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www.cers.com.br ANALISTA JUDICIÁRIO DE TRIBUNAIS Direito Civil Cristiano Sobral 1 PROFESSOR CRISTIANO SOBRAL www.professorcristianosobral.com.br @profCrisSobral FB: Professor Cristiano Sobral Livro: Direito Civil Sistematizado 5ª edição. Ed. Gen/Método. Apostila LINDB e Parte Geral para Tribunais Ponto 1. Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro (LINDB) 1.1 Noções Introdutórias Atenção! Uma importante informação preliminar . A antiga Lei de Introdução ao Código Civil (LICC) mudou de nome, especificamente no dia 30.12.10, através da Lei nº 12.376, passando a denominar-se de Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) . A mudança veio em boa hora, ao passo que consiste em norma jurídica autônoma, aplicável sobre todo o ordenamento jurídico, e não apenas ao Direito Civil. A LINDB cinge a sua análise na própria norma, dedicando-se ao tratamento da aplicação das leis no tempo e no espaço, sua compreensão e vigência. Nessa linha de pensamento, muitos denominam a LINDB de um código de normas, código sobre as normas, norma de sobredireitoou Lex legum. Atenção meu aluno! Esse ponto da lexlegum é de grande importância. Procure memorizar. A referida lei encontra assentamento legal no Decreto-Lei 4657/42, com 19 (dezenove) artigos, e nas Leis Complementares nº 95/98 e 107/2001. Serve, em verdade, para regular a elaboração e aplicação das normas de todo sistema legal. Estruturalmente a Lei de Introdução divide-se em: > Art. 1º e 2º Vigência das normas; > Art. 3º Obrigatoriedade geral e abstrata das normas; > Art. 4º Integração normativa; > Art. 5º- Interpretação das normas; > Art. 6º Aplicação da norma no tempo (Direito Intertemporal); > Art. 7º e seguintes Aplicação da lei no espaço (Direito Espacial); 1.2 Vigência normative A promulgação é o ato capaz de configurar a existência e validade às normas , consistindo em sua autenticação pelo ordenamento jurídico nacional (MOMENTO EM QUE A LEI NASCE FORMALMENTE). Assim, afirmar que uma norma é válida significa identificá-la como compatível com o ordenamento jurídico nacional. Por outro viés, declará-la como inválida é o mesmo que considerá-la como inconstitucional ou ilegal. Duas são as perspectivas da validade normativa, material ou formal . Uma norma para ser considerada válida deverá guardar plena harmonia com as disposições da Constituição Federal de 1988, bem como com as leis infraconstitucionais (perspectiva material ou validade material), tendo sido elaborada de acordo com o devido processo legislativo (perspectiva formal ou validade formal). Deste modo, uma emenda constitucional não poderá ser criada sem a aprovação de 3/5 (três quintos) do Congresso Nacional, com votação em dois turnos, nos termos do artigo 60, § 2º da Constituição Federal. Trata-se de critério formal devido processo legislativo. Demais disto, não pode ir de encontro à principiologia constitucional (critério material). Todavia, a promulgação não tem o condão de gerar eficácia ou vigência normativa. Quando tal obrigatoriedade acontece? É com a publicação ato que se segue à promulgação no devido processo legislativo que se torna factível à norma adquirir obrigatoriedade ou coercibilidade. Ainda assim, tal vigência, de forma concomitanteà publicação, não é a regra, sendo possível tão somente para normas de pequena repercussão (art. da Lei Complementar 95/98 modificada pela Lei Complementar 107/2001).

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PROFESSOR CRISTIANO SOBRAL www.professorcristianosobral.com.br @profCrisSobral FB: Professor Cristiano Sobral Livro: Direito Civil Sistematizado 5ª edição. Ed. Gen/Método. Apostila LINDB e Parte Geral para Tribunais Ponto 1. Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro (LINDB) 1.1 Noções Introdutórias Atenção! Uma importante informação preliminar. A antiga Lei de Introdução ao Código Civil (LICC) mudou de nome, especificamente no dia 30.12.10, através da Lei nº 12.376, passando a denominar-se de Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB). A mudança veio em boa hora, ao passo que consiste em norma jurídica autônoma, aplicável sobre todo o ordenamento jurídico, e não apenas ao Direito Civil. A LINDB cinge a sua análise na própria norma, dedicando-se ao tratamento da aplicação das leis no tempo e no espaço, sua compreensão e vigência. Nessa linha de pensamento, muitos denominam a LINDB de um código de normas, código sobre as normas, norma de sobredireitoou Lex legum. Atenção meu aluno! Esse ponto da lexlegum é de grande importância. Procure memorizar. A referida lei encontra assentamento legal no Decreto-Lei nº 4657/42, com 19 (dezenove) artigos, e nas Leis Complementares nº 95/98 e 107/2001. Serve, em verdade, para regular a elaboração e aplicação das normas de todo sistema legal. Estruturalmente a Lei de Introdução divide-se em: > Art. 1º e 2º – Vigência das normas; > Art. 3º – Obrigatoriedade geral e abstrata das normas; > Art. 4º – Integração normativa; > Art. 5º- Interpretação das normas; > Art. 6º – Aplicação da norma no tempo (Direito Intertemporal); > Art. 7º e seguintes – Aplicação da lei no

espaço (Direito Espacial); 1.2 Vigência normative A promulgação é o ato capaz de configurar a existência e validade às normas, consistindo em sua autenticação pelo ordenamento jurídico nacional (MOMENTO EM QUE A LEI NASCE FORMALMENTE). Assim, afirmar que uma norma é válida significa identificá-la como compatível com o ordenamento jurídico nacional. Por outro viés, declará-la como inválida é o mesmo que considerá-la como inconstitucional ou ilegal. Duas são as perspectivas da validade normativa, material ou formal. Uma norma para ser considerada válida deverá guardar plena harmonia com as disposições da Constituição Federal de 1988, bem como com as leis infraconstitucionais (perspectiva material ou validade material), tendo sido elaborada de acordo com o devido processo legislativo (perspectiva formal ou validade formal). Deste modo, uma emenda constitucional não poderá ser criada sem a aprovação de 3/5 (três quintos) do Congresso Nacional, com votação em dois turnos, nos termos do artigo 60, § 2º da Constituição Federal. Trata-se de critério formal – devido processo legislativo. Demais disto, não pode ir de encontro à principiologia constitucional (critério material). Todavia, a promulgação não tem o condão de gerar eficácia ou vigência normativa. Quando tal obrigatoriedade acontece? É com a publicação – ato que se segue à promulgação no devido processo legislativo – que se torna factível à norma adquirir obrigatoriedade ou coercibilidade. Ainda assim, tal vigência, de forma concomitanteà publicação, não é a regra, sendo possível tão somente para normas de pequena repercussão (art. 8º da Lei Complementar 95/98 modificada pela Lei Complementar 107/2001).

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Isso porque o legislador nacional entende necessário que a lei, em regra, possua um tempo mínimo de divulgação e amadurecimento, intervalo esse no qual a norma já é existente, válida, mas ainda desprovida de vigor. Tal lapso temporal denomina-se de vacatio legis, sendo, em regra, de 45 (quarenta e cinco) dias no território nacional e 3 (três) meses no território estrangeiro (art. 1º LINDB). A vacatio legis objetiva gerar o conhecimento da norma, a qual irá obrigar a todos. Justo por isso, as normas de pequena repercussão podem ser liberadas, pelo legislador, da vacatio. Outrossim, o prazo aqui enunciado é uma regra geral, pois é possível que a norma consigne (autodeclare) prazo diverso, como o fez o Código Civil, o qual teve vacatiode 1 (um) ano (art. 2.044 do CC). Interessante observar que o artigo 8º, §1º, da Lei Complementar 95/98 estabelece regra diferenciada para sua forma de contagem, com a inclusão da data da publicação e do último dia do prazo, entrando em vigor no dia subsequente à sua consumação integral. Destarte, a contagem do prazo de vacatio legis é realizada de forma diversa da prevista no artigo 132 do Código Civil de 2002, em que é “excluído o dia do começo, e incluído o do vencimento”. 1.2.1 Modificação da lei A modificação da lei deverá seguir, essencialmente, duas regras, amplamente cobradas nos certames, quais sejam: • A modificação de lei já em vigor somente poderá ocorrer por meio de lei nova, conforme § 4º, do artigo 1º, da LINDB, havendo novo prazo de vacatio; • A modificação de lei que esteja em vacatio legis deve acontecer através nova publicação de seu texto, sendo conferido novo prazo de vacatio. 1.2.2 Princípio da continuidade ou

permanência da norma Uma vez vigente, submete-se a lei, em regra, ao princípio da continuidade ou permanência, explica-se: produzirá os seus efeitosaté que outra norma a torne, total ou parcialmente, ineficaz, através do mecanismo da revogação (art. 2º da LINDB). Entretanto, como posto, a noção de continuidade é uma regra, sendo possível elencar, ao menos, duas espécimes legislativas que não se submetema tal preceito, quais sejam: leis temporárias e circunstanciais, as quais caducam. Acerca da revogação, pode ser classificada: • Quanto à abrangência ou extensão: a) Ab-Rogação – revogação total, a exemplo da realizada pelo CC/2002 em relação ao CC/16; b) Derrogação – revogação parcial, a exemplo da realizada pelo CC/2002 à primeira parte do Código Comercial. Registre-se que é inadmissível a revogação de leis pelos usos e costumes. A revogação de lei será sempre por outra lei. • Quanto à forma ou modo: a) Expressa ou direta – Deve ser a regra, na dicção do art. 9º da Lei Complementar 95/98, pois ocasiona segurança jurídica. b) Tácita, indireta ou oblíqua – Decorre de incompatibilidade ou quando uma nova norma regula todo o tema da lei anterior, com colisões. Afirma a doutrina que essa revogação tácita pode se dar com fulcro no critério hierárquico (norma superior revoga norma inferior), cronológico (norma mais nova revoga a mais antiga) e especial (norma específica revoga norma geral tratando do mesmo tema). Todavia, fiquem atentos: A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior (art. 2º, § 2º, da LINDB).

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1.2.3 Repristinação (§ 3º do art. 2º, LINDB) A expressão repristinarsignifica restaurar (RENASCIMENTO). No Brasil, é excepcional, demandando disposição normativa expressa. A casuística, em regra, cobrada na prova é a seguinte: A Lei “A” está em vigor e é revogada pelo advento da Lei “B”, a qual é revogada pela lei “C”. Pergunta-se: a revogação da Lei “B” pela Lei “C” repristina (retoma) os efeitos da Lei “A”? A resposta, em regra, é negativa. Fala-se em uma resposta em regra negativa, pois a LINDB, no § 3º do artigo 2º, apenas possibilita tal repristinação se houver previsão normativa em contrário da lei “c”. Uma clara exceção à regra geral da repristinação apenas por determinação expressa, já cobrada em certames, está prevista no artigo 27 da Lei nº 9.868/99 (Lei que regula o Controle Direto de Constitucionalidade), ao viabilizar uma repristinação por via Oblíqua/Indireta, como efeito anexo da decisão que reconhece a inconstitucionalidade normativa. Importante! Por exemplo, a Lei “A” é revogada pela Lei “B”. A Lei “B” foi declarada inconstitucional em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade. Nesta hipótese, como a Lei “B” é nula, com decisão de eficácia, em regra, ex-tunc(retroativa), é como se a Lei B nunca tivesse revogado a Lei “A”, existindo, por consequência, efeito repristinatório. No entanto, é preciso ressalvar que esta hipótese só é possível no controle de constitucionalidade concentrado, ficando inviável no controle difuso, que não contempla efeito erga omnes, mas somente inter partes. Igualmente, apenas é possível se, no aludido controle, a decisão possui eficácia

retroativa, não sendo aplicado em casos nos quais o STF modula os efeitos decisórios, através da maioria de 2/3 (dois terços) dos seus membros, com o escopo de assegurar segurança jurídica ou excepcional interesse social (vide art. 27 da Lei 9.868/99). 1.3 Obrigatoriedade das Normas (art. 3º da LINDB) Na dicção do art. 3º da LINDB, ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece. Este entendimento decorre do Princípio da Obrigatoriedade, que, em regra, proíbe a alegação do erro de direito. Para o Direito, há uma presunção no sentido de que o conhecimento da lei decorre de sua publicação. Justamente aqui se insere a já mencionada importância da vacatio legis para maior divulgação do novel diploma. A LINDB acolheu o sistema da obrigatoriedade simultânea (ou vigência sincrônica), obrigando a norma, simultaneamente, em todo o território nacional. Indaga-se: a presunção de conhecimento das leis é absoluta? Não, pois opróprio ordenamento convive com hipóteses nas quais o erro de direito (são hipóteses específicas isoladas) é tolerado. Assim, não se pode alegar desconhecimento da lei, a não ser em casos excepcionais. No direito civil, foco do estudo, cita-se ilustrativamente: o casamento putativo (art. 1.561, CC) e o instituto do erro ou ignorância como vício de vontade (defeito do negócio jurídico), regra do artigo 139, inciso III, do Código Civil. 1.4 Integração Normativa (processo de colmatação) (art. 4º, LINDB) Integrar é preencher lacunas, consistindo em uma atividade de colmatação. Decorre das seguintes premissas: a) O legislador não tem como abarcar todos os tipos de conflitos possíveis em uma sociedade, havendo lacunas aparentes.

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b) É vedado ao magistrado deixar de julgar a lide alegando lacuna ou qualquer outra justificativa (vedação ao non liquet­ – art. 126 do CPC). Nesta linha, se lacunas legislativas existem, e o ao juiz é vedado deixar de decidir, torna-se necessária a existência de um mecanismo de integração da norma para o preenchimento de eventuais lacunas. Aqui se insere o art. 4º da LINDB, utilizando-se da analogia, dos costumes e dos princípios gerais do direito. E a equidade? Não está noticiado expressamente na Lei de Introdução. Todavia, o art. 127 do CPC autoriza o seu uso, sempre que houver permissivo legal expresso. Cita-se como exemplo: • Art. 20, §§ 3º e 4º do CPC – Fixação de honorários advocatícios nas causas que não possuem valor econômico expresso (pedido não comporte apreciação econômica), pode o juiz valer-se da equidade – ex: ação de guarda. • Art. 413 do CC/02– A cláusula penal abusiva pode ser reduzida pelo magistrado equitativamente. • Art. 944, parágrafo único, do CC – Possibilita ao juiz diminuir o quantum indenizatório decorrente da responsabilidade civil quando houver desnivelamento entre o grau de culpa e a extensão do dano – culpa mínima e dano máximo. Consiste em exceção ao princípio da reparação integral conforme pontua o Enunciado 46 do Conselho da Justiça Federal. • Art. 1.109 do CPC – Autoriza o magistrado utilizar da equidade nos procedimentos de jurisdição graciosa, afastando-se da legalidade estrita. 1.4.1 Analogia A noção de analogia parte da idéia segundo a qual fatos de igual natureza devem ser julgados de igual maneira – ubieadem est legis ratio, ibieadem legis dispositioou legis dispositio.

Hipóteses de analogia: I) Legis – quando o juiz compara com uma situação prevista em lei específica. II) Iures – quando compara com uma situação trabalhada dentro do sistema como todo (situação genérica admitida pelo sistema), utilizando, por exemplo, princípios gerais do direito. Ex: União homoafetiva. Não há lei regulamentando essa união. Em face da ausência normativa, o Juiz não pode se eximir de julgar, abrindo-se duas alternativas: (i) Compara e aplica os preceitos da legislação da união estável – analogia legis; (ii) Compara e aplica os princípios constitucionais da Liberdade, Pluralidade de Famílias, Dignidade da Pessoa Humana – analogia iures. A utilização da analogia no direito penal e tributário só é autorizada in bonam partem (em favor da parte). Dessa forma, há uma limitação ao uso do instituto em tais ramos do direito. 1.4.2 Costumes Entende-se por costumes uma prática repetitiva e uniforme, a qual se imagina obrigatória. Possui, portanto, requisitos: a) objetivo, externo ou material: prática reiterada de um determinado local; b) subjetivo, interno ou psicológico: entende-se obrigatório (opinionecessitatis). Importante! Os costumes, como método integrativo, nunca podem ser contra legem (contra a lei), ao passo que é proibida a revogação da norma (consuetudo ab-rogatorio ou dessuetudo consuetudinaria) em decorrência dos usos e costumes. São encontrados, porém, no ordenamento brasileiro os costumes secundum legem e praeter legem.

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Os costumes secudum legem são hipóteses em que o próprio legislador resolve não disciplinar a matéria, remetendo aos costumes. Neste caso não há lacuna, mas sim opção legislativa. Um bom exemplo é o art. 113 do CC, que vaticina a observância dos usos do local na aplicação da boa-fé. Tais costumes não traduzem mecanismo de integração, ao passo que não há lacuna, mas opção legislativa de tratamento pelos usos. O verdadeiro método integrativo é o costume dito praeter legem, os quais incidem no silêncio da norma. O exemplo é o costume do cheque pré-datado – ou pós-datado, para alguns -, o qual é desprovido de regramento legal e regulado pelos costumes. Sobre o tema, inclusive, há súmula do Superior Tribunal de Justiça – Súmula 370. STJ – no sentido de que a apresentação do cheque pré-datado antes do prazo estipulado gera o dever de indenizar, presente, como no caso, a devolução do título por ausência de provisão de fundos. 1.4.3 Princípios gerais do direito São princípios universais e gerais, veiculados em conceitos vagos, ou até mesmo implícitos no ordenamento jurídico, utilizados para colmatação de lacunas. Remetem ao direito romano, sendo expressos ou implícitos da norma. Exemplificativamente menciona-se: i) não lesar a ninguém; ii) dar a cada um o que é seu; iii) viver honestamente. 1.5 Interpretação normativa (art. 5º, LINDB) Interpretar significa buscar o alcance e o sentido da norma. Antigamente, dizia-se que “In claris interpretatio cessit” (na clareza da lei não há interpretação), mas esse é um brocardo ultrapassado, pois a simples conclusão de que a norma é clara significa que esta já restou interpretada. O artigo 5º da LINDB, ao regular o tema

interpretação normativa, afirma que toda interpretação da norma deve-se levar em contaos fins sociais a que se destinam e exigências do bem comum. A isso as provas concursais denominam de finalidade teleológica e função social (socialidade) da norma. De cada interpretação pode-se extrair resultados ampliativos, declaratórios e restritivos. Quando se tratar de norma jurídica referente a direitos e garantias fundamentais (individuais e sociais), a interpretação será sempre ampliativa. Em sede de Direito Administrativo, a interpretação deve ser declaratória, porquanto o princípio da reserva legal é corolário da legalidade estrita (art. 37, CF/88). Já no Direito Penal, se impõe uma significação restritiva das normas que veiculam sanções, afinal de contas nulla poena sine praevia lege (tipicidade). Já no Direito Civil, observa-se uma interpretação restritiva em relação a normas que estabelecem privilégio, benefício, sanção, renúncia, fiança, aval e transação (arts. 114, 819 e 843 ambos do CC). A chamada interpretação autêntica é aquela conferida pelo próprio legislador, criador da norma (Poder Legislativo). Nela, o próprio órgão que cria o texto normativo, o interpreta, para que dúvidas não pairem sobre o mesmo. Ao lado dessa interpretação autêntica, admite-se ainda a interpretação realizada pelo próprio Poder Judiciário e pela doutrina. 1.6 Aplicação da Lei no Tempo OU DIREITO INTERTEMPORAL (art. 6º, LINDB) A LINDB regula o direito intertemporal com o escopo de traçar conceitos amortecedores advindos pela sucessão de normas no tempo. Quando uma lei nova chega para regulamentar certa matéria, ela se aplica aos fatos pendentes, especificamente suas partes novas, e aos fatos futuros, conforme artigo 6º da LINDB e artigo 5º, XXXVI da CF. Infere-se, portanto, a existência do princípio da irretroatividade da norma, indicando

