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i CAMILA DA COSTA PARENTONI ATUAÇÃO DO ENFERMEIRO DIANTE DA TERMINALIDADE E MORTE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE COM CÂNCER EM CUIDADOS PALIATIVOS CAMPINAS 2015

ATUAÇÃO DO ENFERMEIRO DIANTE DA TERMINALIDADE E MORTE DA …repositorio.unicamp.br/.../1/Parentoni_CamiladaCosta_M.pdf · 2018-08-27 · paciente sem possibilidade de cura (25)

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  • i

    CAMILA DA COSTA PARENTONI

    ATUAÇÃO DO ENFERMEIRO DIANTE DA TERMINALIDADE E

    MORTE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE COM CÂNCER EM

    CUIDADOS PALIATIVOS

    CAMPINAS

    2015

  • ii

  • iii

    UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

    Faculdade de Ciências Médicas

    CAMILA DA COSTA PARENTONI

    ATUAÇÃO DO ENFERMEIRO DIANTE DA TERMINALIDADE E

    MORTE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE COM CÂNCER EM

    CUIDADOS PALIATIVOS

    Orientadora: Profª Drª Simone dos Santos Aguiar

    CAMPINAS

    2015

    Dissertação apresentada à Pós-Graduação da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas-UNICAMP como parte dos requisitos exigidos para obtenção de título de Mestra em Ciências, área de concentração Saúde da Criança e do Adolescente.

    ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA

    DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA ALUNA CAMILA DA

    COSTA PARENTONI E ORIENTADA PELA PROFª. DRª.

    SIMONE DOS SANTOS AGUIAR.

    __________________________

    Assinatura do(a) Orientador(a)

  • iv

  • v

  • vi

  • vii

    RESUMO

    Introdução: No mundo o câncer infantil é raro, apresentando incidência anual

    entre 70 e 160 casos por milhões de habitantes de 0 a 14 anos (2).

    Aproximadamente 4 % de mortes a cada ano é em decorrência do câncer

    pediátrico (3). A perspectiva de cura dos pacientes com câncer melhorou, mas

    apesar dos imensos esforços realizados pelos profissionais da saúde, alguns

    desses pacientes morrerão (5). Os profissionais que atuam nos cuidados à criança

    com câncer sob cuidados paliativos foram preparados em sua formação para

    promover a saúde e cura dos indivíduos e não para perdê-los para a morte (29).

    Os cuidados paliativos objetivam prevenção e alívio do sofrimento, avaliação e

    tratamento da dor e de outros sintomas de ordem física, psicológica, social e

    espiritual (19,20). Tal qual a definição de cuidados paliativos, a Enfermagem é

    uma profissão comprometida justamente com a proteção, promoção da saúde,

    prevenção de doenças e alívio do sofrimento por meio dos cuidados prestados ao

    paciente sem possibilidade de cura (25). Fez-se necessário o conhecimento da

    atuação do enfermeiro dentro desse contexto. Objetivo: analisar e descrever as

    percepções subjetivas e a atuação técnica dos enfermeiros diante da criança e do

    adolescente com câncer, sem possibilidades terapêuticas de cura, no momento da

    terminalidade e morte. Método: Pesquisa de campo prospectiva, descritiva,

    transversal com abordagem qualitativa. A análise de conteúdo temática foi

    escolhida para analisar os dados. Participaram 19 enfermeiros das alas de

    internação, dos períodos matutino, vespertino e noturno, que atuaram com a

    criança e adolescente com câncer em cuidados paliativos, na internação que

    precedeu em até 24 horas a ocorrência do óbito. Os dados foram coletados de

    abril de 2012 a janeiro de 2013, sendo possível captar a atuação desses

    enfermeiros correspondentes ao óbito de 17 pacientes. Responderam a uma

    questão norteadora aberta, discorrendo livremente sobre o tema, enfatizando sua

    vivência pessoal e profissional/técnica. Resultados: Após a categorização dos

    dados, emergiram três categorias analisadas e discutidas como pessoal,

    profissional e necessidades apontadas pelos enfermeiros. Na primeira, foram

  • viii

    destacados os sentimentos vivenciados pelos enfermeiros, os recursos subjetivos

    utilizados por eles para auxiliar sua prática assistencial e as características

    pessoais facilitadoras dispensadas ao cuidado prestado que colaboraram para

    uma assistência de melhor qualidade. Na segunda, os enfermeiros destacaram os

    procedimentos técnicos realizados, recursos operacionais e apoio ao paciente e

    família. Por último, alguns enfermeiros levantaram a necessidade de capacitações

    e treinamentos acerca do tema morte, tanto em nível de formação acadêmica,

    quanto especificamente institucional. Considerações Finais: Os enfermeiros

    trouxeram carências que merecem atenção e consideração, pois demonstraram

    diversos sentimentos em relação à morte do paciente, mas tecnicamente

    desempenham suas funções com destreza e competência. É essencial a

    ocorrência de mudança de paradigma institucional, valorizando o cuidar ao invés

    do curar. O enfermeiro merece ser cuidado em âmbito pessoal, capacitado a cerca

    do tema para conquistar a manutenção de sua saúde física e mental, bem como

    ser capaz de oferecer assistência digna ao paciente e sua família.

    Palavras-chave: Cuidados Paliativos; Câncer Pediátrico; Enfermeiros, Cuidados

    de Enfermagem.

  • ix

    ABSTRACT

    Introduction: Childhood cancer is a rare occurrence worldwide, with an annual

    incidence of 70 to 160 cases per million inhabitants, aged 0-14 years (2). About 4%

    of deaths each year are a result of pediatric cancer (3). The prospect of a cure for

    cancer patients has improved, but despite the huge efforts made by health

    professionals, some of these patients will inevitably die (5). Professionals caring for

    children with cancer in palliative care are prepared through their training to promote

    the health and healing of individuals, but not to lose them to death (29). Palliative

    care aims for the prevention and relief of patient suffering, assessment and

    treatment of pain and other symptoms of a physical, psychological, social and

    spiritual nature (19,20). Like the definition of palliative care, nursing is a profession

    committed to the sole purpose of protection, health promotion, disease prevention

    and relief of suffering by means of care provided to patients without the possibility

    of a cure (25). It is necessary to have knowledge of the nurse's role in this context.

    Objective: To analyze and describe subjective perceptions and the technical

    performance of nurses tending to children and adolescents with cancer, without

    therapeutic possibility of a cure at the time of terminal illness and death. Method:

    Descriptive and prospective field research combined with a qualitative approach.

    Thematic content analysis was chosen to analyze the data. Nineteen nurses

    participated in this study. The nurses came from hospital wards, working the

    morning, afternoon and night shifts, and worked with hospitalized children and

    adolescents with cancer via palliative care within 24 hours of the occurrence of

    death. Data was collected from April 2012 to January 2013, and it was possible to

    capture the performance of these nurses, corresponding to the death of seventeen

    patients. The participants responded to an initial question, talking freely about the

    subject, emphasizing both their personal and professional/technical experiences.

    Results: After the categorization of the data into three categories, personal and

    professional needs identified by nurses were analyzed, discussed and revealed.

    First, the feelings experienced by the nurses were highlighted, those being the

    subjective resources used by them to help their practice and the enabling of

  • x

    personal characteristics dispensed in the care that contributed to better quality

    care. Second, the nurses highlighted the technical procedures performed,

    operational resources utilized and support for the patient and family. Finally, some

    of these nurses raised the need for training on the topic of death, not only at the

    academic level, but also specifically at the institutional level. Final thoughts:

    These nurses have shed light on deficiencies that need attention and consideration

    by showing their feelings about the deaths of patients, all the while, they have

    performed their duties with skill and professionalism regardless of how they feel

    personally. It is essential for the occurrence of change in the institutional paradigm

    to value care over cure. Nurses deserve attention at the personal level, as well as

    to know every aspect of the situation in order to maintain their physical and mental

    health, to be able to provide dignified care to patients and their families.

    Keywords: Palliative Care; Pediatric Cancer; Nurses; Nursing Care.

  • xi

    SUMÁRIO

    1. INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 1

    1.1 Câncer Infantil ........................................................................................................................ 1

    1.2 Quando não há cura oncológica .......................................................................................... 3

    1.3 Cuidados Paliativos ............................................................................................................... 5

    1.4 O Enfermeiro e a Criança/Adolescente em Cuidados Paliativos ................................. 10

    2. OBJETIVO ............................................................................................................................... 14

    3. METODOLOGIA ..................................................................................................................... 15

    3.1 DESENHO DO ESTUDO.................................................................................................... 15

    3.2 LOCAL DO ESTUDO .......................................................................................................... 15

    3.3 POPULAÇÃO DO ESTUDO .............................................................................................. 15

    3.4 CRITÉRIOS DE INCLUSÃO .............................................................................................. 15

    3.5 CRITÉRIOS DE EXCLUSÃO ............................................................................................. 16

    3.6 COLETA DOS DADOS ....................................................................................................... 16

    3.6.1 INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS .............................................................. 16

    3.6.2 PROCEDIMENTO DE COLETA DE DADOS ........................................................... 17

    3.7 ANÁLISE DOS DADOS ...................................................................................................... 19

    3.8 LEVANTAMENTO BIBLIOGRÁFICO ............................................................................... 20

    3.9 ASPECTOS ÉTICOS .......................................................................................................... 20

    3.10. RECURSOS FINANCEIROS .................................................................................... 21

    4. RESULTADOS E DISCUSSÃO ........................................................................................... 22

    4.1 Categoria Pessoal - Subcategoria Sentimentos Vivenciados (IA) ............................... 27

    4.2 Categoria Pessoal - Subcategoria Recursos Subjetivos (IB)........................................ 34

    4.3 Categoria Pessoal – Subcategoria Características Pessoais Indicadas como

    Facilitadoras (IC) ........................................................................................................................ 38

  • xii

    4.4 Categoria Procedimentos Técnicos/intervenções Realizadas (IIA) ............................. 41

    4.5 Categoria Recursos Operacionais Facilitadores (IIB) .................................................... 45

    4.6 Categoria Apoio Emocional ao Paciente e Familiar (IIC) .............................................. 48

    4.7 Categoria Necessidades Apontadas pelo Profissional (III) ........................................... 51

    5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................................... 54

    6. REFERÊNCIAS .......................................................................................................................... 56

    7. ANEXOS ...................................................................................................................................... 66

    ANEXO I....................................................................................................................................... 66

    8. APÊNCIDES ............................................................................................................................... 67

    APÊNDICE I ................................................................................................................................ 67

    APÊNDICE II ............................................................................................................................... 68

    APÊNDICE III .............................................................................................................................. 69

  • xiii

    À minha querida avó Yolanda Bazani da Costa por deixar-me

    o mais profundo legado: a pureza do Amor!

