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320.5 I A467a 1987 Ex.l louís althusser \ •• APARELHOS IDEOLÓGICOS DE ESTADO Nota sobre os Aparelhos .Ideológicos de Estado j Introdução Crítica de J. Aj GUILHON ALBUQUERQUE í g m f l t Biblioteca de j *S^tv Ciências Sociais

AULA02a AD - ALTHUSSER, L.P. Aparelhos Ideológicos de Estado pp53-72

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320.5 I A467a

1987 Ex.l

louís althusser

\ ••

APARELHOS IDEOLÓGICOS DE

ESTADO

Nota sobre os Aparelhos .Ideológicos de Estado

j Introdução Crítica de J . Aj G U I L H O N A L B U Q U E R Q U E

í g m f l t Biblioteca de j * S ^ t v Ciências Sociais

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Traduzido do original francês: Posicion.

1? edição: 1983

Direitos adquiridos para o Brasil por: EDIÇÕES G R A A L LTDA. Rua Hermenegildo de Barros, 31-A Glória — Rio de Janeiro — RJ — CEP: 20241 Atendemos pelo Reembolso Postal

1987 Impresso no l i i as i l 1'rinleà in liruzii

Revisora: Áurea Moraes Santos Produção Gráfica: Orlando Fernandes

CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.

Althusser, Louis, 1918-A469a Aparelhos Ideológicos de Estado : nota sobre os

aparelhos ideológicos de Estado (AIE) / Louis Althusser; tradução de Walter José Evangelista e Maria Laura Vi­veiros de Castro ; introdução crítica de José Augusto Guilhon Albuquerque. — Rio de Janeiro : Edições Graal, 1985, 2? edição.

(Biblioteca de ciências sociais ; v. n. 25)

Tradução de: Posicion

1. 0 Estado 2. Estado - Teoria I. Título I I . Série

CDD — 320.1 320.101

CDU — 321

J3-0350 321.01

ÍNDICE

INTRODUÇÃO: A l thusser , A Ideo log ia e as I n s t i ­tuições

J . A . G U I L H O N A L B U Q U E R Q U E 7

A P A R E L H O S IDEOLÓGICOS D E E S T A D O

; „ Sobre a reprodução das condições de produção .. 53

' A reprodução dos meios de produção 54 Reprodução d a força de t r a b a l h o 56 I n f r a - e s t r u t u r a e S u p e r e s t r u t u r a 59 O Estado 62 Da t e o r i a desc r i t i va à t e o r i a p r o p r i a m e n t e d i t a . . . 63

v ^ O essencial da t eo r i a m a r x i s t a do Es tado 65 í Os apare lhos ideológicos d o Es tado 66

O que são os apare lhos ideológicos d o Es tado ( A I E ) ? 67

v 5? Sobre a reprodução das relações de produção . . . 73 0 Acerca d a Ideo log ia . 81 •y, A Ideo log ia não t e m história 82

" V A Ideo log ia é u m a "representação" 85 ^ A Ideo log ia in t e rpe l a os indivíduos enquanto su­

j e i t os 93 U m exemplo : A Ideo l og ia Re l ig iosa Cristã 99 N O T A S O B R E OS A P A R E L H O S IDEOLÓGICOS D E ESTADO '. 109

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APARELHOS IDEOLÓGICOS DE ESTADO

'Jj Tradução

de

M A R I A L A U R A V I V E I R O S DE CASTRO

Sobre a Reprodução das Condições de Produção 1

Impõe-se que t ra t emos de u m a questão apenas es­boçada e m nossa análise, quando fa lamos da necessi­dade de renovação dos meios de produção p a r a que a produção seja possível. E r a apenas u m a rápida indica­ção. Considerá-la-emos agora p o r s i mesma.

Como o d iz ia M a r x , até u m a criança sabe que u m a formação social que não r ep roduz as condições de pro ­dução ao mesmo t empo que p roduz , não sobreviverá n e m p o r u m ano. 2 Po r tan to a condição última da produção é a reprodução das condições de produção. Es ta pode ser " s i m p l e s " (e então se l i m i t a a r eprodu­z i r as condições pré-existentes de produção) o u " a m ­p l i a d a " ( quando as a m p l i a ) . Deixemos, po r ho ra , esta distinção de lado:

O que é então a Reprodução das Condições de Pro­dução?

Penetramos aqu i n u m domínio ao mesmo t empo bastante f a m i l i a r , desde o L i v r o I I do Capi ta l , e singu-

1 O texto a ser lido se constitui de dois trechos de um estudo ainda em curso. O autor fez questão de entitulá-los Notas para uma pesquisa. As ideias expostas devem ser consideradas como uma introdução à discussão.

2 Carta a Kugelmanh, 11-7-1868 (Cartas sobre o Capital, E d So-ciales, p. 229).

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l a rmente desconhecido. As evidências tenazes (evidên­cias ideológicas de caráter emp i r i s t a ) do pon to de v ista da m e ; a produção e da s imples prática p r o d u t i v a (abs­traía e m si mesma c o m relação ao processo de p r o d u ­ção) se i n c o r p o r a m de t a l f o r m a à nossa consciência co t id iana que é ex t remamente difícil, pa ra não dizer quase impossível, alcançar o p o n t o de v i s ta da repro­dução. Por tanto , se este pon to de v i s ta não é adotado, t u d o permanece abs t ra to (ma is do que p a r c i a l : defor­m a d o ) mesmo ao nível da produção, e, c o m mais razão a inda, ao nível da s imples prática.

Tentaremos examinar as coisas c o m método.

Para s imp l i f i c a r nossa exposição e se cons ideramos que t oda formação social é resu l tado de u m m o d o de produção dominante , podemos dizer que o proces­so de produção aciona as forças p r odu t i v a s existentes e m e sob relações de produção def in idas.

Segue-se que toda formação social pa ra ex is t i r , ao mesmo t empo que p roduz , e p a r a poder p r o d u z i r , deve r ep roduz i r as condições de sua produção. E l a deve, p o r t a n t o , r ep r oduz i r :

1) as forças p rodu t i vas

2) as relações de produção existentes

A Reprodução dos Meios de Produção

Todo m u n d o reconhece (mesmo os economistas burgueses que c u i d a m da contab i l idade nac iona l e os modernos teóricos "macro -economis tas " ) , u m a vez que M a r x impôs a demonstração no L i v r o I I de "O Capi­t a l " , que não há produção possível sem que seja asse­gurada a reprodução das condições mate r ia i s da pro­dução: a reprodução dos meios de produção.

