Audiovisual rio Livro[1]

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AudiovisualComunitrioeEducao:Histrias,processoseprodutosJulianaLeonelRicardoFabrinoMendona(Organizadores)AudiovisualComunitrioeEducao:Histrias,processoseprodutosCopyright 2010 Os organizadoresCOORDENADOR DA COLEOMrcio Simeone HenriquesCONSELHO EDITORIAL Cicilia Maria Krohling Peruzzo; Desire Cipriano Rabelo; Mrcio Simeone Henriques; Nisia Maria Duarte; Werneck; Rennan Lanna Martins MafraCAPAAlberto BittencourtGuilherme AlmeidaEDITORAO ELETRNICAConrado EstevesREVISODila Bragana de MendonaEDIO E REVISO TCNICAClarisse Alvarenga, Paula Guimares EDITORA RESPONSVELRejane DiasAUTNTICA EDITORA LTDA.Rua Aimors, 981, 8 andar. Funcionrios30140-071. Belo Horizonte. MGTel: (55 31) 3222 68 19 TELEVENDAS: 0800 283 13 22www.autenticaeditora.com.brTodos os direitos reservados pela Autntica Editora. Nenhuma parte desta publicao poder ser reproduzida, seja por meios mecnicos,eletrnicos,sejaviacpiaxerogrfica,sema autorizao prvia da Editora.Revisado conforme o Novo Acordo Ortogrco.Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) (Cmara Brasileira do Livro)Audiovisual comunitrio e educao : histrias, processos e produtos / Juliana Leonel, Ricardo Fabrino Mendona, organizadores. -- Belo Horizonte:AutnticaEditora,2010.--(Coleocomunicaoe mobilizao social)Vrios autores.ISBN 978-85-7526-498-01. Comunicao - Aspectos sociais 2. Comunicao de massa 3. Comunicaoeeducao4.Comunicaoetecnologia5.Comu-nicaosocial6.Educaoaudiovisual7.Meiosdecomunicao8. ProduoaudiovisualcomunitriaI.Leonel,Juliana.II.Mendona, Ricardo Fabrino. III. Srie.10-10324 CDD-302.23ndices para catlogo sistemtico: 1. Audiovisual comunitrio e educao : Comunicao comunitria : Comunicao social 302.23 memria de nossa amiga Mariana PaulinoAgradecemos a todos os realizadores e integrantes de projetos de audiovisual comunitrio que contriburam para a realizao deste livro.SUMRIOPrefcioFerno Pessoa Ramos..............................................................Apresentao.......................................................................Parte 1 Do audiovisual comunitrioCAPTULO IAlguns argumentos em proldo audiovisual comunitrioRicardo Fabrino Mendona.....................................................CAPTULO IIVdeo e movimentos sociais - 25 anos depoisLuiz Fernando Santoro............................................................CAPTULO IIIComunicao comunitria e digitalizao dos media: problemas, perspectivas e desaosSivaldo Pereira da Silva, Brulio Ribeiro...............................Parte 2 Produes e processosCAPTULO IVRefazendo caminhos do audiovisualcomunitrio contemporneoClarisse Castro Alvarenga......................................................1317 25 49

67 89CAPTULO VSentidos da imagem na quebradaRose Satiko Gitirana Hikiji.....................................................CAPTULO VIPor uma pergunta sonoraPedro Aspahan.........................................................................CAPTULO VIIDeslocamento, circulao, trnsito, contatona produo audiovisual comunitriaPaulo Emlio de Castro Andrade............................................Parte 3 Audiovisual e educaoCAPTULO VIIIPara quem gosta de perguntar:uma reexo sobre a EducomunicaoEliany Salvatierra Machado...................................................CAPTULO IXAs TCIs na escola: da recepo expressoRafaela Lima............................................................................CAPTULO XO cinema como arte na escola:um dilogo com a hiptese de Alain BergalaAdriana Fresquet.....................................................................CAPTULO XIEnsaio sobre a gnese da cinematograa educativano Brasil. Prospeco do componente histriconacional nas prticas educacionais que envolvem Comunicao e EducaoJoo Alegria.............................................................................. 109 127 147 169 187 205

233Parte 4 Gesto de produo colaborativasCAPTULO XIIAspectos da gesto de ONGs brasileiras que lidam com os temas Comunicao e EducaoAndr Sena...............................................................................CAPTULO XIIISobre Produo ColaborativaValter Fil.................................................................................Parte 5 Experincias de realizadoresCAPTULO XIVPensamentos e trajetrias de jovensrealizadores do audiovisual comunitrioJuliana Leonel, Clebin Quirino dos Santos, AndrLuiz Pereira, Daniel Fagundes, Diego FF. Soares,Fernando Solidade Soares, Giovania Monique,Vanice Deise, Wilq Vicente.......................................................CAPTULO XVPor um cinema compartilhado.Entrevista com Vincent CarelliAna Carvalho...........................................................................CAPTULO XVIPor uma sistematizao de nossasprticas: proposies e dvidasJuliana Leonel e Moira.............................................................CAPTULO XVIICatlogo de prticasJuliana Leonel e Moira.............................................................Os autores............................................................................

251 295 317 363 381 383 42313PREFCIOAudiovisualcomunitrio:histria,processoseprodutos aborda um conjunto expressivo de produes audiovisuais desen-volvidas por comunidades no Brasil. O conceito decomunidadetrabalhadodemododiferenciadonostextosdolivro,mas possvel localizar uma pertinncia de conjunto. Refere-se a gru-pos de indivduos que interagem de forma diversa, com recortes institucionais mais amplos, preservando identidades na interao com o externo e na circulao mais voltada para si. Como proposta da coletnea, surge a camada dessas relaes que se expressa em matria imagtica-sonora, mediada pela mquina cmera deno-minadaaudiovisual. Assim, a produo audiovisual comunitria trabalhada em suas diversas ramificaes com nfase em estu-Ferno Pessoa Ramos** Professor titular do Departamento de Cinema (DECINE) do Instituto de Artes da UNICAMP. Foi presidente fundador da Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema (SOCINE). Seus projetos de pesquisa concentram-se na rea de Estudos de Cine-ma, cobrindo documentrio, teoria e ensino. Em 2008 lanou o livro Mas afinal... o que mesmo documentrio? pela Editora do SENAC. Em 2005, pela mesma editora, publicou, como autor e organizador, Teoria Contempornea do Cinema (2 vols.). Tambm autor de Cinema Marginal - a representao em seu limite (Brasiliense).ColeoComunicaoeMobilizaoSocial14dos de caso; configuraes tericas; abordagens de cunho mais sociolgico e histrico; textos com vis mais militante; dilogos bemmarcadoscomeducaoepedagogia;questesestticas envolvendo suporte vdeo ou digital; elaborao sonora do audio-visual; resumos prticos de ao em comunidades; depoimentos eentrevistas.umpanoramaamplo einstigantedaproduo audiovisual de cunho comunitrio, indito em nossa bibliografia. Oprincipalcrditodacoletneaestemapontarparao tamanho e a diversidade desse universo, alm de reivindicar a dimenso histrica de sua presena entre ns. Entre os textos com foco em grupos de atuao comunitria, realado o sig-nificado da produo cultural com imagens (e sons) na prtica cotidiana.Navidaemcomunidadesdeperiferias,juntos parcelas menos favorecidas da populao, os relatos possuem riquezadedetalhes,permitindoummapeamentoamploda diversidadedasestratgiascomaudiovisual.Nostextosque abordam experincias junto a comunidades urbanas, nos relatos de trabalho com populaes indgenas ou nos depoimentos de cineastas, ficam evidenciadas as particularidades que a produo audiovisual traz para o cotidiano das comunidades. Aferramentadoaudiovisualeasparticularidadesdadi-mensodatomadaqueessaferramentadetonamostramo lado pragmtico da ao. Pragmtico na medida em que surge no espao de uma prxis que envolve agentes comunitrios e a populao propriamente dita. Parcela significativa dos textos debrua-se sobre dilemas epistemolgicos abertos pela ao na tomada (afinal, quem sustenta a cmera?) e sua articulao em formatos mais ou menos narrativos. Outracontribuioforte,nopanoramatrazidopelolivro, consiste em lanar a questo do audiovisual comunitrio no polo gravitacional da educao. Tal movimento flexibiliza a questo eproduzresultadosinteressantes.Ocinema,porexemplo, bem trabalhado em sua especificidade, seja no campo histri-co das propostas do cinema educativo na primeira metade do sculo XX, seja na interessante viso do cinema-arte no ensino, comomatriapedaggicaparaestratgiascomunitrias.Mas 15Prefcioas abordagens vo alm e centram-se no papel do audiovisual enquantoprocessocomunicativocompropostaspedaggicas diversas, envolvendo o prprio estatuto do conhecimento e da transmisso do saber. O universo da comunicao tambm aparece no horizonte. Busca-se pensar a insero de uma prtica audiovisual a partir do conceitual que o campo da teoria da comunicao nos oferece. A diversidade entre reflexes de corte mais terico e relatos con-cretos da prtica comunitria audiovisual estimulante. Permite a afirmao definitiva do continente aberto pela produo disse-minada de imagens. O que antes era privilgio de poucos cada vez mais torna-se ao corriqueira de muitos. A universalizao de dispositivos imagtico-sonoros e o barateamento dos custos para sua manipulao esto na origem desse processo. As reflexes contidas neste livro so resultado de um novo patamar na produo imagtica que cabe descobrir. Se podemos falar sem susto de uma cano popular no Brasil, era muito teme-roso, at hoje, falar de um cineasta popular, nos referindo sua origem social. A razo principal nos parece simples: relaciona-se aos altos custos envolvidos na produo audiovisual. Dentro do meio social e dos contatos institucionais dominados por um cineastadeorigempopular,extremamentedifcilcapitalizar os recursos envolvidos, por exemplo, numa produo cinema-togrfica. O que acoletneaAudiovisualcomunitrio:histria, processos e produtos testemunha a ascenso de uma camada da populao brasileira produo audiovisual. O mapeamento que deixa transparecer traz um horizonte amplo de questes. No s por apontar para necessidade de um novo quadro conceitual, mas tambm para testemunhar uma situao de fato. Os textos que seguem apontam para um contexto de ecloso, lidando com as diversas facetas que ela pode tomar.17APRESENTAOO projeto deste livro nasceu de nossa atuao profissional junto a uma organizao no-governamental de Belo Horizonte, chamada Associao Imagem Comunitria (AIC). H 18 anos, a AIC realiza projetos junto a variados pblicos com o intuito de promover o acesso pblico comunicao. Pautando-se por princpios participativos e democrticos, a instituio tem como uma de suas marcas a dedicao