  • xiv

  • xv

    AGRADECIMENTOS

    Primeiramente à Deus, que se fez presente em todos os momentos, derramando

    suas bênçãos para conclusão dessa jornada.

    Aos meus pais Antonio Fernando Bartolomei Parentoni e Denir Aparecida da

    Costa Parentoni pela admiração e apoio em todas as minhas escolhas, por me

    proporcionarem a oportunidade de estudar e pelo amor incondicional.

    Ao meu irmão Marcel Fernando da Costa Parentoni, a quem admiro por sua

    inteligência e incomparável dedicação à vida acadêmica, servindo-me de maior

    exemplo.

    Ao meu esposo Márcio Martins, meu companheiro desde antes da minha

    graduação, pela compreensão, estímulo ao estudo e amor.

    Ao meu avô Benedicto Apparecido Ramalho da Costa, também Enfermeiro, por

    me permitir seguir seus passos.

    À minha orientadora Profª Dra Simone dos Santos Aguiar pelo simples fato de

    acreditar em mim, pela confiança, carinho e respeito, além de me permitir a

    concretização do sonho de ser Mestre.

    À Nely Aparecida Guernelli Nucci, em especial, por todo auxílio em etapas

    fundamentais à concretização deste trabalho e pelo carinho maternal.

    À Dra Regina Maria Holanda de Mendonça, pela doçura e paciência em me

    passar sua valiosa sabedoria, por me conduzir com serenidade, sempre

    acalentando minhas angústias.

    Ao Centro Infantil Dr. Domingos A. Boldrini pela oportunidade de desenvolver não

    somente pesquisas, mas a concretização de sonhos profissionais.

  • xvi

    À Vânia Gutierres Biagio, gerente de enfermagem do Centro Infantil Boldrini, pelo

    incentivo, compreensão e flexibilidade em minha jornada de trabalho.

    À Carmen Cunha Mello Rodrigues, presidente do CEP do Centro Infantil Boldrini,

    por todo o auxílio e respaldo à pesquisa na instituição.

    À Vera Silvia S. Fróes Ficoni, bibliotecária do Centro Infantil Boldrini, por sua

    valiosa ajuda na captação das referências bibliográficas, sempre com atenção,

    carinho, presteza e empenho.

    À Dra Elisa Maria Perina, membro titular da banca, por todas as demonstrações

    de carinho e desejo pelo meu aperfeiçoamento profissional.

    Aos demais membros da banca, Dr. Ricardo Mendes Pereira, Dra. Célia Beatriz

    Gianotti Antoneli e Dr. Manoel Antonio dos Santos, que se disponibilizaram a

    contribuir com o presente trabalho.

    Ao Prof. Dr. Luiz Carlos de Mattos e Cinara de Cássia Brandão de Mattos, que ao

    me orientarem na graduação, me conduziram para a iniciação científica,

    estimulando a continuidade acadêmica.

    Às minhas docentes da graduação Renilda Rosa Dias e Daise Laís Machado

    Ferreira que me escolheram para fazer parte do projeto Rondon, onde senti pela

    primeira vez o prazer em levar o conhecimento ao próximo.

    À amiga e companheira de jornada como Enfermeira e mestranda Aretuza

    Fernandes Moreira Silva, pela afinidade, entrosamento e todo aprendizado

    compartilhado.

    À minha grande amiga Isabela Saura Sartoretto Malagoli, com quem dividi todas

    as aspirações profissionais e o carinho fraternal, além de ser exemplo de bondade

    e simplicidade.

  • xvii

    Aos Enfermeiros, participantes dessa pesquisa, pois sem eles esse trabalho

    jamais poderia ser concluído.

    Aos 17 pacientes que faleceram no desenrolar deste estudo, sendo objetos

    fundamentais para nossas descobertas. A todos, sempre rezei pedindo que

    encontrassem um caminho de luz, afinal cada qual em sua inocência contribuiu

    imensamente para nos mostrar como podemos aprimorar a arte do cuidar.

  • xviii

  • xix

    “Não se pode experimentar a sensação de existir sem se

    experimentar a certeza que se tem de morrer”.

    Jostein Gaarder

  • xx

  • xxi

    LISTA DE FIGURAS, TABELAS E GRÁFICOS

    FIGURA

    Figura 1. Categorias e subcategorias estabelecidas durante a análise dos dados. .... 23

    TABELAS

    Tabela 1. Representação dos sujeitos da pesquisa, número de participação e distribuição

    numérica dos fragmentos por categorias e subcategorias. ......................................... 24

    Tabela 2. Representação da porcentagem de cada categoria e subcategoria ............ 25

    GRÁFICOS

    Gráfico 1. Distribuição percentual geral das categorias I, II e II .................................. 26

    Gráfico 2. Distribuição percentual das subcategorias IA, IB e IC ............................... 27

    Gráfico 3. Distribuição percentual de suas três subcategorias IIA, IIB e IIC. .............. 42

    Gráfico 4. Distribuição percentual da categoria III, em relação às categorias I e II ..... 51

  • xxii

  • xxiii

    LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    OMS Organização Mundial de Saúde

    ANCP Academia Nacional de Cuidados Paliativos

    AMB Associação Médica Brasileira

    CFM Conselho Federal de Medicina

    AAP Academia Americana de Pediatria

    ANA American Nurses Association (Associação Americana de

    Enfermagem)

    TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

    UTMO Unidade de Transplante de Medula Óssea

    UTI Unidade de Terapia Intensiva

    CEP Comitê de Ética em Pesquisa

    CONEP Comissão Nacional de Ética em Pesquisa

    CNS Conselho Nacional de Saúde

    M1 Maleato de Midazolam (nome genérico de sedativo)

    O2 Oxigênio

    VAS Vias aéreas superiores

    SC Subcutâneo

    AVP Acesso venoso periférico

    CPAP Continuous Positive Airway Pressure (Pressão Positiva Contínua

    nas Vias Respiratórias)

  • xxiv

  • 1

    1. INTRODUÇÃO

    1.1 Câncer Infantil

    O câncer infantil é definido como um conjunto de doenças causadas

    pela proliferação desordenada de células anormais, que invadem os tecidos e

    órgãos. Estas células dividem-se rapidamente e tendem a ser muito agressivas e

    incontroláveis, determinando a formação de tumores ou neoplasias malignas.

    Leucemias, linfomas, tumores do sistema nervoso central, neuroblastoma,

    retinoblastoma, tumor de Wilms, osteossarcomas, sarcomas de partes moles e

    tumores germinativos são algumas das neoplasias mais freqüentes na população

    da faixa etária de 1 a 19 anos (1).

    Em todo o mundo o câncer infantil é raro, apresentando um padrão de

    incidência anual entre 70 e 160 casos por milhões de habitantes de 0 a 14 anos

    (2). Aproximadamente 4 % de mortes a cada ano é em decorrência do câncer

    pediátrico (3).

    No Brasil, o câncer representa a primeira causa de morte por doença

    entre crianças e adolescentes, com maior incidência de tumores malignos no sexo

    masculino. O país possui cerca de 33% da população abaixo dos 19 anos e o

    câncer nessa faixa etária corresponde entre 1% a 3% dos tumores malignos em

    toda população (4).

    O câncer em crianças e adolescentes nas décadas de 80 e 90 era

    considerado uma doença fatal, porém com o avanço científico e tecnológico, no

    século XX, houve a transição de doenças infecto-contagiosas ou transmissíveis

    por doenças crônicas degenerativas responsáveis pelo prolongamento e melhora

    da qualidade de vida (5).

    Esse considerável progresso no tratamento do câncer na infância e

    adolescência, associado ao diagnóstico precoce e tratamento adequado em

    centros especializados, fez com que o índice de cura desses pacientes, medida

    em sobrevida de 5 anos, subisse para 78%. A maioria dos pacientes que

    sobreviveram ao câncer, em algum momento, foi exposta a combinações de dois

  • 2

    ou três dos pilares do tratamento do câncer: quimioterapia, radioterapia e cirurgia

    (6).

    Quando submetidos ao tratamento, os pacientes podem experimentar

    diversas complicações secundárias como infecção, hemorragia, lesões cutâneas,

    alopecia, dor, fadiga, mudança do estado nutricional, distúrbio da imagem corporal

    e alterações nas dimensões psicológicas e sociais (7).

    Apesar de alcançar ganhos impressionantes na sobrevivência, os

    efeitos tardios do tratamento, muitas vezes, podem prejudicar a saúde e qualidade

    de vida desses pacientes, pois podem se manifestar até muitos anos após a

    conclusão da terapia (6).

    A terapêutica contra o câncer não é simples, afinal envolve além dos

    recursos técnico-científicos, sócio-econômicos, culturais e profissionais, a

    participação ativa do próprio paciente e sua família (8).

    Com isso, os enfoques positivistas relacionados a saúde e aos

    cuidados prestados à criança com câncer vem sendo questionados, a medicina e

    os cuidados paliativos vem se aprimorando como uma alternativa de cuidados aos

    pacientes portadores de neoplasias malignas incuráveis (9).

  • 3

    1.2 Quando não há cura oncológica

    O câncer é uma das principais causas de morte no mundo. Estimativas

    apontaram, até o ano de 2012, uma incidência de 14,1 milhões de casos novos de

    câncer, mortalidade de 8,2 milhões e prevalência 32,6 milhões de pessoas

    vivendo com câncer em todo o mundo (10,11).