Qualquer economista , que n is to não se d is t ingue de qua lquer cap i ta l i s ta , sabe que é prec iso anua lmente prever a reposição do que se esgota o u se u t i l i z a na produção: matéria-prima, instalações f ixas ( const ru-

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ções) , i n s t r u m e n t o s de produção (máquinas), e t c . . . D i - . zemos: qua lquer economista , qua lquer capi ta l is ta , en­quanto ambos expressam o p o n t o de v i s ta da empresa, contentando-se e m comentar s implesmente os t e rmos da prática f inance i ra contábil da empresa.

Porém sabemos, graças ao génio de Quesnay — que f o i o p r i m e i r o a f o r m u l a r este p r o b l e m a que " sa l t a aos o lhos " — e ao génio de M a r x — que o resolveu — que não é ao nível da empresa que a reprodução das condi ­ções mate r i a i s da produção pode ser pensada; po is não é nesse nível que ela existe e m suas condições reais. O que acontece ao nível da empresa é u m efeito, que dá apenas a ideia da necessidade da reprodução, mas que não p e r m i t e abso lutamente pensar suas condições e seus mecanismos.

Bas ta r e f l e t i r u m pouco p a r a se convencer: o Sr. X , ^ cap i ta l i s ta , que p r oduz tecidos de lã e m sua fábrica, / deve " r e p r o d u z i r " sua matéria-prima, suas máquinas, / e t c . . . Porém q u e m as p r oduz pa ra a sua produção são / ou t ros capi ta l is tas : o Sr. Y , u m grande c r i ado r de ove-/ lhas da Austrália; o Sr. Z, grande i n d u s t r i a l metalúr- { gico, p r o d u t o r de máquinas-ferramentas, etc, etc, devem / p o r sua vez, pa ra p r o d u z i r esses p r o d u t o s que condi-/ c i o n a m a reprodução das condições de produção do l -Sr. X , r e p r o d u z i r as condições de sua própria produção, e ass im in f i n i t amen t e , t u d o isso n u m a proporção t a l que, no mercado nac iona l ( quando não no mercado I m u n d i a l ) , a demanda de meios de produção ( pa ra af reprodução) possa ser sat is fe i ta pe la o fer ta .

Para pensar este mecan ismo que c o n s t i t u i u m a es­pécie de " f i o sem f i m " , é necessário seguir a trajetória " g l o b a l " de M a r x , e estudar especialmente as relações de circulação do cap i ta l en t r e o Setor I (produção dos meios de produção) e o Setor I I (produção dos me ios de c onsumo ) , e a realização da mais-val ia , nos L i v r o s I I e I I I do Cap i ta l .

Não penet raremos na análise desta questão. Basta-nos haver menc ionado a existência da necessidade da reprodução das condições ma t e r i a i s da produçãã ~~

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Reprodução da força de trabalho

Certamente a l guma coisa terá chamado a atenção do l e i t o r . Refer imo-nos à reprodução dos meios de p ro ­dução, mas não à reprodução das forças p r odu t i v a s . O m i t i m o s p o r t a n t o a reprodução do que d is t ingue as forças p r odu t i v a s dos meios de produção, a saber a reprodução da força de t r aba lho .

Se a observação do que ocorre na empresa, espe­c ia lmente o exame da prática f inance i ra contábil das previsões de amortização-inversão, pode dar-nos u m a ideia ap r ox im ada da existência do processo m a t e r i a l da reprodução, en t ramos agora n u m domínio no q u a l a observação do que ocor re na empresa é, senão t o ta l ­mente , quase que t o t a lmen te inútil, e p o r u m a boa ra­zão: a_rej3rodução_da força de . t r aba lho se dá, no essen-c ia i , f o r a da empresa.

Como se assegura a reprodução da força de t raba­lho? E l a é assegurada ao se dar à força de t r aba lho o me io m a t e r i a l de se r e p r oduz i r : o salário. O salário consta na contab i l idade de cada empresa, mas como " c a p i t a l mão-de-obra" a e de f o r m a a l guma como condi­ção da reprodução m a t e r i a l da força de t r aba lho .

N o entanto é ass im que ele " a t u a " , u m a vez que o salário representa apenas a par te do va lor p r oduz i do pelo gasto da força de t r aba lho , indispensável pa ra sua reprodução, quer dizer, indispensável p a r a a reconst i ­tuição da força de t r aba lho do assalar iado ( pa ra a ha­bitação, vestuário e alimentação, e m suma, p r a que ele esteja e m condições de t o r n a r a se apresentar na ma­nhã seguinte — e todas as santas manhãs — ao guiché da empresa ) ; e acrescentemos: indispensável p a r a a cr ia-,ção e educação das crianças nas quais o p ro l e t a r i ado se r eproduz ( e m X unidades : podendo X ser i gua l a 0,1,2, e tc . . . . ) c omo força do t r aba lho .

L e m bre m o s que esta quant idade de va l o r (o salá­r i o ) necessário p a r a a reprodução da força de t r aba lho

3 Marx elaborou o conceito científico desta noção: capital va­riável.

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não está apenas de t e rminada pelas necessidades de u m S.M.I.G. "biológico", mas também p o r u m mínimo histórico ( M a r x assinalava: os operários ingleses preci ­sam de cerveja e os operários franceses de v inho ) e, p o r t a n t o , h i s to r i camente variável.

L embremos também que esse mínimo_é_ dup lamente histórico enquanto não está definidb~pêlas necessidades históricas da classe operária reconhecidas pela classe cap i ta l i s ta , mas p o r necessidades históricas impostas pela l u t a da classe operária ( dup l a l u t a de classes: con­t r a o aumento da j o r n a d a de t raba lho e con t ra a d i m i ­nuição dos salários).

E n t r e t a n t o não basta assegurar à força de t raba lho as condições mate r i a i s de sua reprodução p a r a que se r ep roduza como força de t r aba lho . Dissemos que a força de t r aba lho disponível deve ser " compe ten t e " , i s to é, ap ta a ser u t i l i z ada no s is tema complexo do processo de produção. O desenvo lv imento das forças p rodu t i vas e o t i p o de un idade h i s to r i camente c ons t i tu t i v o das forças p r odu t i v a s n u m dado m o m e n t o d e t e r m i n a m que a força de t raba lho deve ser (d iversamente ) qua l i f i cada e então r ep roduz ida como t a l . D iversamente : c on f o rme às exigências da divisão social-técnica do t r aba lho , nos seus di ferentes " ca rgos " e " empregos " .