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que a lei nova produz efeitos imediatos e gerais.Assim, a regra é que não pode alcançar a nova lei fatos pretéritos à sua vigência. Nada obstante, o mesmo dispositivo legal prevê exceção a esta regra (retroatividade normativa), desde que atendidos os seguintes requisitos: i) Expressa disposição nesse sentido; ii) Se esta retroatividade não violar o ato jurídico perfeito, a coisa julgada e o direito adquirido. O direito adquirido consiste naquelo que se incorporou ao patrimônio do titular, tendo conteúdo meramente patrimonial. Ressalta-se que inexiste direito adquirido em face da nova ordem constitucional, como também a regime jurídico estatutário. A coisa julgada traduz a imutabilidade de uma decisão exarada em um processo. É aquela decisão impassível de ataque, seja por recurso ou ação rescisória. O ato jurídico perfeito é aquele perpetrado em consonância com determinada norma jurídica vigente ao seu tempo, estando perfeito e acabado, não podendo ser desfeito pelo advento de outra norma. Ademais, permanece possível a ultratividade normativa, ou seja: quando uma norma já revogada (sem vigência) ainda possui vigor. Aplica-se a: a) Normas circunstanciais: aquelas relativas a regrar um determinado fato, durante a sua vigência, a exemplo de uma guerra. b) Normas temporárias: aquelas criadas para regular uma determinada circunstância, vigendo durante a existência desta, a exemplo de portarias que alteraram o trânsito no Rio de Janeiro durante o evento do Pan Americano. Todavia, a hipótese de ultratividade mais lembrada nas provas é a relativa à norma que se aplica ao inventário e partilha De

fato, a norma sucessória regente será a da época do óbito, e não a do curso do inventário, na dicção do artigo 1.785 do Código Civil (Droit de Saisine). Assim, se uma pessoa morreu antes da vigência do CC/2002, mas a abertura do inventário se deu depois, ainda assim será aplicável o Código de 1916. Nesse diapasão, observe a Súmula 112 do STF, a qual impõe que a alíquota do imposto causa mortis será o do momento da abertura da sucessão, ou seja: do óbito, sendo irrelevante modificação posterior da alíquota. Por fim, no que tange aos atos jurídicos continuativos, ou seja, aqueles que nascem sob a vigência de uma norma e produzem efeitos na vigência de outra, importante estar atento ao artigo 2.035 do CC/02, pois a existência e validade normativa se submetem à lei da época da celebração do negócio jurídico, mas a eficácia estará submetida à lei nova. É o que ocorre, por exemplo, com o contrato celebrado na vigência do CC/16 e que produz efeitos no CC/02, uma vez que terá a sua existência e validade tratada à luz do CC/16, enquanto que os seus efeitos serão ponderados à luz do CC/02. 1.7 Eficácia da Lei no Espaço (Direito Internacional Privado) A Lei de Introdução, no seu art. 7º e seguintes, passa a regular a aplicação das leis no espaço, reservando tratamento à temática afeta não apenas ao direito civil, mas também ao direito internacional. Tendo em vista a soberania nacional o Direito Brasileiro está submetido ao Princípio da Territorialidade Moderada/Mitigada; vale dizer: no território brasileiro aplica-se, em regra, a lei brasileira. Excepcionalmente, porém, é aplicável a norma estrangeira no território brasileiro, desde que haja disposição legal expressa neste sentido. Vamos ao seu estudo: a) Estatuto Pessoal – Segundo o artigo 7º da LINDB, aplica-se a lei do domicílio

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para reger: I) nome; II) capacidade; III) começo e fim da personalidade; IV) direitos de família. b) Conflito sobre bens imóveis situados fora do Brasil aplica-se a lei do lugar onde estiver situado (art. 8º da LINDB). Assim, execução hipotecária cujo bem hipotecado está no Paraguai se submete à legislação paraguaia. c) O contrato internacional se reputa formado onde residir o seu proponente, sendo esta a legislação aplicável e o foro competente(art. 9º, §2º, LINDB).Enfatiza-se que este dispositivo apenas se aplica a contratos internacionais. Para os contratos celebrados no Brasil há norma específica reputando-os celebrados no local em que foi proposto (art. 435 do CC/02); d) Aplica-se a lei sucessória mais benéfica para sucessão de bens de estrangeiros situados no Brasil, quando há herdeiros brasileiros (art. 10, § 1º da LINDB e 5º, XXXI CF/88). Em outras palavras, quando o estrangeiro morre e deixa bens no Brasil, a competência para processar e julgar a ação de inventário e partilha desses bens é exclusiva do Brasil. Tal partilha, todavia, não se fará necessariamente com base na lei brasileira, mas sim na lei sucessória mais benéfica (art. 89, CPC). e) As sentenças, cartas rogatórias e laudos arbitrais estrangeiros podem ser executados no Brasil, desde que: I) Homologação pelo STJ (exequatur), que se dá por procedimento especial submetido às formalidades insculpidas nos artigos 483 e 484 do CPC. Tal homologação é de competência do STJ por força da Emenda Constitucional 45/04. II) Prova do Trânsito em Julgado da Sentença Estrangeira, consoante orientação da súmula 420 do STF. III) Filtragem Constitucional, poissó é permitida a execução no Brasil de sentença estrangeira compatível com a ordem interna,

sob pena de manifesta violação à soberania nacional brasileira. Atenção! Uma novidade!

Presidência da RepúblicaCasa

CivilSubchefia para Assuntos Jurídicos

LEI Nº 12.874, DE 29 DE OUTUBRO DE 2013. Altera o art. 18 do Decreto-Lei no 4.657, de 4 de setembro de 1942, para possibilitar às autoridades consulares brasileiras celebrarem a separação e o divórcio consensuais de brasileiros no exterior. A PRESIDENTA DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1o Esta Lei dispõe sobre a possibilidade de as autoridades consulares brasileiras celebrarem a separação consensual e o divórcio consensual de brasileiros no exterior, nas hipóteses que especifica. Art. 2o O art. 18 do Decreto-Lei no 4.657, de 4 de setembro de 1942, passa a vigorar acrescido dos seguintes §§ 1o e 2o: “Art. 18. ……………………………………………………………… § 1º As autoridades consulares brasileiras também poderão celebrar a separação consensual e o divórcio consensual de brasileiros, não havendo filhos menores ou incapazes do casal e observados os requisitos legais quanto aos prazos, devendo constar da respectiva escritura pública as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns e à pensão alimentícia e, ainda, ao acordo quanto à retomada pelo cônjuge de seu nome de solteiro ou à manutenção do nome adotado quando se deu o casamento. § 2o É indispensável a assistência de advogado, devidamente constituído, que se dará mediante a subscrição de petição, juntamente com ambas as partes, ou com apenas uma delas, caso a outra constitua advogado próprio, não se fazendo necessário que a assinatura do advogado conste da escritura pública.” (NR) Art. 3o Esta Lei entra em vigor após decorridos 120 (cento e vinte) dias de sua publicação oficial. Brasília, 29 de outubro de 2013; 192o da Independência e 125o da República.

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DILMA ROUSSEFFJosé Eduardo

CardozoLuiz Alberto Figueiredo Machado

Este texto não substitui o publicado no DOU de

30.10.2013Fonte: Planalto, 30 de out. 2013

Vamos treinar? 01. (FCC - 2014 - MPE-PA - Promotor de Justiça) Considere as afirmações abaixo, a respeito do direito intertemporal em matéria civil: I. A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro veda, textual e literalmente, o efeito retroativo da lei. II. Os direitos sob condição suspensiva são considerados adquiridos. III. As expectativas de direito equiparam-se a direitos adquiridos quando constantes de contrato escrito. IV. A lei nova possui efeito imediato, salvo quando alterar prazos de prescrição. Está correto o que se afirma APENAS em a) II. b) II e IV. c) I e III. d) I, II e III. e) I, III e IV. GABARITO: A Comentários Somente o item II está correto e tem por base legal disposto no § 2º do art. 6º da LINDB: “Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aquêles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem.” 02. (UFPR - 2014 - DPE-PR - Defensor Público) Acerca da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, considere as seguintes afirmativas: 1. Os princípios gerais de direito, estejam ou não positivados no sistema normativo, constituem-se em regras estáticas carecedoras de concreção e que têm como função principal auxiliar o juiz no preenchimento de lacunas.

2. De acordo com o ordenamento jurídico brasileiro, o efeito repristinatório da lei revogadora de outra lei revogadora é automático e imediato sobre a velha norma abolida, prescindindo de declaração expressa de lei nova que a restabeleça. 3. A revogação de uma norma por outra posterior tem por espécies a ab-rogação e a derrogação, e pode ser expressa ou tácita, sendo que, neste último caso, é obrigatório conter, na lei nova, a expressão “revogam-se as disposições em contrário”. 4. A lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados os atos jurídicos consumados, mesmo que inválidos. 5. A cessação da eficácia de uma lei não corresponde à data em que ocorre a promulgação ou publicação da lei que a revoga, mas sim à data em que a lei revocatória se tornar obrigatória. Assinale a alternativa correta. a) Somente as afirmativas 1, 3 e 4 são verdadeiras. b) Somente as afirmativas 2 e 5 são verdadeiras. c) Somente as afirmativas 1 e 5 são verdadeiras. d) Somente as afirmativas 3, 4 e 5 são verdadeiras. e) Somente as afirmativas 1, 2, 3 e 4 são verdadeiras. GABARITO: C Comentários A questão tem por assertiva correta a letra C. A afirmativa do item 1 está correta e deita bases no art. 4º da LINDB: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.” No que tange ao item 5, a lei só terá eficácia a partir da data que a torne obrigatória, de acordo com o art. 2º, § 1º da LINDB: “§ 1o A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.” e combinada com o art. Art. 8º, § 1º, in fine: A vigência da lei será indicada de forma expressa e de modo a contemplar prazo razoável para que dela se tenha amplo conhecimento, reservada a cláusula "entra em vigor na data

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de sua publicação" para as leis de pequena repercussão. § 1º A contagem do prazo para entrada em vigor das leis que estabeleçam período de vacância far-se-á com a inclusão da data da publicação e do último dia do prazo, entrando em vigor no dia subsequente à sua consumação integral.” 03. (TRT 8R - 2014 - TRT - 8ª Região (PA e AP) - Juiz do Trabalho) 69. Analise as proposições a seguir e marque a única alternativa que contempla as afirmações CORRETAS: I - Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país trinta dias depois de oficialmente publicada. Nos Estados estrangeiros, a obrigatoriedade da lei brasileira, quando admitida, se inicia três meses depois de oficialmente publicada. Se, antes de entrar a lei em vigor, ocorrer nova publicação de seu texto, destinada a correção, o prazo de vigência será contado da nova publicação. As correções a texto de lei já em vigor consideram-se lei nova. II - Segundo o ordenamento jurídico brasileiro, não obstante o disposto no art. 1º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, admite-se prazo diverso para a vacatio legis, desde que a vigência da lei seja indicada de forma expressa e de modo a contemplar prazo razoável para que dela se tenha amplo conhecimento, reservada a cláusula "entra em vigor na data de sua publicação" para as leis de pequena repercussão. III - Em prol da segurança jurídica, as leis civis produzem seus efeitos a partir de sua vigência. A irretroatividade é, portanto, a regra, no silêncio da lei, mas poderá haver retroatividade, se expressa e não ofender direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada. IV - No que tange à eficácia espacial das leis, no direito brasileiro prevalece a adoção do princípio da territorialidade moderada, admitindo-se tanto regras de territorialidade, como de extraterritorialidade. Contudo, mesmo para as hipóteses legais de aplicação da extraterritorialidade, as leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não

terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes. V - No âmbito do direito brasileiro, excluídas as hipóteses de vigência temporária, a lei permanece em vigor até que outra a modifique ou revogue. Essa revogação pode ser expressa, quando a nova norma enuncia a revogação dos dispositivos anteriores, ou tácita, quando, embora não enunciando a revogação, a nova norma disciplina a matéria de forma diversa e incompatível. No que diz respeito à abrangência da revogação, diz-se que há derrogação quando a nova norma revoga totalmente a anterior, e ab-rogação quando a nova norma revoga apenas parcialmente a lei anterior. a) Estão corretas apenas as afirmações II e IV. b) Todas as afirmações estão corretas. c) Estão corretas apenas as afirmações III e V. d) Estão corretas apenas as afirmações I e III. e) Estão corretas apenas as afirmações II, III e IV. GABARITO: E Comentários A questão tem por gabarito a assertiva de letra E. O item I está errado, de acordo com o art. 1º da LINDB, salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país 45 dias depois de oficialmente publicada. O item II, está correto trazendo o disposto na LC n. 95/98, em seu art. 8º, caput. A afirmativa constante do item III está correta, e tem por fundamento a previsão do art. 6º da LINDB, já que o direito brasileiro adotou por regra o princípio da irretroatividade das leis, todavia este poderá ser relativizado, em caráter excepcional, de acordo com jurisprudência pátria (sobre a matéria consultar tópico referente ao direito intertemporal). O disposto no item IV também está correto, de acordo com o art. 17 da LINDB. E finalmente, o item V está errado, já que a revogação comporta duas modalidades: a ab-rogação que é revogação total da norma anterior; e a derrogação, que apenas diz respeito a ineficácia de parte da norma anterior.

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Ponto2. Personalidade Jurídica A Personalidade Jurídica é a aptidão genérica conferida a alguém para titularizar direitos e contrair deveres na ordem jurídica. Quem a possui é denominado sujeito de direitos, incluindo-se neste rol a pessoa física e as pessoas jurídicas. Todavia, existem outros entes desprovidos de personalidade jurídica, mas que possuem capacidade judiciária, denominados de Entes Despersonalizados, tais como a massa falida, a herança jacente, o condomínio, etc. 2.2 Pessoa Física: Conceito A pessoa física é o ente dotado de estrutura e de complexidade biopsicológica, titular de direitos e deveres e que interage na ordem jurídica mediante a prática de atos civis. É chamada de pessoa física, natural ou de existência visível. Hodiernamente não mais remete a noção de pessoa física ao ente biologicamente criado, haja vista os métodos artificiais de criação, seja pela fertilização in vitro, seja pela inseminação artificial. 2.2.1 Aquisição da personalidade jurídica pela pessoa natural Em que momento a pessoa física adquire personalidade? O Código Civil, em seu artigo 2º, determina que a personalidade “começa do nascimento com vida” (art. 2º, CC). Entende-se por nascimento com vida o início do funcionamento do aparelho cardiorrespiratório, clinicamente aferível pelo exame conhecidamente denominado de docimasia hidrostática de Galeno. Enfatiza-se que independe do corte do cordão umbilical, viabilidade, sobrevivência superior a 24 horas, sendo necessário, tão só, o ingresso de ar nos pulmões. Respirou, adquiriu personalidade jurídica. Registre-se, portanto, que as provas objetivas vêm revelando a adoção da teoria natalista, conferindo ênfase à primeira parte do artigo 2º do CC. Nessa senda, o recém-

nascido adquire a personalidade jurídica, tornando-se sujeito de direito, a partir do seu nascimento com vida, mesmo vindo a falecer minutos depois, o que pode ser muito relevante para análise da cadeia sucessória. Após o nascimento, a pessoa física será registrada. O registro da pessoa natural consiste em ato meramente declaratório, pois a personalidade foi adquirida desde o nascimento com vida. Retroage, portanto, o registro, à data do nascimento. 2.2.2 O nascituro O nascituro é aquele que já foi concebido, é dotado de vida intrauterina. A Lei Civil trata do nascituro quando, posto não o considere pessoa, coloca a salvo os seus direitos desde a concepção (art. 2º, CC). No particular, portanto, adota o Código Civil a teoria condicionalista, resguardando direitos para o nascimento com vida. Mais quais os direitos que o ordenamento jurídico brasileiro reserva ao nascituro? a) O nascituro é titular de direitos personalíssimos. O principal exemplo é o direito à vida. Tal assertiva é comprovada ao verificarmos que o aborto é tipificado na Lei Penal como crime nos artigos 124 a 128 do Código Penal, cuja pena, em regra, é de 1 (um) a 3 (três) anos. b) Pode receber doação, aceita pelo seu representante (curador), sem prejuízo do recolhimento do imposto de transmissão inter vivos (art. 542, CC); c) Pode ser beneficiado por legado e herança, mediante testamento (arts. 1.798, 1799 e 1.800, CC). d) Pode ser-lhe nomeado curador para a defesa dos seus interesses (arts. 877 e 878 do CPC); e) O nascituro tem direito de saber quem é o seu pai, através da realização do exame de DNA após o nascimento (STF, RC 2040). f) O nascituro possui direito a alimentos. A Lei 11.804/08 instituiu os alimentos gravídicos no ordenamento jurídico nacional. g) O nascituro possui direito a danos morais (REsp 9315566/RS). h) O nascituro tem direito a recebimento

do DPVAT (Informativo 459 do STJ).

2.2.2.1 E o natimorto? Tem personalidade

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jurídica? O natimorto é aquele que já nasceu morto. Antes de morrer, porém, fora um nascituro. Justo por isso deve-se proteger o natimorto no que concerne aos direitos da personalidade, sendo deferido, por exemplo, tutela ao nome, à imagem e à memória daquele que nasceu morto (sepultura), como entende o 1º Enunciado do Conselho da Justiça Federal (CJF). 2.2.3 Capacidade Conceitua-se a capacidade como a medida jurídica da personalidade, dividindo-se em: capacidade de direito, jurídica ou de gozo; e capacidade de fato, exercício, ou atividade. 2.2.3.1 Espécies a) Capacidade de Direito, Jurídica ou de Gozo É uma capacidade genérica, adquirida juntamente com a personalidade. Assim, adquirida a personalidade jurídica, toda pessoa passa a ser capaz de direitos e deveres na ordem jurídica (art. 1º do Código Civil). b) Capacidade de Fato, Exercício ou Ação A capacidade de direito está presente em todos os seres humanos. Contudo, nem todos possuem capacidade de fato, que se traduz pela possibilidade de, pessoalmente, praticar, exercer os atos da vida civil. Assim, malgrado todos possuírem capacidade de direito, nem todos detém capacidade de exercício, a exemplo dos recém-nascidos. Os desprovidos de capacidade de ação são denominados de incapazes (absolutos ou relativos). Clarividente, portanto, inexistir no ordenamento jurídico atual mitigação à capacidade de direito, havendo de correlacionar a teoria das incapacidades com o abrandamento da capacidade de fato ou exercício. Afirma a doutrina que a soma da capacidade de fato à de direito gera a Capacidade Jurídica Geral ou

Plena.Todavia, interessante observar que há casos em que embora uma pessoa física possua a capacidade jurídica geral, há determinados atos que ela não poderá praticar sem uma legitimação, ou seja: sem uma autorização específica ou capacidade negocial. Verificam-se como exemplos: I. Venda de Ascendente para Descendente (art. 496 do CC) Segundo o Código Civil, no seu Art. 496: “É anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido”. Infere-se, portanto, que tal alienação, para ser válida, depende de autorização expressa de todos os demais descendentes e do cônjuge,salvo se casado no regime de separação obrigatória, sob pena de anulabilidade. Interessante indagação é saber qual o prazo de anulabilidade do negócio jurídico em questão? O artigo 496 não disciplina, aplicando-se à hipótese a norma supletiva delineada no artigo 179 do CC. Logo, o prazo decadencial será de dois anos, contatos da conclusão do ato. No particular, não mais merece aplicação a Súmula 494 do STF. II. Vênia Conjugal: A Outorga Uxória e Marital Por conta do casamento, a legislação nacional exige para a prática de certos atos a concordância do outro consorte. A isto se denomina venia conjugal, gênero cujas espécies são outorga uxoria, quando concedida pela mulher, e outorga marital, quando conferida pelo marido. A outorga, como bem afirma o artigo 1.647 do CC, incide em todos os casamentos, à exceção daqueles cuja eficácia patrimonial é regida pelo regime de separação de bens. É necessária para alienar ou gravar de ônus real bens imóveis; pleitear, como autor ou réu, ações acerca desses bens; prestar fiança ou aval e fazer doação não remuneratória de bens comuns. A negativa injustificada de um dos

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cônjuges, ou a impossibilidade de consentir – a exemplo de doença ou ausência – pode ser suprida pelo magistrado, conforme verbera o artigo 1.648 do CC. Caso o cônjuge, isoladamente, venha a praticar o ato que necessite da outorga, sem a respectiva autorização, a hipótese é de anulabilidade do ato, no prazo decadencial de 2 (dois) anos, contados do término da sociedade conjugal. Esta, inclusive, éa dicção do artigo 1.649 CC. Para questões específicas, é possível noticiar sobre o E. 114 do CJF, o qual clama pela ineficácia do aval, conferido sem outorga uxória, sobre a meação do cônjuge meeiro, bem como a súmula 332 do STJ, a qual afirma que a ausência de outorga em fiança é fato que gera ineficácia. Repisa-se: posicionamentos para questões específicas, pois a regra é a dicção do Código Civil. E se a pessoa for casada no regime de participação final nos aquestos, precisará da outorga uxória para alienação de um imóvel? A regra geral é que seja necessária a outorga uxória, pois o artigo 1.647 supramencionado apenas exclui a necessidade na hipótese do regime de separação. Todavia, segundo o artigo 1.656 do Código Civil, a outorga uxória pode ser dispensada no pacto antenupcial em que os cônjuges escolham o regime de participação final. 2.2.4 Incapacidade Fala-se que alguém é incapaz quando não está presente a capacidade de fato, possuindo a pessoa restrições ao exercício pessoal dos atos da vida civil. Como restrição que o é, a incapacidade deveser interpretada de forma restrita. A regra é a capacidade; incapacidade é exceção, nos casos taxativos da lei. A incapacidade decorre de critério objetivo (cronológico ou etário) e subjetivo

(psíquico). a) Objetivo, Etário ou Cronológico → Idade (Menores de 16 anos ou entre 16 e 18 anos). Este é facilmente aferível com simples verificação da certidão de nascimento ou carteira de identidade. b) Subjetivo ou Psíquico → Patologia + Decisão Judicial em processo de interdição. Destarte, incapacidade admite uma gradação, passando a ser visitada a absoluta e a relativa. 2.2.4.1 Incapacidade absoluta: (art. 3º, CC) Afirma o art. 3º do Código Civil que são absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil: I. Menores de 16 Anos. Trata-se dos menores impúberes. Abaixo deste limite etário, o legislador considera que a pessoa é inteiramente imatura para atuar na órbita do direito. Lembra-se, porém, que, eventualmente, o menor de 16 anos será escutado, mormente em ações que digam respeito à sua situação existencial, a exemplo de guarda e adoção (Enunciado 138 do CJF). II. Aqueles que por enfermidade ou doença mental não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos. III. Aqueles que mesmo por causa transitória não puderem exprimir a sua vontade. Trata-se de hipóteses episódicas nas quais a pessoa está impedida de manifestar vontade. É o caso de alguém vítima de intoxicação fortuita que a incapacita por completo, a exemplo de quando colocam droga na bebida desta, deixando-a inconsciente temporariamente. Ilustre-se, ainda, com o estado de coma, em virtude de acidente de veículo. Este inciso consiste na única hipótese de incapacidade por causa psíquica na qual, por conta da transitoriedade, dispensa-se a interdição.

