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ATUALIZAÇÕES / CURRENT COMMENTS ODONTOLOGIA E SAÚDE OCUPACIONAL Diogo Pupo NOGUEIRA * RSPSP-133 NOGUEIRA, D. P. — Odontologia e saúde ocupacional Rev. Saúde públ., S. Paulo, 6: 211-23, 1972. RESUMO: Depois de considerar que a prática da Saúde Ocupacional depende, essencialmente, de um trabalho de equi- pe onde o dentista tem papel de grande importância devido ao fato de que nu- merosas doenças profissionais apresen- tam manifestações orais precoces, são descritos, de forma geral, diversos qua- dros patológicos decorrentes de doenças profissionais causadas por agentes me- cânicos, físicos, químicos e biológicos. UNITERMOS: Odontologia*; Saúde ocupa- cional*. * Da Disciplina de Saúde Ocupacional do Departamento de Saúde Ambiental da Faculdade de Saúde Pública da USP — Av. Dr. Arnaldo, 715 — São Paulo, SP, Brasil. INTRODUÇÃO A Saúde Ocupacional constitui um ra- mo da Medicina Preventiva que, no seu conceito mais amplo, tem os seguintes objetivos 5 : 1 Proteger os trabalhadores contra qualquer risco à sua saúde, que possa decorrer do seu trabalho ou das condições em que este é realizado. 2 Contribuir para o ajustamento fí- sico e mental do trabalhador, obti- do especialmente pela adaptação do trabalho aos trabalhadores e pela colocação destes em ativida- des profissionais para as quais tenham aptidões. 3 — Contribuir para o estabelecimento e a manutenção do mais alto grau possível de bem estar físico e mental dos trabalhadores. A Saúde Ocupacional, ciência bastante nova, nascida pouco mais de dois séculos com os estudos fundamentais de Ramazzini, o "Pai da Medicina Ocupacio- nal", deve ainda, na opinião de BAETJER 3 , o seu notável desenvolvimento atual a três fatores básicos: em primeiro lugar, ao grande desenvolvimento da Medicina Preventiva e da Saúde Pública em todos os seus ramos; em segundo lugar, à cres- cente noção da dignidade do trabalho e do direito do trabalhador a uma pro- teção adequada contra as agressões do meio ou do material de trabalho; final- mente, à industrialização crescente de todos os países do mundo, com a neces- sidade de uma produção industrial cada vez maior. No seu aspecto propriamente preven- tivo, a Saúde Ocupacional dedica espe- cial atenção àquelas doenças que o tra- balhador pode adquirir no seu ambiente de trabalho, devidas a um largo número de causas. Assim, essas moléstias pro- fissionais podem ter as seguintes ori- gens:

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ATUALIZAÇÕES / CURRENT COMMENTS

ODONTOLOGIA E SAÚDE OCUPACIONAL

Diogo Pupo NOGUEIRA *

RSPSP-133

NOGUEIRA, D. P. — Odontologia e saúdeocupacional Rev. Saúde públ., S.Paulo, 6:211-23, 1972.

RESUMO: Depois de considerar que aprática da Saúde Ocupacional depende,essencialmente, de um trabalho de equi-pe onde o dentista tem papel de grandeimportância devido ao fato de que nu-merosas doenças profissionais apresen-tam manifestações orais precoces, sãodescritos, de forma geral, diversos qua-dros patológicos decorrentes de doençasprofissionais causadas por agentes me-cânicos, físicos, químicos e biológicos.

UNITERMOS: Odontologia*; Saúde ocupa-cional*.

* Da Disciplina de Saúde Ocupacional do Departamento de Saúde Ambiental da Faculdadede Saúde Pública da USP — Av. Dr. Arnaldo, 715 — São Paulo, SP, Brasil.

I N T R O D U Ç Ã O

A Saúde Ocupacional constitui um ra-mo da Medicina Preventiva que, no seuconceito mais amplo, tem os seguintesobjetivos 5:

1 — Proteger os trabalhadores contraqualquer risco à sua saúde, quepossa decorrer do seu trabalhoou das condições em que este érealizado.

2 — Contribuir para o ajustamento fí-sico e mental do trabalhador, obti-do especialmente pela adaptaçãodo trabalho aos trabalhadores e

pela colocação destes em ativida-des profissionais para as quaistenham aptidões.

3 — Contribuir para o estabelecimentoe a manutenção do mais alto graupossível de bem estar físico emental dos trabalhadores.

A Saúde Ocupacional, ciência bastantenova, nascida há pouco mais de doisséculos com os estudos fundamentais deRamazzini, o "Pai da Medicina Ocupacio-nal", deve ainda, na opinião de BAETJER3,o seu notável desenvolvimento atual atrês fatores básicos: em primeiro lugar,ao grande desenvolvimento da MedicinaPreventiva e da Saúde Pública em todosos seus ramos; em segundo lugar, à cres-cente noção da dignidade do trabalho edo direito do trabalhador a uma pro-teção adequada contra as agressões domeio ou do material de trabalho; final-mente, à industrialização crescente detodos os países do mundo, com a neces-sidade de uma produção industrial cadavez maior.

No seu aspecto propriamente preven-tivo, a Saúde Ocupacional dedica espe-cial atenção àquelas doenças que o tra-balhador pode adquirir no seu ambientede trabalho, devidas a um largo númerode causas. Assim, essas moléstias pro-fissionais podem ter as seguintes ori-gens:

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1 — Doenças causadas por agentesfísicos: são aquelas doenças devidas àação de agentes tais como a pressãoatmosférica anormalmente elevada oumuito baixa; temperatura aumentada oudiminuída; maior ou menor umidade doar; ação de fontes de energia radiante(raios infra-vermelhos, ultra-violeta, on-das hertzianas, raios-X, etc.); ação desubstâncias ionizantes; etc.

2 — Doenças causadas por agentesmecânicos: são aquelas doenças devidasà ação de agentes tais como vibrações,repetição freqüente de movimentos, po-sições viciosas de trabalho, etc.

