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O QUE É A ÉTICA, A MORAL E A POLÍTICA? Os seres humanos atuam orientados por valores expressados em um tipo especial de linguagem. Cada cultura, cada grupo humano vai estruturando um mundo de vida peculiar baseado em distinções sobre o bom e mal, correto e incorreto, conveniente e inconveniente, isto é, a moral. Distinção: 1. Costumes não refletidos 1 Moral 2. Costumes refletidos Ética A RELAÇÃO MORAL E ÉTICA 2 A ética não cria a moral. Mesmo que seja certo que toda moral supõe determinados princípios, normas ou regras de comportamento, não é a ética que os estabelece numa determinada comunidade. A ética depare-se com a experiência histórico-social no térreo da moral, ou seja, como uma série de práticas morais já em vigor e, partindo delas, procura determinar a essência da moral, sua origem, as condições objetivas e subjetivas do ato moral, as fontes de avaliação moral, etc., e o princípio que rege a mudança e a sucessão de diferentes sistemas morais. A ética é a teoria ou “ciência” do comportamento moral dos homens em sociedade, ou seja, é a ciência de uma forma específica de comportamento humano. A ética mostra-se, então, como uma disciplina de caráter “científico”, ocupando-se, pois, do setor da realidade humana que chamamos moral, constituído, como já dissemos, por um tipo peculiar de “fatos” ou atos humanos. A ética é o estudo da moral, isto é, de uma esfera do comportamento humano. Não se deve confundir aqui a teoria com o seu objeto, a saber, o mundo moral. Por conseguinte, a moral não é “ciência”, mas o objeto da ciência [ÉTICA]; e, neste sentido, é por ela estudada e investigada. Portanto, moral e ética mantêm uma relação estreita entre si, mesmo que etimologicamente falando não guardem nenhuma relação. Explicamos: moral vem do latim mos ou mores, “costume” ou “costumes”, no sentido do conjunto de normas ou regras 1 Para clara compreensão, entende-se aqui “refletido” no sentido do exercício do pensamento que pensa sobre si mesmo, o qual pensa e reflete sobre um “conteúdo” que pretende compreender em sua totalidade de percepções. 2 Cf. Vázquez, A. S. Ética. p.22.

Aula 1 O Que é Ética, Moral e Política

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Moral, ética e políticaÉtica das Relações Internacionais

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  • O QUE A TICA, A MORAL E A POLTICA?

    Os seres humanos atuam orientados por valores expressados em um tipo especial de

    linguagem. Cada cultura, cada grupo humano vai estruturando um mundo de vida peculiar

    baseado em distines sobre o bom e mal, correto e incorreto, conveniente e inconveniente,

    isto , a moral.

    Distino:

    1. Costumes no refletidos1 Moral

    2. Costumes refletidos tica

    A RELAO MORAL E TICA2

    A tica no cria a moral. Mesmo que seja certo que toda moral supe determinados

    princpios, normas ou regras de comportamento, no a tica que os estabelece numa

    determinada comunidade. A tica depare-se com a experincia histrico-social no trreo da

    moral, ou seja, como uma srie de prticas morais j em vigor e, partindo delas, procura

    determinar a essncia da moral, sua origem, as condies objetivas e subjetivas do ato moral,

    as fontes de avaliao moral, etc., e o princpio que rege a mudana e a sucesso de diferentes

    sistemas morais.

    A tica a teoria ou cincia do comportamento moral dos homens em sociedade,

    ou seja, a cincia de uma forma especfica de comportamento humano. A tica mostra-se,

    ento, como uma disciplina de carter cientfico, ocupando-se, pois, do setor da realidade

    humana que chamamos moral, constitudo, como j dissemos, por um tipo peculiar de fatos

    ou atos humanos.

    A tica o estudo da moral, isto , de uma esfera do comportamento humano. No se

    deve confundir aqui a teoria com o seu objeto, a saber, o mundo moral. Por conseguinte, a

    moral no cincia, mas o objeto da cincia [TICA]; e, neste sentido, por ela estudada e

    investigada.

    Portanto, moral e tica mantm uma relao estreita entre si, mesmo que

    etimologicamente falando no guardem nenhuma relao. Explicamos: moral vem do latim

    mos ou mores, costume ou costumes, no sentido do conjunto de normas ou regras

    1 Para clara compreenso, entende-se aqui refletido no sentido do exerccio do pensamento que pensa sobre si

    mesmo, o qual pensa e reflete sobre um contedo que pretende compreender em sua totalidade de percepes. 2 Cf. Vzquez, A. S. tica. p.22.

  • adquiridas por hbito. A moral se refere, assim, ao comportamento adquirido ou modo de ser

    conquistado pelo homem.

    tica, por sua vez, vem do grego ethos, que significa analogamente modo de ser ou

    carter enquanto forma de vida tambm adquirida ou conquistada pelo homem. Desta

    forma, originalmente ethos e mos, carter e costume, assentam-se em um tipo de

    comportamento que no corresponde a uma disposio natural, mas que adquirido por

    hbito. O significado etimolgico de moral e tica no nos fornece o significado atual dos

    dois termos, mas nos situam no terreno especificamente humano no qual se torna possvel e se

    fundamenta o comportamento moral.

