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LEI 8072/90
CRIMES HEDIONDOS
LEI Nº 8.072, DE 25 DE JULHO DE 1990. Dispõe sobre os crimes hediondos,
nos termos do art. 5º, inciso
XLIII, da Constituição Federal, e
determina outras providências.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, faço saber que o
Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte
lei:
Art. 1o São considerados hediondos os seguintes
crimes, todos tipificados no Decreto-Lei no 2.848, de 7
de dezembro de 1940 - Código Penal, consumados ou
tentados:
I - homicídio (art. 121), quando praticado em
atividade típica de grupo de extermínio, ainda que
cometido por um só agente, e homicídio qualificado
(art. 121, § 2o, I, II, III, IV e V);
II - latrocínio (art. 157, § 3o, in fine);
III - extorsão qualificada pela morte (art.
158, § 2o);
IV - extorsão mediante seqüestro e na forma
qualificada (art. 159, caput, e §§ lo, 2o e 3o);
V - estupro (art. 213, caput e §§ 1o e 2o);
VI - estupro de vulnerável (art. 217-A, caput e
§§ 1o, 2o, 3o e 4o);
VII - epidemia com resultado morte (art. 267, §
1o).
VII-A – (VETADO)
VII-B - falsificação, corrupção, adulteração ou
alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou
medicinais (art. 273, caput e § 1o, § 1o-A e § 1o-B, com
a redação dada pela Lei no 9.677, de 2 de julho de
1998).
Parágrafo único. Considera-se também hediondo o
crime de genocídio previsto nos arts. 1o, 2o e 3o da Lei
no 2.889, de 1o de outubro de 1956, tentado ou
consumado.
Art. 2º Os crimes hediondos, a prática da
tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas
afins e o terrorismo são insuscetíveis de:
I - anistia, graça e indulto;
II - fiança.
§ 1o A pena por crime previsto neste artigo
será cumprida inicialmente em regime fechado.
§ 2o A progressão de regime, no caso dos
condenados aos crimes previstos neste artigo, dar-se-á
após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o
apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se
reincidente.
§ 3o Em caso de sentença condenatória, o juiz
decidirá fundamentadamente se o réu poderá apelar em
liberdade.
§ 4o A prisão temporária, sobre a qual dispõe
a Lei no 7.960, de 21 de dezembro de 1989, nos crimes
previstos neste artigo, terá o prazo de 30 (trinta)
dias, prorrogável por igual período em caso de extrema
e comprovada necessidade.
Art. 3º A União manterá estabelecimentos
penais, de segurança máxima, destinados ao cumprimento
de penas impostas a condenados de alta periculosidade,
cuja permanência em presídios estaduais ponha em risco
a ordem ou incolumidade pública.
Art. 4º (Vetado).
Art. 5º Ao art. 83 do Código Penal é acrescido
o seguinte inciso:
"Art. 83. ...
V - cumprido mais de dois terços da pena, nos casos de condenação por crime hediondo, prática da tortura,
tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, e
terrorismo, se o apenado não for reincidente específico
em crimes dessa natureza."
Art. 6º Os arts. 157, § 3º; 159, caput e seus
§§ 1º, 2º e 3º; 213; 214; 223, caput e seu parágrafo
único; 267, caput e 270; caput, todos do Código Penal,
passam a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 157. ...
§ 3º Se da violência resulta lesão corporal grave, a pena é de reclusão, de cinco a quinze anos, além da multa;
se resulta morte, a reclusão é de vinte a trinta anos,
sem prejuízo da multa.
......
Art. 159. ...
Pena - reclusão, de oito a quinze anos.
§ 1º ....
Pena - reclusão, de doze a vinte anos.
§ 2º .......
Pena - reclusão, de dezesseis a vinte e quatro anos.
§ 3º ....
Pena - reclusão, de vinte e quatro a trinta anos.
....
Art. 213. ....
Pena - reclusão, de seis a dez anos.
Art. 214. ....
Pena - reclusão, de seis a dez anos.
...
Art. 223. ...
Pena - reclusão, de oito a doze anos.
Parágrafo único. ...
Pena - reclusão, de doze a vinte e cinco anos.
...
Art. 267. ...
Pena - reclusão, de dez a quinze anos.
...
Art. 270. ...
Pena - reclusão, de dez a quinze anos.
....."
Art. 7º Ao art. 159 do Código Penal fica
acrescido o seguinte parágrafo:
"Art. 159. ...
...
§ 4º Se o crime é cometido por quadrilha ou bando, o
co-autor que denunciá-lo à autoridade, facilitando a
libertação do seqüestrado, terá sua pena reduzida de um
a dois terços."
Art. 8º Será de três a seis anos de reclusão a
pena prevista no art. 288 do Código Penal, quando se
tratar de crimes hediondos, prática da tortura, tráfico
ilícito de entorpecentes e drogas afins ou terrorismo.
Parágrafo único. O participante e o associado
que denunciar à autoridade o bando ou quadrilha,
possibilitando seu desmantelamento, terá a pena
reduzida de um a dois terços.
Art. 9º As penas fixadas no art. 6º para os
crimes capitulados nos arts. 157, § 3º, 158, § 2º, 159,
caput e seus §§ 1º, 2º e 3º, 213, caput e sua
combinação com o art. 223, caput e parágrafo único, 214
e sua combinação com o art. 223, caput e parágrafo
único, todos do Código Penal, são acrescidas de metade,
respeitado o limite superior de trinta anos de
reclusão, estando a vítima em qualquer das hipóteses
referidas no art. 224 também do Código Penal.
Art. 10. O art. 35 da Lei nº 6.368, de 21 de
outubro de 1976, passa a vigorar acrescido de parágrafo
único, com a seguinte redação:
"Art. 35. ...
Parágrafo único. Os prazos procedimentais deste
capítulo serão contados em dobro quando se tratar dos
crimes previstos nos arts. 12, 13 e 14."
Art. 11. (Vetado).
Art. 12. Esta lei entra em vigor na data de sua
publicação.
Art. 13. Revogam-se as disposições em
contrário.
Brasília, 25 de julho de 1990; 169º da Independência e
102º da República.
FERNANDO COLLOR
Bernardo Cabral
1 – Considerações gerais: Definição e evolução histórica
A previsão dos crimes hediondos teve base constitucional. O art. 5º, inciso XLIII da CF
estabeleceu que:
―a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis
de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico
ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e
os definidos como crimes hediondos, por eles
respondendo os mandantes, os executores e os que,
podendo evitá-los, se omitirem‖
Duas observações devem ser feitas no que tange à redação do art. 5º, inc XLIII da
CF: sua parte final acaba por ser desnecessária, de acordo com o que dispõe o
art. 12 do CP:
―As regras gerais deste Código aplicam-se aos fatos
incriminados por lei especial, se esta não dispuser de
modo diverso.‖
O CP já dispõe acerca do concurso de agentes. No que tange à omissão, devemos
lembrar que só pode responder pelo resultado aquele que além de poder, devia agir
para impedir o resultado, consoante dispõe o art. 13, par 2º do CP, quando trata da
omissão penalmente relevante. Sendo assim, não basta o poder de agir. Para
responder pelo resultado, devemos estar diante do agente garantidor.
Com fulcro na previsão constitucional, a lei 8072/90, que entrou em vigor no
dia 26 de julho de 1990, trouxe a previsão dos chamados crimes hediondos e
posteriormente, foi parcialmente alterada pela lei 8930/94 e pela lei
9269/96, que alteraram o rol dos crimes previstos no art. 1º como hediondos,
tendo sido ainda alterada pela Lei 11464/07 no que tange à progressão de regime e
ainda pela Lei 12015/09, que alterou os incisos V e VI do art. 1º.
Na verdade, a lei 8072/90 surgiu como uma resposta à sociedade, tentando
satisfazer o anseio popular. Ao consagrar uma série de proibições, aumento de penas e
a redução de garantias no procedimento criminal, a lei de crimes hediondos é o maior
exemplo do movimento de lei e ordem, que constitui um direito penal máximo,
transformando-o em prima ratio, com ofensa ao princípio da intervenção mínima,
centrado basicamente na repressão e no sistema punitivo-repressivo. O legislador
acabou por confundir política social com política criminal e a lei de crimes hediondos
surgiu basicamente como resultado de uma política social.
A lei 8072/90 adotou o critério legal para a fixação dos chamados crimes
hediondos. Doutrinariamente, há três critérios de fixação dos referidos
crimes: o legal, o judicial ou o misto. No legal, a própria lei define taxativamente
quais são os crimes hediondos. Pelo critério judicial, cabe ao magistrado determinar,
de acordo com o caso concreto, se o crime será ou não considerado hediondo. Pelo
critério misto, a lei elenca os crimes hediondos, mas não de forma taxativa e sim
meramente exemplificativa, podendo o magistrado considerar determinado crime como
hediondo, ainda que fora do rol.
Com o critério adotado na lei 8072/90, podemos conceituar o crime hediondo
como aquele definido de forma taxativa pelo legislador.
Antes de ser alterada pela Lei 8930/94, a redação do art. 1º. Da lei 8072/90
trazia a seguinte previsão:
Art. 1º São considerados hediondos os crimes de
latrocínio (art. 157, § 3º, in fine), extorsão
qualificada pela morte, (art. 158, § 2º), extorsão
mediante seqüestro e na forma qualificada (art. 159,
caput e seus §§ 1º, 2º e 3º), estupro (art. 213, caput
e sua combinação com o art. 223, caput e parágrafo
único), atentado violento ao pudor (art. 214 e sua
combinação com o art. 223, caput e parágrafo único),
epidemia com resultado morte (art. 267, § 1º),
envenenamento de água potável ou de substância
alimentícia ou medicinal, qualificado pela morte (art.
270, combinado com o art. 285), todos do Código Penal
(Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940), e de
genocídio (arts. 1º, 2º e 3º da Lei nº 2.889, de 1º de
outubro de 1956), tentados ou consumados.
Após alteração pela referida lei, o homicídio passou a integrar o rol de crimes
hediondos. Com a nova redação do art. 1º, o art. 270 (envenenamento de água
potável ou de substância alimentícia ou medicinal, qualificado pela morte)
deixou de ser considerado crime hediondo.
Em 1998, a Lei 9695 incluiu no art. 1º os incisos VII-A e VII-B, tendo sido o
primeiro vetado (que incluia o art. 272 – corrupção, adulteração, falsificação ou
alteração de substância ou produto alimentício destinado a consumo, tornando-o
nocivo à saúde ou reduzindo-lhe o valor nutritivo). Nas razões do veto, foram alegados
os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, pois a previsão do art. 272 como
crime hediondo poderia levar ao fato de pequenas e insignificantes alterações serem
consideradas como crimes hediondos. Já o inciso VII-B incluiu a falsificação, corrupção,
adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (CP,
art. 273, caput e par 1º, 1º A e 1º B).
Mais recentemente, a Lei 12015/09 alterou os incisos V e VI, passando a prever os
crimes de estupro e estupro de vulnerável como hediondos.
2 – Rol dos crimes hediondos
Atualmente, são considerados hediondos os seguintes crimes (consumados ou
tentados):
- homicídio (CP, art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de
extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (CP, art.
121, par 2º , I, II, III, IV e V);
- latrocínio (CP, art. 157, par. 3º, in fine);
- extorsão qualificada pela morte (CP, art. 158, par 2º)
- extorsão mediante seqüestro e na forma qualificada (CP, art. 159 caput e par.
1º., 2º, 3º.)
- estupro (art. 213, caput e §§ 1o e 2o);
- estupro de vulnerável (art. 217-A, caput e §§ 1o, 2o, 3o e 4o);
- epidemia com resultado morte (CP, art. 267, par 1º.);
- falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins
terapêuticos ou medicinais (CP, art. 273, caput e par 1º, 1º A e 1º B);
- crime de genocídio previsto nos arts. 1º, 2º e 3º da lei 2.889/56
Do rol acima, o único crime hediondo que não está previsto no Código Penal é
o genocídio. Desta forma, o leitor deve ter cuidado na capitulação como crime
hediondo, pois a título de exemplificação, o estupro previsto no Código Penal Militar
não é crime hediondo.
Além dos crimes citados acima, todos considerados hediondos, a lei 8072/90 trata
ainda dos crimes equiparados a hediondos (tortura, tráfico e terrorismo).
A tortura é prevista únicamente na Lei 9455/97; o tráfico é previsto na Lei 11343/07.
Já o terrorismo não é tratado por lei específica, mas sim no art. 20 (de forma genérica)
da Lei de Segurança Nacional (Lei 7170/83).
3 – Aspectos principais dos crimes hediondos previstos no art. 1º
3.1- Homicídio (art. 121)
O homicídio simples é um crime hediondo condicionado, uma vez que só é
hediondo quando preenchidas as condições do art. 1º, I da lei 8072/90, ou seja: deve
ser praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que por um só agente.
Já o homicídio qualificado é hediondo quando for puramente, genuinamente
qualificado. Desta forma, o homicídio qualificado-privilegiado, o denominado homicídio
híbrido não é considerado crime hediondo.
3.2- Latrocínio (art. 157, par. 3º., 1ª. Parte)
Apenas o latrocínio é crime hediondo, e não o roubo com lesão corporal grave. O
parágrafo 3º acaba por prever duas formas de roubo qualificado. A morte no latrocínio
tanto pode ocorrer a título de dolo quanto a título de culpa, não se tratando
necessariamente de crime preterdoloso.
Deve-se ter alguns cuidados quanto ao latrocínio. O primeiro se refere à
competência, pois consoante o enunciado 603, STF, a competência do latrocínio é da
Justiça comum, pois é caso de crime contra o patrimônio, a competência do Tribunal
do Júri é apenas em crimes dolosos contra a vida. Outro aspecto importante diz
respeito à possibilidade de tentativa no crime de latrocínio. Remetemos o leitor ao item
relacionado à jurisprudência atinente ao tema. Entendemos que a primeira parte do
parágrafo 3º. Do art. 157 não impede a figura do latrocínio tentado, desde que
caracterizado o dolo de matar. De acordo com o enunciado 610 do STF, o crime de
latrocínio estará consumado com a morte, ainda que reste apenas tentada a
subtração: ―Há crime de latrocínio, quando o homicídio se
consuma, ainda que nâo realize o agente a subtração de
bens da vítima‖
3.3 - Extorsão qualificada pela morte (art. 158, par. 2º.)
Uma das questões mais importantes para concurso atualmente é saber se o crime
conhecido como seqüestro-relâmpago pode ser considerado hediondo em alguma
modalidade. A resposta é negativa. O seqüestro-relâmpago caracteriza crime de
extorsão atualmente tipificado no art. 158 par. 3º, inclusive quando houver resultado
morte, tendo em vista a alteração promovida pela lei 11923/09. A lei 8072/90 só
prevê como hediondo o crime de extorsão seguida de morte do par. 2º. Desta forma,
proibida a interpretaçao extensiva contrária ao réu, o crime não pode ser considerado
hediondo se tipificado no par. 3º do art 158.
Todas as demais modalidades de extorsão qualificadas pela morte, desde que sejam
tipificadas no parágrafo 2º. do art. 158, serão consideradas como crime hediondo.
