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AULA DE DIREITOS HUMANOS – DIA 03/07/2003 · Web viewDANIEL SARMENTO – DIA 10/12/2003 A gente já tratou de liberdade de expressão, liberdade de religião, vamos conversar um

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AULA DE DIREITO CONSTITUCIONAL IIIDANIEL SARMENTO – DIA 10/12/2003

A gente já tratou de liberdade de expressão, liberdade de religião, vamos conversar um pouco agora sobre direito à intimidade. Nós falamos de intimidade e privacidade? Inciso X (art. 5º). Qual foi a última coisa que eu disse? O que é intimidade e privacidade? A gente chegou a discutir isso? Técnicos fazem uma distinção entre intimidade e privacidade; intimidade é um círculo de raio menor, privacidade é um círculo de raio um pouco maior, muito embora as pessoas usem na linguagem do dia-a-dia como se fossem sinônimos.

Mas o que esses dois princípios protegem? A idéia é de que existe um espaço no qual cada um deve ser livre pra adotar certas decisões, pra se comportar de acordo com elas e pra manter essas decisões e esse comportamento, vamos dizer assim, não acessível a terceiros. Se a gente tivesse que sintetizar de modo muito resumido o que é privacidade e o que é intimidade, seria isso. A possibilidade de um determinado campo de opções que dizem respeito só à nossa pessoa fazer escolhas, se comportar de acordo com essas escolhas que a gente faz e não revelar isso pra terceiros, proteger esse campo da curiosidade de terceiros.

Agora o que está dentro desse campo, o que está fora? Essa que me parece uma questão central quando a gente discute isso. Existem algumas idéias que eu acho que são elementares. Está protegido pela intimidade e pela privacidade, o campo das escolhas afetivas. Não pode ser o Estado, não pode ser o terceiro que vai dizer quem a pessoa vai namorar, quem vão ser os amigos, quem vão ser as pessoas mais próximas, se ela vai separar ou não... Limitações ao direito de as pessoas se separarem, se divorciarem na minha opinião são incompatíveis com lógica da privacidade e da intimidade. Não sei se alguém já está estagiando em escritório de direito de família, no direito de família, a legislação infraconstitucional tem um troço que eu acho um absurdo, a pessoa não pode se divorciar com menos de um ano de casado. Isso é absurdo, por que que não pode? Você não gosta mais de alguém, não quer mais ficar com aquela pessoa, por quê? Quando uma lei proíbe isso, está atingindo o campo da sua intimidade, da sua privacidade. Não é ninguém que deve dizer quando você vai ou quando você não vai ficar junto de outra pessoa.

Opções de caráter sexual, mesma coisa. O teu comportamento sexual (estou falando obviamente entre adultos que consintam) diz respeito só a você, no máximo o seu parceiro ou sua parceira. Você tem direito de manter aquilo no campo privado, sem revelar a outras pessoas e ninguém pode interferir nessa esfera da sua vida e dizer “você pode fazer isso”, “pode ter relações sexuais”, “não pode fazer aquilo”. É claro que tem algumas situações em que isto (a liberdade no comportamento sexual) é indefensável. Eu imagino que não fui o único a ter pesadelos com a história do canibal da Alemanha... (todos falam junto, não dá pra entender).

Eu acho o seguinte: é claro que é mais grave se ele tivesse se o outro não quisesse do que fazer com o outro aceitando. Agora, pode? Alguém pede pra que você o mate, você pode matar o cara? Não pode, um matou o outro.

Pergunta: algo sobre eutanásia. Sarmento: eutanásia, a gente discutiu aqui, mesmo pra quem aceite eutanásia,

pressupõe algumas coisas:o sujeito tem que estar com uma doença séria, incurável, tem que estar sofrendo muito, parece que não era o caso, o sujeito era maluco, mas era normal...

Questões que dizem respeito, por exemplo, à aparência, quer dizer, é claro que aqui a gente vai ter que lidar com algum tipo de limite decorrente do fato de que as pessoas vivem em coletividade, então não dá pra você dizer que vai andar nu na rua. Agora, em

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princípio o modo de as pessoas se vestirem, o modo que elas vão usar o cabelo, isso é problema de privacidade e intimidade, não podendo o Estado começar a se meter nesta seara.

A esfera das comunicações interpessoais também está protegida, portanto existem garantias que a gente vai estudar daqui a pouco (sigilo de correspondência, sigilo das comunicações telefônicas...), quer dizer, são mecanismos pra se proteger a privacidade e a intimidade.

Pergunta: quanto à aparência, por exemplo, se dirige mais ao Estado ou a uma entidade privada, por exemplo, aceitar num emprego...

Sarmento: olha só, esse é um tema de que gosto muito, a eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas. Projeta-se a proteção da intimidade, a proteção da privacidade no campo privado? Projeta-se. Mas o grau de vinculação é igual ao do Estado? Não é, você tem autonomia, você tem que levar em consideração... Então por exemplo, feiras que ficam aquelas modelos bonitas, é claro que você vai escolher gente bonita, é normal, tem uma marca. Agora, uma discussão hoje muito atual é a seguinte: a empresa pode monitorar e-mail do funcionário? Eu acho que se ela não avisar antes pro funcionário que os e-mails podem ser monitorados, não pode, porque ela está invadindo a privacidade do funcionário.

Quer dizer, privacidade e intimidade se projetam nas relações privadas, mas não é o mesmo grau de vinculação que existe com o Estado.

Pergunta: e a diferença entre intimidade e privacidade? Sarmento: Intimidade é uma esfera, mais íntima...Quer dizer, na Alemanha eles

falam na Teoria das Esferas, há um monte de esfera. No direito brasileiro são duas para reproduzir: a intimidade estaria aqui e a privacidade estaria com o raio maior. De repente você pode dizer que é privacidade a questão de como vai cortar seu cabelo, isso é privacidade. Agora é intimidade, p.e., a sexual, quer dizer, um campo mais restrito.

Resposta a pergunta inaudível: eu acho que depende. Aí você tem que fazer uma análise do caso. Eu tenho um amigo que é piloto de avião, eu não acho desarrazoável que se exija isso do piloto do avião, mas tem que ver o contexto, ver se tem alguma razoabilidade naquele caso.