    Mais de 70% das mortes por câncer são registrados em países em

    desenvolvimento, onde os recursos disponíveis para a prevenção, o diagnóstico e

    tratamento do câncer são limitados ou inexistentes (12). De acordo com projeções,

    o número de mortes por câncer vai continuar a subir, e estima-se que esse

    número chegue a 13,2 milhões de mortes por câncer e 21,4 milhões de casos

    novos em 2030 (13).

    Embora haja progresso no desenvolvimento científico para o tratamento

    do câncer infantil, surgem novas situações como a dificuldade em estabelecer os

    limites da aplicação das ciências médicas, os riscos do insucesso terapêutico e a

    escassa atenção ao alívio da dor e outros sintomas associados às doenças

    potencialmente incuráveis (9).

    Apesar dos imensos esforços realizados pelos profissionais da saúde, é

    difícil encarar a realidade de que esses pacientes com câncer morrerão (5).

    Mas, a morte é uma certeza pessoal, indeterminada e intransferível,

    com dimensões biopsicossocial, filosófica, econômica e espiritual. A morte faz

    parte da vida e o enfermeiro deve minimizar o sofrimento do paciente em vida e

    ajudá-lo no processo de morrer e da família após o evento morte (14).

    Já que o enfermeiro não pode mudar esse fato, torna-se fundamental a

    maneira pela qual o paciente vive até morrer, sua morte propriamente dita e todas

    as memórias da morte que ficam para a família (5).

    Enfatiza-se então, que os momentos vividos pela equipe

    multiprofissional no relacionamento interpessoal com a criança na fase terminal

    exigem extrema necessidade de preparação e treinamento, evitando assim, a

    impotência do trabalho profissional perante o processo da morte infantil (15).

  • 4

    Existem casos onde mesmo usando todas as armas terapêuticas

    disponíveis, a cura não é possível. Nestes casos, cabe à equipe interdisciplinar

    oferecer suporte, informação, conforto e dignidade ao paciente e sua família por

    meio da assistência tão importante quanto a curativa: os cuidados paliativos (8).

  • 5

    1.3 Cuidados Paliativos

    O termo paliativo vem do latim palio que é o nome dado a uma espécie

    de cobertura ou toldo que, antigamente, protegia reis e autoridades e que ainda

    hoje é utilizado na Igreja Católica para cobrir o Santíssimo Sacramento durante

    procissões. Trata-se, portanto, de algo que cobre e protege uma pessoa

    considerada de grande valor e dignidade. Da mesma forma, os cuidados paliativos

    têm por objetivo proteger a dignidade do paciente cuja vida tem valor mesmo

    quando não há perspectiva de cura, devendo receber o melhor cuidado possível

    (16).

    O Cuidado Paliativo se confunde historicamente com o termo hospice

    (hospes = hospedeiro) que definia abrigos ou hospedarias destinados a receber e

    cuidar de peregrinos e viajantes. Varias instituições de caridade surgiram na

    Europa no século XVII, abrigando pobres, órfãos e doentes. Essa pratica se

    propagou com organizações religiosas, católicas e protestantes que, no século

    XIX, passaram a ter características de hospitais (17).

    A melhoria do conceito de Cuidados Paliativos acompanhou o

    desenvolvimento dos serviços de hospice nos Estados Unidos. Os cuidados de

    hospice são de fato, os Cuidados Paliativos. A diferença é que o primeiro está

    associado à fase terminal e embora focalize a qualidade de vida, incluem a

    preparação realista emocional, social, espiritual e financeira para a morte,

    enquanto que a segunda propunha uma abordagem do indivíduo como um todo

    desde o início do processo de doença com risco de vida (5).

    O Movimento Hospice Moderno foi introduzido pela inglesa Cicely

    Saunders, enfermeira, assistente social e médica, que em 1967 fundou o St.

    Christopher’s Hospice, em Londres, cuja estrutura não só permitiu a assistência

    aos doentes, mas o desenvolvimento de ensino e pesquisa, recebendo bolsistas

    de vários países. Na década de 70, nos Estados Unidos, o encontro de Cicely

    Saunders com Elisabeth Kluber-Ross, psiquiatra suíça, pioneira no tratamento de

    pacientes em estado terminal, fez com que o Movimento Hospice também

    crescesse naquele país. Em 1982, o Comitê de Câncer da Organização Mundial

  • 6

    da Saúde (OMS) criou um grupo de trabalho responsável por definir políticas para

    o alívio da dor e cuidados do tipo hospice que fossem recomendados em todos os

    países para pacientes com câncer. A OMS adotou o termo Cuidados Paliativos, já

    utilizado no Canadá, devido a dificuldade de tradução adequada do termo hospice

    em alguns idiomas (17).

    O Cuidado Paliativo no Brasil teve seu inicio na década de 80, mas

    conheceu um crescimento significativo a partir do ano 2000, com a consolidação

    dos serviços já existentes e pioneiros além da criação de outros não menos

    importantes. Existe mais de 40 iniciativas em todo o Brasil, número relativamente

    pequeno, levando-se em consideração a extensão geográfica e as necessidades

    do país (17).

    Com a fundação da Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP),

    em 2005, os Cuidados Paliativos no Brasil deram um salto institucional enorme.

    Avançou a regularização profissional do paliativista brasileiro, a partir da proposta

    de formação de um Comitê de Medicina Paliativa na Associação Médica Brasileira

    – AMB. Foram estabelecidos critérios de qualidade para os serviços de Cuidados

    Paliativos despertando a atenção do Ministério da Saúde, Ministério da Educação

    e Conselho Federal de Medicina – CFM (18).

    Assim, a Organização Mundial da Saúde (OMS), conceituou em 1990

    que Cuidados Paliativos constituem a assistência ativa prestada por uma equipe

    multidisciplinar àquele paciente cuja doença não responde ao tratamento curativo,

    objetivando uma melhor qualidade de vida ao paciente e sua família, por meio da

    prevenção e alívio do sofrimento, identificação precoce e avaliação impecável e

    tratamento da dor e de outros sintomas de ordem física, psicológica, social e

    espiritual, prevenindo assim o sofrimento (19,20).

    O objetivo dos cuidados paliativos é atingir a melhor qualidade de vida

    possível para os pacientes e suas famílias, por meio de:

    alívio da dor e outros sintomas angustiantes;

    valorizar a vida e a morte como um processo normal;

    não apressar ou adiar a morte;

  • 7

    integração dos aspectos psicológicos e espirituais da assistência ao

    paciente;

    apoio aos pacientes para viver tão ativamente quanto possível até a morte;

    apoio à família para lidar com a doença dos pacientes e com sua morte;

    abordagem de equipe para atender às necessidades dos pacientes e suas

    famílias, incluindo aconselhamento de luto;

    melhorar a qualidade de vida, podendo também influenciar positivamente o

    curso da doença;

    início o mais precocemente possível durante o curso da doença, em

    conjunto com outras terapias que visam prolongar a vida, como a quimioterapia ou

    radioterapia, incluindo investigações necessárias para controlar complicações

    clínicas (20).

    Os mesmos princípios que norteiam os cuidados paliativos aos adultos

    o fazem com os cuidados paliativos pediátricos, ocorrendo algumas adaptações

    inerentes à faixa etária. O modelo de cuidado integral para oferecer cuidados

    paliativos a crianças que estejam com a vida em risco ou em condições terminais

    foi o proposto pela Academia Americana de Pediatria (AAP) com base em cinco

    princípios:

    • respeito à dignidade dos pacientes e suas famílias;

    • acesso a serviços competentes/especializados;

    • apoio aos cuidadores/familiares;

    • melhora do suporte profissional e social para os cuidados paliativos

    pediátricos;

    • progresso contínuo dos cuidados paliativos pediátricos por meio da

    pesquisa e da educação (21).

    As intervenções oferecidas pelos cuidados paliativos pediátricos

    englobam três níveis: o físico (sintomas como dor, fadiga, agitação, náuseas e

    vômitos), psicossocial (medos, angústia) e o espiritual (20).

    A OMS definiu que os cuidados paliativos dirigidos à criança baseiam-

    se no cuidado total, ativo, do corpo, mente e espírito, além do apoio à sua família.

    Começa quando a doença é diagnosticada e continua durante toda a evolução da

  • 8

    mesma. Requer uma abordagem multidisciplinar ampla, com recursos disponíveis

    na comunidade e os profissionais de saúde devem avaliar e aliviar o sofrimento

    físico, psicológico e social da criança (20).

    Isso significa que o adequado manejo da dor e de outros sintomas é

    fundamental à criança sob cuidados paliativos, além do suporte e educação para a

    família presentes na trajetória da doença. E os profissionais da saúde

    responsáveis pelo cuidado devem ser capazes de discutir a possibilidade da

    morte, o potencial de desgastes físico e emocional (20).

    As ações direcionadas ao paciente em cuidados paliativos são

    determinadas não só pelo diagnóstico e tratamento como também por questões

    éticas, culturais, políticas, sociais e subjetivas, sendo o maior desafio da equipe de

    saúde no cotidiano, encontrar um equilíbrio entre a razão e a emoção (22).

    Cuidado Paliativo é aquele em que, além do tratamento curativo pode

    melhorar a qualidade de vida dos pacientes e seus familiares por meio do alívio da

    dor e de outros sintomas debilitantes. Estima-se que a cada ano, 4,8 milhões de

    pessoas sofram dor cancerosa moderada a grave não tratada (12). Pela

    complexidade do cuidado tal modalidade terapêutica requer planejamento

    interdisciplinar e ação multiprofissional capaz de garantir assistência competente e

    especializada ao paciente em questão (20).

    O interesse pelos cuidados no final da vida vem crescendo em

    pediatria, face ao número de crianças com doenças a serem tratadas utilizando

    alta tecnologia como o tratamento paliativo (23).

    Atualmente dedica-se especial atenção a esta temática e percebe-se a

    existência de uma preocupação mundial relacionada aos pacientes que enfrentam

    esta nova fase. Segundo Wolfe et al. (24) crianças que morreram de câncer

    experimentaram sofrimento considerável no último mês de vida e as tentativas de

    controlar seus sintomas foram quase sempre mal sucedidas (24).

