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IV CONGRESSO SERGIPANO DE HISTÓRIA & IV ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA DA ANPUH/SE O CINQUENTENÁRIO DO GOLPE DE 64 “EIS AQUI O REMÉDIO IDEAL!”: NACIONALISMO E EDUCAÇÃO SANITÁRIA NAS PUBLICIDADES DOS ALMANAQUES DE FARMÁCIA (1942 1945) Caroline de Lara 1 Introdução Catálogos de remédios, manuais para a saúde e mecanismo de inserção de novos ideais de modernidade e higiene, os almanaques 2 de farmácia foram publicações que percorreram todo Brasil desde fins do século XIX, sendo editados todos os anos pelos laboratórios de medicamentos e distribuídos gratuitamente pelas farmácias de todo o país. Além de mostruário de medicamentos, era possível encontrar nesses almanaques conteúdos como calendário lunar e religioso, curiosidades, dicas domésticas e materiais de humor, como piadas e charges. Para Nova, essas publicações são consideradas como pequenas enciclopédias, as quais expunham um “[...] saber resumido, extraído do saber oficial; pequena biblioteca de livros catalogados, mas somente abreviados; reunião de conhecimentos esparsos, 1 Bacharel em História pela Universidade Estadual de Ponta Grossa e aluna do Programa de Pós- graduação em História pela Universidade Estadual de Ponta Grossa. E-mail: [email protected] 2 Baseando-se no verbete da Enciclopédia de Literatura Brasileira de Afrânio Coutinho de 1990, Maria das Graças Sandi Magalhães diz que o termo almanaque tem origem da palavra árabe almanach, e significa “o cômputo” ou “a coragem”. O mesmo verbete faz uma descrição dos diversos almanaques existentes desde a Antiguidade, como os de conteúdo cultural e científicos, bem como os primeiros almanaques editados no Brasil, por exemplo, o Almanach da Corte do Rio de Janeiro para o anno de 1811. A respeito dos almanaques de farmácia, a enciclopédia citada utiliza esse termo para descrever as publicações no Brasil principalmente nos anos 20, citando os mais famosos, como Almanach Illustrado de Bristol; o Almanak do Biotônico e o Almanack d’A Saúde da Mulher. MAGALHÃES, Maria das Graças Sandi. Higiene e cuidados com a criança: as lições dos almanaques de farmácia 1920 a 1950. Disponível em: <http://www.anped.org.br/reunioes/27/gt02/p025.pdf >. Acesso em: 07 jun. 2013.

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O CINQUENTENÁRIO DO GOLPE DE 64

“EIS AQUI O REMÉDIO IDEAL!”: NACIONALISMO E

EDUCAÇÃO SANITÁRIA NAS PUBLICIDADES DOS

ALMANAQUES DE FARMÁCIA (1942 – 1945)

Caroline de Lara1

Introdução

Catálogos de remédios, manuais para a saúde e mecanismo de inserção de novos

ideais de modernidade e higiene, os almanaques2 de farmácia foram publicações que

percorreram todo Brasil desde fins do século XIX, sendo editados todos os anos pelos

laboratórios de medicamentos e distribuídos gratuitamente pelas farmácias de todo o

país. Além de mostruário de medicamentos, era possível encontrar nesses almanaques

conteúdos como calendário lunar e religioso, curiosidades, dicas domésticas e materiais

de humor, como piadas e charges.

Para Nova, essas publicações são consideradas como pequenas enciclopédias, as

quais expunham um “[...] saber resumido, extraído do saber oficial; pequena biblioteca

de livros catalogados, mas somente abreviados; reunião de conhecimentos esparsos,

1 Bacharel em História pela Universidade Estadual de Ponta Grossa e aluna do Programa de Pós-

graduação em História pela Universidade Estadual de Ponta Grossa. E-mail: [email protected] 2 Baseando-se no verbete da Enciclopédia de Literatura Brasileira de Afrânio Coutinho de 1990, Maria

das Graças Sandi Magalhães diz que o termo almanaque tem origem da palavra árabe almanach, e

significa “o cômputo” ou “a coragem”. O mesmo verbete faz uma descrição dos diversos almanaques

existentes desde a Antiguidade, como os de conteúdo cultural e científicos, bem como os primeiros

almanaques editados no Brasil, por exemplo, o Almanach da Corte do Rio de Janeiro para o anno de

1811. A respeito dos almanaques de farmácia, a enciclopédia citada utiliza esse termo para descrever as

publicações no Brasil principalmente nos anos 20, citando os mais famosos, como Almanach Illustrado de

Bristol; o Almanak do Biotônico e o Almanack d’A Saúde da Mulher. MAGALHÃES, Maria das Graças

Sandi. Higiene e cuidados com a criança: as lições dos almanaques de farmácia – 1920 a 1950.