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2.2.4.2 Incapacidade relativa: (art. 4º, CC) Na forma do vigente Código Civil, afirma o art. 4º que são relativamente incapazes a certos atos, ou à maneira de os exercer: I. Os maiores de 16 (dezesseis) e menores de 18 (dezoito) anos. São os menores púberes, os quais, por não possuírem ainda total discernimento, a norma caracteriza como relativamente incapaz. Sobre o tema, lembra-se que o menor, entre dezesseis e dezoito anos, não pode, para eximir-se de uma obrigação, invocar a sua idade se dolosamente a ocultou quando inquirido pela outra parte, ou se, no ato de obrigar-se, declarou-se maior (art. 180 do CC). Outrossim, observe que o Código Civil não enuncia idade máxima para a incapacidade. O passar dos anos, por si só, não é capaz de gerar a incapacitação. II. Ébrios habituais, viciados em tóxico e os que por doença mental tenham discernimento reduzido. A embriaguez, o vício em tóxico e a deficiência mental reduzida são consideradas causas de incapacidade relativa quando diminuem, mas não aniquilam a capacidade de discernimento, pois se privarem totalmente o agente da consciência e orientação, como na embriaguez patológica ou toxicomania grave (dependência química total), geram incapacidade absoluta, na forma do artigo 3º, III, CC. III. Os excepcionais que não tenham desenvolvimento mental completo. Trata-se de novidade inserta no vigente Código Civil. Visa proteger pessoas especiais, a exemplo dos portadores de Síndrome de Down. Possibilita a inserção dessas pessoas na sociedade, uma vez que estarão autorizadas a praticar atos civis, desde que devidamente assistidas. IV. Pródigos. A prodigalidade é um desvio comportamental por meio do qual o indivíduo,

desordenadamente, dilapida o seu patrimônio sem um motivo razoável, podendo reduzir-se à miséria. Nestes casos, deve o pródigo ser interditado na defesa do patrimônio deste e do mínimo existencial. Assim, a curatela do pródigo somente o privará de, sem curador, emprestar, transigir, dar quitação, alienar, hipotecar, demandar ou ser demandado, e praticar, em geral, atos que não sejam de mera administração, conforme a redação do artigo 1.782, Código Civil. Para casar, o curador do pródigo deve ser ouvido? Como o casamento deflagra também efeitos patrimoniais, o seu curador deve manifestar-se, não para interferir na escolha afetiva, mas para opinar acerca do regime de bens escolhido. Claro que isto não será necessário se o regime escolhido for o da separação de bens. E o índio? A disciplina normativa do índio, que no Código de 1916 mereceu assento entre os relativamente incapazes, passou a ser remetida à legislação especial, conforme artigo 4º, parágrafo único, do atual Código Civil de 2002. As legislações especiais são: a Lei 5.371 (Estatuto da Funai) e a 6.001 (Estatuto do Índio). Segundo a disciplina especial, os silvícolas (os oriundos da selva ou índios sem hábitos urbanos) são consideradosabsolutamente incapazes. Contudo, cumpre atentar que nem todo índio é silvícola, pois podem estar ambientados aos costumes urbanos, como aqueles que trabalham na linda e festejada cidade de Porto Seguro. 2.2.4.3 Suprimento da incapacidade (Representação e Assistência) O suprimento da incapacidade absoluta dá-se através da representação, quando o representante age no interesse do incapaz. De outro modo, na incapacidade relativa dá-se por meio da assistência, vale dizer, o relativamente incapaz pratica o ato jurídico juntamente com seu assistente, sob pena de anulabilidade.

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2.2.5 Cessação da incapacidade Cessa a incapacidade como a causa que a originou: a) Com o final de sua causa objetiva →Maioridade b) Com o final de sua causa subjetiva →Revisão do Processo de Interdição c) Emancipação 2.3 Emancipação A menoridade cessa aos dezoito anos completos (art. 5º, CC). Todavia, a capacidade plena poderá ser antecipada, seja em virtude da autorização dos representantes legais do menor ou do Juiz, ou pela superveniência de fato a que a lei atribui força para tanto. Consiste a emancipação em ato irretratável e irrevogável por meio do qual a capacidade de exercício é precipitada mesmo sem que se atinja ainda a maioridade. A emancipação, segundo o artigo 5º, parágrafo único do Código Civil, pode ser voluntária, judicial ou legal, senão veja-se: 2.3.1 Voluntária (art. 5º, parágrafo único, I, primeira parte, CC) A emancipação voluntária é aquela que se dá pela concessão de ambos os responsáveis, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público, independentemente da homologação judicial, a menos que tenha, no mínimo, 16 (dezesseis) anos completos. Atente-se para as questões usuais das provas: a) Se a mãe for separada do pai, e detiver a guarda, poderá sozinha conceder a emancipação (ou vice-versa)? Não, pois se isso ocorresse estaria havendo a retirada do poder familiar do outro genitor. Só será possível a emancipação isolada de um dos genitores se outro estiver destituído do poder familiar. As hipóteses de destituição do poder familiar são específicas e demandam processo judicial, estando previstas no artigo 1.635 do CC.

b) Se houver conflito na decisão dos pais, exemplo: o genitor quer emancipar, mas a genitora não quer fazê-lo, como proceder? O Juiz decide, aplicando-se a hipótese padrão para o conflito de interesses no exercício do Poder Familiar (art. 1.631, CC) 2.3.2 Judicial (art. 5º, parágrafo único, I, segunda parte, CC) A emancipação judicial, por sua vez, ocorre em duas situações apenas. É aquela concedida pelo tutor ao pupilo, com dezesseis anos completos, mediante decisão judicial para evitar o esvaziamento da tutela e deste múnus pelo simples ato de emancipar ou, ainda, aquela determinada pela Justiça em casos de divergência entre os genitores (inafastabilidade da jurisdição). 2.3.3 Legal (art. 5º, parágrafo único, II e ss. do CC) Decorre da prática de ato jurídico incompatível com a sua condição de incapaz. Tais atos estão previstos em lei. São as hipóteses: a) Pelo casamento (art. 5º, parágrafo único, II, CC); O casamento emancipa. Contudo, separação ou divórcio posterior não revogam a emancipação, pois são questões que se ligam à eficácia do casamento, e não à sua validade. Como a emancipação é um ato irretratável e irrevogável, esta permanece. O mesmo raciocínio se aplica se o cônjuge falecer. Entretanto, a nulidade do matrimônio leva à inexistência da emancipação, pois do nada, nada provêm. Se não houve casamento, não há emancipação. Todavia, há de ser ressalvada a hipótese de casamento putativo, o qual tem efeitos para aquele que estiver de boa-fé até a sentença anulatória. Este, inclusive, é o regramento do artigo 1.561 do CC. b) Exercício de emprego público efetivo (art. 5º, parágrafo único, III, CC); É o exercício, e não a aprovação no concurso público. Cuidado com a usual pegadinha de prova!

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Lembra-se que a emancipação é irrevogável e irretratável. Na casuística do emprego público, mesmo que venha a perdê-lo, o estado de emancipado irá permanecer, não sendo restabelecida a incapacidade anterior, sob pena de trazer insegurança jurídica. c) Colação de grau em ensino superior (art. 5º, parágrafo único, IV, NCC); É a colação de grau, e não a aprovação no vestibular. Mais uma pegadinha! d) O estabelecimento civil ou comercial, ou a existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria (art. 5º, parágrafo único, V, CC); A emancipação legal é imediata e automática, não sendo necessária declaração judicial. Se há vários atos emancipatórios seguidos: casamento, graduação em ensino superior, exercício de função pública, o primeiro já será suficiente para emancipar, não havendo de falar-se em diversas emancipações. As emancipações judicial e legalexoneram a responsabilidade civil solidária dos responsáveis – a exemplo dos pais – e que está prevista no artigo 932 e 933 do CC/02, pois decorrem de ato legitimado pelo Estado, o que não ocorre na voluntária (Enunciado 41 do CJF). 2.4 Extinção da Pessoa Física ou Natural A existência da pessoa natural, bem como sua personalidade, é extinta com a morte. A morte, no direito nacional, pode ser: a) Real b) Presumida • Com procedimento de ausência. • Sem procedimento de ausência. 2.4.1 Morte real Está regulada no artigo 6º do CC. Cuida-se da morte aferida, em regra, por profissional da medicina, e, na sua falta, por duas testemunhas, na forma do artigo 78 da LRP (6.015/73).

Hodiernamente, o conceito de morte transmutou-se, não mais sendo considerada a parada cardíaca, mas sim a paralisação das ondas cerebrais, por conta da necessidade de preservação do funcionamento do corpo para eventuais transplantes. Lembre-se que a morte é registrada no local do óbito (art. 9 º do CC). 2.4.2 Morte presumida ou morte civil ou ficta mortis Excepcionalmente, a morte pode ser presumida (a regra é a morte real). São hipóteses em que há impossibilidade de localização do cadáver. O Direito Brasileiro admite duas situações para a morte presumida: 2.4.2.1 Com Procedimento de Ausência (art. 6º, e 22 a 39) Ausente é aquele que desaparece de seu domicílio sem deixar notícias. Para a configuração da ausência é necessária a verificação de um processo desdobrado em três fases. • 1ª Fase – Curadoria de Bens do Ausente Haverá requerimento para abertura do procedimento e o Juiz irá declarar a ausência por qualquer interessado, inclusive o Ministério Publico (art. 22, CC), e nomear curador. Também será nomeado curador na hipótese do ausente ter deixado procurador que tenha poderes insuficientes, ou não mais queira, ou possa, exercer este mister (art. 23, CC). Advirta-se que o curador será responsável por arrecadar os bens do ausente e protegê-los. O curador não será necessariamente quem iniciou o procedimento, havendo uma ordem preferencial estabelecida no artigo 25 do CC: a) O cônjuge, desde que não esteja separado judicialmente e nem de fato há mais de dois anos; b) Os pais;

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c) Os descendentes, preferindo os mais próximos em relação aos mais remotos; d) Curador dativo, à escolha do Juiz. A Doutrina inclui o companheiro no rol de possíveis curadores, ao lado do cônjuge, por questão de intuitiva isonomia constitucional. Tal informação apenas deverá ser utilizada na prova acaso o questionamento verse sobre posicionamento doutrinário ou jurisprudencial. O CPC determina que após a declaração de arrecadação dos bens, o Juiz deverá determinar a publicação de seis editais, de dois em dois meses, convocando o ausente a aparecer, na dicção do artigo 1.163 do Código de Processo Civil. • 2ª Fase – Sucessão Provisória Começa após 1 (um) ano contado da data da decisão que mandou arrecadar os bens, ou três anos após tal decisão, caso o ausente tenha deixado procurador (art. 26, CC). O requerimento é feito pelos interessados (art. 27, CC), sendo eles: a) Cônjuge, não separado judicialmente; b) Herdeiros; c) Credores do ausente. Não havendo interessado no prosseguimento da ação, o Ministério Público pode requerer sua continuidade. (art. 28, § 1º, CC). A decisão que converte a curadoria de bens em sucessão provisória apenas tem efeito 180 (cento e oitenta) dias após publicada na imprensa oficial (art. 28, CC): Pede-se ao Juiz que transmita os bens aos herdeiros, em caráter precário (provisório), mediante caução (garantia). Esta é conferida segundo penhores ou hipotecas equivalentes aos quinhões respectivos. Pode ser dispensada a caução se a transmissão for para herdeiros necessários (art. 30, § 2º e art. 1.845). Nesta fase não se admitirá prática de ato de

disposição do direito (ex. alienação, venda, doação), salvo com autorização do juiz (art. 31, CC), por conta do possível retorno do ausente. Ainda por conta do referido retorno, deverão os herdeiros capitalizar o valor referente à metade dos frutos e rendimentos oriundos dos bens recebidos, prestando contas anualmente ao juízo competente (art. 33, CC). Tais frutos, porém, não serão devidos se, quando o ausente aparecer, restar comprovado que a ausência fora voluntária e injustificada. • 3ª Fase – Sucessão Definitiva Inicia-se 10 (dez) anos após o trânsito em julgado da sentença que declarou aberta a sucessão provisória, ou 5 (cinco) anos depois das últimas notícias do ausente, se maior de 80 (oitenta) anos, como pontuam os artigos 37 e 38 do CC. Nesta fase há transmissão dos bens, em caráter definitivo, sendo restituídas as cauções e admitindo a prática do ato de disposição. E se o ausente voltar dentro do lapso de até 10 anos da sucessão definitiva? a) Se for na 1ª fase – reassume a titularidade do patrimônio. b) Se for na 2ª fase – tem direito a reaver o patrimônio no estado em que deixou. Se houver depreciação além da usual, o ausente poderá levantar a caução. Se houver melhoramentos, o possuidor de boa-fé deve ser indenizado (art. 36, CC). c) Se for na 3ª fase – tem o ausente direito aos bens no estado em que se encontram, sendo que se tiverem sido vendidos, terá direito no que se sub-rogou (substituiu, segundo o art. 39 do CC). d) Se após os 10 (dez) anos da 3ª fase – não terá direito algum. Esclareça-se, que a morte presumida com decretação de ausência (art. 6º) dissolve o casamento, conforme o artigo 1.571 do CC. E se o ausente retornar? O casamento restaura? A resposta é negativa, pois o eventual retorno do ausente não vai trazer

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consequências de ordem pessoal, a par da insegurança jurídica decorrente de outro entendimento e da possibilidade eventual de um novo casamento, acaso assim se desejem. 2.4.2.2 Morte presumida sem declaração de ausência (art. 7º, CC) Apenas é admitida no direito brasileiro em duas hipóteses, nas quais o legislador entende haver um motivo aparente para o desaparecimento, e, em virtude da grande probabilidade da morte, autoriza sua declaração sem perpassar pelo procedimento de ausência. São as seguintes hipóteses: a) se for extremamente provável a morte de quem estava em perigo de vida; b) no desaparecimento em decorrência de campanha ou prisão, quando o desaparecido não for encontrado após 2 (dois) anos do término da guerra. A morte ficta sem procedimento de ausência traduz novidade do vigente Código Civil. Nesta há declaração da morte, sem a necessidade do largo procedimento de ausência. Malgrado a inexistência deste procedimento, o pedido de declaração de morte demanda processo judicial específico, denominado de justificação do óbito. O parágrafo único do artigo 7º determina que a declaração da morte presumida apenas poderá ser requerida depois de esgotadas buscas e averiguações. Neste caso, a sentença deverá fixar a provável data do falecimento. Sobre morte presumida (gênero: com ou sem procedimento de ausência), lembrar da súmula 331 do STF, segundo a qual é legitima a incidência do imposto de transmissão causa mortis no inventário por morte presumida. 2.4.3 Comoriência Prevista no artigo 8º do CC, traduz a declaração de morte simultânea de duas ou mais pessoas, quando não for possível precisar os instantes das mortes. Tal fato acarreta importantes conseqüências

práticas, pois serão abertas cadeias sucessórias autônomas e distintas, de maneira que um comoriente não herda do outro. A comoriência pode ser afastada por prova definitiva em contrário (prova de pré-moriência). 2.5. Direitos da personalidade 2.5.1. Teoria do direito da personalidade Parte-se da observação de que não se confundem os conceitos de personalidade e dos direitos da personalidade. O art. 2º do Código Civil dispõe que a personalidade é a aptidão genérica, reconhecida a todo ser humano para contrair direitos e deveres na vida civil; trata-se, em síntese, de um conjunto de atributos naturais. A tutela desses atributos é o direito da personalidade, que se classifica em direito à integridade física, direito à integridade intelectual e direito à integridade moral. De acordo com a doutrina clássica, os direitos da personalidade são faculdades jurídicas cujo objeto são os diversos aspectos da própria pessoa do sujeito. Pode-se afirmar que são direitos subjetivos absolutos os presentes nos arts. 11 a 20 da legislação civilista, os quais possibilitam a atuação legal, com o bom uso de uma faculdade ou de um conjunto de faculdades na defesa da própria pessoa, nos seus aspectos físicos e espirituais, sob normas legais e nos limites do exercício fundado na boa-fé. Vale destacar o Enunciado n. 274 da IV Jornada de Direito de Civil: 274 – Art. 11. Os direitos da personalidade, regulados de maneira não exaustiva pelo Código Civil, são expressões da cláusula geral de tutela da pessoa humana, contida no art. 1º, III, da Constituição (princípio da dignidade da pessoa humana). Em caso de colisão entre eles, como nenhum pode sobrelevar os demais, deve-se aplicar a técnica da ponderação. Os direitos da personalidade possuem as seguintes características: direitos inatos; vitalícios; absolutos; indisponíveis; extrapatrimoniais; intransmissíveis. a) Direitos inatos - São direitos adquiridos com o surgimento da personalidade. Diversamente dos demais, não necessitam de uma manifestação de vontade para firmar sua titularidade. De acordo com a teoria natalista, a

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partir do nascimento, automaticamente já se detém o direito subjetivo da personalidade, ou seja, já se possui direito ao nome, à honra, ao recato etc. Por isso, se diz que eles são inatos, já que os mesmos são inerentes ao próprio surgimento da personalidade, qualquer que seja o entendimento adotado (natalista ou concepcionista). b) Direitos vitalícios - Os direitos da personalidade perduram durante todo o ciclo vital da pessoa, ou seja, iniciam-se com a vida e se findam com a morte. Ainda que se tenha a capacidade reduzida, ou antes, que se trate de alguém absolutamente incapaz, em nada se alteram os direitos da personalidade. A personalidade termina com a morte; porém, apesar da personalidade de fato não mais subsistir, subsiste a proteção dada àquele direito. Trata-se do direito à honra consubstanciado no art. 12, parágrafo único: “Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei. Parágrafo único. Em se tratando de morto, terá legitimação para requerer a medida prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau.” Outro exemplo de direito da personalidade protegido após falecimento são os direitos morais do autor. Além dos direitos materiais, que são os direitos autorais, o autor tem também os direitos morais, que dizem respeito ao ineditismo da obra e ao seu nome. c) Direitos absolutos - Os direitos absolutos são aqueles que se exercem erga omnes, enquanto os relativos possuem sujeitos passivos determinados ou determináveis. Esses constituem os direitos obrigacionais, enquanto aqueles consistem nos direitos da personalidade. Nas relações obrigacionais, o sujeito é sempre determinado ou determinável. Vale ressaltar que, de acordo com o entendimento moderno, os próprios direitos da personalidade devem ser vistos com reservas. Menciona-se tal fato porque há casos em que essa característica (direitos absolutos) deve ser temperada. Ex. A relação entre médico e paciente que deve ser pautada pelo sigilo diante laudo de uma doença contagiosa.

d) Direitos indisponíveis - Os direitos da personalidade estão fora do comércio; no entanto, isso não ocorre com todos os bens da personalidade, pois alguns, como a imagem ou o nome, são disponíveis, conforme se pode observar com a leitura do art. 11 da legislação civilista: “Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária.” Note que a disponibilidade pode ser fundamentada no trecho “não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária”. Ademais, a própria lei prevê a disponibilidade ao permitir a doação de órgãos, conforme preceitua o art. 14 da legislação: ““Art. 14. É válida, com objetivo científico, ou altruístico, a disposição gratuita do próprio corpo, no todo ou em parte, para depois da morte. Parágrafo único. O ato de disposição pode ser livremente revogado a qualquer tempo.” Todo direito da personalidade é desprovido de disponibilidade. Quando alguém o dispõe, a qualquer momento essa disponibilidade poderá ser revogada. Em alguns casos a responsabilidade por ato lícito é típica, isto é, está prevista expressamente na lei; em outros casos tem-se responsabilidade civil pela prática de ato lícito que é atípica, ou seja, não está prevista na lei (art. 929 c/c art. 188, II, ambos do Código Civil). Toda vez que uma pessoa atua em estado de necessidade, ela pratica ato lícito. No direito civil, assim como no direito penal, tem-se que, apesar de estar cometendo um ato lícito, o sujeito será cobrado pelo dano ocasionado. É verdade que no direito civil a maioria das hipóteses de responsabilidade civil ocorre pela prática de ato ilícito. Observamos que os direitos da personalidade são indisponíveis. Todavia, vimos, também, que isso é relativo. Toda vez que a disponibilidade ofender princípio de ordem pública, ela não é possível; sua possibilidade se pauta, portanto, na não ofensa. Não se pode admitir que a exploração das potencialidades econômicas dos direitos da personalidade sejam ad aeternun, pois se estaria violando frontalmente as disposições do art. 11 do Código Civil. O Enunciado n. 4 da I Jornada de Direito Civil diz: “Art. 11. O