sistematizao das iniciativas que realiza e investigao de metodologias, prticas e processos no campo do Audiovisual Comunitrio. A preocupao em compreender um tipo de prtica social que assumiu formas variadas ao longo das ltimas dcadas e que mobiliza centenas de realizadores em todo o territrio nacional nasceu justamente dessa insero e do anseio por promover pro-cessos mais efetivos de acesso pblico comunicao. Processos essesquetmumadimensoessencialmentedemocrticae cuja riqueza poltica reside nos formatos de relaes sociais que instauram e nas produes que colocam em circulao.Este livro composto por uma coletnea de textos que busca refletir sobre tais processos. Sua proposta foi submetida a editais ColeoComunicaoeMobilizaoSocial18do fundo municipal de incentivo cultura de Belo Horizonte e da lei estadual de incentivo cultura de Minas Gerais, recebendo apoio para sua concretizao. Em seguida, a ideia foi abraada pelo projeto VIVO LAB, que est centralmente preocupado com a compreenso das relaes entre os recentes desenvolvimentos das tecnologias da comunicao e da informao e as prticas so-ciais e artsticas da sociedade contempornea. Esses apoios foram essenciais para que o projeto do livro pudesse ser executado do modo como desejvamos. Eles permitiram que os artigos fossem amplamente debatidos,demodoa garantir quesetornassem acessveis e didticos. Esperamos que os textos reunidos neste volume sejam capazes de dialogar com as prticas que interpre-tam.Deseja-sequeelesnoapenasdigamdamovimentao socialqueembasaaproduoaudiovisualcomunitria,mas dela participem. Assim, mais do que leituras distanciadas sobre umobjetocomum,ostextossearticulampeloengajamento dos autores com o universo do audiovisual comunitrio e pela percepo de pontos que precisam ser criticamente debatidos no sentido de fortalecer esse mesmo universo. O livro est divido em cinco eixos, que no buscam esgotar o complexo conjunto de dimenses que atravessam o fenmeno sob reflexo. Esses eixos no se configuram como partes isoladas, at porque os textos tm certa autonomia e atravessam diversos deles. No se trata, portanto de captulos estruturados em uma sequncia linear. A organizao proposta visa apenas a salientar alguma das dimenses centrais dos artigos em questo.Oprimeiroeixoenfocaaspectosmaisgeraisdoaudio-visual comunitrio, apresentando a relevncia desse tipo de comunicaoeabordandoalgunsdeseusdesdobramentos histricos. O primeiro texto, de autoria de Ricardo Mendon-a, explora duas razes conceituais que ajudam a justificar o audiovisual comunitrio: o fortalecimento da democracia e o fomento autorrealizao. O segundo texto, de Luiz Fernando Santoro, analisa algumas transformaes vivenciadas pelo mo-vimento do vdeo popular desde os anos 1980, discutindo temas que vo das formas de distribuio das produes s polticas 19Apresentaopblicas voltadas para essa rea, preocupando-se, sempre, com as dimenses estticas e polticas dessa prtica. O terceiro artigo, escrito por Sivaldo P. da Silva e Brulio Ribeiro, aborda o recente debate sobre a digitalizao dos media, discutindo novos desafios e novas possibilidades comunicao comunitria. Os textos que compem o segundo eixo buscam analisar pontosmaisespecficosdeproduesedosprocessosqueas possibilitam. Eles exploram aspectos estticos, polticos e sociais queperpassamofazerdacomunicaocomunitria.Clarisse Alvarengainvestigaastransformaescontemporneasdo vdeomilitanteeanalisaduasproduesparamostrarquea riqueza das mesmas est na ruptura com o tradicional discurso da autoridade localista. O artigo de Rose Hikiji tambm chama aatenoparaodeslocamentodosenunciadoresaolongo desuasrealizaes. Adotandoumenfoqueantropolgico,ela dialoga com as falas de vrios realizadores e discute o teor da imagem do cinema de quebrada, a questo da alteridade e o ci-nema etnogrfico. Pedro Aspahan aborda o estatuto do sonoro noaudiovisual,questionandonoapenasopredomnioda imagem em muitas produes, mas tambm o uso do som de um modo que desconsidera sua dimenso plstica, encarando-o apenas como fonte de significado. Fecha a seo, o artigo de Paulo Emlio Andrade, que se volta para uma contribuio pouco explorada do audiovisual comunitrio: a circulao pela cidade e a consequente ressignificao do espao pblico geradas pela realizao de vdeos comunitrios. No terceiro eixo, entram em foco as relaes entre audiovisual eeducao. Taisrelaessofundamentaispararealizadorese pesquisadores que se preocupam com o audiovisual comunitrio por duas razes. Em primeiro lugar, porque o processo comunit-rio de produo frequentemente pensado como uma forma de educao no formal, convocando questes e problemas tpicos do campo da educao. A preocupao com o formato da relao entre educador e educando; a questo da produo coletiva de conhecimento;eaestruturaodemetodologiasmaisaptasa fomentarodesenvolvimentodaautonomiasoapenasalguns ColeoComunicaoeMobilizaoSocial20exemplos de temticas muito debatidas por pessoas envolvidas com o audiovisual comunitrio. Em segundo lugar, nota-se que humgrandeinteresseporpensarousodastecnologiasda comunicao e da informao, de um modo geral, em processos educacionais, sendo que a produo e a discusso de obras de audiovisual comunitria despontam como prticas interessantes. Ostextosqueintegramesseeixosedebruamsobrealgumas dessas questes, explorando, conceitual e historicamente, facetas da relao entre audiovisual e educao.Nessesentido,ElianyMachadobuscadefinirEducomu-nicao,abordandoomodocomoasideiasdePauloFreire, MarioKapln,MartinBubereEmmanuelLvinasoferecem contribuiesinteressantes.OartigodeRafaelaLimaexplora diferentes modos de apropriao das tecnologias da comunica-o e da informao no contexto escolar, defendendo a riqueza das prticas de produo participativa. Adriana Fresquet analisa as ideias de Alain Bergala acerca do uso do cinema na escola, afirmando como este pode criar uma dinmica inovadora que transforma e reinventa profundamente o espao escolar. Por fim, o artigo de Joo Alegria explora, historicamente, o uso educativo dacinematografia,realizandoumareflexomaisamplasobre algumas prticas educacionais contemporneas.O quarto eixo do livro rene dois artigos que centram es-foros em uma questo bastante negligenciada, qual seja, a da gesto de produes colaborativas. Na medida em que aumenta onmerodeproduesaudiovisuaiscomunitriasequeas organizaesvoltadassuapromooseprofissionalizam,a estruturao interna desses atores coletivos ganha destaque, bem como as relaes que eles estabelecem com outras instituies, sobretudo com aqueles responsveis pelo financiamento e pela divulgaodealgumasprodues.Assim,oartigodeAndr Sena discute, empiricamente, como as funes bsicas da ad-ministrao (planejamento, organizao, direo e controle) so percebidas e operacionalizadas por profissionais que atuam em Organizaes No-Governamentais da rea de comunicao e educao. Valter Fil, por sua vez, aborda a difcil relao entre 21Apresentaorealizadores de audiovisual comunitrio e uma emissora televi-siva que tem apostado em produes colaborativas, refletindo sobre o significado e o formato dessa colaborao.Por fim, no quinto eixo, enfocam-se algumas experincias especficas de realizadores do campo do audiovisual comunitrio. Esses textos buscam abrir espao para que alguns realizadores comentem sua atuao e para que iniciativas interessantes imple-mentadas por coletivos de diferentes naturezas se faam visveis. Oprimeiroartigodaseo,organizadoporJulianaLeonel, composto por cinco textos que renem depoimentos, reflexes, reivindicaesesugestesderealizadoresdeBeloHorizonte (Clebin dos Santos e Giovnia Monique) e de So Paulo (An-dr Pereira, Daniel FagundeS, Diego Soares, Fernando Soares, Vanice Deise e Wilq Vicente). O segundo texto apresenta uma entrevista,conduzidaporAnaCarvalho,com VincentCarelli, diretor e idealizador de uma clebre iniciativa de produo au-diovisual junto a diversos povos indgenas. O terceiro texto expe um levantamento de algumas boas prticas implementadas por realizadores de audiovisual comunitrio em contextos diversos e para resolver problemas variados. Sistematizadas por Juliana Leonel e por Moira Cirello, tais iniciativas se apresentam no no sentido de oferecer um guia de solues prontas para remediar qualquerdificuldade,mascomoformadereconheceroxito, localizado e especfico, de algumas prticas. Prticas essas que podem trazer insights interessantes, desde que isso no signifi-que uma aplicao direta e descontextualizada.Esse , em sntese, o esprito do livro. Os vrios autores que o compem, com suas diferentes histrias e enraizamentos, pro-curam ler facetas diversas do fenmeno aqui em foco de modo a trazer insights, reflexes e sistematizaes para a compreenso eparaaprticadoaudiovisualcomunitrio.Esperamos,pois, que o livro participe do macro-processo de mobilizao sobre o qual se prope a discorrer. Os organizadoresParte1DOAUDIOVISUALCOMUNITRIO25CAPTULOIAlgunsargumentosemproldoaudiovisualcomunitrioRicardo Fabrino MendonaFoi em 2003 que me aproximei do mundo do audiovisual comunitrio. Eu acabara de concluir minha graduao em jor-nalismo e procurava emprego, quando recebi um convite para trabalhar em uma ONG de Belo Horizonte a Associao Ima-gem Comunitria (AIC). Antes disso, eu assistira a umas poucas palestras sobre rdios comunitrias, mas nada que me desper-tasse o interesse por esse tipo de movimentao da sociedade civil. Para dizer a verdade, eu nutria certa desconfiana em relao quelaformademilitnciaqueinsistiaeminstrumentalizara comunicao e demonizar a mdia massiva. Odia-a-diadaproduocomunitriadaAIClevou-me, contudo, a repensar certos entendimentos. Mantive a preguia emrelaoaabordagensinstrumentaisemaniquestas,mas percebi que a comunicao comunitria no precisava ter esse foco.Elanotinhaqueseconstruircomoumcontrapoder oposto aos meios comerciais em defesa de sujeitos em situao de risco social. As relaes sociais so bem mais complexas do que as delineadas pelo modelo da dicotomia de classes. Nesse sentido,aenunciaocomunicativanopodeserestringirao embate de perspectivas.26ColeoComunicaoeMobilizaoSocialO audiovisual comunitrio descortinou-se para mim como uma prtica cultural potente, que permitia alterar sentidos enrai-zados nas tramas simblicas que regem nossas aes cotidianas. Tratava-sedeumaformadeexperinciaquepropunhanovas formas de interlocuo, assumindo uma postura ativa na tessitura coletiva da realidade social. O audiovisual comunitrio criava um novojeitodealimentarosfluxoscomunicativospormeiodos quais uma sociedade se narra, reflete sobre si mesma e se rein-venta. Fluxos estes que tambm dependem da mdia comercial, da conversa no ponto de nibus, de uma discusso em sala de aula, do