Aula_2 antropologia

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    Estudos SocioantropolgicosAula 1

    1. O surgimento da Sociologia e a definio do seu objeto

    Em seu livro Aprendendo a pensar com a Sociologia, 2010, Zygmunt Bauman,

    salienta a importncia dessa rea de conhecimento ao afirmar que aprender a pensar

    sociologicamente significa ampliar o entendimento de ns mesmos, uns dos outros e

    dos ambientes sociais em que vivemos. Significa, portanto, ampliar o conhecimento do

    mundo em que vivemos. Contudo, se faz conveniente que faamos um questionamento

    sobre o que faz com que determinados contedos e prticas sejam identificados como

    sociolgicos. Trata-se de pensar ento sobre o que torna a sociologia diferente de

    outros corpos de conhecimento e de outras disciplinas, que tm seus prprios

    procedimentos.

    Nesse sentido, o socilogo francs Emile Durkheim tratou das condies

    necessrias para o estabelecimento da Sociologia como disciplina. Em seus estudos o

    autor definiu como primeiro pressuposto que uma disciplina s pode ser chamada de

    cincia se tiver um campo definido a explorar. Nesse caso, cada cincia deve ter seu

    objeto especfico, pois se compartilhasse um objeto com as outras cincias seria

    indistinguvel delas.

    De acordo com o autor, a cincia trata de coisas, realidades. Se no houver um

    material definido a descrever e interpretar, existe um vcuo, impossibilitando o

    estabelecimento de uma disciplina. Portanto, se a Aritmtica trata de nmeros, a

    Geometria, de espao e figuras, as Cincias Naturais, de corpos animados e

    inanimados e a Psicologia, da mente humana, o autor afirma que antes que a Cincia

    Social pudesse comear a existir, era preciso atribuir-lhe um assunto definido. (2008,

    pg. 17).

    Emile Durkheim afirmou que primeira vista, o problema de atribuir um assunto

    definido a esta disciplina no apresentaria dificuldades, ao indicar que o assunto da

    Sociologia so as coisas sociais, ou seja, as leis, os costumes, as religies, etc. No

    entanto, o socilogo chama ateno para o fato de que se olharmos para a maior parte

    da histria da Filosofia percebe-se que nenhum filsofo jamais encarara essesassuntos sob essa luz. Segundo o autor, a Filosofia no considerava que os

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    fenmenos tinham uma causa social. Ao contrrio, pensavam que todos os fenmenos

    dependiam da vontade humana. Por isso, o pensamento filosfico no fora at ento

    capaz de visualizar que esses fenmenos so os verdadeiros objetos das Cincias

    Sociais1, e como todas as outras coisas da natureza tm suas caractersticas

    particulares e consequentemente exigem cincias que possam descrev-los e explic-los.

    A abordagem filosfica sobre os fenmenos sociais no tinha como objetivo

    conhec-los como realmente so, ou investigar sobre sua natureza e sua origem, mas

    dizer o que eles deveriam ser. De acordo com Durkheim (2008), seu objetivo no era o

    de oferecer uma imagem da natureza to verdadeira quanto possvel, mas confrontar

    nossa imaginao com a idia de uma sociedade perfeita, um modelo a ser seguido.

    Assim, o autor esclarece que mesmo Aristteles:

    Que dedicou muito mais ateno que Plato experincia, tinha como

    objetivo descobrir no as leis da existncia social, mas a melhor forma de

    sociedade. Ele parte da suposio de que o nico objetivo de uma

    sociedade deve ser obter a felicidade de seus membros por meio da

    prtica da virtude, e que a virtude reside na contemplao (Durkheim,

    2008, pg. 18).