3 — Doenças causadas por agentesquímicos: encontramos aqui um nume-roso e importante grupo de moléstias,causadas pelo enorme grupo de agentesquímicos de que a indústria lança mãohoje em dia.

4 — Doenças causadas por agentesbiológicos: são aquelas doenças causadaspelo contato com agentes etiológicos dedoenças infecto-contagiosas ou parasitá-rias, devido às necessidades de trabalho.

Além deste combate às moléstias pro-fissionais, cabe ainda à Saúde Ocupa-cional um grande número de outras ati-vidades preventivas dentro do campo deHigiene e Saúde Pública: a luta contraos acidentes de trabalho no sentido maisestrito; a prevenção de moléstias geraisna população trabalhadora através devacinações, saneamento geral, etc.; edu-cação sanitária adequada dos operários;etc.

No seu aspecto construtivo cabe à hi-giene do trabalho favorecer de todas asformas possíveis um melhor estado desaúde do trabalhador, através da melho-ria dos locais de trabalho, da adaptaçãoperfeita da máquina ao homem (nuncado homem à máquina), da seleção e ori-entação profissionais, da reabilitação dosoperários sub-normais, do estabelecimen-to de programas adequados de saúdemental no meio operário, etc.

Este programa tão extenso de ativi-dades não poderia, evidentemente, serexecutado por um único especialista.Realmente, envolvendo tal execução, co-nhecimentos médicos, químicos, socioló-gicos, de engenharia, etc.., não poderiaum único indivíduo, por muito bem do-tado intelectualmente que fosse, abar-car todos esses campos do conhecimen-to humano. Por essa razão, a SaúdeOcupacional só poderá ser bem sucedidase a sua aplicação for feita por umaequipe de especialistas, cada um deles sededicando exclusivamente a um aspectodo grande problema geral.

Fundamentalmente, três especialistassão indispensáveis para a execução deum programa de Saúde Ocupacional: omédico, o engenheiro e o químico. Taisespecialistas deverão ter conhecimentosmais detalhados sobre os diversos pro-blemas da relação entre trabalho e doen-ças, o que equivale a dizer que esta equi-pe deverá ser forçosamente constituídade médicos, engenheiros e químicos espe-cializados em higiene e medicina do tra-balho.

Cabendo ao médico especializado emSaúde Ocupacional zelar pela saúde dotrabalhador, em obediência àqueles prin-cípios básicos estabelecidos pela OIT5,necessita ele do concurso de diversos es-pecialistas para poder agir com inteiraeficiência. Assim, necessita do auxílio docirurgião, do fisiologista, do analista clí-nico, do odontologista, da enfermeira in-dustrial, etc..., para resolver variadosproblemas que surjam ocasionalmente.

Dentre os especialistas que deveriamcolaborar com o médico do trabalho nogrande campo da Saúde Ocupacional,merece especial atenção o trabalho dodentista. Realmente, dada a situação al-tamente vulnerável da cavidade oral, pe-la sua comunicação quase permanentecom o meio externo, são muitas as le-sões dos dentes e demais estruturas da-quela cavidade pela ação de agentes me-cânicos, físicos e principalmente quími-

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cos. Por essa razão, o papel do dentistado trabalho é relevante, pois cabe-lhe,segundo FORNEY8, duas atividades degrande importância tanto no campo pre-ventivo como no campo construtivo daHigiene do Trabalho, a saber:

1 — Reconhecimento e prevenção dosriscos ambienciais causadores demanifestações orais de doençasprofissionais.

2 — Correção de lesões orais e condi-ções afins devidas à exposição afatores profissionais.

Realmente, tem o dentista uma granderesponsabilidade no reconhecimento econseqüentemente na prevenção das do-enças profissionais que possam ser diag-nosticadas através do exame da cavida-de oral. Isso exige um conhecimento es-pecializado por parte dos dentistas, co-nhecimento esse, que não pode ser obti-do nos ambulatórios dentários gerais ouna clínica particular, mas unicamenteatravés do contato diário com os traba-lhadores, especialmente em gabinetedentário instalado dentro de um serviçomédico fabril.

De acôrdo com BURKET4, as doençasocupacionais das gengivas, dos dentes edas demais estruturas da cavidade oralpodem ser agrupadas em:

1 — Doenças devidas às ações diretasdo agente causal sobre as estru-turas da boca.

2 — Doenças em que surgem lesõesorais como parte de uma doençasistêmica.

Tal divisão das doenças ocupacionaisda cavidade oral, é, realmente, bastan-te didática e objetiva. Sabe-se, como ve-remos adiante, que os dentes e demaisestruturas da cavidade oral podem serlesados diretamente por agentes quími-cos, físicos ou mecânicos com que te-nham estado em contato; por outro la-do, podem ser observadas na cavidadebucal manifestações de doenças sistêmi-

cas, o que permitirá ao dentista bemorientado em relação à higiene do tra-balho, encaminhar o seu paciente ao mé-dico especializado.

Verificada, portanto, a importânciado papel do dentista especializado emSaúde Ocupacional, no diagnóstico e naprevenção das doenças profissionais, pas-saremos a analisar de forma detalhadaas alterações das estruturas da cavida-de oral em função dos diversos agentesetiológicos.

Doenças Devidas a Agentes Mecânicos

Diversas ocupações podem levar a al-terações das estruturas da cavidade oral,especialmente dos dentes. Tais alteraçõessão muitas vezes bastante característi-cas, constituindo verdadeiros "estigmasprofissionais" peculiares a certas profis-sões.

Na indústria vidreira, atualmente, amaior parte dos trabalhos é feita pormáquinas automáticas. No entanto, ain-da persiste, especialmente no campo davidraria artística e na manufatura deaparelhos de laboratório, o antiquíssimoprocesso de soprar o vidro. O contatoda "cana" com o dente, assim como oatrito decorrente da operação de giraraquela rapidamente enquanto o vidro vaisendo soprado, resulta em desgaste ca-racterístico dos dentes, em geral dos se-gundos incisivos e dos caninos, resultan-do numa abrasão em forma de meia luadesses dentes.