    Diminuir o sofrimento e oferecer melhor qualidade de vida às crianças

    que estão morrendo de câncer, bem como melhorar a comunicação entre pais e

    cuidadores (24) devem ser metas de atuação de toda a equipe de saúde. Diante

  • 9

    de uma doença crônica ou fatal, o mais importante é acrescentar mais vida aos

    anos que restam do que mais anos de vida (8,24).

    Na fase inicial do diagnóstico de câncer, o tratamento tem como

    objetivo a cura ou remissão da doença. Quando a doença atinge um estágio

    avançado, mesmo durante a terapia curativa, a abordagem paliativa deve entrar

    em cena no manejo dos sintomas físicos e psicossociais. Na fase terminal, em que

    o paciente tem pouco tempo de vida, o tratamento paliativo se intensifica, a fim de

    garantir qualidade de vida.

    Sendo assim, a OMS enfatiza que ambos os tratamentos, ativo e

    paliativo não sejam mutuamente excludentes. Propõe que os cuidados paliativos

    pediátricos sejam introduzidos mais cedo, no curso da doença, em conjunto com o

    tratamento oncológico ativo e sejam aumentados gradualmente, como um

    componente dos cuidados ao paciente, do diagnóstico até a morte. Essa transição

    do cuidado ativo para o cuidado paliativo é um processo contínuo, que

    acontecendo naturalmente facilita a assistência ao paciente na terminalidade e

    morte (19).

  • 10

    1.4 O Enfermeiro e a Criança/Adolescente em Cuidados Paliativos

    A American Nurses Association (ANA) definiu a Enfermagem como a

    profissão que se destaca pelo compromisso com a proteção e promoção da

    saúde, prevenção de doenças e alívio do sofrimento evidenciando assim, sua

    importância na promoção de um conjunto de cuidados prestados ao paciente sem

    possibilidade de cura, ou seja, os Cuidados Paliativos (25).

    Para a Enfermagem, os cuidados paliativos são inerentes à sua prática

    cotidiana. Aliar ciência e arte para prestar um cuidado que ampare, conforte é

    dever dos profissionais de enfermagem, desde o surgimento do diagnóstico de

    doença avançada, fortalecendo-se na terminalidade e continuando durante o

    período de luto (26).

    O enfermeiro tem papel fundamental nos cuidados paliativos, tanto na

    aceitação do diagnóstico como no auxílio para conviver com a doença. Assim, é

    possível desenvolver assistência integral ao paciente e familiar, por meio da

    escuta atenta, com o objetivo de diminuir a ansiedade devido ao medo da doença

    e do futuro (27).

    Contudo, o enfermeiro é um ser complexo, com sentimentos,

    necessidades, dificuldades e limitações para enfrentar situações de morte na

    infância, sendo necessárias mudanças na estrutura organizacional, apoio e

    segurança ao profissional, reciclagem de conhecimento sobre doença e a

    evolução do tratamento das crianças, minimizando assim, sentimentos negativos,

    reduzindo incertezas sobre a efetividade da assistência prestada, buscando um

    cuidado mais otimizado e humanizado (28).

    Os profissionais que atuam nos cuidados à criança com câncer sob

    cuidados paliativos foram preparados em sua formação para promover saúde e

    cura aos indivíduos e não para perdê-los para a morte, experimentando

    sentimentos de fracasso e impotência, afinal a morte é vista como um momento de

    dor e profundo pesar (29). Tal obstáculo é resultado do conhecimento defasado

    adquirido na instituição de ensino, tornando-se essencial o aprendizado das

  • 11

    experiências do cotidiano, em busca de mecanismos psicológicos de defesa frente

    ao paciente no seu fim de vida (30).

    Essa carência curricular vai além do ensino no Brasil, como o

    observado no estudo de Davies et al. (31) realizado na Universidade da Califórnia

    - São Francisco. Os autores acreditam que as faculdades de medicina e

    enfermagem deveriam incorporar princípios de cuidados paliativos e habilidades

    de comunicação efetiva, com foco no conforto e comunicação, atingindo assim, a

    otimização dos cuidados prestados à criança gravemente doente e suas famílias

    (31).

    Os requisitos e escolhas para os melhores cuidados variam conforme o

    país, porém, a necessidade da incorporação estrutural de cuidados paliativos na

    formação de pediatras e enfermeiros pediátricos é mundial, com abordagem

    multidisciplinar, em especial com questões psicossociais, abrangendo tanto a

    criança como o cuidador e a continuidade do vínculo após o evento morte e luto

    da família (32).

    Enquanto essa carência do modelo de ensino superior não é suprida

    mundialmente, as conseqüências são inúmeras. Segundo estudo de Costa e Lima

    (33), acompanhar o processo de morte e morrer de crianças e adolescentes

    provocou nos profissionais sentimentos de frustração, derrota, tristeza, pena,

    pesar com quem formaram um vínculo afetivo, caracterizando assim o luto, sendo

    necessário que os profissionais permitam-se viver o luto, em busca de proteção ou

    refúgio dessas manifestações emocionais e somáticas. Por outro lado, esses

    profissionais relatam que a morte faz parte da profissão escolhida, que a busca

    por ajuda de outro profissional técnico seria vista como fraqueza e que preferem

    apostar em uma postura mais técnica para evitar que a emoção atrapalhe suas

    atividades.

    No plano técnico, o enfermeiro é um excelente avaliador dos sintomas

    como dor e suas intensidades, podendo ajudar a prevenir complicações

    indesejáveis, tem a arte do manejo das feridas e de saber como auxiliar nas

    limitações que vão surgindo e se intensificando cada dia mais (26).

  • 12

    Quando se tratam de procedimentos técnicos 70 a 90% das crianças

    vítimas de doenças limitantes da vida são submetidas à administração de

    opióides, tornando-se nas últimas décadas uma das melhores estratégias para

    tratamento da dor (34).

    Contudo, as ações de cuidado inseridas na perspectiva humanística e

    terapêutica paliativa vão além do desempenho de procedimentos técnicos, ou

    seja, envolvem a presença ativa do enfermeiro no estar-com, na atenção, na

    disponibilidade e compromisso com esse paciente (35). Silva et al. (36)

    descreveram que os enfermeiros sentem que precisam abandonar o modelo

    biomédico, tornar-se mais acolhedor, mais humano, e que talvez não seja

    necessária nenhuma especialização por parte do profissional, bastando ser ele

    mesmo, mostrando-se um bom amigo, amparar o paciente e a família (36).

    O vínculo entre o enfermeiro e a criança é inevitável, porém gera

    desgaste emocional, com sentimentos de sofrimento como angústia, fracasso e

    sensação de impotência (29).

    Esse misto de sentimentos, valores, crenças e experiências de vida,

    além do preparo técnico-científico, são essenciais para assegurar a qualidade dos

    cuidados paliativos prestados ao paciente no processo de morte (37).

    O enfermeiro precisa encarar esse misto de sensações, construindo

    uma proteção, uma barreira, mesmo sendo para a maioria, completamente

    impossível não se envolver ou se emocionar com o sofrimento de um ser tão

    pequeno (38).

    Diante disso e da escassez de textos na literatura que descrevam a

    relação entre enfermeiro e cuidados paliativos à criança e adolescente com câncer

    no processo de terminalidade e morte, justificou-se este trabalho, pela

    necessidade de conhecer a atuação dos enfermeiros nesse contexto, seus

    maiores entraves, táticas de enfrentamento, a questão pessoal esbarrando com a

    profissional. Por meio do conhecimento dos aspectos pessoais envolvidos, das

    intervenções realizadas e das principais dificuldades reveladas, sob a ótica do

    enfermeiro, espera-se que seja possível elaborar ações que favoreçam a

    qualidade de vida do profissional, motivação para o trabalho, entre outras que,

  • 13

    consequentemente, refletirão em um cuidado técnico e pessoal mais qualificado a

    esses pacientes e seus familiares.

  • 14

    2. OBJETIVO

    Analisar e descrever as percepções subjetivas e a atuação técnica dos

    enfermeiros diante da criança e do adolescente com câncer, sem possibilidades

    terapêuticas de cura oncológica, na terminalidade e morte.

  • 15

    3. METODOLOGIA

    3.1 DESENHO DO ESTUDO

    Foi realizado um estudo de campo transversal, descritivo com

    abordagem qualitativa.

    A pesquisa qualitativa examina a compreensão subjetiva das pessoas a

    respeito de algo, incluindo observação direta, entrevistas, análise de textos ou

    documentos, de discursos e comportamentos dos indivíduos (39). O método

    qualitativo se aplica ao estudo das relações, das representações, das crenças e

    percepções, enfim das interpretações que os humanos fazem a respeito de como

    vivem, como se constroem, sentem e pensam (40).

    3.2 LOCAL DO ESTUDO

    Centro Infantil de Investigações Hematológicas Dr. Domingos A.

    Boldrini, unidade assistencial de alta complexidade em oncologia pediátrica de

    excelência no diagnóstico, tratamento, ensino e pesquisa do câncer e doenças

    hematológicas da criança, adolescente e adulto jovem.

    3.3 POPULAÇÃO DO ESTUDO

    A população do estudo foi composta por 19 enfermeiros, distribuídos

    entre os períodos matutino, vespertino e noturno, que atuaram nas alas de

    internação, prestando assistência em até 24 horas anteriores ao óbito de 17

    crianças/adolescentes com câncer e em cuidados paliativos, ocorridos no período

    de abril de 2012 a janeiro de 2013.

    3.4 CRITÉRIOS DE INCLUSÃO

    Foram convidados a participar da pesquisa os enfermeiros que atuaram nas alas

    de internação, no período matutino, vespertino e noturno, e prestaram assistência

  • 16

    à criança e adolescente com câncer sem possibilidades de cura oncológica, na

    internação que precedeu em até 24 horas a ocorrência do óbito.

    Foram incluídos os enfermeiros que, após leitura do Termo de Consentimento

    Livre e Esclarecido (TCLE) o assinaram, concordando em participar do estudo.