Pergunta: A pessoa pode abrir mão da privacidade? Sarmento: isso é uma questão interessante. Vai começar um novo Big Brother

Brasil, o que é o BBB? É o sujeito que está abrindo mão da privacidade, tem uma câmera lá pra mostrar cada coisa que ele faz. Isso é lícito, é legítimo? Eu acho que até determinado ponto é. Quer dizer, o que as pessoas não podem renunciar é a titularidade do direito à privacidade. Você não deixa de ser titular. Então por exemplo, o sujeito fez um contrato de ir para o BBB, ele pode dizer: “não estou agüentando, quero sair agora”, ninguém vai dizer “ah, não, você fez o contrato e vai ficar”. Ele continua titular do direito de privacidade, agora ele pode renunciar o exercício. Você por exemplo não pode na rede ------- que tem na internet, contar a vida toda, se expor? Isso não é legítimo? Eu acho que é. É uma escolha de vida. Então eu acho que se você pode renunciar ao exercício em determinados contextos, mas não a titularidade da sua privacidade.

E como quase todos os direitos fundamentais, a privacidade tem garantias que a circundam. Dentre essas garantias, existem os sigilos constitucionais. O sigilo das comunicações telefônicas, o sigilo de dados, sigilo bancário, sigilo de correspondência. Pra que serve esse sigilo, qual a razão de ser dele? Garantia da intimidade e da privacidade. Eles não são absolutos, mas eles existem e têm algum amparo constitucional.

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A própria inviolabilidade do domicílio, é também uma garantia da intimidade e privacidade. Domicílio é o local onde as pessoas se recolhem, então esses mecanismos de proteção, em última instância, servem à tutela da intimidade e da privacidade.

Resposta a pergunta inaudível : via pública não, porque não tem privacidade em via pública. Agora, a tua pergunta foi boa pra destacar um fato que hoje é perceptível. Na medida em que, num contexto, uma sociedade deflagrada, segurança pública, etc. as pessoas às vezes começam a querer relativizar certos valores, certos princípios, que são muito importantes. Começam a dar de barato, por exemplo, privacidade. Nos Estados Unidos hoje, nesse contexto de combate ao terrorismo, a privacidade é um dos direitos que foi pro espaço. Quer dizer, o governo americano (isso não é ficção, história pra boi dormir) ele tem monitorado o que todo mundo fala na internet. Com essas as palavras-chave, o sujeito começa a colocar ali todo dia “Bin Laden” não sei o que mais, vai ter um filtro que o cara vai ter acesso a isso. Não pode, quer dizer, segurança pública é uma coisa importante, claro que é uma coisa importante. Mas você não pode em nome da segurança pública sacrificar certos valores (?) existenciais muito importantes. E esses riscos, essas ameaças, a vários direitos, mas sobretudo à privacidade, eles hoje têm um componente muito forte, que é o avanço tecnológico. Quanto mais a tecnologia avança, mais certo tipo de coisa começa a poder ser devassado. Então são câmeras de vídeo superprecisas que escondidas consigam filmar fugas lá na casa das pessoas... isso é um negócio terrível. Preocupação com segurança, com alguns interesses coletivos é legítimo, mas não pode chegar ao ponto de se eliminar a privacidade da vida das pessoas.

Pergunta sobre celular em presídio, não dá pra entender o resto da pergunta. Sarmento: acho que não pode ter. Eu não sei se veda expressamente, é aquela

história... o preso não deixa de ser titular de direitos fundamentais (tem direito à integridade física...) agora ele está sujeito ao regime de restrição de uma série de direitos que ele tem. Quer dizer, o preso não pode ter celular, porque ele pode de dentro da cadeia (?) gerar um crime.

Pergunta: e na hipótese dos Estados Unidos, monitorarem os ex-presidiários considerados perigosos, colocando algo que permitisse localizá-lo.

Sarmento: isso é absolutamente inconstitucional. Aqui no Brasil mesmo, aquela prisão em que está o Fernandinho Beira-Mar é um troço enlouquecedor, pois tudo que o sujeito faz... o cara senta na privada, a pessoa não suporta aquilo por muito tempo. Quer dizer, claro que eu acho que um sujeito como ele, que já fez as coisas que ele fez tem que estar sujeito a um regime de detenção mais restritivo, agora tem limite. Quer dizer, ele com tudo que ele fez, não deixou de ser titular da dignidade, quer dizer, o mínimo ali tem que ser preservado.

Uma outra coisa que está protegida por privacidade e por intimidade, é o que a pessoa pensa. Então nenhum mecanismo, nenhum instrumento que seja capaz de revelar o que cada um pensa, pode ser imposto a essas pessoas contra a vontade. De que eu estou falando? Detector de mentira, soro da verdade, drogas que induzem a pessoa a falar alguma coisa. Detector de mentira é prova ilícita.

Pergunta: mesmo concordando? Sarmento: Não, aí é que está, sem a concordância é prova ilícita. Com a

concordância, há uma polêmica. Há quem diga que pode, mas há quem diga o seguinte (e é um raciocínio até inteligente): que se você admite, aí o interrogatório, tal, você pergunta pro

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sujeito: você se dispõe a passar pelo detector de mentiras? Se ele falar que não, você vai dizer: “é culpado”. Quer dizer, mesmo que você não fundamente, isso vai ser decisivo pro juízo.

Quer ver uma outra coisa, e aí teve decisão judicial invalidando, revista íntima, aquela De Millus fazer a revista íntima das mulheres, abrir a roupa íntima pra ver se estava carregando calcinha, esse tipo de coisa, isso foi considerado ilícito, não pode.

Pergunta: poderia obrigar o réu a passar pelo detector de mentiras? Sarmento: nem réu, nem testemunha, nem ninguém, o detector de mentira não

pode.

Pergunta: o que seria soro da verdade? Sarmento: soro da verdade é uma droga que as pessoas tomam e não sei porque

processo cíclico, elas tendem a falar a verdade, elas perdem um pouco aquele filtro do superego que você controla o que vai falar, como vai falar.