Ainda na indústria vidreira, pode serobservada uma pneumatocele da paróti-da, causada pelo aumento exagerado dapressão do ar dentro da cavidade bucal;essa pressão elevada faz com que o arpenetre livremente através dos duetos deStenon, que ficam cheios de ar. O pacien-te apresenta dor local acentuada e o arretido pode, muitas vezes, ser expulsopela compressão externa manual da re-gião parótidea, o que resulta num crepi-tar bastante característico, com a volta

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da parótida ao seu tamanho normal. Talintrodução violenta de ar dentro das pa-rótidas, pode, em alguns casos, levar auma parotidite, causada pela introduçãode germes geralmente presentes na boca,no interior da glândula.

Na indústria de charutos, especialmen-te nas mais primitivas, a capa externado fumo especial é, com freqüência, ume-decida pelo operário com os lábios, des-lizando a folha de tabaco entre os den-tes semi-cerrados do operador. Existin-do na folha de tabaco, substâncias abra-sivas, sob a forma de grãos finíssimos,o resultado é um desgaste característi-co dos incisivos, peculiar a essa profis-são.

Os operários que manejam pregos, taiscomo carpinteiros, estufadores, etc...,com muita freqüência usam os dentespara segurar um pequeno sortimento depregos, o que aumenta a rapidez do tra-balho manual executado pela facilidadeem alcançar os pregos colocados entreos dentes. A repetição de tal ato duran-te anos a fio, resulta em lesões semi-lu-nares muito característica dos incisivos.Além disso, freqüentemente seguem-selesões periodontais, podendo levar àperda precoce dos dentes.

O hábito de cortar fios, especialmenteos de maior grossura, com os dentes, há-bito comumente adquirido por costurei-ras, resulta em alterações característi-cas dos dentes: incisão em forma de Vna parte média de um ou outro dos pri-meiros incisivos, freqüentemente em am-bos. Tais lesões são mais comuns nosincisivos superiores.

Incisões e desgastes de dentes, princi-palmente dos incisivos, também podemser vistos em diversas outras profissões,como cabelereiros profissionais, que se-guram grampos entre os dentes; dese-nhistas profissionais, que seguram o lá-pis entre os dentes; mecânicos, que fre-qüentemente, enquanto trabalham, segu-ram entre os dentes pequenas peças ou

ferramentas. As lesões resultantes sãobastantes semelhantes àquelas observa-das nas costureiras, sendo o desgaste emgeral dos dentes anteriores, principal-mente incisivos, de maior ou menor grau,dependendo da dureza do material que ésegurado pelos dentes e do tempo detrabalho na profissão.

Lesões características de dentes sãoainda encontradas em algumas profis-sões, tais como músicos, obrigados amanter seus instrumentos de sopro, pre-sos entre os dentes.

Doenças Devidas a Agentes Físicos

Os agentes físicos podem, em ocasiõesespeciais, causar sintomas ou sinais nasestruturas da cavidade bucal, possibili-tando ao odontologista, o reconhecimen-to de uma doença profissional.

Em relação às variações de tempera-tura, os provadores de café ou alimen-tos, apresentam, com apreciável freqüên-cia, algumas lesões características damucosa da boca, com hiperemia acen-tuada e, algumas vezes, discreta necroseda mucosa dos lábios e das gengivas.Tais lesões irritativas podem levar, apósdeterminado tempo, a lesões leucoplásti-cas da mucosa bucal, havendo, dessaforma, a possibilidade de aparecimentode lesões neoplásicas.

As exposições a temperaturas muitobaixas, em geral, não produzem lesõesmaiores das estruturas bucais, exceçãofeita das alterações moderadas da mu-cosa dos indivíduos que se expõem aelas durante tempo bastante longo, coi-sa que se observa raramente em decor-rência do trabalho industrial. No entan-to, têm sido descritas artrites temporo-mandibulares em trabalhadores de frigo-ríficos, que se expõem durante muitotempo a temperaturas bastante baixas.

As variações da pressão atmosféricatambém podem exercer ação caracterís-tica sobre as estruturas da boca. Comose sabe, os mergulhadores em geral

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(tanto escafandristas como mergulhado-res autônomos) e os trabalhadores emcaixões pneumáticos (para serviços deconstrução civil sob água), estão expos-tos a níveis elevados de pressão atmosfé-rica, por exigência das próprias condi-ções de trabalho. Quando se aumenta apressão de ar no interior dos caixõespneumáticos ou se faz a descida dosmergulhadores a profundidades maiores,os espaços de todo corpo que contenhaar e estejam em contato direto com a at-mosfera, vão ter necessidade de que asua pressão interna seja igualada à pres-são externa; existindo freqüentementeespaços aéreos sob os dentes ou sobobturações dentárias, essa nivelação depressões pode dar causa a intensas do-res nesses locais, com hemorragias maisou menos acentuadas12.

As radiações ionizantes, por sua vez,causam lesões acentuadas das estrutu-ras bucais. Lesões bastante peculiaresforam encontradas em trabalhadores quefaziam a pintura de diais luminosos comsulfureto de zinco radioativado: foiobservada, de início, uma gengivite sim-ples seguida de uma periodontite de evo-lução rápida, com queda dos dentes; emseguida, observou-se uma necrose do re-bordo alveolar, extendendo-se progressi-vamente, podendo chegar a desgastesósseos mais intensos, com fratura domaxilar inferior, perfuração dos seiosparanasais e até mesmo morte. Comose sabe, tais lesões são devidas ao hábitodos pintores de umedecer o pincel entreos lábios, operação essa que se repetefreqüentemente durante as horas de tra-balho; assim, há uma deposição de subs-tância radioativa na cavidade bucal, es-pecialmente nos fundos de saco gengivo-dentário e no colo dos dentes. Em vistada substância radioativa ter principal-mente radiações alfa, sendo as radiaçõesbeta e gama sem importância neste caso,admite-se que o ponto de partida da ne-crose seja uma modificação da resistên-cia local à infecção e uma irritação gen-gival mais ou menos acentuada10.

