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Universidade Federal Fluminense ICHF – GHT História Medieval Prof. Mário Jorge I. Júlio César – Comentários sobre a Guerra Gálica  (De Bello Gallico  ) – Século I a.C.  Livro IV. 1. “De todos os Germanos os Suevos são os mais poderosos e guerreiros. Afirma-se possuírem cem cantões, de cada um dos quais tiram mil homens todos os anos para fazer guerra aos vizinhos. Os demais permanecem nos cantões, sustentando a si e aos outros. No ano seguinte são aqueles que pegam em armas, permanecendo os que haviam guerreado, por sua vez, nos cantões. Assim, nem se interrompe o trabalho da agricultura, nem o da milícia. A terra é comum entre eles, e não permanecem mais de um ano em um lugar para desenvolver a agricultura. Não fazem muito uso do trigo; vivem principalmente de leite e carne de seu gado, e são grandes caçadores: o que, pelo tipo de alimento, pelo exercício cotidiano e pela liberdade de vida (não se submetem a nenhuma obrigação ou disciplina, mas unicamente à sua vontade), não só lhes cria grandes forças, mas o tornam ainda homens de corpulência descomunal. (...) 2. Dão entrada a mercadores, mais para terem a quem vender as presas feitas na guerra do que por desejarem comprar-lhes o que quer que seja. (...) 3. Reputam a maior glória da nação que exista em torno dela quanto mais dilatado espaço de terra inculto, como indício de não lhes poderem os demais povos suportar o jugo. Assim, de um lado afirma- se terem cerca de seiscentos mil passos de campos incultos nas imediações. Do outro lado situam-se os Úbios, povo outrora florescente e os mais conversáveis e policiados destes povos, por isso que tocam o Reno, têm freqüente trato com os mercadores, e estão em razão da vizinhança afeitos aos costumes gauleses. Tendo sido pressionados por muitos anos com guerras pelos Suevos, estes nunca conseguiram fazê-los emigrar, mas enfraqueceram-nos muito, constituindo-os tributários seus. Livro VI. 21. Os Germanos diferem muito em costumes. Assim, não têm druidas que presidam às coisas divinas (...). Contam unicamente no número dos deuses os que vêem, e cujo socorro lhes é abertamente profícuo; isto é, ao Sol, A Vulcano, à Lua (...) 22. Não se esmeram na agricultura. Nenhum tem campo demarcado ou de sua propriedade; mas os magistrados e os principais designam a cada ano às gentes e parentelas, que vivem em comum, tanto espaço de campo para lavrar, quanto e onde parece conveniente, e os obrig am no segui nte a passar para outr a parte. Muitas são as razõe s que dão para este uso, tais como: para não trocarem o ardor guerreiro pela agricultura; não procurarem alargar cada um o seu campo, o mais poderoso a custo do mais fraco; não fazerem nascer entre eles a ambição do dinheiro, de onde procedem as facções e as discórdias. (...) O roubo, se realizado além das fronteiras da tribo, não é tomado como um crime, e dizendo que é realizado em prol do treinamento dos mais  jovens...Quando qualquer povo ou repele a guerra de invasão, ou a faz, elegem-se para dirigi-las autoridades. Durante a paz não há autoridade alguma comum, mas os maiorais dos cantões e aldeias distribuem justiça entre os seus e terminam as contendas. A falta de zelo com um hóspede é considerada um crime. Eles protegem da violência aqueles a quem recebem, e os tomam como sagrados. Entre eles, as casas de todos estão abertas e o alimento é graciosamente partilhado por todos.” (  Apud  http://www.fordham.edu/halsall/source/51caesar-germans.html ) II. Tácito – Germania – I/II d.C.  I. Creio que os germanos são naturais da própria terra e que jamais se mesclaram com a vinda e hospeda gem de outros povos; (...) . V. Não sei se foi por mal ou por bem, o certo é que os deuses lhe negaram o ouro e a prata. (...) O fato é que eles não lhes emprestam o valor que lhes dão os demais povos. Entretanto, vêm-se ali vasos de prata que costumam presentear os seus embaixadores e príncipes. (...) os que vivem em nossas fronteiras, tendo em vista o comércio, apreciam o ouro e a prata e, por isso, selecionam algumas espécies das nossas moedas. Os do interior, atendo-se à velha usança, permutam as mercadorias com a maior simplicidade, trocando umas coisas por outras. VI. Como se pode supor pelas suas armas, não há ali ferro em abundância. Pouco se servem de espadas ou de compridas lanças. (...) Os cavaleiros se contentam com o escudo e com uma frâmea. A infantaria está equipada também de armas de arremesso e cada soldado carrega muitas delas e as conseguem lançar a longas distâncias. VII. Os reis são eleitos conforme a sua nobreza, mas os capitães escolhidos segundo a sua capacidade. O poder dos reis, entretanto, não é ilimitado ou absoluto e os chefes comandam mais pelo exemplo dos seus atos e pelo atrevimento das suas ações do que pela força da sua autoridade. Mostrando-se ousados e destemidos, e se conseguem arrebatar a vitória, governam sob admiração dos povos. Entretanto a ninguém, a não ser aos sacerdotes, se consente o direito de açoitar, prender ou matar: a pena não é considerada como castigo ou execução das ordens de um comandante, mas imposta pelos deuses que, como crêem, presidem aos combates. Por esse motivo levam ao campo de refrega certas imagens e simulacros retirando-os dos bosques 1