3.4 - Estupro (art. 213, caput e §§ 1o e 2º)
3.4.1 – bem jurídico tutelado
A liberdade sexual da pessoa, seja homem ou mulher, já que o estupro
atualmente engloba o antigo crime de atentado violento ao pudor. A lei 12015/09, que
entrou em vigor no dia 10 de agosto de 2009, revogou o art. 214 do CP, passando a
prever a seguinte redação para o art. 213:
Art. 213 - Constranger alguém, mediante violência
ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar
ou permitir que com ele se pratique outro ato
libidinoso:
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.
§ 1o Se da conduta resulta lesão corporal de
natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito)
ou maior de 14 (catorze) anos:
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.
§ 2o Se da conduta resulta morte:
Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.‖
(NR)
3.4.2 - Hediondez
Indaga-se se esse crime teria a natureza hedionda ou não em qualquer
modalidade. Esses crimes são hediondos?
No início da lei de crimes hediondos, era pacifico na doutrina e jurisprudência,
que o estupro, seja qual fosse a modalidade, era hediondo.
"HABEAS CORPUS". ESTUPRO; TENTATIVA. NULIDADE:
ILEGITIMIDADE DE PARTE: REPRESENTAÇÃO DA OFENDIDA. AUTO
DE EXAME DE CORPO DE DELITO: PRESUNÇÃO DE VERACIDADE.
IDADE DA VÍTIMA: COMPROVAÇÃO. REGIME DE EXECUÇÃO DA
PENA; LEI Nº 8.072/90. 1. Não há como prosperar o
argumento da nulidade do processo por ilegitimidade
ativa se a mãe da ofendida, menor à época dos fatos,
manifestou a vontade de ver o prosseguimento do
inquérito policial instaurado e juntou atestado de
pobreza, elementos suficientes para justificar a
atuação do Ministério Público, sobretudo porque
resultou constatado, pelo auto de exame de corpo de
delito, que o crime ocorreu com violência real,
propiciando a ação penal pública incondicionada (Súmula
608). 2. Prevalece a presunção de veracidade do contido
no auto de exame de corpo de delito subscrito por dois
peritos médicos nomeados pela autoridade policial
responsável pelo inquérito, que dizem, sob compromisso,
haver sido procedido ao exame da vítima na data em que
ocorreu a tentativa de estupro. 3. Irrelevante a falta
de juntada, nos autos, da certidão de nascimento da
vítima; primeiro porque se admite que a prova da idade
e da filiação possa ser feita por outros elementos
idôneos; segundo porque, sendo o caso de ação penal
pública incondicionada, a menoridade da vítima não
compromete a titularidade da ação. 4. O regime fechado
imposto pelo art. 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90, aplica-
se ao estupro simples e ao estupro tentado. (STF - HC
73649 / RS – 18-03-96)
Posteriormente, em 1999, surgiu decisão do STF, do Min. Nery da Silveira,
de que só seriam hediondos se resultassem lesão grave ou morte.
Quando o STF decidiu dessa forma, a jurisprudência se modificou e o STJ
seguindo a orientação do STF, passou a entender que só seria hediondo se resultasse
lesão grave ou morte. Veja o quadro abaixo:
Em 2002, por meio do HC 81288, o STF modificou sua jurisprudência,
passando a entender novamente, que os crimes de estupro e atentado
violento ao pudor são sempre hediondos, em suas formas simples e
qualificada. O STJ seguiu essa posição. Então, ultimamente, vem sendo decidido
tanto pelo STF quanto pelo STJ que o estupro é sempre crime hediondo, assim como o
art. 214.
O fundamento para o entendimento anterior era a própria lei 8072. Estupro – art.
213 e sua combinação com o art. 223, caput e par. único. Quando o legislador previu
“e sua combinação” e deixou de mencionar o caput após o art. 213, o STF entendeu
que ele só reconheceu como hediondo o estupro combinado com o art. 223. a
interpretação foi de que como entre parênteses o artigo colocou a combinação, só
dessa forma, seria hediondo. No entanto, o inc. III diz que é hediondo o crime de
extorsão qualificada pela morte. Quando o legislador quis colocar como hediondo o
crime qualificado, ele expressamente colocou dessa forma.
Após a reforma promovida pela lei 12015/09 parece a questão ter ficado
mais clara, no sentido de que o crime sempre será considerado hediondo, uma
vez que o próprio estupro de vulnerável, crime que pode ocorrer sem violência ou
grave ameaça é hediondo. Além disso, o legislador incluiu na tipificação o caput do art.
213, diferentemente da previsão anterior. Sendo assim, o estupro sempre será
considerado crime hediondo.
3.4.3 - sujeito ativo do crime de estupro
Atualmente pode ser o homem ou a mulher, uma vez que o estupro é a conduta
de constranger alguém. Qualquer pessoa pode constranger alguém a praticar
conjunção carnal ou ato libidinoso diverso da conjunção carnal. Entendemos ser o
crime de estupro um crime comum.
Antes da reforma, existia a seguinte controvérsia:
A mulher pode ser partícipe? Pode ser co autora? Pode ser autora mediata? Pode
responder sozinha pelo crime de estupro?
Ela não pode ser autora direta, porque estupro é penetração pênis-vagina.
Qualquer outro ato libidinoso diverso da conjunção carnal era considerado atentado
violento ao pudor. Como se exigia a penetração, só o homem poderia ser sujeito ativo
direto do crime de estupro. O que não impedia, para parte da doutrina, que a mulher
pudesse responder por estupro, como autora mediata, co-autora ou partícipe, seja pela
teoria do domínio do fato, seja porque, para alguns, ela praticaria o verbo núcleo do
tipo: “Constranger”. Para Luiz Regis Prado, a mulher poderia ser apenas partícipe, mas
sua posição era minoritária. Cezar Roberto Bittencourt admitia a co-autoria,
participação e autoria mediata pela mulher, citando o exemplo do homem que é
coagido por uma mulher a praticar o crime, neste caso, ela responderá sozinha pelo
crime de estupro.
Rogério Greco discorre sobre a autoria de determinação, citando Zaffaroni e
Pierangeli (Manual de Direito Penal brasileiro, parte geral, p. 676), afirmando ser o
crime de estupro de mão própria, afirmando não se poder falar em autoria mediata ou
co-autoria nos delitos de mão própria. Para isso, cita o seguinte exemplo: uma mulher
hipnotiza um homem e determina que ele mantenha conjunção carnal com outra
mulher, a qual ela dá sonífero. Neste caso, afirmam os autores renomados citados por
Rogério Greco, que o homem não poderia responder, pois não há por parte dele
conduta dolosa ou culposa. A mulher não poderia ser partícipe, frente à teoria da
acessoriedade limitada. Sendo assim, ela ficaria impune? Para isso, serviria a autoria
de determinação, para permitir a punição da mulher.
No entanto, vale lembrar que para a maioria da doutrina, o estupro era crime
próprio e não de mão própria. Para Cezar Roberto Bittencourt, tratava-se de crime
comum. Com a reforma, a mulher responderá normalmente por crime de estupro.
Atualmente, com a nova redação do art. 213, o crime é comum, podendo ser
praticado por qualquer pessoa (homem ou mulher), com apenas uma restrição quanto
ao sujeito passivo: se este for vulnerável (menor de 14 anos, quem por enfermidade
ou doença mental não tenha o necessário discernimento para a prática do ato ou ainda
quem por qualquer outra causa não possa oferecer resistência), o crime será o previsto
no art. 217 A (estupro de vulnerável), independente de violência ou grave ameaça,
que também constitui crime hediondo.
O marido pode ser sujeito ativo de crime de estupro contra a esposa?
Essa questão é encontrada em todos os livros. Atualmente, já está pacificado que
sim. Quando da edição da lei, era bastante controvertido. Os doutrinadores tradicionais
diziam que a partir do momento que o marido constrangia a mulher, ele estaria em
exercício regular de direito, cobrando o débito conjugal. A mulher só estaria autorizada
a não praticar o ato sexual se tivesse motivo justificado, qual seja, ela está
impossibilitada, o marido está com doença venérea, aí sim, ela poderia se recusar.
Atualmente, ninguém sustenta na doutrina que o marido pode obrigar a mulher à
prática do ato sexual. No entendimento passado, o marido praticava fato típico, mas
não ilícito. Esse entendimento não era defendido quanto ao ato libidinoso diverso da
conjunção carnal, porque a mulher não estaria obrigada a isso, ela só estaria obrigada
ao ato apto à reprodução.
As formas qualificadas de estupro passam a integrar o próprio art. 213
(em seus parágrafos), tendo sido revogado pela Lei 12015/09 o art. 223 que previa as
formas qualificadas.
Entendemos que o tipo penal do novo art. 213 não pode ser considerado misto
alternativo, até mesmo por todo o acompanhamento do objetivo do legislador. Desta
forma, muito embora exista entendimento em sentido contrário, entendemos que
haverá continuidade delitiva caso o agente constranja alguém a praticar conjunção
carnal e posteriormente, ato libidinoso diverso da conjunção carnal, devendo
responder duas vezes pelo art. 213 na forma do art. 71. Entendemos tratar-se de tipo
penal misto cumulativo. Tal entendimento não impede a aplicação do princípio da
consunção nos casos em que o ato libidinoso diverso da conjunção carnal seja
praticado como meio para a conjunção carnal.
Entendendo pela existência de um único crime, esclarece o Professor Rogério
Greco:
―Quando a conduta for dirigida à conjunção carnal,
o crime será de mão-própria no que diz respeito ao
sujeito ativo, pois que exige uma atuação pessoal do
agente, de natureza indelegável, e próprio com relação
ao sujeito passivo, posto que somente a mulher poderá
figurar nessa condição; quando o comportamento for
dirigido a praticar ou permitir que se pratique outro
ato libidinoso, estaremos diante de um crime comum,
tanto com relação ao sujeito ativo quanto ao sujeito
passivo‖1
3.4.4 - consentimento da vítima
Se a vítima consente na prática do estupro, exceto no estupro de vulnerável (art.
217 A, em que o consentimento é irrelevante, qual a natureza desse consentimento?
Exclusão da tipicidade, porque o dissenso da vítima faz parte do tipo (há a elementar
constranger). Sempre que a vítima não consentiu, embora não tenha reagido, há
estupro. Se o cidadão usou qualquer tipo de ameaça que tenha influenciado na
vontade da vítima (ex.: vai contar para o marido que a mulher saiu com outro), há
estupro, ainda que a ameaça não seja de mal injusto, bastando que seja grave.
Ressalte-se que o consentimento não tem validade quando a vítima é menor de
14 anos, quando por enfermidade ou doença mental não tem o necessário
discernimento para a prática do ato e ainda quando por qualquer outra causa não pode
oferecer resistência (art.217A), por caracterizar a nova figura típica de estupro de
vulnerável, cujo critério é objetivamente fixado pelo legislador.
3.4.5 – Questão de extrema importância antes da reforma: A chamada
violência presumida deve ser admitida de forma absoluta ou relativa? (a tese
ainda pode ser utilizada para os crimes cometidos antes de 10 de agosto de
2009 por caracterizar interpretação benéfica ao réu)
A redação do inc. a deixava transparecer que independe do agente conhecer essa
circunstância, parecendo ser absoluta a presunção.
Muito se discutiu na doutrina e na jurisprudência acerca da natureza da
presunção. O posicionamento que predominava nos nossos Tribunais Superiores (STJ e
STF) era no sentido de que a presunção seria absoluta, não sendo admitida prova em
contrário. Sendo assim, ainda que o agente lograsse êxito em comprovar que a vítima
já possuia vasta experiência sexual, o crime de estupro continuaria existindo. É
importante lembrar que a negativa em aceitar a tese de presunção relativa não se
confunde com outra tese de defesa que poderia ser plenamente aceita: a existência de
erro de tipo. Ou seja: caso o agente se enganasse justificavelmente acerca da idade da
vítima, haveria erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime, o que levaria à
exclusão do dolo.
Caio conhece Tícia em uma boate, às 02 hs da manhã. Tícia é alta, tem o corpo
avantajado e está maquiada e de salto alto. Caio acredita tratar-se de jovem com mais
de dezoito anos, o que de fato era aparente. No final da madrugada, Tícia concorda em
se dirigir a um motel com Caio, onde mantiveram conjunção carnal. Ao deixar Tícia em
casa, Mévio (pai de Tícia) abordou o rapaz, que acabou confessando ter mantido
conjunção carnal com Tícia. Mévio informou a Caio a idade de Tícia. No caso de
responder a processo por crime de estupro com violência presumida (art. 213 c/c
224,a do CP), haveria alguma tese defensiva que pudesse ser acolhida?
Resposta: A tese seria, como vimos acima, a alegação de erro de tipo, nos termos do
art. 20 do CP, ficando excluído o dolo de Caio. Tal tese não se confunde com a
alegação de relatividade da presunção de violência, pois neste último caso, o agente
1 Adendo ao Curso de Direito Penal, disponível em atualizações – www.editoraimpetus.com.br
conhece a idade da vítima, mas esta já possui vasta experiência sexual. A tese de erro
de tipo não pode ser combatida nos casos como o acima narrado, pois caracteriza a
inexistência de dolo. Não se pode permitir uma responsabilidade penal objetiva.
Em 1996, no julgamento do famoso HC 73662 (STF), o Ministro Marco Aurélio afirmou
ser a presunção de violência relativa. No entanto, a fundamentação nos leva a verificar
que o que de fato foi reconhecido no voto se tratava de erro de tipo, pois a vítima de
12 anos aparentava possuir mais idade. Logo, a promiscuidade afirmada pelo Ministro
em relação à vítima, atuou de forma conjunta com sua aparência. No entanto, em
outros votos, o Ministro Marco Aurélio reafirma sua opinião no sentido de ser a
presunção relativa.
Muito embora o entendimento majoritário dos nossos Tribunais superiores seja no
sentido de que a presunção é absoluta, recentemente o STJ absolveu agente que
praticou conjunção carnal com consentimento de menor de 14 anos. No julgado foi
feita uma análise comparativa de algumas disposições do ECA, no sentido de que se a
partir dos 12 anos já poderia o menor responder com medida sócioeducativa pelo ato
infracional, já poderia ter ele condições de dar seu consentimento em relação sexual.
Com esse raciocínio, a presunção foi tida como relativa. (Informativo 400 – STJ).
3.4.6 - Ação penal nos crimes contra os costumes – art. 225, CP x Súm.
608 STF – antes da reforma
- Se praticado mediante violência real
ação penal pública incondicionada, o STF adotou o entendimento de Fragoso, que
defendia a hipótese de crime complexo (constrangimento ilegal + Lesão corporal),
devendo prevalecer o art. 101 do CP (súm. 608, STF). Pode ser aplicada ao atentado
violento ao pudor por analogia. O artigo 101 do CP determina que se um dos crimes
componentes do crime complexo for de ação penal pública incondicionada, o todo
também será. Sendo o art. 146 (constrangimento ilegal), de ação penal pública
incondicionada, o estupro praticado mediante violência real também será.