Quando por acidente ou por descuido,uma pessoa fica exposta a doses muitoelevadas de radiações ionizantes, ocorreo chamado "síndrome de post-radiação",caracterizada por uma série de gravesefeitos sobre o organismo; nesse síndro-me, são extremamente freqüentes as le-sões ulcerativas hemorrágicas dos lábiose de toda a mucosa da boca, lesões essasque exprimem a acentuada gravidade damoléstia de irradiação que, em elevadonúmero de casos, sabemos ser fatal.

Doenças Devidas a Agentes Químicos

Não obstante a importância relativadas manifestações orais por agentes me-cânicos ou físicos, é indiscutível que osagentes químicos são aqueles de maiorimportância na gênese das alterações dacavidade bucal de origem profissional.Aliás, o papel preponderante desses agen-tes não se observa somente em relaçãoàs lesões orais; em toda a Higiene doTrabalho deve-se ter sempre em mentea extrema importância dos agentes quí-micos como causadores do doenças pro-fissionais de maior ou menor gravidade.

No grupo dos agentes químicos de do-enças profissionais, os vapores ácidosdesempenham um papel de muita impor-tância, que merece ser estudado commais detalhes sob o ponto de vista odon-tológico, como passaremos a ver.

Como se sabe, é muito difundido ouso de ácidos na industria em geral.Assim, o ácido nítrico é usado nas indus-trias de explosivos, nas fábricas de ce-lulóide, como agente de limpeza, etc. Oácido sulfúrico é usado na indústria quí-mica, nas tinturarias e particularmentenas fábricas de acumuladores elétricosonde, durante a carga destes aparelhos,forma-se uma neblina de ácido sulfúricoem todo o ambiente de trabalho, devidoa pequenas gotículas de ácido que sãoarrastadas ao local de trabalho pelas bo-lhas de hidrogênio e oxigênio forma-das por ocasião da carga 11. O ácido clorí-drico é usado na fabricação de soda

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cáustica, na indústria vidreira, na indús-tria química e, com apreciável freqüên-cia, é usado por soldadores como agentede limpeza nas partes a serem soldadas.O ácido fluorídrico é empregado na fa-bricação de vidros opacos, na indústriade fertilizantes, etc... Diversos ácidos inor-gânicos são ainda de uso bastante fre-qüente na indústria em geral.

Todos esses ácidos, a partir de umadeterminada concentração na atmosferados locais de trabalho (geralmente sobforma de vapores, freqüentemente sob aforma de neblina), provocam intensairritação das vias aéreas superiores, oque leva os trabalhadores a respirar tam-bém pela boca. Como conseqüência, osdentes incisivos ficam expostos à açãodo ar e perdem rapidamente (por desse-camento) a sua capa protetora de saliva,tornando-se assim, facilmente atacadospelos ácidos.

De acordo com Baader2, três formasdiferentes de alterações dentárias podemser observadas nas pessoas expostas aácidos, alterações essas devidas aos trêstipos diferentes de lábios:

a — Nos indivíduos possuidores de lá-bios grossos, o ácido só pode atacar obordo livre dos dentes superiores; emconseqüência, poucas alterações dentá-rias são observadas.

b — Nos indivíduos de lábios finos,observam-se grandes alterações tantonos dentes superiores como nos inferio-res.

c — Nos indivíduos dos quais apenasum dos lábios é fino, as alterações den-tárias são sempre encontradas na arca-da recoberta por esse lábio.

A ação do ácido se faz principalmentenos dentes anteriores, por razões óbvias.Os dentes inferiores quando atingidos,mostram lesões apenas na sua face la-bial, enquanto que os superiores sãoatingidos tanto no seu bordo livre comona sua parte posterior.

De acordo com DECHAUME & GARLOPEAU6,ao serem atacados pelos ácidos, os den-tes progressivamente perdem o brilho.Pela perda do marfim dentário (cercade metade da sua espessura), os dentestornam-se menos espessos e mais afila-dos; as superfícies afetadas mostram-selisas como se tivessem sido polidas. Emcontinuação, o marfim perde a sua re-sistência, tornando-se mole e quebradiço,com o que a superfície dentária mostra-se irregular. Finalmente, a perda domarfim leva à exposição da dentina, quese apresenta corada em amarelo; os den-tes progressivamente diminuem de ta-manho por desgaste, até praticamentedesaparecerem.

A lesão anatômica dos dentes é, evi-dentemente, irreparável. Assim, mesmoque o trabalhador seja afastado do tra-balho quando aparecerem as primeirasmanifestações dentárias, já a dentaduraestará com a sua resistência diminuída,quebrando-se os dentes com grande fa-cilidade.

Os alcalis também podem, em cer-tas circunstâncias, causar manifestaçõesorais. Nos trabalhadores de fábricas desoda cáustica, encontramos com freqüên-cia uma lesão característica dos lábios,que se manifesta por uma coloraçãomarrom escura destes, devida ao conta-to da mucosa úmida com a poeira dasoda cáustica, o que condiciona uma ver-dadeira queimadura química da mucosalabial e das gengivas.

Os trabalhadores que se dedicam àcromação de metais por eletroplastia,freqüentemente apresentam ulceraçõestórpidas dos lábios e da mucosa oral,de cura difícil e prolongada.

Tanto as gengivas como os dentes po-dem se corar pela ação dos agentes quí-micos usados nos trabalhos; daremos aseguir, alguns exemplos de coloraçãodessas estruturas por agentes químicos:

Em relação à gengiva, a prata, quandoabsorvida em grande quantidade, causa

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uma pigmentação escura e característi-ca das gengivas e de todas as mucosasbucais, coloração essa que leva muitasvezes à confusão com a cianose de ori-gem pulmonar ou cardíaca. Nas fundi-ções de cobre, às vezes encontram-secasos em que toda a borda gengival semostra esverdeada, freqüentemente comestrias purpúricas. Nas fundições de fer-ro, encontra-se com alguma freqüênciauma coloração vermelho escura das gen-givas. Nos trabalhadores que executama galvanoplastia com este metal, pode-mos observar uma coloração branco-es-verdeada das gengivas.