Disponível em: <http://www.anped.org.br/reunioes/27/gt02/p025.pdf >. Acesso em: 07 jun. 2013.

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dispersos sobre a superfície da terra; transmissão à posteridade das classes populares

urbanas e rurais.” 3

Excedendo tais funções, os almanaques de fármacos assumiram muitas vezes o

papel dos médicos, que eram, em determinadas localidades do país, inacessíveis,

caracterizando-se num elemento difusor dos ideais da sociedade brasileira nas primeiras

décadas do século XX.

Estes almanaques são passíveis de análise como fontes históricas,

especificamente suas publicidades, num momeno em que ocorria a transição entre as

práticas populares de cura e uso de medicamentos indutrializados, bem como ao

processo de educação sanitária direcionado à um público específico, as leitoras e

leitores dos Almanaques de Farmácia Vinhetas Vick, Capivarol, A Saúde d’A Mulher,

Jeca Tatuzinho, Ross, Conselheiro Knox e Bristol.

Essas fontes nos dão a possibilidade de analisar sua atuação como agentes na

inserção do nacionalismo e modernização, ideais estes que eram almejados pelo

governo de Getúlio Vargas durante o período do Estado Novo (1937 – 1945).

Assim, o recorte temporal utilizado para a atual pesquisa será os anos entre 1942

– 1945 onde é possível visualizar nas publicidades de medicamentos presentes nesses

periódicos, como se dava o método didático pedagógico utilizado pelos publicitários em

suas elaborações.

O moderno como elemento partícipe da composição política e social tanto na

Primeira República quanto no estado varguista, vai ganhando ganha espaço

paulatinamente no campo intelectual, segundo Herschmann e Pereira vai com maior

visibilidade

[...] ao longo dos anos 20 – 30, quando afirmar-se “moderno”, por

exemplo, é, antes de mais nada, tentar assumir um lugar prestigiado no

3 NOVA, Vera Casa. Lições de almanaque: um estudo semiótico. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1996,

p. 140.

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debate científico e artístico [...] expressando também uma sintonia de

certa forma obrigatória com determinado conjunto de questões nem

sempre claras para os sujeitos envolvidos.4

Logo, a transição das práticas populares de cura para o uso de medicamentos

industrializados, considerados aqui com um dos elementos que compõe essa

modernização horizonte da Era Vargas e utilizado como baliza para os questionamentos

enfatizados nesse projeto, ocorreu desde início do século XX principalmente com maior

aproximação entre educação e saúde a qual, segundo Chaves “[...] expressava o desejo

de transformação da sociedade brasileira e da percepção de que as mudanças aspiradas

teriam que se pautar em conhecimentos e saberes científicos [...]” 5.

Assim, durante a década de 1910 esse elo entre educação e saúde foi

intensificado, com intenção de salvaguardar a população brasileira do destino que se

acreditara ser reservado “[...] devido à mistura de raças e ao clima tropical do país. [...]

Ignorante e doente, ele precisava ser resgatado [...]” 6, logo caberia à educação e à

moderna medicina direcionar este cidadão para o caminho do progresso.

4 HERSCHMANN, Micael M.; PEREIRA, Carlos Alberto Messeder. O imaginário moderno no Brasil.

In: _______ (Orgs.). A invenção do Brasil moderno. Medicina, educação e engenharia nos anos 20 – 30.

Rio de Janeiro: Rocco, 1994, p.15. 5 CHAVES, Niltonci Batista. Entre “preceitos” e “conselhos”: discursos e práticas de médicos –

educadores em Ponta Grossa/ PR (1931 – 1953). Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Paraná,

Curitiba, 2011, p.32. Disponível em: <

http://www.ppge.ufpr.br/teses/D11%20Niltonci%20Batista%20Chaves.pdf>. Acesso em 24 abr. 2013. 6 BERTUCCI, Liane Maria. Dois momentos, um ideal: educação e saúde para formar o brasileiro. São

Paulo, 1918; Paraná, 1928. Disponível em: <http://www.sbhe.org.br/novo/congressos/cbhe4/individuais-

coautorais/eixo01/Liane%20Maria%20Bertucci%20-%20Texto.pdf>. Acesso em: 13 abr. 2013.