Hipnose no réu pra ele falar a verdade, também não pode. Você tem um tipo de acesso ao pensamento da pessoa que é ilegítimo.

Resposta: eu vou falar disso daqui a pouquinho, o próximo inciso tem a ver com inviolabilidade do domicílio e vou explicar como essas coisas funcionam. E aí é um campo de conhecimento pragmático, que é útil pro dia-a-dia das pessoas, mesmo aqueles que não são da área jurídica.

Pergunta: nessa situação de soro da verdade e semelhantes, mesmo no caso de conflito, você não pode utilizar isso?

Sarmento: eu imagino utilizar isto naquele caso lá de Israel do terrorista ... mas conflito tipo um crime que tem que solucionar não... Eu tenho dificuldade de falar assim de alguma coisa absoluta. Mas em princípio não pode usar não.

Resposta a pergunta inaudível: aí a gente já está discutindo um ponto que é pouco tratado pela doutrina brasileira que é a renúncia ao direito fundamental. A gente viu aqui que renúncia à titularidade não tem nunca. Se eu sou titular do direito fundamental, não se fala em renúncia a titularidade, não tem nunca. Renúncia ao exercício em algumas hipóteses é admitida. Quando tem renúncia ao exercício, tem limite. Um dos limites é: a renúncia não pode importar lesão à dignidade da pessoa humana e um outro limite muito importante é que o consentimento tem que ser real. Não pode ser um consentimento num contexto em que você seja quase forçado praquilo. Então, numa empresa privada, a Rosa chegou lá e mandaram ela se submeter ao detector de mentiras. Eles perguntaram, mas se disser “não quero”, vai ser mandado embora, perde o cargo. Num contexto de uma relação privada assimétrica dessas, esse consentimento, a renúncia aos direitos fundamentais, muito freqüentemente se dá num contexto de coação. Às vezes não aquela coação evidente, mas uma coação implícita que nem por isso deixa de implicar numa forma de coação. Então eu tenderia a dizer que não, não pode. Mas tem sempre aquele papo: o cara estava no programa da televisão... Sempre contextualizar, depende, mas em princípio, uma investigação de uma empresa, está querendo saber se você fez ou não fez um negócio na empresa, pra empresa te punir, não pode.

Pergunta: o teste do detector tem valor? Sarmento: é o que estou falando, tem polêmica. É tranqüilo que quando a pessoa

não consente ela não pode ser obrigada a fazer.

Pergunta: mas se ela fez, essa informação tem valor? Sarmento: aí, contra ela há uma polêmica. A favor claro que vai valer; mas contra

ela, tem polêmica.

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Pergunta: e se por conta desse resultado acontece uma justa causa? Sarmento: eu acho que não poderia, se poderia pedir a reintegração do trabalho.

Pergunta algo sobre empregada doméstica. Sarmento: eu acho um crime, quem faz isso deveria ser preso. Empregada dando

entrevista íntima, não pode, eu acho um negócio muito constrangedor. Você fez uma pergunta interessante sobre empregada doméstica e eu um dia ainda quero escrever sobre isso. Eu acho que a relação da classe média brasileira com o empregado doméstico reproduz a lógica da escravidão (falou que até a mãe dele, que é tão boazinha, e disse que a empregada não sabe o lugar dela porque queria ver televisão, fez comentários acerca disso que não são importantes).

Disse que isso remete a escravidão, tanto que a pessoa não pode entrar no elevador com você, além disso, existe o quarto de empregada, existe uma legislação dizendo qual o tamanho mínimo que deve ter o quarto, porque existem necessidades vitais, de espaço, etc. (8 metros quadrados mais ou menos senão não consegue aprovar a planta na prefeitura, mas o quarto de empregado pode ter 3, quer dizer, é menos gente?). Isso é uma coisa de brasileira, europeu não é assim, é enraizamento de prática escravista que a gente ainda tem.

Pergunta se poderia abrir a bolsa (não dá pra ouvir bem). Resposta: Casa da Moeda é uma coisa mais razoável, tem sempre que

contextualizar. Eu acho que Casa da Moeda eu até acho que pode, funcionário da Casa da Moeda tem que abrir, o cara está ali fazendo dinheiro, é um contexto um pouco diferenciado.

Resposta a pergunta inaudível: eu acho que em princípio não pode, se for prática sistemática eu acho que em princípio não pode. A justiça do trabalho já decidiu que é atentatório a revista íntima. Agora a revista íntima eu acho que não estava se referindo a revista em bolsas, acho que era mais olhar dentro da calça...

Pergunta: no caso do teste nessa máquina, no caso de haver consentimento e a prova ser contrária, tem a ver com o problema da auto-incriminação?

Sarmento: tem tudo a ver com a auto-incriminação. A gente ainda não estudou isso, mas no direito brasileiro existe uma coisa chamada privilégio contra a auto-incriminação. O que é isso? Ninguém pode ser obrigado a produzir prova contra si mesmo. A gente vai estudar isso lá na frente, pega o elenco dos direitos fundamentais processuais. É daí que vem aquela história de que o réu tem direito a mentir. Quem já assistiu audiência na justiça, pôde notar que as testemunhas prestam compromisso de dizer a verdade, mas os réus não. Por que que não presta compromisso de dizer a verdade? Porque não é obrigado a dizer. Você não pode obrigar, por exemplo, o réu a fornecer material grafotécnico, a escrever pra confirmar com a letra... Vamos por partes aqui.

Inciso XI. A casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.

Este inciso consagra inviolabilidade de domicílio, é o nome que se dá a esse direito aí. O que não deixa de ser uma garantia da privacidade, da intimidade. Algumas questões importantes:

1) O que que se entende por casa pra fins da proteção outorgada pelo inciso XI? Não é só a casa. Tem um artigo no Código Penal (cento e oitenta e pouco) que fala dos crimes de invasão do domicílio, e aí esse artigo equiparou à casa o consultório do profissional liberal, local em que a pessoa trabalha e não seja acessível ao público, então o que se tem entendido

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é que aquele conceito mais amplo do Código Penal é correto pra fins constitucionais. Então quando a constituição fala em casa, isso abrange escritórios de advocacia, consultório médico...