Consoante o quadro abaixo:
Fragoso sustentava a ação penal pública incondicionada por se tratar de crime
complexo, embora parte da doutrina e da jurisprudência ainda defenda a ação penal
privada, por entender que prevalece o art. 225 , frente ao princípio da especialidade.
Bittencourt sustenta ser a ação penal de iniciativa privada exclusivamente. Apenas nos
casos de forma qualificada, admite a ação penal pública incondicionada (art. 103, CP).
- Se praticado mediante grave ameaça
ação penal privada – não é crime complexo, incide a regra do art. 225 do CP.
Estupro Art.213 - ação penal pública
incondicionada
Constrangimento ilegal Art. 146 – ação penal pública
incondicionada
Lesão corporal Art. 129
- Ver os parágrafos do art. 225: miserabilidade e abuso de autoridade –
casos em que a ação penal será pública condicionada à representação e pública
incondicionada, respectivamente.
HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. LEI 9.099/95. REVISÃO DA
SÚMULA STF 608. AÇÃO PENAL. NATUREZA. REPRESENTAÇÃO.
RETRATAÇÃO TÁCITA. AUSÊNCIA DE REPRESENTAÇÃO ESPECÍFICA
PARA O DELITO DE ESTUPRO. DECADÊNCIA DO DIREITO DE
QUEIXA. DESCARACTERIZAÇÃO DOS DELITOS DE ESTUPRO E
ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. PROGRESSÃO DE REGIME. 1. O
advento da Lei 9.099/95 não alterou a Súmula STF 608
que continua em vigor. O estupro com violência real é
processado em ação pública incondicionada. Não importa
se a violência é de natureza leve ou grave. 2. O
Ministério Público ofereceu a denúncia após a
representação da vítima. Não há que se falar em
retratação tácita da representação. 3. Nem é necessária
representação específica para o delito de estupro,
quando se trata de delito de estupro com violência
real. 4. No caso, inexiste decadência do direito de
queixa por não se tratar de ação penal privada. 5. A
jurisprudência do Tribunal pacificou-se no entendimento
de que os crimes de estupro e atentado violento ao
pudor caracterizam-se como hediondos. Precedentes.
Inviável a progressão do regime. HABEAS conhecido e
indeferido.( STF - HC 82206 / SP – 08-10-2002)
– estupro e antigo crime de atentado violento ao pudor qualificados
Ação penal pública incondicionada. Atente para o fato de que o art. 225 dispõe:
“nos crimes previstos nos capítulos anteriores”.
O art. 223 está no mesmo capítulo do art. 225, logo incide a regra geral da ação
penal (art. 100, caput, CP), a ação penal será pública incondicionada.
– violência presumida
Não se pode fazer o mesmo raciocínio anterior, pois o art. 224 é apenas uma
norma de extensão, distinta do art. 223, que comina uma pena. Sendo assim, quando
houver violência presumida, consoante entendimento majoritário da doutrina e da
jurisprudência, a ação penal será privada, incindindo a regra do art. 224. Os crimes
continuam previstos nos capítulos anteriores.
3.4.6 - Ação penal nos crimes contra os costumes – art. 225, CP x Súm.
608 STF – Após a Lei 12015/09 – Princípio da Proibição à Proteção deficiente
Após a reforma, estabelece o art. 225 que os crimes serão de ação penal pública
condicionada à representação nos capítulos I e II, mas logo no parágrafo único exclui a
representação para os casos de crime contra vulnerável. Considerando que no capítulo
II só temos crimes contra vulnerável, a ação penal será pública incondicionada em
todos os casos dos crimes do capítulo II, assim como será incondicionada em qualquer
crime quando se tratar de vítima menor de 18 anos.
No entanto, concordamos com o Professor Artur de Brito Gueiros Souza2, no que tange
à inconstitucionalidade do art 225 por ofensa à Proporcionalidade, em sua vertente de
proibição à proteção deficiente da nova redação do art. 225:
―Em que pese o caráter positivo da referida inovação
legislativa, particularmente no que diz respeito a um
melhor tratamento dogmático da exploração sexual de
crianças e adolescentes em nosso ordenamento jurídico,
é forçoso reconhecer a existência de grave equívoco do
legislador, consistente na nova redação do art. 225, do
Código Penal (...)
Em síntese, o estupro qualificado pelos resultados
lesão corporal de natureza grave e morte era crime de
ação penal pública incondicionada (artigo 100, CP). Na
atualidade, passou a ser crime de ação penal pública
condicionada à representação (artigo 100, § 1º, CP).
(...)
Desse modo, enquanto que, para a forma básica de
estupro, o atual artigo 225 importou em novatio legis
in pejus, para as formas qualificadas pelos resultados
lesão corporal de natureza grave e morte, o novo regime
legal importou em novatio legis in mellius. Por se
tratar de novatio legis in mellius, a nova regra
retroage em benefício daqueles que estão a responder
pelo delito de estupro (e atentado violento ao pudor),
perpetrados de forma qualificada – artigo 5º, inciso
XL, da Constituição Federal, e artigo 2º, parágrafo
único, do Código Penal – antes da edição da Lei n.
12.015/09.
(...)
Tratando-se, no particular, de inovação legislativa
favorável ao réu, verifica-se que as ações penais por
estupro (e atentando violento ao pudor), qualificadas
pelo resultado lesões corporais ou morte (antigo artigo
223, do CP), em tramitação na justiça brasileira,
passaram a depender da ―anuência‖ da vítima ou de seu
representante legal, situação que anteriormente não
existia.
(...)
Tratando-se, no particular, de inovação legislativa
favorável ao réu, verifica-se que as ações penais por
estupro (e atentando violento ao pudor), qualificadas
pelo resultado lesões corporais ou morte (antigo artigo
223, do CP), em tramitação na justiça brasileira,
passaram a depender da ―anuência‖ da vítima ou de seu
representante legal, situação que anteriormente não
existia.
2 Professor de Direito Penal da UERJ, Procurador Regional da República da 2ª. Região
Como cediço, o direito de representação está regulado
no artigo 103, do CP, e deve ser
exercitado no prazo de 6 (seis) meses, contado do dia
em que veio a saber quem é o autor do crime, sob pena
de decadência.
Evidentemente, os processos em curso apresentam a
identificação dos acusados da prática de estupro (e
atentado violento ao pudor) qualificado. Por esta
razão, o referido prazo decadencial passa a fluir não
mais da ―ciência da autoria‖, mas, sim, da entrada em
vigência da lei nova, ou seja, do dia 10 de agosto de
2009.
(...)
Diante disso, por já se encontrar plenamente em
vigência a Lei n. 12.015/09, tem-se que a melhor
solução para a situação acima descrita é o
reconhecimento da inconstitucionalidade do novo artigo
225, do CP, por afronta ao Princípio da Proteção
Deficiente de bens jurídicos.
Caso não se reflita sobre a presente questão, em breve
haverá um verdadeiro ―caos‖ nas varas criminais e nos
Tribunais brasileiros, não só por conta da propositura
de inúmeros habeas corpus em favor de acusados de
estupro qualificado, como, igualmente, pela provável
dificuldade de localização, em tempo hábil, das vítimas
ou parentes de vítimas de estupro e atentado violento
ao pudor que redundaram em lesões graves ou mortes.
Por esta razão, na data de 18 de agosto passado,
subscrevemos ao Exmo. Procurador-Geral da República –
Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos – uma representação
de inconstitucionalidade da Lei n. 12.015/09, para que
o E. Supremo Tribunal Federal possa, o quanto antes,
analisar a gravidade da citada inovação legislativa, em
benefício de toda a nossa Sociedade.3‖
O princípio da proteção deficiente já foi citado em julgado do STF para reconhecer a
inconstitucionalidade incidental de alguns dispositivos legais, remetemos o leitor ao
ítem da jurisprudência atinente ao tema. De acordo com esse princípio, haveria afronta
à Constituição Federal sempre que determinado dispositivo legal impedisse ou
dificultasse a proteção de bem jurídico tutelado garantido pela Constituição Federal.
Desta forma, o Professor Lenio Streck fala no princípio da proibição à proteção
deficiente como um duplo viéis do princípio da proporcionalidade: proteção positiva e
proteção contra as omissões estatais e neste último caso, a inconstitucionalidade seria
decorrente da proteção insuficiente de um direito fundamental-social, como ocorre
quando o Estado abre mão do uso de determinadas sanções penais ou administrativas
para proteger determinados bens jurídicos4.
3 Artigo disponível em http://www.lfg.com.br/artigos/Blog/inconstitucionalidade_lei.pdf, consultado em
29/11/09 – 16:09 4 STRECK, Lênio Luiz . A dupla face do princípio da proporcionalidade: da proibição de excesso
(Übermassverbot) à proibição da proteção deficiente (Untermassverbot) ou de como não há blindagem contra
normas penais inconstitucionais.
O princípio da proteção deficiente seria decorrente, portanto, do princípio da
proporcionalidade, que serve para verificação de análise da razoabilidade legislativa,
pois o legislador não possui poderes ilimitados e autoritários de legislar. Se o ato
legislativo ofender direitos fundamentais, seja pelo excesso (proteção positiva) ou pela
omissão (proteção negativa), há de se reconhecer a inconstitucionalidade.
Não somente no aspecto de causar verdadeiro tumulto, mas também para evitar que
determinadas condutas não sejam punidas, deve ser considerado o princípio da
proibição à proteção deficiente, de forma que seja considerado inconstitucional o art.
225 nos casos em que ocorra violência, de forma que opinamos pela continuidade do
disposto no enunciado 608 da Súmula do STF. Neste sentido, o Ilustre Professor
Rogério Greco5:
Em que pese a nova redação legal, entendemos ainda ser
aplicável a Súmula 608 do Supremo Tribunal Federal, que
diz:
Súmula 608. No crime de estupro, praticado mediante
violência real, a ação penal é pública incondicionada.
Dessa forma, de acordo com o entendimento de nossa
Corte Maior, toda vez que o delito de estupro for
cometido com o emprego de violência real, a ação penal
será de iniciativa pública incondicionada, fazendo,
assim, letra morta parte das disposições contidas no
art. 225 do Código Penal, somente se exigindo a
representação do (a) ofendido (a) nas hipóteses em que
o crime for cometido com o emprego de grave ameaça.
Caso seja considerada a letra da lei, nos casos em que a vítima morresse em
decorrência da conduta do agente no crime de estupro,s endo a morte a título de culpa
e não deixando a vítima quem pudesse oferecer representação (cônjuge, ascendente,
descendente ou irmão), o sujeito ativo do estupro ficaria impune. Antes da reforma, a
ação penal privada ou pública condicionada no caso de miserabilidade, não se aplicava
às formas qualificadas de estupro, que estavam no art. 223, mas agora com a
reforma, a lei 12015/09 revogou o art. 223, trazendo as formas qualificadas para
dentro do art. 213. Sendo assim, em tese, as disposições do atual art. 225 se
aplicariam também às formas qualificadas do estupro, o que sem sombra de dúvida,
acarreta em uma proteção deficiente ao direito à dignidade sexual, direito da vítima
que consubstancia parcela de seu direito à dignidade da pessoa humana, de índole
constitucional (art. 1º, III da CF). Concluindo, em caso de estupro praticado mediante
violência e ainda em suas formas qualificadas, deve a ação penal ser pública
incondicionada. A atual inconstitucionalidade parcial do art. 225 não tem o condão de
repristinar a regra anterior. Sendo assim, incide a regra geral relativa à ação penal
quando há omissão legislativa. A ação penal só deve depender de representação
quando o estupro for praticado mediante grave ameaça.
Em voto proferido no RE 418.376-5 MS, julgado pelo Pleno do STF em 2006, o Ministro
Gilmar Mendes mencionou hipótese de proteção insuficiente. Tratava-se de caso de
tutor que por mais de um ano manteve relações sexuais com sua tutelada, sobrinha de
sua esposa. A menina tinha 9 anos de idade. O sujeito ativo, condenado por estupro
com violência presumida, alegava a extinção da punibilidade pelo convívio marital com
a menina, que inclusive tinha engravidado. Na época do fato, a Lei 11.106 (que
5 Ob cit, p. 23
revogou a extinção da punibilidade pelo casamento da vítima com o agente) ainda não
tinha entrado em vigor. O pedido foi julgado improcedente sob vários fundamentos.
Em seu voto, o Ministro Gilmar Mendes mencionou que reconhecer a União Estável
entre o tutor e sua tutelada, menina de 09 anos, com base na CF seria negar a
proteção que a norma constitucional visava, ignorando inclusive os direitos das
crianças, trazidos no art. 227. Isso seria caracterizar e autorizar uma proteção
insuficiente:
Acreditamos que o princípio da proibição à proteção deficiente deve ser utilizado de
forma a proibir a negativa de proteção, seja pelo Estado ou pelo Poder Judiciário, a
direitos e garantias Constitucionais, pois isso seria ofender claramente a
Proporcionalidade em sua vertente negativa.
4 - Análise do art. 2º da lei 8072/90
O art. 2º. equipara os crimes de tortura, de tráfico ilícito de entorpecentes e drogas
afins, e terrorismo aos crimes hediondos.
Em relação ao crime de tortura, a lei 9455/97 é especial em relação à lei 8072/90. O
art. 5º, III da CF estabelece que ninguém será submetido a tortura nem a tratamento
desumano ou degradante. O art. 5º, XLIII, ao dispor sobre os crimes hediondos e
equiparados, mencionou a tortura, mas o artigo mencionado se consubstanciava em
norma constitucional de eficácia Ltda, dependendo de lei infraconstitucional, de
competência da União (art. 22, I da CF), também em respeito ao princípio da
legalidade e anterioridade (Art. 5º, XXXIX da CF). O art. 1º da lei 9455/97 define as
espécies de crimes de tortura. O par. 7º. da lei de tortura estabelece que o regime
será o inicialmente fechado, o que não se estende aos demais crimes hediondos e
equiparados, matéria, aliás, já sumulada.
Vamos analisar alguns aspectos destes crimes equiparados. No que tange ao tráfico,
recentemente, foram revogadas as leis 6368/76 e 10409/02 , pela lei 11343/06, que
dispôs integralmente sobre os assuntos tratados nas leis anteriores. Entre os aspectos
mais relevantes desta nova lei podemos citar o aumento da pena do crime de tráfico, a
despenalização do uso e a proibição expressa, pelo art. 44, à substituição da pena
privativa de liberdade pela restritiva de direitos, assim como à liberdade provisória.
―Art. 44. Os crimes previstos nos arts. 33, caput e §
1o, e 34 a 37 desta Lei são inafiançáveis e
insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e
liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas
em restritivas de direitos.
Parágrafo único. Nos crimes previstos no caput deste
artigo, dar-se-á o livramento condicional após o
cumprimento de dois terços da pena, vedada sua
concessão ao reincidente específico ―
Quanto ao terrorismo, Antonio Scarance Fernandes entende que o art. 20 da Lei
7170/83 tipifica o terrorismo. Alberto Silva Franco sustenta inexistir tipo penal
correspondente ao terrorismo.
