23

Atualismo 1.0: como a ideia de atualização mudou o século XXI 1.0 como... · 2019-04-26 · que deixa tanta gente “à flor da pele”, “o que será”? Por um antigo hábito

  • Upload
    others

  • View
    4

  • Download
    2

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Atualismo 1.0: como a ideia de atualização mudou o século XXI 1.0 como... · 2019-04-26 · que deixa tanta gente “à flor da pele”, “o que será”? Por um antigo hábito
Page 2: Atualismo 1.0: como a ideia de atualização mudou o século XXI 1.0 como... · 2019-04-26 · que deixa tanta gente “à flor da pele”, “o que será”? Por um antigo hábito

2ª Edição

Page 3: Atualismo 1.0: como a ideia de atualização mudou o século XXI 1.0 como... · 2019-04-26 · que deixa tanta gente “à flor da pele”, “o que será”? Por um antigo hábito

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Araujo, Valdei Lopes de; Pereira, Mateus Henrique de Faria.AR663a Atualismo 1.0: como a ideia de atualização mudou o século XXI/ Valdei Lopes de Araujo; Mateus Henrique de Faria Pereira. 2ª edição. Vitória: Editora Milfontes/ Mariana: Editora da SBTHH, 2019. 252 p. : 18,5 cm

Inclui Bibliografia. ISBN: 978-85-94353-44-3

1. Teoria da História 2. Atualização 3. Século XXI I. Araujo, Valdei Lopes de II. Pereira, MateusHenrique de Faria III. Título.

CDD 901

Page 4: Atualismo 1.0: como a ideia de atualização mudou o século XXI 1.0 como... · 2019-04-26 · que deixa tanta gente “à flor da pele”, “o que será”? Por um antigo hábito

Copyright © Mateus Pereira & Valdei Araujo

Todos os direitos reservados e protegidos pela lei 9.610/98. É proibida a reprodução total ou parcial sem a expressa anuência

da editora. Feito o depósito legal.

Direitos reservados à

Revisão: Luiz Antônio PrazeresProjeto gráfico e diagramação: Marianna Andrade MeloCapa: Marianna Andrade MeloImpressão e Acabamento: GM Gráfica e Editora

Editora MilfontesRua Santa Catarina, 282, Serra

CEP: 29160-104 - ESTelefone: (27) 3376-0363

[email protected]

Editora SBTHHRua do Seminário, S/N, Centro

CEP: 35420-000 - Mariana - MGTelefone: (31) [email protected]

www.sbthh.org.br

Page 5: Atualismo 1.0: como a ideia de atualização mudou o século XXI 1.0 como... · 2019-04-26 · que deixa tanta gente “à flor da pele”, “o que será”? Por um antigo hábito

Conselho Científico e Editorial da SBTHH2016-2018

Presidente: Temístocles Cezar (UFRGS)

Diretora de Publicações: Karina Anhezini (Unesp)

MembrosCarlos Fico (UFRJ)

Cássio Fernandes (Unifesp)Durval Muniz de Albuquerque Júnior (UFRN)Hasn-Ulrich Gumbrecht (Stanford University)

João Paulo G. Pimenta (USP)Luiz Costa Lima (Puc-Rio)

Marcelo Ganthus Jasmin (Puc-Rio)Marcia Barbosa M. D’Alessio (Unifesp)Márcia de Almeida Gonçalves (UERJ)

Page 6: Atualismo 1.0: como a ideia de atualização mudou o século XXI 1.0 como... · 2019-04-26 · que deixa tanta gente “à flor da pele”, “o que será”? Por um antigo hábito

Conselho Editorial da Editora Milfontes 2016-2018

Editor Chefe: Bruno César Nascimento

Conselho EditorialProf. Dr. Alexandre de Sá Avelar (UFU)

Prof. Dr. Arnaldo Pinto Júnior (UNICAMP) Prof. Dr. Arthur Lima de Ávila (UFRGS)

Prof. Dr. Cristiano P. Alencar Arrais (UFG) Prof. Dr. Diogo da Silva Roiz (UEMS)