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Para Lima e Hochman, a população brasileira durante a Primeira República

(1889-1930), convivia com a ausência de identidade nacional, onde “nenhum

sentimento de nacionalidade era percebido no povo brasileiro.” 7

Intelectuais como Alberto Torres e Manoel Bonfim deslocaram das questões

raciais e climáticas para o âmbito cultural, relacionando este componente para o suposto

atraso do país e apontando alternativas plausíveis para o Brasil. Dessa forma, houve

uma aproximação das críticas em torno do determinismo racial, que ganhava força em

relação à nacionalidade brasileira no decorrer da 1ª Guerra Mundial (1914 – 1918), onde

“uma importante tendência que se consolidou progressivamente consistiu em ver nas

doenças o problema crucial para a construção da nacionalidade.” 8

Importante observar que esse era o momento que os efeitos causados por esse

conflito estimularam o movimento pelo saneamento do nacional. Assim como no

exterior, houve no Brasil um fortalecimento de questões sobre a fundação, ou

recuperação de uma nacionalidade via civismo, saúde e alfabetização, reunindo e

contando com o apoio de intelectuais das elites e da política nacional.

Segundo os autores acima citados, os intelectuais engajados em tal movimento,

além de debater ideias já existentes, promoveram novas discussões, como o abandono

do sertanejo pelo poder público e a doença como principal característica do povo

brasileiro, os quais encabeçaram uma campanha pelo saneamento rural, onde esta

ganhava mais peso na medida em que as expedições científicas9 confirmavam tais

7 LIMA, Nísia Trindade; HOCHMAN, Gilberto. Condenado pela raça, absolvido pela medicina: O Brasil

descoberto pelo movimento sanitarista da Primeira República. In: Raça, ciência e sociedade. Rio de

Janeiro: FIOCRUZ/CCBB, 1996, p. 26. 8 Ibid., p. 25. 9 Segundo Gilberto Hochman em seu artigo Logo ali, no final da avenida: Os Sertões redefinidos pelo

movimento sanitarista da Primeira República publicado pela Revista História, Ciência, Saúde

Manguinhos, vol.5, 1998, afirma que a base para os discursos de médicos e higienistas durante a década

de 1910, foi o relatório da expedição médico-científica do Instituto Oswaldo Cruz (IOC) de 1912. Esta

expedição foi chefiada por Belisário Penna, que percorreu parte do Nordeste e Centro-Oeste, o qual

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dados. A presença da doença no meio rural, causado pelo abandono do poder público,

refletiu na improdutividade do homem, enquanto trabalhador, resultando no entrave

para o desenvolvimento do país.

Assim, as endemias que atacavam a população brasileira passaram a ser tratadas

como um problema político, e não relacionado ao clima tropical e à miscigenação do

povo brasileiro.

Nos anos 1920, com ações políticas em proporções estaduais, o Brasil ganha

alguns contornos referente à modernização, nos âmbitos econômicos e educacionais.

Relacionado a esta, podemos citar as reformas ocorridas nesse período, que visavam

combater o analfabetismo, com participação, por exemplo, de intelectuais engajados

como Lourenço Filho, Anísio Teixeira e Fernando de Azevedo.

A partir dos anos 1930, já com Vargas no poder, essas ideias ganham uma

configuração reformulada, com medidas educacionais visando combater o

analfabetismo. Tais ações caminhavam segundo Boris Fausto, do centro para a periferia,

colaborando assim para a visão de uma política centralizadora. 10

Nesse sentido, se tem na criação do Ministério da Educação e Saúde Pública

(MESP) em 1930, tendo como visão, a ação centralizadora no que se refere à educação

e saúde, passando a ser controlada por um órgão federal e não restrita aos cuidados

apenas dos estados.

trouxe à luz um diagnóstico sobre o Brasil, que impulsionou a campanha pelo saneamento. Esse relatório

diagnosticou as condições climáticas, sócio-econômicas e a classificação de doenças (nosologia) dessas

regiões, considerando a população como abandonada e doente. Os médicos da expedição descreveram em

seu relatório o povo caboclo e sertanejo como ignorante, causa essa, devido a ausência do sentimento de

identidade nacional, reconhecendo apenas símbolos ligados a religiosidade. Diferentemente do discurso

dos intelectuais do período que justifica a natureza “preguiçosa”, pobre e atrasado do homem do interior,

esse relatório declarava que tal situação ocorria devid o abandono do governo para com essa população,

deixando como herança as endemias rurais e suas consequências. 10 FAUSTO, Boris. O Estado Getulista (1930 – 1945). In: História do Brasil. 2. Ed. São Paulo: Editora da

Universidade de São Paulo: Fundação do Desenvolvimento da Educação, 1995, p. 337.