Abrange a loja? Não, porque a loja é um local acessível ao público. Abrange as instalações de uma empresa? Não. Quer dizer, há locais em que a pessoa não reside, mas que também recebe este tipo de proteção.

Pergunta sobre loja. Sarmento: a idéia aqui é de proteção aqueles lugares onde as pessoas ficam a

vontade, loja não parece ser isso. E carro? Protege carro? Não, a não ser que o sujeito more no carro. Num trailer,

barco, mesma coisa. Não protege barco, mas aquela família que mora no barco, protege.

Resposta a pergunta inaudível: não é que ninguém pode, agora a polícia não pode entrar na sua casa sem você deixar e sem ter mandado judicial. Agora, o policial, pode parar você na rua, suspeitar de alguma coisa e dar uma geral no seu carro. A polícia pode fazer isso, mesmo só suspeitando, isso está no Código de Processo Penal. vocês sabem que eu sou sempre pró-direito, mas só que a gente não pode dar uma leitura do direito que inviabilize o exercício do poder de polícia, quer dizer, existem outras demandas importantes numa coletividade, o problema da segurança pública.

Agora, não quer dizer que o policial possa desrespeitar, que ele possa ser discriminatório ao parar o carro dos negros, tem outros direitos fundamentais envolvidos. Inviolabilidade do domicílio não está envolvido, quer dizer, o poder de polícia abrange o veículo? Abrange. O policial parar vocês na rua, ir lá e dar uma olhada no carro, não encrenque, ele pode fazer isso.

Pergunta: e como é que vai provar? Sarmento: aí é outra história. Agora não tem como dizer que ele não tem o direito,

que tem que ter mandado judicial; não precisa mandado judicial pra revistar carro, por exemplo.

Pergunta: pode pedir que ele se retire do carro pra ele fazer um exame? Sarmento: não, você tem o direito de acompanhar o exame que ele faz, ficar

olhando; o cara está lá olhando e você olhando junto.

Resposta a pergunta inaudível: isso não tem nada a ver com invasão de domicílio. Agora, eu acho que os limites da licitude vão decorrer do exame do caso concreto, quer dizer, saber se existe uma fundada suspeita. A troco de nada, está passando na rua, não. Eu acho que depende de uma série de circunstâncias de contingências. Agora, o policial está passando, olhou uma casa suspeita. Ele pode ir lá e entrar? Não, não pode.

A Suprema Corte Americana entendeu que lixo está abrangido pela inviolabilidade do domicílio. É uma coisa interessante porque é mexer no lixo, ver o que tem no lixo, é uma forma de descobrir a vida do sujeito. Eu concordo com esse argumento.

Pergunta: naquele caso de São Paulo, parece que o motivo da desconfiança não foi denúncia. Foi que ele jogou fora uma série de fitas, alguém recuperou e viu do que se tratava, porque parece que ele filmava e ele tinha diversas fitas. Quer dizer, na realidade o caso todo começou, pelo que eu entendi, a partir de uma prova que foi jogada no lixo.

Sarmento: uma coisa é o Estado, o poder público ir lá e remexer no teu lixo. Outra coisa é sei lá, jogou o lixo fora, a CONLURB está filtrando o lixo, aí pega um troço suspeito.

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Quer dizer, ela não fez nada de errado. Tem que analisar o contexto da coisa. Aí teria que saber como é que o negócio aconteceu.

Resposta a pergunta inaudível: estar sem identidade, não, claro que não. Não é crime andar sem carteira de identidade. Quando é que um policial pode prender uma pessoa? Ou por mandado judicial ou em flagrante delito. É crime estar andando sem carteira de identidade? Não é, então não pode.

Então vimos aqui o que se entende por casa pra fins da proteção da inviolabilidade do domicílio, que é mais. É um conceito mais amplo que a casa que a pessoa mora e mais amplo também que domicílio. Vocês já estudaram em Direito Civil que nem toda casa é domicílio (domicílio tem animus de permanência, aquela coisa toda). Embora se use a expressão “inviolabilidade do domicílio”, a expressão vai muito além do domicílio.

Quando que se pode entrar na casa ou equivalente de alguém? Primeiro, quando a pessoa consente, claro. Agora, o consentimento tem que ser real, não pode ser aquele consentimento quase sob coação. Acontece muito, a polícia bate, não vai deixar entrar, não sei o que, às vezes o sujeito mais humilde se borrando de medo deixa entrar. Isso não é um consentimento real.

Fora disso, é flagrante delito, desastre, para prestar socorro, ou durante o dia, por determinação judicial.

O que é flagrante delito? O conceito de flagrância está lá no Código de Processo Penal e vocês vão ter aí várias aulas, tem vários tipos de flagrante, etc. Mas a idéia é de pegar com a “boca na botija”. Então a polícia está perseguindo o sujeito, e o sujeito entra na casa dele e fecha a porta. É claro que ela pode entrar. A patrulhinha está passando, olhou ali pela janela aquela cena, o sujeito esfaqueando a mulher na janela, é claro que pode entrar.

Resposta a pergunta inaudível: não, mas aí ela tem, vamos dizer assim, fundados indícios...

A questão delicada aqui, que hoje é fonte de muita discussão, é que tem um conceito de direito penal, crime permanente: é aquele crime que não é instantâneo, não é praticado no momento. Num crime permanente, a situação de flagrância se protrai no tempo. No homicídio, você vai lá e mata naquele momento. Agora, posse de substância entorpecente. A posse é uma situação que se estende. Aí vem o conceito do flagrante permanente. Acontece que isso na prática está servindo isso pra desconsideração dessa garantia constitucional, porque chega a polícia (não vai fazer isso na minha casa, na casa de vocês, isso é no morro) o sujeito diz assim: eu acho que dentro dessa casa pode ter droga guardada, eu acho que pode ter bens aqui roubados ou furtados, crime de receptação que é um crime permanente. Então entra. Eu acho que essa concepção esvazia a garantia constitucional. É uma concepção que é aceita, mas esvazia a garantia constitucional; tanto é que eu tenho que ser muito cuidadoso aqui e ter uma atenção ao bem jurídico que se quer proteger com essa garantia. Esse tipo de crime permanente pra mim não deve justificar. Numa situação dessa, na minha opinião, o policial tem que lá e dizer pro juiz da onde que ele tirou, qual é o indício que ele tem e pedir uma ordem judicial. Agora a minha posição é minoritária. A posição majoritária é no sentido de que crime permanente pode entrar porque a flagrância se estende no tempo.