Prof. Dr. Eurico José Gomes Dias (Universidade do Porto)Prof. Dr. Fábio Franzini (UNIFESP)

Prof. Dr. Hans Urich Gumbrecht (Stanford University) Profª. Drª. Helena Miranda Mollo (UFOP)

Prof. Dr. Josemar Machado de Oliveira (UFES) Prof. Dr. Júlio Bentivoglio (UFES)

Prof. Dr. Jurandir Malerba (UFRGS) Profª. Drª. Karina Anhezini (UNESP - França)

Profª. Drª. Maria Beatriz Nader (UFES) Prof. Dr. Marcelo de Mello Rangel (UFOP)

Profª. Drª. Rebeca Gontijo (UFRRJ) Prof. Dr. Ricardo Marques de Mello (UNESPAR)

Prof. Dr. Thiago Lima Nicodemo (UERJ) Prof. Dr. Valdei Lopes de Araújo (UFOP)

Profª. Drª Verónica Tozzi (Univerdidad de Buenos Aires

Page 7: Atualismo 1.0: como a ideia de atualização mudou o século XXI 1.0 como... · 2019-04-26 · que deixa tanta gente “à flor da pele”, “o que será”? Por um antigo hábito

NOTA À SEGUNDA EDIÇÃO

Nesta edição os autores limitaram-se a corrigir er-ros que na primeira, produzida com a urgência de ser lançada durante o X Seminário Brasileiro de História da Historiografia, foram inevitáveis. Em especial na tabela 1, que no processo de editoração foi bastante corrompida, o argumento ficava, no limite, compro-metido neste ponto de sua demonstração.

O rápido esgotamento da primeira edição e a boa acolhida do trabalho animou os autores a re-visar o livro para esta segunda edição. Quando foi lançado em outubro de 2018, estávamos a menos de uma semana do segundo turno das eleições pre-sidenciais no Brasil, o clima daqueles dias ficou bem registrado no prefácio de Temístocles Cezar. Agora, com quase dois meses do novo governo, a oposição atualizados e obsoletos, que neste livro fica apenas esboçada, parece-nos fundamental para compreen-der as transformações na vida social que por todo lado ameaçam o frágil arranjo democrático das so-ciedades capitalistas. Esse ponto, que no momento organiza a pesquisa sobre o atualismo, será desen-volvido mais detidamente em publicação futura.

Page 8: Atualismo 1.0: como a ideia de atualização mudou o século XXI 1.0 como... · 2019-04-26 · que deixa tanta gente “à flor da pele”, “o que será”? Por um antigo hábito

AGRADECIMENTOS 13PREFÁCIO: ENSAIO SOBRE OS POTENCIAIS (IN)ATUAIS DO PENSAMENTO E DO TEMPO 19INTRODUÇÃO: A EMERGÊNCIA DA PALAVRA UPDATE/ATUALIZAÇÃO 29CAPÍTULO I - ATUALISMO E TEORIA 49

1.1. A temporalidade na Condição Pós-moderna: Jean-François Lyotard 51

1.2. Hans-Ulrich Gumbrecht: o atualismo como presente amplo 58

1.3. Atualismo e Presentismo: o relato de François Hartog 71

1.4. Heidegger e as diversas temporalizações do presente 82

CAPÍTULO II - ATUALISMO E HISTORICISMO: CHATEAUBRIAND E A MODERNIDADE COMO MÉLANGE TEMPORAL 99

2.1. O livro de Jó: a certeza metafísica e a vida como constante atualização 102

2.2. O mundo atual: duas impossibilidades? 104

2.3. Um presente sem forma: a atualização do verbo 106

2.4. A fusão temporal nas Memórias e a mélange 112

2.5. Chateaubriand, nosso contemporâneo? 120

CAPÍTULO III - FRAGMENTOS DE ATUALIDADE: 1970 129

3.1. Fragmentos 131

3.2. Suas definições estão atualizadas? 159

Page 9: Atualismo 1.0: como a ideia de atualização mudou o século XXI 1.0 como... · 2019-04-26 · que deixa tanta gente “à flor da pele”, “o que será”? Por um antigo hábito