Em relação aos dentes, também estespodem adquirir coloração diversa emfunção dos agentes químicos utilizados.Assim, por exemplo, os trabalhadores daindústria da fabricação de cromatos po-dem apresentar coloração amarela dosdentes, coloração essa que muitas vezesse confunde com aquela que apresentamos trabalhadores de fundições de cádmio,também sujeitos à coloração amarelados dentes. Nas fundições de cobre oulatão, encontramos freqüentemente co-loração cinzento-esverdeada ou verde es-curo dos dentes; nas fundições de ferroespecialmente os bordos incisivos dosdentes inferiores apresentam coloraçãovermelho escura, bastante característica.Finalmente, em tinturarias, dependendodo maior ou menor contato entre os co-rantes e a cavidade bucal, podemos en-contrar dentes assumindo cores diversas,conforme a cor do corante utilizado notrabalho.

Os soldadores podem apresentar umagengivo-estomatite bastante acentuada,que simula a gengivo-estomatite de Vin-cent, devido possivelmente à formaçãode óxidos de nitrogênio sob a ação dasolda oxi-acetilena; tais óxidos, em con-tato com a saliva, transformam-se numamistura de ácido nítrico e nitroso, quecausariam a lesão4. O exame mostra dore ulceração das gengivas nas suas partesmarginais e interdental; além disso, amucosa das paredes bucais adjacentes

mostra uma coloração esbranquiçada, ul-cerando-se com facilidade. Merece des-taque especial o fato de que os soldado-res com solda elétrica apresentam gengi-vo-estomatite com menor freqüência.

Além desses sinais devidos à ação di-reta dos agentes químicos sobre os den-tes, não devemos esquecer, como já foidito, que os dentes podem espelhar doen-ças profissionais sistêmicas que têm ma-nifestações orais. Compete pois, ao odon-tologista industrial, conhecer bem de per-to tais manifestações, visto que poderáser ele o primeiro especialista a levan-tar a suspeita de uma doença profissio-nal mais ou menos grave.

O exame dos lábios raramente revelaalterações devidas às doenças profissio-nais sistêmicas. No entanto, nas intoxi-cações pelo monóxido de carbono, os lá-bios adquirem uma típica coloração ver-melho-cereja, fato que pode ser de im-portância para o odontólogo industrialem levantar a sua suspeita de uma into-xicação por esse produto químico, emcasos duvidosos.

De acordo com VON OETTINGER14, diver-sos produtos químicos absorvidos pelocorpo como um todo, podem causar umasensação de ardor e de irritação da cavi-dade oral. Assim, podemos incluir nessacategoria, as intoxicações profissionaispela acroleina, a amônea, o cromo, o di-metilftalato, o dinitrobenzeno, os fluore-tos, o aldeído fórmico, a gazolina, o áci-do clorídrico, o ácido fluorídrico, o iôdo,o acetato de chumbo, o ácido nítrico, onitrobenzeno, os óxidos de nitrogênio, ofenol, o fosgênio (quando em altas con-centrações), o ácido sulfúrico, a tetrani-trometana e outros produtos menos uti-lizados. Uma gengivite, caracterizada porvermelhidão, edema e tendência hemor-rágica, podendo às vezes passar para afase ulcerativa, pode ser encontrada nodecorrer da intoxicação profissional pe-lo acetato de butila, pelo chumbo, pelomercúrio, pelo níquel, pela parafenileno-diamina, pelo rádio, etc...

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Uma estomatite caracterizada por umareação inflamatória de toda a cavidadeoral, com acentuada sialorréia, dor àmastigação, hálito fétido e ocasional-mente perda de dentes e mais raramen-te, ulceração, pode ser o resultado de in-toxicações profissionais por uma sériede produtos, dos quais podemos desta-car o antimônio, o trióxido de arsênico,bismuto, iodo, chumbo, mercúrio, niquel,fenol, fósforo, etc...

A língua, como estrutura que é da ca-vidade oral, freqüentemente apresenta al-terações semelhantes às que se obser-vam nas outras partes dessa cavidade.Além disso, alterações degenerativas dalíngua, foram já relatadas ocasionalmen-te em trabalhadores que pipetavam al-guns solventes como hidrocarbonetosaromáticos e clorados. Por outro lado,nas intoxicações profissionais pelo dini-trocrezol e dinitrofenol, vamos encontraruma língua intensamente saburrosa, de-vido a elevação da temperatura corpó-rea acarretada por essas substâncias.

Diminuição da sensação gustativa po-de decorrer das diversas intoxicaçõesprofissionais que têm manifestaçõesorais. Um gosto metálico característicona boca foi relatado em relação às in-toxicações pelo arsênico, pelo óxido decadmio, pelos sais de cobre, pelo iodo,pelo chumbo, pelo mercúrio (tanto o clo-reto como o mercúrio metálico) pelo se-lênio e pelo estanho. Um gosto azedopode ser encontrado nas intoxicaçõespelo dinitrobenzeno e pelo ácido títrico.Um gosto adocicado é encontrado, àsvezes, depois da exposição ao óxido deetileno e ao óxido de zinco. Um gostobastante desagradável pode seguir-se àsintoxicações pelo fosgênio (em altas con-centrações). Finalmente, perda acentua-da da sensação gustativa pode ser encon-trada nas intoxicações pelo monóxidode carbono e pela gazolina.

Sialorréia intensa pode se seguir àsintoxicações profissionais pela amônea,pelo bromo, pelo crezol, pelo éter, pelo

cloreto de etila, pelos fluoretos, pelo áci-do clorídrico, pelos cianetos, pelo clore-to de mercúrio, pelo metaldeido, pela ozo-na e pelo fenol; tal sialorréia decorreprincipalmente de uma irritação intensada cavidade oral. Também podemos ob-servar aumento da salivação pela esti-mulação do sistema nervoso parassim-pático, o que pode ocorrer nas intoxica-ções profissionais pelo dialquilfluorfos-fato, pelo paration e pelo tetraetil profos-fato.