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Universidade Federal FluminenseICHF – GHTHistória MedievalProf. Mário Jorge

I. Júlio César – Comentários sobre a Guerra Gálica  (De Bello Gallico ) – Século I a.C. Livro IV. 1. “De todos os Germanos os Suevos são os mais poderosos e guerreiros. Afirma-se

possuírem cem cantões, de cada um dos quais tiram mil homens todos os anos para fazer guerra aosvizinhos. Os demais permanecem nos cantões, sustentando a si e aos outros. No ano seguinte sãoaqueles que pegam em armas, permanecendo os que haviam guerreado, por sua vez, nos cantões.Assim, nem se interrompe o trabalho da agricultura, nem o da milícia. A terra é comum entre eles, enão permanecem mais de um ano em um lugar para desenvolver a agricultura. Não fazem muito usodo trigo; vivem principalmente de leite e carne de seu gado, e são grandes caçadores: o que, pelo tipode alimento, pelo exercício cotidiano e pela liberdade de vida (não se submetem a nenhuma obrigaçãoou disciplina, mas unicamente à sua vontade), não só lhes cria grandes forças, mas o tornam aindahomens de corpulência descomunal. (...) 2. Dão entrada a mercadores, mais para terem a quemvender as presas feitas na guerra do que por desejarem comprar-lhes o que quer que seja. (...) 3.Reputam a maior glória da nação que exista em torno dela quanto mais dilatado espaço de terrainculto, como indício de não lhes poderem os demais povos suportar o jugo. Assim, de um lado afirma-

se terem cerca de seiscentos mil passos de campos incultos nas imediações. Do outro lado situam-seos Úbios, povo outrora florescente e os mais conversáveis e policiados destes povos, por isso quetocam o Reno, têm freqüente trato com os mercadores, e estão em razão da vizinhança afeitos aoscostumes gauleses. Tendo sido pressionados por muitos anos com guerras pelos Suevos, estes nuncaconseguiram fazê-los emigrar, mas enfraqueceram-nos muito, constituindo-os tributários seus. Livro VI.21. Os Germanos diferem muito em costumes. Assim, não têm druidas que presidam às coisas divinas(...). Contam unicamente no número dos deuses os que vêem, e cujo socorro lhes é abertamenteprofícuo; isto é, ao Sol, A Vulcano, à Lua (...) 22. Não se esmeram na agricultura. Nenhum tem campodemarcado ou de sua propriedade; mas os magistrados e os principais designam a cada ano àsgentes e parentelas, que vivem em comum, tanto espaço de campo para lavrar, quanto e onde parececonveniente, e os obrigam no seguinte a passar para outra parte. Muitas são as razões que dão paraeste uso, tais como: para não trocarem o ardor guerreiro pela agricultura; não procurarem alargar cadaum o seu campo, o mais poderoso a custo do mais fraco; não fazerem nascer entre eles a ambição dodinheiro, de onde procedem as facções e as discórdias. (...) O roubo, se realizado além das fronteirasda tribo, não é tomado como um crime, e dizendo que é realizado em prol do treinamento dos mais  jovens...Quando qualquer povo ou repele a guerra de invasão, ou a faz, elegem-se para dirigi-lasautoridades. Durante a paz não há autoridade alguma comum, mas os maiorais dos cantões e aldeiasdistribuem justiça entre os seus e terminam as contendas. A falta de zelo com um hóspede éconsiderada um crime. Eles protegem da violência aqueles a quem recebem, e os tomam comosagrados. Entre eles, as casas de todos estão abertas e o alimento é graciosamente partilhado por todos.” ( Apud  http://www.fordham.edu/halsall/source/51caesar-germans.html)