bate-papo no trabalho, da fofoca com o vizinho e da reunio no Congresso Nacional. Cada uma dessas instncias comunicativas atravessada pelas outras, bricolando fragmentos e encorpando a conversao da sociedade consigo mesma, para usar a expresso de Jos Luiz Braga (2001).Tendoemvistaessavisomaiscomplexadeumsistema comunicativo que emerge da costura entre diferentes mbitos de interao, gostaria de tecer alguns argumentos que ajudam a justificar a importncia da produo audiovisual comunitria, a qual vem crescendo e ganhando complexidade h mais de trs dcadas. Entre as vrias justificativas empregadas para defen-der essas produes, procuro apresentar duas razes principais que, embora imbricadas, podem ser analiticamente separadas: o fortalecimento da democracia e o fomento autorrealizao. Passemos a elas.FortalecimentodademocraciaPara que se defina o papel do audiovisual comunitrio no fortalecimento da democracia preciso, antes de tudo, explicar o que se entende por democracia. Isso porque vrias abordagens democrticas levantam conjuntos de questes, demandas e ex-pectativas diferentes. Entre a democracia dos gregos e as formas democrticas modernas, h diferenas profundas (FINLEY, 1988). Mesmo entre os regimes contemporneos, notam-se vertentes participacionistas, elitistas, pluralistas e discursivas, sendo que 27Algunsargumentosemproldoaudiovisualcomunitriocada uma delas tem suas prprias divises internas (HELD, 1984; MIGUEL, 2000; HABERMAS, 1995).Grossomodo,todasascorrentespartilhamoidealgrego original de um governo do povo. O que muda o modo de imple-mentao dessa modalidade de governana e a prpria definio do povo a quem cabe a soberania. A compreenso de democracia que guia o presente artigo est embasada na vertente discursiva, que pressupe que todos aqueles afetados por uma deciso de-vem ter a possibilidade de se expressar a seu respeito. Mais do que uma agregao de preferncias expressas por meio do voto, a democracia demanda a comunicao entre os sujeitos, para que eles resolvam cooperativamente as questes que dizem respeito coletividade. A democracia se edifica processualmente, quando os atores sociais buscam solues para problemas cotidianos e alteram o curso e as regras da comunidade poltica.Todavia,essadefesadacomunicaoedatrocadedis-cursos no significa que a democracia requer uma espcie de assembleia em que cada sujeito possa se expressar diante de um imenso auditrio. A escala das sociedades contemporneas eacomplexidadedosproblemasqueelasenfrentaminvia-bilizariamessaideia.Ochoquepblicodediscursosdeque depende a democracia tem lugar na esfera pblica, que surge como uma instncia simblica em que diferentes perspectivas so apresentadas (DRYZEK, 2000; HABERMAS, 1997). Essa instncia comunicativa se conforma na articulao entre diferentes es-paos de comunicao, que podem ser tecnicamente mediados oucopresenciais.Oimportante,nessesentido,nooque cadaatordefendeindividualmente,masoprocessocoletivo de reflexividade gerado por um choque de discursos que so simultaneamente acessveis e inteligveis a todos. com essa definio em mente que procuro evidenciar a importncia do audiovisual comunitrio para o fortalecimento da democracia. Ater-me-ei aqui a trs aspectos, sem, no entan-to,proporesgotaraseventuaiscontribuiesdessaformade produo ao aprofundamento dos processos democrticos. So eles: (1) a pluralizao da esfera pblica; (2) a garantia do direito ColeoComunicaoeMobilizaoSocial28 comunicao; e (3) a atuao como mecanismo adicional do sistema de resposta social.PluralizaodaesferapblicaTornou-selugar-comumdizerqueacomunicaocomu-nitria ajuda pluralizar a esfera pblica. No h quem discorde de tal afirmativa, que era uma das bandeiras do movimento do vdeo popular desde o seu surgimento. Entretanto, importante qualificar a discusso para que se perceba claramente o signifi-cado dessa pluralizao e as implicaes dela.O primeiro ponto a ser esclarecido diz respeito ao objeto da pluralizao. Afinal, o que deve ser mais plural? Ainda que algumasdasdefiniesmaisenraizadasdanoodeesfera pblica estejam assentadas no conceito de opinio (HABERMAS, 1984), h uma crescente literatura que enfatiza a ideia de pers-pectiva(YOUNG,2000;BOHMAN,2009;PORTO,2009).Iris Young (2000)aprimeiraafazeressadistinoexplicandoquea perspectivaumaespciedejeitodeencararomundo,que algumas pessoas partilham por estarem similarmente situadas nasestruturassociais.Indivduoscomopinieseinteresses radicalmente opostos podem ter uma forma comum de inter-pretarocorrnciasdomundoexatamenteporquejviveram situaesparecidas.Para Young(2000),seriaprecisogarantir a expresso de uma multiplicidade de perspectivas para que a esfera pblica se faa plural.Em linha semelhante, mas adotando um conceito distinto, John Dryzek frisa a necessidade de uma pluralidade de discursos. Estes so definidos como modos partilhados de dotar o mundo desentido,encarnadosnalinguagememarcadosporpressu-posies, julgamentos e disposies (DRYZEK, 2005, p. 223). Uma esfera pblica vvida e criativa constituda por uma constelao de discursos, que se chocam e se transformam.Oaudiovisualcomunitrioimportanteparaquepers-pectivas e discursos sistematicamente invisibilizados se faam notveispublicamente. Apluralizaoqueelesencetamno se restringe apresentao de diferentes opinies nem poderia 29Algunsargumentosemproldoaudiovisualcomunitrioserreduzidapositivaodaquiloqueagrandemdiain-siste em associar a esteretipos negativos. Trata-se de uma pluralizao mais estrutural, que afeta a trama intersubjetiva de sentidos, no apenas pelas temticas que so abordadas, mas tambm pelo modo como tais temticas so encarnadas na linguagem audiovisual.A ideia advogada aqui que essa prtica comunitria pode alterar as representaes coletivas que aliceram a construo so-cial da realidade. A noo de representao coletiva foi proposta por Durkheim em suavalorizao do simbolismo coletivo como princpio fundante da realidade social(PINHEIRO FILHO, 2004, p. 139). O socilogo francs defende que a sociedade nos fornece categoriasdeentendimento:noesdetempoeespao,de gnero, de nmeros, de causa, de substncia, de personalidade etc.Elascorrespondemspropriedadesuniversaisdascoisas. Socomoquadrosqueencerramopensamento (DURKHEIM, 1996,p.XVI).Essascategoriassoconceitospartilhados,que, para Durkheim (1995), impem-se aos sujeitos. AdefiniodeDurkheimpadece,noentanto,dealguns problemas. Como sugere Minayo (2003), ela no est suficien-temente atenta ao pluralismo fundamental da realidade social, alm de restringir drasticamente o papel criativo dos indivduos, ao definir as representaes coletivas como entidades coerciti-vas e externas aos sujeitos. nesse sentido que alguns autores buscam repensar a noo de modo a frisar a dinamicidade das representaes, suas tenses internas e o papel dos sujeitos na transformao delas. EsseocasodotrabalhodeSergeMoscovici,quevai menos no sentido da determinao ou seja, da estruturao pelasociedadedosfenmenosdarepresentaodoqueno sentido da construo da realidade que se opera atravs desses fenmenos e dos quais os sujeitos sociais so tambm autores(HERZLICH, 2005, p. 58, grifo do autor). Moscovici (1978) procura destacar a potncia da produo simblica na instituio do real. exatamente por isso que ele caracteriza as representaes como sociais em vez de coletivas:ColeoComunicaoeMobilizaoSocial30...aopreferirotermo social ao coletivo deDurkheim [...]buscouexploraravariaoediversidadedasidias coletivas nas sociedades modernas, enfatizando a idia de produo, de criao coletiva de idias, ligando o fenmeno das representaes a processos implicados com diferenas na sociedade (FRANA, 2004, p. 14).Adotando um enfoque construcionista, Moscovici (1978, p. 48) defende que as representaes sociais so plurais e dinmi-cas, na medida em que os sujeitos podem produzir combinaes surpreendentes a partir do reservatrio de imagens. A construo das representaes ocorre em um processo permanente de atua-lizao atravs de interaes cotidianas, prticas sociais, condutas individuais, teorias cientficas, narrativas miditicas, instituies. Como lembra Moscovici, as representaescirculam, cruzam-se e se cristalizam incessantemente atravs de uma fala, um gesto, um encontro, em nosso universo cotidiano(1978, p. 41). Taisatualizaesconfiguram-se,pois,comoprocessos comunicativosemquesentidospartilhadosso,tcitaouex-plicitamente,reafirmadose/outransformados.Comoassinala SandraJovchelovitch(1998,p.71),ancoradanolegadodo psiclogoromeno,asrepresentaessociais seproduzeme crescem na comunicao intersubjetiva, e ao mesmo tempo so, elas prprias, um dos elementos que possibilitam a comunicao intersubjetiva. Apreendemos o mundo com base nos quadros interpretativos partilhados ao mesmo tempo que materializamos esses quadros por meio de prticas sociais em que nos relacio-namos com os outros. Essa viso mais complexa da noo de representao apare-ce tambm no conceito de frames (GOFFMAN, 1986) e nos escritos de Stuart Hall (1997) sobre as representaes sociais, para citar duas perspectivas muito usadas no campo da comunicao. Em ambos os casos, a comunicao emerge como forma expressiva quealimentaociclorecursivopormeiodoqualsociedadee indivduos constroem-se mtua e permanentemente.A partir dessas discusses, fica mais fcil perceber o modo comooaudiovisualcomunitriocontribuiparaapluralizao 31Algunsargumentosemproldoaudiovisualcomunitriodaesferapblica.Essetipodeproduocrianovaspossibili-dadesexpressivasparaqueperspectivasediscursoscirculem pelasociedade. Aofaz-lo,essaformadecomunicaoaltera oconjuntoderepresentaespublicamenteacessveis,oque afetanosimplesmenteasopiniesdesujeitos,masaforma como interpretam o mundo e agem sobre ele. Ao tornar a trama pblica de comunicao mais densa e diferenciada, o audiovisual comunitrio contribui, assim, para que a prpria esfera pblica se faa possvel e para que suas promessas democrticas se realizem.Vale lembrar, aqui, a definio arendtiana de espao pblico, paraquesepercebaessepapeldoaudiovisualcomunitrio. Hannah Arendt (2005) aponta que, se o espao pblico necessita da visibilidade, ele no se restringe a ela. O espao pblico se constri na tessitura coletiva de um mundo comum, que trans-cende os sujeitos sem prescindir deles. Remontando aos gregos, Arendt percebe que essa construo intersubjetiva possibilita aos homens edificar algo mais durvel que suas vidas efmeras. Se eles no possuem a imortalidade dos deuses, o mundo partilhado queatualizampermanentementeemsuasaeslinguageiras garante-lhes certa transcendncia. Na viso de Arendt (2005), esse mundo comum atua simul-taneamente articulando e separando os sujeitos. Ela explica esse aspecto atravs de uma metfora em que o