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1 ATUALIZAÇÃO Material inserido em Março / 2018. David e Louise com os filhos, em Las Vegas onde foram renovar os votos conjugais. De que sorriam? A MAIS INFELIZ DAS FAMÍLIAS Os Turpin passaram anos acorrentando e maltratando os treze filhos dentro de casa, em um bairro de classe média da Califórnia. Nenhum vizinho desconfiou LIZIA BYDLOWSKI AS LINHAS INAUGURAIS do clássico Anna Kariênina, de Liev Tolstói, estão entre as mais conhecidas da literatura universal: “Todas as famílias felizes se parecem, mas as infelizes são infelizes cada uma a sua maneira”. Infelicidade como a dos Turpin, do sul da Califórnia, é difícil de atingir. David, de 56 anos, e Louise, 49, têm treze filhos. Moravam em uma casa térrea confortável, de quatro quartos, como a de todas as outras famílias de Perris, a 100 quilômetros de Los Angeles. Na frente dela, estacionavam três carros e uma van, em bom estado. Na sua página no Facebook, postavam fotos de viagens à Disneylândia e a Las Vegas, aonde o casal foi três vezes para renovar seus votos de casamento com um oficiante vestido de Elvis Presley, acompanhado da filharada (dez meninas e três meninos), que usava roupas idênticas. No domingo 14/01/2018, pela primeira vez a polícia entrou na residência dos

ATUALIZAÇÃO Material inserido em Março / 2018. · AS LINHAS INAUGURAIS do clássico Anna Kariênina, de Liev Tolstói, estão entre as mais conhecidas da literatura universal:

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ATUALIZAÇÃO Material inserido em Março / 2018.

David e Louise com os filhos, em Las Vegas onde foram renovar os votos conjugais. De que sorriam?

A MAIS INFELIZ DAS FAMÍLIAS

Os Turpin passaram anos acorrentando e maltratando os treze filhos dentro de casa, em um bairro de

classe média da Califórnia. Nenhum vizinho desconfiou LIZIA BYDLOWSKI

AS LINHAS INAUGURAIS do clássico Anna Kariênina, de Liev Tolstói, estão entre as mais conhecidas da literatura universal: “Todas as famílias felizes se parecem, mas as infelizes são infelizes cada uma a sua maneira”. Infelicidade como a dos Turpin, do sul da Califórnia, é difícil de atingir. David, de 56 anos, e Louise, 49, têm treze filhos. Moravam em uma casa térrea confortável, de quatro quartos, como a de todas as outras famílias de Perris, a 100

quilômetros de Los Angeles. Na frente dela, estacionavam três carros e uma van, em bom estado. Na sua página no Facebook, postavam fotos de viagens à Disneylândia e a Las Vegas, aonde o casal foi três vezes para renovar seus votos de casamento com um oficiante vestido de Elvis Presley, acompanhado da filharada (dez meninas e três meninos), que usava roupas idênticas. No domingo 14/01/2018, pela primeira vez a polícia entrou na residência dos

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Turpin. Descobriu que, da porta para dentro, nada era normal. O interior era escuro e malcuidado. Em um quarto imundo encontrou crianças e jovens malnutridos, famintos e sujos, três deles acorrentados a camas. O lar dos Turpin era uma prisão. O alerta foi dado por uma filha de 17 anos que fugiu pela janela às 6 da manhã. Munida de um celular que os pais não usavam mais, desativado, mas que permite chamadas de emergência, a garota ligou para o 911. A polícia foi ao seu encontro, ouviu sua história e viu fotos que ela havia tirado. Confirmado o relato, liberou o que pareciam doze crianças pálidas e raquíticas — para surpresa

Dentro da casa confortável, com quatro carros na frente, a polícia encontrou escuridão, sujeira e tortura.

geral, sete tinham mais de 18 anos; o mais velho, 29. A própria adolescente que deu o alarme, à primeira vista, "parecia não ter mais de 10 anos", disse a polícia. Louise demonstrou surpresa com a batida policial; David não esboçou reação. Nenhum dos dois "foi capaz de dar uma explicação lógica" para o estado dos filhos. O casal foi preso, acusado de maus-tratos e tortura, sob fiança de 9 milhões de dólares. Os irmãos foram alimentados e hospitalizados. Outros pais torturaram filhos durante anos e acabaram expostos. O austríaco Josef