Secura acentuada da boca, por redu-ção da salivação, tem sido observada emalgumas intoxicações profissionais comosejam as provocadas pela arsina, pelobenzeno, pelos derivados bromados, pe-lo dinitro-benzeno, pelo chumbo, etc...

Sensação de sede intensa, decorrentecom freqüência da febre alta, desidrata-ção e excessiva sudorese, tem sido obser-vada numa série de intoxicações profis-sionais dentre as quais podemos desta-car, como exemplos, as provocadas pelodinitrobenzeno, pelo dinitrocrezol, pelodinitrofenol, pelo querozene, pelo aceta-to de chumbo, pelo ácido nítrico, pelofósforo, etc...

Uma cor acentuadamente escura de to-da a mucosa da cavidade oral pode serobservada em decorrência da intoxica-ção profissional pelos derivados aromá-ticos do benzeno, devido a formação demetahemoglobina em maior ou menorquantidade.

Além das manifestações de tipo geral,há algumas intoxicações profissionaisque têm um quadro oral bastante carac-terístico e que deve ser estudado de for-ma particular. Passaremos assim, a es-tudar de forma mais detalhada algunsdesses quadros mais importantes, quedevem merecer do odontólogo profissio-nal um conhecimento mais perfeito.

A exposição prolongada a concentra-ções baixas de ácido fluorídrico, incapa-zes de agir produzindo as característicaslesões dentárias já referidas, parece le-

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var a uma fluorose dental, o característi-co "dente mosqueado": dentes apresen-tando uma série de pequenas manchasbastante nítidas, indicando uma absor-ção exagerada de flúor.

Manifestações orais também têm sidoobservadas no decorrer de uma doençaprofissional extremamente benigna, cha-mada "Febre dos fumos metálicos" ou"Febre dos soldadores". Trata-se de umquadro provavelmente de natureza ana-filático, caracterizado por caláfrios súbi-tos, febre intensa e sintomas de compro-metimento benigno das vias aéreas su-periores, que aparece em indivíduos quese expõem pela primeira vez a concen-trações mais ou menos elevadas de fu-mos de alguns metais, como por exem-plo, o zinco; o quadro febril é de curtaduração e o paciente, após um primeiroataque desta moléstia profissional, adqui-re imunidade, que pode ser perdida pe-lo afastamento (férias, por exemplo),sendo recuperada depois de nova crisefebril, ante uma nova exposição aos fu-mos. Verificou-se que nos indivíduosimunes, aparece com freqüência, umagengivite marginal, caracterizada porvermelhidão intensa da mucosa, que semostra bastante edemaciada, mas queem geral, não se ulcera. A gengivite érebelde ao tratamento, e BURKET4, acre-dita que a mesma ocorra, no caso par-ticular dos fumos de zinco, pela deposi-ção desse metal sob a forma de umsulfeto, na orla gengival.

Já de há muito tempo é sabido que aintoxicação pelo chumbo acarreta ca-racterísticas manifestações orais. Ochumbo é largamente usado na indús-tria e uma das ocupações que mais fre-qüentemente conduz ao saturnismo é afabricação de acumuladores elétricos, du-rante a qual, os trabalhadores estão ex-postos à diversas fontes de intoxicação(fumos da fundição de chumbo, poeirade sais de chumbo em suspensão no ar,etc). Alteração característica e quase pa-tognomônica é a "Orla de Burton", queconsiste numa linha de um a 2 mm de

largura, de coloração azul-escuro, que seassenta no bordo da mucosa gengival(depósitos tartáricos, restos de raízes,próteses mal ajustadas, etc...); tambémpodem ser observadas pequenas lesõessemelhantes na mucosa da bochecha, empontos que ficam em contato com dentescariados (Manchas de Gubler)9. Comfreqüência, a "Orla de Burton" coexistecom glossite discreta e às vezes compequeno aumento de volume das glându-las salivares. Essa orla indica absorçãosistêmica do chumbo, se bem que nãoindique forçosamente a existência deuma intoxicação do organismo do traba-lhador por esse metal. No entanto, háautores que são de opinião que tal orlanão decorre da absorção sistêmica, massim apenas da deposição de chumbo, pe-lo contato direto da mucosa com o me-tal que se encontra no ar do ambientede trabalho; em apoio a tal teoria, esta-ria o fato de que as intoxicações pelotetraetilchumbo não se acompanhamdessa orla característica 1 - 7.

Nos trabalhadores que manejam mer-cúrio e alguns de seus sais (técnicos delaboratório, operários de indústrias dechapéus, etc...), poderemos verificar oaparecimento de lesões orais pela absor-ção sistêmica desse metal tóxico. Essaintoxicação foi descrita já em 1713 porRamazzini, que a observou na Espanha,em minas de mercúrio, razão pela qual,esta foi uma das intoxicações profissio-nais que mais cedo recebeu uma legis-lação adequada no sentido de prevenção.O paciente apresenta saliva viscosa equeixa-se de sensação de irritação damucosa oral, com gosto metálico. O exa-me revela lábios secos, edemaciados ecom fissuras; as gengivas se mostramlevemente coloridas em cinzento e apre-sentam nítida gengivite, com ulceraçõesfreqüentes que podem se estender a to-da a mucosa da boca e até mesmo à fa-ringe. A língua também se apresenta ede-maciada, dolorosa e freqüentemente ulce-rada, mostrando marcas dentárias nosseus bordos. As glândulas salivares po-

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dem estar aumentadas de volume e do-lorosas à palpação.