compara a uma mesa. A mesa liga as pessoas sentadas em torno dela, ao mesmo tempo em que se interpe a elas. De modo semelhante, se o mundo comum serve de substrato partilhado a conectar os sujeitos, ele tambm atua como instncia mediadora que distingue as pes-soas. O mundo comum no um mar de mesmice, mas uma trama heterognea que se conforma mediante o confronto de uma pluralidade de olhares. Analisando o trabalho de Arendt, Vera Telles explica essa questo: a pluralidade dos pontos de vistaqueconferecertezaaoqueexiste,semqueessacerteza se desdobre numa identidade que anularia as diferenas sob o signo de uma nica opinio(TELLES, 1999, p. 43).A pluralidade , portanto, definidora do espao pblico, j que permite o surgimento do mundo comum. Para Arendt (2005), ColeoComunicaoeMobilizaoSocial32essa pluralidade o elemento essencial da condio humana e da prpria construo coletiva da realidade. Sem ela no se pode distinguir o legtimo do ilegtimo, o justo do injusto, o certo do errado (TELLES, 1999, p. 46). Tal pluralidade se revela em nossa capacidade de agir, de criar e de estabelecer o novo, sempre em relao aos outros. A ao evidencia que no somos simplesmente moldadosporrepresentaesquenossoexternas,masque participamos da construo coletiva desse imaginrio.Nesse sentido, o audiovisual comunitrio viabiliza que uma pluralidade de representaes sociais se faa evidente, alm de estimular a transformao dinmica delas. Esse tipo de produo se conforma como possibilidade de alterar o mundo comum e permite a reinveno das tramas intersubjetivas que aliceram a realidade. Nota-se, pois, que seu potencial democrtico no est em uma suposta oposio mdia comercial nem simplesmente na positivao daqueles que so negativamente estereotipados. Apluralizaodaesferapblicadeveserconcebidademodo menos instrumental, para que se compreenda a real dimenso da produo comunitria. Mais do que gerar um contrapoder com seus respectivos contra-argumentos, ela pode afetar a estrutura da trama semntica que alicera a sociedade. O primeiro aspecto do potencial democrtico do audiovisual comunitrio passa, portanto, pelo fomento a uma reflexividade social ampliada,1 que se complexifica quando novos discursos e perspectivassefazemincludos.medidaqueaconstelao de discursos se torna mais densa e variada, a esfera pblica se fortalece, e as solues coletivas precisam se tornar publicamente justificveis e epistemicamente mais elaboradas. Com isso, faz-se mais provvel a construo de solues polticas e de valores mais respeitosos e mais aptos a evitar erros (BOHMAN, 2007).1A ideia de reflexividade social ampliada remete a processos em que grupos sociais colocam padres de interpretao e conduta em suspenso, para que sejam analisadas e talvez alteradas. Trata-se de um parar e pensar coletivo, que capaz de deslocar fragmentos das redes tcitas de significao (DEWEY, 1954; MEAD, 1934, SCHTZ; LUCKMANN, 1973).33AlgunsargumentosemproldoaudiovisualcomunitrioGarantiadodireitocomunicaoO segundo aspecto que indica o potencial do audiovisual comunitrio no fortalecimento da democracia est articulado pluralizao da esfera pblica, ainda que no seja sinnimo dela. Trata-se da garantia do direito comunicao. Frequentemente propagado por realizadores e estudiosos da comunicao comu-nitria, esse direito envolve tanto a questo do acesso infor-mao qualificada sobre questes de interesse pblico quanto a do acesso possibilidade de expresso pblica. Odireitocomunicaoextremamenterelevanteparaa democracia, sobretudo quando se adota uma abordagem discur-siva. Isso porque ele no apenas uma evidncia da cidadania, mas a sua prpria condio possibilitadora. Seguindo Vera Telles (1999, p. 15), entende-se quedireitos e cidadania significam um modo de nomear (e imaginar) as formas pelas quais as relaes sociais podem ser reguladas e construdas regras civilizadas de sociabilidade. Em estreito dilogo com Hannah Arendt, Telles apontaqueacidadaniaessencialparaqueoutrosmundos possveis e melhores sejam elaborados. Para que isso ocorra, a cida-dania no pode ser entendida como um pacote de benefcios. Ela uma construo processual que se efetiva ao longo de sua prpria busca. Ter direitos significa, portanto, no dizer de Hannah Arendt, pertencer a uma comunidade poltica na qual as aes e opinies de cada um encontram lugar na conduo dos negcios humanos(TELLES, 1999, p. 59-60). Trata-se, em sntese, do direito a ter direitos.Opapeldoaudiovisualcomunitriotorna-se,ento,evi-dente. Tendo em vista a importncia das interaes midiatizadas para a conformao do espao pblico (GOMES, 1999), esse tipo de produo aparece como forma de ultrapassar os constrangi-mentos espaciais e discursivos impostos pela mdia convencional, instaurando possibilidades efetivas para que um nmero maior de pessoas se expresse publicamente (DOWNING, 2002; THOMPSON, 1998;CURRAN,2000;BLUMLER,GUREVITCH,2001).Oaudiovisual comunitrio cria condies para que algumas pessoas, que no teriamoutrosmodosparasefazeremouvidas,ocupemacena ColeoComunicaoeMobilizaoSocial34pblica e enunciem suas perspectivas. Alm disso, garante que a populao tenha acesso a informaes, opinies e perspectivas que, de outra maneira, no teriam, como exploramos na seo anterior.Seriapossvellevantararessalvadequeoaudiovisual comunitrio tem uma visibilidade muito restrita. Essa ressalva incorre, contudo, em trs equvocos. O primeiro julgar a neces-sidade de uma visibilidade global para que a voz dos cidados se faa ouvida. preciso lembrar aqui a ideia de sistema comuni-cativo formado pela articulao de diversas arenas de interao que se atravessam. A enunciao propiciada pelo audiovisual comunitriopodeatravessaroutrasesferasdemaneirasque no podem ser previstas nem controladas.Osegundoequvococonsistenasupervalorizaodo produto,emdetrimentodoprocesso.Lugar-comumentreos defensores do audiovisual comunitrio, a centralidade do pro-cessoaindapoucopensadaquandoseenfocaaquestodo direito comunicao. A importncia de se colocar, de formular argumentos e de expor posicionamentos na elaborao de um produtoaudiovisualpodeterimplicaesnaformacomoos sujeitos agem em outras arenas do referido sistema comunica-tivo. Ao lidar com o domnio do simblico e ver-se confrontado ou corroborado por outras pessoas, o indivduo provocado a perceber que o engajamento na esfera pblica possvel.Por fim, o terceiro equvoco da ressalva pressupor que a visi-bilidade do audiovisual comunitrio sempre pequena. Para alm das televises de rua e das exibies em centros comunitrios, que tambm so importantes, preciso destacar a existncia de uma ampla gama de experincias que vm ocupando espaos de grande visibilidade. Trate-se das produes veiculadas no Youtube ou daque-las que se inserem nas grades de programao de televises pblicas, comunitrias e comerciais, h, hoje, um conjunto de realizaes do audiovisual comunitrio que se faz bastante visvel.22Vale citar aqui a experincia norte-americana da Deepy Dish TV que implantou em 1986 uma rede nacional de acesso pblico, veiculando produes por canais de mais de 400 cidades ao longo de dez semanas (ENGELMAN, 1990).35AlgunsargumentosemproldoaudiovisualcomunitrioAssim,oaudiovisualcomunitriopromoveodireito comunicao na medida em que complexifica a infraestrutura comunicativa do espao pblico. Ele cria novas possibilidades deinterlocuo,assegurandoaliberdadedeexpresso,que pressupostapelademocracia.Oacessopblicoaosmeiosde comunicao um elemento muito importante para que os cida-dos tenham o direito a ter direitos na sociedade contempornea. interessante lembrar que esse argumento estava na base da luta por acesso pblico comunicao em seus primrdios naAmricadoNorte.Jnosanos1960,oprofessorJerome Barron defendia o direito liberdade de expresso em mdias de acesso pblico (ENGELMAN, 1990). O Alternate Media Center, fundadoem1971emNova YorkporGeorgeStoney,tambm advogava a bandeira do direito comunicao. Associando-se indstria do cabo e a movimentos sociais diversos, o referido centro se apresentava como defensor da cidadania, justamente por assegurar que um direito to negligenciado viesse a se tornar realizvel. Direito esse que ajuda a estruturar a prpria demo-cracia, uma vez que ela entendida como a construo coletiva do interesse pblico.MecanismodosistemaderespostasocialO terceiro aspecto que gostaria de discutir sobre a contri-buio do audiovisual comunitrio para o fortalecimento da de-mocracia diz respeito sua atuao como mecanismo do sistema de resposta social. De forma muito sinttica, isso significa que as mdias comunitrias podem atuar como instncia reflexiva do sistema miditico, ajudando a examin-lo, critic-lo e repens-lo. A ideia do sistema de resposta socialfoi desenvolvida por Jos Luiz Braga, no livro A sociedade enfrenta sua mdia. Nessa obra, Braga (2006) aponta que preciso pensar a comunicao miditica para alm da produo e da recepo:Propomos, assim, desenvolver a constatao de um terceiro sistema de processos miditicos, na sociedade, que completa a processualidade de midiatizao social geral, fazendo-a efetivamentefuncionarcomocomunicao.Esseterceiro ColeoComunicaoeMobilizaoSocial36sistemacorrespondeaatividadesderespostaprodutivae direcionadora da sociedade em interao com os produtos miditicos (BRAGA, 2006, p. 22, grifos do autor).Navisodoautor,essesubsistemaapresentacirculao diferida e difusa, consolidando-se em vrias instncias por meio das quais a sociedade responde a seus meios de comunicao. Essas respostas seriam fundamentais para a prpria produo miditica, que se repensa permanentemente para se ajustar aos quadros de sentido e aos valores da sociedade. Assim, importa perceberqueosistemaderespostasocialnoserestringea fazer oposio aos veculos comerciais. H muitas modalidades de interao entre a sociedade e a mdia: crtica, retorno, mili-tncia social, controle da mdia, sistematizao de informaes, processos educacionais e formativos, processos de aprendizagem empblico.Essasmodalidadessemanifestamemprodues acadmicas,cartasdeleitores,frunsdedebates,crticasde cinema, blogs, ombudsmen, conversas informais e aes judiciais, para citar alguns exemplos.Osdispositivosdosistemaderespostasocialfomentam um fluxo comunicativo acerca dos fenmenos miditicos, ten-sionando-os continuamente. Esse debate social sobre a mdia fundamental para a democracia, sobretudo se se adota uma perspectiva discursiva, centrada na noo de esfera pblica:...umapremissaqueconsideramosessencialparaopre-senteestudoquequalquerhiptesede esferapblica miditica (isto,umdebatesocialprodutivoeaberto sobre questes de relevncia para a sociedade atravs de processos miditicos) tem que ser precedida pela efetiva existnciadedebatesocialprodutivoeabertosobreos