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exercício dos direitos da personalidade pode sofrer limitação voluntária, desde que não seja permanente nem geral.” Tal permissão contratual não implica transmissão ou renúncia aos respectivos direitos da personalidade. Sobre o assunto, os arts. 28 a 30 da Lei n. 9.610/98, que admitem a cessão gratuita de partes do corpo e a cessão patrimonial de direitos autorais. Outro fato que deve ser mencionado é a limitação dos direitos da personalidade. Por ser a liberdade um bem essencial à personalidade, as pessoas devem agir sempre de boa-fé, e afastar, assim, as hipóteses de abuso de direito. Sobre a questão vejamos o Enunciado n. 139 da III Jornada de Direito Civil: “Art. 11. Os direitos da personalidade podem sofrer limitações, ainda que não especificamente previstas em lei, não podendo ser exercidos com abuso de direito de seu titular, contrariamente à boa-fé objetiva e aos bons costumes.” e) Direitos extrapatrimoniais - Os direitos da personalidade não têm valor patrimonial. Não há como valorar a vida ou a honra de uma liberdade cerceada. O fato de não ter como aferir o valor não significa que, violado o direito da personalidade, não haja a possibilidade de ação de responsabilidade civil por dano moral e a consequente compensação ou reparação. f) Direitos intransmissíveis - Não há como se transmitir honra, recato, vida, já que os direitos da personalidade são ínsitos ao aspecto físico e espiritual do seu titular. Contudo, nada impede que os herdeiros demandem em caso de uma ofensa à pessoa falecida. 2.5.2. A tutela dos direitos da personalidade Pode-se exigir que cesse a ameaça ou a lesão a direito da personalidade e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei. Em se tratando de morto, terá legitimação para requerer a medida prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente ou qualquer parente em linha reta ou colateral até o quarto grau. Percebe-se que o art. 12 do Código Civil versa sobre os mecanismos da tutela dos direitos da personalidade, tanto no sentido de prevenção (tutela preventiva) como de cessação da ocorrência de lesão, podendo a parte cumular estes pedidos com perdas e danos. Importante o verbete da Súmula n. 403 do STJ:

“Independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada de imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais.” Quanto à questão da legitimação mencionada no parágrafo único do art. 12 do Código Civil, dá-se legitimação também ao companheiro. Arts. 12 e 20. O rol dos legitimados de que tratam os arts. 12, parágrafo único, e 20, parágrafo único, do Código Civil também compreende o companheiro (Enunciado n. 275 da IV Jornada de Direito Civil). Art. 12, parágrafo único. As medidas previstas no art. 12, parágrafo único, do Código Civil podem ser invocadas por qualquer uma das pessoas ali mencionadas de forma concorrente (Enunciado n. 398 da V Jornada de Direito Civil). Arts. 12, parágrafo único, e 20, parágrafo único. Os poderes conferidos aos legitimados para a tutela post mortem dos direitos da personalidade, nos termos dos arts. 12, parágrafo único, e art. 20, parágrafo único, do CC, não compreendem a faculdade de limitação voluntária (Enunciado n. 399 da V Jornada de Direito Civil). Arts. 12, parágrafo único, e 20, parágrafo único. Os parágrafos únicos dos arts. 12 e 20 asseguram legitimidade, por direito próprio, aos parentes, cônjuge ou companheiro para tutela contra a lesão perpetrada post mortem (Enunciado n. 400 da V Jornada de Direito Civil). a) Vedação de atos de disposição do próprio corpo - Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes. O ato previsto no art. 13 será admitido para fins de transplante, na forma estabelecida em lei especial. Mediante contraprestação pecuniária, estão vedados todos os atos de disposição do próprio corpo, que reduzam a integridade física do indivíduo ou que venham a contrariar os bons costumes e a moral. Sobre a gratuidade, citamos o Enunciado n. 532 da VI Jornada de Direito Civil: “É permitida a disposição gratuita do próprio corpo com objetivos exclusivamente científicos, nos termos dos arts. 11 e 13 do Código Civil.”

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O artigo sob comento não veda as cirurgias de mudança de sexo, pois se deve dar ênfase à dignidade da pessoa humana; é o caso de pessoas que vivem em constante conflito interno quanto à sua sexualidade. Nesse sentido foram aprovados os Enunciados n. 6 da I Jornada de Direito Civil e 276 da IV Jornada: Art. 13. A expressão “exigência médica”, contida no art. 13, refere-se tanto ao bem-estar físico quanto ao bem-estar psíquico do disponente. Art.13. O art. 13 do Código Civil, ao permitir a disposição do próprio corpo por exigência médica, autoriza as cirurgias de transgenitalização, em conformidade com os procedimentos estabelecidos pelo Conselho Federal de Medicina, e a consequente alteração do prenome e do sexo no Registro Civil. O termo exigência médica não se confunde com autorização médica, pois a primeira pressupõe risco de vida. O tema apresenta controvérsias e sempre deve ser analisado sob o prisma constitucional. A alteração de sexo (transgenitalização) encontra guarida também no art. 5º, X, da Constituição Federal. Nesses tipos de cirurgia é alterado o estado da pessoa, ocorrendo grande repercussão social. Havendo a mudança de sexo, em regra, o nome também será modificado; trata-se, então, de conditio sine qua non. A doutrina sustenta que tal ação busca, na verdade, a alteração do estado individual; portanto, não se trata, evidentemente, de ação visando à mera retificação de registro civil. Assim, essa questão deve ser colocada perante o Juízo de Família. O transexual pode casar-se com pessoa do mesmo sexo, mas tal fato pode acarretar um problema, se não houver transparência no ato. Nesse caso, é possível ocorrer anulação do casamento por erro essencial quanto à identidade do outro cônjuge; do contrário, não haverá anulação. Tatuagem e piercing são permitidos, pois são atos de autonomia privada, não acarretando diminuição permanente da integridade física e não afetando os bons costumes dentro do padrão médio da sociedade (ex. bodyart e o bodymodification). Trata-se da aplicação do princípio da adequação social.

Importante citar o Enunciado n. 401 da V Jornada de Direito Civil: “Art. 13. Não contraria os bons costumes a cessão gratuita de direitos de uso de material biológico para fins de pesquisa cientifica, desde que a manifestação de vontade tenha sido livre e esclarecida e puder ser revogada a qualquer tempo, conforme as normas éticas que regem a pesquisa cientifica e o respeito aos direitos fundamentais”. b) O princípio do consenso afirmativo – presente no art. 14 do CC/02 dispondo que é válida, com objetivo científico, ou altruístico, a disposição gratuita do próprio corpo, no todo ou em parte, para depois da morte. O ato de disposição pode ser livremente revogado a qualquer tempo. Hoje vigora a doação consentida (Lei n. 10.211/2001, que alterou o art. 9º da Lei n. 9.434/1997) ou o princípio do consenso afirmativo (o art. 14 do Código Civil revogou parcialmente o art. 4º da Lei n. 9.434/97), porquanto aqui prevalece a autonomia privada da vontade do ser humano, principalmente por se aproximar do princípio da solidariedade. É possível a feitura de um testamento manifestando a vontade de que após a morte sejam doados os órgãos. A família não pode se voltar contra a autonomia da vontade; os familiares só decidem se não houver qualquer manifestação de vontade (negativa ou positiva). Vejamos os Enunciados a seguir: Art. 14. O art. 14 do Código Civil ao afirmar a validade da disposição gratuita do próprio corpo para depois da morte determinou que a manifestação expressa do doador em vida prevalece sobre a vontade dos familiares; portanto, a aplicação do art. 4º da Lei n. 9.434/97 fica restrita à hipótese de silêncio do potencial doador (Enunciado n. 277 da IV Jornada de Direito Civil). Art. 14, parágrafo único. O art. 14, parágrafo único, do Código Civil, fundado no consentimento informado, não dispensa o consentimento dos adolescentes para doação de medula óssea prevista no art. 9°, § 6°, da Lei n. 9.434/1997 por aplicação analógica dos arts. 28, § 2° (alterado pela Lei n. 12.010/2009), e 45, § 2°, do ECA (Enunciado n. 402 da V Jornada de Direito Civil).

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Tal artigo não se restringe ao transplante, mas também para fins científicos. A doação do próprio corpo para fins de pesquisa pode ser feita por escritura pública ou por testamento. Caso os parentes do falecido não concordem com a doação, pretendendo sepultar o cadáver, cabe ao beneficiado valer-se das tutelas judiciais de urgência. No que concerne às cirurgias de risco, o paciente deve ser informado pelo médico de todas as circunstâncias que envolvem o ato cirúrgico. Isso é importante para o paciente, bem como para o médico, pois o mesmo se resguarda de futuras responsabilidades. c) Os princípios da autonomia do paciente e da não maleficência - Ninguém pode ser constrangido a se submeter, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica. O art. 15 do Código Civil confere ao paciente o direito de se submeter ou não ao tratamento médico, depois de informado sobre os procedimentos, riscos de vida ou de sequelas que eventualmente possam ocorrer. A recusa não pode ser fútil. Cumpre mencionar o Enunciado n. 533 da VI Jornada de Direito Civil, dispondo que “O paciente plenamente capaz poderá deliberar sobre todos os aspectos concernentes a tratamento médico que possa lhe causar risco de vida, seja imediato ou mediato, salvo as situações de emergência ou no curso de procedimentos médicos cirúrgicos que não possam ser interrompidos.” O dispositivo deve ser interpretado restritivamente, sem jamais priorizar a liberdade do paciente em detrimento da vida, a qual tem primazia constitucional. O que importa para os chamados “testemunhas de Jeová”, por exemplo, é a liberdade religiosa (art. 5º, § 6º, da CF/88) e não a vida. Não aceitam a transfusão de sangue. Nesse caso, a posição dominante atualmente é que o médico deverá fazer a transfusão e salvar a vida do paciente (ponderação dos direitos). O Enunciado n. 403 da V Jornada de Direito Civil afirma entendimento que, segundo o art. 15, o direito à inviolabilidade de consciência e de crença, previsto no art. 5°, VI, da Constituição Federal, aplica-se também a pessoa que se nega a tratamento médico, inclusive transfusão de sangue, com ou sem

risco de morte, em razão de tratamento ou da falta dele, desde que observados os seguintes critérios: a) capacidade civil plena, excluído o suprimento pelo representante ou assistente; b) manifestação de vontade livre, consciente e informada; e c) oposição que diga respeito exclusivamente à própria pessoa do declarante. 2.5.3. O direito fundamental da identidade 2.5.3.1. Nome civil Elemento designativo do indivíduo e fator de sua identificação na sociedade, o nome é, ainda, atributo da personalidade. Envolve, simultaneamente, um direito individual e um interesse social. É direito e é dever; nele são compreendidos o prenome (designa o indivíduo) e o sobrenome (indica a origem familiar), além de possuir um aspecto privado e um aspecto público. No aspecto privado o nome é um direito da personalidade ligado ao princípio da dignidade humana. O nome é um elo entre a pessoa e a sociedade, do que resulta seu aspecto público. No aspecto público, o nome é necessário para que todos nós sejamos identificados, ou seja, está ligado à ideia de uma identidade. O aspecto privado possibilita que a pessoa mude o seu nome de acordo com a trajetória da sua vida. No aspecto público há uma índole conservadora, porquanto a sociedade exige que o nome seja imutável para que haja segurança na identificação de cada um. São chamados de contingentes ou secundários: o agnome: Neto, Filho, Júnior.

Ex.: Péricles Júnior. Quando há um apelido público e notório, esse é chamado de vocatório (Xuxa, Pelé, Lula). O hipocorístico é um designativo do nome derivado de sua raiz, destinado à expressão de afeto (Zeca, Chico). O prenome pode ser mudado nas seguintes hipóteses: adoção de um menor; nome vexatório (art. 55 da LRP): Graciosa Rodela, Um, Dois, Três de Oliveira Quatro; erro gráfico (art. 110 da LRP); homonímia; art. 56 da LRP – dos 18 aos 19 anos (a lei apresenta um prazo decadencial de um ano para a mudança, todavia o STJ no REsp n. 538.187/RJ já se manifestou em sentido contrário); aquelas pessoas que estão no programa de proteção a vítimas e testemunhas, de acordo com o parágrafo único do art. 58 da LRP; art. 57 da

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LRP; casamento, separação ou divórcio (art. 1.565, §§ 1º e 2º, do CC) e substituições por apelidos públicos notórios (art. 58 da LRP). Note que esse tema já foi tratado em alguns concursos, e na maioria deles o instrumento processual a ser realizado é a Ação de Retificação de nome (Art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, c/c art. 109, LRP ). Indaga-se: Em retificação de registro civil, nome de família pode ocupar qualquer posição? “[...] A lei não faz nenhuma exigência de observância de uma determinada ordem no que tange aos apelidos de família, seja no momento do registro do nome do indivíduo, seja por ocasião da sua posterior retificação. Também não proíbe que a ordem do sobrenome dos filhos seja distinta daquela presente no sobrenome dos pais.”. (STJ, REsp 1.323.677, rel.ª Min.ª Nancy Andrighi, 3ª Turma, j. em 05.02.2013, DJe, 15.02.2013, REVJUR vol. 424, p. 137). É possível a alteração no registro de nascimento para dele constar o nome de solteira da genitora, excluindo o patronímico do ex-padrasto? O nome civil é reconhecidamente um direito da personalidade, porquanto é o signo individualizador da pessoa natural na sociedade, conforme preconiza o art. 16 do CC. O registro público da pessoa natural não é um fim em si mesmo, mas uma forma de proteger o direito à identificação da pessoa pelo nome e filiação, ou seja, o direito à identidade é causa do direito ao registro. O princípio da verdade real norteia o registro público e tem por finalidade a segurança jurídica, razão pela qual deve espelhar a realidade presente, informando as alterações relevantes ocorridas desde a sua lavratura. Assim, é possível a averbação do nome de solteira da genitora no assento de nascimento, excluindo o patronímico do ex-padrasto. Ademais, o ordenamento jurídico prevê expressamente a possibilidade de averbação, no termo de nascimento do filho, da alteração do patronímico materno em decorrência do casamento, o que enseja a aplicação da mesma norma à hipótese inversa – princípio da simetria –, ou seja, quando a genitora, em decorrência de divórcio ou separação, deixa de utilizar o nome de casada, conforme o art. 3º, parágrafo único, da Lei 8.560/1992. Precedentes citados:

REsp 1.041.751-DF, DJe 3/9/2009, e REsp 1.069.864-DF, DJe 3/2/2009. (REsp 1.072.402-MG, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. em 04.12.2012). 2.5.4. A proteção do nome O nome da pessoa não pode ser empregado por outrem em publicações ou representações que a exponham ao desprezo público, ainda quando não haja intenção difamatória. Mesmo que não seja exposto ao desprezo público, o nome da pessoa não pode ser utilizado por uma terceira pessoa, sem a devida autorização, sob pena de reparação, por violação à honra objetiva e subjetiva. a) Vedação do uso do nome em propaganda na falta de autorização - Sem autorização, não se pode usar o nome alheio em propaganda comercial. Tal proteção abrange o prenome, bem como o nome da família. Caso ocorra a utilização do nome em propaganda comercial (entenda-se que o termo correto seria publicidade, em razão do seu fim comercial) sem a devida autorização, estará violado o dever originário, ensejando assim o dever secundário, que nada mais é do que a devida reparação. Imagem é toda a representação da pessoa, de suas múltiplas formas de comportamento ou manifestações, as quais identificam a sua própria personalidade. Quando se fala de direito à imagem, têm-se a imagem-retrato, a imagem-atributo e a imagem voz. A imagem-retrato é ofendida no simples momento em que o indivíduo capta a imagem de alguém sem autorização. Trata-se da representação física da pessoa como um todo ou em partes separadas do corpo, desde que identificáveis, implicando o reconhecimento de seu titular por meio de fotografia, escultura, desenho, pintura. Imagem-atributo é o atributo moral que está por trás da imagem de uma pessoa (reputação/prestígio social). Essa imagem-atributo é defensável (art. 5º, V, da CF/88). O recente Enunciado n. 531 da VI Jornada de Direito Civil aborda o assunto: “A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento”. Havendo uso indevido da imagem, a obrigação de indenizar é automática, em razão da violação de um dever originário de não causar danos a outrem (neminem laedere).

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b) O uso do nome fictício - O pseudônimo adotado para atividades lícitas goza da proteção que se dá ao nome. Pseudônimo significa um nome fictício usado por um indivíduo como alternativa ao seu nome legal. Normalmente é um nome inventado por um escritor, um poeta, um jornalista ou um artista que não queira ou não possa assinar suas próprias obras. Nem sempre o pseudônimo é uma mudança total do nome; às vezes pode consistir na mudança de uma letra ou outra, frequentemente, porque o portador acha seu nome de batismo “difícil”. Sob o aspecto jurídico, o pseudônimo é tutelado pela lei quando tenha adquirido a mesma importância no nome oficial, nas mesmas modalidades que defendem o direito ao nome. Afirma-se que não pode o mesmo ser utilizado pra fins ilícitos. 2.5.5. Da proteção da imagem Salvo autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma

pessoa poderão ser proibidas, ao seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes. O art. 20 do Código Civil, de 2002 se refere à imagem, cabendo ao prejudicado postular a proibição da divulgação, bem como requerer a reparação cabível, desde que seja atingida a honra, a boa fama, ou seja, quando é ferida a dignidade da pessoa humana. O parágrafo único do referido artigo acima omitiu injustificadamente a legitimação do companheiro e dos parentes colaterais. Existe jurisprudência no sentido de dar legitimação para essas pessoas. Note que caso ocorra colisão entre as liberdades de informação e expressão e o direito de imagem, será necessário haver ponderação entre os elementos envolvidos. Nesse caso devem ser levados em conta a veracidade dos fatos, a licitude dos meios empregados na obtenção da informação, a personalidade pública ou estritamente privada da pessoa objeto da notícia, o local do fato, a

existência de interesse público na divulgação e a preferência por medidas que não envolvam a proibição prévia da divulgação. 2.5.6. Proteção da privacidade da pessoa natural A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a essa norma. Trata-se do direito que cada indivíduo possui de impedir a intromissão de pessoas estranhas em sua vida particular. Art. 21. A tutela da privacidade da pessoa humana compreende os controles espacial, contextual e temporal dos próprios dados, sendo necessário seu expresso consentimento para tratamento de informações que versem especialmente o estado de saúde, a condição sexual, a origem racial ou étnica, as convicções religiosas, filosóficas e políticas (Enunciado n. 404 da V Jornada de Direito Civil). Art. 21. As informações genéticas são parte da vida privada e não podem ser utilizadas para fins diversos daqueles que motivaram seu armazenamento, registro ou uso, salvo com autorização do titular (Enunciado n. 405 da V Jornada de Direito Civil). Vamos treinar? 01. (CESPE - 2014 - TJ-SE - Analista Judiciário - Direito) Julgue os itens a seguir, relativos a pessoas, bens e negócios jurídicos. Estado individual é a qualidade atribuída pelo direito a uma pessoa natural, a quem a lei outorga determinados efeitos jurídicos.

Certo Errado GABARITO: CERTO Comentários: A afirmativa está certa. O estado da pessoa natural divide-se em individual, familiar ou político. O estado individual ou físico diz respeito às características particulares da pessoa natural, como sexo, idade, cor etc., e tem grande importância na capacidade, a quem a lei outorga determinados efeitos jurídicos. Já o estado familiar diz respeito ao estado civil da

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pessoa natural, bem como ao seu parentesco e afins e por fim, o estado político, que diz respeito à nacionalidade. 02. (MPE-MG - 2014 - MPE-MG - Promotor de Justiça) Assinale a alternativa CORRETA: No Direito Civil brasileiro, o início da personalidade do ser humano é marcado: a) Pela concepção. b) Pela ruptura do cordão umbilical. c) Pela docimasia hidrostática de Galeno. d) Pela nomeação de curador ao nascituro. GABARITO: C Comentários: O gabarito da questão é a letra C. De acordo com o art. 2º da lei civil, a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro. Todavia, o início da personalidade é marcado pela respiração que é comprovada através da docimasia hidrostática de Galeno, pouco importando a ruptura do cordão umbilical. 03. (TRF - 4ª REGIÃO - 2014 - TRF - 4ª REGIÃO - Juiz Substituto) Dadas as assertivas abaixo, assinale a alternativa correta. O Código Civil de 2002 (Lei nº 10.406/2002), na redação vigente, dedica o seu Livro I à tutela jurídica das pessoas. Com base nas disposições respectivas às pessoas naturais, é possível afirmar que: I. São atributos da personalidade civil ou personalidade: nome, estado (status), domicílio, capacidade e fama. II. A incapacidade é a restrição legal aos atos da vida civil, sendo esta, na Ordem Jurídica brasileira, exclusivamente, de fato ou exercício. III. Os pródigos, ainda que relativamente incapazes, podem praticar, validamente, atos de administração patrimonial, como são exemplos a transação financeira perante bancos e a constituição de hipotecas sobre bens imóveis. IV. A emancipação voluntária pode ser concedida por ambos os pais ao menor com no mínimo 16 (dezesseis) anos de idade, independentemente de homologação judicial, mas necessariamente concretizada em

instrumento público, sob pena de nulidade, devendo a escritura respectiva ser registrada no cartório do registro civil, à margem do assento de nascimento. a) Está correta apenas a assertiva I. b) Estão corretas apenas as assertivas II e III. c) Estão corretas apenas as assertivas I, II e IV. d) Estão corretas apenas as assertivas II, III e IV. e) Estão corretas todas as assertivas. GABARITO: C Comentários Correta a assertiva de letra C. O item I está correto, já que constituem atributos da personalidade o nome, estado, domicílio, capacidade e fama. Este último quesito pode ser objeto de dúvida, todavia, trata-se da boa fama, ligada ao nome e a honra da pessoa, disposta no art. 20, CC/2002, que quando violadas geram dever de indenizar. O item II também está correta, e tem por fundamento a lei civil em seus arts. 3º e 4º, ao tratar da incapacidade absoluta e relativa,: “Art. 3o São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil: [...]” e “Art. 4o São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer:[...]”. O item IV também está correto e tem por bases legais o art. 5º, parágrafo único, inc. I c/c art. 9º, inc. II do CC. PONTO 3. PESSOA JURÍDICA 1. CONCEITO Também chamada de ente moral, a pessoa jurídica não tem existência concreta,mas, como o nome indica, é uma pessoa para o direito. Isso significa que ela nada mais é do que um ente abstrato que pode ter direitos e deveres próprios. Se duas pessoas criam uma sociedade e, em nome dela, um dos sócios contrai uma dívida, devedora é a sociedade e não os sócios, pois ela é uma pessoa jurídica. Da mesma forma, se um policial em exercício da função causar um dano a alguém, a indenização poderá ser cobrada do Estado, pois ele também é uma pessoa jurídica.