Fritzl encarcerou a filha Elisabeth num porão e a estuprou por 24 anos. Teve com ela sete filhos, e o caso veio à tona em 2008, quando uma das crianças adoeceu. Fritzl cumpre prisão perpétua. No ano passado, os japoneses Yasukata e Yukari Kakimoto foram presos após a morte por congelamento da filha que mantiveram trancafiada por mais de quinze anos. Ela tinha 33 anos e pesava 19 quilos. Mas nunca tantas crianças juntas foram vistas sendo torturadas por pai e mãe. De tudo o que se descobriu sobre os Turpin — e muita coisa ainda tem de ser esclarecida —, o que mais deixou os moradores de Perris estarrecidos foi que ninguém havia notado que aquela casa não era igual às outras. Agora, alguns vizinhos do bairro de classe média dizem ter estranhado o fato de as crianças raramente aparecerem na rua ou no quintal e serem excepcionalmente pálidas e arredias. Eles haviam notado, mas não quiseram se meter na vida dos outros. David Turpin, atualmente sem trabalho, teve bons empregos, mas pediu falência pessoal duas vezes, a mais recente em 2011. "Eles pareciam pessoas normais endividadas por causa da quantidade de filhos", descreveu seu advogado no processo, Ivan Trahan. "Eram simpáticos e falavam com orgulho das crianças." Em 2014, Turpin registrou no seu endereço uma escola, a Sandcastle Day School, que o tinha como diretor e seis dos filhos como alunos — o que é permitido na Califórnia. O Departamento de Educação nunca fiscalizou nem as instalações nem as aulas. Afastados havia anos do resto da família, pai e mãe — nunca as crianças — falavam por telefone com alguns parentes. Segundo a avó Betty Turpin, que não os via fazia "quatro ou cinco anos", ambos eram "bastante protetores" e

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muito religiosos. A educação era "rígida" e os filhos, todos com nomes começando com J, "de Jesus ou José" tinham de decorar longos trechos da Bíblia. "Eu queria poder explicar

como isso aconteceu", disse Greg Fellows, porta-voz da delegacia local, em uma coletiva. Até agora, ninguém pôde.

Fonte: Revista Veja, 24/01/18 pág 74 e 75.

Casal que encarcerou e torturou 13 filhos é indiciado na Califórnia

Rodrigo Salem Colaboração para a FOLHA, de Los Angeles

Na quarta (24/01/2018), David Turpin, 56, e Louise Turpin, 49, foram acusados formalmente de 12 processos de tortura, cárcere privado e por colocar a vida de crianças em risco. O casal, que mantinha os 13 filhos -em idades que iam de 2 a 29 anos—

prisioneiros na própria casa, não poderá fazer contato com nenhum dos irmãos ou qualquer testemunha por três anos. Os dois também não podem ficar a menos de 90 metros dos filhos e nem comprar ou portar armas de fogo.

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A fiança foi fixada em US$ 12 milhões (R$ 38 milhões) para cada um, mas ainda não há data para o julgamento, que pode levar os Turpin a 94 anos de prisão. As investigações apontam que as crianças estavam em um processo de encarceramento, desnutrição e tortura havia mais de 13 anos. "Em mais de 20 anos como promotor local, esse caso é um dos mais perturbadores que já presenciei", afirmou Mike Hestrin, promotor do condado de Riverside, onde o caso será julgado. A prisão do casal em 14 de janeiro de 2018, em Perris, cidade a 100 krn de Los Angeles, no sul da Califórnia, pode ter evitado uma mudança de endereço e provável fuga. De acordo com a rede de TV ABC, David Turpin estava prestes a ser transferido para o Estado do Oklahoma para outra filial da Northrop Grumann, empresa de tecnologia aeroespacial e segurança para a qual trabalhava como engenheiro de computação. "Era questão de dias", disseram à emissora americana fontes não reveladas. Os dois moraram em Rio Vista, no Estado do Texas, antes de se mudarem, em 2010, para Murietta, no sul da Califórnia, onde viveram até 2014 —quando finalmente se fixaram em Perris. No Texas, uma das filhas tentou escapar, mas foi interceptada por um vizinho, que devolveu a menina aos pais por temer alguma ameaça de David, que andava armado. Quando eles entregaram a casa por falta de pagamento, os representantes dos novos donos encontraram o interior

semidestruído, o banheiro inundado, cães e gatos mortos e fotos polaroides que, entre outras coisas, mostravam uma cama com correntes soldadas. Em Perris, a polícia foi avisada pela filha de 17 anos dos Turpin, que conseguiu fugir e chamar a emergência com um celular desabilitado. Na casa, os policiais encontraram 12 filhos e filhas do casal David e Louise em condição deplorável, três deles presos por correntes. Estavam tão desnutridos que mesmo os mais velhos aparentavam aspecto infantil —o filho de 29 anos, segundo a polícia de Riverside, pesava 36 quilos. O mau cheiro era marcante, pois as vítimas não podiam ir ao banheiro durante a punição, defecando e urinando onde estivessem. Elas só tomavam banho duas vezes por ano e eram surradas caso lavassem as mãos acima do pulso. A comida também era racionada. As autoridades revelaram que outros métodos de abusos eram empregados, dentre os quais estrangulamento e espancamento. As vítimas estão recebendo tratamento em dois hospitais da região. O julgamento para a guarda dos menores de idade ainda não foi marcado, mas elas ganharam apoio público: fundos já arrecadaram mais de US$ 300 mil (cerca de R$ 950 mil) para despesas médicas e legais para os meninos e meninas dos Turpin. Fonte: Folha de São Paulo, Mundo, 27/01/2018 p. A11