processos miditicos (BRAGA, 2006, p. 54).Isso se deve tanto s contribuies que o sistema de resposta social oferece ao subsistema de produo miditica quanto ao papel que desempenha junto aos receptores, fornecendo-lhes padres e critrios para a escolha e a interpretao dos produtos. Braga explica que se trata no de ensinar o usurio a se defender 37Algunsargumentosemproldoaudiovisualcomunitrioda mdia, mas deestimular uma cultura de opes pessoais e de grupos que qualifique os usurios a fazerem sua prpria crtica, por sua conta e risco(BRAGA, 2006, p. 63).Meuargumentoqueoaudiovisualcomunitriouma peamuitorelevantedessesistemaderespostasocialpor basicamente duas razes. A primeira delas que as prticas e processos que levam a essa forma de produo esto calcadas em um amplo movimento social que se prope a refletir sobre os meios de comunicao comerciais e a produzir algo diferente, sem que isso implique a constituio de um contrapoder. Esse amplo movimento se consolida atravs de uma srie de fruns e debates em que vrios coletivos e associaes se pem a pensar sobre os rumos da produo miditica e sobre a possibilidade de utilizao das tecnologias da informao e da comunicao em outros contextos. A Conferncia Nacional de Comunicao, realizadaemdezembrode2009,umbomexemplodesses espaos de discusso fomentados em grande medida por atores envolvidos com a produo comunitria.A segunda razo da relevncia do audiovisual comunitrio para o sistema de resposta social reside na prpria produo des-ses realizadores. A democratizao dos meios de comunicao um tema frequentemente abordado por eles, e vrias produes analisamestratgias,contedoseformatosdamdiaconven-cional. Curiosamente, o audiovisual comunitrio se apropria da tendnciacontemporneadaautorrefernciamiditica,para criticar a mdia e propor alternativas a ela. Alm desse metadis-curso audiovisual, os realizadores comunitrios contribuem para a conversao social sobre a mdia, quando conseguem propor inovaes (estticas, de contedo, de abordagem) que desnatu-ralizam o modus operandi miditico. Ao inovar, eles evidenciam que o uso das tecnologias poderia ser diferente, bem como seus objetivos e seus impactos sociais. A pluralizao estrutural que podem proporcionar contribui tambm para a complexificao do sistema de resposta social. preciso salientar, novamente, que perceber a produo au-diovisual comunitria como mecanismo do sistema de resposta ColeoComunicaoeMobilizaoSocial38social no implica perceb-la como oposta ao sistema da mdia. Ao contrrio, significa entend-la como parte do fluxo comunica-cional mais amplo que alicera a sociedade e as prticas sociais. Exatamente por isso, a contribuio do audiovisual comunitrio para a democracia no se esgota nas suas produes. O cerne dessa contribuio passa justamente pela interface que esse tipo de produo tem com outras esferas da sociedade. Portanto, assim como nas duas sees precedentes, defendo que o audiovisual comunitrio tem um papel infraestruturante, que essencial para a prpria existncia da esfera pblica e para o adensamento da constelao de discursos que a compem. Se o modelo discursivo de democracia tem por ncleo um choque de discursos no coercitivos que promovem a reflexividade social (DRYZEK,2000),ofortalecimentodasinfraestruturascomuni-cativasqueopossibilitamabsolutamentefundamental.E justamente isso que, de vrias maneiras, o audiovisual comunitrio acaba por fazer. FomentoautorrealizaoSe o fortalecimento da democracia uma das justificativas dofomentoproduoaudiovisualcomunitria,gostariade sugerir uma segunda razo que aponta para a relevncia dessa modalidade comunicativa. Trata-se do fomento autorrealizao, uma condio fundamental para a promoo da justia.A construo de uma teoria da justia alicerada na noo de autorrealizao vem sendo defendida pelos tericos do re-conhecimento, sobretudo por Charles Taylor (1994; 1997) e Axel Honneth (2003a; 2003b). Esses autores argumentam que a socie-dade justa aquela que permite que os indivduos se realizem, no apenas naquilo que partilham com os demais sujeitos, mas tambm naquilo que os faz nicos e idiossincrticos. Para tanto, os sujeitos precisam ser reconhecidos nos processos relacionais, pblicos e privados, em que se engajam.Essa concepo de reconhecimento no implica que as pes-soas devam buscar a promoo e a valorizao de uma essncia 39Algunsargumentosemproldoaudiovisualcomunitrioidentitria previamente estabelecida. A autorrealizao no pode serconfundidacomautodeterminao,comosecadapessoa devesseserapoiadanaconsecuoisoladadeseusdesejos, independentementedasoutraspessoas.3Aautorrealizao uma construo relacional, assentada em gramticas morais que se sustentam intersubjetivamente (HONNETH, 2003a).Para Axel Honneth (2003a), nas sociedades ocidentais con-temporneas, h basicamente trs esferas fundamentais para a autorrealizao:oamor,osdireitoseaestimasocial.Oamor permitequeossujeitossevejamreconhecidoscomopessoas simultaneamentecarenteseautnomas,dependentesdeou-tros sujeitos, que tambm dependem delas. O amor alicera a capacidade dos sujeitos de confiar em si mesmos e no mundo emqueseinserem.Osdireitos,porsuavez,permitem-lhes quesenotemcomopessoasquepartilhamauniversalidade dohumano.Elesgarantemumaigualdadegeneralizada,que sustenta o autorrespeito, na medida em que o sujeito percebe que tambm digno de respeito como todos os outros. Por fim, aestimasocialpermitequeosindivduossejamvalorizados exatamente por aquilo que no partilham com os demais. Ela permite a construo da autoestima.Portanto,aautorrealizaorequergramticasinterativas que permitam aos sujeitos a vivncia do amor, dos direitos e da estima. Tais gramticas no garantem que todos sejam amados, respeitados e estimados a priori, mas buscam evitar que algumas pessoas se encontrem impossibilitadas de s-lo. nesse sentido quecotidianamentevriosatoressociaislutamparaeliminar barreiras institucionais ou culturais que cerceiam, sistematica-mente, a possibilidade do amor, dos direitos e da estima social. Lutar contra uma lei discriminatria ou contra prticas so-ciais tidas como desrespeitosas uma das maneiras pelas quais taisatorespropemnovasgramticasparaoregimentodas interaessociais. Tendoemvistaareciprocidadeconstitutiva 3Para uma resposta aos crticos do reconhecimento que confundem autorrealizao e autodeterminao, como Nancy Fraser e Patchen Markell, ver MENDONA (2009).ColeoComunicaoeMobilizaoSocial40doreconhecimento,essasgramticasdevemreconheceros outros como pessoas, cidados e sujeitos. Exatamente por isso, autorrealizao e autodeterminao se distinguem (MENDONA, 2009). Autorrealizar-se no significa viver como bem se deseja, mas buscar seus desejos e o desenvolvimento de suas potencia-lidades em uma sociedade que no impede a nenhum de seus membros que faa o mesmo.Masoqueessadiscussosobrereconhecimentoeau-torrealizaotemavercomoaudiovisualcomunitrio?Meu argumentoqueoaudiovisualcomunitriofazpartedessas lutas por reconhecimento, por meio das quais sujeitos buscam gramticas normativas que fomentem a autorrealizao. Tendo em vista essa ideia geral, gostaria de desenvolver dois aspectos a ela relacionados: (1) o audiovisual comunitrio como possi-bilidade de expresso de novos padres de reconhecimento; e (2) a transformao da identidade ao longo da prpria luta por reconhecimento.AexpressodenovospadresdereconhecimentoO primeiro ponto a ser desenvolvido, e o mais bvio deles, argumentaqueoaudiovisualcomunitrioseconfiguracomo umamodalidadeexpressivaquepermiteodeslocamentode gramticas interativas. Diversos grupos, coletivos e indivduos engajadosnomovimentodecomunicaocomunitriaesto lutando por reconhecimento. Seja porque buscam mostrar que a favela no se resume violncia e criminalidade, seja porque desejam tematizar a questo dos direitos de lsbicas e gays, seja porque abordam o descaso do poder pblico em relao a certas populaes, seja porque evidenciam as incivilidades da vida co-tidiana, muitos realizadores tentam propor outros padres rela-cionais que garantam a todos a possibilidade de autorrealizao.Cabe destacar que frequentemente esses padres alternati-vos no envolvem uma completa mudana da sociedade. Muitas vezes, atores lutando por reconhecimento mostram sociedade queasexpectativasnormativasqueelapressupevlidasso 41Algunsargumentosemproldoaudiovisualcomunitriosistematicamentedesrespeitadas.Busca-sedescortinarcomo padresdecondutaesperadoseapoiadossorotineiramente ignorados. Mostra-se, por exemplo, que, se a igualdade da con-dio humana plenamente aceita, o exerccio dessa igualdade encontra-sefrequentementeinviabilizado.Namesmalinha, argumenta-sequealgunssujeitossodesvalorizadosapriori, independentemente das contribuies que possam vir a ofere-cer sociedade. Demonstra-se que a inviolabilidade do corpo, essencial autoconfiana, desafiada por episdios de tortura, violncia familiar e agresso policial, para citar alguns exemplos. Assinale-se ainda que o audiovisual comunitrio se engaja nessas lutas por reconhecimento no simplesmente pelas tem-ticas que apresenta. As prprias inovaes estticas, encetadas poressaproduonocomercial,viabilizamaproposiode novos padres de interao. A possibilidade de surpreender os outrosatoressociais,defalar-lhesdemaneirasinusitadas,de assust-los com uma linguagem pouco usual e interpel-los com narrativasdistintasinduzreflexividade. Ainovaoesttica, justamente por sua capacidade desestabilizante, irrompe como algo que move os sujeitos da acomodao de seus padres in-terpretativos, instaurando a possibilidade de refletir sobre eles. Para alm do contedo e dos argumentos, portanto, a luta por reconhecimento se expressa, aqui, nas vrias possibilidades de deslocamento das gramticas interacionais.Emsuma,meuargumentoqueproduesaudiovisuais comunitrias permitem que muitos sujeitos se expressem pu-blicamente para participar da permanente construo relacional dos padres interativos de uma sociedade. Trata-se claramente de outra face das j mencionadas pluralizao da esfera pblica egarantiadodireitocomunicao. Aquestoperceberque, paraalmdofortalecimentodademocracia,essasquestes tmimportnciaparaapromoodajustiaeparaaprpria possibilidadedaautorrealizao.Paraalmdaconstruode uma sociedade democrtica, o audiovisual comunitrio perpassa processos de configurao identitria atravessando a conforma-o de sujeitos e as lutas polticas que os aliceram.ColeoComunicaoeMobilizaoSocial42AtransformaodaidentidadeaolongodaprprialutaporreconhecimentoAconclusodaseoanteriorjintroduzosegundoas-pecto a ser ressaltado. Ao criar novas interlocues e interaes sociais,oaudiovisualcomunitrioengendraumadinmica socialquefomentaatransformaodasidentidades. Aolutar por