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Pessoa jurídica, portanto, é um ente abstrato formado por um conjunto de pessoas naturais ou de bens reunidos para um determinado fim, a quem a lei reconhece personalidade jurídica, ou seja, aptidão para ter direitos e deveres próprios. Note que a pessoa jurídica pode ser formada não só por pessoas naturais, mas também por um conjunto de bens. É o caso da fundação, que a seguir será objeto de nossas considerações neste livro. Por ser dotado de personalidade jurídica, o ente moral tem a proteção dos direitos da personalidade, mas não de todos, pois alguns são incompatíveis com sua natureza abstrata. Como exemplo, ele tem direito de imagem, mas não tem direito à vida. Por isso, o art. 52 do CC diz que se aplica às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade. Importante para sua prova: uma vez violado um direito da personalidade da pessoa jurídica, ela poderá cobrar indenização por dano moral? Nos termos da súmula 227 do STJ, a pessoa jurídica pode sofrer dano moral. Háuma corrente que defende que não, pois dano moral é uma ofensa à honra e a pessoa jurídica e, em razão de sua abstratividade, não teria honra. Na verdade, a honra pode ser de dois tipos: honra subjetiva (o que eu penso de mim, ou seja, minha auto-estima) e honra objetiva (o que as pessoas pensam de mim). Por ser um ente abstrato, a pessoa jurídica não tem honra subjetiva, mas tem honra objetiva, podendo, portanto, sofrer dano moral. Ainda em razão da natureza abstrata da pessoa jurídica, alguém tem que ser a sua voz, falar em nome dela, papel que cabe ao administrador. Por isso, quando ele assume uma obrigação, não obriga a si próprio, mas sim à pessoa jurídica. Cuidado: ao criar a pessoa jurídica, os membros podem colocar no ato constitutivo limitações à sua atuação. Caso ele pratique algum ato excedendo, seus poderes definidos no ato constitutivo, excepcionalmente obrigarão a si próprio e não à pessoa jurídica (art. 47 do CC). 2. TIPOS

A pessoa jurídica pode ser de três tipos: de direito público interno, de direitopúblico externo ou de direito privado. Importante sabermos quem são as pessoas jurídicas que se inserem em cada uma dessas classificações. a) Pessoas jurídicas de direito público interno: Entes federativos (União, Estados, Distrito Federal, Territórios e Municípios), autarquias, associações públicas (entes federativos que se associam para realizar alguma atividade conjuntamente) e demais entidades de caráter público criadas por lei (ex. agências reguladoras). b) Pessoas jurídicas de direito público externo: São as pessoas jurídicas que têm representatividade internacional, que são reconhecidas no cenário internacional. Para sua prova da OAB, você deve conhecer três casos: Estados estrangeiros, organismos internacionais (ex. ONU) e a República Federativa do Brasil. c) Pessoas jurídicas de direito privado: sociedades, associações, fundações, partidos políticos, organizações religiosas e a empresa individual de responsabilidade limitada. A rigor, podemos afirmar que são as sociedades, associações e as fundações, pois partidos políticos e organizações religiosas são espécies de associações e a empresa individual de responsabilidade limitada nada mais é do que uma sociedade que só tem um único sócio. Com efeito, até o início de 2011, não se admitia, como regra a sociedade unipessoal, ou seja, com um único sócio, razão pela qual eu tinha que negociar com pelo menos uma pessoa caso tivesse a vontade de constituir uma sociedade. Assim, usava-se muito a figura do laranja, tendo uma pessoa 99% do capital social e o outro apenas 1% do mesmo, simulando uma sociedade com apenas um sócio. Por isso, a partir do início de 2011, com a alteração do Código Civil, que incluiu como pessoa jurídica de direito privado a empresa individual de responsabilidade limitada, permite a lei agora a constituição de sociedade limitada com um único sócio. A vantagem, como se aprofunda no estudo do direito empresarial, é

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limitar a minha responsabilidade enquanto sócio pelas dívidas contraídas no exercício da empresa, pois quem responde é a sociedade enquanto pessoa jurídica e não eu, o único sócio dessa sociedade. Assim, só respondo com o patrimônio que aportei na sociedade ao contribuir para o capital social. Vale a pena lembrar, outrossim, para a prova da OAB que os sindicatos também são pessoas jurídicas de direito privado, pois têm natureza associativa, bem como as cooperativas, que, os termos do parágrafo único do art. 982 do CC, são sociedades simples. Qual a diferença entre sociedade, associação e fundação? Sociedade tem finalidade lucrativa, enquanto que associação e fundação não visam ao lucro. Diferenciando as entidades não lucrativas, a associação é formada por um conjunto de pessoas (universitaspersonarum), enquanto que a fundação é formada por um conjunto de bens (universitasbonorum). Assim sendo, se pessoas se organizam para a venda de algum produto para lucro pessoal, criam uma sociedade. Por outro lado, se essas pessoas se organizam para dar aulas gratuitas para crianças carentes, constituem uma associação. Se, no entanto, uma pessoa destina alguns bens do seu patrimônio para exercício de uma finalidade não lucrativa, cria uma fundação. Note que associações e fundações não são espécies de sociedades, mas sim, como ela, pessoas jurídicas de direito privado. O que são entes despersonalizados? É o ente que não tem personalidadejurídica, mas que tem capacidade de ser parte em um processo judicial, ou seja, embora não possa ter direitos e deveres, pode ser autor ou réu em demandas judiciais por expressa previsão legal (art. 12 do CPC). Exemplos: condomínio edilício, espólio, herança jacente, herança vacante, massa falida, pessoa jurídica sem registro do ato constitutivo. 3. AQUISIÇÃO E TÉRMINO DA PERSONALIDADE JURÍDICA Quando a pessoa jurídica adquire personalidade jurídica? Com o registro de seu

ato constitutivo em cartório, averbando-se todas as modificações por que passar. Todavia, algumas pessoas jurídicas necessitam de uma prévia autorização do governo para funcionarem. Por exemplo, os bancos pelo Banco Central e as faculdades pelo MEC. Quando a pessoa jurídica perde personalidade jurídica? Essa perda só pode ocorrer depois que todos os credores forem pagos, pois a partir daí ela não pode mais ter deveres. Esse pagamento se dá na chamada fase de liquidação, onde é nomeado um liquidante, que tem a função de arrecadar os bens da pessoa jurídica e negociá-los para o pagamento dos seus credores. Por isso, o art. 51 do CC prevê que a pessoa jurídica subsistirá para fins de liquidação, até que esta se conclua. Note em sua redação que o mesmo se dá na chamada dissolução administrativa,que ocorre quando cassada a autorização de funcionamento, nos casos em que esta é exigida. Assim sendo, se o MEC cassar a autorização de funcionamento de uma faculdade em razão da má qualidade do ensino, ela também só perderá sua personalidade jurídica após o encerramento da fase de liquidação. 4. ASSOCIAÇÕES Associação é a pessoa jurídica formada por um conjunto de pessoas naturais quese reúnem para praticar atividade não econômica. A associação até pode cobrar ou receber valores, o que não retira sua natureza associativa, desde que investidos na própria associação. A associação não visa ao lucro, mas deve buscar superávit, ou seja, dinheiro para pagar suas contas. Não ter fins econômicos significa que não visa ao lucro de seus membros, que são os associados. Por isso, o parágrafo único do art. 53 do CC estabelece não haver direitos edeveres entre os associados. Em se tratando de associação que reclame aporte de recursos dos associados, tal obrigação não é para com os demais associados, mas sim para com a associação, uma vez que a associação não visa ao lucro de seus membros.

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O ato constitutivo da associação é o Estatuto. Como a associação não visa aolucro, em regra todos os associados devem ter iguais direitos. Todavia, o estatuto pode instituir categorias de associados com vantagens especiais, por exemplo, associados beneméritos, enquanto grupo composto por associados que contribuíram de alguma forma mais efetiva para a associação. O atual CC conferiu, como regra, caráter personalíssimo para as associações. Nos termos do seu art. 56, salvo previsão em contrário no estatuto, a qualidade de associado é intransmissível. Um associado pode ser excluído da associação, mas isso exige dois requisitos:justa causa (condutas previstas no estatuto que legitimam sua exclusão) e procedimento próprio que garanta ao associado o direito de contraditório e de ampla defesa. Na dissolução da associação, diante da finalidade não lucrativa, o seu patrimônionão é partilhado entre os associados, mas destinado a outra entidade sem fins lucrativos definida no seu estatuto. Se omisso, será escolhida por deliberação dos associados, instituição municipal, estadual ou federal de fins idênticos ou semelhantes. Em não havendo essa instituição no Município, no Estado, no Distrito Federal ou no Território em que a associação tiver sede, será destinado à Fazenda do Estado ou do Distrito Federal, ou ainda, à Fazenda da União, caso situada em um Território. 5. FUNDAÇÕES Fundação é a pessoa jurídica de direito privado formada por um conjunto debens reunidos para a prática de atividade não econômica. Sua constituição é mais complexa, sendo um processo composto de quatro fases: dotação, estatuto, aprovação e registro. O ato constitutivo da fundação é um Estatuto. Todavia, como ela é formada porum conjunto de bens, antes da elaboração do estatuto, o seu instituidor deve destinar bens de seu

patrimônio para sua constituição. É o ato de dotação, ou seja, afetação de bens livres para a criação da fundação. A lei exige forma especial para o ato de dotação, devendo ser por escritura pública ou até por testamento, pois uma pessoa pode testar destinando bens para criação de uma fundação com a sua morte. O ato de dotação deve indicar obrigatoriamente a finalidade da fundação, que,nos termos do parágrafo único do art. 62 do CC deve ser religiosa, moral, cultural ou de assistência, ou seja, não lucrativa. A finalidade da fundação é imutável, o que gera um problema: e se os bensdotados forem insuficientes para a finalidade proposta? A finalidade não pode ser alterada, nem tampouco os bens poderão retornar ao instituidor, pois uma vez dotados, não lhe retornam. A solução está no art. 63 do CC, que prevê sua incorporação em outra fundação de fim igual ou semelhante. Após o ato de dotação, será elaborado o estatuto, que pode ser feito pelo próprioinstituidor ou quem por ele indicado. Qual o prazo para a elaboração do estatuto? Aquele indicado pelo instituidor no ato de dotação. Se não for indicado o prazo, será este de 180 dias. Se não elaborado no prazo indicado, ou, não havendo, em 180 dias, a incumbência caberá ao Ministério Público. É função institucional do Ministério Público fiscalizar as fundações. Por isso, oestatuto da fundação deverá ser aprovado pelo MP, com possibilidade de recurso ao juiz diante de inconformismo com eventual recusa, para posterior registro, quando a fundação adquire sua personalidade jurídica, completando o processo de sua formação. O estatuto da fundação pode ser alterado, mas a lei impõe três requisitos:aprovação de 2/3 dos integrantes do órgão de administração, não alterar o fim da fundação e aprovação do Ministério Público com recurso ao juiz diante de eventual recusa. Se não houver aprovação unânime, a minoria vencida deve ser comunicada, para, se quiser, impugnar junto ao MP, no prazo de dez dias.

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A extinção da fundação poderá será requerida pelo Ministério Público ou porqualquer interessado quando a finalidade tornar-se ilícita, impossível ou inútil ou ainda, no caso de uma fundação criada por prazo determinado, quando completar o prazo de sua existência. Que destino será dado ao patrimônio da fundação, já que não pode retornar ao instituidor? Será destinado a outra entidade sem fins lucrativos, tal como ocorre com as associações. Que entidade será esta? Aquela definida no estatuto da fundação. Se omisso, como não há associados para deliberar, caberá ao juiz escolher outra fundação de fins iguais ou semelhantes. Vamos treinar? 01. (TRF - 4ª REGIÃO - 2014 - TRF - 4ª REGIÃO - Juiz Substituto) Dadas as assertivas abaixo, assinale a alternativa correta. O Código Civil de 2002 (Lei nº 10.406/2002), na redação vigente, se ocupa, nos artigos 11 a 21, da tutela jurídica dos chamados direitos da personalidade, ou seja, da proteção jurídica de objetos de direito que pertencem à natureza do homem (direitos de humanidade). Mais adiante, no artigo 52 atribui também às pessoas jurídicas a titularidade dos direitos da personalidade, desde que compatíveis com os aspectos múltiplos das atividades que desenvolvem. A partir dos referidos dispositivos legais, é possível afirmar que: I. O ato de disposição do próprio corpo, para fins de transplante, é admitido pelo Código Civil de 2002, na forma estabelecida por lei especial. Sendo assim, é permitido à pessoa plenamente capaz dispor, gratuitamente, de tecidos, órgãos e partes de seu corpo vivo, para fins terapêuticos ou para transplantes, desde que resguardada a sua integridade física e psíquica. II. É válida, com objetivo científico ou altruístico, a disposição gratuita do próprio corpo, no todo ou em parte, para depois da morte, sendo que a livre manifestação expressa do doador dos órgãos em vida prevalece sobre a vontade de seus familiares. III. Toda a pessoa natural tem direito ao nome, sendo que a forma fundamental de aquisição

do patronímico é a filiação. O atual Código Civil, no entanto, permite que o marido adote o patronímico da esposa, na medida em que a própria Carta Constitucional de 1988 equiparou os direitos e deveres dos homens e mulheres. IV. O direito ao nome empresarial (ou à denominação das sociedades simples, associações e fundações) decorre da proteção que a Lei Civil assegura às pessoas jurídicas, enquanto sujeitos do direito à identidade, ao passo que, do ponto de vista da Ordem Pública, esses sujeitos de direito, titulares do nome ou da denominação, têm a correlata obrigação de ter um nome pelo qual possam ser identificados perante a sociedade e os Poderes Públicos. a) Estão corretas apenas as assertivas I e II. b) Estão corretas apenas as assertivas II e III. c) Estão corretas apenas as assertivas I, III e IV. d) Estão corretas apenas as assertivas II, III e IV. e) Estão corretas todas as assertivas. GABARITO: E Comentários: O item I está correto e tem por base legal o disposto no art. 13 c/c art. 14 da lei civil. O item II tem por fundamento o disposto no Enunciado n. 277 da IV Jornada de Direito Civil dispondo que “Art.14. O art. 14 do Código Civil, ao afirmar a validade da disposição gratuita do próprio corpo, com objetivo científico ou altruístico, para depois da morte, determinou que a manifestação expressa do doador de órgãos em vida prevalece sobre a vontade dos familiares, portanto, a aplicação do art. 4º da Lei n. 9.434/97 ficou restrita à hipótese de silêncio do potencial doador.” Já o item III também está correto e baseia-se no disposto no art. 16 c/c o art.1.565, § 1º, ambos do Código Civil. E por fim, o item IV, que fundamenta-se na previsão dos arts. 1.155, 1.156 e 1.166 do CC/02. 02. (FCC - 2014 - MPE-PE - Promotor de Justiça) Em relação à Empresa Individual de Responsabilidade Limitada, é correto afirmar:

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a) Sua constituição e funcionamento, independentemente do objeto, dependem de prévia autorização da Junta Comercial. b) O seu capital social não poderá ser superior a 100 (cem) vezes o maior salário mínimo vigente no País. c) Tem natureza jurídica de sociedade limitada unipessoal, de sorte que o seu nome empresarial deverá ser formado pela inclusão da expressão "Ltda." após a firma ou a denominação social. d) A mesma pessoa natural não poderá, simultaneamente, ser titular de mais de uma empresa individual de responsabilidade limitada, ainda que seja capaz de integralizar o capital de todas elas. e) Tem personalidade jurídica própria, que não se confunde com a do seu titular e se adquire com a sua inscrição no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ). GABARITO: D Comentários: A questão tem por gabarito a assertiva de letra D e tem por fundamento legal o disposto no art. 980-A, § 2º do CC/02: “A pessoa natural que constituir empresa individual de responsabilidade limitada somente poderá figurar em uma única empresa dessa modalidade”. 03. (TRT 8R - 2014 - TRT - 8ª Região (PA e AP) - Juiz do Trabalho) Analise as proposições a seguir e marque a única alternativa que contempla as afirmações corretas: I - A vontade humana criadora, a observância das condições legais para a sua instituição e a licitude de seu objeto são pressupostos existenciais da pessoa jurídica. II - Segundo elenco disposto no Código Civil em vigor, são pessoas de direito público interno: a União; os Estados, o Distrito Federal e os Territórios; os Municípios; e as autarquias, inclusive as associações públicas. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, dolo ou culpa grave. III - São pessoas jurídicas de direito público

externo os Estados estrangeiros e todas as pessoas que forem regidas pelo direito internacional público. IV - As organizações religiosas são pessoas jurídicas de direito privado, sendo-lhes conferida liberdade de criação, organização, estruturação interna e de funcionamento, não podendo o poder público negar-lhes reconhecimento ou registro dos atos constitutivos e necessários ao seu funcionamento. V - Salvo se o ato constitutivo dispuser de modo diverso, segundo a disciplina do Código Civil em vigor, prevalece a regra geral da maioria absoluta para as decisões da pessoa jurídica submetida à administração coletiva. a) Estão corretas apenas as afirmações I, III e IV. b) Estão corretas apenas as afirmações II e V. c) Estão corretas apenas as afirmações I, IV e V. d) Estão corretas apenas as afirmações II e III. e) Estão corretas apenas as afirmações I, II e V. GABARITO: A Comentários: O item I está correto e traz os requisitos para a constituição da sociedade empresária, e começando sua existência legal com o registro do seu ato constitutivo (art. 45, CC/02). O item III também está correto e baseia-se no art. 42, CC/02. Já o item IV tem por fundamento o art. 44, § 1º, CC/02. A questão tem por gabarito a assertiva de letra A. PONTO 4. DOMICÍLIO É importante para o Estado saber onde a pessoa presumivelmente está, pois énecessário que todos tenham um local onde possam ser encontrados para responder por suas obrigações. A esse local damos o nome de domicílio, que se constitui na sede jurídica de uma pessoa. Precisamos determinar um critério para fixação do domicílio de uma pessoa, ouseja, do lugar onde ela presumivelmente está. A residência é um bom critério, pois residência é a morada habitual do indivíduo, é o lugar onde ele está habitualmente. No entanto, é um critério que

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peca quando ele não tem a intenção de na residência permanecer, tal como o intercâmbio de seis meses fora do Brasil. Por isso, domicílio é mais do que residência. Nos termos do art. 70 do CC,domicílio é a residência com ânimo definitivo, ou seja, o lugar onde tenho minha morada habitual com a intenção de aí permanecer. Note que o conceito de domicílio exige a soma de dois elementos: um elemento objetivo (ser a residência da pessoa) e um elemento subjetivo (a intenção de permanecer, conhecido como animus manendi). Nos dias atuais, a pessoa pode ter mais de uma residência com ânimo definitivo,pois, em razão da dinâmica social, vive e reside em mais de um lugar. Nesse caso, qual será o seu domicílio? Segundo art. 71 do CC, qualquer um desses lugares, pois a pessoa está presumivelmente em qualquer deles. Ora, é possível a pessoa ter mais de um domicílio? Naturalmente que sim. Se apessoa tem mais de uma morada habitual, terá mais de uma residência; se tem mais de uma residência com ânimo definitivo, terá mais de um domicílio. O Brasil não seguiu o CC francês, que prevê que a pessoa só pode ter um único domicílio. Nossa legislação seguiu o direito alemão, defendendo o princípio da pluralidade domiciliar, ou seja, a possibilidade da pessoa ter mais de um domicílio. Nesse sentido, além da residência com ânimo definitivo, a pessoa também tempor domicílio o lugar em que exerce permanentemente a sua profissão, afinal de contas o lugar em que a pessoa trabalha com ânimo definitivo também é um lugar onde ela presumivelmente está. No entanto, o lugar em que a pessoa exerce permanentemente sua profissão é chamado de domicílio profissional, pois, nos termos do art. 72 do CC, é o domicilio da pessoa para as questões concernentes ao exercício de sua profissão. Caso a pessoa exerça permanentemente sua profissão em mais de um lugar, será seu domicílio profissional qualquer deles. Em sentido inverso, é possível a pessoa não ter nenhuma residência com ânimodefinitivo.