3.3. Futuros passados: 2001 em 1970 161

3.4. Transparência, censura e repressão 168

3.5. O medo da obsolescência e o super-humano 171

3.6. Um salto de pantera para o atual 176

CAPITULO IV - ATUALISMO EM POUCOS CARACTERES 181

4.1 A evocação da história no impeachment de Dilma Rouseff 183

4.2. Pós-Humano, Pós-Democracia? 186

4.3 Black Mirror, White Christmas: o colapso do tempo histórico? 201

4.4. Cela analógico-digital: isolamento, exibição e envelhecimento 209

LOADING: SUAS DEFINIÇÕES ESTÃO DESATUALIZADAS 217REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS 225

Page 10: Atualismo 1.0: como a ideia de atualização mudou o século XXI 1.0 como... · 2019-04-26 · que deixa tanta gente “à flor da pele”, “o que será”? Por um antigo hábito

Para Luana Melo e Verônica Pereira, com amor.

Page 11: Atualismo 1.0: como a ideia de atualização mudou o século XXI 1.0 como... · 2019-04-26 · que deixa tanta gente “à flor da pele”, “o que será”? Por um antigo hábito

AGRADECIMENTOS

Page 12: Atualismo 1.0: como a ideia de atualização mudou o século XXI 1.0 como... · 2019-04-26 · que deixa tanta gente “à flor da pele”, “o que será”? Por um antigo hábito

Agradecer aos diversos interlocutores é uma boa forma de introduzir um livro que nasceu de muito debate e conversa, é reconhecer colegas que nos aju-daram a superar as adversidades do lamentável mo-mento político que vivemos, possibilitando o desen-volvimento e aperfeiçoamento deste livro.

A ideia da atualização como porta de entrada para uma reflexão sobre o tempo surgiu de uma longa conversa de WhatsApp, enquanto um deles viajava de ônibus entre Porto Alegre e Pelotas em outubro de 2015. O argumento ganhava evidência entre uma atualização e outra do aplicativo que era, ao mesmo tempo, ferramenta e fenômeno a provocar e apoiar o pensamento. Mesmo vivendo e trabalhando com muita proximidade, boa parte das linhas mestras do argumento foram desenvolvidas em viagens de um ou de ambos. A suspensão do cotidiano possibilitou pensar sobre essa experiência? Um livro que trata, talvez demasiadamente, dos perigos da atualização em sua forma atualista, deveria começar apontando que nem toda forma de atualizar é atualista.

Partes do texto foram apresentadas em um mi-ni-workshop em Ghent, na Bélgica, a convite do grupo de pesquisa coordenado por Berber Berve-nage, e no II Encontro da International Network For Theory of History (INTH), realizada em Ouro Preto em agosto de 2016. Em ambas as ocasiões o argumento muito se beneficiou com o debate. Uma primeira versão mais abrangente foi apresentada, em 2017, em ciclo de conferências na Casa de Leitura Dirce Cortes Riedel, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Agradecemos aos presentes pelas perguntas e sugestões, em particular, a João

Page 13: Atualismo 1.0: como a ideia de atualização mudou o século XXI 1.0 como... · 2019-04-26 · que deixa tanta gente “à flor da pele”, “o que será”? Por um antigo hábito

Cezar de Castro Rocha, pelo convite, pela oportu-nidade e interlocução sempre generosos. A seção sobre Lyotard surgiu de um de seus comentários. Em Porto Alegre, na UFRGS, debatemos algumas ideias do livro tanto a convite de Mara Rodrigues, quanto no 3º Encontro do grupo “História (In)dis-ciplinada” no primeiro semestre de 2018, sempre com grande proveito crítico.