Ora , ve jamos, como se dá esta reprodução da qua­lificação (d ivers i f i cada ) da força de t r aba lho no reg ime capi ta l is ta? Ao contrário do que oco r r i a nas formações sociais escravistas e servis, esta reprodução^ da qua l i f i ­cação da força de t r aba lho tendé^rtfMã-sTlíe "uma le i tendenc ia l ) a dar-se não ma is no " l o ca l de t r a b a l h o " (a aprendizagem na própria produção) porém, cada vez ma is , f o ra da produção, através do s is tema escolar capi­ta l i s ta e de out ras instâncias e instituições.

Ora , o que se aprende na^escola?) É possível chegar-se a u m pon to ma i s o u menos^^vánçado nos estudos, porém de qua lquer mane i r a aprende-se a ler , escrever, e contar , o u seja, a lgumas técnicas, e ou t ras coisas t am­bém, inc lus ive e lementos (que p o d e m ser rud imen ta r e s o u ao contrário apro fundados ) de " c u l t u r a científica" o u ' ' l iterária" d i r e tamente utilizáveis nos di ferentes pos-

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tos da produção ( u m a instrução pa ra os operários, u m a o u t r a para os técnicos, u m a terce i ra p a r a os enge­nhe i ros , u m a última para os quadros super iores , e t c . . . ) Aprende-se o " k n o w - h o w " .

Porém, ao mesmo tempo, e j u n t o c o m essas téc­nicas e conhec imentos , aprendem-se na escola as " re ­g ras " do b o m compo r t amen t o , is to é as conveniências que devem ser observadas p o r t odo agente da divisão do t r aba lho con fo rme o posto que ele esteja " d e s t i n a d o " a ocupar ; as regras de m o r a l e de consciência cívica e pro f i s s i ona l , o que na real idade são regras de respeito à divisão social-técnica do t raba lho e, e m de f in i t i vo , re­gras da o r d e m estabelecida pela dominação de classe. Aprende-se também a " f a l a r b e m o i d i o m a " , a " r e d i g i r b e m " , o que na verdade s igni f ica ( pa ra os f u t u r o s capi­ta l is tas e seus serv idores ) saber " d a r o rdens " , i s to é, (solução ideal ) d i r ig i r -se adequadamente aos operários e t c . . .

Enunc i ando este fato n u m a l inguagem mais cien­tífica, d i r emos que a _reprodução da força de t r aba lho não exige somente umãTreprodução de sua qualificação mas ao mesmo_ t empo u m a reprodução de sua submis-

<; são àsjnormas da o r d e m vigenteTTstcT~é7'"unm_reprodu-; çao da submissão dos operários à ideolog ia dom inan t e p o r pa r t e dos operários e u m a reprodução da capaci­dade de per fe i to domínio da ideo log ia dom inan t e p o r par t e dos agentes da exploração e repressão, de m o d o a que eles assegurem também "pe la p a l a v r a " o predo­mínio da classe dominante .

E m out ras palavras, a escola (mas também out ras instituições do Estado , como a I g r e j a e ou t r o s apare­lhos como o Exército) ensina o " k n o w - h o w " mas sob f o rmas que asseguram a submissão à ideolog ia domi ­nante o u o domínio de sua "prática". Todos os agentes da produção, da exploração e da repressão, sem fa lar dos "p ro f i ss i ona is da ideo log ia " ( M a r x ) devem de u m a f o r m a o u de o u t r a estar " imbuídos" desta ideo log ia para desempenhar "conscens iosamente" suas tarefas, seja a de explorados (os operários), seja a de explora­dores ( cap i ta l i s tas ) , seja a de auxi l iares na exploração

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(os quad ro s ) , seja a de grandes sacerdotes da ideologia dom inan t e (seus "funcionários") e t c . . .

A reprodução da força de t r aba lho evidencia, como A condição sine quae non, não somente a reprodução de / sua "qualif icação" mas também a reprodução de sua l submissão à ideo log ia dominan t e , o u da "prática" desta \ ideologia, devendo f i ca r c la ro que não basta d izer : "não somente mas também", po is a reprodução da qua l i f i ­cação da força de t r aba lho se assegura e m e sob as f o r m a s de submissão ideológica.

^ C o m o que reconhecemos a presença de u m a nova rea l idade: a^ideçílggja.

Faremos aqu i , duas observações:

A p r i m e i r a servirá p a r a comp le ta r nossa aná­l ise da reprodução.

Acabamos de estudar rap idamente as f o r m a s da reprodução das forças p rodu t i v a s , o u seja, dos me ios de produção p o r u m lado e da força de t r aba lho p o r o u t r o .

Porém não abordamos a inda a questão da repro ­dução das relações de produção. Este é u m p r o b l e m a c ruc i a l da t eo r ia m a r x i s t a do m o d o de produção. Se o deixássemos no silêncio cometeríamos u m a omissão teórica — p i o r , u n i grave e r r o político.

T ra t a r emos p o r t a n t o desta questão. Mas p a r a ob­t e rmos os meios de fazê-lo, temos que novamente d a r u m a grande vo l ta .

A segunda observação é que pa ra da r esta vo l t a so­mos obr igados a reco locar nossa ve lha questão: o que é u m a sociedade?

infra-estrutura e Superestrutura

Já t i v emos a o p o r t u n i d a d e 4 de i n s i s t i r sobre o caráter revolucionário da concepção m a r x i s t a do " t o d o

4 E m Pour Marx e Lire le Capital. Maspero, 1965.

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soc ia l " , naqu i l o e m que ela se d is t ingue da " t o t a l i d a d e " hegel iana. Dissemos, (e esta tese apenas repet ia céle­bres proposição do m a t e r i a l i s m o histórico) que M a r x concebe a estrutura_de.„,toda...a sociedade como const i -

„tuida p o r "níveis" o u "instâncias" a r t i cu ladas ]^r "úma determinação específica: a j n f r a - e s t r u t u r a o u base eco-j jômica- i lLunidade^ pjodução.),,„e _a supe r es t ru tu ra , jque_ compreende^ dois "níveis" o u " m s p a n ^ j ^ T aluríSjço-poíítíca (o d i r e i t o e ò^stssa"<3*T"è ' aJL^o jó^ca (as d i s t in tas ideologias, r e l i ­giosa, m o r a l , jurídica, política, e t c . . . )