Pense, a título de exemplo, na pessoa que trabalha em um circo que fica um mês em cada Município de alguns Estados, morando no próprio circo. Qual será o seu domicílio? Como não tem qualquer ponto onde fique habitualmente com a intenção de permanecer, seu domicílio será variável, pois o será o lugar em que for encontrado, conforme determina o art. 73 do CC. O art. 75 do CC traz o domicílio das pessoas jurídicas. O domicílio da União é oDistrito Federal, dos Estados e Territórios são suas capitais e do Município é o lugar onde funciona a sua administração. O domicílio da pessoa jurídica de direito privado é o lugar onde funcione a sua administração ou onde escolhido no seu ato constitutivo. Podemos apontar três tipos de domicílio: domicílio voluntário comum, domicíliovoluntário especial ou de eleição e domicílio necessário ou legal. Domicílio voluntário é aquele em que escolhemos, podendo ser comum ouespecial. Domicílio voluntário comum é a regra, ou seja, é a residência com ânimo definitivo de uma pessoa e o lugar onde ela exerce permanentemente a sua profissão. É chamado de voluntário comum para diferenciá-lo do voluntário especial, que é aquele escolhido especialmente para um contrato. Conforme art. 78 do CC, quando as partes celebram um contrato escrito podem escolher um domicílio especialmente para esse contrato, ou seja, o lugar onde serão cumpridos os direitos e deveres desse contrato, também sendo chamado de domicílio de eleição. Domicílio necessário ou legal é aquele imposto por lei a certas pessoas em razãode sua condição especial. Conforme art. 76 do CC, têm domicílio necessário ou legal o incapaz, o servidor público, o militar, o marítimo e o preso. O parágrafo único lista seus domicílios necessários: do incapaz é o do seu representante ou assistente; do servidor público é o lugar em que exerce permanentemente suas funções; do militar é o lugar onde servir, mas se for da marinha ou da aeronáutica é a sede do comando a que estiver imediatamente subordinado; do marítimo é

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onde o navio estiver matriculado; do preso é o lugar em que cumprir a sentença. O art. 77 do CC trata do domicílio do agente diplomático brasileiro que atua noexterior. Se ele for processado no exterior e alegar extraterritorialidade, ou seja, que deve ser processado no Brasil, onde deverá ser citado? Como a citação se dá em regra no domicílio do réu, deverá ser citado em seu domicílio no Brasil. Se não informá-lo ou não tiver domicílio aqui no Brasil por tê-lo apenas no exterior, será citado no Distrito Federal ou no último lugar do território brasileiro onde teve domicílio. Vamos treinar? 01. (FCC – 2013 – AL-PB – Analista Legislativo). Questão 23. Pedro reside com a esposa e um filho em João Pessoa. Tem escritório e apartamento em Recife, onde também reside e comparece em dias alternados. Nas férias e feriados prolongados, aluga uma casa em Natal e ali permanece com a família. De acordo com o Código Civil brasileiro, considera-se domicílio de Pedro: a) João Pessoa e Natal, apenas. b) João Pessoa, apenas. c) João Pessoa, Recife e Natal. d) Recife, apenas. e) João Pessoa e Recife, apenas. GABARITO: E Comentários No caso em tela, a pessoa natural possui diversas residências, onde vive alternadamente, em João Pessoa e Recife. Natal é apenas casa de veraneio e não possui caráter de ânimo definitivo. Assim, deve ser considerada como seu domicílio qualquer uma delas (João Pessoa e Recife), de acordo com disposição do artigo 71 da Lei Civil. Correta a justificativa de letra E. 02. (FGV – 2013 – MPE-MS – Analista – Direito). Questão 44. Felipe reside e é proprietário de uma casa em Salvador. Ele recebeu uma proposta de trabalho irrecusável e decidiu se mudar para Campo Grande-MS, onde residirá e trabalhará em Dourados, cidade próxima de Campo Grande, deixando a casa de Salvador fechada. Após despachar todos os seus

pertences para Campo Grande-MS, ele resolveu fazer o trajeto de Salvador até Campo Grande-MS de carro, pernoitando em Brasília. Chegando a Campo Grande-MS, só teve uma semana para arrumar a casa nova, pois já começou a trabalhar em Dourados como advogado. Considerando o contexto fático apresentado, assinale a afirmativa correta. a) Felipe mudou de morada ao se transferir para o Campo Grande-MS. b) Felipe está domiciliado em Brasília, pois pernoitou nesta cidade. c) Felipe não tem domicílio profissional em Dourados, apesar de trabalhar nesta cidade. d) Felipe ainda está domiciliado em Salvador, pois possui um imóvel nesta cidade. e) Felipe alterou o seu domicílio de forma voluntária, ao se transferir para Campo Grande-MS. GABARITO: E Comentários A questão traz hipótese de domicílio voluntário comum, no qual o indivíduo por escolha adota outro lugar para habitar com ânimo definitivo e onde exerce permanentemente a sua profissão. Observar ainda o artigo 74 da Lei Civil. Correta a afirmativa constante da letra E. 03. (CESPE – 2013 – TRE-MS – Analista Judiciário – Área Administrativa). Questão 62. Maria, pessoa natural de nacionalidade brasileira, solteira, tem quinze anos de idade e mora com sua mãe, Francisca, sua representante legal. Maria foi gerada por meio de fecundação artificial feita a partir de trabalho experimental com embriões congelados. Com referência a essa situação hipotética, assinale a opção correta. a) As informações contidas na hipótese em apreço não são suficientes para se precisar o estado político de Maria. b) O domicílio de Maria, denominado domicílio de origem, é o domicílio de sua mãe, Francisca. c) Embora o Código Civil resguarde tanto os direitos do nascituro quanto os direitos do embrião congelado, a personalidade civil da pessoa natural Maria começou apenas no

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momento em que ocorreu o corte do seu cordão umbilical. d) É possível que Maria seja emancipada; para tanto, será necessário que seus pais — por concessão de ambos ou de um deles na falta de outro — façam a emancipação voluntária parental, e que esta seja homologada por juiz de direito. e) Caso o nome de Maria venha a ser utilizado em um jornal, para fins de publicidade, à revelia de Francisca, sua representante legal, o jornal e o publicitário responsável pela propaganda estarão legalmente amparados em decorrência do princípio da publicidade, ainda que a peça publicitária que por eles venha a ser produzida associe o nome de Maria a qualidades a ela inerentes, possibilitando sua identificação. GABARITO: B Comentários Trata-se de domicílio de origem, ou seja, o domicílio de nascimento, dos pais ou do representante legal. Por ser incapaz, a modalidade é do domicílio necessário, previsto no artigo 76, caput, e 1ª parte do parágrafo único da Lei Civil. Correta a assertiva de letra B. PONTO 5. BENS 1. BENS MÓVEIS E BENS IMÓVEIS Bem móvel é aquele que pode se transportar sem perder as suas características,diferente do bem imóvel, que não pode ser transportado por ser o solo ou tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente. O normal é o bem móvel se mover por força alheia, mas poderá se mover por movimento próprio, quando é chamado de bem semovente (são os animais). Uma casa é um bem imóvel, mas e a casa que é separada do solo e transportadasem perder sua unidade para outro terreno? Pela definição, seria bem móvel, mas haveria uma burla para comprar uma casa sem os rigores da compra de bem imóvel. Por isso, a lei diz ser bem imóvel a edificação que, separadas do solo, mas conservando a sua unidade, é removida para outro local (art. 81, I, do CC).

O material de construção, tal como um tijolo ou uma telha, pode ser bem móvelou imóvel a depender do momento da análise. Antes de ser empregado na construção é bem móvel, mas, enquanto nela empregado, é bem imóvel, pois está preso ao solo via construção. E após ser retirado da construção? Depende. Se retirado após a demolição, retorna à qualidade de bem móvel, mas se retirado apenas provisoriamente para ser nela reempregado, tal como uma telha para conserto do teto, não perde o caráter de imóvel, conforme previsão, respectivamente, do art. 84 e art. 81, I, ambos do CC. Não se esqueça que, quando falamos em bens, há bens corpóreos e bens incorpóreos. Bens corpóreos são os bens materiais, tais como uma mesa ou uma casa. Já os bens incorpóreos são os direitos, ou seja, os bens imateriais. A lei se ocupou em determinar se os bens incorpóreos são móveis ou imóveis, sendo o que chamamos de bens móveis e imóveis por determinação legal. Vale a pena memorizar quais são para a prova: a) Bens imóveis por determinação legal(art. 80 do CC): direitos reais sobre bens imóveis (assim como o direito de ação correspondente) e o direito à sucessão aberta (direito de herança depois da morte do de cujos, ou seja, da abertura da sucessão). b) Bens móveis por determinação legal(art. 83 do CC): energia com valor econômico, direito real sobre bem móvel e os direitos pessoais de caráter patrimonial (assim como os respectivos direitos de ação correspondentes). 2. BENS FUNGÍVEIS E INFUNGÍVEIS, BENS CONSUMÍVEIS E INCONSUMÍVEIS. Trato destas classificações simultaneamente, pois são duas classificaçõesespecíficas para bens móveis. Cuidado na prova: não classificamos bens imóveis em fungíveis ou infungíveis nem em consumíveis ou inconsumíveis. Bem fungível é o bem que pode ser substituído por outro de mesma espécie,qualidade e quantidade, tal como uma garrafa de vinho comum, diferente do bem infungível, que não

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pode ser substituído por ser único, como ocorre com uma obra de arte. Bem consumível é o bem cujo uso gera destruição imediata de sua substância. Por exemplo: comida, perfume, combustível ou o batom de uma mulher - diferente do bem inconsumível, cujo uso não gera tal destruição imediata, como é o caso de uma cadeira ou de um carro. Cuidado com armadilha de prova: seja qual for o bem móvel, se estiverdestinado à alienação, é considerado bem consumível. Assim sendo, um livro é um bem inconsumível, mas se estiver na prateleira de uma livraria para venda é bem consumível. 3. BENS DIVISÍVEIS E BENS INDIVISÍVEIS Bem divisível é aquele que pode ser dividido sem perder as suas características econsideravelmente o valor, tal como um terreno (dividido em lotes). Bem indivisível não pode assim ser dividido, como ocorre com um carro. Note um detalhe na definição: às vezes você até pode dividir um bem, mas ao fazê-lo, este perde consideravelmente o valor, caso em que será considerado um bem indivisível. Assim sendo, um quilo de ouro é um bem divisível, mas uma peça de ouro que tenha valor agregado pelo formato da jóia é bem indivisível. Um bem naturalmente divisível pode tornar-se indivisível tanto por vontade daspartes como por determinação da lei. Um terreno torna-se indivisível por vontade das partes quando eu faço uma doação com cláusula de indivisibilidade e por determinação da lei quando penso no chamado módulo rural, tema de direito agrário, que consiste no tamanho mínimo que um terreno pode ter em determinado município para evitar uma especulação exagerada com a terra na municipalidade. 4. BENS SINGULARES E BENS COLETIVOS Cada bem tem um regime jurídico que o individualiza, mas, às vezes, a lei querdar um tratamento jurídico próprio para um conjunto de bens reunidos, que não é o mesmo tratamento

jurídico dos bens que compõem essa coletividade. Nesse caso, a lei trata um conjunto de bens como sendo um único bem, chamando-o de bem coletivo, para que esse conjunto tenha o seu próprio tratamento jurídico. Por outro lado, bens singulares são os bens que compõem essa coletividade. Exemplo: o espólio é um bem coletivo, sendo considerado bem imóvel pela lei, mesmo que só composto por bens móveis. Os bens coletivos são chamados de universalidades. A lei prevê dois tipos deuniversalidades: de fato e de direito, que assim são definidos pela lei: a) Universalidade de fato: é o conjunto de bens singulares que pertencem a uma pessoa, reunidos porque receberam uma destinação unitária, tal como a biblioteca enquanto conjunto de livros de uma pessoa ou uma coleção de selos que lhe pertence. b) Universalidade de direito: note que universalidade de fato é uma porção do patrimônio de uma pessoa, unida por receber uma destinação unitária, diferente da universalidade de direito, que é todo o patrimônio de uma pessoa, razão pela qual é definida pela lei como o complexo de relações jurídicas de uma pessoa dotadas de valor econômico, tal como o patrimônio, o espólio e a massa falida. 5. BEM PRINCIPAL E BENS ACESSÓRIOS Bem principal é o bem que tem existência autônoma, que existe sobre si,enquanto que bem acessório é aquele que precisa de outro para existir, pois a sua existência supõe a do principal, tal como o fruto de uma árvore em relação à árvore. No Brasil, há quatro tipos de bens acessórios: frutos, produtos, benfeitorias e pertenças. 5.1. Frutos e Produtos Frutos e produtos são bens acessórios que são produzidos pelo bem principal. Adiferença é que os frutos são renováveis e os produtos são não renováveis, de modo que a retirada de um fruto não diminui a substância do bem principal, mas a retirada do produto sim. Como

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exemplos, o fruto de uma árvore ou um bezerro são frutos, enquanto que ouro e petróleo são produtos. Detalhe para prova: frutos e produtos podem ser objetos de negócios jurídicos mesmo ainda ligados ao bem principal, como ocorre na compra de uma safra ainda não colhida. Note que fisicamente estou comprando bens imóveis, pois estão presos ao solo através da plantação. Como vão ser retirados para me ser entregue e como não tem sentido que a compra de caixas de laranjas seja uma compra de bens imóveis, a lei antecipa sua mobilidade para efeitos de classificação, chamando-os de bens móveis por antecipação. 5.2. Benfeitorias Benfeitorias são obras ou despesas feitas pelo homem em um bem para conservá-lo, melhorá-lo ou simplesmente tornar o seu uso mais agradável, quer seja para embelezar, quer seja para mero divertimento ou recreio. Se há uma melhora ou acréscimo no bem sem a intervenção do homem, nãoestamos diante de uma benfeitoria, mas sim de um melhoramento ou acrescido. É o que ocorre com o florescimento de um jardim por fatos naturais ou com alguma acessão natural, como no caso da aluvião ou da avulsão. São três os tipos de benfeitorias de acordo com sua finalidade: a) Benfeitoria necessária: benfeitoria para conservação do bem, tal como uma obra para conserto de uma pilastra de sustentação de um edifício. b) Benfeitoria útil: benfeitoria para melhora da utilização do bem, tal como a obra para ampliação de uma garagem. c) Benfeitoria voluptuária: benfeitoria apenas para tornar o uso mais agradável do bem, seja porque o embeleza, seja para mero divertimento, tal como a pintura decorativa de uma parede ou a construção de uma piscina nos fundos da casa. 5.3. Pertenças

Pertenças são bens naturalmente móveis que são afetados de forma duradoura aum bem principal para servir a seus fins, ou seja, destinados ao seu uso, serviço ou aformoseamento. É o caso de um ar condicionado em uma casa ou do ventilador de teto e os móveis que a guarnecem, como mesas, cadeiras e os quadros na parede. O nome se justifica porque, como são incorporados de forma duradoura, passam a pertencer ao bem principal. Importante: se constituírem partes integrantes do bem, não serão pertenças. Àsvezes, incorporamos bens a um bem principal, mas não são pertenças porque compõem a própria essência do objeto, sendo sua parte integrante. Com efeito, parte integrante é o que confere tipicidade ao objeto. O volante ou as rodas de um carro são partes integrantes do carro porque, se não os tem, carro não é, diferente do aparelho de CD, que é pertença porque incorporado para servir o carro, que pode existir sem ele. Quando uma casa ou um carro são vendidos, não seguem junto, respectivamente,os móveis que a guarnecem nem o aparelho de CD, a não ser que combinado pelas partes. Por isso, nos termos do art. 94 do CC, os negócios jurídicos que dizem respeito ao bem principal não abrangem as pertenças, salvo se o contrário resultar da lei, da manifestação de vontade ou das circunstâncias do caso. É, portanto, uma exceção à regra de que o bem acessório segue a sorte do bem principal. 6. BENS PÚBLICOS Bem público é o bem que pertence às pessoas jurídicas de direito público internoe os bens particulares são os demais. São três os tipos de bens públicos: a) Bem público de uso comum do povo: é o bem público que o povo usa normalmente, tal como ruas, praças, estradas, rios e mares. b) Bem público de uso especial: é o bem público que está afetado para a prestação de um serviço público, tal como o terreno e o edifício destinado a um hospital público ou uma

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escola pública ou à própria sede de governo nas três esferas federativas, incluindo os de suas autarquias, por não deixar de ser serviço público. c) Bem público dominical: definido por exclusão, é o bem público que não se destina ao uso do povo nem tampouco à prestação de um serviço público, razão pela qual o poder público pode usar como se particular fosse, ou seja, objeto de suas relações jurídicas de direito pessoal ou real. Exemplo: apartamentos que pertencem a um ente federativo que é alugado para gerar receita pública. Para a prova de Direito Civil, é importante você conhecer três regrinhas acerca dos bens públicos: (i) os bens públicos de uso comum do povo e de uso especial não podem ser alienados, mas os dominicais podem ser alienados; (ii) nenhum bem público pode ser objeto de usucapião; e (iii) o uso comum de bens públicos pode ser gratuito ou retribuído, ou seja, pago, não lhe retirando a natureza de uso comum do povo, tal como um pedágio para uso de ruas e estradas. Vamos treinar? 01. (IBFC - 2014 - TRE-AM - Analista Judiciário - Área Judiciária) Analise as seguintes afirmativas: I. São bens públicos de uso comum do povo, os edifícios destinados a serviço da administração federal, inclusive os de suas autarquias. II. Os bens públicos dominicais podem ser alienados, observadas as exigências da lei. III. O uso comum dos bens públicos pode ser gratuito ou retribuído, conforme for estabelecido legalmente pela entidade a cuja administração pertencerem. NÃO está correto o que se afirma em:

a) I, apenas. b) II, apenas. c) I e III, apenas. d) II e III, apenas. GABARITO: A Comentários O item I está errado e tem por fundamento legal o art. 99, inc. I da lei civil: “São bens públicos: I - os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças;” 02. (CESPE - 2014 - TJ-SE - Analista Judiciário - Direito) Julgue os itens a seguir, relativos a pessoas, bens e negócios jurídicos. Pertenças são bens individuais que podem ser produtos, frutos ou benfeitorias do bem principal.

Certo Errado GABARITO: ERRADO Comentários: De acordo com o art. 92, do CC/02, principal é o bem que existe sobre si, abstrata ou concretamente; acessório, aquele cuja existência supõe a do principal. Já as pertenças (art. 93, CC/02) são os bens que, não constituindo partes integrantes, se destinam, de modo duradouro, ao uso, ao serviço ou ao aformoseamento de outro. Por fim, o art. 94 da lei civil dispõe que “os negócios jurídicos que dizem respeito ao bem principal não abrangem as pertenças, salvo se o contrário resultar da lei, da manifestação de vontade, ou das circunstâncias do caso.” De acordo com os citados dispositivos, a afirmativa está errada. 03. (FCC - 2014 - TRT - 19ª Região (AL) - Analista Judiciário - Área Judiciária) Por ocasião da morte de Benedita, um de seus herdeiros, Bento, propõe que seu anel de noivado, que compõe um dos bens da herança, seja dividido entre ele e o irmão, Sebastião, com o derretimento do ouro e o fracionamento de um grande diamante que o ornamenta. Sebastião se opõe, no que a) não está certo, pois os bens móveis são divisíveis por natureza.

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b) está certo, pois os bens infungíveis não podem ser alienados. c) não está certo, pois, com o emprego da técnica correta, este anel pode ser dividido em partes iguais. d) está certo, pois este anel é um bem indivisível, vez que o fracionamento causaria diminuição considerável de seu valor. e) não está certo, pois, com a morte de Benedita, este anel passou a ser um bem fungível. GABARITO: D Comentários O art. 87 do CC/02 dispõe que bens divisíveis são aqueles que se podem fracionar sem alteração na sua substância, diminuição considerável de valor, ou prejuízo do uso a que se destinam. Não é o caso do anel que ao ser fracionado perde o seu valor. Assim, trata-se de bem indivisível, Correta a afirmativa constante da letra D. Ponto 7. Teoria do Ato, Fato e Negócio Jurídico 7.1 Fato Jurídico x Fato Material Em uma primeira análise, os fatos se dividem em materiais e jurídicos. O fato material é aquele desprovido de consequências jurídicas, a exemplo de um raio que cai no meio do mar, ou no meio de uma floresta, sem nenhum dano ao patrimônio de outrem. Em outras palavras: é fato não relevante para o direito. O fato jurídico, por sua vez, é todo acontecimento relevante para o direito, ainda que ilícito. Traduz, assim, todo acontecimento apto a produzir, ainda que potencialmente, efeitos no mundo jurídico, criando, modificando, conservando ou, até mesmo, extinguindo relações jurídicas. 7.1.1 Classificação dos fatos jurídicos O fato jurídico, na sua concepção ampla, pode ser dividido em: 7.1.1.1 Fatos naturais (ou fato jurídico em sentido estrito ou stricto sensu)

É o grupo de fatos da natureza que independem do ato humano para se configurar, tais como a maioridade, o nascimento e a morte. São aqueles fatos jurídicos que independem da conduta humana para acontecer, como os fatos da natureza. Podem ser divididos em: a) Ordinários: acontecimentos comuns, do quotidiano. Ex: nascimento, morte, parentesco, maioridade. b) Extraordinários: incomuns, excepcionais, que fogem ao quotidiano. Ex: terremoto, maremoto, tsunami. Os fatos da natureza que interessam ao direito civil são apenas os que interferem nas relações humanas, de modo a propiciar a aquisição, modificação e extinção de direitos e deveres jurídicos. O fato natural em si não é e nem pode ser objeto do direito, pois nenhuma consequência teria (não constituem fatos jurídicos). 7.1.1.2 Fatos humanos (ou fato jurídico em sentido amplo ou ato jurídico) Consistem naqueles fatos que dependem da conduta humana para acontecer. Podem ser divididos em: a) Atos Jurídicos Ilícitos: são aquelas condutas humanas contrárias ao direito, por violentarem regras do ordenamento jurídico. b) Atos Jurídicos Lícitos: são as condutas humanas consoantes o direito, as quais, por sua vez, admitem divisão, falando-se em: b.1)Ato jurídico em sentido estrito. É aquele que decorre da atividade humana reconhecidamente válida e cujos efeitos são determinados pela lei. Nesse caso, a vontade tem grande relevância e deve estar presente para a configuração do aludido ato jurídico. Todavia, a vontade humana, neste caso, não tem aptidão para regrar os efeitos do ato, pois estes decorrem da lei de forma cogente (ex lege), inexistindo margem de ação. Ex: a fixação de domicílio, o reconhecimento voluntário de filiação, a confissão, a aceitação da herança...