―Art. 20 - Devastar, saquear, extorquir, roubar,
seqüestrar, manter em cárcere privado, incendiar,
depredar, provocar explosão, praticar atentado pessoal
ou atos de terrorismo, por inconformismo político ou
para obtenção de fundos destinados à manutenção de
organizações políticas clandestinas ou subversivas.
Pena: reclusão, de 3 a 10 anos.
Parágrafo único - Se do fato resulta lesão corporal
grave, a pena aumenta-se até o dobro; se resulta morte,
aumenta-se até o triplo.‖
Cabe ressaltar que o entendimento extremamente majoritário é de que, à época da lei
6368/76, eram equiparados a hediondos apenas o tráfico. Apenas parte minoritária
reconhecia a associação para o tráfico como crime equiparado. Atualmente, a lei
11343/06 traz novos tipos penais, como o art. 36, que diz respeito ao custeio ou
financiamento do tráfico. Atualmente, são equiparados a hediondos os art. 33 caput e
par. 1º., e os arts. 34, 36 e 37. A associação para o tráfico, consoante jurisprudência
majoritária de nossos Tribunais superiores não é crime equiparado a hediondo.
O art. 2º. estabelece ainda que todos os crimes hediondos e equiparados são
insuscetíveis de :
I – anistia, graça e indulto
II – fiança
Quanto ao indulto, a questão é controvertida. Há os que entendem
plenamente cabível a proibição. Outros, como Alberto Silva Franco, sustentam
a inconstitucionalidade do dispositivo, uma vez que a CF, ao atribuir ao Presidente
da República a possibilidade de conceder indulto e comutar penas (at. 84, XII), não fez
qualquer ressalva. Logo, não caberia ao legislador infraconstitucional fazê-la. Talvez
encontremos a mesma problemática no que tange a nova lei 11343/04, pois conforme
visto acima, também reforça a proibição de indulto no que tange ao crime de tráfico. O
entendimento dos nossos Tribunais superiores é pela impossibilidade de indulto
inclusive nos crimes de tortura, em que não há tal vedação expressa na lei 9455/97.
Quanto à proibição de fiança, que inclusive repete a norma constitucional prevista no
art. 5º, LXIII, entendemos que esta inafiançabilidade não possui o condão de proibir a
concessão de liberdade provisória. Novamente nos valendo do princípio da
proporcionalidade, agora em seu viéis de proibição de excesso, de forma que
possamos analisar a razoabilidade legislativa, entendemos e com reforço na alteração
promovida pela Lei 11464/07 (que retirou a antiga proibição expressa de liberdade
provisória), que apenas poderá ser decretada ou mantida a prisão cautelar nos casos
de comprovada necessidade, a ser aferida pelo preenchimento de um dos requisitos
constantes no art. 312 do CPP. A prisão cautelar é medida excepcional, que não pode
ser justificada pela gravidade do crime ou pela proibição legal per si, como tenta o art.
44 da Lei 11343/06 quanto a crime equiparado a hediondo. O legislador não possui
poder legislativo autoritário, desarrazoado e ilimitado. Muito pelo contrário,
encontra-se limitado pelos princípios constitucionais e dentre eles pela
proibição de excesso constante do princípio da proporcionalidade, pela
dignidade da pessoa humana e pelo princípio da não culpabilidade. Sendo
assim, aquele que pratica crime hediondo ou qualquer equiparado poderá
obter liberdade provisória sem fiança em caso de ser desnecessária a prisão
cautelar, que não se confunde com a prisão pena. Tal desnecessidade restará
caracterizada sempre que a decisão de manutenção ou decretação da prisão cautelar
não estiver fundamentada concretamente em um dos requisitos constantes do art. 312
do CPP. A mera proibição lesgislativa, periculosidade em abstrato do agente,
presunção de nova delinquência não são aptos a justificarem o decreto prisional. Com
a maestria que lhe é característica, o Ministro Celso de Mello utiliza os
referidos princípios ao conceder a Ordem no julgamento do HC 100.362.
O par. 1º determina que a pena destes crimes será cumprida em regime inicialmente
fechado, frente à alteração promovida pela Lei 11464/07.
Em 2006, através do julgamento do HC 82959, o Pleno do STF manifestou-se,
incidentalmente, contra a proibição da progressão de regime em crimes hediondos,
tendo como um de seus fundamentos o princípio constitucional da individualização da
pena (Art. 5º., XLVI da CF - Deve ser observado pelo legislador, ao cominar o preceito
secundário (desta forma, é prevista no tipo penal uma pena mínima e uma pena
máxima), pelo juiz ao aplicar a pena em suas três fases e na fase da execução),
seguido ainda do princípio da isonomia e da dignidade da pessoa humana.
Abaixo, alguns trechos retirados do Informativo 418 do STF:
―É que tenho como relevante a argüição de conflito do §
1º do artigo 2º da Lei nº 8.072/90 com a Constituição
Federal, considerado quer o princípio isonômico em sua
latitude maior, quer o da individualização da pena
previsto no inciso XLVI do artigo 5º da Carta, quer,
até mesmo, o princípio implícito segundo o qual o
legislador ordinário deve atuar tendo como escopo maior
o bem comum, sendo indissociável da noção deste último
a observância da dignidade da pessoa humana, que é
solapada pelo afastamento, por completo, de contexto
revelador da esperança, ainda que mínima, de passar-se
ao cumprimento da pena em regime menos rigoroso.
Preceitua o parágrafo em exame que nos crimes hediondos
definidos no artigo 1º da citada Lei, ou seja, nos de
latrocínio, extorsão qualificada pela morte, extorsão
mediante seqüestro e na forma qualificada, estupro,
atentado violento ao pudor, epidemia com resultado
morte, envenenamento de água potável ou de substância
alimentícia ou medicinal, qualificado pela morte,
genocídio, tortura, tráfico ilícito de entorpecente e
drogas afins e, ainda, terrorismo, a pena será cumprida
integralmente em regime fechado. No particular,
contrariando-se consagrada sistemática alusiva à
execução da pena, assentou-se a impertinência das
regras gerais do Código Penal e da Lei de Execuções
Penais, distinguindo-se entre cidadãos não a partir das
condições sócio-psicológicas que lhe são próprias, mas
de episódio criminoso no qual, por isto ou por aquilo,
acabaram por se envolver. Em atividade legislativa cuja
formalização não exigiu mais do que uma linha, teve-se
o condenado a um dos citados crimes como senhor de
periculosidade ímpar, a merecer, ele, o afastamento da
humanização da pena que o regime de progressão
viabiliza, e a sociedade, o retorno abrupto daquele que
segregara, já então com as cicatrizes inerentes ao
abandono de suas características pessoais e à vida
continuada em ambiente criado para atender a situação
das mais anormais e que, por isso mesmo, não oferece
quadro harmônico com a almejada ressocialização.‖ (Lei
8.072/90: Art. 2º, § 1º (Transcrições) - HC 82959/SP*
RELATOR: MINISTRO MARCO AURÉLIO RELATÓRIO)
É com base principalmente, como visto acima, no princípio da individualização da
pena, que tanto se discutiu a inconstitucionalidade do regime integralmente fechado,
anteriormente previsto na lei 8072/90. Recentemente, o STF manifestou-se no sentido
de entender pela inconstitucionalidade deste dispositivo. Ressalte-se que a decisão foi
em sede de HC (HC 82959), e o entendimento pela inconstitucionalidade se deu de
maneira incidental, não fazendo coisa julgada erga omnes, e sem ter efeito vinculante.
Tratava-se de mero precedente, já havendo inclusive decisões contrárias ao novo
entendimento esposado pelo STF. No entanto, vários Tribunais , na verdade, a maioria
seguiu o entendimento pela inconstitucionalidade, como o TJ/RJ. Frente a esta
verdadeira abstrativização em um controle concreto, o legislador acabou por alterar a
lei 8072 por meio da lei 11464/07, fixando o quantum de 2/5 para o primário e 3/5
para o reincidente progredirem de regime.
Julgamento pelo Pleno, em 23-02-2006:
―O TRIBUNAL, POR MAIORIA, DEFERIU O PEDIDO DE HABEAS
CORPUS E DECLAROU, "INCIDENTER TANTUM", A
INCONSTITUCIONALIDADE DO § 1º DO ARTIGO 2º DA LEI Nº
8.072, DE 25 DE JULHO DE 1990, NOS TERMOS DO VOTO DO
RELATOR, VENCIDOS OS SENHORES MINISTROS CARLOS VELLOSO,
JOAQUIM BARBOSA, ELLEN GRACIE, CELSO DE MELLO E
PRESIDENTE (MINISTRO NELSON JOBIM). O TRIBUNAL, POR
VOTAÇÃO UNÂNIME, EXPLICITOU QUE A DECLARAÇÃO INCIDENTAL
DE INCONSTITUCIONALIDADE DO PRECEITO LEGAL EM QUESTÃO
NÃO GERARÁ CONSEQÜÊNCIAS JURÍDICAS COM RELAÇÃO ÀS PENAS
JÁ EXTINTAS NESTA DATA, POIS ESTA DECISÃO PLENÁRIA
ENVOLVE, UNICAMENTE, O AFASTAMENTO DO ÓBICE
REPRESENTADO PELA NORMA ORA DECLARADA INCONSTITUCIONAL,
SEM PREJUÍZO DA APRECIAÇÃO, CASO A CASO, PELO
MAGISTRADO COMPETENTE, DOS DEMAIS REQUISITOS
PERTINENTES AO RECONHECIMENTO DA POSSIBILIDADE DE
PROGRESSÃO. VOTOU O PRESIDENTE. PLENÁRIO,
23.02.2006.‖(STF - HC 82959- SP)
Frente à alteração, surgiu controvérsia se a nova lei seria benéfica ou maléfica. Ou
seja, a partir de quando ela seria aplicada? O STJ e o STF entendem a lei como
maléfica, só podendo o novo quantum ser aplicado aos crimes cometidos a partir dela.
Ressalte-se que a nova lei também veio a permitir liberdade provisória, pois não
repetiu a proibição anterior. Sendo assim, só não será concedida liberdade provisória
caso haja necessidade da prisão. Remetemos o leitor ao tópico da jurisprudência, onde
mencionamos atual controvérsia acerca do tema no âmbito do STF.
O par. 3º. dispõe acerca da prisão temporária, estabelecendo o prazo de trinta
dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade.
Para os demais crimes previstos na Lei 7960/89, o prazo continua a ser de cinco dias.
Antônio, réu primário, sofreu condenação já transitada em julgado pela prática do
crime previsto no art. 273 do CP, consistente na falsificação de produto destinado a
fins terapêuticos, praticado em janeiro de 2009. Em face dessa situação hipotética e
com base na legislação e na jurisprudência aplicáveis ao caso, assinale a opção
correta. (OAB/RJ – 39º Exame)
A -Antônio cometeu crime hediondo, mas poderá progredir de regime de pena
privativa de liberdade após o cumprimento de um sexto da pena, caso ostente
bom comportamento
carcerário comprovado pelo diretor do estabelecimento prisional.
B -Antônio cometeu crime hediondo, de forma que só poderá progredir de
regime de pena privativa de liberdade após o cumprimento de dois quintos da
pena, caso atendidos os demais requisitos legais.
C - Antônio cometeu crime hediondo e, portanto, não poderá progredir de
regime.
D - Antônio não cometeu crime hediondo e poderá progredir de regime de pena
privativa de liberdade após o cumprimento de um sexto da pena, caso ostente
bom comportamento carcerário comprovado pelo diretor do estabelecimento
prisional, mediante decisão fundamentada precedida de manifestação do MP e
do defensor.
Resposta: Letra B
5 - Art. 3º.:
―A União manterá estabelecimentos penais, de segurança
máxima, destinados ao cumprimento de penas impostas a
condenados de alta periculosidade, cuja permanência em
presídios estaduais ponha em risco a ordem ou a
incolumidade pública.‖
Infelizmente, há verdadeiro descaso com a previsão do art. 3º. O número de presídios
nestes moldes não é suficiente ao número de condenados. Ao entrar no Sistema
Penitenciário pela prática de crime hediondo, o condenado acaba por sair depois de
cumprida sua pena sem os critérios ressocializadores que deveriam ser exigidos em
sua implementação e manutenção pela União. Se o número de instalações fosse
suficiente, o atual problema da superlotação carcerária evitaria vários outros
decorrentes dele, como a ausência de ressocialização, a desconsideração do Princípio
da dignidade da pessoa humana, a corrupção corrente dentro dos estabelecimentos,
para que os condenados presos possam ter acesso ao mínimo que lhes é garantido
pela Constituição e tantos outros que retratam a realidade do Sistema Penitenciário
atual.
6 - QUESTÕES IMPORTANTES:
6.1 - Livramento condicional
A lei 8072/90, por meio de seu art. 5º, incluiu o inciso V no art. 83, possibilitando a
concessão de livramento condicional quando o condenado cumprisse mais de dois
terços da pena, desde que não fosse reincidente em crimes dessa natureza.
(reincidência específica).
A interpretação da expressão “crimes dessa natureza” não é pacífica. Alguns exigem
que o sujeito seja reincidente na prática do mesmo crime. Ex.: dois crimes de tortura.
Outros sustentam que os crimes não precisam ser idênticos, bastando que o segundo
seja também hediondo ou a ele equiparado. Há ainda os que sustentam que se a
prática foi de um primeiro crime equiparado a hediondo, o segundo também tem que
ser equiparado; já se o primeiro foi hediondo, o segundo também deve ser.
6.2 - quadrilha ou bando
O art. 8º. Da lei 8072/90 tipifica um crime de quadrilha ou bando específico para os
crimes hediondos ou equiparados, cominando uma pena de três a seis anos. Para as
demais infrações penais, continua sendo aplicado o art. 288 do CP.
O parágrafo único do art. 288, que estabelece pena em dobro quando a quadrilha ou
bando for armado não pode ser aplicado ao art. 8º da lei 8072/90. Assim como a
delação premiada prevista no par. Único do art. 8º não se aplica ao art. 288 do CP.
Este artigo 8º. gerou enorme polêmica no que tange ao antigo art. 14 da lei 6368/76,
que previa a associação de no mínimo duas pessoas para a prática dos crimes
previstos nos arts. 12 e 13 da referida lei. A posição majoritária, inclusive seguida pelo
STF (HC 73.119-8/SP – Segunda Turma) que o art. 14 teria sido derrogado,
subsistindo o tipo penal do art. 14, porém com a sanção do art. 8º da lei 8072/90, até
porque é benéfico ao agente, uma vez que diminui a pena. Atualmente, por ser
especial e posterior, predomina a aplicação integral do art. 35 da nova lei (Lei
11343/06), que pune a associação ao tráfico com pena de até 10 anos.
Dessa forma, atualmente existem três espécies de associação para a prática de
crimes: art. 288 do CP (para as demais infrações penais), art. 8º da lei 8072/90 para
os crimes hediondos e equiparados e atualmente, a da lei 11343/06, que exige um
mínimo de duas pessoas:
―Art. 35. Associarem-se duas ou mais pessoas para o
fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos
crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1o, e 34 desta
Lei:
Pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e
pagamento de 700 (setecentos) a 1.200 (mil e duzentos)
dias-multa.