Infelizmente essa garantia ela é muito efetiva no asfalto, não é nada efetiva no morro. Todos os dias essas operações têm pé na porta, tem entrado em casa de gente inocente, é triste.

Na minha opinião, como o que está em jogo aqui é um direito fundamental de privacidade, etc., mandado genérico não vale. Mandado pra entrar em qualquer casa na comunidade tal, quer dizer, eu duvido que o juiz expedisse um mandado pra entrar em

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qualquer casa em Ipanema. Então por que que pode qualquer casa na Rocinha? É individualizado, então eu acho que não pode. Agora, isso se tornou uma prática, isso é muito comum. O Judiciário brasileiro faz isso, expede esse mandado genérico.

Desastre ou prestar socorro: é claro que o desastre, a casa caindo, pegando fogo, não dá nem pra esperar ordem judicial, tem que entrar mesmo. E por ordem judicial, durante o dia. Flagrante delito, prestar socorro e desastre, qualquer hora. Agora, ordem judicial, é durante o dia.

Pergunta: esse “durante o dia” é até que horas? Sarmento: Aí tem várias correntes sobre o que quer dizer esse “durante o dia”.

Tem uma que é a chamada Teoria Física, onde o fator é a luminosidade solar. Tem a outra que é a Teoria do Horário, e aí, na Teoria do Horário, tem várias acepções. Tem gente que fala que é de 7 às 18hs, de 6 às 18hs, de 6 às 19hs, tem variações. E aí quem combine as duas Teorias. O Alexandre de Moraes, que é o manual que vocês têm, ele sustenta que é num determinado horário de 7 às 18hs, a não ser que, fora desse horário, ainda exista luminosidade solar. Eu acho que o grande problema de a gente fazer um critério repousar sobre o elemento da natureza, é que os elementos são muito incertos. Aí que você vai avaliar por exemplo, se uma diligência é válida ou não, vai ter que às vezes usar de perícia, sei lá, pra ver o grau de luminosidade solar numa época do ano num lugar... Eu acho que dá mais segurança o critério do horário. E se a idéia aqui é preservar a intimidade, esse “durante o dia” é o que, qual é a idéia? Preservar aquele momento em que a pessoa está recolhida, está dormindo, etc. e tal (virou a fita).

... o horário que tem no Código de Processo Civil é de validade dos atos processuais. O horário de validade dos atos processuais em princípio é de 8hs às 18hs. Esse papo de horário de validade atos processuais, pra vocês que vão fazer estágio, vocês tem que saber que em muitos Fóruns o Protocolo fecha mais cedo, você tem o direito subjetivo de praticar o ato processual até às 18hs. Na Justiça Federal, por exemplo, o Protocolo fecha às 17hs. Mas você tem o direito de fazer até às 18hs! Fala que quer falar com o juiz de plantão, o distribuidor, está no direito.

Resposta ao Pergunta: podem, mas normalmente, o que acontece? No mandado judicial, já está lá “ordem de arrombar porta, de fazer, etc.” No caso de ausência do morador, pode.

Pergunta: não tem nenhuma regra que exija um aviso prévio? Sarmento: não. Pra que é isso normalmente? Você buscar alguma coisa que

esteja escondida. Você entra no domicílio invariavelmente pra esses casos.

Pergunta sobre o caso do quarto de hotel, durante uma viagem, estaria incluído? Sarmento: não, pelo conceito do Código Penal, que é o conceito que se utiliza na

interpretação desse artigo, não está incluído. Uma questão interessante: um mendigo que tem o cafofinho dele ali debaixo da

ponte, as trouxinhas dele, etc. Pode o policial revistar o sujeito sem ordem judicial? A doutrina toda diz que sim. Eu acho que não pode, porque aquilo lá é a casa dele, quer dizer, moradia é direito fundamental, aí o Estado não proporciona moradia pro cara e aí ele ainda é privado daquele espaço mínimo de privacidade que ele tem? Todo mundo diz que está na rua, ali é espaço público, então poderia. Mas eu acho que não.

Pergunta: numa pensão, por exemplo, o cara suspeita de uma pessoa, de um quarto, ele tem o direito de entrar nesse quarto ou vasculhar tudo?

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Sarmento: tem que ver o que juiz vai dar no mandado, eu acho que o juiz não pode decretar essas ordens judiciais genéricas pra todo mundo porque afeta a vida e a privacidade de outras pessoas envolvidas. Tem que ver o conteúdo do mandado.

Pergunta: o indivíduo pode ser retirado do local? Sarmento: não, ele só pode ser retirado do local naqueles casos e contextos em

que ele pode ser preso, como quando for atrapalhar, tumultuar, esse tipo de coisa. Agora, em princípio, o sujeito tem o direito até de acompanhar uma busca que seja feita.

Pergunta: então aquela operação em que recolheram em diversos pontos da cidade pessoas seria ilegal?

Sarmento: aquilo foi ilegal mas não teve nada a ver com domicílio. Aquilo foi ilegal porque foi uma restrição descabida ao direito de ir e vir. Aí não é violar o domicílio. É o seguinte: alguém pode constranger a ir a algum lugar ou não em alguns casos. O sujeito está na rua, não cometeu crime nenhum, você não pode pegar o sujeito e levar ele à força pra um abrigo. Aí não tem nada a ver com inviolabilidade do domicílio, é outra discussão.

Agora inciso XII. XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de

dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.

Bom, aqui existe a garantia do sigilo de comunicações; correspondência (troca de cartas, etc.), telegráfica (isso hoje foi pro espaço, ninguém mais usa telégrafo), dados.