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b.2) Negócio Jurídico É aquele no qual a vontade humana não só é o fato gerador como também determina os seus efeitos. Nesta hipótese, o exercício da autonomia privada é pleno, isto porque, não apenas se cria o fato jurídico como as consequências (os efeitos) deste. Ex: as declarações unilaterais de vontade, os contratos, o testamento, etc. b.3) Ato-fato Jurídico A compra e venda de um absolutamente incapaz sem a devida representação é nula?E se a hipótese for de uma criança que, na escola, estabelece compra e venda de merenda escolar sem nenhuma representação? Seria razoável anular este negócio jurídico? Eis a Teoria do Ato-Fato Jurídico, criação doutrinária não regulamentada na legislação civilista na qual se admite atribuir consequências a certos comportamentos humanos ainda que não intencionais, ou mesmo se praticado por incapazes, isto porque, para estes casos, pouco importa a vontade na prática do ato. Tradicionais exemplos são a caça; a pesca; o achado de tesouro; a especificação (art. 1.269, CC). 7.2 Negócio Jurídico Consiste o negócio jurídico no encontro de vontades visando criar, modificar, conservar ou extinguir relações jurídicas. Tem como centro a vontade humana, a qual tem ampla atuação na criação do aludido negócio e na regulação dos seus efeitos, nos limites da boa-fé, da função social e do ordenamento posto. A doutrina, ao analisar o negócio jurídico, aponta para a existência de três planos, quais sejam: existência, validade e eficácia. 7.2.1 Plano de existência O plano de existência não mereceu assento expresso no Código Civil, sendo de natureza doutrinária. É denominado plano do ser do negócio jurídico, pois analisa os pilares estruturantes para que o negócio exista como tal. Em outras palavras, o negócio jurídico pode existir, ainda que inválido: pode ser nulo ou anulável.

São os elementos da existência: I. Agente; II. Objeto; III. Forma; IV. Vontade Exteriorizada. A ausência de apenas um destes quatro pressupostos é bastante para qualificar o negócio como inexistente, de modo a não produzir efeitos. 7.2.2 Plano de validade Compreendido o plano da existência (pressuposto para o estudo do plano da validade), deve-se avançar para aferir agora se o aludido negócio jurídico será abraçado (validado) pelo ordenamento jurídico, por isso o plano de validade adjetiva o de existência. Validade constitui sinônimo de adequação ao sistema jurídico. Trata-se de uma comparação que se realiza entre o ato que existe e o arcabouço jurídico para verificar se aquele é adequado ao sistema. Destarte, tem-se na invalidade uma forma de sanção às imperfeições detectadas sobre o negócio jurídico existente. Afirma o artigo 104 do Código Civil que, para ser válido, o negócio deve ter: I. Agente Capaz e Legitimado; II. Objeto Lícito, Possível, Determinado ou Determinável; III. Forma Prescrita ou Não Defesa em Lei. Soma-se a isto uma vontade exteriorizada não viciada, o que é denominado por alguns de consentimento válido. De igual modo, para ser válido o negócio jurídico não pode contemplar defeitoalgum (os defeitos do negócio jurídico), nem poderá ser simulado, ou contrário à lei imperativa. Portanto, onze são os pressupostos de validade do negócio jurídico como se infere da leitura dos artigos 104, 166, 167 e 171 do Código Civil. A capacidade do agente já foi tratada no capítulo relativo à pessoa física.

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Objeto lícito é aquele que está de acordo com a lei, falando-se em possibilidade jurídica (os conceitos de licitude e de possibilidade jurídica se confundem). Objeto possível, por sua vez, é o materialmente possível, realizável. Afirma a doutrina ser impossível, por exemplo, a compra e venda de um cachorro que fala. Anote-se que a impossibilidade deve ser objetivamente considerada, vale dizer, oponível a todos. Não se considera possível uma obrigação na qual o devedor, por algum motivo de ordem particular (vg. condição de saúde), não pode executar, mas que facilmente poderia ser realizada por um terceiro. Determinado é o objeto previamente individuado segundo o gênero, quantidade e qualidade. É a obrigação de dar coisa certa. Como a compra de um carro Honda Civic, placa e chassi com numerações únicas, ou seja, placa X, chassi Y. Determinável é o objeto indicado pelo gênero e quantidade, mas que necessita de uma operação de concentração do débito, para ser determinado. É relacionado à obrigação de dar coisa incerta. Tem-se como exemplo a compra e venda de 10 (dez) sacas de feijão. Quanto à forma, oprincípio regente é o da liberdade de formas (vide art. 107, CC) sendo, a priori, possível a confecção do negócio jurídico verbal, por escrito, público ou particular. Excepcionalmente, a lei pode exigir uma forma vinculada, a qual há de ser observada. Hipótese muito cobrada em provas da ordem é a da exigência de escritura pública para a validade de certos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis, de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País (art. 108, CC). Contudo, não se terá a invalidade do ato se a forma for livre e o instrumento for inválido. A este respeito, vale a pena ler o artigo 183 do Código Civil. São hipóteses em que a

forma é uma mera questão de prova (forma ad probationem), ao revés de ser questão de solenidade substancial (ad substancione). O consentimento válido, ou seja, a vontade há de ser livre e desembaraçada de vícios de consentimento e/ou sociais. Os vícios de consentimento são, justamente, o erro, o dolo, a coação, lesão, e estado de perigo, os quais não podem existir para que o consentimento seja livre. Os vícios sociais são a fraude contra credores e a simulação. O consentimento é admitido, em algumas hipóteses, pelo silêncio, desde quando a lei não exija forma diversa, e as circunstancias do caso ou os usos autorizem tal entendimento, como aduz o artigo 111 do Código Civil. 7.2.2.1 Teoria das invalidades do negócio jurídico A consequência jurídica do desrespeito aos pressupostos de validade do negócio jurídico será a nulidade ou a anulabilidade do mesmo. Estas invalidades configuram justamente o descompasso entre o negócio jurídico realizado e o ordenamento jurídico posto, e contemplam um grau maior (nulidade absoluta) e um grau menor (nulidade relativa, também denominada de anulabilidade). As invalidades, invariavelmente, haverão de estar disciplinadas expressamente no ordenamento jurídico nacional, não se admitindo seu reconhecimento implícito na lei. Demais disto, deverão tais nulidades gerar prejuízo, sob pena de não ocorrência. Vamos analisá-las? a) Nulidade Absoluta (art. 166 e 167, CC) A nulidade absoluta traduz o mais alto grau de impertinência do negócio com o ordenamento jurídico, pois resulta da violação de uma questão de ordem pública. Suas hipóteses estão elencadas nos artigos 166 e 167 do CC, englobando a simulação e o celebrado por pessoa absolutamente

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incapaz; for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto; o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito; não revestir a forma prescrita em lei; for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade; tiver por objetivo fraudar lei imperativa e a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção. O negócio jurídico nulo possui as seguintes características: 1. Atinge interesse público superior; 2. Opera-se de pleno direito (ope legis ou iures); 3. Não admite confirmação (ratificação), mas sim conversão (art 170 do CC) em um negócio validado pelo ordenamento jurídico; 4. Pode ser arguido pelas partes, por terceiro interessado, pelo Ministério Público, quando lhe couber intervir, ou, até mesmo, pronunciada de ofício (ex oficio) pelo Juiz; 5. A ação declaratória de nulidade é decidida por sentença com efeitos extunc(retroativos) e contra todos (erga omnes); 6. A nulidade, segundo o novo Código Civil, pode ser reconhecida a qualquer tempo, não se sujeitando a prazo prescricional (imprescritível) ou decadencial. Sobre tais características, atenção para o fato segundo o qual: 1. Entende o STJ que a arguição de nulidade absoluta em instâncias extraordinárias demanda a observância do requisito do prequestionamento. 2. Apesar de o juiz poder reconhecer ex ofício a nulidade, ele não tem permissão para supri-la, ainda que a requerimento da parte (art. 168 p.u, CC). b) Nulidade Relativa (anulabilidade) A anulabilidade é mais branda do que aquela dita absoluta, pois, ao revés de atingir interesse público, desrespeita questão de ordem particular, privada. O negócio anulável produz efeitos normalmente até que uma decisão judicial reconheça a anulabilidade. Assim, a nulidade relativa é opeiudicis. Acaso não exista decisão judicial reconhecendo a

anulabilidade, ou, ainda, não seja esta arguida em tempo hábil (prazo legal), o negócio jurídico se aperfeiçoará pelo tempo, convalidando-se. As principais hipóteses de nulidade relativa estão elencadas no artigo 171 do Código Civil de 2002, sendo elas: I. por incapacidade relativa do agente; II. por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores. O negócio jurídico anulável possui as seguintes características: 1. Atinge apenas interesses particulares; 2. Não se opera de pleno direito; 3. Admite confirmação expressa ou tácita (ratificação); 4. Somente pode ser arguida pelos legítimos interessados; 5. A ação anulatória é decidida por sentença de natureza desconstitutiva com efeitos ex nunc (não retroativa) e aproveita exclusivamente aos que a alegarem, salvo o caso de solidariedade ou indivisibilidade; 6. A anulabilidade somente pode ser arguida, pela via judicial, em prazos decadenciais de 4 anos (regra geral), ou 2 anos (regra supletiva), salvo norma específica em sentido contrário (art. 178 e 179, CC). Assim, quando a lei dispõe que um determinado negócio é anulável, sem consignar o prazo, este será de 2 anos, contados da sua conclusão. Outrossim, afirma o artigo 178 que o prazo de 4 anos será contado, no caso de coação, do dia em que ela cessar; erro, dolo, fraude contra credores, estado de perigo e lesão, do dia em que fora realizado o negócio jurídico; e no de atos de incapazes, no dia que cessar a incapacidade.

1 Atenção, caro leitor! STJ, REsp 297.117/RS.

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7.2.2.2 Princípio da conservação dos atos e negócios jurídicos Malgrado o legislador civilista ter previsto as invalidades do negócio jurídico, veiculou também, inspirado no princípio da instrumentalidade de formas do processo civil, o que denomina a doutrina de princípio da conservação dos atos e negócios jurídicos. A noção é simples: sempre que possível, ao revés de invalidar o negócio jurídico, deve-se aproveitá-lo. Nessa linha de pensamento, estão presentes na Codificação três importantes institutos que viabilizam a conservação do negócio jurídico: a conversão substancial; a ratificação e a redução. a) Conversão Substancial (tema muito bom para a sua prova) Está prevista no artigo 170 do Código Civil e consiste na tentativa de aproveitar um ato nulo, através da conservação de seus elementos materiais (requisito objetivo) e da manifestação de vontade outrora externada (requisito subjetivo), convertendo-o em um negócio válido. Fala-se, portanto, em uma

recategorização do ato nulo em um negócio válido. É, assim, a medida de conservação da vontade de um negócio jurídico nulo por vício de forma, demonstrando a primazia da vontade sobre a forma. Tem-se como exemplo usual, citado na doutrina, a conversão de uma compra e venda nula, por vício de forma (art. 108, CC), em promessa de compra e venda cuja forma é livre (art. 462, CC). b) Ratificação (Saneamento, Convalidação ou Confirmação) Concerne na possibilidade de as partes, por vontade expressa ou tácita, declararem desejo de aproveitar o negócio ou ato anulável, ratificando-o, desde que sem prejuízo a terceiros. É medida aplicável apenas a negócio anulável (art. 169 e 172 do CC). Ex: os pais que assinam ao lado do filho menor (relativamente incapaz) que adquiriu um imóvel sem a assistência, ou deixam escoar o prazo decadencial para manejo da ação. c) Redução do Negócio Jurídico (art. 184, CC). Aqui o que se permite é a invalidade parcial, cabível quando for admitida a separação das partes do negócio jurídico e a extirpação da parte inválida deste negócio, aproveitando-se a válida. Aplicar-se-á quando um dado negócio for parcialmente inválido, havendo nele, contudo, feixes de declaração de vontades separáveis (cindíveis) e aproveitáveis, digamos assim, por não contaminarem as demais. Ex.: Locação com fiança sem outorga uxória, caindo apenas a fiança. 7.2.3 Plano de eficácia São os efeitos do negócio estruturado (existente) e com os requisitos legais (válido). Os efeitos do negócio são, em regra, produzidos de logo, a não ser que esteja presente algum fator de eficácia, a exemplo do termo, condição, modo ou encargo. Condição, termo, modo ou encargo são

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elementos acidentais ou acessórios do negócio jurídico e que não estão relacionados com os planos da existência e da validade. Consistem em autolimitações da vontade, de natureza facultativa e que incidem sobre os efeitos do negócio. a) Condição É evento futuro e incerto que condiciona o negócio jurídico e deriva da vontade humana (art. 121, CC). Admite-se a condição em algumas modalidades: i) Suspensivas x Resolutivas A condição suspensiva torna os efeitos do negócio jurídico pendentes. De modo que enquanto não ocorrida a condição suspensiva, não se terá efeito no negócio jurídico. Ex.: Contrato de doação para casamento futuro com pessoa certa (art. 546, CC). Ocorre quando o pai promete à filha a doação de um apartamento caso venha a se casar com uma determinada pessoa: o efeito da doação está pendente, condicionado ao matrimônio. Destarte, enquanto não ocorrida a condição suspensiva, no caso o casamento, não há de se falar nem na aquisição, nem no exercício do direito (art. 125, CC), inexistindo direito à posse ou propriedade sobre o aludido apartamento. A condição resolutiva, de seu turno, é aquela que, quando implementada, coloca fim ao negócio jurídico (resolve). Exemplifica-se com a doação de cotas periódicas até um evento futuro e incerto, como a mesada até a aprovação no concurso público (art. 127 e 128, CC). Antes de implementadas as condições, tem-se como possível os atos de conservação, por haver o que se denomina direito eventual (art. 130, CC). ii) Lícitas x Ilícitas Lícitas são as condições que não são contrárias à lei, à ordem pública e aos bons costumes (art. 122, CC). Daí porque ilícitas serão justamente aquelas contrárias à lei, ordem pública e bons costumes. Digno de nota é recordar ser vedada a condição que prive o negócio de qualquer efeito prático, como o empréstimo de um carro com vedação de dirigi-lo ou ocupá-lo por qualquer pessoa. Igualmente ilícita é a condição que se

sujeita ao puro arbítrio de uma das partes (denominadas de puramente potestativas). Ex.: Compro sua casa pelo preço que eu determinar e na forma de pagamento que eu quiser. Destarte, as condições simplesmente (ou meramente) potestativas são aceitas, consistindo naquelas em que há dependência da manifestação de vontade de uma das partes e algo externo, como uma doação a um jogador de golfe caso ele ganhe um determinado número de torneios no ano. Afirma o CC, ainda, que invalidam os negócios jurídicos (art. 123, CC): “I – as condições física ou juridicamente impossíveis, quando suspensivas; II – as condições ilícitas, ou de fazer coisa ilícita; III – as condições incompreensíveis ou contraditórias” Por fim, aduz o Código Civil que não pode a parte obstar, nem sequer implementar a condição de forma maliciosa. Tal conduta equivale à situação inversa (art. 129 do CC). b) Termo Trata-se de elemento acidental do negócio jurídico construído sob a égide da futuridade e da certeza (evento futuro e certo). Termo nada mais é senão o dia ou momento em que o negócio começa (termo inicial, ou dies a quo) ou termina (termo final, ou dies ad quem). O lapso de tempo entre o termo inicial e o termo final é denominado de prazo, sendo a forma de sua contagem disciplinada no artigo 132 do CC/02, excluindo-se o dia do começo e incluído o do vencimento. Lembrar que o termo fixado em testamento presume-se em favor do herdeiro, sem se esquecer, ainda, que nos contratos se deve presumir o termo em proveito do devedor, salvo se do caso concreto verificar-se o contrário. Por fim, o termo inicial suspende apenas o exercício do direito, mas não sua aquisição, diferindo da condição suspensiva (cf. arts. 131, 132 e 133, CC).

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c) Modo ou Encargo É um ônus (restrição) imposto para que a parte usufrua benefício. Não há equivalência de preço com o benefício, e pode consistir nas mais diversas modalidades obrigacionais, como fazer, dar coisa certa ou incerta. Ex: a doação de um automóvel para alguém desde que essa pessoa leve o filho do doador ao colégio por dois anos consecutivos. Difere o encargo da condição suspensiva porque aquele (o encargo) não suspende nem o exercício e nem a aquisição do direito (art. 136, CC). O seu descumprimento que é combatido, com a possível invalidação da benesse. Diga-se, ainda, que encargo ilícito ou impossível se considera não escrito, salvo se vier a constituir motivo determinante da liberalidade, caso em que invalida o negócio jurídico (art. 137, CC). Vistos os planos, questiona-se: a) É possível o autocontrato ou contrato consigo mesmo? Na ótica do CC/02, é anulável, na forma do artigo 117. Somente se admite o autocontrato se a lei permitir, ou ainda se assim autorizar o representante do negócio realizado. Todavia, acaso praticado em contrato de mútuo com a Caixa Econômica Federal, será nulo (súmula 60 do STJ). 7.3 Defeitos do Negócio Jurídico Quando se fala em defeitos do negócio jurídico, percebe-se a presença de vícios cuja gravidade impõe a invalidade do ato. O termo defeitos do negócio é expressão genérica, que contempla tanto os vícios de consentimento (vontade), como também os vícios sociais. Tais defeitos podem se apresentar sob a forma de: a) Vícios de Consentimento (de vontade) – dizem respeito a um aspecto interno do negócio jurídico, inerente à

própria manifestação de vontade. Ocorre quando a manifestação de vontade do agente não corresponde ao seu íntimo, estando subjetivamente viciada. Há uma mácula na vontade declarada, a qual diverge do real desejo do agente, seja por um erro, dolo, coação, lesão ou estado de perigo. b) Vícios Sociais – nestes a vontade do agente é exteriorizada consoante a sua intenção. No entanto, há uma tentativa de prejudicar terceiro ou burlar a lei. Logo, trata-se de vício externo, de fundo e alcance social. São vícios sociais a fraude contra credores e a simulação. Os defeitos do negócio jurídico geram a anulabilidade deste, a teor do artigo 171, inciso II, do Código Civil, à exceção da simulação. 7.3.1 Vícios de consentimento A) Erro ou Ignorância (arts. 138 a 144, CC) Trata-se da percepção inexata da realidade que incide sobre alguma coisa, objeto ou pessoa e influi substancialmente na formação da vontade. Nesta senda, celebra o agente o negócio com base em uma falsa percepção da realidade. Nem todo erro enseja a invalidação do ato. O erro, para gerar anulabilidade do negócio jurídico, há de ser a causa determinante do ato, denominando a doutrina de erro essencial ou principal(art. 138, CC). Em sendo acessório, secundário, como o relativo à mera indicação da pessoa ou coisa, não haverá de se falar na anulação (art. 142, CC), não tendo consequência jurídica relevante. O artigo 139 do Código Civil elenca espécies ou modalidades de erro, sendo possível verificar-se: a) Error In Negotio – Incide sobre a naturezado negócio. Ex.: imagina-se está realizando uma compra e venda, mas, em verdade, esta celebrando contrato de doação; b) Error In Corpore – Incide sobre o objetodo negócio jurídico. Ex.: imagina esta comprando um imóvel na rua A, mas está adquirindo na rua B, ou ainda rua homônima. Pode ser até mesmo em relação à quantidade do objeto (Error in quantitate): Ex.: Colecionador compra coleção de selos

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imaginando ter 200 selos, mas em verdade há 150 selos. c) Error In Persona – Incide sobre a pessoa, tendo importante aplicação na seara dos matrimônios em relação ao erro essencial sobre a pessoa (art. 1.557, CC). d) Erro de Direito – Não implica negativa de aplicação à lei, não significando seu descumprimento intencional, mas sim equívoco quanto ao alcance da norma jurídica. Ex.: Cidadão compra o terreno para edificar em área que descobre, posteriormente, não ser edificante.