Parágrafo único. Nas mesmas penas do caput deste
artigo incorre quem se associa para a prática reiterada
do crime definido no art. 36 desta Lei.
Art. 41. O indiciado ou acusado que colaborar
voluntariamente com a investigação policial e o
processo criminal na identificação dos demais co-
autores ou partícipes do crime e na recuperação total
ou parcial do produto do crime, no caso de condenação,
terá pena reduzida de um terço a dois terços.‖
6.3 - Delação premiada:
O parágrafo do art. 8º traz a delação premiada como causa de diminuição de
pena (de 1/3 a 2/3) quando o participante ou associado denunciarem à autoridade o
bando ou quadrilha, envolvidos em crimes hediondos ou assemelhados, possibilitando
o seu desmantelamento. O que seria desmantelamento? Interrupção das atividades da
associação criminosa.
No que tange ao tráfico, é aplicado o art. 41 da lei 11343/06, bastando a identificação
dos demais co-autores ou partícipes e a recuperação total ou parcial do produto do
crime.
―Art. 49. Tratando-se de condutas tipificadas nos
arts. 33, caput e § 1o, e 34 a 37 desta Lei, o juiz,
sempre que as circunstâncias o recomendem, empregará os
instrumentos protetivos de colaboradores e testemunhas
previstos na Lei no 9.807, de 13 de julho de 1999.
(Art. 13. Poderá o juiz, de ofício ou a requerimento
das partes, conceder o perdão judicial e a conseqüente
extinção da punibilidade ao acusado que, sendo
primário, tenha colaborado efetiva e voluntariamente
com a investigação e o processo criminal, desde que
dessa colaboração tenha resultado:
I - a identificação dos demais co-autores ou
partícipes da ação criminosa;
II - a localização da vítima com a sua
integridade física preservada;
III - a recuperação total ou parcial do produto
do crime.
Parágrafo único. A concessão do perdão judicial
levará em conta a personalidade do beneficiado e a
natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão
social do fato criminoso.
Art. 14. O indiciado ou acusado que colaborar
voluntariamente com a investigação policial e o
processo criminal na identificação dos demais co-
autores ou partícipes do crime, na localização da
vítima com vida e na recuperação total ou parcial do
produto do crime, no caso de condenação, terá pena
reduzida de um a dois terços.)‖
6.4 - Art. 9º. Da lei 8072/90 – causa de aumento de pena e revogação
pela Lei 12015/09
O art. 9º. não pode mais ser aplicado após a reforma promovida pela lei
12015/09, uma vez que todas as situações de causa de aumento de pena se referem à
vítimas nas situações do art. 224 e este artigo foi revogado pela lei 12015. Por ser lei
benéfica, a atual causa de aumento não pode ser aplicada sequer aos fatos praticados
antes da nova lei.
Se o agente praticasse estupro mediante violência contra vítima que não fosse
maior de 14 anos, incidiria a causa de aumento do art. 9º.da lei 8072/90, o que
conduziria (raciocinando sobre a pena mínima) uma pena de seis anos com aumento
da metade, o que levaria a uma pena mínima de 09 anos. No entanto, pela tipificação
da conduta no atual art. 217 A (estupro de vulnerável), a pena mínima do agente seria
de 08 anos, devendo a nova lei retroagir, por ser benéfica, sendo aplicada a tais
hipóteses específicas praticadas mesmo antes do dia 10 de agosto de 2009.
6.5 - Prazos procedimentais
O art. 10 da Lei 8072/90 acrescentou um parágrafo único ao art. 35 da Lei 6368/76,
determinando que os prazos procedimentais serão contados em dobro quando se tratar
dos crimes previstos nos arts. 12, 13 e 14 da Lei de tóxicos. Ressalte-se que a lei
6368/76 foi inteiramente revogada pela Lei 12343/06. Atualmente, dispõe o art. 51 da
Lei 11343/06:
―Art. 51. O inquérito policial será concluído no prazo
de 30 (trinta) dias, se o indiciado estiver preso, e de
90 (noventa) dias, quando solto.
Parágrafo único. Os prazos a que se refere este artigo
podem ser duplicados pelo juiz, ouvido o Ministério
Público, mediante pedido justificado da autoridade de
polícia judiciária.‖
7 - JURISPRUDÊNCIA ATINENTE AO TEMA
7.1 – Genocídio e concurso de crimes - STF
1. CRIME. Genocídio. Definição legal. Bem jurídico
protegido. Tutela penal da existência do grupo racial,
étnico, nacional ou religioso, a que pertence a pessoa
ou pessoas imediatamente lesionadas. Delito de caráter
coletivo ou transindividual. Crime contra a diversidade
humana como tal. Consumação mediante ações que, lesivas
à vida, integridade física, liberdade de locomoção e a
outros bens jurídicos individuais, constituem
modalidade executórias. Inteligência do art. 1º da Lei
nº 2.889/56, e do art. 2º da Convenção contra o
Genocídio, ratificada pelo Decreto nº 30.822/52. O tipo
penal do delito de genocídio protege, em todas as suas
modalidades, bem jurídico coletivo ou transindividual,
figurado na existência do grupo racial, étnico ou
religioso, a qual é posta em risco por ações que podem
também ser ofensivas a bens jurídicos individuais, como
o direito à vida, a integridade física ou mental, a
liberdade de locomoção etc.. 2. CONCURSO DE CRIMES.
Genocídio. Crime unitário. Delito praticado mediante
execução de doze homicídios como crime continuado.
Concurso aparente de normas. Não caracterização. Caso
de concurso formal. Penas cumulativas. Ações criminosas
resultantes de desígnios autônomos. Submissão teórica
ao art. 70, caput, segunda parte, do Código Penal.
Condenação dos réus apenas pelo delito de genocídio.
Recurso exclusivo da defesa. Impossibilidade de
reformatio in peius. Não podem os réus, que cometeram,
em concurso formal, na execução do delito de genocídio,
doze homicídios, receber a pena destes além da pena
daquele, no âmbito de recurso exclusivo da defesa. 3.
COMPETÊNCIA CRIMINAL. Ação penal. Conexão. Concurso
formal entre genocídio e homicídios dolosos agravados.
Feito da competência da Justiça Federal. Julgamento
cometido, em tese, ao tribunal do júri. Inteligência do
art. 5º, XXXVIII, da CF, e art. 78, I, cc. art. 74, §
1º, do Código de Processo Penal. Condenação exclusiva
pelo delito de genocídio, no juízo federal monocrático.
Recurso exclusivo da defesa. Improvimento. Compete ao
tribunal do júri da Justiça Federal julgar os delitos
de genocídio e de homicídio ou homicídios dolosos que
constituíram modalidade de sua execução.(STF – RE351487
– 03-08-06 – Tribunal Pleno)
7.2 – Latrocínio tentado – Enquadramento jurídico e quebra do contexto fático
/ possibilidade de tentativa – STF
Informativo 548 – segunda turma
A Turma indeferiu habeas corpus no qual pronunciado por
tentativa de latrocínio alegava que a não apreciação
das teses da defesa, apresentadas antes da sentença
monocrática, configuraria nulidade insanável, na medida
em que, se essas tivessem sido examinadas, ele poderia
ser responsabilizado apenas por lesões corporais. No
caso, o paciente fora denunciado pela suposta prática
do crime de tentativa de homicídio qualificado em
concurso material com roubo circunstanciado (CP, art.
121, § 2º, V, c/c o art. 14, II e o art. 157, § 2º, I,
II e V), mas sua defesa requerera a impronúncia tanto
por homicídio quanto por latrocínio tentado ou,
alternativamente, a desclassificação para lesões
corporais. Ocorre que o juízo sentenciante o
impronunciara somente das imputações contidas na
denúncia, o que ensejara a interposição, pela defesa,
de recurso em sentido estrito, ao argumento de ofensa
ao princípio da ampla defesa, já que não examinados
seus argumentos. Não provido esse recurso, foram
impetrados habeas corpus perante as demais instâncias,
também denegados. Daí a presente impetração, sob
idêntico fundamento.
Aduziu-se que, reconhecido, pela sentença condenatória,
o dolo de matar, ficara suficientemente respondida a
preliminar da defesa. Entretanto, por considerar que a
referida sentença não enquadrara corretamente os fatos,
concedeu-se a ordem, de ofício, para anular a sentença
condenatória, a fim de que o paciente seja submetido ao
Tribunal do Júri. Asseverou-se que os fatos por ele
praticados ocorreram em 2 momentos. Iniciado o roubo,
os agentes, diante da reação inesperada das vítimas,
teriam desistido da empreitada, saindo do veículo e
liberando-as. No segundo momento, a vítima que estava
na direção decidira perseguir os assaltantes em fuga,
ocasião em que o paciente, temendo ser preso, atirara
contra ela, causando-lhe ferimentos. Assim, tendo em
conta que a cadeia causal relativa ao delito de roubo
rompera-se quando o paciente desistira da sua prática,
concluiu-se restar caracterizado o crime de
constrangimento ilegal consumado (CP, art. 146) em
concurso material com a tentativa de homicídio
qualificado (―V - para assegurar ... a impunidade ...
de outro crime;‖). Observou-se, ao final, que, em caso
de nova condenação, a pena aplicada não poderá superar
aquela fixada na sentença anulada.
HC 97104/SP, rel. Min. Eros Grau, 26.5.2009. (HC-97104)
No entanto, há recente julgado do STF não admitindo a
tentativa do latrocínio:
Informativo 541 - PRIMEIRA TURMA
Enquadramento Jurídico e Latrocínio Tentado - 1
A Turma proveu recurso ordinário em habeas corpus para
anular, a partir da sentença proferida, processo-crime
instaurado em desfavor de condenado, em regime
integralmente fechado, por tentativa de latrocínio (CP,
art. 157, § 3º, c/c o art. 14, II) e por roubo (CP,
art. 157, § 2º, I, II e V). Tratava-se, na espécie, de
recurso interposto contra acórdão do STJ que deferira,
parcialmente, writ lá impetrado apenas para afastar o
óbice à progressão de regime, afirmando que, no tocante
à pretendida desclassificação do crime de latrocínio
tentado para roubo qualificado, seu exame implicaria o
revolvimento de matéria fático-probatória.
Inicialmente, repeliu-se a preliminar de
intempestividade argüida pelo Ministério Público
Federal. Esclareceu-se que, no ponto, incidiria a
regência especial da Lei 8.038/90, a qual prevê o prazo
de 5 dias para a interposição do recurso ordinário
(art. 30). No mérito, enfatizou-se que a situação dos
autos reclamaria a apreciação do acerto ou desacerto do
enquadramento jurídico dos fatos incontroversos — no
que agasalhada a tese de prática de tentativa de
latrocínio —, os quais consistiriam em, durante
perseguição decorrente do roubo de veículo de certa
vítima, o ora recorrente haver efetuado disparos de
arma de fogo contra o carro, não sendo esta atingida em
virtude de erro de pontaria, uma vez que se encontrava
no seu interior.
Assentou-se que o latrocínio não consubstancia tipo
autônomo e que esta premissa afastaria a possibilidade
de falar-se em tentativa. Aduziu-se que o § 3º do art.
157 do CP encerra causa de aumento no que considerada a
subtração de coisa móvel alheia mediante grave ameaça
ou violência à pessoa, cuja majoração exige a
indispensável ocorrência de lesão corporal de natureza
grave ou morte, ambas resultantes da violência.
Mencionou-se que essa mesma orientação fora adotada no
julgamento do HC 77240/SP (DJU de 30.6.2000), em que
estabelecido não haver crime de latrocínio quando a
subtração dos bens da vítima se realiza, mas o
homicídio não se consuma, conduta esta que tipifica
roubo com resultado lesão corporal grave, devendo a
pena ser dosada com observância da primeira parte do §
3º do art. 157 do CP. Ademais, ressaltou-se que se
deveria afastar a conclusão sobre a ocorrência do
latrocínio tentado, mesmo porque, se assim não se
fizesse, a referida primeira parte do § 3º do art. 157
do CP ficaria relegada a letra morta. Ter-se-ia de
entender, assim, que, no caso de lesão grave, haveria,
também e com maior razão considerado evento no qual a
lesão fosse leve, a tentativa de latrocínio. Dessa
forma, reputou-se configurado, na hipótese, crime de
roubo com a causa de aumento lesão grave, o que
implicaria, quanto a crimes dolosos, a incidência da
continuidade delitiva (CP, art. 71, parágrafo único),
dado que os 2 roubos, cometidos em um mesmo dia, teriam
objetos idênticos. Por fim, asseverou-se que se deveria
ter em conta a forma mais gravosa do parágrafo único, a
viabilizar o aumento da pena mais grave que, na
presente situação, será a do roubo com a causa de
aumento da primeira parte do § 3º do art. 157 do CP e o
teto da majoração, ou seja, até o triplo. Ordem
concedida para que outra sentença seja prolatada
presente a ocorrência não de um crime de roubo e outro
de tentativa de latrocínio, mas de 2 crimes de roubo,
sendo que o segundo com a causa de aumento prevista na
primeira parte do § 3º do art. 157 do CP, abrindo-se
margem, em face dos requisitos legais do art. 71, à
conclusão sobre a continuidade delitiva.
RHC 94775/RJ, rel. Min. Marco Aurélio, 7.4.2009. (RHC-
94775)
7.3 – Estupro de vulnerável e sua retroatividade nos casos em que houver
violência real - STJ
Informativo 409
Quinta Turma
ESTUPRO. RETROATIVIDADE. LEI.
Este Superior Tribunal firmou a orientação de que a
majorante inserta no art. 9º da Lei n. 8.072/1990, nos
casos de presunção de violência, consistiria em afronta
ao princípio ne bis in idem. Entretanto, tratando-se de
hipótese de violência real ou grave ameaça perpetrada
contra criança, seria aplicável a referida causa de
aumento. Com a superveniência da Lei n. 12.015/2009,
foi revogada a majorante prevista no art. 9º da Lei dos
Crimes Hediondos, não sendo mais admissível sua
aplicação para fatos posteriores à sua edição. Não
obstante, remanesce a maior reprovabilidade da conduta,
pois a matéria passou a ser regulada no art. 217-A do
CP, que trata do estupro de vulnerável, no qual a
reprimenda prevista revela-se mais rigorosa do que a do
crime de estupro (art. 213 do CP). Tratando-se de fato
anterior, cometido contra menor de 14 anos e com
emprego de violência ou grave ameaça, deve retroagir o
novo comando normativo (art. 217-A) por se mostrar mais
benéfico ao acusado, ex vi do art. 2º, parágrafo único,
do CP. REsp 1.102.005-SC, Rel. Min. Felix Fischer,
julgado em 29/9/2009.
7.3 – Estupro e a antiga presunção de violência do revogado art. 224 do CP:
Abaixo, atual entendimento do STF:
EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PENAL.
PROCESSO PENAL. ESTUPRO. NEGATIVA DE AUTORIA. ERRO DE
TIPO. VIDA DESREGRADA DA OFENDIDA. CONCUBINATO. 1. Em
se tratando de delito contra os costumes, a palavra da
ofendida ganha especial relevo. Aliada aos exames
periciais, ilide o argumento da negativa de autoria. 2.