Agradecemos, ainda, aos colegas do Núcleo de Estudos em História da Historiografia e Moderni-dade (NEHM), da Sociedade Brasileira de Teoria e História da Histioriografia (SBTHH), bem como aos colegas de Departamento de História da Uni-versiade Fedral de Ouro Preto (UFOP); aos nossos alunxs da graduação e pós-graduação; em especial, aos amigos e amigas: Alexandre Avelar, Ana Móni-ca Lopes, André Freixo, André Voigt, Anita Luc-chesi, André Ramos, Beatriz Vieira, Carol Monay, Caroline Bauer, Daniel Joni, Dalton Sanches, Da-niel Faria, Daniel Pinha, Fabio Wasserman, Eduar-do Ferraz Felippe, Fernando Nicolazzi, Francisco Gouvea, Helena Mollo, André Ramos, Guilherme Bianchi, Luna Halabi, Mario Marcello Neto, Gui-lherme Norton, Henrique Estrada, Henrique Gaio, Luana Melo, Géssica Guimarães Gaio, Julio Benti-voglio, Thiago Brito, Luisa Rauter, Luiz Estevam (Duda), Maria da Glória Oliveira, Mateus Reis, Mar-celo Abreu, Marcelo Rangel, Pedro dos Santos, Pe-dro Teles Silveira, Rebeca Gontijo, Rodrigo Turin, Sérgio da Mata, Thamara Rodrigues, Temístocles Cezar, Thiago Nicodemo, Verônica M. Pereira, Yuri Araújo, e, em especial, a Walderez Ramalho pela lei-tura atenta de uma das últimas versões do manuscri-

Page 14: Atualismo 1.0: como a ideia de atualização mudou o século XXI 1.0 como... · 2019-04-26 · que deixa tanta gente “à flor da pele”, “o que será”? Por um antigo hábito

to. Agradecemos ainda nossos colegas e alunos/as envolvidos no trabalho editorial da Revista História da Historiografia: Fábio Franzini, Arthur Avila, Ale-jandro Eujanian, Augusto Ramires, Marianna Melo e Rodrigo Machado.

Apoios: CAPES, CNPq, FAPEMIG e UFOP

Page 15: Atualismo 1.0: como a ideia de atualização mudou o século XXI 1.0 como... · 2019-04-26 · que deixa tanta gente “à flor da pele”, “o que será”? Por um antigo hábito

PREFÁCIO: ENSAIO SOBRE OS POTENCIAIS (IN)ATUAIS DO PEN-SAMENTO E DO TEMPO

Page 16: Atualismo 1.0: como a ideia de atualização mudou o século XXI 1.0 como... · 2019-04-26 · que deixa tanta gente “à flor da pele”, “o que será”? Por um antigo hábito

“Il est temps que vous le sachiez: je suis moi aussi un contemporain.”

(Ossip Mandelstam, Minuit dans Moscou)1

De: Valdei Araujo <[email protected]>Data: quarta-feira, 26 de setembro de 2018 09:57Para: Temístocles Cezar <[email protected]>, Mateus Perei-ra <[email protected]>Assunto: Livro Atualismo

Querido, bom dia!

Em anexo, segue, finalmente, uma versão final do livro sobre o Atualismo. Queremos lança-lo pelo selo da SBTHH (...).

Mas a razão desse e-mail é convidá-lo para es-crever o prefácio, pois o livrinho deve muito ao seu incentivo e interlocução. Ficaríamos muito felizes se pudesse colaborar.

Um abração,

Valdei & Mateus

De: Temístocles Cezar <[email protected]>Data: quarta-feira, 10 de outubro de 2018 05:28Para: Valdei Araujo <[email protected]>, Ma-teus Pereira <[email protected]>Assunto: Re: Livro Atualismo

Queridos amigos,Bom dia!

1 MANDELSTAM, Ossip. Œuvres poétiques I. Paris: Le Bruit du temps/La Dogana, 2018, p. 405.

Page 17: Atualismo 1.0: como a ideia de atualização mudou o século XXI 1.0 como... · 2019-04-26 · que deixa tanta gente “à flor da pele”, “o que será”? Por um antigo hábito

