reconhecê-la como um

dos aspectos fundantes de sua identidade.

Manifestações como a Marcha Zumbi dos Palmares contra o racismo, pela

cidadania e pela vida, que ocorrem há décadas coordenadas também pelo Movimento

Negro em parceria com outras entidades como os movimentos sindicais e outros

setores da sociedade são demonstrações de reconhecimento que a escola é também

lugar de formação de cidadãos, pois lá todos estiveram. Assim, ao concluirmos fica

claro para nós o destaque que deve ser dado ao papel e atuação dos professores em sala

de aula, não apenas na condução e desenvolvimento dos conteúdos relacionados ao

tema aqui trabalhado, como também nas relações e condutas cotidianas que permeiam o

processo educativo. Tais comportamentos, se não analisados, podem estar servindo

como reforço a uma situação que na retórica se defende em extingui-la.