O erro quanto à idade da ofendida é o que a doutrina
chama de erro de tipo, ou seja o erro quanto a um dos
elementos integrantes do erro do tipo. A jurisprudência
do tribunal reconhece a atipicidade do fato somente
quando se demonstra que a ofendida aparenta ter idade
superior a 14 (quatorze) anos. Precedentes. No caso,
era do conhecimento do réu que a ofendida tinha 12
(doze) anos de idade. 3. Tratando-se de menor de 14
(quatorze) anos, a violência, como elemento do tipo, é
presumida. Eventual experiência anterior da ofendida
não tem força para descaracterizar essa presunção
legal. Precedentes. Ademais, a demonstração de
comportamento desregrado de uma menina de 12 (doze)
anos implica em revolver o contexto probatório.
Inviável em Habeas. 4. O casamento da ofendida com
terceiro, no curso da ação penal, é causa de extinção
da punibilidade (CP, art. 107, VIII). Por analogia,
poder-se-ia admitir, também, o concubinato da ofendida
com terceiro. Entretanto, tal alegação deve ser feita
antes do trânsito em julgado da decisão condenatória. O
recorrente só fez após o trânsito em julgado. Negado
provimento ao recurso. (RHC 79788/MG – Segunda Turma)
HC 73662MG – 21/05/1996
Relator: Ministro Marco Aurélio
COMPETÊNCIA - HABEAS-CORPUS - ATO DE TRIBUNAL DE
JUSTIÇA. Na dicção da ilustrada maioria (seis votos a
favor e cinco contra), em relação à qual guardo
reservas, compete ao Supremo Tribunal Federal julgar
todo e qualquer habeas-corpus impetrado contra ato de
tribunal, tenha esse, ou não, qualificação de superior.
ESTUPRO - PROVA - DEPOIMENTO DA VÍTIMA. Nos crimes
contra os costumes, o depoimento da vítima reveste-se
de valia maior, considerado o fato de serem praticados
sem a presença de terceiros. ESTUPRO - CONFIGURAÇÃO -
VIOLÊNCIA PRESUMIDA - IDADE DA VÍTIMA - NATUREZA. O
estupro pressupõe o constrangimento de mulher à
conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça -
artigo 213 do Código Penal. A presunção desta última,
por ser a vítima menor de 14 anos, é relativa.
Confessada ou demonstrada a aquiescência da mulher e
exsurgindo da prova dos autos a aparência, física e
mental, de tratar-se de pessoa com idade superior aos
14 anos, impõe-se a conclusão sobre a ausência de
configuração do tipo penal. Alcance dos artigos 213 e
224, alínea "a", do Código Penal
Obs.: Muito embora a posição do Ministro Marco Aurélio tenha sido, em vários
julgados, de que a presunção é relativa, tal posicionamento encontrava-se isolado no
âmbito do STF, que incluive pelo Pleno, reconheceu ser a presunção absoluta, não
podendo ser afastada pelo consentimento da vítima e nem por comprovação de anterior vida desregrada.
STJ – Informativo 400
O ora paciente foi condenado, em primeiro grau, à pena
de 8 anos e 7 meses de reclusão pela prática de estupro
contra menor de 14 anos de idade. O TJ deu provimento à
apelação da defesa, reduzindo a pena a 6 anos e 9 meses
de reclusão a ser cumprida integralmente no regime
fechado, considerado o caráter de hediondez desse
delito, ainda que na forma de violência presumida. No
HC, alega-se não existirem elementos de convicção para
condenação do paciente e ainda se sustenta,
subsidiariamente, falta de fundamentação à exasperação
da pena acima do mínimo legal; assim, pede-se sua
absolvição. Para o Min. Celso Limongi (Desembargador
convocado do TJ-SP), um aspecto que merece destaque
prende-se a que, para boa interpretação da lei, é
necessário levar em consideração todo o arcabouço
normativo, todo o ordenamento jurídico do País. A
interpretação da lei não prescinde do conhecimento de
todos os ramos do Direito. Mas uma visão abrangente
desse arcabouço facilita, e muito, o entendimento, bem
como sua interpretação. Em tal linha de raciocínio, o
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) precisa ser
analisado para enfrentar essa questão, qual seja, a de
se saber se o estupro e o atentado violento ao pudor
por violência presumida se qualificam como crimes e,
mais, como crimes hediondos. Conforme o art. 2º daquele
Estatuto, o menor é considerado adolescente dos 12 aos
18 anos de idade, podendo até sofrer medidas
socioeducativas. Assim, se o menor, a partir de 12
anos, pode sofrer tais medidas por ser considerado pelo
legislador capaz de discernir a ilicitude de um ato
infracional, tido como delituoso, não se concebe, nos
dias atuais, quando os meios de comunicação em massa
adentram todos os locais, em especial os lares, com
matérias alusivas ao sexo, que o menor de 12 a 14 anos
não tenha capacidade de consentir validamente um ato
sexual. Desse modo, nesse caso, o CP, ao presumir a
violência por não dispor a vítima menor de 14 anos de
vontade válida, está equiparando-a a uma pessoa
portadora de alienação mental, o que não é razoável,
isso em pleno século XXI. Efetivamente, não se pode
admitir, no ordenamento jurídico, uma contradição tão
manifesta, qual seja, a de punir o adolescente de 12
anos de idade por ato infracional, e aí válida sua
vontade, e considerá-lo incapaz tal como um alienado
mental, quando pratique ato libidinoso ou conjunção
carnal. Ademais, não se entende hediondas essas
modalidades de crime em que milita contra o sujeito
ativo presunção de violência. Isso porque a Lei de
Crimes Hediondos não contempla tais modalidades, ali se
encontra, como crimes sexuais hediondos, tão-só o
estupro e o atentado violento ao pudor, nas formas
qualificadas. A presunção de violência está prevista
apenas no art. 224, a, do CP, e a ela a referida lei
não faz a mínima referência. E, sem previsão legal,
obviamente não existe fato típico, proibida a analogia
contra o réu. Com esses argumentos, entre outros, a
Turma, ao prosseguir o julgamento, por maioria,
concedeu a ordem para desconstituir a decisão que
condenou o paciente como incurso nas penas do art. 213
do CP, absolvendo-o sob o fundamento de que os fatos a
ele imputados não configuram, na espécie, crime de
estupro com violência presumida. O Min. Og Fernandes, o
relator originário, ficou vencido em parte por
entender, de acordo com julgado da Terceira Seção do
STJ, o reconhecimento da violência presumida no caso,
presunção essa tida por absoluta, só concedendo a ordem
para efeito de progressão de regime. HC 88.664-GO, Rel. originário Min. Og Fernandes, Rel. para o acórdão Min.
Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ-SP),
julgado em 23/6/2009.
7.4 – Crime equiparado a hediondo – Tráfico de drogas – Liberdade provisória
Informativo 566 - SEGUNDA TURMA
Liberdade Provisória e Tráfico de Drogas
A Turma, superando a restrição fundada no Enunciado 691
da Súmula do STF, concedeu, de ofício, habeas corpus
para assegurar a denunciado pela suposta prática do
delito de tráfico de substância entorpecente (Lei
11.343/2006, art. 33) o direito de permanecer em
liberdade, salvo nova decisão judicial em contrário do
magistrado competente fundada em razões supervenientes.
Enfatizou-se que a prisão cautelar do paciente fora
mantida com base, tão-somente, no art. 44 da Lei
11.343/2006 (―Art. 44. Os crimes previstos nos arts.
33, caput e § 1o, e 34 a 37 desta Lei são inafiançáveis
e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e
liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas
em restritivas de direitos.‖) que, segundo a Turma,
seria de constitucionalidade, ao menos, duvidosa.
HC 100742/SC, rel. Celso de Mello, 3.11.2009. (HC-
100742)
Obs.: Pela excelência do julgado, como é peculiar
daqueles emanados pelo Ministro Celso de Mello,
transcrevemos abaixo em sua íntegra:
Informativo 559
T R A N S C R I Ç Õ E S
Liberdade Provisória - Vedação Legal -
Inconstitucionalidade - Prisão Cautelar - Fundamentação
Inadequada
HC 100362-MC/SP
RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO
EMENTA: ―HABEAS CORPUS‖. VEDAÇÃO LEGAL ABSOLUTA,
IMPOSTA EM CARÁTER APRIORÍSTICO, INIBITÓRIA DA
CONCESSÃO DE LIBERDADE PROVISÓRIA NOS CRIMES
TIPIFICADOS NO ART. 33, ―CAPUT‖ E § 1º, E NOS ARTS. 34
A 37, TODOS DA LEI DE DROGAS. POSSÍVEL
INCONSTITUCIONALIDADE DA REGRA LEGAL VEDATÓRIA (ART.
44). OFENSA AOS POSTULADOS CONSTITUCIONAIS DA PRESUNÇÃO
DE INOCÊNCIA, DO ―DUE PROCESS OF LAW‖, DA DIGNIDADE DA
PESSOA HUMANA E DA PROPORCIONALIDADE. O SIGNIFICADO DO
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE, VISTO SOB A PERSPECTIVA
DA ―PROIBIÇÃO DO EXCESSO‖: FATOR DE CONTENÇÃO E
CONFORMAÇÃO DA PRÓPRIA ATIVIDADE NORMATIVA DO ESTADO.
PRECEDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: ADI 3.112/DF
(ESTATUTO DO DESARMAMENTO, ART. 21). CARÁTER
EXTRAORDINÁRIO DA PRIVAÇÃO CAUTELAR DA LIBERDADE
INDIVIDUAL. NÃO SE DECRETA PRISÃO CAUTELAR, SEM QUE
HAJA REAL NECESSIDADE DE SUA EFETIVAÇÃO, SOB PENA DE
OFENSA AO ―STATUS LIBERTATIS‖ DAQUELE QUE A SOFRE.
IRRELEVÂNCIA, PARA EFEITO DE CONTROLE DA LEGALIDADE DO
DECRETO DE PRISÃO CAUTELAR, DE EVENTUAL REFORÇO DE
ARGUMENTAÇÃO ACRESCIDO POR TRIBUNAIS DE JURISDIÇÃO
SUPERIOR. PRECEDENTES. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA.
DECISÃO: Trata-se de ―habeas corpus‖, com pedido de
medida cautelar, impetrado contra decisão emanada de
eminente Ministro de Tribunal Superior da União, que,
em sede de outra ação de ―habeas corpus‖ ainda em curso
no Superior Tribunal de Justiça (HC 140.641/SP),
denegou medida liminar que lhe havia sido requerida em
favor do ora paciente. Presente tal contexto, impende
verificar, desde logo, se a situação processual versada
nestes autos justifica, ou não, o afastamento, sempre
excepcional, da Súmula 691/STF. Como se sabe, o Supremo
Tribunal Federal, ainda que em caráter extraordinário,
tem admitido o afastamento, ―hic et nunc‖, da Súmula
691/STF, em hipóteses nas quais a decisão questionada
divirja da jurisprudência predominante nesta Corte ou,
então, veicule situações configuradoras de abuso de
poder ou de manifesta ilegalidade (HC 85.185/SP, Rel.
Min. CEZAR PELUSO - HC 86.634-MC/RJ, Rel. Min. CELSO DE
MELLO - HC 86.864-MC/SP, Rel. Min. CARLOS VELLOSO - HC
87.468/SP, Rel. Min. CEZAR PELUSO - HC 89.025-MC-
AgR/SP, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA - HC 90.112-MC/PR,
Rel. Min. CEZAR PELUSO - HC 94.016/SP, Rel. Min. CELSO
DE MELLO - HC 96.095/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO - HC
96.483/ES, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).
Parece-me que a situação exposta nesta impetração
ajusta-se às hipóteses que autorizam a superação do
obstáculo representado pela Súmula 691/STF. Passo, em
conseqüência, a examinar a postulação cautelar ora
deduzida nesta sede processual. Sendo esse o contexto,
passo a apreciar o pedido de medida liminar.
E, ao fazê-lo, observo que os elementos produzidos
nesta sede processual revelam-se suficientes para
justificar, na espécie, a meu juízo, o acolhimento da
pretensão cautelar deduzida pelos ora impetrantes, eis
que concorrem, no caso, os requisitos autorizadores da
concessão da medida em causa. Mostra-se importante ter
presente, no caso, quanto à Lei nº 11.343/2006, que o
seu art. 44 proíbe, de modo abstrato e ―a priori‖, a
concessão da liberdade provisória nos ―crimes previstos
nos art. 33, ‗caput‘ e § 1º, e 34 a 37 desta Lei‖.
Cabe assinalar que eminentes penalistas, examinando o
art. 44 da Lei nº 11.343/2006, sustentam a
inconstitucionalidade da vedação legal à liberdade
provisória prevista em mencionado dispositivo legal
(ROGÉRIO SANCHES CUNHA, ―Da Repressão à Produção Não
Autorizada e ao Tráfico Ilícito de Drogas‖, ―in‖ LUIZ
FLÁVIO GOMES (Coord.), ―Lei de Drogas Comentada‖, p.
232/233, item n. 5, 2ª ed., 2007, RT‖; FLÁVIO OLIVEIRA
LUCAS, ―Crimes de Uso Indevido, Produção Não Autorizada
e Tráfico Ilícito de Drogas – Comentários à Parte Penal
da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006‖, ―in‖
MARCELLO GRANADO (Coord.), ―A Nova Lei Antidrogas:
Teoria, Crítica e Comentários à Lei nº 11.343/06‖, p.
113/114, 2006, Editora Impetus‖; FRANCIS RAFAEL BECK,
―A Lei de Drogas e o Surgimento de Crimes ‗Supra-
hediondos‘: uma necessária análise acerca da
aplicabilidade do artigo 44 da Lei nº 11.343/06", ―in‖
ANDRÉ LUÍS CALLEGARI e MIGUEL TEDESCO WEDY (Org.), ―Lei
de Drogas: aspectos polêmicos à luz da dogmática penal
e da política criminal‖, p. 161/168, item n. 3, 2008,
Livraria do Advogado Editora‖, v.g.). Cumpre observar,
ainda, por necessário, que regra legal, de conteúdo
material virtualmente idêntico ao do preceito em exame,
consubstanciada no art. 21 da Lei nº 10.826/2003, foi
declarada inconstitucional por esta Suprema Corte. A
regra legal ora mencionada, cuja inconstitucionalidade
foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, inscrita
no Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/2003), tinha
a seguinte redação: ―Art. 21. Os crimes previstos nos
arts. 16, 17 e 18 são insuscetíveis de liberdade
provisória.‖ (grifei). Essa vedação apriorística de
concessão de liberdade provisória, reiterada no art. 44
da Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas), tem sido repelida
pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que a
considera incompatível, independentemente da gravidade
objetiva do delito, com a presunção de inocência e a
garantia do ―due process‖, dentre outros princípios
consagrados pela Constituição da República.