O convite de vocês além de ser uma honra, que muita satisfação me proporciona, é um desafio no e sobre o tempo. Entre as atividades na universidade, o cotidiano familiar e uma rápida ida a Buenos Ai-res, e, sobretudo, envolto, como boa parte de nós, nos dilemas do nosso presente, pensei, inicialmente, em tentar lançar, à guisa de prefácio, um olhar so-bre o “mundo atual”, tal como fizera Paul Valéry em Regards sur le monde actuel, cuja primeira edição data de 1931.2 Quanta pretensão e quão pouco tempo... Mais do que prefaciar, eu gostaria de conversar, de trocar ideias, de escuta-los, de escrever como um ve-lho amigo e não apenas como um colega que não é adepto das redes sociais, mas que frequenta com certa regularidade o ambiente virtual, menos para me atualizar (“nem toda forma de atualizar é atualista”, vocês previnem!), do que como ferramenta de tra-balho imprescindível e como instrumento heurístico para tentar entender o que se passa diante de meus olhos, o que perturba tantas pessoas próximas a mim, o que parece não ter descanso, cansaço ou limite, o que deixa tanta gente “à flor da pele”, “o que será”?

Por um antigo hábito de formação, não é nosso muso, nem mesmo a Oração ao tempo (lembram? Por seres tão inventivo/ E pareceres contínuo/ Tempo, tempo, tempo, tempo/ És um dos deuses mais lin-dos...), mas outro orador, Agostinho que sempre me vem à mente quando tenho que refletir sobre o tem-po. Contudo, nesse momento, me recordei de uma confissão mais recente, à de Robert A. Rosenstone: “Shouldn’t we historians know from the history of

2 VALÉRY, Paul. Regards sur le monde actuel et autres essais. Paris: Gal-limard, 1998.

Page 18: Atualismo 1.0: como a ideia de atualização mudou o século XXI 1.0 como... · 2019-04-26 · que deixa tanta gente “à flor da pele”, “o que será”? Por um antigo hábito

History that all our stories – the ones we live and the ones we write – will eventually be outmoded, up-dated, and rewritten, and different versions take their place?”3 Atualismo 1.0 demonstra como essa engrena-gem atualista deixa de ser um mero epifenômeno do método histórico, ultrapassando a exigência confes-sional da historiografia em se renovar, ao inaugurar uma abordagem rigorosa do conceito, concomitan-temente contínua e descontínua, simultânea e não-si-multânea, e não alheia à experiência cotidiana.

Vocês têm por objetivo “demonstrar que o atua-lismo é a dimensão temporal que emerge nessas so-ciedades aprisionadas pelas estruturas da expansão infinita”. Mais do que considerar que o agora do atual implique tão somente em uma deferência (“i.e. deference to the past as a priority, as an authority”) ou em um adiamento (“i.e. the constant postpone-ment of historical recognition through its predispo-sition to keep updating and re-evaluating knowledge already known”)4 dos processos de historicização, a análise do atualismo nos termos propostos nos con-duz, por meio de um diálogo com Lyotard, Gum-brecht, Hartog, Heidegger, Chateaubriand entre ou-tros, a repensar os limites deste historicismo tardio.5

3 ROSENSTONE, Robert A. Confessions of a Postmodern (?) His-torian. In: MUNSLOW, Alun (edited by). Authoring the past: writing and rethinking history. London and New York: Routledge, 2013, p. 141.

4 DAVIES, Martin L. Imprisoned by History. Aspects of Historicized Life. London and New York: Routledge, 2010, p. 214.

5 Para uma análise, resguardada as diferenças contextuais, mas que se assemelha quanto à perspectiva crítica ao historicismo, encontra-se em: CHAKRABARTY, Dipesh. Provincializing Europe: postcolonial thought and historical difference. Princeton, Princeton University Press, 2000.