O que é esse sigilo de dados? Esse artigo trata do sigilo de comunicações. Então não é o dado que é sigiloso. Qualquer informação é sigilosa? Não é isso, é o sigilo da comunicação de dados. Então é o sigilo que vai abranger, por exemplo, comunicação por meio eletrônico (e-mail), comunicação por meio de outros recursos tecnológicos que não sejam telefone, tipo Nextel, vai abranger esse tipo de comunicação.

...comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. Primeira coisa que eu destaco aqui na redação desse artigo, é que o texto transmite uma visão equivocada que o único sigilo que pode ser quebrado é o das comunicações telefônicas. Quer dizer, se vocês lerem de novo, está dito assim: é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial..., quer dizer, dá idéia que só o sigilo das comunicações telefônicas pode ser quebrado. Mas não, os outros também podem. Estão protegidos constitucionalmente, mas não é uma proteção absoluta. O juiz pode, em certas circunstâncias, pra tutela de outros interesses, etc., decretar a quebra, por exemplo, do sigilo de correspondência.

Nesse artigo aqui, a preocupação maior é da relação do Estado, é do Estado ir lá e interceptar a correspondência das pessoas, grampear telefone...

Então o sigilo das comunicações telefônicas, hoje ele está regulamentado, a quebra do sigilo das comunicações telefônicas está regulamentada por uma lei que é a 9296/96. O Supremo entendeu que antes dessa lei não era possível fazer a quebra do sigilo das comunicações telefônicas, nem por ordem judicial. Vocês lembram daquele conceito da norma constitucional de eficácia limitada? Aquela tipologia das normas constitucionais de José Afonso da Silva? Então o Supremo entendeu que essa autorização de quebra do sigilo

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das comunicações telefônicas, estava consagrada numa norma constitucional de eficácia limitada, quer dizer, enquanto não viesse a norma regulamentadora, o sigilo das comunicações telefônicas tinha que ser preservado.

Agora, o que que é essa quebra do sigilo das comunicações telefônicas? Tem duas figuras aqui diferentes que as pessoas às vezes confundem. Uma é a interceptação telefônica, outra é a gravação clandestina.

Interceptação é quando um terceiro sem conhecimento dos interlocutores, grava a conversa.

Gravação clandestina é quando um dos interlocutores, sem conhecimento do outro, grava a conversa.

O entendimento do STF, o entendimento dominante na doutrina brasileira, é de que esse artigo aqui, veda a interceptação, mas não a chamada gravação clandestina.

Com relação à gravação clandestina, há um setor (segmento) da doutrina que diz que não pode fazer a não ser em algumas hipóteses excepcionais, quando a pessoa, está sendo sei lá... chantageada, quando ela precisa daquilo pra provar que é inocente em algum crime, mas que em regra não se admite gravação clandestina. Só que a posição do Supremo, do STJ, é de que gravação clandestina não é prova ilícita. Então um sujeito pode gravar a conversa que ele tem com outro e usar aquilo, que não vai ser prova ilícita.

Resposta : precisa saber se você induziu ou não. O conteúdo da prova, mas a prova em si não vai ser... Agora, isso é bastante discutível. Tem uma autora de São Paulo, uma das maiores processualistas do Brasil, chamada Ada Pellegrini, que usou uma metáfora interessante. Ela quis mostrar que privacidade não é só o que se fala, mas também com quem se fala. Por que? Porque o argumento é o seguinte: gravação clandestina, o sujeito está falando pra mim, porque que eu não posso gravar, é pra mim que ele está dizendo! E aí qual foi a metáfora dela? Você conta um segredo pra um amigo. Se o amigo conta pros outros, você vai ficar brigado com ele, vai chamar ele de fofoqueiro. A mesma lógica serviria pra banir as gravações clandestinas, gravações feitas sem o conhecimento do interlocutor. Só que o entendimento dominante hoje valida as gravações clandestinas.

Só que aí tem uma nuance interessante, que é a seguinte: se eu sou um particular, eu posso fazer uma gravação clandestina. Agora, na qualidade de autoridade pública, eu não posso fazer pra usar aquilo na minha função pública. Por que? Vamos imaginar o caso, um delegado de polícia está investigando um fato e aí liga pro suspeito, e no papo o suspeito confessa e ele gravou sem que o suspeito soubesse. Ele pretende usar isso no inquérito. Ora, o suspeito se fosse testemunhar, ia ser advertido do direito de se calar, que tinha o direito de se calar, então às vezes isso é um subterfúgio para a burla dessas garantias constitucionais. Então não é aceito na jurisprudência que os órgãos estatais que investigam, que estão ligados à persecução criminal, se utilizem desse expediente que é considerado lícito para particulares.

Só contar uma historinha, vcs lembram quando aquele meu colega do MP Federal, maluco, Luiz Francisco, gravou a conversa com ACM e depois pisou nas fitas e aí teve uma polêmica danada, se podia ou não podia pisar nas fitas, vocês lembram disso (tem uns 4 anos)? Foi ter uma conversa com ACM, foi daí que surgiu a história da violação do painel que ia gerar perda do mandato e o ACM denunciou. Bom, Luiz Francisco resolveu destruir as fitas porque os outros colegas reclamaram que gravou sem o conhecimento deles, traiu, aí teve uma briga lá na Procuradoria, aquela coisa toda. E o Geraldo, que na época era Procurador Geral da República, denunciou criminalmente o Luiz Francisco (detestava o Luiz Francisco) por destruição de provas. Luiz Francisco conseguiu trancar por atipicidade do fato o processo criminal com esse argumento, disse o seguinte: eu destruí uma prova que eu não poderia usá-la num processo criminal contra o ACM, aquela fita eu poderia usar no máximo pra me defender se o ACM viesse me acusar, entrar com uma ação contra mim, dizendo que eu

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menti. Então aquilo é uma coisa que só poderia me favorecer, eu não poderia usar aquilo num processo penal contra ele. Eu não posso ser acusado pelo crime de destruição de provas. Entenderam?