Foi por tal razão, como precedentemente referido, que o
Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI
3.112/DF, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, declarou a
inconstitucionalidade do art. 21 da Lei nº 10.826/2003,
(Estatuto do Desarmamento), em decisão que, no ponto,
está assim ementada: ―(...) V - Insusceptibilidade de
liberdade provisória quanto aos delitos elencados nos
arts. 16, 17 e 18. Inconstitucionalidade reconhecida,
visto que o texto magno não autoriza a prisão ‗ex
lege‘, em face dos princípios da presunção de inocência
e da obrigatoriedade de fundamentação dos mandados de
prisão pela autoridade judiciária competente.‖ (grifei)
Essa mesma situação registra-se em relação ao art. 7º
da Lei do Crime Organizado (Lei nº 9.034/95), cujo teor
normativo também reproduz a mesma proibição que o art.
44 da Lei de Drogas estabeleceu, ―a priori‖, em caráter
abstrato, a impedir, desse modo, que o magistrado atue,
com autonomia, no exame da pretensão de deferimento da
liberdade provisória. Essa repulsa a preceitos legais,
como esses que venho de referir, encontra apoio em
autorizado magistério doutrinário (LUIZ FLÁVIO GOMES,
em obra escrita com Raúl Cervini, ―Crime Organizado‖,
p. 171/178, item n. 4, 2ª ed., 1997, RT; GERALDO PRADO
e WILLIAM DOUGLAS, ―Comentários à Lei contra o Crime
Organizado‖, p. 87/91, 1995, Del Rey; ROBERTO DELMANTO
JUNIOR, ―As modalidades de prisão provisória e seu
prazo de duração‖, p. 142/150, item n. 2, ―c‖, 2ª ed.,
2001, Renovar e ALBERTO SILVA FRANCO, ―Crimes
Hediondos‖, p. 489/500, item n. 3.00, 5ª ed., 2005, RT,
v.g.).
Vê-se, portanto, que o Poder Público, especialmente em
sede processual penal, não pode agir imoderadamente,
pois a atividade estatal, ainda mais em tema de
liberdade individual, acha-se essencialmente
condicionada pelo princípio da razoabilidade. Como se
sabe, a exigência de razoabilidade traduz limitação
material à ação normativa do Poder Legislativo.
O exame da adequação de determinado ato estatal ao
princípio da proporcionalidade, exatamente por
viabilizar o controle de sua razoabilidade, com
fundamento no art. 5º, LV, da Carta Política, inclui-
se, por isso mesmo, no âmbito da própria fiscalização
de constitucionalidade das prescrições normativas
emanadas do Poder Público. Esse entendimento é
prestigiado pela jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal, que, por mais de uma vez, já advertiu que o
Legislativo não pode atuar de maneira imoderada, nem
formular regras legais cujo conteúdo revele deliberação
absolutamente divorciada dos padrões de razoabilidade.
Coloca-se em evidência, neste ponto, o tema concernente
ao princípio da proporcionalidade, que se qualifica -
enquanto coeficiente de aferição da razoabilidade dos
atos estatais (CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, ―Curso
de Direito Administrativo‖, p. 56/57, itens ns. 18/19,
4ª ed., 1993, Malheiros; LÚCIA VALLE FIGUEIREDO, ―Curso
de Direito Administrativo‖, p. 46, item n. 3.3, 2ª ed.,
1995, Malheiros) - como postulado básico de contenção
dos excessos do Poder Público. Essa é a razão pela qual
a doutrina, após destacar a ampla incidência desse
postulado sobre os múltiplos aspectos em que se
desenvolve a atuação do Estado - inclusive sobre a
atividade estatal de produção normativa - adverte que o
princípio da proporcionalidade, essencial à
racionalidade do Estado Democrático de Direito e
imprescindível à tutela mesma das liberdades
fundamentais, proíbe o excesso e veda o arbítrio do
Poder, extraindo a sua justificação dogmática de
diversas cláusulas constitucionais, notadamente daquela
que veicula, em sua dimensão substantiva ou material, a
garantia do ―due process of law‖ (RAQUEL DENIZE STUMM,
―Princípio da Proporcionalidade no Direito
Constitucional Brasileiro‖, p. 159/170, 1995, Livraria
do Advogado Editora; MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO,
―Direitos Humanos Fundamentais‖, p. 111/112, item n.
14, 1995, Saraiva; PAULO BONAVIDES, ―Curso de Direito
Constitucional‖, p. 352/355, item n. 11, 4ª ed., 1993,
Malheiros).
Como precedentemente enfatizado, o princípio da
proporcionalidade visa a inibir e a neutralizar o abuso
do Poder Público no exercício das funções que lhe são
inerentes, notadamente no desempenho da atividade de
caráter legislativo. Dentro dessa perspectiva, o
postulado em questão, enquanto categoria fundamental de
limitação dos excessos emanados do Estado, atua como
verdadeiro parâmetro de aferição da própria
constitucionalidade material dos atos estatais.
Isso significa, dentro da perspectiva da extensão da
teoria do desvio de poder ao plano das atividades
legislativas do Estado, que este não dispõe de
competência para legislar ilimitadamente, de forma
imoderada e irresponsável, gerando, com o seu
comportamento institucional, situações normativas de
absoluta distorção e, até mesmo, de subversão dos fins
que regem o desempenho da função estatal. A
jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal
Federal, bem por isso, tem censurado a validade
jurídica de atos estatais, que, desconsiderando as
limitações que incidem sobre o poder normativo do
Estado, veiculam prescrições que ofendem os padrões de
razoabilidade e que se revelam destituídas de causa
legítima, exteriorizando abusos inaceitáveis e
institucionalizando agravos inúteis e nocivos aos
direitos das pessoas (RTJ 160/140-141, Rel. Min. CELSO
DE MELLO - RTJ 176/578-579, Rel. Min. CELSO DE MELLO -
ADI 1.063/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).
Daí a advertência de que a interdição legal ―in
abstracto‖, vedatória da concessão de liberdade
provisória, como na hipótese prevista no art. 44 da Lei
nº 11.343/2006, incide na mesma censura que o Plenário
do Supremo Tribunal Federal estendeu ao art. 21 do
Estatuto do Desarmamento, considerados os múltiplos
postulados constitucionais violados por semelhante
regra legal, eis que o legislador não pode substituir-
se ao juiz na aferição da existência, ou não, de
situação configuradora da necessidade de utilização, em
cada situação concreta, do instrumento de tutela
cautelar penal. O Supremo Tribunal Federal, de outro
lado, tem advertido que a natureza da infração penal
não se revela circunstância apta a justificar, só por
si, a privação cautelar do ―status libertatis‖ daquele
que sofre a persecução criminal instaurada pelo Estado.
Essa orientação vem sendo observada em sucessivos
julgamentos proferidos no âmbito desta Corte, mesmo que
se trate de réu processado por suposta prática de
crimes hediondos ou de delitos a estes equiparados (HC
80.064/SP, Rel. p/ o acórdão Min. SEPÚLVEDA PERTENCE -
HC 92.299/SP, Rel. Min. MARCO AURÉLIO - HC 93.427/PB,
Rel. Min. EROS GRAU – RHC 71.954/PA, Rel. Min.
SEPÚLVEDA PERTENCE - RHC 79.200/BA, Rel. Min. SEPÚLVEDA
PERTENCE, v.g.): ―A gravidade do crime imputado, um dos
malsinados ‗crimes hediondos‘ (Lei 8.072/90), não basta
à justificação da prisão preventiva, que tem natureza
cautelar, no interesse do desenvolvimento e do
resultado do processo, e só se legitima quando a tanto
se mostrar necessária: não serve a prisão preventiva,
nem a Constituição permitiria que para isso fosse
utilizada, a punir sem processo, em atenção à gravidade
do crime imputado, do qual, entretanto, ‗ninguém será
considerado culpado até o trânsito em julgado de
sentença penal condenatória‘ (CF, art. 5º, LVII).‖
(RTJ 137/287, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - grifei)
―A ACUSAÇÃO PENAL POR CRIME HEDIONDO NÃO JUSTIFICA A
PRIVAÇÃO ARBITRÁRIA DA LIBERDADE DO RÉU.
- A prerrogativa jurídica da liberdade - que possui
extração constitucional (CF, art. 5º, LXI e LXV) - não
pode ser ofendida por atos arbitrários do Poder
Público, mesmo que se trate de pessoa acusada da
suposta prática de crime hediondo, eis que, até que
sobrevenha sentença condenatória irrecorrível (CF,
art. 5º, LVII), não se revela possível presumir a
culpabilidade do réu, qualquer que seja a natureza da
infração penal que lhe tenha sido imputada.‖
(RTJ 187/933, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
Tenho por inadequada, desse modo, para efeito de se
justificar a manutenção da prisão cautelar do ora
paciente, a invocação do art. 44 da Lei nº 11.343/2006
ou do art. 2º, inciso II, da Lei nº 8.072/90,
especialmente depois de editada a Lei nº 11.464/2007,
que excluiu, da vedação legal de concessão de liberdade
provisória, todos os crimes hediondos e os delitos a
eles equiparados, como o tráfico ilícito de
entorpecentes e drogas afins. Também não se reveste de
idoneidade jurídica, para efeito de justificação do ato
excepcional de privação cautelar da liberdade
individual, a alegação de que o paciente deveria ser
mantido preso, ―como garantia da ordem pública,
evitando-se a reiteração de tais atos e que caia a
Justiça em descrédito perante a comunidade local‖ (fls.
114 - grifei). Esse entendimento já incidiu, por mais
de uma vez, na censura do Supremo Tribunal Federal,
que, acertadamente, tem destacado a absoluta
inidoneidade dessa particular fundamentação do ato que
decreta a prisão preventiva do réu (RTJ 180/262-264,
Rel. Min. CELSO DE MELLO - HC 72.368/DF, Rel. Min.
SEPÚLVEDA PERTENCE): ―O clamor social e a credibilidade
das instituições, por si sós, não autorizam a conclusão
de que a garantia da ordem pública está ameaçada, a
ponto de legitimar a manutenção da prisão cautelar do
paciente enquanto aguarda novo julgamento pelo Tribunal
do Júri.‖ (RTJ 193/1050, Rel. Min. EROS GRAU - grifei)
Por sua vez, as alegações - fundadas em juízo meramente
conjectural (sem qualquer referência a situações
concretas) - de que o paciente deve ser mantido preso
para evitar que ―volte a cometer outros delitos‖ e que
―por conveniência da instrução do processo-crime deve o
indiciado permanecer no cárcere‖ (fls. 114) constituem,
quando destituídas de base empírica, presunções
arbitrárias que não podem legitimar a privação cautelar
da liberdade individual, como assinalou, em recente
julgamento, a colenda Segunda Turma do Supremo Tribunal
Federal:
―‗HABEAS CORPUS‘ - PRISÃO PREVENTIVA DECRETADA COM
FUNDAMENTO NA GRAVIDADE OBJETIVA DOS DELITOS E NA
SUPOSIÇÃO DE QUE OS RÉUS PODERIAM CONSTRANGER AS
TESTEMUNHAS OU PROCEDER DE FORMA SEMELHANTE CONTRA
OUTRAS VÍTIMAS - CARÁTER EXTRAORDINÁRIO DA PRIVAÇÃO
CAUTELAR DA LIBERDADE INDIVIDUAL - UTILIZAÇÃO, PELO
MAGISTRADO, NA DECRETAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA, DE
CRITÉRIOS INCOMPATÍVEIS COM A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL - SITUAÇÃO DE INJUSTO CONSTRANGIMENTO
CONFIGURADA - PEDIDO DEFERIDO, COM EXTENSÃO DE SEUS
EFEITOS AO CO-RÉU. A PRISÃO CAUTELAR CONSTITUI MEDIDA
DE NATUREZA EXCEPCIONAL. - A privação cautelar da
liberdade individual reveste-se de caráter excepcional,
somente devendo ser decretada em situações de absoluta
necessidade.
A prisão preventiva, para legitimar-se em face de nosso
sistema jurídico, impõe - além da satisfação dos
pressupostos a que se refere o art. 312 do CPP (prova
da existência material do crime e presença de indícios
suficientes de autoria) - que se evidenciem, com
fundamento em base empírica idônea, razões
justificadoras da imprescindibilidade dessa
extraordinária medida cautelar de privação da liberdade
do indiciado ou do réu. - A questão da decretabilidade
da prisão cautelar. Possibilidade excepcional, desde
que satisfeitos os requisitos mencionados no art. 312
do CPP. Necessidade da verificação concreta, em cada
caso, da imprescindibilidade da adoção dessa medida
extraordinária. Precedentes. A PRISÃO PREVENTIVA -
ENQUANTO MEDIDA DE NATUREZA CAUTELAR - NÃO PODE SER
UTILIZADA COMO INSTRUMENTO DE PUNIÇÃO ANTECIPADA DO
INDICIADO OU DO RÉU. - A prisão preventiva não pode - e
não deve - ser utilizada, pelo Poder Público, como
instrumento de punição antecipada daquele a quem se
imputou a prática do delito, pois, no sistema jurídico
brasileiro, fundado em bases democráticas, prevalece o
princípio da liberdade, incompatível com punições sem
processo e inconciliável com condenações sem defesa
prévia.
A prisão preventiva - que não deve ser confundida com a
prisão penal - não objetiva infligir punição àquele que
sofre a sua decretação, mas destina-se, considerada a
função cautelar que lhe é inerente, a atuar em
benefício da atividade estatal desenvolvida no processo
penal.
A GRAVIDADE EM ABSTRATO DO CRIME NÃO CONSTITUI FATOR DE
LEGITIMAÇÃO DA PRIVAÇÃO CAUTELAR DA LIBERDADE.
- A natureza da infração penal não constitui, só por
si, fundamento justificador da decretação da prisão
cautelar daquele que sofre a persecução criminal
instaurada pelo Estado. Precedentes.
A PRISÃO CAUTELAR NÃO PODE APOIAR-SE EM JUÍZOS
MERAMENTE CONJECTURAIS. - A mera suposição, fundada em
simples conjecturas, não pode autorizar a decretação da
prisão cautelar de qualquer pessoa.
- A decisão que ordena a privação cautelar da liberdade
não se legitima quando desacompanhada de fatos
concretos que lhe justifiquem a necessidade, não
podendo apoiar-se, por isso mesmo, na avaliação
puramente subjetiva do magistrado de que a pessoa
investigada ou processada, se em liberdade, poderá
delinqüir, ou interferir na instrução probatória, ou
evadir-se do distrito da culpa, ou, então, prevalecer-
se de sua particular condição social, funcional ou
econômico-financeira.
- Presunções arbitrárias, construídas a partir de
juízos meramente conjecturais, porque formuladas à
margem do sistema jurídico, não podem prevalecer sobre
o princípio da liberdade, cuja precedência
constitucional lhe confere posição eminente no domínio
do processo penal. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO, NO CASO,
DA NECESSIDADE CONCRETA DE DECRETAR-SE A PRISÃO
PREVENTIVA DO PACIENTE. - Sem que se caracterize
situação de real necessidade, não se legitima a
privação cautelar da liberdade individual do indiciado
ou do réu. Ausentes razões de necessidade, revela-se
incabível, ante a sua excepcionalidade, a decretação ou
a subsistência da prisão preventiva. O POSTULADO
CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA IMPEDE QUE O
ESTADO TRATE, COMO SE CULPADO FOSSE, AQUELE QUE AINDA
NÃO SOFREU CONDENAÇÃO PENAL IRRECORRÍVEL.
