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Augusto de Campos - Entrevista GLOBO Julho 2015

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lanca-livro-inedito-fala-sobre-trajetoria-da-poesia-concreta-16807757

Aos 84 anos, Augusto de Campos lança livro

inédito e fala sobre trajetória da poesiaconcreta

Em "Outro", autor e tradutor mantém tradição política do

movimento com "desomenagem" ao golpe de 1964POR GUILHERME FREITAS 

18/07/2015 6:00

O poeta Augusto de Campos - Divulgação/Fernando Laszlo 

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RIO - Ficou na cabeça de Augusto de Campos uma frase que ouviude Décio Pignatari dias antes da morte do amigo, em dezembro de2012. Em seu último encontro, eles conversaram sobre aefervescência da poesia concreta e da arte brasileira nos anos 1950 e60. Para definir aquele momento de explosões criativas, debates,manifestos e dissidências, Décio cunhou uma expressão tão sintéticaquanto os mais provocantes poemas da época: “Movimentosmovimentam”

Reflexos do movimento concretista estão por todo lado em “Outro”(Editora Perspectiva), primeira reunião de inéditos de Augusto deCampos desde “Não”, publicado em 2003. A começar peladedicatória do autor aos companheiros de Noigandres, grupo que

impulsionou a poesia concreta com a revista homônima fundada em1952: seu irmão Haroldo de Campos (1929-2003), Décio Pignatari(1927-2012), José Lino Grünewald (1931-2000) e Ronaldo Azeredo(1937-2006).

 Aos 84 anos, Augusto mostra em “Outro” o interesse de sempre peladimensão “verbivocovisual” da escrita, conceito que os concretistas

 buscaram em James Joyce para definir a integração entre aspectos

 verbais, visuais e sonoros do poema. O novo livro do autor declássicos como “Viva vaia” e “Luxo” inclui obras como “Ter remoto”,com versos em letras espelhadas descrevendo o bater de asas de uma

 borboleta, ou “Humano”, formado a partir de um painel com os 64hexagramas do I Ching. Há ainda links para “clip-poemas” nainternet.

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Um dos renovadores da tradução no Brasil, Augusto reúneem “Outro” novas “intraduções”, poemas visuais criados apartir de fragmentos vertidos de autores estrangeiros. Entreeles, estão alguns a que se dedicou por toda a carreira, como

 Valéry e Mallarmé (uma frase deste último inspirou o poemaao lado). Da americana Marianne Moore, traduz os versos:“Poesia. Eu também a abomino. Lendo-a todavia com totaldesprezo a gente descobre afinal um lugar para o genuíno”.

 Augusto apresenta ainda recriações de trechos de autores delíngua portuguesa, como Fernando Pessoa e Raul Pompeia,que define como “outraduções”.

Em entrevista por e-mail, Augusto fala sobre o novo livro erelembra a trajetória da poesia concreta. A atuação políticado movimento é evocada em "Outro" com uma nova versãodo poema “Brazilian ‘football’”, publicado pela primeira vezem 1964 na imprensa britânica, que denunciava o regimemilitar com um jogo entre as palavras “goal” e “gaol”(cadeia). Augusto diz ter revisitado o poema agora como uma“desomenagem” ao golpe de 1964 e aos “golpistas de todos osmatizes do presente, chupins desmemoriados do poder”.

— Não sei se o que faço é ainda poesia concreta. Fiquei talvezmais “pop”. Mas sempre “verbivocovisual” — diz Augusto,para quem “quase toda a intelligentsia brasileira” resistiu eainda resiste ao projeto concretista. — Certa vez, escrevi que

a poesia-bumerangue-concreta, depois de exportada, iriarecair em cabeças duras. Está aí. Vão ter de engoli-la.“Movimentos movimentam”.

“Outro” é dedicado a seus companheiros deNoigandres: Haroldo de Campos, Décio Pignatari,José Lino Grünewald e Ronaldo Azeredo. Por que a

menção a eles? Como avalia a contribuição do grupopara a literatura brasileira? 