II. Tácito – Germania – I/II d.C. I. Creio que os germanos são naturais da própria terra e que jamais se mesclaram com a vinda ehospedagem de outros povos; (...). V. Não sei se foi por mal ou por bem, o certo é que os deuses lhe

negaram o ouro e a prata. (...) O fato é que eles não lhes emprestam o valor que lhes dão os demaispovos. Entretanto, vêm-se ali vasos de prata que costumam presentear os seus embaixadores epríncipes. (...) os que vivem em nossas fronteiras, tendo em vista o comércio, apreciam o ouro e aprata e, por isso, selecionam algumas espécies das nossas moedas. Os do interior, atendo-se à velhausança, permutam as mercadorias com a maior simplicidade, trocando umas coisas por outras. VI.Como se pode supor pelas suas armas, não há ali ferro em abundância. Pouco se servem de espadasou de compridas lanças. (...) Os cavaleiros se contentam com o escudo e com uma frâmea. Ainfantaria está equipada também de armas de arremesso e cada soldado carrega muitas delas e asconseguem lançar a longas distâncias. VII. Os reis são eleitos conforme a sua nobreza, mas oscapitães escolhidos segundo a sua capacidade. O poder dos reis, entretanto, não é ilimitado ouabsoluto e os chefes comandam mais pelo exemplo dos seus atos e pelo atrevimento das suas açõesdo que pela força da sua autoridade. Mostrando-se ousados e destemidos, e se conseguem arrebatar 

a vitória, governam sob admiração dos povos. Entretanto a ninguém, a não ser aos sacerdotes, seconsente o direito de açoitar, prender ou matar: a pena não é considerada como castigo ou execuçãodas ordens de um comandante, mas imposta pelos deuses que, como crêem, presidem aos combates.Por esse motivo levam ao campo de refrega certas imagens e simulacros retirando-os dos bosques

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sagrados. O que, porém, representa o principal sentido da sua valentia é o fato de que em lugar deconstituírem um aglomerado de gentes as mais diversas, pelo contrário, cada turma de cavalaria ecada esquadrão de infantaria são formados de homens da mesma família ou então por membros denações aliadas. Ao se colocarem para o combate, postam perto de si tudo quanto mais amam: a fim deque, assim, possam ouvir o vozerio das mulheres e a gritaria das crianças, fiéis testemunhas da suacoragem e cujos louvores são os de que mais prezam e mais gostam de ouvir. Toda vez que recebemferimentos vão mostrá-los às mães e às esposas e não se atemorizam de contá-los e de examiná-los

com cuidado (...). XI. Os príncipes deliberam a respeito das coisas mais simples. As de maior importância são tratadas em assembléia geral, mas de modo que, mesmo os negócios cuja soluçãocabe ao povo sejam em primeiro lugar debatidos entre os maiores. Reúnem-se para tratar dosinteresses públicos em determinados dias, pela lua nova ou no plenilúnio, pois consideram este tempocomo o mais favorável para qualquer empreendimento. A liberdade de que gozam os arrasta a certosabusos: não se dirigem, em conjunto, às assembléias, como o povo que venha a ser convocado paratal: reúnem-se a pouco e pouco, lentamente, no que gastam dois ou três dias. Quando acham que hánúmero suficiente começam a deliberar, de armas na mão. O silêncio é imposto pelos sacerdotes, aosquais cabe também o direito de punir. Em seguida, o rei ou o chefe se faz ouvir na sua exposição e,após este, os demais segundo a idade, nobreza ou fama adquirida na guerra, ou de acordo com a suaeloqüência, valendo nisto mais a persuasão do que a autoridade temporal do orador. Se não lhesagrada a proposição, rechaçam-na com grande sucesso. Se merece acolhimento, aprovam-na,