    3.5 CRITÉRIOS DE EXCLUSÃO

    Foram excluídos da pesquisa todos os enfermeiros que não prestaram nenhum

    tipo de assistência ao paciente em cuidados paliativos nas últimas 24 horas

    antecedentes ao óbito.

    Recusa em participar da pesquisa ou recusa da assinatura do TCLE.

    3.6 COLETA DOS DADOS

    A coleta de dados ocorreu nos meses de abril de 2012 a janeiro de 2013.

    3.6.1 INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS

    Para atender ao objetivo da pesquisa, foi utilizado um instrumento de

    autopreenchimento, contendo a seguinte questão norteadora:

    “Qual a sua atuação (técnica/pessoal), enquanto enfermeiro, ao

    paciente em cuidados paliativos que evoluiu para o óbito nesta internação?”

    (Apêndice I).

    Relacionando ao que propõe Minayo (40) referente ao instrumento de

    coleta de dados, o sujeito foi convidado a escrever livremente sobre o tema

    proposto. A pergunta formulada buscou dar profundidade às suas reflexões

    pessoais, entendendo o instrumento utilizado como forma de acessar a

    subjetividade dos sujeitos.

  • 17

    Assim, nessa compreensão, optamos por uma única questão aberta

    como forma de captar a experiência dos enfermeiros, revelando por meio da

    escrita, a subjetividade de cada um.

    3.6.2 PROCEDIMENTO DE COLETA DE DADOS

    Para a coleta de dados foi explicado aos 19 enfermeiros, sujeitos da

    pesquisa, de forma clara, o objetivo da mesma. Foram convidados a participar e

    mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Apêndice

    II), indicaram que estavam cientes de sua participação e divulgação dos

    resultados, enfatizando a preservação de sua identidade, confidencialidade, sigilo

    e privacidade, além da isenção de qualquer dano ou prejuízo por participarem da

    pesquisa.

    Dessa forma, o questionário e o Termo de Consentimento Livre e

    Esclarecido impressos foram entregues pela pesquisadora responsável, aos 19

    enfermeiros no dia do óbito do paciente ou no dia subseqüente. Todos devolveram

    o questionário devidamente preenchido, bem como o Termo de Consentimento

    Livre e Esclarecido assinado. A própria pesquisadora se encarregou de resgatar

    os documentos em prazo previamente determinado, ou seja, no dia seguinte à

    entrega, facilitando a espontaneidade e livre expressão dos sujeitos, que puderam

    responder o intrumento, por meio da escrita, em outro ambiente que não fosse o

    seu local de trabalho.

    A intenção de que o profissional não respondesse durante sua jornada

    de trabalho ocorreu a fim de evitar possíveis vieses por influencia do meio e

    terceiros, além de proporcionar sua maior concentração em um momento

    disponibilizado somente para o ato de responder à questão e participar da

    pesquisa de maneira mais fidedigna possível.

    No período de abril de 2012 a janeiro de 2013, a pesquisadora se

    informou, por meio do obituário, sobre todos os pacientes em cuidados paliativos

    que foram a óbito, além de acompanhar informalmente o quadro desses pacientes

    que evoluiriam para esse desfecho por fazer parte do quadro de enfermeiros do

    hospital.

  • 18

    Após a ocorrência do óbito, a pesquisadora pode identificar por meio da

    escala de enfermeiros, aqueles que atuaram na ala de internação onde ocorreu o

    evento. O questionário foi entregue aos enfermeiros que estiveram com o paciente

    nos últimos plantões que precederam a morte do paciente em até 24 horas, ou

    seja, quando o óbito ocorreu no período da manhã, responderam ao questionário

    tanto o enfermeiro desse plantão, assim como os enfermeiros do plantão da noite

    e da tarde que antecederam o óbito e assim sucessivamente. Em casos de

    internação com óbito em um mesmo período, ou no período seguinte à internação,

    o instrumento de coleta de dados foi entregue somente ao enfermeiro que atuou

    no plantão em que ocorreu o óbito, assim como ao enfermeiro do plantão anterior.

    O hospital conta com seis alas de internação, além da Unidade de

    Transplante de Medula Óssea (UTMO), Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e

    ambulatórios. Dessas seis alas de internação, duas são estruturadas para atender

    pacientes em quimioterapia, pré e pós-operatórios, e doenças hematológicas

    como anemia falciforme, hemofilia entre outros.

    As outras quatro alas podem acomodar pacientes em Cuidados

    Paliativos, em quartos privativos. Vale ressaltar que há somente um enfermeiro

    responsável por cada ala de internação, cada qual com nove leitos, atuando

    juntamente com uma equipe de dois a três técnicos de enfermagem. Desta forma,

    foi inevitável a participação na pesquisa de um mesmo sujeito, mais de uma vez,

    pois o mesmo enfermeiro atuou no óbito de um ou mais pacientes, ocorridos no

    período estipulado.

    A fins de elucidação destacamos que 2 enfermeiros responderam 4

    vezes o mesmo questionário, 6 responderam 3 vezes, 4 responderam 2 vezes, e

    outros 7 enfermeiros responderam uma única vez, totalizando 41 questionários

    respondidos por 19 enfermeiros referentes ao óbito de 17 pacientes.

    Quatro dos 17 pacientes em cuidados paliativos evoluíram para o óbito

    no mesmo plantão em que foram internados, sendo assim o questionário foi

    respondido somente pelo enfermeiro responsável pela ala nesse período de

    trabalho.

  • 19

    Observou-se no decorrer das coletas que o mesmo enfermeiro

    apontava questões semelhantes nas respostas, porém era evidente que o

    momento, o paciente, o vínculo tornava cada situação singular, interferindo em

    sua visão subjetiva e conseqüentemente na descrição do que vivenciou em cada

    situação.

    A avaliação da saturação teórica a partir de uma amostra é feita por um

    processo contínuo de análise dos dados, realizada desde o início do processo de

    coleta. Tendo em vista a questão colocada aos participantes, que refletem o

    objetivo da pesquisa, essa análise preliminar busca o momento em que pouco de

    substancialmente novo aparece, considerando cada um dos tópicos abordados, ou

    identificados durante a análise (41).

    A coleta de dados foi encerrada quando houve a repetição de fatos

    descritos pelos enfermeiros, ou seja, quando não surgiu nenhuma nova

    informação, caracterizando a saturação teórica dos dados (41).

    3.7 ANÁLISE DOS DADOS

    Todos os dados foram transcritos na íntegra, sem distorções, em

    Microsoft Office Word 2007, e estando digitalizados, os fatos descritos foram

    analisados segundo as etapas da metodologia descritas por Minayo et al. (42),

    denominada Análise de Conteúdo Temática. Este método se divide em três

    etapas: Pré-análise, Exploração do Material e Tratamento dos

    Resultados/Inferência/Interpretação.

    Na fase de pré-análise ocorreu a seleção e organização do material a

    ser analisado por meio de uma leitura exaustiva. Buscou-se ter uma visão do

    conjunto, aprender as particularidades do material a ser analisado, elaborar

    pressupostos iniciais que servirão de baliza para a análise e interpretação do

    material, escolher formas de classificação inicial e determinar conceitos teóricos

    que orientarão a análise. De acordo com o objetivo, foi possível definir conceitos,

    trechos significativos e categorias (42).

    Após essa leitura exaustiva de todos os questionários, obtivemos uma

    visão bem ampla de todo o material e automaticamente foram surgindo

  • 20

    pressupostos que auxiliaram na definição das categorias. Assim um esboço da

    categorização (Figura 1; pág. 22) foi sendo criado com o intuito de facilitar a

    compreensão e análise dos dados.

    A exploração do material é a segunda etapa da análise propriamente

    dita, na qual houve a distribuição e classificação dos trechos ou fragmentos dos

    textos levantados na primeira e identificação da problematização das idéias

    explícitas e implícitas. Permitiu identificar os núcleos de sentido apontados nesses

    fragmentos de textos, desvendar o conteúdo subjacente por meio da articulação

    entre o objetivo da pesquisa, a fundamentação da base teórica adotada e os

    dados empíricos presentes nos depoimentos registrados no trabalho (42).

    Nesse momento da exploração do material foi possível segregar

    fragmentos dos textos escritos pelos sujeitos e nomeá-los de acordo com

    categorias pré-estabelecidas, tais como, as categorias pessoal e

    profissiona/técnica. Também ocorreu o processo inverso, levando à criação de

    subcategorias a partir do aparecimento de idéias que mereciam destaque, além de

    uma terceira categoria que revelou as necessidades apontadas pelo profissional.

    Por fim, a terceira etapa consistiu em uma síntese interpretativa, que

    por meio de uma redação, pode dialogar temas com o objetivo, questões e

    pressupostos da pesquisa (42).

    3.8 LEVANTAMENTO BIBLIOGRÁFICO

    Foram realizadas buscas de artigos nas bases de dados Pubmed e

    Bireme utilizando as palavras-chave: Cuidados Paliativos, Câncer Pediátrico,

    Enfermeiros e Cuidados de Enfermagem, nos idiomas português, inglês e

    espanhol, entre os anos de 2000 a 2015.

    3.9 ASPECTOS ÉTICOS

    O estudo foi realizado após a aprovação do Comitê de Ética em

    Pesquisa (CEP) do Centro Infantil Boldrini, sob o número de inscrição

  • 21

    00875512.6.0000.5376, em 05 de abril de 2012, de acordo com o processo nº

    10854 (Anexo I).

    Em seguida o projeto foi cadastrado na Plataforma Brasil e aprovado

    pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP).

    De acordo com a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde

    (CNS) todos os sujeitos da pesquisa assinaram o Termo de Consentimento Livre e

    Esclarecido (Apêndice II), assegurando seu direito de preservação da identidade

    por sigilo absoluto, além de impossibilidade de exposição a quaisquer riscos ou

    prejuízos mediante participação.

    3.10. RECURSOS FINANCEIROS

    Os custos advindos da realização dessa pesquisa foram arcados pela

    pesquisadora proponente, não havendo nenhum custo aos participantes,

    pacientes ou à Instituição.