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Com intenção de combater as doenças infectocontagiosas as quais se faziam

presentes em todo território nacional e atingindo várias populações, sem distinção, em

1941 o governo federal lança uma reforma encabeçada por Gustavo Capanema,

resultando na criação dos 12 Serviços Nacionais11, onde entre esses, se encontrava o

Serviço Nacional de Educação Sanitária (SNES), com o início de suas atividades a

partir de 1942. Como exemplo de uma política centralizadora, esses serviços mantinham

a intenção de construir homens, mulheres e crianças com organismos saudáveis, sempre

com ênfase na coletividade e não apenas no indivíduo.

Nesse caminhar, as colunas assinadas pelo SNES, presentes no jornal Diário dos

Campos, da cidade de Ponta Grossa/PR, as quais acompanham o recorte temporal do

atual projeto, possibilitarão como material de apoio, estabelecer uma relação mais coesa

com as publicidaddes medicamentos para desenvolver esse projeto de pesquisa.

Vinculado ao Ministério da Educação e Saúde, o SNES tinha em suas funções

com características pedagógicas, a reprodução de discursos direcionados à educação

sanitária da população.

Segundo Chaves, o SNES a partir de 1941, ano de sua criação, passou a enviar

artigos, colunas e publicidades para os vários jornais do país, estimulando assim a

educação sanitária da população brasileira.

A partir dessas publicações nesses canais de informação, houve uma relação

mútua entre ciência, população, políticas sanitárias e o governo federal. Logo, é possível

afirmar, segundo o autor, que tal discurso de cientificidade produzido pelo SNES

culminou na legitimação do projeto político de Vargas, juntamente com as ações de

11 Além do SNES, os órgãos que integravam os 12 Serviços Nacionais eram: Serviço Nacional da Peste;

Serviço Nacional da Tuberculose; Serviço Nacional da Febre Amerela; Serviço Nacional do Câncer;

Serviço Nacional da Malária; Serviço Nacional da Lepra; Serviço Nacional de Doenças Mentais; Serviço

Nacional de Fiscalização da Medicina; Serviço Nacional de Saúde dos Portos; Serviço Federal de Bio-

Estatística e Serviço Nacional de Água e Esgotos.

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Gustavo Capanema, estabelecendo “[...] normas de legitimação de comportamentos

individuais e coletivos.” 12

Nesse sentido, a criação do Ministério da Educação e Saúde também é um

exemplo da característica política do período, com a organização, centralização e

profissionalização da saúde pública brasileira, mantendo-se assim, associada à

construção da nacionalidade através de um Estado autoritário e forte, mecanismo este

que fora interrompido outrora, pelo Estado Liberal durante a Primeira República.

Assim sendo, a década de 1940 é um período significativo no que diz respeito

aos ideais de modernização, nacionalismo e higienização, propagados pelo Brasil

República, bem como à política do Estado Novo e a figura de Getúlio Vargas.

Inseridos neste processo, a população teria um papel essencial no que diz

respeito ao “[...] uso de remédios modernos, diferentes das mezinhas populares,

fabricados por laboratórios conceituados [...]” 13, havendo uma contribuição com o ideal

de civilização, que visava desatrelar o cidadão do passado racial, tendo na política

centralizadora nacional “[...] a construção da nação e da nacionalidade brasileira, sob a

égide do Estado.” 14 e personificado na figura de Getúlio Vargas.

Desenvolvimento

12 CHAVES, op. cit., p.201. 13 JÚNIOR, Moysés Kuhlmann; MAGALHÃES, Maria das Graças Sandi. A infância nos almanaques:

nacionalismo, saúde e educação (1920-1940). Disponível

em:<http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-46982010000100016&script=sci_arttext>. Acesso em:

13 jul. 2013. 14 BERCITO, Sônia de Deus Rodrigues. O Brasil na década de 1940: autoritarismo e democracia. São

Paulo – SO: Editora Ática, 1999, p.27.