Page 19: Atualismo 1.0: como a ideia de atualização mudou o século XXI 1.0 como... · 2019-04-26 · que deixa tanta gente “à flor da pele”, “o que será”? Por um antigo hábito

Mesmo considerando que a “pressão por estar up to date, por ser contemporâneo de um tempo natura-lizado como uma força externa, não [seja] estranha à modernidade historicista” (Mandelstam!), e que a força atualista possa inclusive reforçar o sonho his-toricista do mergulho virtual em uma inexorável ideia de história universal inescapável (a possibilidade da conexão ilimitada com tudo e com todos), na qual as tiranias do presente, a ruína do anonimato ou a melancolia alongada dos modernos seriam sintomas, vocês não deixam de perceber brechas (anti-histo-ricistas?), sendo, pelo menos para mim, as mais im-portantes: 1. a capacidade de desarticular o atual do presente que o conceito implica quando “reivindica forças do passado (e do futuro?) como mais atuais do que a atualidade”; 2. e a “flexibilização das identi-dades” que permitem uma espécie de cidadania das traduções da qual decorrem uma maior abertura à multiplicação de gêneros que transbordem as antigas e confinadoras categorias do masculino, do feminino, do humano e do não-humano.

O atualismo coloca em perspectiva não apenas as contingências historicistas, mas os dissabores da inadequação geracional às formas atuais de gerir o mundo da vida. Assim, à lamentação de Gumbre-cht, que não dissimula, em meu modo de ver, uma crítica pertinente ao momento presente, ao presen-tismo sem fronteiras de Hartog, que se mantém como apreciação prudente e válida de uma forma de temporalizar o tempo, o que não lhes tornam imunes a contestações, como as que vocês apontam com grande elegância e acuidade, gostaria de pro-por questões alternativas que se relacionam à gera-

Page 20: Atualismo 1.0: como a ideia de atualização mudou o século XXI 1.0 como... · 2019-04-26 · que deixa tanta gente “à flor da pele”, “o que será”? Por um antigo hábito

ção não nativa digital. Enquanto para Gumbrecht o aterrissar do avião nos aeroporto do mundo e o gesto dos passageiros em ligar imediatamente seus celulares e se conectarem o mais rapidamente possí-vel é um indicador de uma dependência da presença virtual preocupante (e por que não angustiante), a capa do livro de Hartog sobre o Presentismo é uma foto do aeroporto de Barcelona que, segundo me confidenciou, significa o deslocamento no presente do parecido ao mesmo (du pareil au même). Por esse ângulo, como vocês afirmam, sim o “o atualismo seria uma hipertrofia do sentido”.

Além disso, a constatação de que o atualismo “é experimentado como a crença quase mágica na reprodução da realidade” traz ao debate um tema potencialmente vigoroso. Se no campo da historio-grafia a fotografia e o cinema já tiveram ou foram visto como representações fieis do real, na dimensão atualista e em seus acólitos digitais, na qual a foto e o filme encontram-se subsumidos, as modalidades do crer na mesma medida que se ampliam, posto que estão supostamente armazenadas digitalmente para sempre, veem-se, apesar das constantes demandas de atualização do sistema, sob a iminência da perda irrecuperável desses mesmos dados e de invasões indesejadas de privacidade. Arquivo e memória se-rão ainda fundamentais à crença na representação do tempo real? Não seria prudente e desejável o de-senvolvimento de uma estética da perda?

Relaciona-se ainda ao corte geracional (e que se multiplica em outros estratos do tempo social) o pro-blema que vocês definem como “direito à obsoles-cência”, algo próximo ao que chamo de direito ao

Page 21: Atualismo 1.0: como a ideia de atualização mudou o século XXI 1.0 como... · 2019-04-26 · que deixa tanta gente “à flor da pele”, “o que será”? Por um antigo hábito

anonimato. A esses direitos, eu acrescentaria o direito ao erro. Narro uma pequena história. Jantava eu na casa de um casal de amigos idosos, casados há mais de 50 anos. Ele, como ela o caracteriza, é moderno: tem celular da moda, facebook, instagram, twitter. Con-versávamos sobre um filme francês antigo, cujo nome do ator principal me escapava. Entre eles não havia consenso. Para ela era o fulano, para ele o beltrano. Após uma acalorada discussão, da qual fui apenas tes-temunha, ele sacou seu IPhone, consultou o Google e mostrando para ela e para mim a foto e o nome do ator na tela do celular disse: era um terceiro nome, sicrano! Ato continuo, ela sentenciou: ninguém mais tem direito ao erro! Descontando sua impaciência corriqueira com o marido, por mais que meus estu-dos sobre o cinismo antigo e o ceticismo moderno me tenham habituado à dúvida, estava desprepara-do para meditar imediatamente sobre o impacto da incerteza e da certeza na ordem da vida prática. Fi-quei muito tempo pensando na cena sem encontrar exatamente os termos de minha inquietude com uma frase que julguei inicialmente quase desagradável e aparentemente desimportante. Por intermédio de o Atualismo consegui inserir “o direito ao erro” em um contexto mais amplo de indagações, inclusive em pensar o erro como uma variante inatual do presente.