  • 22

    4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

    Características Gerais

    A categorização completa dos dados, resumidamente apresentada pela

    Figura 1 (pág.22), contribuiu para facilitar o processo de análise dos resultados.

    Após essa análise, observamos que os temas encontrados permitiram

    adentrar na vivência pessoal e profissional dos enfermeiros que atuaram na

    terminalidade e óbito de seu paciente, resultando na compreensão dos seus

    sentimentos, no conhecimento de suas intervenções técnicas, bem como das

    necessidades apontadas para melhoria da atuação nesse contexto.

    Foi possível criar três grandes categorias: PESSOAL (I),

    PROFISSIONAL/TÉCNICA (II) E NECESSIDADES APONTADAS PELO

    PROFISSIONAL (III).

    A categoria I, definida como categoria pessoal, foi estratificada em IA

    (Sentimentos vivenciados), IB (Recursos subjetivos) e IC (Características pessoais

    indicadas como facilitadoras).

    A categoria II, definida como categoria profissional/técnica foi

    subdividida em IIA (Procedimentos técnicos/ intervenções realizadas), IIB

    (Recursos operacionais facilitadores) e IIC (Apoio emocional ao paciente e

    familiar).

    E, por fim, a categoria III, foi caracterizada como necessidades

    apontadas pelos profissionais.

    Para fins de elucidação dos dados, ao término da terceira fase da

    análise de conteúdo, foi possível criar uma tabela (Tabela 1; pág. 23) com

    representação numérica dos fragmentos levantados durante a categorização dos

    dados, com o auxilio do esboço das categorias estabelecidas na Figura 1 abaixo:

    A Figura 1 corresponde à categorização dos dados definida a partir da

    análise dos fragmentos significativos descritos pelos enfermeiros participantes.

  • 23

    RECURSOS

    SUBJETIVOS

    PESSOAL PROFISSIONAL/TÉCNICO

    SENTIMENTOS

    VIVENCIADOS

    CARACTERÍSTICAS

    PESSOAIS

    FACILITADORAS

    PROCEDIMENTOS

    TÉCNICOS

    INTERVENÇÕES

    RECURSOS

    OPERACIONAIS

    FACILITADORES

    APOIO AO

    PACIENTE/

    FAMÍLIA

    NECESSIDADES

    APONTADAS PELOS

    PROFISSIONAIS

    IC

    IB

    IA

    IIC

    IIB

    IIAManifestação dos

    sentimentos do enfermeiro . Ex.

    tristeza, alívio...

    Recursos internos,

    estratégias pessoais utilizados

    na prática

    profissional. Ex. oração, crenças

    religiosas...

    Reconhecimento de

    características pessoais que

    facilitam a prática

    profissional. Ex. equilíbrio, empatia,

    aceitação da finitude...

    Procedimentos

    técnicos, estratégias para

    alívio da dor e

    conforto físico. Ex. Instale O2,

    puncionei AVP...

    Envolveu ações de

    apoio operacional. Ex. biombos

    privativos, liberação

    de visitas

    Envolveu todo tipo

    de apoio ao paciente e família.

    Ex. estar junto,

    saber ouvir, disponibilizar-se...

    Necessidade de maior preparo para a atuação

    em Cuidados Paliativos e Terminalidade. Ex. treinamentos, palestras, estrutura do serviço,

    suporte emocional na Instituição...

    Figura 1. Categorias e subcategorias estabelecidas durante a análise dos dados.

    A categorização completa dos dados em forma de figura explicativa

    facilitou o processo de análise dos resultados.

    A Tabela 1 (pág. 23) mostra um panorama da coleta de dados, sendo

    possível visualizar vertical e horizontalmente todos os enfermeiros, número de

    participações, quantidades de cada fragmento relatado por sujeito, total de

    fragmentos no geral e total de fragmentos por categoria.

  • 24

    ENFERMEIROS Participação IA IB IC IIA IIB IIC III SOMATÓRIA

    E1 4 2

    2

    2

    6

    E2 3 2

    3 1 1

    7

    E3 3 1 1

    1

    3

    E4 3 2

    1 1

    2

    6

    E5 3 2

    2

    3

    7

    E6 2 1

    1 1 2 2

    7

    E7 3 1

    1 3

    2

    7

    E8 2

    2

    2

    4

    E9 1 1

    1 1

    1

    4

    E10 4 1

    3 3 2

    9

    E11 1

    1

    1 1 3

    E12 1

    1

    1

    2

    E13 3 2 1 1 2

    2

    8

    E14 1

    1

    1

    2

    E15 2 2

    2

    E16 1 1

    1

    1 1 4

    E17 1

    1 1 1

    1

    4

    E18 1

    1

    1

    1

    3

    E19 2

    2 1 2

    5

    19 41 18 4 6 28 7 28 2 93

    Tabela 1. Representação dos sujeitos da pesquisa, número de participação e distribuição numérica dos fragmentos por categorias e subcategorias.

    Dessa forma obtivemos melhor visualização dos 19 sujeitos, suas

    respectivas respostas, distribuídas em fragmentos categorizados. Lembrando que

    esses 19 sujeitos responderam a 41 questionários, referentes ao óbito de 17

    pacientes, nos períodos matutino, vespertino e noturno. Os fragmentos foram

    divididos entre 3 grandes categorias (I, II e III), sendo duas delas estratificadas em

    6 subcategorias (IA, IB, IC e IIA, IIB, IIC).

  • 25

    Optamos por analisar os fragmentos elencados pelos sujeitos e não as

    respostas de cada individuo isoladamente, assim independentemente do sujeito

    que o enunciou, pudemos generalizar a análise, garantindo a avaliação dos

    enfermeiros como um grupo dentro da instituição. Definiu-se, então

    numericamente a quantidade de 93 fragmentos correspondentes a cada uma das

    categorias e subcategorias. Assim, por simples regra de três para cálculo de

    porcentagem, estabelecemos os seguintes valores, conforme demonstrado na

    tabela 2.

    A Tabela 2 mostra a porcentagem de cada categoria e subcategoria,

    para a visualização da predominância.

    QUANTIDADE/PORCENTAGEM POR CATEGORIAS E SUBCATEGORIAS

    N

    %

    IA 18

    19,35

    IB 4

    4,3

    IC 6

    6,45

    IIA 28

    30,11

    IIB 7

    7,53

    IIC 28

    30,11

    III 2

    2,15

    TOTAL 93 100

    Tabela 2. Representação da porcentagem de cada categoria e subcategoria

    Numericamente, a maioria dos discursos dos sujeitos (67,75%) que

    responderam ao questionário, se enquadrou na categoria profissional/técnica,

    revelando a predominância do relato de intervenções realizadas dentro do

    contexto do estudo.

  • 26

    Um grupo menor de discursos (30,10%) contemplou a expressão da

    vivência emocional dos enfermeiros, bem como características subjetivas dos

    mesmos.

    E por fim, uma pequena porção dos discursos (2,15%) compôs a

    terceira categoria, que expressa as principais necessidades apontadas pelos

    participantes sugestivas de melhorias na atuação profissional.

    O Gráfico 1 mostra a distribuição percentual geral da categorização, ou

    seja, o a divisão numérica do total de fragmentos selecionados.

    Gráfico 1. Distribuição percentual geral das categorias I, II e III baseada nas respostas dos sujeitos.

    Características das subcategorias

    Ao serem estabelecidas as categorias I e II, houve a necessidade de

    estratificá-las conforme aparecimento de novas informações antes que ocorresse

    a saturação dos dados. Para a categoria I, foram criadas então 3 subcategorias

    (IA, IB e IC) e para a categoria II também 3 subcategorias (IIA, IIB e IIC). Por fim,

    uma terceira categoria foi criada isoladamente para englobar outros dados

    subjetivos que não se enquadravam na definição das demais.

  • 27

    4.1 Categoria Pessoal - Subcategoria Sentimentos Vivenciados (IA)

    A subcategoria IA, com maior freqüência nas respostas (N=18; 19,35%)

    refere-se aos sentimentos vivenciados pelos sujeitos no cuidado ao paciente e

    familiares nas 24 horas que antecederam o óbito. Os sentimentos mais citados

    foram os que revelam sofrimento: tristeza, impotência, dificuldades em lidar com a

    situação de morte, medo, ansiedade, angústia, insegurança, negação,

    desesperança. Foram encontradas, também citações de sentimentos de alívio,

    tranqüilidade e confiança.

    O Gráfico 2 representa a subdivisão da categoria I e a porcentagem

    correspondente a cada uma das subcategorias (IA, IB e IC).

    Gráfico 2. Distribuição percentual das subcategorias IA, IB e IC totalizando 30,10% da amostra.

    Segundo Avanci et al. (29), cuidar de crianças com câncer sob cuidados

    paliativos é um processo de sofrimento e um misto de emoções para o profissional

    de enfermagem, que durante sua assistência, parece sofrer muito, pois sente-se

    impotente e inconformado com a presença da morte, além de despreparado

    emocional. O autor afirma ainda que em cuidados paliativos criar vínculo entre o

    enfermeiro e a criança é inevitável, porém gera desgaste emocional, com

    sentimentos de sofrimento por perda, angústia e fracasso e/ou impotência, que

    pode levar a um tipo de paralisia diante das demandas.

  • 28

    Observou-se que cuidar de crianças e adolescentes em iminência de

    morte provocou inúmeras sensações e reações nos enfermeiros, intensificando e

    reafirmando a citação do autor acima.

    Sentimentos que exprimem sofrimento

    O sofrimento, a negação da terminalidade, os sentimentos de

    impotência atingem todos envolvidos na situação, ou seja, paciente, família e

    equipe de saúde responsável (43).

    Aparecem nos discursos sentimentos como impotência, medo,

    insegurança, revelando negação e despreparo em lidar com a morte, conforme

    relato abaixo:

    [...] todos os conceitos que eu tinha no que se refere a morte caíram por

    terra e me deparei com o despreparo para aceitá-la nesta ocasião que foi

    a primeira atuando no setor de pediatria (E15).

    O discurso do sujeito 15 chamou a atenção pela descoberta do seu

    despreparo pessoal.