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Com isso em mente, foi desde início do século XX que houve um objetivo de

ordenar e higienizar os corpos para um bem coletivo, para o avanço nacional, pois

segundo Nova “a falta de saúde relaciona-se à desordem por ameaçar a hegemonia do

grupo social dominante.” 15 onde a economia e a medicina estabelecem relações “[...]

com seu mais novo fetiche, seu produto recém-industrializado – o remédio -, que

divulgado pela publicidade e consumido pelo comprador, é capaz de restabelecer forças,

curar, fazer um super – homem...” 16

Dessa forma, no que concerne aos almanaques de farmácia, eles ocupavam um

lugar de destaque nas residências, fazendo parte do cotidiano das famílias. Cada

indivíduo absorvia de forma prática, através das imagens e textos, os ideais do processo

nacional na primeira metade do século XX, com horizonte na formação de cidadãos

capazes, saudáveis e eficientes para o desenvolvimento nacional, especialmente na Era

Vargas.

Atuando no imaginário da sociedade brasileira e revestido pelo poder simbólico

do chefe da nação, a imagem de Vargas em cinemas, rádios e discursos estimulou “o

salto direto de uma população majoritariamente analfabeta no início do século para uma

ordem cultural centrada nos estímulos sensoriais das imagens e dos sons [...]” 17. Assim,

a política do Estado Novo utilizou várias formas de intervenção nos costumes dos

cidadãos brasileiros, visando à inserção do processo civilizatório nacional, tendo como

escopo a saúde, como por exemplo, os almanaques de farmácia fonte de estudo.

É possível visualizar nas peças publicitárias dos já citados almanaques de

farmácia, especificamente na década de 1940, conteúdos repletos de imagens e

discursos, representando novos padrões de comportamento, no que tange às práticas

15 NOVA, op. cit., p. 127. 16 Ibid., p.128. 17 SEVCENKO, Nicolau. Introdução. In: ______. (Org.). História da vida privada no Brasil. São Paulo:

Cia das Letras, vol. 3, 1998, p.38.

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medicinais oriundas do Velho Mundo. Tais ações iriam ultrapassar de forma paulatina

os antigos métodos utilizados por grande parte da população brasileira, como as

famosas curas através de benzedores e mezinhas populares.

Segundo Nova, os almanaques são materiais possuidores de uma capacidade de

“intervenção médica junto à sociedade”, ocorrendo dessa forma, um processo de

higienização que se faz presente em campanhas de saneamento.

Logo, além de veículos difusores dos novos ideais da sociedade brasileira do

referido período, as propagandas dos almanaques assumem caráter pedagógico para

seus leitores e leitoras, no que diz respeito às causas e curas dos problemas de saúde.

Essa característica é visível na peça publicitária abaixo, do medicamento para tosse

‘Composto de Kemp’ presente no Almanach Ilustrado de Bristol de 1945:

Esta publicidade revela: “Catarro? Tosse? É preciso dar-lhes imaediata atenção

para evitar as más consequências que possam causar-lhe. Peça em sua farmácia

favorita um vidro do famoso Peitoral de Anacahuita Composto de Kemp”. Este caráter

se torna evidente no caso do leitor/leitora ler a publicidade, e identificar-se de alguma

forma com o texto e a imagem da mulher com tosse (a qual está com semblante abatido

Figura 1 - Almanach Ilustrado de Bristol, 1945, p.15.

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devido às tosses). Assim o receptor da mensagem publicitária terá conhecimento que

para evitar as possíveis consequências de tal mal, o medicamento indicado é Composto

de Kemp.

Portanto, para promover qualquer produto, a publicidade é a alma do negócio.

Parafraseando o sociólogo francês Jean Baudrillard “[...] a nossa sociedade pensa-se e

fala-se como sociedade de consumo.” 18, logo, as propagandas passam a ser

responsáveis pelo convencimento do leitor ou leitora ao adquirir um produto para

satisfazer suas possíveis necessidades. Isso se torna plausível na medida em que são

empregados nos produtos promovidos “[...] valores e um estilo de vida [...] que aparece

sempre como uma promessa de vida melhor, de bem estar e saúde física [...]” 19

Porém, não é apenas esta característica que se pode atribuir às publicidades.