Além de seu interesse teórico-pedagógico (que apon­t a a diferença entre M a r x e Hege l ) , esta representação oferece a seguinte vantagem teórica f u n d a m e n t a l : ela per­m i t e inscrever no q u a d r o teórico de seus conceitos es­senciais o que denominamos seu índice de eficácia res­pectivo. O que se entende p o r isto? '

Qua lquer u m pode fac i lmente perceber que a re­presentação da e s t r u t u r a de t oda a sociedade como u m edifício composto p o r u m a base ( i n f r a - e s t ru tu ra ) sobre a qua l erguem-se os do is " a n d a r e s " da supe r e s t ru tu ra c o n s t i t u i u m a metáfora, ma is prec isamente , u m a metá­fo ra espacial : u m tópico. 8 Como t o d a metáfora, esta sugere, faz ver a l guma coisa. O que? Justamente i s to :

^ á q u e os andares super iores não por fe r iam "sns tentar -sq " U n o a r ) p o r s i sós se não se.apoiassem sobre_sua-base.

< \jp A-metáfora do edifício t em então como ob je t i vo ^ p r i m e i r o representar a "determinação e m última ins­

tância" pela base económica. Es ta metáfora espacial t e m então como resu l tado do ta r a base de u m índice de eficácia conhecido nos célebres t e rmos : de te rmina­ção e m última instância do que ocorre nos " a n d a r e s " da supe r es t ru tu ra pelo que ocorre na base económica.

A p a r t i r deste índice de eficácia " e m última instân­c i a " , os " a n d a r e s " da supe r es t ru tu ra encontram-se evi-

5 Tópico, do grego topos: local. Um tópico representa, num espaço definido, os locais respectivos ocupados por esta ou aque­la realidade: desta maneira o económico está embaixo (a base) c a superestrutura em cima.

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dentemente afetados p o r di ferentes índices de eficácia. Que t i p o de índices?

Pode-se dizer que os andares d j L ^ p j e r ^ s t r u t u r a não I são de terminantes e m última instância, mas que são ;

^determinados pela eficácia da base; que se eles são a seu m o d o (a in^ã^nãõ^e l ímdoT de terminantes , apenas o são enquanto de te rminados pe la base.

Seu índice de eficácia ( o u de determinação), en­quan to de t e rm inado pela determinação e m última ins­tância da base, é pensado pela tradição m a r x i s t a sob ,• duas f o rmas : 1) a existência de u m a " a u t o n o m i a rela- / t i v a " da supe r es t ru tu ra e m relação à base; 2) a exis­tência de u m a "ação de r e t o r n o " da superes t rutura-so - ' b r e a base.

Podemos então a f i r m a r que a grande vantagem teórico do tipó de eficácia " d e r i v a d a " próprio à superes-fício (base e supe r es t ru tu ra ) consiste e m m o s t r a r ao mesmo t empo que as questões de determinação ( ou de índice de eficácia) são fundamenta is ; e que é a base que de t e rm ina e m última instância todo o edifício; como consequência somos obr igados a colocar o p r ob l ema teórico do t i p o de eficácia " d e r i v a d a " próprio à superes­t r u t u r a , i s to é, somos obr igados a pensar no que a tra­dição m a r x i s t a designa pelos t e rmos con juntos de auto­n o m i a re la t i va da supe r es t ru tu ra e de "ação de retor­n o " d a supe r e s t ru tu ra sobre a base.

O m a i o r inconveniente desta representação da es­t r u t u r a de t oda a sociedade pela metáfora espacial do edifício está ev identemente no fato de ser ela metafó­r i c a : i s to é, àe permanecer descr i t iva .

Parece-nos desejável e possível representar as coi­sas de o u t r a mane i ra .

Que sejamos b em entendidos: não recusamos e m abso luto a metáfora clássica, já que ela mesma nos obr i ga a superá-la. E não a superaremos afastando-a como caduca. Pretendemos s implesmente pensar o que ela nos dá sob a f o r m a de u m a descrição.

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Pensamos que é a p a r t i r da reprodução que é pos-,, sível e necessário pensar o que caracter iza o essencial da existência e natureza da superes t ru tura . Bas ta colo-car-se no pon to de v i s ta da reprodução para que se es­clareçam mu i t a s questões que a metáfora espacial do edifício ind icava a existência sem dar-lhes resposta con­ce i tua i . _ - — '

Sustentamos como tese fundamen ta l que somente é possível levantar estas questões (e p o r t a n t o respon­dê-las) a partir do pontq^dejoista da reprodução.

Anal isaremos brevemente o D i r e i t o , o Estado e a ideo log ia a p a r t i r deste p o n t o de v is ta . E mos t ra r emos ao mesmo t empo o que ocorre a p a r t i r do p o n t o de v is ta da prática e da produção p o r u m lado, e da repro­dução p o r o u t r o .

O Estado

/ A tradição m a r x i s t a é f o r m a l : desde o Manifesto e |/ do 18. Brumário (e e m todos os textos clássicos poste­

r io res , sobre tudo no de M a r x sobre a Comuna de Paris e no de Lênin sobre o Estado e a Revolução), o Es tado A^explicitamente„ concebido^ como u m apare lho repres-

) y X > s i yo . o Estado é u m a "máquina" de repressão que per­m i t e às classes dominantes (no século X I X à classe burguesa e à "c lasse" dos grandes latifundiários) asse­gurar a sua dominação sobre a classe operária, pa ra submetê-la ao processo de extorsão da mais-val ia (quer dizer, à exploração cap i ta l i s ta ) .

O Estado é, antes de ma is nada, o que os clássicos do m a r x i s m o c h a m a r a m de ojiparelho de. Estado. Este t e r m o compreende: não somente o apare lho especiali­zado (no sent ido e s t r i t o ) , cu ja existência e necessidade

^ reconhecemos pelas exigências da prática jurídica, a sa-""^"ber: a política — os t r i b u n a i s — e as prisões; mas tam­

bém o exército, que intervém d i re tamente como força repressiva de apoio e m última instância (o p ro l e t a r i ado pagou c o m seu sangue esta experiência) quando a po­lícia e seus órgãos aux i l iares são "u l t rapassados pelos

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acontec imentos " ; e, ac ima deste c on jun to , o Chefe de Estado , o Governo e a Administração.