Resposta : Ele deu um chilique lá, porque ele fez o negócio, o pessoal foi contra, todo mundo foi contra, então ele destruiu. Quer dizer, eu acho que ele estava errado em gravar. Mas do ponto de vista jurídico-penal, ele não cometeu um crime quando destruiu a fita. Ele não estava destruindo uma prova relevante no processo contra o ACM, porque ele não poderia usar aquilo no processo contra o ACM.

Resposta : a jurisprudência tem entendido que é válido que uma pessoa grave a conversa travada com um interlocutor.

Resposta : isso não tem nada a ver com esse artigo, agora o certo é transcrever tudo. Quando você resume, você está resumindo de acordo com a sua ótica, quer dizer, você vai avaliar uma prova, é o que o cara disse. E isso é um troço comum. Você vai lá na polícia, quase sempre o escrivão, ele vai colocar aquela linguagem jurídica, palavras difíceis, porque acha que aquilo é bacana. E às vezes é aquele negócio totalmente feito, que é óbvio que o sujeito, o favelado não usou aqueles termos. O depoimento deve retratar fielmente o que as pessoas falam, nos termos e expressões que elas empregam, mas isso não tem nada a ver com essa discussão aqui.

Resposta : eu acho que vai ser a mesma história da gravação. Não vai ter diferença em relação à gravação.

Pergunta: no caso do Belo, se eu não estou enganado, foi uma situação em que estavam monitorando um traficante que foi morto posteriormente e nessa escuta do traficante, ele ligou pro Belo, e aquilo que o Belo disse, foi usado como prova contra ele. Isso faz sentido?

Sarmento: Sim, pois a escuta foi autorizada judicialmente, não tem nenhum ilícito.

Pergunta: mas você autorizou o traficante... Sarmento: não, mas você não tem como você pegar a conversa só de um, você

pegou a conversa de dois, normalmente. Se há ordem judicial, quer dizer, pegou aquilo, não vejo nenhum problema.

Resposta : isso não tem a ver com esse sigilo aqui, mas já que o fato está entrando nessa linha, no direito brasileiro tem a proibição da prova ilícita. Essa proibição da prova ilícita tem uma ligação com a proteção da privacidade. Porque entende-se que a prova é ilícita quando a colheita dela, viola direitos fundamentais materiais. E um dos direitos fundamentais materiais, é o direito de privacidade. Prova ilícita não é necessariamente ligada à privacidade. Por exemplo, tortura não tem nada a ver com privacidade e é prova ilícita, uma confissão obtida mediante tortura. Mas um dos contextos em que surge a discussão da prova ilícita é daquelas colhidas com desrespeito à privacidade, e aí o caso típico, é da chamada gravação sub-reptícia, quer dizer, aquela gravação que é feita através de artifícios que impedem que o outro perceba que aquilo está ocorrendo. Não é só telefone, é o cara com uma micro-câmera de vídeo no cinto, umas coisas desse tipo assim, que o outro não sabe. Então qual o critério aqui? Não existe nenhum princípio absoluto dizendo: “nunca é admitido esse tipo de coisa” ou “sempre é admitido esse tipo de coisa”. Depende de algumas circunstâncias. Um standard

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importante é o da chamada expectativa de privacidade. Então em alguns contextos há uma expectativa de privacidade e em outros não. Vou dar um exemplo: vocês lembram quando aquele policial estava no meio da rua, numa brincadeira deu um tiro e matou alguém. ------------------ as pessoas, ele deu um tiro e matou alguém. Aquela gravação é lícita? O cara é um funcionário público, está exercendo uma função pública, num espaço público (meio da rua), não é lícito.

Agora, chega um repórter ou agente do Estado ou seja quem for e coloca um gravadorzinho escondido na sua casa ou no seu escritório, no seu trabalho. É outro contexto, porque ali existe uma expectativa de privacidade, aquele não é um espaço público, aquele é um espaço privado. Então tem uma série de dados, de elementos que tem que ser levada em consideração.

Agora, aquela gravação que ela é visível, que ela não é oculta, ela é sub-reptícia, vale sempre. Aquela câmera de vídeo que tem nos bancos, tem às vezes em loja (“sorria você está sendo filmado”), aquilo pode? Pode. Gravação telefônica sem conhecimento não pode. Minha irmã é diretora de uma empresa de telemarketing, todas as conversas do telemarketing são gravadas, todas. Segurança do cliente, pra saber... aí mandam o cartão de crédito pra casa do sujeito cobrando anuidade, “mas eu não pedi”, como é que vai saber se ele pediu ou não? Isso tudo é gravado, então se o operador de telemarketing liga pra alguém, usa o telefone na hora do serviço pra namorar, depois é mandado embora por causa disso, não pode dizer “violou a minha privacidade” porque ele sabia que aquilo estava sendo ouvido, estava sendo gravado.

Uma empresa não pode dar a entender pro funcionário que está o computado lá e ele pode usar a internet. Aí ele manda um e-mail falando mal do chefe e é demitido. Agora tem empresas que dizem: a internet é pra ser usada pra fins de trabalho e ela poderá ser monitorada. Você usa. Isso é legítimo? É legítimo.

Outra coisa: a gente falou aqui de sigilo das comunicações telefônicas. Uma coisa importante é o seguinte: o sigilo é pra proteger a privacidade e não a propriedade. Então o dado relevante não é quem é o dono da linha. Estou dizendo isso porque li uma vez na Playboy a entrevista de um detetive e tem coisas no Brasil que são meio surreais. É crime explorar casa de prostituição, aí você abre o jornal “O Globo” e tem 2 páginas de anúncios de pernas... É crime fazer gravação sem ordem judicial, mas você abre lá e está na seção de detetives: “faço gravações”. E aí o repórter da Playboy Perguntava pra ele se ele fazia gravações, e é claro que ele não vai confessar na Playboy que faz. Aí ele diz o seguinte: não, essas gravações assim no telefone dos outros, só com ordem judicial. Agora, se tem uma empresa, o telefone é dela, não tem problema nenhum eu colocar uma escuta ali e gravar a conversa. O que vocês acham desse argumento? Está certo? Internet pode se avisa antes, se dá a entender antes. Sem avisar pode? Aquilo ali não tem nada a ver com a proteção da propriedade, quer dizer, quem é o titular da linha telefônica não é um dado relevante. Dado relevante é quem usa, quem fala.