Assim, o viés escolhido para este projeto de pesquisa será voltado para análise das

propagandas dos medicamentos destinados para homens, mulheres, crianças, jovens e

idosos, inseridos nos Almanaques Vinhetas Vick, Capivarol, A Saúde d’A Mulher, Jeca

Tatuzinho, Ross, Conselheiro Knox e Bristol. Nestes é possível extrair de suas imagens

e discursos, as características pedagógicas voltadas para seu público, no sentido de

educá-los sobre as causas e curas dos problemas, bem como veículo de difusão dos

ideais da sociedade brasileira relacionados à modernização e higienização.

Tendo em mente o processo da centralização da política varguista, nos âmbitos

da saúde e educação, as publicidades dos almanaques e as colunas assinadas pelo SNES,

nos possibilitam compreender como era o processo pedagógico utilizado nessas fontes,

para incutir os ideias almejados pelo governo Vargas, num momento de transição das

práticas populares de cura para a utilização de medicamentos industrializados entre

1942 – 1945.

18 BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Tradução de Arthur Morão. Lisboa: Edições 70,

1995, p. 208. 19 NOVA, op. cit., p. 86.

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Direcionando o olhar para a sociedade brasileira do decorrer dos anos 1930,

torna-se foco da política centralizadora do Estado Novo, a sua configuração perante o

imaginário da sociedade brasileira. Esta relação é perceptível nas peças publicitárias dos

almanaques de farmácia, pois segundo Baczko “[...] o imaginário social informa acerca

da realidade, ao mesmo tempo em que constitui um apelo à ação, um apelo a comportar-

se de determinada maneira.” 20

Tais peças publicitárias, com textos e imagens de fácil assimilação, faziam parte

da disseminação dos propósitos da política nacional do período, atuando no imaginário

social. Segundo Baczko, a eficácia da influência dos imaginários sociais sobre as

mentalidades depende dos meios de difusão, porquanto, para que se possa garantir a

dominação simbólica, é de suma importância o controle de tais meios, através de ações

como a pressão, persuasão e até mesmo inculcar crenças e valores. 21

Logo, o controle da imaginação social, da reprodução, difusão e manejo,

asseguram em vários graus uma influência real sobre os comportamentos, sejam eles

individuais ou coletivos, visando obter resultados práticos.

Essas características de controle do imagiário da sociedade estão presentes, por

exemplo, na publicidade abaixo, pois através de seu título: “Triste, muito triste, lamenta

o camponês a sua sorte”, nos informa que o meio rural, em sua coletividade, sofria

muito com problemas como a ancilostomose, que acometia, segundo Belisário Penna,

70% da população rural brasileira. Neste caso especificamente, o personagem criado por

Monteiro Lobato e que dá nome ao almanaque, Jeca Tatu foi amplamente utilizado no

projeto de integração e construção da nacionalidade, o qual fora condenado por sua

preguiça, “ao passar acreditar na ciência médica e a seguir suas prescrições, o Jeca

20 BACZKO, Bronislaw. Imaginação social. In: Enciclopedia Einaudi. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa

da Moeda, Vol.1, 1985, p. 311. 21 Ibid., p. 313.

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transforma-se. Livre da opilação e, como consequência, do estado permanente de

desânimo, torna-se produtivo e, em pouco tempo, umpróspero fazendeiro.”

Ou seja, mesmo que a prática da utilização de medicamentos industrializados

num momento de transição das práticas populares de cura para essa seja utilizada pelos

leitores de forma inconsciente, ela corresponde com os ideais que o governo Vargas

desejava incutir na população brasileira, seja ela da cidade ou meio rural.

Figura 2 – Almanaque Jeca Tatuzinho, 1944, p.25.

Assim, este imaginário se comunica com a representação social, mesmo esta não

sendo uma cópia do real, e sim uma construção elaborada a partir dele, pois a

representação social, segundo Pesavento, envolve processos de “[...] percepção,

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identificação, reconhecimento, classificação, legitimação e exclusão.” 22, sendo também

portadoras do simbólico, pois dizem mais do que podem mostrar. Ainda para a autora,

a força que há na representação ocorre devido sua força em mobilizar e produzir

legitimidade e reconhecimento social.23

Partindo do entendimento de que a publicidade é o indicativo do imaginário

social, acompanhado das representações de dada sociedade, essas fontes representam

além do consumo dos medicamentos, o movimento paulatino de novas práticas dos

consumidores, inseridos mesmo de forma inconsciente, no ideal de modernização pelo

viés da higienização e educação sanitária.