O fósforo produz uma lesão oral quejá é conhecida desde 1845. Seu interesseé mais histórico, tendo em vista que ofósforo branco foi praticamente abando-nado em toda a indústria. No entanto,ocasionalmente, especialmente em nossopaís, têm sido observadas intoxicaçõespor esse tóxico, ligadas à fabricação defogos de artifício, por ocasião das fes-tas juninas. A lesão característica é anecrose dos maxilares, podendo atingirum ou ambos os maxilares. As lesõesaparecem cerca de algumas semanas oumeses depois de iniciado o trabalho, emgeral de 6 a 8 meses, caracterizando-seinicialmente por acidentes dentários deaparência banal, que motivam a extra-ção de um dente cariado. Não obstantea extração, as dores continuam e outrosdentes são extraídos; desenvolve-se umaperiostite, aparece supuração, os sinto-mas se exageram e a necrose do maxilarse torna evidente, sendo fácil o diagnós-tico caso se conheça a profissão do pa-ciente. Afastado o paciente do trabalho,há cura da lesão, com eliminação dosseqüestres e regeneração total ou par-cial do osso. Entretanto, freqüentementeas lesões são de tal ordem, que levam adeformidades bastante acentuadas dosmaxilares.

Na intoxicação pelo benzeno, intoxica-ção profissional que vai se tornando ca-da vez mais rara pela proscrição quaseabsoluta do uso desse tóxico em tra-balhos industriais, freqüentemente seobservam manifestações orais mais oumenos características. As alterações he-matopoéticas decorrentes dessa intoxica-ção, condicionam o aparecimento de le-sões ulceronecróticas bastante freqüen-tes, em geral mais faringeanas do quebucais. Com alguma freqüência observa-se uma estomatite simples ou ulcerada,mas sempre sem supuração e sem ade-nopatia; quando ocorre uma trombope-nia, podemos ter hemorragias gengivaismais ou menos acentuadas. A intoxicação

crônica pelo benzol pode levar ainda auma necrose do maxilar superior, quetem sido observada com maior freqüên-cia.

Nas intoxicações pelo tricloroetilenotem sido referidas paralisias rebeldesdo trigêmio, na sua parte sensitiva. Ve-rifica-se uma sensação de anestesia bu-cal, tumefação dos lábios, inflamaçãogengival. Tem sido discutido se o triclo-roetileno puro poderia causar as lesões,havendo autores que acreditam seremas mesmas, devidas às impurezas exis-tentes juntamente com essa substância;não obstante, BAADER2 é de opinião que otricloroetileno tem uma ação tóxica ele-tiva sobre o nervo trigêmio, comprovan-do tal fato com observações pessoais ex-tremamente interessantes.

O enxofre pode ter uma ação lesivasobre os dentes, levando ocasionalmentea manifestações dentais mais ou menoscaracterísticas. Observações feitas na Itá-lia, em trabalhadores das famosas "Sol-fataras", mostram que a inalação de va-pores de enxofre pode levar a uma le-são alveolar e a alterações tróficas damucosa gengival, terminando pela que-da dos dentes.

Outra intoxicação profissional que temrepercussões orais, é a intoxicação peloarsênico. O exame da cavidade oral re-vela uma estomatite grave e de cor ver-melho intensa. Ao contrário da estomati-te mercurial, onde há sialorréia, a esto-matite pelo arsênico condiciona caracte-rística secura da boca. Em casos de in-toxicação grave, já foi observada a pa-ralisia dos nervos mastigatórios.

O trabalho com ouro, especialmente aexposição a fumos durante a fusão dometal, pode conduzir à intoxicação sis-têmica, que tem a sua expressão oral emuma coloração avermelhada das gengi-vas e se acompanha de congestão inten-sa da mucosa bucal. Em casos mais gra-ves, observa-se vesiculação e ulceraçãoda mucosa oral e das gengivas, freqüen-

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temente acompanhadas de fissuras la-biais mais ou menos acentuadas.

Finalmente, não deve ser esquecidoque tumores de origem ocupacional po-dem se localizar na boca, devendo me-recer especial consideração dos odontó-logos. Deve ser lembrado que diversosagentes químicos, como alguns derivadosdo alcatrão; o arsênico; o cromo; etc...,são potencialmente cancerígenos e umcâncer de natureza profissional pode selocalizar nos lábios, mucosa da boca oulingua15.

Doenças Devidas a Agentes Biológicos

Por imposição das condições de tra-balho, o trabalhador pode adquirir mo-léstias devidas a agentes biológicos que,em certas condições que propiciem oseu desenvolvimento, devem ser consi-deradas como doenças profissionais.Assim, por exemplo, o odontologista queadquire uma moléstia infecciosa, atravésde um paciente, é indiscutivelmente por-tador de uma moléstia profissional bemcaracterizada.

Escaparia ao escopo deste trabalho es-tudar detalhadamente todas as manifes-tações orais das doenças infecto-conta-giosas ou parasitárias que podem ter ori-gem profissional; assim, por exemplo,a febre aftosa, o carbúnculo; etc... têmmanifestações orais conhecidas dos odon-tologistas que seria ocioso repetir aqui.Deverá apenas ser destacada a necessida-de de que o dentista tenha sempre emmente a importância de uma anamnesebem feita, que lhe permitirá filiar a doen-ça infecto-parasitária cuja manifestaçãooral diagnosticou, a uma causa estrita-mente ocupacional.

Para concluir, devemos considerar aquestão das relações entre cáries dentá-rias e atividades ocupacionais.

Já há bastante tempo sabe-se que nospacientes portadores de lesões dentáriasdevidas a ácidos, a cárie é rara. Inver-samente, nos trabalhadores com alcalis,são elas bastante freqüentes, principal-

mente ao nível do colo dentário. Tam-bém tem sido observada maior freqüên-cia de cárie dentária em pacientes quetrabalham com sal e principalmente ascáries extremamente dolorosas do colodentário.