    A partir dessa citao podemos entender que a Filosofia, representada aqui

    atravs de Aristteles, no estabelecia seus princpios como uma lei que as sociedades

    realmente observam, mas como uma lei que devem seguir para que os seres humanos

    possam estar de acordo com sua natureza especfica. Para citar um exemplo, trata-se

    de pensar que a Filosofia no investigaria o sistema poltico na sociedade brasileira a

    partir de sua realidade especfica, a fim de descrev-lo e interpret-lo, levando em

    considerao os aspectos que dele fazem parte como a compra de votos, o

    clientelismo, o beneficiamento ilcito, etc. Ao invs disso, o que Durkheim afirma que

    o pensamento filosfico at ento estabelecia os princpios da sociedade e de um

    sistema poltico, mais especificamente, e definia os meios atravs do qual os indivduos

    deveriam orientar suas aes para alcanar esses princpios.

    Assim, a Filosofia se voltava para os fatos histricos ou presentes com o objetivo

    de julg-los e mostrar como seus prprios princpios poderiam ser adaptados a

    diversas situaes. Ignorando a realidade, buscava-se ento um nico propsito:

    1A Sociologia, Antropologia e Cincia Poltica so os ramos das Cincias Sociais.

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    corrigir ou transformar completamente a sociedade em vez de conhec-la. Como afirma

    o socilogo francs, no havia praticamente qualquer interesse no passado ou no

    presente, antes disso, olhava-se para o futuro, e uma disciplina que olha para o futuro

    carece de um assunto determinado (Durkheim, 2000 pg. 18).

    Nesse sentido, j possvel concluir que o socilogo uma pessoa que se

    ocupa de compreender a sociedade e no de julg-la ou reform-la. Assim, o mundo

    social que at ento no havia se colocado como objeto de estudo cientfico passa a

    ser estudado em suas mltiplas dimenses por essa nova disciplina. A Sociologia

    uma disciplina que estabelece questes a lanar acerca das aes humanas com o

    propsito de produzir um entendimento sobre elas. Nesse sentido, a atividade

    sociolgica no uma ao, como salienta Berger (1974), mas uma tentativa decompreenso. Isso significa dizer que nada existe de inerente atividade sociolgica

    de tentar compreender a sociedade que leve necessariamente a qualquer tipo de ao.

    2. O ofcio do Socilogo e a natureza cientfica de sua atividade

    Retomando a proposio de que a Sociologia se volta para o estudo dos

    fenmenos sociais, o socilogo ento concebido como uma pessoa que procura

    compreender as relaes dos homens em sociedade nos seus mltiplos aspectos:

    religioso, poltico, cultural, etc. Se recorrermos seo de Sociologia em uma

    biblioteca ser visto uma pluralidade de sociologias. Sociologia Ambiental, Sociologia

    do Trabalho, Sociologia da Violncia, Sociologia da Educao, Sociologia Rural,

    Sociologia Poltica, Sociologia da Religio, Sociologia de Gnero so alguns exemplos

    dos caminhos percorridos pelo pensamento sociolgico desde o seu surgimento.

    Dada a complexidade da vida social o socilogo se volta na maioria das vezes

    para aspectos de uma determinada realidade e no para a totalidade dos fenmenos

    sociais, que englobaria, por exemplo, a sociedade brasileira. Ainda que existam autores

    como Roberto DaMatta, que dentre seus muitos trabalhos analisa os aspectos

    constitutivos do povo brasileiro, na maioria das vezes os pesquisadores se voltam para

    temas especficos e grupos sociais de menor dimenso.

    Todavia, a Sociologia no se defronta apenas com o que estamos chamando

    aqui de fenmenos sociais ou realidade. Diversamente de outras cincias, ela lida ao

    mesmo tempo com as interpretaes que so feitas sobre essa mesma realidade. Isto

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    , o conhecimento cientfico da vida social no se baseia apenas no fato, mas na

    concepo do fato e na relao entre a concepo e o fato. possvel exemplificar

    esse ponto, dizendo que um pesquisador quando define seu objeto de estudo no deve

    olhar para a realidade investigada sem se preocupar com o ponto de vista nativo. Pois

    a realidade ganha sentido e inteligibilidade no a partir do que o pesquisadormeramente observa, mas a partir de como o grupo social estudado a interpreta, a

    explica e, sobretudo, a constri. Portanto, a explicao sociolgica exige que os

    fenmenos sociais sejam entendidos tendo em vista a mentalidade do grupo social

    estudado. No se trata ento de olhar essa realidade apenas com as categorias de

    pensamento do pesquisador.