    Costa e Lima (33) colocam que trabalhar com pacientes pediátricos em

    iminência de morte não é fácil e para proporcionar a assistência que atenda às

    necessidades das crianças/adolescentes, o profissional deve ter consciência e

    compreensão do que precisa oferecer, porém em geral esses profissionais de

    enfermagem tiveram pouco contato em sua experiência de vida, para lidar com a

    situação de perda e acabam realizando suas tarefas, buscando ajuda de forma

    solitária.

    Dando continuidade aos relatos dos sujeitos, constatamos que o

    sentimento de impotência pode provocar sofrimento no profissional de

    enfermagem o qual faz questionamentos sobre o que poderia ou o que deixou de

    fazer para recuperar ou manter a vida da criança/adolescente que estava sob seus

    cuidados (33). Essa afirmação corrobora com os nossos achados, uma vez que o

    sujeito 13 evidencia todo seu sofrimento quando faz esses questionamentos:

  • 29

    Senti nesse momento impotência em relação ao que posso fazer, pois às

    vezes naquele momento do leito de morte nada podemos fazer. Dá

    medo, ansiedade, fica medo de será que fiz alguma coisa que melhorou

    para esse cliente, nesse momento fico sem resposta (E13).

    Nesta mesma linha de sentimentos, captamos o discurso de um sujeito

    que afirma insegurança diante da situação, pois mesmo com todo o preparo

    acadêmico sentiu dificuldade para oferecer apoio à família do paciente:

    [...] na minha opinião, a equipe de enfermagem não está preparada para

    esse momento único e singular, apesar de toda formação acadêmica,

    faltam palavras nesse momento para confortar a família (E16).

    O cuidar em Cuidados Paliativos é um processo de sofrimento e um

    misto de emoções para o profissional de enfermagem, que durante sua

    assistência ao paciente parece sofrer muito, sente-se despreparado

    emocionalmente diante da proximidade da morte, impotente (29), vivencia aflição e

    sensação de incapacidade (44), além de sentimentos de medo, ansiedade (45),

    angústia, fadiga física e emocional associada às tentativas de fornecer um

    atendimento completo, que se não realizado, contribui para a sensação de

    impotência e de estresse ocupacional (45,46).

    Este sujeito fala que mesmo com a formação acadêmica sente-se

    despreparado emocionalmente para atuar nessa situação. Paro et al. (28) também

    afirmam que os enfermeiros que atuam em oncologia pediátrica revelam medos e

    inseguranças ao assistir o paciente com câncer. A carência de maior preparo na

    formação acadêmica parece ser fonte de inquietação e questionamentos por parte

    do sujeito 16. Fica claro o quanto é difícil e desgastante para o profissional lidar

    com seus próprios sentimentos diante da necessidade de contato com o

    sofrimento do paciente e de sua família.

    Nos fragmentos abaixo, o sujeito traduz a importância do vínculo afetivo

    em sua atuação. Considerando que quanto maior o vínculo que o enfermeiro

    tenha com o paciente e familiar mais difícil se torna a situação, potencializando o

    sofrimento pela perda, conforme relato do sujeito 2:

  • 30

    Como já conhecia tanto o paciente como sua mãe, já existia um elo que

    me abalava muito emocionalmente... o desconforto respiratório era

    grande e doloroso de ver... a despedida da mãe foi muito emocional e

    sofrida para todos (E2).

    Nossos achados se assemelham aos de Costa e Lima (33), ao

    afirmarem que o profissional vive a perda e se enluta com a morte do paciente

    com o qual estabeleceu vínculo. A perda é algo difícil de aceitar principalmente

    quando há vínculo afetivo com a criança e sua família e este está sendo rompido

    com a morte.

    O sujeito 1, no relato a seguir, atribuiu menor sofrimento na vivência da

    situação, pelo fato de ter conhecido o paciente apenas na última internação.

    Considera também, que quanto maior o vinculo com o paciente, mais difícil se

    torna a situação e maior é o sofrimento vivenciado:

    Não tive muito contato com esse paciente. Conheci o mesmo nesta última

    internação. Acho que quanto maior o vínculo que a gente tenha com o

    paciente, mais difícil se torne a situação e o momento em questão (E1).

    No discurso seguinte, o sujeito traz o quanto é difícil para ele lidar com

    a situação de morte iminente, mas que apesar da dificuldade consegue

    desempenhar suas funções técnicas e apoiar o paciente e familiar dentro do que

    lhe é possível:

    Apesar de saber que eu não sei lidar muito bem com esta questão,

    procuro deixar de lado esse meu lado e procuro ajudar a família e o

    paciente em tudo que for possível. Esta paciente em especial,

    acompanhei desde o primeiro tratamento e foi difícil acompanhar essa

    fase de terminalidade (E1).

    Embora tamanha dificuldade em lidar com essa situação o sujeito não

    deixa de desempenhar suas funções profissionais. Na tentativa de separar seus

    sentimentos de suas atitudes, sobrepor obstáculos pessoais, observamos o

  • 31

    sentimento de negação ou sublimação dos próprios sentimentos. O sujeito prioriza

    atuar, sem que seu fator psicológico interfira em sua conduta profissional, o que o

    impulsiona a doar-se ao máximo, proporcionando cuidado humanístico, mesmo

    diante das dificuldades garantindo assim uma assistência de enfermagem

    adequada acima de tudo (47).

    Tal fato pode ser justificado por Kuhn et al. (48), ao afirmar que existem

    em muitos ambientes hospitalares, regras explícitas ou implícitas sobre o não

    envolvimento emocional daquele que é considerado bom profissional. Desta

    forma, não encontrando espaço para expressar sua angústia e fraqueza, sobra

    espaço para a negação e sublimação de sentimentos. Por isso, é necessário o

    desenvolvimento de mecanismos de defesa, para que os indivíduos se

    mantenham emocionalmente distantes frente às situações, em equilíbrio (48),

    tentando manejar suas emoções e adotar postura compreensiva e profissional (49)

    uma vez que a situação de morte afeta a vida do enfermeiro, independentemente

    do tempo de experiência profissional (50).

    A morte de crianças altera a ordem natural das coisas, sendo provável

    que o profissional da área da saúde tenha uma sensação de fracasso (51). A

    proximidade da morte da criança/adolescente traz dor e sofrimento à família e aos

    profissionais de enfermagem que demonstram sentimento de negação, visto que

    crianças são seres repletos de vitalidade (29).

    No fragmento abaixo, o enfermeiro 15 descobre sua impotência diante

    da situação e embora aparentemente demonstre conformismo com a morte, deixa

    transparecer sua não aceitação e sofrimento do ponto de vista de pais perderem

    seus filhos.

    Naquele momento eu queria fazer alguma coisa e após alguns momentos

    eu descobri que não havia mais nada a se fazer. Me lembrei de Mario

    Puzo no livro “O Chefão” que disse: “Um pai não deveria ver o filho

    morrer (E15).

    O preparo emocional é relevante na dificuldade da relação da equipe de

    enfermagem com a criança e a família, pois os profissionais não foram preparados

  • 32

    para atuar em situações que envolvem afeto e sofrimento tão presentes no cuidar

    da criança (52).

    Devido ao fato de os profissionais de enfermagem permanecerem

    longos períodos em contato com as crianças e suas famílias, muitas vezes sentem

    a perda do paciente como se fosse seu familiar. Assim os seguintes discursos

    revelam que há a identificação do sujeito em sua condição materna ou paterna,

    acentuando ainda mais o sentimento de impotência (29).

    Haddad (38) cita que enfermeiras são seres que mantêm uma relação

    de intersubjetividade com as crianças e seus pais, que vivenciam de maneira

    muito próxima a dor e o sofrimento dessas pessoas, sentem impotência e recusam

    a morte inesperada, aumentam a sensibilidade com relação à maternidade, tentam

    colocar armaduras contra o sofrimento tentando estabelecer barreiras para

    sofrerem menos no desenvolvimento de suas atividades onde a morte é um

    fenômeno quase rotineiro.

    [...] você acaba que nesse momento conhece família, os medos e

    dificuldades do que pode acontecer, tem que ser forte, presente, mas ao

    mesmo tempo é humano, têm família. Quando há pequeno envolvimento,

    você que também é mãe, sente angústia, peso, aperto no peito (E13).

    Podemos perceber no discurso acima que os sentimentos associados

    ao fato de ser mãe, confirmam que a maternidade muda a visão em relação à

    morte da criança, no sentido de prestar mais atenção nos pais, nos momentos

    difíceis por tudo o que estão passando diante de seus filhos à beira da morte. É

    como se as enfermeiras vivenciassem a situação de morte da criança como sendo

    de seu próprio filho, sentindo a dor da perda, sofrendo junto com os pais e

    relacionando-a com sua finitude e a da sua família (38).

    Por fim, os profissionais de enfermagem, ao acompanhar uma criança

    ou adolescente nessa experiência de finitude, esforçam-se para além dos limites

    pessoais, na tentativa de evitar o sofrimento, sendo lançados em um turbilhão de

    sentimentos, uma vez que é impossível anular a vivência da morte (53).

  • 33

    Sentimentos que exprimem alívio e tranqüilidade

    Embora a maioria dos relatos dos enfermeiros esteja relacionada a

    sentimentos que exprimem sofrimento, também encontramos sentimentos de

    alívio pelo fato do sujeito encarar o desfecho morte como fim das dores, o

    descanso merecido, conforme trecho abaixo:

    [...] doía ver aquela criança com M1, mas acordada e sentindo tudo por

    mais que aumentassem a sedação... oferecemos técnica,

    comprometimento, mas era dolorido entrar no quarto, fisicamente doía...

    mas aliviou não vê-lo sofrer naqueles curativos prolongados no centro

    cirúrgico (E3).

    Devido ao fato do enfermeiro estar intimamente envolvido com o

    paciente em cuidados paliativos, a morte, pode ser vista como alívio para o

    sofrimento, ou seja, a condição terminal tem sentido positivo, quando todo aquele

    desconforto físico, emocional e espiritual tem um fim, quando a pessoa cuidada

    morre acompanhada daqueles que amam, quando deu um sentido a sua

    existência e a de seus familiares (54).