    COSTUMES NO REFLETIDOS OU MORAL

    Consoante Maliandi, os costumes no refletidos esto localizados em um nvel no

    qual o indivduo e a comunidade no pensam sobre sua prpria moral/costumes, somente

    vivendo sob e embasado nela por ter interiorizado a mesma. A moral se converte em costume

    no questionado, pressuposto de novas valoraes que, de algum modo, oferecem certa

    segurana aos seus integrantes ou adeptos.3

    Assim sendo, os costumes no refletidos, como pensamento moral, trabalha sobre o

    contedo da memria coletiva, a qual passado que se reatualiza nas aes. No indaga pelo

    que ou por que, pois sua dinmica bsica aceitao ou refutao. No se questiona, ento,

    sobre os fundamentos da norma nem da conduta ajustada dita norma, simplesmente se vive

    a moralidade herdada, como quando as mes educam com critrios pelos quais elas mesmas

    foram educadas no mintas por que seno vai crescer teu nariz; no seja malcriado;

    no pegue dinheiro que no seu, etc.

    COSTUMES REFLETIDOS OU TICA

    Em algum momento, os costumes no refletidos requerem uma reflexo, devido aos

    vrios conflitos, desacordos que necessitam de soluo e, sobretudo, para a busca de uma

    fundamentao slida sob a qual a moral possa assentar-se. Dentro da tica, temos trs

    subdivises, a saber, tica descritiva, tica normativa e metatica.

    A tica descritiva simplesmente o uso descritivo da linguagem, isto , descrever os

    fatos morais. Sua tarefa no pensar os fundamentemos nem critic-los, como tampouco dar

    valor a eles, mas descrev-los, atendo-se, assim, a facticidade da moralidade. A prtica da

    3 MALIANDI, R. tica: conceitos e problemas. Buenos Aires: Biblos, 1991. Cap.III.

  • tica descritiva tpica das cincias: a histria, a psicologia, a sociologia, a antropologia, que

    em algum momento de suas investigaes descrevem o fenmeno da moralidade social.

    Colocamos com exemplo os seguintes textos:

    A partir da histria, Crane Brinton, Histria da moral ocidental;

    A partir da psicologia, Jean Piaget, O critrio moral da criana; e L. Kohlberg,

    Desenvolvimento moral;

    A partir da biologia, Theodosius Dobzhansky, as bases biolgicas da liberdade

    humana, e Michael Ruse, Tomando Darwin a srio: Implicaes filosficas do

    darwinismo; Richard Dawkins, o gen egosta: As bases biolgicas de nossa conduta,

    entre outros.

    Teoricamente, mais que fazer proposies sobre o correto ou errado do aborto, por

    exemplo, a tica descritiva simplesmente apresenta os fatos de como ocorrem os abortos,

    quais restries legais existentes, etc.

    TICA NORMATICA

    A tica normativa trata das normas da ao, em termos de se uma ao considerada

    boa ou mal, correta ou incorreta. Expressa valores e faz juzos morais baseados neles. Pode se

    relacionar com os fatos, mas no totalmente definida por eles, porque reflexiona sobre a

    prescritividade da vida moral: seu fundamento, sentido e racionalidade. Assim, a tica

    normativa trabalha com o que deve ser, elabora juzos sobre os feitos morais. Este o tipo

    de tica que predominante na filosofia ocidental. Gensler sustenta:

    A tica normativa estuda princpios acerca de como devemos viver. Faz questes

    como: qual so os princpios bsicos do correto e o incorreto? Que coisas so, em

    ltima instncia, valiosas na vida [e para vida]? O que uma sociedade justa? O que

    faz uma pessoa ser boa? Quais sos os direitos humanos bsicos? O aborto correto

    ou incorreto?4

    A partir do estudo das normas (mandados e proibies), a tica normativa tende a

    orden-los, estabelecendo hierarquias nas quais podem se encontrar regras de maior

    hierarquia e de menor hierarquia, como princpios, normas, juzos. Baseados em Hffe

    classificaremos as ticas normativas como segue5:

    4 GENSLER, H. Ethics.

    5 HFFE, O. Diccionario de tica. Barcelona: Crtica, 1994.

  • A tica teleolgica: As normas esto em funo da finalidade que se estabelece previamente.

    Entre as teorias teleolgicas mais importantes se encontram:

    A tica aristotlica orienta as normas a partir de uma finalidade suprema, a

    felicidade;

    A tica teolgica Deus a fonte de toda norma, pelo qual o crente se sente obrigado

    a cumprir com sua vontade;

    A tica utilitarista as normas surgem para o bem estar do maior numero de pessoas;

    A tica egosta as normas surgem de e para os interesses individuais (Hobbes);

    A tica coletivista as normas surgem de e para a coletividade (tica de classe);

    A tica vitalistica As normas surgem de e para a exaltao da vida (Nietzsche).

    A tica deontolgica a fonte das normas no so Deus nem uma finalidade pessoal ou

    social, mas to somente a conscincia racional autnoma.