Apresentada desta f o r m a , a " t e o r i a marx is ta- len i -n i s t a " do Es tado toca o essencial, e não se t r a t a p o r n e n h u m m o m e n t o de d u v i d a r que está aí o essencial. O apare lho de Estado que def ine o Es tado como força de execução-e de intervenção repress iva '^servi"çõ~das classes d o m i n a n t e s " , na l u t a de classes dá burgues ia e p ^ " ' seus al iados con t ra o p r o l e t a r i ado é o Es tado , e def ine per f e i tamente a sua " função" fundamenta l .

Da Teoria Descritiva à Teoria Propriamente^Dita

No entanto , c omo o assinalamos na metáfora dó edifício ( i n f r a - e s t ru tu ra e supe r e s t ru tu ra ) também esta apresentação da natureza do Es tado permanece descri­t i v a e m par t e .

Como usaremos constantemente este ad je t i vo (des­c r i t i v o ) torna-se necessária u m a explicação que e l im ine qua lquer equívoco.

Quando, ao f a l a rmos da metáfora do edifício o u da t eo r ia m a r x i s t a do Es tado dizemos que são concepções o u representações descr i t ivas de seu ob je to , não escon­demos n e n h u m a segunda intenção crítica. Pelo contrá­r i o , t u d o leva a crer que os grandes descobr imentos científicos não p o d e m de ixar de passar pe la etapa que chamamos u m a " t e o r i a " descr i t i va . E s t a ser ia a p r i ­m e i r a etapa de t oda teor ia , ao menos no campo da ciên­c ia das formações sociais. Como t a l , poder-se-ia, — e no nosso entender deve-se — encarar esta etapa como t r a n ­sitória e necessária ao desenvo lv imento da t eo r ia . A nos­sa expressão: " t e o r i a desc r i t i v a " aponta este caráter transitório ao m o s t r a r , pela conjunção dos t e rmos em­pregados, o equiva lente a u m a espécie de "contradição". C o m efeito, o t e r m o t eo r ia choca-se e m p a r t e c o m o ad­j e t i vo " d e s c r i t i v a " que o acompanha . Isso s ign i f i ca exa-tamente : 1) que a " t e o r i a d e s c r i t i v a " é, sem dúvida al­guma, o começo sem r e t o rno da teor ia , porém, 2) que a f o r m a " d e s c r i t i v a " e m que se apresenta a t e o r i a exige,

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pe lo efeito m e s m o desta "contradição", u m desenvolvi­men to da t e o r i a que supere a f o r m a da "descrição".

Precisemos nosso pensamento vo l tando ao nosso objeto presente: o Estado .

Quando d izemos que a " t e o r i a " m a r x i s t a do Estado que u t i l i z amos é parc i a lmente " d e s c r i t i v a " , i s to s igni f ica e m p r i m e i r o lugar e antes de ma i s nada que esta "teo­r i a " descr i t i va é, s em dúvida a lguma, o início d a t eo r i a m a r x i s t a do Estado , e que t a l início nos fornece o es­sencial i s to é, o princípio decisivo de todo desenvolvi­m e n t o pos t e r i o r da teor ia .

D i r emos , c o m efeito, que a teor ia descr i t i va do Es­tado é j u s t a u m a vez que a definição dada p o r ela de seu ob j e to pode per f e i tamente cor responder à imensa m a i o r a dos fatos observáveis n o domínio que lhe con­cerne. Ass im, a definição de Es tado como Es tado de classe, existente n o apare lho repress ivo de Es tado , elu­c ida de mane i r a fu l gu ran t e todos os fatos observáveis nos di ferentes níveis da repressão, qua lque r que seja o seu domínio: desde os massacres de j u n h o de 1848 e da C o m u n a de Par is , do domingo sangrento de m a i o de 1905 e m Petrogrado , da Resistência, de Charonne, etc. . . até as ma is s imples (e r e la t i vamente anódinas) inter­venções de u m a " c e n s u r a " que proíbe a Religiosa de D i d e r o t o u u m a o b r a de G a t t i sobre Franco ; e lucida todas as f o rmas d i re tas o u ind i r e tas de exploração e extermínio das massas popu lares (as guerras imper ia ­l i s t as ) ; e luc ida a sútil dominação co t id iana aonde se ev idencia (nas f o r m a s da democrac ia política, p o r exem­p l o ) o que Lênin c h a m o u depois de M a r x de d i t a d u r a da burgues ia .

E n t r e t a n t o , a t eo r i a descr i t i va do Estado represen­t a u m a etapa da constituição da teor ia , que exige ela mesma a "superação" desta etapa. Po r tan to está c laro que se a definição e m questão nos fornece os meios p a r a i den t i f i c a r e reconhecer os fa tos opressivos e a r t i ­culá-los c o m o Es tado concebido como apare lho repres­sivo de Es tado , esta "articulação" dá lugar a u m t i p o de evidência m u i t o especial, a que teremos opo r tun i ­dade de nos r e f e r i r ma i s ad iante : " S i m , é ass im, está

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p r e f e i t o ! " 8 E_ a acumulação de fa tos , à definição d o , Estado , a inda que m u l t i p l i q u e sua ilustração, não faz c o m que esta definição avance, não p e r m i t e rea lmente o avanço da teor ia científica do Estado . Toda t eo r ia des­c r i t i v a corre o r isco de " b l o q u e a r " o desenvolv imento indispensável d a teor ia .

Por isso acred i tamos que, pa ra desenvolver a teo­r i a descr i t iva e m teor ia p r o p r i a m e n t e d i t a , i s to é, p a r a me lhor compreender os mecanismos do Es tado em seu func ionamento , é indispensável acrescentar algo à def i ­nição clássica do Es tado como apare lho de Estado .

O essencial da teoria marxista do Estado

Precisemos in i c ia lmente u m pon to i m p o r t a n t e : O x

Estado (e sua existência e m seu apare lho ) s ^ t e m s e n - ^ t i do em função do poder de Estado. T oda l u t a política das classes g i r a ém t o r n o do Estado . En tendamos : e m t o r n o da posse, i s to é, da t omada e manutenção do po­der de Es tado p o r u m a cer ta classe o u p o r u m a aliança de classes o u frações de classes. Es ta p r i m e i r a obser­vação nos obr i ga a d i s t i n gu i r p _pode rde_E^ tado_ (manu­tenção o u t omada do poder de E s t a d o ) , ob je t i vo da l u t a de classes política de u m lado, do apare lho de Es tado de o u t r o .