    Alguns enfermeiros reconhecem que só é possível oferecer a morte

    digna quando se é capaz de ver a morte da criança com tranqüilidade,

    percebendo-a sob um ângulo positivo, de alívio, e fim do sofrimento para a criança

    e todos que estavam à sua volta (55). Há aqueles que se sentem gratificados ao

    cuidar dos pacientes portadores de neoplasias, mencionando que tal experiência

    lhes beneficia pessoalmente, motivando o sujeito a valorizar mais a vida e

    pequenas coisas (56). O fato de ser reconhecido por seu esforço durante a fase

    final da vida da criança faz com que o enfermeiro sinta-se realizado, satisfeito com

    o cuidado oferecido, que seus esforços não foram em vão, e, encontra nos

    resultados de seus cuidados a renovação das energias para superar as situações

    da morte (55).

    Foi possível perceber que apenas um sujeito referiu que houve

    tranquilidade durante o evento da morte, descrevendo sua atuação como

  • 34

    equilibrada, agindo com confiança, como mostra o fragmento em que o sujeito cita

    como foi sua intervenção junto ao paciente e família no momento do óbito:

    Suporte emocional principalmente, a equipe bem posicionada e tranqüila

    frente ao óbito. Realização dos procedimentos, de rotinas, sem maiores

    dificuldades. A família ficou também bem tranqüila respeitando as normas

    do hospital (E7).

    Há muitos textos na literatura que falam dos sentimentos vivenciados

    pelos enfermeiros, ou equipe de enfermagem ao cuidar de pacientes em cuidados

    paliativos, em iminência ou ocorrência do óbito, e pós-morte, mas raros são os

    trabalhos que apontam o sentimento de alívio, tranquilidade, equilíbrio e confiança

    na atuação. Podemos considerar que o enfermeiro que atua com crianças e

    adolescentes com câncer, num hospital especializado em tratamento de doenças

    onco-hematológicas referiu sentimentos de alívio devido à demanda de sofrimento

    vivenciada, fortalecendo-se por encarar o desfecho da morte como sendo o fim do

    sofrimento para o paciente e consequentemente a si próprio, permitindo-se

    vivenciar o luto não como um problema, mas como uma solução.

    Por outro lado, a tranquilidade colocada pelo sujeito 7, parece estar

    relacionada à necessidade de um equilíbrio e posicionamento pessoal em relação

    a morte, revertendo em uma atuação adequada e confortante junto à família.

    4.2 Categoria Pessoal - Subcategoria Recursos Subjetivos (IB)

    A subcategoria IB, definida como recursos subjetivos aparece com

    menor freqüência (N=4; 4,30%), evidenciando os recursos internos ou estratégias

    pessoais utilizados na prática profissional para o enfrentamento da situação, tais

    como oração, crenças pessoais e manifestação de espiritualidade e religiosidade.

    Entende-se atitude religiosa como a disposição natural das pessoas em

    direção a um posicionamento afetivo, considerando suas relações com seres e

    instâncias sobre-humanas além da disposição de elaborar seus sentimentos e

    atos religiosos. O conhecimento religioso pode ser definido como um conjunto de

  • 35

    verdades que provem da revelação do sobrenatural, caracterizando-se pela

    natureza sagrada, pelo caráter valorativo, pela infalibilidade (conhecimentos

    incabíveis de serem intelectualmente verificados ou falsificados), exigindo, por

    conseguinte, apenas uma adesão humana daquele que assim crê através do que

    é chamado de ato de fé (57).

    Partindo do princípio que nosso sujeito recorra à religiosidade e

    espiritualidade como estratégia de enfrentamento, acredita-se que tal recurso

    favoreça a sua atuação de enfermagem, uma vez que a busca por seu

    fortalecimento interior possa conduzir a situação de forma mais equilibrada,

    garantindo melhor assistência de enfermagem.

    Segue a discussão sobre a interferência das crenças pessoais na

    atuação do enfermeiro diante a criança e do adolescente com câncer em cuidados

    paliativos.

    Takahashi et al. (58) demonstrou que mesmo durante a graduação, os

    acadêmicos de enfermagem participantes de um estudo tiveram opiniões

    convergentes no que refere ao significado da morte como sendo um ciclo natural

    da vida. Isso vem fortalecer o que o sujeito 3 relata a seguir evidenciando sua

    aceitação da morte e como ele usa tal recurso subjetivo para enfrentar essa difícil

    situação:

    Eu me compadeço com o sofrimento do próximo, mas sei aceitar a vida

    com seu começo, meio e fim. Faço meu melhor e me realizo com isso

    (E3).

    É perceptível que os profissionais da enfermagem necessitam de

    estratégias para o enfrentamento das situações causadoras de estresse e

    desestabilização emocional, tais como a morte do paciente. As dificuldades para

    enfrentar a morte estão fortemente presentes quando ocorre com alguém que o

    enfermeiro tenha maior vínculo afetivo. O tempo de experiência na enfermagem

    não facilita o enfrentamento e a vivência é sempre traumática, falhando, por

    vezes, os mecanismos de defesa e proteção, e originando intenso sofrimento (48).

  • 36

    Por isso, na tentativa de se protegerem e não vivenciarem sentimentos

    que possam lhes produzir alguma desestabilização emocional, os profissionais

    assumem comportamentos de distanciamento, frieza e racionalização no momento

    da morte do paciente (48).

    Nossos achados contradizem a utilização das táticas de enfrentamento

    como distanciamento, frieza e assistência mecânica e racionalizada, citadas pelo

    autor acima. O sujeito 17 fala a respeito de sua crença de vida e morte, saúde e

    doença, e motivado por sua aceitação consegue corresponder a uma assistência

    que julga ser digna da complexidade exigida, ao invés de se afastar, se distanciar

    e agir com frieza diante de um paciente em iminência de morte.

    [...] eu sendo cristão acredito em uma vida após a morte e que todos nós

    estamos sujeito às adversidades da vida e uma enfermidade tão

    agressiva como essa que leva o ser humano para um outro mundo, o que

    nos resta é prestar uma assistência na altura de sua complexidade (E17).

    A espiritualidade também pode ajudar os enfermeiros cujo cotidiano de

    trabalho é em cuidados paliativos, a enfrentarem de forma mais tranqüila as

    situações de iminência de fim da vida ou da morte em si. Num trabalho de revisão

    integrativa, da Silva (59) destacou os seguintes significados para espiritualidade

    na visão dos enfermeiros, pacientes adultos com câncer em cuidados paliativos e

    seus familiares: fonte de conforto, crença em Deus ou em um ser superior, força e

    fé, fonte de enfrentamento, sentido e propósito da vida, essência do ser,

    esperança, fonte de cura e manutenção da saúde.

    O sujeito 18 afirma a presença da espiritualidade reforçando o que o

    autor acima descreve, demonstrando acreditar na existência de um ser supremo e

    que a ele pertence a decisão de quando a morte do paciente ocorrerá.

    [...] sabemos que há um Deus nos guiando e a ele pertence a decisão de

    quando uma vida chega ao fim, independente de quantos anos este

    pequeno ser tenha (E18).

  • 37

    A religiosidade e/ou espiritualidade foi utilizada como um recurso

    subjetivo estratégico para enfrentamento pessoal, na qual os sujeitos se apóiam e

    buscam fortalecimento interior, por meio de orações e crenças religiosas,

    conforme descreve sujeito 13:

    Mas acredito em reencarnação, isso me dá base para ter certeza que não

    é o fim e sim o começo e, com essa certeza, procuro apoiar a família e

    com minhas orações me fortaleço (parte pessoal) (E13).

    Capello et al. (60) citam em seu trabalho que frente à doença e a

    iminência de morte, os familiares e cuidadores relataram a importância da fé e da

    religiosidade, além de sentirem-se consolados e fortalecidos por meio de orações

    e cultos de louvores a Deus.

    Assim como pacientes e familiares utilizam a prática religiosa como um

    recurso para aceitação da morte e do sofrimento, conforme afirmam Spadacio e

    Barros (61), podemos entender porque alguns profissionais da saúde também

    necessitam desse recurso em sua atividade cotidiana junto a pacientes que

    enfrentam uma doença grave e a terminalidade.

    Balboni et al. (62), no que diz respeito aos pontos de vista de pacientes,

    médicos e enfermeiros sobre oração no contexto do câncer avançado, referem

    que a maioria dos pacientes e profissionais visualiza a oração como uma prática

    espiritualmente solidária.

    As crenças culturais e religiosas dos enfermeiros devem ser

    consideradas para compreender melhor como as atitudes em relação à morte e o

    cuidar no processo de morrer podem influenciar o seu comportamento na atuação

    clínica (63).

    Segundo Gobatto e Araújo (64), em uma pesquisa sobre religiosidade e

    espiritualidade, aproximadamente metade dos profissionais de saúde atuantes em

    oncologia se auto-avaliaram como muito ou completamente espiritualizados, ou

    seja, que acreditam em Deus. Quanto à religiosidade, que corresponde ao nível de

    envolvimento religioso, os profissionais referiram não participar de atividades

  • 38

    religiosas públicas (instituições religiosas/igrejas) ou privadas, denotando que tais

    atividades não fazem parte da rotina dos profissionais.

    Os achados desta pesquisa parecem justificar o número restrito de

    citações (N=4), caracterizando somente 4,30% dos nossos relatos relacionados à

    busca de recursos internos tais como a crença religiosa, orações, entendendo que

    o profissional se intitula espiritualizado, mas pouco recorre às práticas religiosas.

    Peteet e Balboni (65) afirmam que, em oncologia, a religião e as

    crenças espirituais parecem influenciar as práticas médicas do cuidado, e nesse

    contexto de espiritualidade, grandes são os desafios, sendo necessários

    treinamentos nas instituições para cuidados espirituais, bem como parceria com

    capelães e comunidades religiosas.

    Devemos nos preocupar também com a abordagem a esse paciente, que

    deve ser feita de maneira calma, ser prestativo, falar baixo e respeitar o

    sofrimento da família e da criança [...] conv