    A tica kantiana a fonte da moral a conscincia do indivduo;

    A tica do discurso a fonte da moralidade a razo comunicativa (J. Habermas);

    METATICA

    Estas questes no so elas mesmas juzos morais, no dizem que alguma coisa em

    particular seja correta ou incorreta. Assim, reduzindo a tarefa da investigao tica a uma

    anlise das proposies morais ou da linguagem sobre o comportamento moral (metatica), os

    filsofos (especialmente analtico), declaram-se neutros no terreno da moral e se negam a

    tomar posio nas grandes questes morais que tradicionalmente preocuparam a tica6

    . Hffe

    oferece uma definio ainda mais completa:

    A metatica no admite os enunciados substantivos ([aqui defesa] tese da

    neutralidade) sobre a bondade moral das aes individuais, suas regras ou os critrios

    das regras (discurso mora: tica normativa), e somente admite os enunciados sobre sua

    forma lingustica (metadiscurso). A metatica se interessa por: a) os significados de

    predicados morais como bom, justo, dever e tambm ao, conscincia, inteno e, da o nome: tica analtico-lingustica, tica lingustica; b) pela distino entre sai acepo tica e no-tica; e c) pela questo de se [ possvel] e de como

    podem justificar os juzos morais.

    Ainda segundo Hffe, pode-se dividir a metatica, em duas orientaes que se

    imbricam.

    6 VSQUEZ, A. S. Op. cit. p.294.

  • Orientao no cognitivista Esta orientao sustenta que a linguagem tica no

    produz conhecimento verdadeiro e objetivo, pois no se pode aplicar a eles nenhum

    critrio de demonstrao, nem das cincias matemticas nem das cincias empricas.

    Orientao cognitivista Esta orientao sustenta que os temos ticos podem ser

    cognoscveis.

    TICA E POLTICA

    Enquanto a moral regulamenta as relaes mtuas entre os indivduos e entre estes e a

    comunidade, a poltica abrange as relaes entre grupos humanos (classes, povos e naes). A

    poltica abrange a atividade dos grupos sociais que atende a conservar a ordem existente, a

    reform-la ou a mud-la radicalmente, tanto quanto a atividade que o prprio poder estatal

    desenvolve na ordem nacional e internacional.

    Os sujeitos da ao poltica so os indivduos concretos, reais, mas enquanto membros

    de um grupo social determinado. Atuando politicamente, os indivduos defendem seus

    interesses comuns - do grupo social respectivo - nas suas relaes com o Estado, com outras

    classes ou com outros povos. Na poltica, o indivduo encarna uma funo coletiva e a sua

    atuao diz respeito a um interesse comum. Na moral, pelo contrrio, ainda que o coletivo

    esteja presente, porque o indivduo nunca deixa de ser um ser social, o elemento ntimo,

    pessoal, desempenha um papel importante. De fato, nas suas relaes morais com os demais,

    o indivduo age como tal, isto , tomando decises pessoais, interiorizando as normas gerais e

    assumindo uma responsabilidade pessoal.

    Ainda que as normas morais que regulamentam os atos dos indivduos, em um sentido

    ou no outro, possuam um carter coletivo e no propriamente individual, o indivduo que

    deve decidir pessoalmente livremente se as compre ou no e assumir a respectiva

    responsabilidade pela deciso tomada. A atividade poltica ultrapassa o plano pessoal, e,

    embora sejam os indivduos reais os que tomam parte conscientemente na poltica, seus atos

    individuais somente adquirem sentido poltico na medida em que se integram na ao comum

    ou coletiva do grupo.

    A poltica e a moral so formas de comportamento que no podem identificar-se. Nem

    a poltica pode absorver a moral, nem esta pode ser reduzida poltica. A moral possui um

    mbito especfico no qual a poltica no pode interferir. Culpar um inocente no somente

    injusto, mas moralmente reprovvel, embora o Estado o faa por motivos polticos. A poltica

    possui um campo especfico que a impede de ser reduzida a um captulo da moral (como

    acontecia na antiguidade). Da decorre a necessidade que ambas as formas de comportamento

  • humano mantenham uma relao mtua, mas conservando, ao mesmo tempo, suas

    caractersticas especficas, isto , sem que uma absorva a outra ou a exclua por completo

    (Vasques, p.93-4).

    Consoante Bobbio, a poltica e a moral tm em comum o domnio sobre o qual se

    estendem que o domnio da ao ou da prxis humana. Considera-se que diferem entre si

    com base no diferente princpio ou critrio de justificao e de avaliao das respectivas

    aes, tendo por consequncia que aquilo que obrigatrio em moral nem sempre

    obrigatrio na poltica, e aquilo que lcito na poltica sem sempre lcito na moral. Aquilo

    que chamamos de autonomia da poltica nada mais do que o reconhecimento de que o

    critrio com base no qual se considera boa ou m uma ao poltica distinto do critrio com

    base no qual se considera boa ou m uma ao moral.7

    7 BOBBIO; N. Teoria geral da poltica. p.173-4.