brandindo as frâmeas. A aprovação mais honrosa é a feita com a agitação das armas. XII. Qualquer pessoa pode acusar outra perante a assembléia, mesmo em se tratando de crimes capitais. As penasvariam de acordo com o delito. (...) nos delitos menos graves há proporcionalidade na pena: aosconvencidos ou confessos, a multa de uns tantos cavalos ou cabeças de gado. Parte da multa é pagaao rei ou a comunidade, parte ao ofendido ou aos seus parentes. Elegem igualmente nestasassembléias os chefes que administram justiça nas vilas ou nas aldeias. Cada qual é assistido por cemhomens escolhidos entre o povo, que lhe servem de conselheiros e encarnam a autoridade. XIII.Nobreza preeminente ou assinalados serviços paternos conferem aos filhos, embora de pouca idade, otítulo de príncipes. Estes se agrupam em redor dos mais robustos e da maior experiência que, por seuturno, não se sentem dominados por ver aqueles formando nas suas hostes. Há mesmo entre oscompanheiros postos hierárquicos outorgados ao arbítrio dos comandantes e entre aqueles nota-segrande emulação. Os companheiros do príncipe procuram por todos os meios alcançar o primeiro lugar   junto dele e os chefes põem todo o seu cuidado em ter muitos e valentíssimos companheiros.Considera-se fastígio e poderio o andar-se sempre acompanhado de um grupo de moços escolhidos.Em tempo de paz isto é levado à conta de ornamento, de fausto, mas em tempo de guerra, à dedefesa. O avantajar-se aos demais em número e qualidade dos companheiros, não apenas dá fama erespeito, em face da sua tribo, mas também em relação às cidades circunvizinhas, pois atrai a amizadedos povos, que lhes enviam embaixadas, os mimam com presentes e, não raro, esse prestígioconsegue evitar as guerras. XIV. É desonroso para o príncipe ser excedido em bravura no campo debatalha pelos seus soldados, como é desonra para estes, em igual circunstância, não igualar opríncipe em valor. É, porém, acima de tudo, opróbrio e covardia, sobreviver ao seu chefe morto napeleja. Defendê-lo, salvá-lo, enaltecer-lhe os próprios feitos, dourar-lhe a glória é o primeiro e o maisessencial dos compromissos assumidos sob juramento. Os príncipes combatem pela vitória e os que oobedecem, pelo príncipe. Se a comunidade a que pertencem cai na pasmaceira e no ócio, durantelongo tempo, a mocidade nobre passa, com armas e bagagens, alegremente, para os países que se

acham em guerra: porque esta gente odeia a paz e o repouso e se lhe afigura mais fácil ganhar renome no enfrentar perigos. Com tal estado de espírito, só é possível mantê-la, pois, sob a violênciadas armas. E torna-se impossível aos príncipes sustentar tal comitiva a não ser por meio de pilhageme da guerra, portanto: da sua liberalidade exigem os que o cercam ora um bom cavalo, ora uma frâmeavitoriosa, tinta de sangue do inimigo. Além disso, os banquetes, embora sem requinte, porémabundantíssimos, substituem o soldo ou estipêndio. A munificência dos chefes é alimentada pelaguerra e pelo saque. Mais facilmente se deixarão persuadir pela necessidade de provocar o inimigo, dese exporem aos ferimentos ou mesmo à morte do que pelas vantagens do cultivo das terras e pelaspromessas das abundantes colheitas. XV. Quando não estão empenhados em guerras concedemalgum tempo à caça. O maior tempo, entretanto, é consagrado à vadiagem, ao sono, e à glutonaria.Nenhum homem forte e belicoso se a inclina ao trabalho, pois entregam ao cuidado das mulheres asmoradas, os serviços domésticos e os do campo. Assim, tanto amam a inércia como aborrecem o

repouso. De acordo com a tradição, as cidades e os indivíduos devem enviar um presente ao príncipe,seja em gado, seja em frutos. Estas dádivas, todavia, ainda que tomadas em conta de homenagem,servem para prover as necessidades reais. Apreciam sobremaneira os presentes dos povos vizinhosque lhes são feitos não só por particulares mas também oficialmente, pelos poderes públicos, tais

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