Sabemos que o apare lho de Estado pode permane­cer de pé, como o d e m o n s t r a m as "revoluções" burgue­sas do século X I X na França (1830, 1848), os golpes de estado (2 de dezembro de 1851, ma i o de 1958), as comoções de estado (queda do Império e m 1870, queda da I I I República e m 1940), a ascensão política da pe­quena burgues ia (1890-1895 na França), etc, sem ser afetado o u mod i f i cado ; pode permanecer de pé sob acon­tec imentos políticos que a fe tem a posse do poder de Es tado .

Mesmo depois de u m a revolução socia l como a de 1917, g rande pa r t e do apare lho de Es tado permanec ia

6 Ver mais adiante: Acerca da ideologia.

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de pé quando da t omada do poder pela aliança do pro­l e tar iado e do campesinato pobre : Lênin o r epe t iu inú­meras vezes.

Pode-se dizer que esta distinção entre poder de Es­tado e apare lho de Estado faz pa r t e da " t e o r i a marx i s ­t a " do Estado de mane i r a explícita depois do 18 B r u ­mário e das lutas de classes na França, de M a r x .

Resumindo este aspecto da " t e o r i a m a r x i s t a do Es­tado " , podemos dizer que os clássicos do m a r x i s m o sempre a f i r m a r a m que: 1) o Estado é o apare lho repres­sivo do Estado ; 2) deve-se d i s t i n g u i r o poder de estado do apare lho de Es tado ; 3) o ob je t i vo da l u t a de classes diz respeito ao poder de Estado e consequentemente à

\o do apare lho de Estado pelas classes ( o u al ian-j ças de classes ou frações de classes) que detêm o poder ; de Estado em função de seus objet ivos de classe e 4) o

/ p ro l e ta r i ado deve t o m a r o poder do Estado pa ra des-\r o apare lho burguês existente, substituí-lo e m u m a

; p r i m e i r a etapa p o r u m apare lho de Estado completa-/ mente d i ferente , proletário, e e laborar nas etapas pos-/ ter iores u m processo rad i ca l , o da destruição do Estado \ ^ ( f i m do poder do Estado e de t odo apare lho de Es tado ) .

Ass im, deste pon to de v ista, o que p r o p o r i a que se acrescente à " t e o r i a m a r x i s t a " do Estado já está con­t i d o nela c o m todas as letras. Porém parece-nos que esta t eor ia comple tada desta f o r m a permanece ainda e m par te descr i t iva , se b e m que já contenha elementos complexos e di ferenciados cujas regras e func ionamen­to não podem ser compreendidos sem o recurso a u m apro fundamento teórico suplementar . \L.

Os Aparelhos Ideológicos do Estado

O que deve ser acrescentado à " t e o r i a m a r x i s t a " do Estado é, então, o u t r a coisa.

Devemos avançar c o m prudência n u m campo em que os clássicos do m a r x i s m o nos precederam há m u i t o , mas sem ter s istematizado sob u m a f o r m a teórica os avanços decisivos que suas experiências e proced imen-

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tos i m p l i c a m . C o m efeito, suas experiências e procedi ­mentos pe rmanece ram sobre tudo no campo da"prática política. -

Na verdade, os clássicos do m a r x i s m o , e m sua prá­t i ca política, t r a t a r a m do Es tado como u m a real idade ma i s complexa do que a da definição da " t e o r i a mar­x i s ta do Es t ado " , mesmo comple tado c omo acabamos-de fazer. Eles pe rcebe ram esta complex idade e m sua prática, porém não a e x p r i m i r a m n u m a t eo r i a corres­pondente . 7 \

Gostaríamos de esboçar m u i t o esquemat icamente essa t eo r ia correspondente . C o m este ob j e t i vo p ropo ­mos a seguinte tese:

Para fazer avançar a t e o r i a d c r E s t a d o é i n d i s p e n - . sável t e r e m conta não somente a distinção ent re poder de Estado e aparelho de Estado, mas também o u t r a rea l idade que se mani f es ta j u n t o ao apare lho (repres­s ivo ) do Es tado , mas que não se con funde c o m ele. Chamaremos esta rea l idade pelo seu conce i to : os apa­relhos ideológicos do Estado. -

O que são os Aparelhos Ideológicos do Estado (AIE)?

^ Eles não se c on fundem c o m o apare lho ( repress ivo ) do Es tado . L embremos que, na t eo r ia ma rx i s t a , o apa­re lho de Es tado ( A E ) compreende : o^governo, a admi- " ] nistração, o exército, a polícia, os t r i b u n a i s , as prisões, > etc, que c o n s t i t u e m o que chamaremos a p a r t i r de ago- ) r a de apare lho repress ivo do Estado . Repressivo i n d i c a que o apare lho ^e _Esladó~ém~qúestão~"funciona através da violência" — ao menos e m situações l i m i t e s (po is

—-{l>7 Ao que saibamos, Gramsci é o único que avançou no caminho que retomamos. E l e teve a ideia "singular" de que o Estado não se reduzia ao aparelho (repressivo) de Estado, mas compreen­dia, como dizia, um certo número de instituições da "sociedade civi l " : a Igreja, as Escolas, os sindicatos etc. Infelizmente Gramsci não sistematizou suas intuições, j r ue jtermanecexamlno" estado de anotações argutas rrias parciais (cf. Gramsci: Oeuvres Choisies, E d Sociales, pp. 290, 291 (Nota 3), 293, 295, 436. Cf. Lettres de la Prison, E d Sociales, p. 313).

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a repressão a d m i n i s t r a t i v a , po r exemplo, pode rev.-;stir-se de f o rmas não^físicas).

Designamos pelo nome de_aparelhos_ideológicos do •"Estado Um Certo nÚmfíT" rte.-rpalUifl.rte.»; que ppi-PRpn-rEãrnJiTão obs^rsadDr imed ia to sob a f o r m a de i n s t i t u i ­ç õ e s d i s t in tas e especializadas. P ropomos u m a l i s ta em--píricã, que dèverá'~Tiecessariamente ser examinada em detalhe, posta à p rova , r e t i f i cada e remanejada. Com todas as reservas que esta exigência acarreta podemos, pelo m o m e n t o , cons iderar como apare lhos ideológicos do Es tado as seguintes instituições (a o r d e m de enu­meração não t e m n e n h u m s igni f icado especia l ) :

A I E re l ig iosos (o s is tema das di ferentes I g re jas )

A I E escolar (o s istema das di ferentes "esco las" pú­bl icas e p r i vadas )

A I E f a m i l i a r 8

A I E jurídico*

A I E político (o s istema político, os di ferentes Par­t i dos ) - •

A I E s ind i ca l

A I E de informação (a imprensa , o rádio, a televi­são, e t c . . . )

A I E c u l t u r a l (Le t ras , Belas Ar tes , esportes, etc. ,.)