Tendência maior às cáries dentáriastambém é observada nas pessoas quetrabalham com farinha ou açúcar, taiscomo empregados de moinhos, padeiros,confeiteiros, etc...; nos que trabalhamcom açúcar, a tendência à cárie é maiore tem merecido estudos especiais. Verifi-cou-se assim, que depois de aproximada-mente três anos de trabalho com açúcar,não sendo a higiene dentária satisfató-ria, iniciam-se as cáries bastante fre-qüentes; outros autores admitem que ascáries dentárias só aparecem após 8 a10 anos de trabalho. As cáries geralmen-te se sucedem a lesões gengivais; o iní-cio é lento e nas fases iniciais é difícil dis-tinguir-se a cárie do colete de tártaroque habitualmente envolve os dentes des-ses operários. Em geral, o paciente sótoma conhecimento da situação precáriade seus dentes, quando as cáries come-çam a se suceder em um ou mais dentes,levando não raro, a uma desagregaçãoparcial dos mesmos. O exame odontoló-gico mostra cáries amarelas ou negras,formadas por uma cavidade de tamanhovariável, às vezes circular, outras ovala-das; com freqüência, o que se observa éuma cárie dentária do colo, com umaconcavidade voltada para a gengiva; aexploração da cárie mostra que é possí-vel retirar-se diversas camadas de den-tina sem maior dor, sendo que muitasvezes é atingida a polpa dentária semque o paciente manifeste qualquer sin-toma doloroso. Também a percussão dodente não provoca dor, bem como a ex-posição ao calor ou ao frio. A evoluçãodas cáries continua progressivamente atéo desaparecimento da coroa; ocorre amorte da polpa e o exame do dente mos-tra uma camada pulpar de volume mui-to reduzido e na maior parte das vezesinvadida por dentina secundária 6,13.

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A pequena sintomatologia dolorosa dascáries devidas ao açúcar, fazem com queos pacientes procurem o dentista commuita raridade; portanto, é de extremaimportância que nesses pacientes sejafeito um exame periódico dos dentes, oque possibilitará um diagnóstico precocedeste tipo de lesão ocupacional.

Maior incidência de cáries foi encon-trada em profissões que obrigam a in-gestão mais ou menos freqüente de ál-cool, como, por exemplo, nos provado-res de vinho. Admite-se que nesses ca-sos, a maior incidência não se deva pro-priamente à ação do álcool, mas a umadiminuição da resistência orgânica, de-vida à ingestão desse tóxico.

Finalmente, maior incidência de cá-ries foi também observada durante obenzolismo crônico, especialmente quan-do já são visíveis ou evidentes os si-nais hematológicos da doença.

Pelo exposto, verifica-se pois, que aOdontologia tem um grande campo deação dentro da Saúde Ocupacional; gra-ças à sua atividade, podem ser eviden-ciados sinais precoces de diversas into-xicações profissionais, o que permitiráao dentista encaminhar o seu pacienteao médico especialista em Medicina doTrabalho, para o tratamento adequado.

Especial destaque deve merecer aquia prevenção das afecções dentárias denatureza profissional; assim, devem serconsideradas em primeiro lugar as me-didas higiênicas locais, tais como esco-var os dentes diversas vezes ao dia,usar bochechos com substâncias alcali-nas ou antisséticas e fazer principal-mente, o exame periódico da cavidadebucal por um odontologista, especial-mente nas indústrias em que são empre-gados ácidos, onde se maneja o mer-cúrio, etc. Impõem-se a existência deum consultório odontológico situadopróximo ao local de trabalho e onde ostrabalhadores tenham fácil acesso.

Em relação especialmente aos vapo-res ácidos, as medidas de proteção de-vem ser de preferência de natureza co-letiva, tais como a ventilação localexaustora, etc... Somente nos locaisonde tais medidas não forem possíveis,deverão os operários usar material pes-soal de proteção, tal como a máscaraespecial em resina acrílica, que resistemuito bem à corrosão dos ácidos. De-vem, no entanto, ser formalmente con-tra-indicadas as proteções individuaisprecárias, tais como lenços ou tampõesde tecido colocados diante da boca, emvista do risco dessas proteções impro-visadas acumularem vapores e os trans-formarem, pelo contato com a saliva,em ácidos em estado quase puro. Quan-do se tratar de gases, deverão ser usa-das máscaras adequadas para cada tipode tóxico. O uso de luvas evitará otransporte de material nocivo à bocapor intermédio das mãos contaminadaspelos tóxicos.

Tendo em vista, porém, que como emqualquer outro ramo da Saúde Ocupa-cional, as medidas de proteção indivi-dual são sempre precárias, mal aceitaspelos trabalhadores, necessitando demanutenção constante, etc., não seráinútil frisar ainda uma vez a necessi-dade de serem usados nos meios indus-triais, métodos de proteção coletiva con-tra os agentes químicos capazes de pro-duzir lesões odontológicas, único meioeficaz de garantir a saúde e o bem es-tar dos trabalhadores.

Como consideração final, será oportu-no lembrar que o dentista, por forçada sua própria profissão, está tambémexposto a uma série de riscos de natu-reza profissional. Assim, manejando di-versas drogas, fazendo uso de apare-lhos de raios-X, expondo-se ao contatode pacientes portadores das mais diver-sas doenças infecciosas ou em ambien-tes onde o conforto térmico é precário,etc., está esse profissional exposto agrande número de agentes potencialmen-te nocivos, capazes de produzir as mais

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diversas doenças profissionais. Não ca-bendo, dentro deste trabalho, uma aná-lise detalhada de tais riscos comuns agrande número de outras profissões, en-caminhamos o leitor interessado, aosmanuais de Higiene e Medicina do Tra-balho, onde tais assuntos são desenvol-vidos com a extensão que merece a suagrande importância prática.

RSPSP-133

NOGUEIRA, D. P. — [Dentistry and occupa-tional health]. Rev. Saúde públ., S.Paulo, 6:211-23, 1972.

SUMMARY: After considering that thepractice of Occupational Health is,essentially, the result of a team workwhere the role of the dentist is veryimportant due to the fact that manyoccupational diseases present early oralmanifestations, a description is made ofmany of those manifestations due to di-seases caused by mechanical, physical,chemical and biological agents.

UNITERMS: Dentistry *; Occupationalhealth *

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Recebido para publicação em 14-4-72

Aprovado para publicação em 25-4-72