Amigos queridos, li parte do livro nos jardins do Centro Cultural de la Memoria Haroldo Conti, um dos prédios que compõem o Espacio memoria y derechos hu-manos, ex-Esma, em Buenos Aires, um dos centros clandestinos de detenção, tortura e extermínio du-rante a ditadura militar argentina, enquanto aguar-

Page 22: Atualismo 1.0: como a ideia de atualização mudou o século XXI 1.0 como... · 2019-04-26 · que deixa tanta gente “à flor da pele”, “o que será”? Por um antigo hábito

dava ML que participava de um seminário.6 Não há como negar que essa visitação somada à expectativa da eleição no Brasil, apenas três dias depois, influen-ciou demasiadamente minha leitura. O céu azul e o sol que timidamente aquecia a relva verde contras-tavam, paradoxalmente, com o clima opressor que não aliviava a presença do passado. Eu lia o capítulo sobre o Black Mirror (sobre um futuro próximo ou sobre movimentos atualistas), cujo esboço já conhe-cia, e que em um evento em que um de vocês o apresentou, eu havia relacionado ao problema do sono e da vigília de Descartes. Nesse segundo mo-mento, ao ler que “o atualismo produz a sensação de que tudo que importa está ou estará disponível e presente”, quase irrefletidamente, eu o associei, em função daquela criatura que vocês definem como “uma quase-pessoa, ou uma pessoa abstraída de sua condição humana”, aos corpos mutilados pela intolerância que tornavam os seres humanos meto-nímias de si mesmos, seres provisórios de uma me-tafísica cruel da existência.

Este tempo e espaço que se atualizou em mim, é claro trouxe com ele tristeza, amargura e apreen-são quanto ao nosso retorno e ao domingo de elei-ções. Porém, eu havia lido há alguns meses, um li-vro sobre as relações entre o tempo presente, arte e política, de três autoras/es que desconhecia e me foram apresentados por Hartog, que ao explicar seu projeto escreveram algo que me fez pensar em uma terceira dimensão do atualismo: “(…) Nos temps

6 XI Seminario Internacional Políticas de la Memoria: Memoria su-balternas, memorias rebeldes. Esma: Escuela de Mecanica de la Ar-mada.

Page 23: Atualismo 1.0: como a ideia de atualização mudou o século XXI 1.0 como... · 2019-04-26 · que deixa tanta gente “à flor da pele”, “o que será”? Por um antigo hábito

obscurs sont surtout des temps qui se préparent. Il naît de là une impatience, afin que tout ce qui est déjà là, potentiellement, s’actualise. C’est à cette actualisa-tion que travaille la pensée potentielle.”7

Se, como vocês afirmam, “o mundo atualista não é apenas o melhor mundo possível, ele é o único mundo possí-vel, sua constante atualização não abre espaço para o novo enquanto descontinuidade. O novo é uma falha catastrófica no sistema”, então a potencialidade do pensamento de vocês criou, como um vírus informático, uma fenda nova ou alternativa nesta estrutura temporal. Para esse Cavalo-de-Troia-do-Livre-Pensar, ainda não existe antivírus capaz de detê-lo! Mas quando o sentirem por perto não hesitem em apertar a tecla: #EleNão!

Muito obrigado pela oportunidade de lê-los em primeira mão, pela paciência e pela amizade.

Forte Abraço,

Do Temístocles

7 TOLEDO, Camille de; IMHOFF, Aliocha; QUIRÓS, Kantuta. Les potentiels du temps. Art & politique. Paris: Manuella Éditions, 2016, p. 15.