reconhecimento, atravs da expresso comunitria, grupos eindivduosnosimplesmenteexpressamseusdesejos,mas so transformados pela prpria interlocuo que fazem avanar. Paraexplicarmelhoresseaspecto,cabedestacaraspon-deraes de Patchen Markell (2003) que, embora definindo-se como crtico teoria do reconhecimento, prope uma perspec-tiva inteiramente compatvel com ela. Markell (2003) recorre s tragdias gregas para argumentar que, nelas, a identidade dos personagens no anterior s aes, mas se constri a partir dos desdobramentos das prprias aes. Markell analisa a Antgona, deSfocles,paramostrarqueaidentidadedosprotagonistas (Antgona e Creonte) no est previamente estabelecida, visto que suas aes e suas condutas geram conflitos com as iden-tidades que eles anunciam (MARKELL, 2003, p. 74). Na trilha de AristteleseArendt,Markelldefendequeaaoprecedea identidade, e no o contrrio. A ao projeta os seres humanos em um mundo de cau-salidade,iniciandosequnciasdeeventosque,umavez iniciados,continuamsemnecessariamenterespeitaras intenesdosagentes.Essefatodacausalidadedaao humana obviamente desafia nossa capacidade de controlar as consequncias de nossas aes, na medida em que nos impede de situar uma fronteira natural e incontroversa entre nossasaeseoseventosquesucedemdelas(MARKELL, 2003, p. 78, traduo nossa).Justamente em virtude da imprevisibilidade desencadeada por uma ao, os prprios sujeitos se veem alterados ao longo de suas aes. O argumento de Markell, portanto, que no se pode pensar as lutas identitrias como conflitos pela afirmao 43Algunsargumentosemproldoaudiovisualcomunitriode uma essncia, j que as prprias identidades se transformam no decorrer da luta. Na mesma direo, James Tully (2000) tambm defende que as lutas por reconhecimento atravessam os sujeitos, alterando sua prpria compreenso do self e seus anseios. A interlocuo, como construo relacional, no simplesmente expressa as demandas de sujeitos reivindicantes, mas participa da reconfigurao dessas demandas. O espao intersubjetivo atualizado na interlocuo retroage sobre os sujeitos e permeia a prpria construo enun-ciativa, como j anunciava Bakhtin (1992). Exatamente por isso, o audiovisual comunitrio no deve ser entendido simplesmente como uma forma para que certos sujeitos (geralmente definidos como em situao de risco social) apresentem suas opinies. Essa enunciao comunitria tambm transforma os realizadores. Ela parte de um processo contnuo em que sujeitos, demandas, padres interpretativos e gramticas morais so intersubjetivamente constitudos.RoseHikiji(2010),emartigoapresentadonestevolume, demonstraexatamenteesseponto.Elaargumentaqueo ci-nema de quebradafomenta autodeslocamentos, mais do que autorrepresentaes,namedidaemqueosenunciadoresse transformamnocontatocomosoutros.Nessaperspectiva,o audiovisual comunitrio no visto como instrumento para a autodeterminao.Eleemergecomoespaocomunicativoque permiteaedificaodegramticassociaiscompatveiscoma autorrealizao. Ele mais um fio no interior do tecido em que indivduos e sociedade se constroem continuamente. Fio este cuja riqueza reside na possibilidade de pluralizar as interaes sociais.Consideraes naisNesteartigo,procureidiscutirdoiseixosdejustificativa para a produo audiovisual comunitria: o fortalecimento da democracia e o fomento autorrealizao. Para abordar o pri-meiro, explorei como essa forma de produo comunicativa pode contribuir para a pluralizao da esfera pblica, para a garantia ColeoComunicaoeMobilizaoSocial44do direito comunicao e para o aprimoramento do sistema de resposta social. No que concerne ao segundo eixo, explorei o modo como o audiovisual comunitrio permite a enunciao de novos padres interativos e fomenta transformaes identitrias ao longo das lutas por reconhecimento.Meu intuito foi evidenciar que essa produo no deve ser vista como instrumento de autoapresentao que permite que os pobres se oponham ao domnio da mdia comercial. A comuni-cao comunitria precisa ser pensada de forma mais complexa: como um elemento da grande infraestrutura comunicativa que alicera as prticas socioculturais. preciso pens-la por um en-foque mais abrangente, que veja como atravessada por outras esferas comunicativas, incluindo os meios de comunicao con-vencionais, com suas gramticas e modalidades expressivas. Do mesmo modo, preciso entender que essa forma de comunicao no se encerra em si mesma ou nas comunidades a que muitas vezessedestinamasrealizaes.Elassoimportantesparao prprio funcionamento da democracia e para o desdobramento das lutas voltadas garantia das condies de autorrealizao. Contraponho-me,portanto,quelesquejulgamquea funo da comunicao comunitria o fortalecimento do sen-timento de comunidade de vrios grupos (culturais, geogrficos, polticos,religiosos).Naperspectivaaquiadvogada,ariqueza da comunicao comunitria surge exatamente da ultrapassa-gemdosectarismo,namedidaemqueseestabelecemnovas possibilidades para uma interlocuo social generalizada. Se a comunicao comunitria deve fortalecer uma comunidade, esta no pode ser entendida como um conjunto de guetos isolados, mas deve se aproximar daquilo que Dewey (1954) chamava de grande comunidade, que atravessa a sociedade como um todo.Foi a percepo gradual dessa potencialidade do audiovisual comunitrio que me mostrou a riqueza desse universo quando, em 2003, aproximei-me dele. De l pra c, conheci grupos, co-letivos e ONGs dedicados a esta causa. A produo comunitria temcrescidoeocupadoimportantesespaos.Diversificam-se os fruns de realizadores e as arenas de debates de produes. O 45Algunsargumentosemproldoaudiovisualcomunitrioimportante, agora, fomentar o atravessamento dessas instncias e das prprias produes por outras arenas comunicativas, incre-mentando o dilogo do audiovisual comunitrio com a sociedade.RefernciasARENDT, Hannah. A condio humana. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005.BAKHTIN,Mikahil .Marxismoefilosofiadalinguagem.6.ed.SoPaulo: Hucitec, 1992. 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A crena na revoluo social por meio da comunicao ou na educao popular atravs do uso do vdeo deu lugar, nos ltimos anos, a uma crescente e presente utilizao desse instrumento como meio de expresso de realizadores pertencentes a diferentes grupos sociais. Esses grupos tiveram distintas formaes, em geral desvinculadas das organizaes e movimentos que, havia 30 anos, davam razo e sustentao existncia da produo em vdeo. O movimento de vdeo ganhou fora no Brasil e na Amrica Latina na dcada de 1980, a partir das necessidades de grupos sociais ausentes dos meios de comunicao. Com o vdeo, tais grupostiveramaumentadasaspossibilidadesderegistrare difundiraes,lutaseideias.Encontros,festivais,seminrios eoficinaspararealizadoresforamespaosfrteisparaadifu-sodessaspossibilidades,paraatrocadeexperinciasepara ColeoComunicaoeMobilizaoSocial50aarticulaodeaescomuns.Surgiram,assim,consistentes movimentos de produtores de vdeo de interesse social no Bra-sil e na Amrica Latina, a exemplo do que j acontecia com os produtores e os gestores de TVs de Acesso Pblico e TVs Locais nos Estados Unidos e no Canad.Na segunda metade da dcada de 1980, os festivais de ci-nema e vdeo do Rio de Janeiro, de Salvador e de So Paulo; o Festival del Nuevo Cine Latinoamericano, em Havana; os encon-trosdevdeoemSantiago,Montevideo,LimaeCochabamba atraram o interesse concreto de vrias ONGs do exterior, com a inteno de promover o vdeo como mais um instrumento para a democratizao da Amrica Latina. Geraram tambm um n-mero considervel de material escrito, que teve ampla divulgao na poca, levando os novos realizadores que atuavam nessa rea a se integrar ao movimento. Tais realizadores tiveram posterior-mente muita influncia na definio de polticas pblicas para o setor audiovisual em diversos pases latino-americanos, como Brasil, Argentina, Chile e Peru.Na rea acadmica, ainda na dcada de 1980 e na primeira metade dos anos 1990, o vdeo foi tema de dezenas de pesquisas de mestrado e doutorado, at deixar de ser o centro de interesse comachegadadainternetumtemanovoquedespertoua curiosidade dos pesquisadores e militantes. A Escola de Comu-nicaes e Artes da USP, a Universidade Metodista de So Paulo, a PUC-SP e o Mestrado em Multimeios da Unicamp produziram teses e dissertaes sobre as mais importantes experincias re-alizadas no Brasil e no exterior, como pode ser constatado nos sites dessas instituies e no banco de teses da Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior do Ministrio da Educao (CAPES).1Os parmetros para a definio do chamado vdeo popular, como consideramos no captulo inicial do livroAimagemnas mos (1989), ganharam novos contornos. Na poca, a Associa-oBrasileirade VdeoPopular(ABVP),quereuniagrupose 1 .51Vdeoemovimentossociais25anosdepoisrealizadores que produziam vdeo e atuavam junto a movimentos sociais, abrigava uma intensa discusso sobre o conceito de vdeo popular,consideradopelamaioriadosativistascomoovdeo produzidopelosprpriosgruposeentidadespopulares,em geral com equipamentos e equipes prprias. Ficava em segundo plano a ento chamada produo independente, com os vdeos sobre temas de interesse social produzidos por realizadores ou gruposdeproduo.Essesprodutorestrabalhavamdeforma independente ou eram contratados para trabalhos especficos por organizaes sociais como sindicatos, associaes civis, partidos polticos, entre outros. Em nosso livro, procuramos superar essa dicotomia, consi-derando, de forma ampla, vdeo popular como qualquer produo de interesse dos movimentos sociais. Na definio, incluem-se as produes de integrantes dos movimentos sociais, as que so realizadas por profissionais em conjunto com os integrantes de movimentospopulareseaquelaselaboradasporprofissionais sob a orientao de lideranas populares. Aceitavam-se, assim, asdiferentesformasdeproduodapoca,desdeainsero dosrealizadoresdentrodosmovimentospopulares,atas produes realizadas a partir de um olhar externo sobre aes e manifestaes populares, feitas por videastas independentes oucontratados.Naverdade,taldefinioprocuravaacompa-nhar a realidade, que era multifacetada em funo das diversas modalidades de atuao. Mesmo nos grupos de vdeo em que osprpriosintegrantesdosmovimentossociaisparticipavam daproduo,comonaTVdosTrabalhadoresdoSindicatodos Metalrgicos, de So Bernardo do Campo, havia uma integrao naconcepoenarealizaodosvdeoscomprofissionaise intelectuais contratados.OinteresserecentepelovdeopopularA partir da segunda metade da dcada de 2000, chama a ateno o novo e revitalizado interesse pela produo de vdeo, sobretudo do vdeo popular, ou de interesse social, em funo de alguns