Nós a f i r m a m o s : os A I E não se con fundem c o m o Apare lho ( repress ivo ) de Es tado . E m que consiste a diferença?

8 A família desempenha claramente outras "funções" que a de A I E . E l a intervém na reprodução da força de trabalho. E l a é, dependendo dos modos de produção, unidade de produção e (ou) unidade de consumo.

9 O "Direito" pertence ao mesmo tempo ao Aparelho (repressi­vo) do Estado e ao sistema dos A I E .

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N u m p r i m e i r o m o m e n t o podemos observar que se e^stej^m^paxéYho ( repress ivo ) do Estado , existe uma, plurálidadè~3e Apare lhos ^Ideológicos do Estado. Su­pondo a sua existência, 1 T unidade que cons t i tu i esta p lu ra l i dade de A I E não é imed ia tamente visível.

' N u m segundo m o m e n t o , podemos constatar que enquanto que o Apare lho ( repress ivo ) do Estado, un i ­f icado, pertence in t e i r amente ao domínio público, a m a i o r pa r t e dos Apare lhos Ideológicos do Estado ( em sua aparente dispersão) remete ao domínio p r i vado . As Ig re jas , os Par t idos , os Sindicatos , as famílias, algu­mas escolas, a m a i o r i a dos j o rna i s , as empresas cultu­ra is etc, etc, são pr i vadas .

Deixemos de lado, pelo momento , nossa p r i m e i r a observação. Mas detenhamo-nos na segunda, indagan­do e m nome de que podemos cons iderar como Apare­lhos Ideológicos rio Estado instituições que, em sua m a i o r i a , não-_possuem estatuto público, e que são s im-plesmr^Hfé^lnslr^iições pr ivadas . Como marx i s t a cons-^ cientá,/GràmsciTj^, r ^ s p o n d e r a ^ esta_^jeçaõ.TA ^distin­ção en t r e o púKicc r"é o p r i vado é~úmã~dístinção intrín­seca ao-dk-eíto burguês, e válida nos domínios (subor­d inados ) aonde o d i r e i t o burguês exerce seus "pode­res " . O domínio do Estado lhe escapa, po is este está "além do D i r e i t o " : o Estado , que é p Estado da classe dominante , não é nem público nem pr i vado , ele é ao contrário a condição de toda distinção entre o público e o p r i v ado . Digamos a mesma coisa p a r t i n d o dos nossos Apare lhos Ideológicos do Estado. Pouco i m p o r t a se as instituições que os cons t i tuem sejam "públicas" ou " p r i ­vadas" . O que i m p o r t a é o seu func ionamento . I n s t i t u i ­ções pr ivadas podem per fe i tamente " f u n c i o n a r " como Apare lhos Ideológicos do Estado. Seria suf ic iente uma análise u m pouco mais p r o funda de qua lquer dos A I E pa ra mostrá-lo.

I / Mas vamos ao essencial. O que d is t ingue os A I E j do Apare lho ( repress ivo ) do Estado, é a seguinte dife-' rença fundamenta l : o Apare lho repressivo do Estado 1 " f unc i ona através dá violência" ao passo que os Apa­

re lhos Ideológicos do Estado " f u n c i o n a m através da ideo log ia " .

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Podemos prec isar , r e t i f i cando esta distinção . [ p i r e ­mos, c o m efeito, que todo Apare lho do Estado, seja ele repressivo o u ideológico, " f t m c i q n a " t an to através da violência como através da ideologia, mas c o m u m a dife­rença m u i t o i m p o r t a n t e , que impede que se c o n f u n d a m ; os Apare lhos Ideológicos do Estado c o m o Apare lho ( repress ivo ) do Estadój]

O apare lho ( repress ivo ) do Estado func iona predo-1 m inan t emen te através da repressão ( inc lus ive a física) e secundar iamente através da ideologia. (Não existe apare lho un icamente repress ivo ) . Exemplos : o Exército e a Polícia f u n c i o n a m também através de ideologia, t an to pa ra ga ran t i r sua própria coesão e reprodução, como para d i vu l ga r os " v a l o r e s " p o r eles propostos. .

Da mesma f o r m a , mas inversamente , devemos dizer * que os Apare lhos Ideológicos do Estado f u n c i o n a m p r i n ­c ipa lmente através da ideologia, e secundar iamente através da repressão seja ela bastante atenuada, dissi­mu lada , ou mesmo simbólica. (Não existe apare lho pu­ramente ideológico) . Desta f o r m a , a Escola, as Igre jas " m o l d a m " p o r .métodos próprios de sanções, exclusões, seleção etc... não apenas seus funcionários mas tam­bém suas ovelhas. E ass im a Família... Ass im o Apa­re lho I E c u l t u r a l (a censura, p a r a menc ionar apenas ela) etc.

Será preciso dizer que esta determinação do dup l o " fu j i c i o j i amento l ' (de f o r m a p r i n c i p a l , de f o r m a secun­dária) através da repressão o u através da ideologia, se­gundo a qua l trata-se ou do Apare lho ( repress ivo ) do Estado ou dos Apare lhos Ideológicos do Estado , per­m i t e compreender que constantemente tecem-se sut is combinações tácitas ou explícitas entre o jogo do Apa­re lho ( repress ivo ) do Estado e o jogo dos Apare lhos Ideológicos do Estado? A v ida co t id iana oferece-nos inúmeros exemplos, que todav ia devemos estudar de­ta lhadamente para superarmos esta s imples observação.