Atenção!

• O falso motivo, externado no ato como sua razão determinante, equivale ao erro, gerando anulabilidade (art. 140 do CC). • A transmissão equivocada de vontade por interposta pessoa gera anulabilidade do ato (art. 141, CC). • O erro de cálculo gera mera ratificação, não sendo hipótese de anulabilidade do negócio, assim como o erro material, na forma do artigo 143 do CC. B) Dolo(Art. 145 a 150, CC) Consiste no induzimento malicioso de alguém à prática de um ato que lhe seja prejudicial, mas proveitoso ao autor do dolo ou a terceiro. É comum nas provas as expressões induzimento ardiloso ou utilização de ardil. Basta que este ardil seja suficiente para levar a parte a celebrar um negócio que não queria. Difere-se do erro no momento em que nesse, o agente incorre sozinho em lapso, sem qualquer “ajuda” de terceiro. Se há “ajuda”, a hipótese é de dolo. O dolo, para ser capaz de gerar anulabilidade do negócio jurídico, há de ser essencial, assim como o erro (art. 145, CC). Todavia, caso se verifique que a parte realizaria o negócio com ou sem a presença do dolo, a hipótese é de dolo acidental (incidental), o qual não gera anulação do negócio, mas é passível de ocasionar indenização por perdas e danos (art. 146, CC). Neste ponto, há importante diferença para o erro acidental, o qual não possui consequências para o mundo do direito. O dolo admite algumas classificações: a) Dolo positivo x negativo

Não é necessária uma conduta positiva para configuração do dolo. A omissão dolosa (decorrente de silêncio intencional de uma das partes) pode ensejar o dolo, quando provado que sem ela o negócio não se teria celebrado. Ex: ausência de informação no momento do contrato de seguro (art. 147, CC), como uma doença anterior que tinha conhecimento. b) Dolo decorrente de conduta de terceiro É possível e vai ser apto a gerar anulabilidade se a parte a quem aproveite do negócio soubesse ou devesse saber de tal dolo. Em caso contrário, há de falar-se, porém, na possibilidade de se postular perdas e danos em face do terceiro (art. 148, CC). c) Dolo do representante Ter-se-á de analisar se a hipótese é representação legal ou convencional na forma do artigo 149 do Código Civil. • Se representação legal, o representado apenas responde até a importância que tiver proveito econômico. • Se representação convencional, há responsabilidade solidária entre representante e representado. d)Dolo bilateral ou recíproco Segundo o artigo 150 do CC, ninguém poderá se beneficiar da própria malícia (torpeza). Portanto, se ambas as partes incorrerem em dolo, independente da modalidade, nenhuma delas poderá arguir isto como motivo de anulação do negócio, nem reclamar indenização. C) Coação Moral (arts. 151 a 155, CC) Coação é toda ameaça ou pressão, física ou moral, exercida sobre um indivíduo para forçá-lo, contra a sua vontade, a praticar um ato ou realizar um negócio, tornando o ato defeituoso. Assim, a coação pode ser: a) Coação Absoluta ou física (vis absoluta). Quando a manifestação de vontade pretendida é obtida pela força física.Inexiste qualquer manifestação de vontade do agente. Neste caso, a coação absoluta gera inexistência do ato por ausência de vontade. Ex.: Arma na cabeça para casar, obrigando ao noivo a assinatura do documento que comprova a celebração do casamento. b) Coação Relativa ou moral (vis

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compulsiva). É a coação psicológica. Na coação relativa o negócio pode ser anulável, desde que verificados os seguintes requisitos: A coação haverá de ser: i. Causa do ato: deve demonstrar que sem a coação o ato não teria sido concretizado (nexo de causalidade); ii. Grave: a coação deve imputar ao coagido um verdadeiro temor de dano sério. iii. Injusta (ilícita, contrária ao direito, abusiva). Portanto, a ameaça ao exercício normal do direito e o temor reverencial não configuram coação (art. 153, CC); iv. Iminente ou Atual: o dano deve ser próximo e provável, isto é, prestes a se consumar (é para afastar a coação impossível); v. Deve constituir ameaça de prejuízo à pessoa ou bens da vítima, às pessoas ou bens da sua família e até mesmo terceiros, quando o juiz haverá de analisar o nexo de causalidade. Na análise dos requisitos acima se leva em consideração as circunstâncias subjetivas da vítima, como o sexo, a idade, a formação intelectual e profissional. Isto não ocorre na análise do erro e do dolo (art. 152, CC). Assim como o dolo, a coação pode ser exercida por terceiro, apenas viciando o negócio jurídico se a parte beneficiada tivesse ou devesse ter conhecimento dela. Neste caso, a responsabilidade é de fundo solidário, sendo esta a diferença para o dolo praticado por terceiro (art. 154, CC). Se a parte beneficiada não tivesse conhecimento, este relevante fato conduzirá à ausência do vício, subsistindo a responsabilidade civil do terceiro (art. 155, CC) por perdas e danos. D) Estado de Perigo (art. 156, CC) Trata-se de novidade no vigente Código Civil, traduzindo a aplicação do instituto penal do estado de necessidade ao Direito Civil, especificamente nos vícios de consentimento. Configura-se o estado de perigo quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, a pessoa de sua família, ou até mesmo terceiro, de grave dano, conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa. Difere-se da lesão por ser subjetivo, exigindo o dolo de aproveitamento,pois

exige o dispositivo que a outra parte conheça o dano grave.Ex: uma embarcação está naufragando quando, então, outra embarcação se aproxima, oportunidade na qual se afirma que apenas será prestado socorro se houver pagamento de valores. O cheque caução (vedado pela ANS desde a resolução 44/2003) ou os honorários médicos excessivos para atendimento de emergência também configuram estado de perigo. Lembra-se que assim como na coação, caso o estado de perigo diga respeito a terceiro, o magistrado haverá de analisar o grau de proximidade. E) Lesão (art. 157, CC) Também constitui novidade no Código Civil de 2002. Relaciona-se a uma concepção de justiça contratual e equidade nas relações negociais, visando coibir o abuso de poder econômico ou uma posição privilegiada. A lesão é objetiva e não exige dolo de aproveitamento, mas apenas desequilíbrio negocial objetivamente inadequado. Dois são os requisitos da lesão em destaque: a) Objetivo: manifesta desproporção entre as prestações estabelecidas no negócio. Observa-se que o CC não quantificou o valor, falando em desproporcionalidade como conceito aberto, sem definir o padrão quantitativo. b) Subjetivo: inexperiência ou premente necessidade de uma das partes, a qual é percebida pelas condições pessoais do contratante. Tal elemento não se presume, havendo de ser verificado no caso concreto (Enunciado 290 do CJF). Os requisitos devem ser analisados no momento da contratação, e não posteriormente. Diga-se que se vem entendendo ser dispensável o dolo de aproveitamento pela parte que objetiva beneficiar-se. Destarte, não é necessário que a outra parte esteja ciente da necessidade ou inexperiência de outro contratante para sua configuração (Enunciado 150 do CJF). Presente os requisitos, o negócio será anulado. Entrementes, antenado com o ideal da conservação dos atos (Enunciados 149 e 291 do CJF), o legislador civilista traz a

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possibilidade de revisão do negócio, com suplemento suficiente ou redução do proveito, sendo uma alternativa. Pergunta-se: aplica-se ao estado de perigo possibilidade de revisão? Segundo o Enunciado 148 do CJF a resposta é positiva. Porém, o Código não traz disposição expressa. Assim, para provas objetivas, em regra a resposta é negativa, salvo questões que versem sobre doutrina ou jurisprudência. 7.3.2 Vícios sociais a) Fraude Contra Credores (arts. 158 a 165): O legislador civilista se preocupa com as alienações realizadas pelos devedores que ainda não honraram as dívidas pretéritas, pois é o patrimônio destes que deverá garantir, aos credores, a satisfação obrigacional já estabelecida antes da alienação. A Fraude contra Credores traduz vício social consistente na prática de atos de disposição patrimonial pelo devedor com o intuito de esvaziar o seu patrimônio e gerar insolvência em face dos credores. Para configuração da mesma se faz necessária a presença de dois requisitos: I) Objetivo (EventusDamni): consiste na diminuição do patrimônio capaz de gerar ainsolvência. Ou seja, a mera diminuição do patrimônio não é capaz de caracterizar a fraude contra credores. II) Subjetivo (Consilium Fraudis): conluio fraudulento que ressalta a má-fé dos envolvidos. A propósito, deve-se recordar que existem hipóteses nas quais o CC presume a má-fé (vide arts. 158, 159, 162 e 163, CC), a saber: (i) Negócios de transmissão gratuita de bens (art. 158, CC); (ii) Remissão de dívidas (art. 158, CC); (iii) Contratos onerosos do devedor insolvente, em duas hipóteses (art. 159, CC): •quando a insolvência for notória; •quando houver motivo para ser conhecida pelo contratante; (iv) Antecipação de pagamento feita a um dos credores quirografários, em detrimento dos demais (art. 162, CC);

(v) Outorga de garantia de dívida dada a um dos credores, em detrimento dos demais (art. 163, CC). Contudo, a boa-fé será presumida quanto aos negócios ordinários indispensáveis à manutenção do estabelecimento mercantil, rural ou industrial ou à subsistência do devedor e de sua família (art. 164, CC). Configurada a fraude contra credores, deve-se ajuizar a denominada ação pauliana ou revocatória, de natureza desconstitutiva e cujo pedido central é o de anulabilidade do ato, submetendo-se ao prazo decadencial de 4 (quatro) anos. Cediço, porém, que há relevante posicionamento doutrinário defendendo a ineficácia do ato fraudulento, ao revés de sua anulabilidade. Entrementes, para provas objetivas, o entendimento basilar é o da anulabilidade, salvo se a questão vier pautada na doutrina ou jurisprudência. De mais a mais, como já sumulado pelo STJ (verbete nº 195), os embargos de terceiros não constituem mecanismo hábil ao reconhecimento judicial da fraude contra credores, que deve se submeter ao procedimento comum ordinário e não ao especial de jurisdição contenciosa. Por fim, não se deve confundir fraude contra credores com fraude à execução, pois nesta (fraude à execução): a) Já há processo em curso; b) Configura-se tipo penal (art. 179, CP) e atentado contra a dignidade da Justiça (art. 600, CPC); c) Não exige o requisito subjetivo (consilium fraudis) para sua configuração; d) A conseqüência não é anulabilidade, mas sim ineficácia do ato, que deve ser combatido de ofício pelo magistrado.

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OBS: Simulação (não é mais considerado pelo atual código como vício social). A simulação consiste em uma declaração enganosa de vontade, visando a produzir efeito diverso do ostensivamente indicado. Ocorre quando se celebra um negócio aparentemente normal, mas que não pretende atingir o efeito formal e naturalmente esperado. Perceba-se que não há defeito na vontade do declarante, assim como na fraude contra credores. O objetivo é prejudicar terceiros. Sendo a simulação uma causa de nulidade absoluta do negócio jurídico, pode ser alegada por uma das partes contra outra (Enunciado 294 do CJF). A simulação, hodiernamente, é composta de duas modalidades, quais sejam: a) Absoluta: nesta é celebrado um negócio jurídico destinado a não produzir nenhum efeito, com o único intento de lesar alguém. Ex: João é casado com Maria e como estão prestes a divorciar, João celebra, com um grande amigo, contratos de compra e venda como forma de salvaguardar bens para que não sejam inclusos na divisão patrimonial do divórcio, aproveitando-se desta ilegalidade. b) Relativa (ou dissimulação): as partes criam um negócio jurídico (simulado) destinado a encobrir outro negócio (dissimulado), cujos efeitos são proibidos por lei (para esconder o negócio que querem realmente praticar). Ex: João é casado, e não podendo doar bens à concubina, ele faz

uma simulação de uma compra e venda para dissimular a doação realizada. Tem-se, na hipótese, uma simulação relativa objetiva, pois o negócio é utilizado como instrumento de engano. Tal simulação relativa poderia ser subjetiva, acaso utilizada uma interposta pessoa (laranja), configurando-se se João doasse o bem para Pedro (seu amigo) com o intuito de que este, posteriormente, repassasse o bem objeto da alienação à concubina de João. Nestes casos, o negócio simulado é nulo, mas aproveita-se o dissimulado se válido for em substância e forma, nas pegadas do art. 167 do CC. Importante ficar atento às hipóteses de simulação elencadas no próprio artigo 167, especialmente em seu § 1º, que assim dispõe: I – aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem; II – contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira; III – os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados. ATENÇÃO!

Não se deve confundir

simulação com reserva mental, a qual também é chamada de

reticência (art. 110, CC).

Configura-se a reserva mental quando o

agente mantém escondida a intenção de não

cumprir a finalidade do negócio. Esta não

tem consequências para o direito,

produzindo o negócio jurídico seus efeitos

regulares.

Por óbvio, caso a reserva seja externada (deixando de ser reserva), e haja concordância da outra parte (havendo simulação absoluta), o negócio será nulo, na forma do artigo 167 do CC. Vamos treinar? 01.(TRT 8R - 2014 - TRT - 8ª Região (PA e AP) - Juiz do Trabalho) Analise as proposições a seguir e marque a única alternativa que contempla as afirmações CORRETAS:

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I - O fato jurídico em sentido estrito corresponde a todo acontecimento natural para o qual não concorra a atuação humana, podendo ser classificado como ordinário (fato da natureza de ocorrência comum) ou extraordinário (aquele inesperado, imprevisível). II - O ato jurídico em sentido estrito constitui simples manifestação de vontade, sem conteúdo negocial, que determina a produção de efeitos legalmente previstos. Não obstante despidos de conteúdo negocial, aplicam-se ao ato jurídico em sentido estrito, no que couber, as mesmas disposições estabelecidas no Código Civil em vigor para o negócio jurídico. III - Ainda que o Código Civil vigente estabeleça que a capacidade do agente seja um dos requisitos de validade do negócio jurídico, a incapacidade de uma das partes não pode ser invocada pela outra em benefício próprio, nem aproveita aos cointeressados capazes, salvo se, neste caso, for indivisível o objeto do direito ou da obrigação comum. IV - Quando a lei não dispuser em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País. De igual forma, celebrado o negócio jurídico com cláusula que condicione sua validade à subscrição instrumento público, este será da substância do ato. V - Segundo o Código Civil vigente, na celebração do negócio jurídico, a reserva mental é irrelevante para comprometer a manifestação de vontade, salvo se conhecida do destinatário. a) Está correta apenas a afirmação III. b) Estão corretas apenas as afirmações II, IV e V. c) Estão corretas apenas as afirmações I e IV. d) Está correta apenas a afirmação II. e) Estão corretas apenas as afirmações I, III e V. GABARITO: B Comentários: O item II está correto já que considera-se ato jurídico em sentido estrito aquele em que as partes não possuem plena liberdade para deliberar sobre os efeitos do negócio, pois estes são vinculados por terem previsão legal. O item IV está correto e reproduz o disposto

nos arts. 108 e 109 do Código Civil. O item V está de acordo com o teor do art. 110 da lei civil. Assim, a questão tem por gabarito a assertiva de letra B. 02. (PUC-PR - 2014 - TJ-PR - Juiz Substituto) Assinale a alternativa que descreva hipótese em que o vício ou defeito do ato jurídico descrito NÃO importa em nulidade. a) Aristóbulo da Cruz, 75 anos, recém-casado sob o regime de separação de bens (art. 1641, II, CC) firma contrato de cessão onerosa do único bem integrante de seu patrimônio (uma fazenda), em favor da esposa Marlizinha da Cruz, jovem estudante sem renda nem patrimônio próprio. b) João firma contrato de mútuo, emprestando dinheiro ao sobrinho Eurico, ciente de que este, com o numerário, adquirirá drogas para revenda. c) Juliano, aos 14 anos de idade, firma um contrato de compra e venda de um determinado bem. d) Antonio das Pontes, solteiro e sem dívidas, firma contrato de compra e venda de um veículo que, na verdade, dera de presente para sua companheira Marta dos Montes. GABARITO: D Comentários: Correta a assertiva de letra D com fundamento no art. 167, caput do CC/02, dispondo que “É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma.” 03. (CESPE - 2013 - TRT - 10ª REGIÃO (DF e TO) - Analista Judiciário - Área Judiciária) Julgue os itens que se seguem, a respeito da interpretação da legislação e dos atos e negócios jurídicos. 92 Considere que Cláudio tenha adquirido de Pedro um apartamento, cuja venda fora anunciada por este em jornal, e que, em razão dessa venda, Pedro tenha ficado sem patrimônio para garantir o pagamento de suas dívidas. Nessa situação, o negócio jurídico celebrado entre ambos é passível de anulação por fraude contra credores em face da presunção de má-fé de Pedro. Comentários A questão está ERRADA. O art. 159 do Código Civil, dispõe que serão passíveis de

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anulação os contratos onerosos do devedor insolvente, quando a insolvência for notória, ou houver motivo para ser conhecida do outro contratante. Em análise da questão proposta presume-se que Claudio figura como terceiro adquirente que se encontra de boa-fé já que a tomou conhecimento da venda do imóvel através de anúncio do jornal. Sobre Pedro, não é possível presumir sua má-fé, portanto não se pode falar em anulação do negócio jurídico baseada em fraude contra credores. Ponto 8. Prescrição e Decadência PRESCRIÇÃO X DECADÊNCIA

Vamos treinar?

01. (TRT 2R (SP) - 2014 - TRT - 2ª REGIÃO (SP) - Juiz do Trabalho) Em relação à prescrição, observe as proposições abaixo e responda a alternativa que contenha proposituras corretas: I. Iniciada contra uma pessoa não continua a correr contra o seu sucessor. II. Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, no prazo (10) dez anos se a lei não lhe haja fixado prazo menor. III. Os prazos podem ser alterados desde que acordados pelos agentes do negócio jurídico. IV. A renúncia pode ser expressa ou tácita, e só valerá se realizada sem prejuízo de terceiro, depois que se consumar. Será tácita a renúncia quando se presume de fatos do interessado, incompatíveis com a prescrição. V. Suspensa em favor de um dos credores solidários, só aproveita aos outros se a obrigação for indivisível. Está correta a alternativa: a) I, II e III. b) II, IV e V c) II, III e IV. d) I, IV e V e) I, III e V. GABARITO: B Comentários: O item II está correto e tem por base legal o art. 205, CC/02 dispondo que “A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.”. O item IV está correto e traz a redação do art. 191, CC/02. Por fim o item V que reproduz o disposto no art. 201 da lei civil. 02.( FCC - 2013 - TRT - 12ª Região (SC) - Analista Judiciário - Especialidade Oficial de Justiça Avaliador Federal) No tocante à prescrição, a) seu prazo não correrá se pender condição suspensiva. b) pode ela ser interrompida apenas pelo titular do direito violado.

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c) pode ela ser alegada em primeiro grau de jurisdição, pela parte a quem aproveita, e somente pelo órgão jurisdicional, de ofício, nos demais graus jurisdicionais. d) o prazo prescricional iniciado contra uma pessoa não corre contra seu sucessor. e) os prazos prescricionais podem ser alterados por acordo entre as partes, mas não os prazos decadenciais. GABARITO: A Comentários: Correta a assertiva de letra A, de acordo com o disposto no art. 199, inc. I do Código Civil, não corre a prescrição pendendo condição suspensiva. 3. (UFMT - 2014 - MPE-MT - Promotor de Justiça) Sobre os preceitos constantes no Código Civil a respeito da prescrição e da decadência, analise as assertivas. I - Simples protesto cambiário não interrompe a prescrição. II - Enquanto a prescrição admite renúncia, admitindo-se sua caracterização tácita desde que consumada e não haja prejuízo a terceiro, a decadência, prevista em lei, é irrenunciável. III - Embora haja previsão legal de que a prescrição possa ser alegada em qualquer grau de jurisdição, pela parte a quem aproveita, para que a parte possa alegar a prescrição nos tribunais superiores (STF e STJ), a matéria deve ter sido prequestionada nas instâncias ordinárias. IV - Os prazos de decadência não podem ser alterados pelas partes, enquanto os prazos de prescrição podem ser alterados pelas partes. V - Suspensa a prescrição em favor de um dos credores solidários, só aproveita aos outros se a obrigação for divisível. Estão corretas as assertivas a) I, II e IV, apenas. b) III e IV, apenas. c) I, III e V, apenas. d) II e III, apenas. e) IV e V, apenas. GABARITO: D Comentários: A questão tem por correta a afirmativa constante da letra D. O item II tem por fundamento legal o disposto no art. 191 c/c o art. 209 ambos do Código Civil dispondo que a renúncia da prescrição pode ser expressa ou

tácita, e só valerá, sendo feita, sem prejuízo de terceiro, depois que a prescrição se consumar; tácita é a renúncia quando se presume de fatos do interessado, incompatíveis com a prescrição, sendo nula a renúncia à decadência fixada em lei. No que se refere ao item III está correto, apesar do art. 193 do CC/02 dispor que a prescrição pode ser alegada em qualquer grau de jurisdição, pela parte a quem aproveita e o art. 219, § 5º do CPC rezar que a prescrição é matéria de ordem pública podendo ser reconhecida de ofício pelo juiz, todavia os tribunais superiores entendem que deve haver o prequestionamento da matéria no que tange ao cabimento dos recursos especial e extraordinário, sobre o tema ver o AgRg no REsp 1458441/RS.