indicadores:ColeoComunicaoeMobilizaoSocial52 lroloiluras, govornos oslaouais o NCs lon roalizaoo cur-soseoficinasdeproduoemcentrosculturaiseescolas, trazendonovosrealizadores,sobretudo,gruposdereas perifricas em grandes cidades, para o universo audiovisu-al. Esses grupos reavivaram a produo de vdeo junto aos movimentos sociais, tratando de temas do cotidiano regional e local, ainda ausentes nas grandes redes de TV. Os espaos de exibio so, contudo, bem limitados, pois se resumem frequentementeamostrasfechadaseinternet,pouco acessveis ao pblico-alvo.oialogopossivolconopooorpublicooaspolilicasoo incentivoproduoaudiovisual,maisevidentesapartir das aes do Ministrio da Cultura no governo do presidente Lula e de alguns governos estaduais e municipais, sobretudo, nos ltimos dez anos. lslabolocinonlo oo novos ospaos oo oxibiao para a pro-duo independente, principalmente nas emissoras de TV a cabo, que acabam por gerar uma interessante oxigenao da programao. Incluem-se aqui as emissoras do setor pblico, comoascomunitrias,educativas,universitrias,locaise legislativas. J se pode observar uma crescente diversidade de programao e uma produo cada vez mais segmentada. A ovoluao na qualidade e a reduo nos preos dos equipa-mentos de produo de vdeo. Importa destacar ainda que a convergncia tecnolgica aproxima a internet e a telefonia mvel da produo audiovisual. Buscam-se novos contedos sobretudo para pblicos jovens, de todas as classes sociais, que dialogam com agilidade e sem preconceitos com essas mdiasdigitais.Oprprioconceitodequalidadetcnica das gravaes vem sendo revisto pela clara preferncia por uma boa histria ou narrativa. O pblico jovem aceita sem problemas gravaes domsticas feitas com telefones mveis oumquinasfotogrficas.Aproduoaudiovisualinde-pendente, direcionada para pblicos especficos, encaixa-se perfeitamentenessemodelo,queabrenovasperspectivas para o vdeo de interesse social.53Vdeoemovimentossociais25anosdepoisEsses aspectos trazem novos desafios e oportunidades para os realizadores, pois superam alguns dos grandes problemas do movimento de vdeo iniciado no Brasil nos anos 1980.cuslodeproduoedosequipamentos.Napoca, osequipamentosbsicosdegravaoeediotinham oformato VHSouSuper VHS,quepossuamevidentes limitestcnicos,maseramosnicosacessveis:uma cmera custava cerca de 1.500 dlares, dez vezes menos do que equipamentos profissionais (nos antigos formatos U-Matice,posteriormente,Betacam). Almdacmera, o maior limitador da produo estava nas caractersticas da ilha de edio, que era on-line, feita em corte seco; isto , sem recursos de tratamento ou mixagem de imagem, tinha apenas um simples controlador das duas mquinas play e record. A ps-produo ou uma simples fuso de imagens exigia mais equipamentos e maior sofisticao em sua operao, que escapava da realidade e do conhe-cimento tcnico dos grupos produtores. Recursos como o gerador de efeitos videotoaster, de baixo custo, trouxeram ao final dos anos 1980 um pouco mais de criatividade e acabamento nas produes.2 A oolicionlo lornaao locnica o oo roporlorio oos proou-tores. Aindaqueocontedoeaabordagemdostemas fossem interessantes, a precria formao tcnica, opera-cional e de repertrio dos realizadores era evidente. Em geral, os grupos eram hbridos, com integrantes oriundos de escolas de comunicao, ou com formao em cinema e TV,misturadoscomativistasvindosdosmovimentos sociais e das lutas populares, que tinham intensa vivncia dos problemas retratados nos vdeos, mas pouca referncia 2 Esse problema foi atenuado quando a ABVP recebeu recursos para implantar ilhas de edio com melhor qualidade (semiprofissionais) em vrias capitais brasileiras, com o objetivo de ced-las aos produtores populares e, assim, colaborar com a melhoria da qualidade de finalizao dos programas. Vrios desses centros de ps-produo foram as sementes de canais comunitrios locais.ColeoComunicaoeMobilizaoSocial54com relao ao universo audiovisual. Os programas dei-xavam em segundo plano ou at negligenciavam aspectos estticos, ou de interveno dos realizadores no contedo dos depoimentos e das entrevistas. A edio, a supresso de trechos ou remontagem de partes dos discursos de lide-ranas e especialistas eram pouco comuns. Em realidade, a maior parte dos integrantes desses grupos no assistia aprogramasdetelevisooufilmesdeformametdica nemestudavaahistriaealinguagemdoaudiovisual. O repertrio bsico era, portanto, o prprio universo das produesemvdeodeoutrosrealizadorespopulares, discusses em grupo e relatos de experincias, sistemati-zadas em reunies, encontros e mostras organizadas por associaes, como a ABVP.Roouzioosospaosoooxibiao.Nosanos1980,a 1Va cabo estava comeando no Brasil, e as experincias cana-denses, norte-americanas e francesas eram as referncias tericas disponveis. A TV comunitria era uma promessa em processo de discusso, e uma das principais formas de difuso dos vdeos produzidos pelos grupos populares era a multiplicao de cassetes VHS, que eram distribudos para entidades e pessoas que se propunham a exibir tais produes em escolas, associaes, igrejas, comunidades etc.3Aausnciadepolticasparaadifusoaogrande pblico pressionou os realizadores a estabelecer circuitos alternativos, mas limitados, restringindo a divulgao e o impacto de suas produes na opinio pblica. 3Nesse sentido, a ABVP e a Cinema Distribuio Independente (CDI) identificaram o problema e, com o apoio inicial da Unesco e de ONGs internacionais, como a italiana Crocevia, estabeleceram um projeto consistente de emprstimo e aluguel de vdeos e filmes, dentro da lgica dos videoclubes e das videolocadoras comerciais, que durou mais de uma dcada. Por meio desse projeto, muitos dos programas de vdeos chamados de alternativos ficaram bastante conhecidos por pblicos especficos, sendo utilizados como instrumentos de debate e de educao. Os principais clientes eram professores, animadores culturais e ativistas polticos e sociais, que exibiam esses vdeos para grupos organizados, valorizando os temas e as abordagens diferenciadas ausentes na grande mdia. Em geral, tais pessoas tinham o objetivo de conscientizar, educar e formar opinio. 55Vdeoemovimentossociais25anosdepoisComdificuldadesdeordemeconmica,delinguageme deveiculao,asprodueserambastantesimples. Tinham forte vis jornalstico, e a narrativa era estabelecida sem que os processos de refazer, recriar e corrigir integrassem a edio e a ps-produo. Algumas correes banais exigiam refazer todo o trabalho ou mais uma cpia do material editado, o que reduzia a qualidade final do produto. Nesse sentido, observa-se que a retomada do audiovisual popular nos anos 2000 foi impulsio-nada pela superao de alguns dos problemas que marcaram a gerao de 1980.Paraalmdoaprimoramentotcnico:adiscussopolticaSe os anos 2000 assistem a um significativo aprimoramento tcnico das produes populares, muitos dos velhos problemas permanecem em discusso, como qualidade e financiamento dos vdeos, o papel dos comunicadores nas lutas sociais e populares, as coprodues e coalizes, as articulaes sociais e a participao na definio de polticas pblicas. Os avanos tecnolgicos determi-naram mudanas interessantes na atuao dos grupos populares e geraram projetos criativos basicamente centrados na internet. Tal avano fomenta um otimismo tcnico, em que uma nova tec-nologia promete mais educao e democracia na comunicao. Noentanto,umconceitocentralnodeveseresquecido nesses projetos, que em geral contam com participantes empol-gados com o domnio de uma tecnologia: a ideia de que a luta por uma sociedade mais democrtica, pela transformao social ou pela educao popular no se faz pela hipervalorizao da tecnologia, como se acreditava na opo revolucionria do vdeo ou do rdio. No se faz uma sociedade melhor sem articulao com as reais lutas sociais. As experincias mais consistentes de rdioslivres,tantonaEuropaquantonaAmricaLatina,se-guiram essa lgica de articulao com movimentos sociais que davam a elas o sentido de existir. No eram apenas projetos de comunicao radiofnica.ColeoComunicaoeMobilizaoSocial56McChesney (2000) deixa claro que h uma iluso em consi-derar a questo da democracia como uma questo tecnolgica. Nobastateracessosinformaes:fundamentalquehaja aes em comum e presses para a definio de polticas p-blicas. Saber mais no significa que haver mudanas; preciso agir. Para McChesney, a democracia se faz com igualdade social ou diminuio das desigualdades. Uma comunicao mais de-mocrtica no garante isso e pode at ser parte do problema. Os milhes de sites hoje existentes podem trazer a diversificao nas fontes de informao, mas podem tambm acentuar as ten-dncias antidemocrticas da concentrao de mdias e reforar a supremacia dos grandes grupos econmicos e polticos.Aslutasdacomunicaodevemestarcombinadascom bandeiras como reformas polticas, direitos dos trabalhadores, direitoscivis,proteoambiental,sadeparatodos,reforma tributria,educao,entreoutras.Oimportantenoenten-dercomunicaocomoumareadeatuaoeconhecimento desvinculada de todos esses aspectos, mas como algo que pode ajudar a todas essas lutas. Os militantes do vdeo popular muitas vezes tiveram, e ainda tm, uma clara compreenso desse aspecto do problema, mas a preciso no tratamento da informao e a busca por narrativas e linguagem audiovisual diferenciadas e criativas quase sempre levaaconflitoscomlideranaseentidadesqueencomendam oufinanciamosvdeos.Oacertonodiscursopolticonem sempre atende liberdade necessria ao processo de criao e s preocupaes estticas. Equilibrar esses aspectos estticos e de contedo poltico sempre foi uma das principais dificuldades dos realizadores de vdeo popular.As cmeras custam cada vez menos, e a qualidade cada vez mais prxima das profissionais. Os processos de edio e ps-produo acessveis no deixam nada a desejar em relao s produes da grande mdia. A lgica de funcionamento dos softwares de edio no lineares permite que se refaa e se corrija o vdeo constantemente, fazendo com que certos procedimen-tos,antesutilizadosapenasnocinema,pudessempenetrar 57Vdeoemovimentossociais25anosdepoisno universo do vdeo. Assim, um programa de vdeo pode ser aperfeioado, sem perda de qualidade. Gravaes adicionais e complementares podem ser feitas. Novas informaes em lette-ring podem ser agregadas ao programa. Enfim, a criatividade dos realizadores pode ser exercida no intuito de buscar resultados cada vez melhores. As fundamentais correes de cor, de udio eatdeenquadramentopermitemabuscadaqualidadeem seus detalhes, alm de exigir mais formao tcnica e desafiar os limites da criao. Assim, a linguagem dos vdeos pode su-perar a narrativa simples do jornalismo, trabalhando e retraba-lhando, exausto, sequncias