    2.1. Cincias Sociais e senso comum

    Como afirma Zygmunt Bauman, aprender a pensar sociologicamente uma

    atividade que se distingue por sua relao com o chamado senso comum. De acordo

    com o autor, talvez mais ainda que em outras reas de estudo, a relao com o senso

    comum , na sociologia, conformada por questes importantes para sua prtica. A

    maioria das disciplinas no se supe partilhando terreno suficiente para se preocupar

    em traar fronteiras ou pontes com esse conhecimento rico, ainda que desordenado e

    no sistemtico, em geral desarticulado, que chamamos de sendo comum. Por isso

    devemos entender como se d essa aproximao entre a sociologia e o senso comum,

    e de que forma o pensamento sociolgico adquire validade cientfica.

    A inexistncia de dilogo entre o senso comum e muitas disciplinas ocorre, de

    acordo com o socilogo, porque o senso comum parece nada ter a dizer sobre os

    problemas que preocupam fsicos, qumicos e astrnomos. Os assuntos com os quais

    essas cincias lidam no se voltam para as experincias cotidianas, nem passam pela

    mente de homens e mulheres comuns. Assim, no especialistas em geral no se

    consideram aptos a emitir opinies a respeito desses temas. Esses cientistas no

    precisam, portanto, competir com o senso comum pela simples razo de que este no

    tem pontos de vista sobre as matrias a respeito das quais essas reas se pronunciam.

    De acordo com Zygmunt Bauman, no que se refere relao entre a sociologia

    e senso comum, h poucos fenmenos limpos e intocados. Os objetos de estudo da

    sociologia, que so as aes humanas e as interaes que os socilogos estudam, j

    receberam nomes e j foram analisados pelos prprios atores, e, dessa maneira, so

    objetos de conhecimento do senso comum. Nesse sentido, o autor nos explica que

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    famlias, organizaes, redes de parentesco, vizinhanas, bairros, cidades, igrejas e

    qualquer outro agrupamento mantido coeso pelas interaes humanas j se

    apresentam com significados e significaes conferidos pelos atores. Por essa razo, a

    sociologia est intimamente relacionada ao senso comum. E, estabelecer uma fronteira

    entre conhecimento sociolgico e senso comum uma questo muito importante paraa identidade da sociologia.

    Ao se dedicar ao estudo dos fenmenos sociais, o socilogo deve ento realizar

    essa atividade de maneira disciplinada. O uso de uma metodologia de pesquisa

    fundamental para marcar sua diferena com relao ao senso comum. Nesse sentido,

    a atividade sociolgica precisa ter e tem uma natureza cientfica. Nesse sentido:

    Aquilo que o socilogo descobre e afirma ocorre dentro de um certo quadrode referncia de limites rigorosos. Uma das principais caractersticas desse

    quadro de referncia cientfico est no fato de as operaes obedecerem a

    certas regras de verificao. Como cientista, o socilogo tenta ser objetivo,

    controlar suas preferncias e preconceitos pessoais, perceber claramente

    ao invs de julgar normativamente (Berger, 1976, pg. 26).

    Para empregar as regras cientficas o socilogo deve-se ocupar de questes

    metodolgicas na tentativa de compreender o seu objeto de estudo de maneira mais

    neutra possvel. Na medida em que obedece a certos cnones cientficos de conduta, o

    socilogo ser capaz de conferir validade cientfica s suas investigaes, pois a torna

    isenta de valores. O socilogo, portanto, precisa realizar suas pesquisas tendo em vista

    as dimenses tericas e metodolgicas como forma de evitar que seu juzo de valor

    seja incorporado aos resultados obtidos. Atravs dessa maneira disciplinada de

    observar os fenmenos sociais, trata-se, portanto, de evitar que as paixes, convices

    e valores do pesquisador influenciem os resultados obtidos durante o processo de

    observao, descrio e interpretao sociolgica. E sendo assim, o pensamento

    sociolgico se distingue do senso comum uma vez que se estabelece a partir de bases

    cientficas.