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Dediquei “Profilogramas“, livro comemorativo dos meus 80anos, aos artistas visuais com quem convivi. Deles, apenasJudith Lauand e Alexandre Wollner estão vivos. É naturalque nesta quadra da vida queira lembrar os poetas do meu

“inner circle“ que já se foram. Décio, abalado pelo mal de Alzheimer nos últimos dias, dizia, relembrando os tempos vibrantes das discussões literárias e artísticas dos anos 50 e60: “Movimentos movimentam.” Prefiro não fazer aavaliação da contribuição do nosso grupo para a literatura

 brasileira, tendo sido um participante dele. Direi apenas quequase toda a intelligentsia brasileira apostou contra ele. Em

parte, ainda é contra ele. Certa vez, diante do muro denegação com o qual nos defrontamos durante meio século aolado de minoritários aplausos, eu escrevi que a poesia-

 bumerangue-concreta, depois de exportada, iria recair emcabeças duras. Está aí. A outros cabe avaliá-la. Mas vão ter deengoli-la. “Movimentos movimentam.”

Em “Outro”, vemos a continuidade de seu interessepela dimensão “verbivocovisual“ da escrita. Nopoema “Ter remoto”, por exemplo, o sentido dos

 versos se desdobra na forma, com o uso de letrasespelhadas. Qual é o lugar desses novos poemas natrajetória de sua investigação sobre a poesiaconcreta? 

‘O golpe militar de 1964 desarrumou nossautopia construtivista. Tentamos fazer omais difícil: uma poesia engajada semconcessões às “palavras da tribo”’  

- AUGUSTO DE CAMPOSPoeta

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Não sei se o que faço é ainda poesia concreta. Certamentenão se enquadra na fase “ortodoxa” dos poemas minimalistas

 bauhausianos, que foi até o início dos anos 60, pautada peloprojeto (não decreto) do “Plano-piloto para a Poesia

Concreta”. O golpe militar de 1964 desarrumou nossa utopiaconstrutivista. Acrescentamos ao Plano um p.s. extraído deMaiakóvski, “sem forma revolucionária não há arterevolucionária”— e tentamos fazer o mais difícil: uma poesiaengajada sem concessões às “palavras da tribo”. Parti com

 Waldemar Cordeiro para a arte concreta semântica, os“popcretos” que expus em dezembro daquele ano na galeria

 Atrium, no centro de São Paulo. Os tipos “futura” deramlugar à tipografia errática dos jornais e revistas para uma“explosição de expoemas colhidos e escolhidos no aleatóriodos ready made”, no “caos antropofágico brasileiroredestruído pela manchetomania de um anarquiteto”.Terminada a mostra, quando fomos retirar os trabalhos,todos estavam danificados com insultos e palavrões. Numdos meus poemas escreveram a palavra “lixo”. Foi o toquepara o poema LUXO, que publiquei no ano seguinte com osfototipos “kitsch” que vi num anúncio de apartamentos “dealto luxo”, e que compus de modo a formar, como umpalavrão-poema gráfico, o reverso LIXO. Depois dos“popcretos” passei a organizar meus poemas com “letraset“ e,por último, com fontes digitais que exploram a iconicidade.Nessa área de pesquisa se situa o poema “Ter remoto”,

inspirado no “efeito borboleta” de Lorenz. Fiquei talvez mais“pop”. Mas sempre “verbivocovisual”.

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Nova versão do poema “Brazilian ‘football’”, de Augusto de Campos, publicado pelaprimeira vez em 1964 - Divulgação/Augusto de Campos

Em 2014, ano em que o Brasil recebia a Copa doMundo e relembrava cinco décadas do golpe militar,

 você fez uma nova versão do poema “Brazilian‘football’”, de 1964, que aproximava futebol editadura. Por que decidiu revisitar esse poema de1964 em 2014? Qual é a dimensão política da poesiaconcreta? 

‘Toda poesia já tem em si mesma umadimensão política. Em essência, o poetaestá em estado de greve.’  

- AUGUSTO DE CAMPOSPoeta

Toda poesia já tem em si mesma uma dimensão política. Emessência, o poeta está em estado de greve. Mas sofre também

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os impactos emocionais do seu contexto, e a poesia concretanão pôde ficar indiferente a eles. “Brazilian ‘football’” foipublicado em setembro de 1964 no “Times LiterarySupplement” de Londres em páginas que divulgavam a

poesia concreta brasileira. Com ele eu denunciava, em temporelativamente real, passando de GOAL a GAOL (“cadeia”), asprisões da ditadura: “1958 — Goal. Goal. Goal. 1962 — Goal.Goal. Goal. 1964 — Gaol. Gaol. Gaol“. A data 2014 se refereao novo layout com o qual relembro o poema. Ao revisitá-lo,pensei em uma “desomenagem” ao golpe de 1964. Hoje,dedico-o aos golpistas de todos os matizes do presente,

chupins desmemoriados do poder 

No prefácio, você lembra que, para produzir ospoemas coloridos de “Poetamenos” (1953), usavacarbonos de várias cores. Que possibilidades ocomputador e a internet abriram para a poesiaconcreta? 