Essas práticas, segundo Thompson, reproduzem-se no decorrer das gerações e

“[...] na atmosfera lentamente diversificada dos costumes.” 24, pois, além destes ter

como fonte a práxis, os costumes segundo o autor, são criados e desenvolvidos por

pessoas comuns, como as leitoras e consumidoras em potencial do medicamento

feminino. Segundo o autor as perdas ao considerar os costumes (no plural), apenas

como sobrevivências, estão no veemente sentido do costume singular, ou seja, “[...] o

costume não como posterior a algo, mas como sui generis: ambiência, mentalité, um

vocabulário completo de discurso, de legitimação e de expectativa.” 25

As mudanças nos costumes referentes à higienização e saúde, representam os

ideais inseridos pelo Estado Novo com intento de desenvolver e capacitar fisicamente o

novo cidadão brasileiro desejado pelo Estado. Nesse sentido, a representação é também

um instrumento de conhecimento, que para Chartier:

22 PESAVENTO, Sandra Jatahy. História e história cultural. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2004,

p.40. 23 Ibid., p. 41. 24 THOMPSON, Edward P.. Costumes em comum: estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo:

Companhia das Letras, 1998, p. 18. 25 Ibid., p. 14.

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[...] faz ver o objeto ausente, substituindo-lhe uma “imagem”

capaz de repô-lo em memória e de “pintá-lo” tal como é. Dessas

imagens, algumas são totalmente materiais, substituindo ao corpo

ausente um objeto que lhe seja semelhante ou não [...] 26.

Para que haja a possibilidade de exploração de tais fontes, é necessário

compreender e analisar através dos textos, imagens e composição das peças

publicitárias, a representação e imaginário social presente nas propagandas de

medicamentos dos almanaques mencionados e de que forma que o ideal de

modernização pelo viés da saúde era incorporado nessas peças publicitárias dos

almanaques corpus de análise.

Para análise das peças, torna-se pertinente conhecermos alguns de seus

elementos básicos. Todo processo de comunicação envolve pelo menos duas pessoas, as

quais são denominadas, na publicidade, como o emissor, caracterizado, no caso, pelo

anunciante do medicamento, e o receptor, os leitores dos periódicos. Há também um

significado a ser propagado, que é o produto, ou mais especificamente, a tentativa de

convencer ou induzir o leitor a adquiri-lo.

Este é transmitido por algo material, que chamamos de código, onde na

publicidade, é o discurso e a imagem; sendo também transmitido pelo canal, que são os

almanaques de farmácia. E toda comunicação está inserida em uma determinada

situação cultural, “(...) bem como o conhecimento que tenham da situação deles e de sua

cultura.” 27, caracterizado pelo contexto em que as fontes estão inseridas.

Tendo isso em mente, o roteiro inicial adotado para análise das peças

publicitárias será o sugerido por Roland Barthes, iniciando com o estudo da mensagem

26 CHARTIER, Roger. O mundo como representação. Estudos avançados. São Paulo, v. 5, n.11, Jan/Abr.,

1991, p. 184. 27 VESTERGAARD, Torben; SCHRODER, Kim. A linguagem da propaganda. 3. Ed. São Paulo: Martins

Fontes, 2000, p.15.

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linguística. Neste momento será utilizado o método sugerido pelos linguistas Torben

Vestergaard e Kim Schroder, presente no livro “A linguagem da propaganda” 28

partindo da análise dos elementos: título, texto e ilustração, com suas respectivas

funções, e o slogan.

As imagens presentes nas publicidades em foco, assim como em outros casos,

não servem apenas como ilustração com intenção de deixar o texto mais colorido e

interessante. Elas não podem ser consideradas, segundo Paiva, como portadoras da

realidade de um determinado período em si, mas trazem “[...] traços, aspectos, símbolos,

representações, dimensões ocultas, perspectivas, induções, códigos, cores e formas nela

cultivadas.” 29

Estas imagens como indícios do passado permitem que compartilhemos os

conhecimentos e experiências não-verbais que se configuraram no passado, permitindo-

nos segundo Peter Burke, “[...] “imaginar” o passado de forma mais vívida. ”30, pois

elas nos instigam para o reconhecimento do processo cultural de dada sociedade em

determinado período, sendo valiosas “[...] na reconstrução da cultura cotidiana de

pessoas comuns [...]” 31, caracterizando-se como evidências da história de um

determinado contexto. Assim as imagens, dentre várias nuances, segundo o autor citado

acima, “[...] são feitas para comunicar.” 32, nos auxiliando para captar as modificações

ocorridas no âmbito da higiene e modernização.