de imagens do programa. Essas possibilidades tcnicas colaboram para melhores solues no apenas estticas, mas tambm de interveno e tratamento dos contedos dos programas, o que acaba permitindo a confeco de vdeos, em geral, mais elaborados.A questo pensar, contudo, como deve ocorrer a formao de produtores de vdeo popular. Existe uma crena equivocada dequeumbomconhecimentodalinguagemaudiovisuala garantia de uma boa formao. A quase totalidade dos cursos que existem no mercado enfatiza o manuseio da cmera e da ilha de edio, por meio de um grande conhecimento dos recursos dos equipamentos e de informaes sobre a gramtica da ima-gem. H, todavia, uma falta de metodologias que fomentem a ampliao do conhecimento de outras referncias audiovisuais, ainda que o Youtube e as diferentes presenas de vdeo na in-ternet facilitem definitivamente essa tarefa. Em decorrncia do desconhecimento terico e da pouca leitura sobre a produo audiovisual,muitasvezes,osrealizadoresdeparam-secom problemas e dilemas considerados e estudados desde o incio do cinema militante, das rdios livres, das primeiras TVs comu-nitrias, em que se discutiram o papel dos comunicadores e se experimentaram elementos de linguagem e narrativas diversas. Aautossuficinciadeteremmosumacmeracomgrande qualidade e um software de edio com amplas possibilidades cria a sensao perigosa de que a sofisticao tecnolgica basta para uma produo interessante e com qualidade tcnica. ColeoComunicaoeMobilizaoSocial58NovosespaosdeexibioA consolidao das emissoras comunitrias e locais outro desafio fundamental para os produtores de vdeo. Em 2009, havia mais de uma centena dessas emissoras legalizadas em todo o Pas. Reunidas em associaes, como a Associao Brasileira de CanaisComunitrios(ABCCOM)eaAssociaodosCanais Comunitrios do Estado de So Paulo (ACCESP), tais emissoras no so apenas videocassetes pblicos, em que cada entidade leva o seu programa para ser exibido, mas participam intensamente, de forma associada, das discusses sobre polticas pblicas de seu interesse, como possibilidades de financiamento da produo eoperaoouamigraoparaondasabertas,possvelcoma TV Digital. Algumas emissoras, como a TV Aberta de So Paulo, transmitem semanalmente cerca de 170 programas produzidos por incontveis associaes de diferentes orientaes polticas e ideolgicas, numa lgica de tolerncia e coexistncia.As TVs comunitrias tm sido criticadas pelos desnveis na qualidade tcnica dos programas exibidos ou pela baixa audin-cia dos programas. Contudo, h que se entender sua existncia exatamente nessa limitao: a diversidade dos contedos e dos realizadores traz naturalmente a discrepncia de qualidade, que deve ser entendida como caracterstica dessas emissoras e no como deficincia. A busca da uniformidade da qualidade, como acontece nas TVs convencionais, dificulta a participao de novos produtores;eliminaapossibilidadedediversidade;impedea experimentao e a inovao, sempre em nome de um padro de qualidade. Para as emissoras locais e comunitrias, a sada a busca por polticas pblicas que facilitem o investimento em melhoresequipamentos,emcursosdeformaotcnicaede ampliao de repertrio audiovisual para os realizadores.Noqueconcerneaosbaixosndicesdeaudincia,uma indagao parece atravessar a histria do audiovisual popular: para que produzir se ningum v? Essa questo assombrou os produtorespopularesnosanos1980e1990,quandoexistiam apenas espaos de exibio junto a grupos de discusso. Chegar 59Vdeoemovimentossociais25anosdepoisa uma TV era a vitria mxima. A busca por audincia similar das grandes redes, com sua programao voltada ao grande pblico,semprefoiopontofracodasemissoraseducativas, pblicas,universitriasecomunitrias. Afinal,dequeadianta uma TV diferenciada, de qualidade, se ningum a v? Aqui, h um equvoco na definio de pblico e audincia. A questo no deve ser equacionada em termos de audincia absoluta, mas de audincia dentro de um limitado pblico-alvo. Em seu livro The Daily Planet, Patricia Aufderheid (2000, p. 115) tem uma frase interessante sobre a relao entre TVs p-blicas e TVs comunitrias e o confronto com as grandes redes: no queremos competir, mas incomodar, experimentar, mostrar diferentesvisesdemundo. Aideiapreencherosespaos deixadospelasredesde TV. Asredessociais,viainternet,tra-zem novas perspectivas de se atingir pblicos mais definidos. A palavra de ordem articulao de telespectadores dispersos e a energizao e a divulgao por meio dessas redes. Um trabalho de garimpagem fascinante e desafiador.Os novos e crescentes espaos na internet, nos ltimos anos, tm sido um dos principais meios para a divulgao da produo devdeodosmovimentossociais.Afinal,apartirdemeados dos anos 1990, toda a ateno da militncia migrou para a web, e os projetos de comunicao passaram a privilegiar a rede. No plano da difuso de ideias e informaes, o alcance da internet cada vez maior, e as polticas pblicas de sua universalizao por meio da banda larga gratuita trazem perspectivas otimistas. A chegada do vdeo internet, sintonizado com a amplia-o da banda larga, traz maior interesse e mais diversidade na navegao, fazendo da convergncia tecnolgica algo fascinante eimprevisvel.Contudo,anaturezadaproduoaudiovisual no se v inteiramente transformada: algum sempre ter que fotografar, escrever e filmar. Essa a nossa vocao, como pro-dutores de contedo audiovisual para a TV ou para a internet, na IPTV ou na tela dos telefones celulares. Os desafios abertos pelas novas tecnologias so muito interessantes, pois ampliam os parmetros de uma produo audiovisual, que no tem apenas ColeoComunicaoeMobilizaoSocial60que ter boa qualidade de contedo, de udio e de vdeo, mas uma articulao social mais ampla para que seja acessvel a, e visto por, um nmero grande de espectadores na TV, na internet ou no telefone mvel. O uso das redes sociais para a promoo e a formao de pblicos especficos comea a ganhar peso no incio da dcada de 2010 e deve ser o grande diferencial para que tais vdeos possam ter maior impacto na formao da opinio p-blica, de maneira complementar aos programas das redes de TV.A questo de fundo refletir sobre os modos pelos quais es-sas aes fragmentadas e pulverizadas na web podem fazer com que a produo de vdeo nos movimentos sociais tenha impacto na opinio pblica. Imaginar que esse impacto seja semelhante ao da grande mdia em geral no passa de uma miragem. Isso no quer dizer, contudo, que tal impacto inexista.Exemplos pontuais de sucesso podem servir de parmetro paraareflexo,poisalgunsdessesprogramastmimpactos surpreendentes na opinio pblica. o caso do videomaker MV Bill,quetevetrechosdeumdocumentriosobreviolnciae crianas (Falco, meninos do trfico) reproduzido pela TV Globo, no Jornal Nacional e no Fantstico. Nos dias que se seguiram veiculao das imagens, houve grande repercusso, at mesmo em debates do Congresso Nacional. Nos movimentos populares, existem centenas de vdeos que tratam de temas semelhantes e que, em alguns casos, poderiam causar efeitos semelhantes, se amplificados pelos meios de comunicao de massa. No entan-to, eles permanecem nas prateleiras, sem despertar o interesse dasgrandesemissoras,quepreferemtratarostemassobsua prpria tica. Seriafundamentalestabelecerpolticaspblicasqueper-mitam que essas produes possam chegar ao grande pblico. O dilema passa, por vezes, pelo desejo de interveno na grade deprogramaodasgrandesredes,sendosugeridaaobriga-toriedade de maiores porcentagens de produo nacional. Em nosso entender, isso colabora pouco para ampliar a visibilidade da produo independente. H sempre o risco de repetio do modelo norte-americano, em que grande parte da programao 61Vdeoemovimentossociais25anosdepois produzida fora das emissoras, mas privilegiam-se os produtores mais estruturados que propem projetos ou aceitam encomendas de acordo com o interesse das emissoras, e no com as neces-sidades e os interesses populares.Outra possibilidade para que se pense em uma programao com vises de mundo diferenciadas pode ser encontrada em ex-perincias significativas nos Estados Unidos. Emissoras de acesso pblico e projetos como o Deep Dish TV4 ou, mais recentemente, o Democracy Now!5, so exemplos interessantes. Esses projetos incluem estratgias de articulao, promoo e energizao dos programas, buscando no apenas formar pblicos especficos, mas tambm atingir parcelas maiores da populao.Um dos desafios mais interessantes e importantes para que a produo independente possa causar impacto na opinio pblica passa pelos conceitos de coalizo e de coproduo sobre temas de impacto, deixados de lado ou tratados de forma incompleta pela grande mdia. Diferentes vises sobre tais temas podem ser reunidas, editadas e distribudas nacionalmente, como fazem os projetos Deep DishTV e Democracy Now!, desde que articulados com as redes sociais via internet para a formao de pblicos-alvo especficos.AudiovisualpopularepolticaspblicasH possibilidade concreta de discutir de forma permanente polticaspblicasparaeducao,comunicaoecultura.Nos 4Ver . Criada h cerca de 25 anos, uma das mais significa-tivas experincias de coproduo e distribuio de vdeos via satlite para emissoras pblicas e comunitrias, uma coalizo que envolveu milhares de produtores de vdeo, organizaes, associaes e ativistas sociais, mostrando contedos copro-duzidos diferenciados dos da mdia corporativa.5Ver . Trata-se de um programa de notcias dirio, inde-pendente, em rede nacional, realizado por profissionais renomados, para emissoras de rdio e TV, com um tratamento e uma abordagem dos temas jornalsticos diferentes do que fazem as grandes redes. Democracy Now! o maior projeto de colaborao entre mdias pblicas dos Estados Unidos: envolve emissoras de rdio e TV, pblicas, locais, educativas e independentes, alm disso est presente na web (IPTV).ColeoComunicaoeMobilizaoSocial62anos 1980, festivais de cinema e vdeo, encontros de produtores e seminrios acadmicos eram espaos privilegiados para essa discusso.Oprojetodedistribuioda ABVPcomaCDI,em meadosdamesmadcada,aproveitouaexperinciaderea-lizadoresmaisligadosaocinema,quesemoviamcommais naturalidade no dilogo com setores pblicos na definio de polticas sobretudo de financiamento. Contudo, os realizadores de vdeo popular trouxeram um tom mais poltico discusso e inviabilizaram, muitas vezes, o dilogo com setores pblicos, porquedefendiamposiesopostasquelasadvogadaspor tais poderes.A crescente democratizao do Pas e as recentes mudanas nos critrios de financiamento de projetos culturais, incluindo amultiplicaodosPontosePontesdeCulturadoMinCea valorizao dos meios de comunicao locais e regionais pelo governo do presidente Lula, trazem novas