Desde o início da década de 1990, quando adquiri o meuprimeiro computador doméstico, passei a produzirdiretamente nele. O computador abriu todas aspossibilidades que eu vislumbrava no prefácio a essespoemas: “Mas luminosos ou film-letras, quem os tivera!”.Hoje, com um simples processador de textos, realizo em

minutos o que eu levava horas para montar em minhamáquina de escrever. Ainda “jovem”, aos 60 anos, estudeisoftwares de desenho e de animação e pude, sem sair de casa,utilizar todos os recursos que queria. Cores, sons, ação. Aprincípio converti poemas escritos em versões animadas.Depois passei a pensá-los na linguagem digital. Como afirmono prefácio atual, “Outronão”, Walter Benjamin foi profético

quando previu, sob invocação do “Lance de dados“ deMallarmé, que no futuro o poeta ao abrir um livro veriadesabar sobre ele uma nuvem de letras-gafanhotos móveis e

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coloridas e teria que aprender a lidar com grafias ediagramas. Não quer dizer que toda poesia deva seguir essecaminho. Mas para mim é um caminho estimulante. Algunstextos de “Outro” são formas estáticas de poemas que

parecem pedir movimento. Outros têm versões animadas queme permitem explorar as virtualidades cinéticas e icônicas dapalavra. A internet é o veículo ideal para eles.

“Outro” reúne traduções de autores que sãoreferência corrente em sua obra, como Mallarmé e

 Apollinaire. Qual tem sido a importância da

tradução para sua poesia? E como avalia o estadoatual da tradução no Brasil? 

‘Minha relação com a poesia é muitointensa e contraditória. Para mim poesia éo que não é poesia.’  

- AUGUSTO DE CAMPOSPoeta

Pelo menos dois terços do meu trabalho de poeta consistemem traduções. Sempre postulei a tradução criativa em lugarda literal. Esta pode ser muito útil mas não pode recriar ooriginal. Acho que já se tem maior consciência disso. O maiorproblema das traduções de poesia em verso entre nós é quehoje poucos dominam a tecnologia do verso. Voam pés

quebrados. Mas não basta o domínio do verso. Tradução éperformance. Como a interpretação musical. Bach “madenew” por Glenn Gould. Beethoven “made new” por Boulez.Gershwin “made new” por Janis Joplin. Todo mundo gostade jogar futebol. Mas uns jogam melhor do que os outros.

Na apresentação, você cita Marianne Moore para

dizer que “não gosta de poesia”, embora “só leiapoesia” e “o que tenha a ver com poesia”. Uma

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pergunta talvez muito abrangente: o que vocêentende hoje por poesia? 

Só não gostam de poesia os poetas que sabem fazê-la, como

Marianne Moore. O poema a que me refiro e do qual douuma “intradução” tem duas versões, das quais ela preferiu amais breve, remetendo a versão estendida para as notas. Naminha “intradução”: “Poesia. Eu também a abomino. Lendo-a todavia com total desprezo a gente descobre afinal umlugar para o genuíno.” Minha relação com a poesia é muitointensa e contraditória, como imagino que seja a de

Marianne, que pratica uma antipoesia, extraindo poesia doscontextos menos poetizáveis. Não compartilho do júbilorecreativo com que tantos colegas meus gostam de exibirseus poemas. Creio com Bernardo Soares que “não há obrade artista que não pudesse ter sido mais perfeita. Lido versopor verso, o maior poema poucos versos tem que nãopudessem ser melhores, poucos episódios que não pudessemser mais perfeitos” etc. Prefiro a poesia dos que vejo menossujeitos à imperfeição. Leio-os, tento aprender com eles,trituro-os, traduzo-os, “intraduzo-os” e tento fazer outracoisa. No meu ouvido o eco do oco de Bernardo Soares, semi-heterônimo e também, como descobri, semianagrama deFernando Pessoa. A ele dedico uma “outradução” ou poemanão original, “remix” visual de si mesmo. Pessoares: “aérea ahora era uma ara onde orar”. Para mim poesia é o que não é

poesia.