Num total de nove almanaques consultados dentro do recorte temporal utilizado

para a pesquisa, foi possível elencar um total de cento e setenta peças publicitárias. Não

há uma regra sobre sua composição, havendo variações, onde todas são compostas por

28 VESTERGAARD, Torben; SCHRODER, Kim. A linguagem da propaganda. 3. Ed. São Paulo: Martins

Fontes, 2000. 29 PAIVA, Eduardo França. História e imagem. Belo Horizonte: Autêntica, 2002, p.19. 30 BURKE, Peter. Testemunha ocular: história e imagem. Bauru – SP: Editora EDUSC, 2004, p. 17. 31 Ibid., p. 99. 32 Ibid., p. 43.

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texto, ilustração, linha de assinatura33, e em alguns casos possui título e slogan34, como

no exemplo abaixo:

Figura 3 – Almanach d’A Saúde da mulher, 1941, p. 26.

A autoria, neste caso, assim como no restante das publicidades, não é possível

visualizar devido ausência da assinatura, atitude compreensível, já que em alguns casos,

segundo Gomes, “[...] parte da produção escrita inserida nessas publicações permaneceu

preservada sob a discrição do anonimato. Preferiram a convivência sigilosa e a não

exposição pública, num veículo prioritariamente comercial.” 35, mas sabe-se que “a

ilustração nos almanaques guarda registros de alguns dos mais reconhecidos artistas do

gênero.” 36, como é o caso Kohout, Kalixto, entre outros.

Todas essas características estão presentes nas publicidades elencadas para este

estudo inicial que compoem os almanaques de farmácia utilizados, os quais se

encontram em bom estado de conservação.

33 Temos na linha de assinatura uma relação entre o nome da marca e a situação exposta na publicidade

como um todo. 34 O slogan é de forma simples, uma exposição dos benefícios do produto em questão. 35 GOMES, Mario Luiz. Vendendo saúde! Revisitando os antigos almanaques de farmácia. Disponível

em: <http://www.scielo.br/pdf/hcsm/v13n4/11.pdf>. Acesso em 24 jan. 2013. 36 Ibid.

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Não é possível visualizar uma ordem cronológica definida, pois, o almanaque

em discussão entre outros37, são frutos de doação da população para órgãos como a

Biblioteca Municipal de Ponta Grossa e o Museu dos Campos Gerais, locais estes onde

tais documentos encontram-se abertos para posteriores investigações.

Para circular de forma gratuita em todo o país, o editor do almanaque

geralmente constrói textos “(...) resumindo, cortando, ilustrando, utilizando papéis

baratos, sempre de acordo com um critério prioritário para as obras consideradas

populares: o baixo custo.” 38 Com dimensões de aproximadamente 18x12 cm, os

Almanaques Vinhetas Vick, Capivarol, A Saúde d’A Mulher, Jeca Tatuzinho, Ross,

Conselheiro Knox e Bristol possuem um amplo material de informação, entretenimento,

bem como várias publicidades de produtos como medicamentos para resfriado,

depurativos, redução de peso, vermífugos, fortificantes, laxantes, problemas renais,

tônicos para o sangue etc, como essa:

37 Além dos almanaques já mencionados é possível encontrar outros como: Almanaque do Biotônico

Fontoura; Almanaque Luetyl entre outros. 38 Park, Margareth Brandini. Almanaques de farmácia no Brasil: entre a oralidade e a escrita. Disponível

em: <http://www.mouralacerda.edu.br/arquivos/publicacoes/plures/5.pdf>. Acesso em 15 mar. 2013.

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Figura 4 – Almanaque Ross, 1945, p. 25.

Essa publicidade é um indício do arquétipo do novo brasileiro a ser criado pelo

Estado Novo, o qual repousava no ideal do cidadão trabalhador, eficiente e produtivo.

Logo seria de suma necessidade, influenciar no cotidiano da população, como por

exemplo, nos hábitos de higiene e cuidados com o corpo, principalmente no sentido de

transformar um corpo doente em sadio via utilização de medicamentos industrializados.

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Considerações Finais

Assim, com todo aparato metodológico e noções referentes aos acontecimentos

correspondentes à baliza temporal utilizadas para essa pesquisa em desenvolvimento,

que buscamos responder nossos questionamentos acerca do ideal de modernização da

Era Vargas pelo caminho da saúde num momento de transição das práticas populares de

curas para a utilização de medicamentos industrializados entre 1942 – 1945.

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