Esta observação nos poss ib i l i t a compreender o que cons t i tu i a un idade do corpo aparentemente disperso dos A I E . Se os A I E " f u n c i o n a m " p redominantemente através da ideologia, o que .un i f i ca a sua divers idade

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é este func i onamento mesmo, na med ida e m que a ideologia, na qua l f unc i onam, está de fato sempre u n i ­f icada, apesar da sua d ivers idade e contradições, sob a ideo log ia dominan te , que é a ideo log ia da "classe d o m i n a n t e " . Se cons ideramos que p o r princípio a "clas­se dominante "/ detém o poder do Es tado (de f o r m a c lara ou , ma is f requentemente p o r alianças de classes ou de frações de classes) e que dispõe p o r t a n t o do Apare lho ( repress ivo ) do Es tado , podemos a d m i t i r que a mesma classe dom inan t e seja a t i va nos Apare lhos Ideológicos do Estado . B e m entend ido , ag ir p o r leis e decretos no Apare lho ( repress ivo ) do Es tado é o u t r a coisa que agir através da ideo log ia dom inan t e nos Apare lhos Ideológicos do Es tado . Ser ia prec iso de ta lhar esta diferença, — que no entanto não deve encobr i r a real idade de u m a p r o f u n d a ident idade . Ao que sabemos, ̂ nenhuma classe pode, de forma duradoura, deter o po-der do Estado sem exercer ao mesmo tempo sua hege­monia sobre e nos Aparelhos Ideoló^icos^ão_^staãó. Cito apenas u m exemplo e p r o va : a lanc inante preo­cupação de Lênin em revo luc ionar o Apare lho ideológico de Es tado escolar ( entre o u t r o s ) p a r a p e r m i t i r ao p r o ­l e tar iado soviético, que se a p r o p r i a r a do poder do Estado , ga ran t i r nada ma i s nada menos do que o pró­p r i o f u t u r o da d i t a d u r a do p ro l e t a r i ado e a passagem pa ra o s o c i a l i s m o . 1 0

Esta última observação nos p e r m i t e compreender que os Apare lhos ideológicos do Es tado p o d e m não apenas ser os meios mas também o lugar da l u t a de classes, e f requentemente de f o rmas encarniçadas da l u t a de classes. A classe ( ou aliança de classes) no poder não d i t a tão fac i lmente a l e i nos A I E como n o apare lho ( repress ivo ) do Es tado , não somente po rque as antigas classes dominantes podem conservar du ran t e m u i t o t empo for tes posições naqueles, mas po rque a resistência das classes exploradas pode encon t ra r o me io e a ocasião de expressar-se neles, u t i l i z ando as cont ra ­

io E m um texto patético, datado de 1937, Krupskaia relata os esforços desesperados de Lênin, e o que ela via como o seu fracasso ("Le chemin parcouru).

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dições existentes o u conqu is tando pela l u t a posições de combate 1 0 B L S .

Conc luamos nossas observações.

Se a tese que p ropusemos t e m fundamento , vol ta­mos , precisando-a quan to a u m a questão, à t e o r i a mar ­x i s ta clássica do Es tado . D i r emos que p o r u m lado é prec iso d i s t i n g u i r o poder do Es tado (sua detenção p o r . . . ) e p o r o u t r o o Apare lho de Es tado . Mas acres­centamos que o Apare lho de Es tado compreende do is corpos : o co rpo das instituições que cons t i tuem o apa­r e lho repressivo do Es tada , e o corpo de instituições que r epresentam o co rpo dos Apare lhos Ideológicos do Es tado .

Mas , se é ass im, não podemos de ixar de colocar a seguinte questão, mesmo no estado bastante sumário de nossas indicações: qua l é exatamente o pape l dos Apare lhos Ideológicos do Estado? qu a l é o fundamento de sua importância? E m out ras pa lavras : a que cor­responde a " função" destes Apare lhos Ideológicos do

10 bis O que, em breves palavras, se diz aqui acerca da luta de classes nos A I E não pretende evidentemente esgotar a questão de luta de classes.

Para tratar desta questão, deve-se ter presente dois prin­cípios.

O primeiro princípio foi formulado por Marx no prefácio da Contribuição: "Quando consideramos tais abalos (uma revo­lução social), é necessário distinguir entre o abalo material — que pode ser constatado de maneira cientificamente rigorosa — das condições de produção económicas, e as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas através das quais os homens tomam consciência deste conflito e o levam até o fim". A luta de classes se expressa e se exerce portanto nas formas ideológicas, e portanto se exerce também nas formas ideológicas dos A I E . Mas a luta de classes ultrapassa ampla­mente estas formas, e é porque ela as ultrapassa que a luta das classes exploradas pode se exercer nos A I E , voltando a arma da ideologia contra as classes no poder.

Isto em função do segundo princípio: a luta das classes ultrapassa os A I E porque ela não tem suas raízes na ideologia, mas na Infraestrutura, nas relações de produção, que são re­lações de exploração, e que constituem a base das relações de classe.

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Estado , que não func i onam através da repressão, mas da ideologia?

Sobre a reprodução das relações de produção];

Podemos então responder à nossa questão centra l , m a n t i d a e m suspenso p o r tanto t empo : como é asse­gurada a reprodução das relações de produção?

Na l inguagem metafórica do tópico ( I n f r a - e s t ru tu ra , Supe r es t ru tu ra ) d i r emos : ela é, e m grande p a r t e 1 1 , assegurada pela supe res t ru tura jurídico-política e ideo­lógica.

Porém, u m a vez que ju l gamos indispensável u l t r a ­passar esta l inguagem a inda descr i t iva , d i r emos : ela é, em grande par te 1 1 , assegurada pelo exercício do poder do Estado nos Apare lhos de Estado, o Apare lho (re­press ivo ) do Estado, po r u m lado, e os Apare lhos Ideo­lógicos do Estado po r o u t r o .

Reun imos o que f o i d i t o an t e r i o rmente nos três pontos seguintes:

'• 1. Todos os aparelhos do Estado func i onam ora através da repressão, ora através da ideologia, c o m a diferença, de que o Apare lho ( repress ivo ) do Estado func iona p r inc ipa lmen t e através da repressão enquanto que os Apare lhos Ideológicos do Estado func i onam p r in c i pa lmen t e através da ideologia.

2. Ao passo que o Apare lho ( repress ivo ) do Es­tado c o n s t i t u i u m todo organizado cujos diversos com­ponentes estão central izados po r u m a un idade de dire­ção, a da política da lu t a de classes apl icada pelos representantes políticos das classes dominantes , que detém o poder do Estado , — os Apare lhos Ideológicos do Es tado são múltiplos, d i s t in tos e re la t i vamente au-

11 E m grande parte. Pois as relações de produção são antes de mais nada reproduzidas pela materialidade do processo de pro­dução e do processo de circulação. Mas não devemos esquecer que as relações ideológicas estão presentes nestes mesmos pro­cessos. _

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