Outra história do marido que acha que está sendo corneado, aí coloca o grampo pra pegar a mulher com o amante, pra usar aquilo no divórcio litigioso. Ele diz: o telefone é meu, faço o que quiser com ele, coloco ali o grampo. Pode? Não pode. O que é importante não é quem é o dono do telefone, é quem usa, qual a finalidade daquilo. Ele está colocando o grampo pra pegar a conversa da mulher com o Ricardão. Esse é que é o dado importante, então não pode.

Já que a gente está falando direto disso, vamos pular alguns incisos (depois eu volto) pra tratar de prova ilícita, tem tudo a ver com essa discussão nossa aqui.

Quando se explica a proibição de prova ilícita, pro aluno de graduação (mas pra vocês não vão gerar tanto porque a gente já falou disso em Direitos Humanos),

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mas as pessoas têm às vezes aquela reação até passional: mas isso é um absurdo, você tem certeza que o sujeito cometeu o crime, está provadinho e não pode usar. Isso é um absurdo, isso é injusto, isso é errado, então vamos tentar analisar o porquê disso, porque é assim.

Essa proibição da prova ilícita está no

art. 5º LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos.

Então tem aqui a inadmissibilidade da prova ilícita no direito brasileiro. Qual é a razão de ser disso? A razão de ser é você limitar o processo pelo respeito aos direitos humanos. Senão é a lógica dos fins que justificam os meios. Eu quero saber quem cometeu um crime, então eu torturo o réu, eu saio colocando grampo, então se você abre pra esse tipo de possibilidade, acabou, então vale tudo. E num país que nem o Brasil que infelizmente existe uma tradição de desrespeito aos direitos humanos, em que a polícia tortura, eu acho que foi muito correta essa opção..., que não é a única possível. A Bélgica, por exemplo, um país civilizado, lá é admissível a prova ilícita, só que se pune o responsável pelo ato ilícito. Aí vocês podem dizem “ah, não, isso é a melhor saída...”, só que a que isso dá margem? O cara faz o grampo e joga debaixo da porta da polícia, manda correspondência apócrifa com gravação clandestina, tortura com máscara lá e não se consegue descobrir quem torturou, e aí consegue a confissão.

Quer dizer, a questão da ilicitude da prova ela é importantíssima no Estado de Direito pra fugir da lógica que os fins justificam os meios. Quer dizer, no processo se percebe a verdade, não é só a verdade formal, que está nos autos, é preciso ir além disso, é preciso ter um compromisso com a verdade, só que não é uma verdade que se deve buscar e alcançar a qualquer custo. O limite deve ser o respeito do direito das partes.

Bom, aí algumas distinções conceituais importantes. Primeiro: a diferença que existe entre prova ilícita e prova ilegítima. Lembram disso? A prova ilícita é aquela colhida com violação de direitos e interesses substantivos, materiais. A prova ilegítima é aquela colhida com violação de normas de caráter processual, adjetiva, exclusivamente.

Isso quer dizer o seguinte: não é qualquer falha na colheita de prova, aquela prova que não seguiu ali direitinho o que determina o CPC (no processo civil) ou o Código de Processo Penal que vai ter esse carimbo de prova ilícita. E vai ser completamente banida do direito. Vou dar um exemplo: o Código de Processo Penal diz que o laudo pericial tem que ser subscrito por 2 peritos, no mínimo. Vamos imaginar um laudo pericial subscrito por 1 perito. Isso é prova ilícita? Não, isso é prova ilegítima, quer dizer, pode ter alguma irregularidade, o juiz pode dar algum peso maior ou menor, mas não há a mesma gravidade. Na prova ilegítima, quem decide a validade ou não, a possibilidade ou não de uso, é o legislador ordinário e o juiz, quer dizer, eu não tenho uma proibição constitucional a priori, que qualquer tipo de prova ilegítima seja empregada. A proibição constitucional se volta pra prova ilícita, praquela colhida com violação de interesses materiais, por exemplo, integridade psicofísica, a confissão obtida mediante tortura física ou psicológica, privacidade (a prova ali com soro da verdade ou ajuda clandestina), isso é prova ilícita.

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Outro exemplo de prova ilegítima: segundo o CPP, pra ouvir testemunha, tem que estar presente o réu e o seu defensor. Então por alguma razão qualquer na oitiva da testemunha falta o réu, falha processual. Agora isso necessariamente vai acarretar imprestabilidade da prova? Não necessariamente. É um vício menos grave do que o da prova ilícita.

Outra questão interessante é a chamada Teoria dos frutos da árvore envenenada (fruit of the poisonous tree). Respeita ao direito americano, aliás, a proibição de prova ilícita foi uma construção da Suprema Corte Americana encima daquela cláusula do Devido Processo Legal.

Essa Teoria ela veda também a chamada prova ilícita por derivação. O que vem a ser a prova ilícita por derivação? É aquela prova que, analisada sozinha, por si só, ela é válida. Mas só foi possível chegar a ela em razão de uma prova ilícita originária, quer dizer, ela é conseqüência de uma prova ilícita originária. Exemplo: polícia faz um grampo, do grampo ela descobre que o sujeito cometeu um crime, aí intima o sujeito e o cara confessa. A confissão dele pode ter sido válida, sem nenhuma coação, ele foi lá com o advogado, foi advertido do direito de ficar calado, etc., mas a polícia só chamou aquele cara porque fez o grampo. Bota um pau-de-arara no sujeito, ele é torturado, e ele diz: eu cometi o crime junto com o meu vizinho. Aí o vizinho é chamado pra depor, é bem tratado, é respeitado, dão cafezinho pra ele etc. e confessa o crime. Quer dizer, essa prova foi válida, mas só se chegou a ela em razão de uma prova ilícita.

No Brasil, o entendimento amplamente dominante hoje é de que as provas ilícitas por derivação estão contaminadas pela prova ilícita originária. Também se tornam por isso inválidas, imprestáveis no processo.

Tem mais uns 3 ou 4 pontos sobre prova ilícita, mas aí a gente encerra prova ilícita aula que vem.

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