- A prerrogativa jurídica da liberdade - que possui
extração constitucional (CF, art. 5º, LXI e LXV) - não
pode ser ofendida por interpretações doutrinárias ou
jurisprudenciais, que, fundadas em preocupante discurso
de conteúdo autoritário, culminam por consagrar,
paradoxalmente, em detrimento de direitos e garantias
fundamentais proclamados pela Constituição da
República, a ideologia da lei e da ordem.
Mesmo que se trate de pessoa acusada da suposta prática
de crime hediondo, e até que sobrevenha sentença penal
condenatória irrecorrível, não se revela possível - por
efeito de insuperável vedação constitucional (CF, art.
5º, LVII) - presumir-lhe a culpabilidade.
Ninguém pode ser tratado como culpado, qualquer que
seja a natureza do ilícito penal cuja prática lhe tenha
sido atribuída, sem que exista, a esse respeito,
decisão judicial condenatória transitada em julgado.
O princípio constitucional da presunção de inocência,
em nosso sistema jurídico, consagra, além de outras
relevantes conseqüências, uma regra de tratamento que
impede o Poder Público de agir e de se comportar, em
relação ao suspeito, ao indiciado, ao denunciado ou ao
réu, como se estes já houvessem sido condenados,
definitivamente, por sentença do Poder Judiciário.
Precedentes.‖ (HC 93.883/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
A mera suposição desacompanhada de indicação de fatos
concretos - de que o ora paciente, em liberdade,
poderia delinqüir ou frustrar, ilicitamente, a regular
instrução processual - revela-se insuficiente para
fundamentar o decreto ou a manutenção de prisão
cautelar, se tal suposição, como ocorre na espécie dos
autos, deixa de ser corroborada por base empírica
idônea (que necessariamente deve ser referida na
decisão judicial), tal como tem advertido, a propósito
desse específico aspecto, a jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal (RTJ 170/612-613, Rel. Min. SEPÚLVEDA
PERTENCE - RTJ 175/715, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE,
v.g.).
Nem se diga que a decisão de primeira instância teria
sido reforçada, em sua fundamentação, pelos julgamentos
emanados do E. Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo (HC 990.09.065824-0), no qual se denegou a ordem
de ―habeas corpus‖ então postulada em favor da ora
paciente.
Cabe ter presente, neste ponto, na linha da orientação
jurisprudencial que o Supremo Tribunal Federal firmou
na matéria, que a legalidade da decisão que decreta a
prisão cautelar ou que denega liberdade provisória
deverá ser aferida em função dos fundamentos que lhe
dão suporte, e não em face de eventual reforço advindo
dos julgamentos emanados das instâncias judiciárias
superiores (HC 90.313/PR, Rel. Min. CELSO DE MELLO,
v.g.):
―(...) Às instâncias subseqüentes não é dado suprir o
decreto de prisão cautelar, de modo que não pode ser
considerada a assertiva de que a fuga do paciente
constitui fundamento bastante para enclausurá-lo
preventivamente (...).‖
(RTJ 194/947-948, Rel. p/ o acórdão Min. EROS GRAU -
grifei)
A motivação, portanto, há de ser própria, inerente e
contemporânea à decisão que decreta o ato excepcional
de privação cautelar da liberdade, pois - insista-se -
a ausência ou a deficiência de fundamentação não podem
ser supridas ―a posteriori‖ (RTJ 59/31 - RTJ 172/191-
192 - RT 543/472 - RT 639/381, v.g.):
―Prisão preventiva: análise dos critérios de idoneidade
de sua motivação à luz de jurisprudência do Supremo
Tribunal.
1. A fundamentação idônea é requisito de validade do
decreto de prisão preventiva: no julgamento do hábeas
corpus que o impugna não cabe às sucessivas instâncias,
para denegar a ordem, suprir a sua deficiência
originária, mediante achegas de novos motivos por ele
não aventados: precedentes.‖ (RTJ 179/1135-1136, Rel.
Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - grifei) Em suma: a análise
dos fundamentos invocados pela parte ora impetrante
leva-me a entender que as decisões judiciais de
primeira instância não observaram os critérios que a
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou em
tema de prisão cautelar. Sendo assim, tendo presentes
as razões expostas, defiro o pedido de medida liminar,
para, até final julgamento desta ação de ―habeas
corpus‖, garantir, cautelarmente, ao ora paciente, a
liberdade provisória que lhe foi negada nos autos do
Processo nº 229.08.604143-2 (2ª Vara Criminal do Foro
Distrital de Hortolândia da comarca de Sumaré/SP),
expedindo-se, imediatamente, em favor desse mesmo
paciente, se por al não estiver preso, o pertinente
alvará de soltura. Comunique-se, com urgência,
transmitindo-se cópia da presente decisão ao E.
Superior Tribunal de Justiça (HC 140.641/SP), ao E.
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (HC
990.09.065824-0) e ao MM. Juízo de Direito da 2ª Vara
Criminal do Foro Distrital de Hortolândia da comarca de
Sumaré/SP (Processo nº 229.08.604143-2).
Publique-se.
Brasília, 01 de setembro de 2009.
Ministro CELSO DE MELLO - Relator
Informativo 552 – PRIMEIRA TURMA
A Turma indeferiu habeas corpus — impetrado pela
Defensoria Pública da União em favor de condenados pelo
crime de tráfico de drogas e de associação para o
tráfico (Lei 11.343/2006, artigos 33 e 35) — no qual se
pleiteava a concessão de liberdade provisória. No caso,
os pacientes teriam sido presos em flagrante em
9.3.2008. Não obstante recolhidos durante toda a
instrução criminal, assim permaneceram, em virtude de
sentença condenatória, que lhes negara o direito de
apelar em liberdade. Aduzia a defesa constrangimento
ilegal, oriundo da manutenção dos pacientes no cárcere,
haja vista que a negativa da liberdade provisória
careceria de fundamentação idônea, não só em face da
ausência dos pressupostos da prisão cautelar, mas
também diante da inadmissibilidade da execução
provisória da pena privativa de liberdade decorrente de
sentença condenatória recorrível.
Assentou-se que, independentemente da presença de
fundamentação cautelar adequada na decisão que
indeferira o pedido de liberdade provisória aos
pacientes, não se poderia falar em ilegalidade na
manutenção da prisão, a qual se ampararia na
inafiançabilidade imposta pela própria Constituição.
Rejeitou-se, também, o pleito formulado para que os
pacientes pudessem recorrer da sentença condenatória em
liberdade, porque o juízo monocrático, ao proferir a
sentença condenatória, decidira pela manutenção da
prisão ante a existência de pressupostos do art. 312 do
CPP. Observou-se, ademais, que, no julgamento do HC
84078/MG (acórdão pendente de publicação) —, o STF
decidira pela impossibilidade de execução provisória da
pena privativa de liberdade ou restritivas de direitos
decorrente de sentença penal condenatória, ressalvada a
decretação de custódia cautelar nos termos do art. 312
do CPP. O Min. Marco Aurélio, embora reputando
configurado, de início, o excesso de prazo, acrescentou
que o caso guardaria peculiaridades, dado que a
sentença condenatória fora prolatada quando já em vigor
a Lei 11.719/2008 que, dando nova redação ao art. 387
do CPP, mitigou o instituto do excesso de prazo,
porquanto previu expressamente que, na sentença, o
juízo pode manter a custódia. Destarte, surgiria
fenômeno diverso que sinalizaria a culpa do envolvido
e, a partir desse fenômeno, é que, no campo da
legislação comum, se autorizaria a manutenção, desde
que fundamentada, da segregação (CPP: ―Art. 387 ...
Parágrafo único. O juiz decidirá, fundamentadamente,
sobre a manutenção ou, se for o caso, imposição de
prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem
prejuízo do conhecimento da apelação que vier a ser
interposta.‖). HC 97883/MG, rel. Min. Cármen Lúcia,
23.6.2009. (HC-97883)
SEGUNDA TURMA
Após voto de indeferimento da ordem pela Ministra Ellen
Gracie:
A Turma retomou julgamento de habeas corpus em que se
pleiteia a concessão de liberdade provisória a
denunciado — preso em flagrante — pela suposta prática
dos crimes previstos nos artigos 33, caput e § 1º, II,
e 35, caput, ambos combinados com o art. 40, I, todos
da Lei 11.343/2006 — v. Informativo 550. O Min. Eros
Grau, em voto-vista, iniciou a divergência para
conceder a ordem a fim de que o paciente aguarde em
liberdade o trânsito em julgado da sentença
condenatória. Reputou que a vedação do deferimento de
liberdade provisória ao preso em flagrante por tráfico
de entorpecentes, veiculada pelo art. 44 da mencionada
Lei 11.343/2006, consubstanciaria ofensa aos princípios
da dignidade da pessoa humana, do devido processo legal
e da presunção de inocência (CF, artigos 1º, III e 5º,
LIV e LVII). Aduziu que incumbiria ao STF adequar a
esses princípios a norma extraível do texto do art. 5º,
XLIII, da CF, a qual se refere à inafiançabilidade do
tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins. Nesse
sentido, asseverou que a inafiançabilidade não poderia
e não deveria, por si só, em virtude dos princípios
acima citados, constituir causa impeditiva da liberdade
provisória e que, em nosso ordenamento, a liberdade
seria regra e a prisão, exceção. Considerando ser de
constitucionalidade questionável o texto do art. 44 da
Lei 11.343/2006, registrou que, no caso, o juízo
homologara a prisão em flagrante do paciente sem
demonstrar, concretamente, situações de fato que,
vinculadas ao art. 312 do CPP, justificassem a
necessidade da custódia cautelar. Após, o julgamento
foi suspenso ante o pedido de vista do Min. Cezar
Peluso. HC 97579/MT, rel. Min. Ellen Gracie, 23.6.2009.
(HC-97579)
STJ – Informativo 388
Sexta Turma
Os impetrantes insurgem-se contra decisão do Tribunal a
quo que afirma ser impossível a concessão de liberdade
provisória para os acusados de crimes hediondos, independentemente da existência dos requisitos
autorizadores da prisão preventiva. Isso posto,
verificando-se empate na votação, a Turma concedeu a
ordem, ao argumento de que a prisão em flagrante não
impede, por si só, a concessão de liberdade provisória,
se seus requisitos estiverem preenchidos. A simples
referência à lei ou à gravidade do delito não basta
para seu indeferimento, exigindo-se fundamentação
idônea e adequada. Precedentes citados: HC 82.489-ES,
DJ 25/2/2008; HC 98.090-PE, DJ 28/10/2008, e HC
109.188-CE, DJ 1º/12/2008. HC 121.920-MG, Rel. Ministro Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ-SP),
julgado em 24/3/2009.
Informativo 349 - Sexta Turma
CRIMES HEDIONDOS. PROIBIÇÃO. LIBERDADE PROVISÓRIA.
A liberdade provisória de que cuida o art. 310,
parágrafo único, do CPP, no caso de prisão em
flagrante, está subordinada à certeza da inocorrência
de qualquer das hipóteses que autorizam a prisão
preventiva, decorrente dos elementos existentes nos
autos ou de prova da parte onerada, bastante para
afastar a presunção legal de necessidade da custódia. A
Lei n. 8.072/1990, na sua redação original, ao dar
cumprimento ao inciso XLIII do art. 5º da CF/1988, fez,
de seu lado, insuscetíveis de fiança e liberdade
provisória os crimes hediondos, a prática de tortura, o tráfico de entorpecentes e o terrorismo,
estabelecendo caso de prisão cautelar de necessidade
presumida iuris et de iure, na hipótese de prisão
decorrente de flagrante delito. Observou o Min. Relator
que a Terceira Seção deste Superior Tribunal (HC
76.779-MT) culminou por firmar a compreensão de que a
proibição de liberdade provisória, com ou sem fiança,
decorre, primariamente, da própria Constituição
Federal, fazendo materialmente desinfluente a questão
da revogação, ou não, do art. 44 da nova Lei de Tóxicos
(Lei n. 11.343/2006) pela Lei n. 11.464/2007, que deu
nova redação ao art. 2º da Lei nº 8.072/1990. A
proibição da liberdade provisória a acusados pela
prática de crimes hediondos deriva da inafiançabilidade
dos delitos dessa natureza preconizada pela
Constituição da República e da Lei n. 11.343/2006, que
é, por si, fundamento suficiente por se tratar de norma
especial especificamente em relação ao parágrafo único
do art. 310 do CPP. Dessarte, é incompatível com a lei
e com a Constituição Federal a interpretação que
conclui pela admissibilidade, no caso de qualquer
desses crimes, da conversão da prisão cautelar
decorrente de flagrante delito em liberdade provisória.
HC 93.591-MS, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, julgado em
27/3/2008.
HC 138200 - Quinta Turma – Ministra Laurita Vaz
HABEAS CORPUS. CRIME DE TRÁFICO ILÍCITO DE
ENTORPECENTES. LIBERDADE PROVISÓRIA. VEDAÇÃO EXPRESSA
CONTIDA NA LEI N.º 11.343/2006. CONDIÇÕES PESSOAIS
FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA. EXCESSO DE PRAZO NO
JULGAMENTO DO APELO. NÃO-OCORRÊNCIA. PRINCÍPIO DA
RAZOABILIDADE. INEXISTÊNCIA DE DESÍDIA OU
IRREGULARIDADE.
1. Na linha do entendimento firmado pelo Supremo
Tribunal Federal, a vedação expressa do benefício da
liberdade provisória aos crimes de tráfico ilícito de
entorpecentes, disciplinada no art. 44 da Lei n.º
11.343/2006 é, por si só, motivo suficiente para
impedir a concessão da benesse ao réu preso em
flagrante por crime hediondo ou equiparado, nos termos
do disposto no art. 5.º, inciso LXVI, da Constituição
Federal, que impõe a inafiançabilidade das referidas
infrações penais.
2. A eventual demora no julgamento do recurso de
apelação criminal não é capaz de configurar
constrangimento ilegal e, consequentemente a soltura do
Paciente, mormente em se tratando de prisão decorrente
de sentença penal condenatória, constituindo-se,
portanto, sua manutenção no cárcere, efeito natural de
sua condenação.
3. Ordem denegada. Prejudicado o pedido de
reconsideração da decisão
que indeferiu a liminar.
HC 76779 – Terceira Seção
Relator Ministro Felix Fischer
27/06/2007
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO
ORDINÁRIO.
ART. 33 DA LEI Nº 11.343/06. CRIME EQUIPARADO A
HEDIONDO. PRISÃO EM FLAGRANTE. LIBERDADE PROVISÓRIA.
PROIBIÇÃO DECORRENTE DE NORMA CONSTITUCIONAL.
I - O art. 5º, inciso XLIII, da Carta Magna, proibindo
a concessão de fiança, evidencia que a liberdade
provisória pretendida não pode ser concedida.
II - Essa orientação já é assente no c. Pretório
Excelso, como se depreende do HC nº 83468/ES, Rel.
Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 27/02/2004, no qual
restou consignado, litteris:
"(...) a proibição de liberdade provisória, nessa
hipótese, deriva logicamente do preceito constitucional
que impõe a inafiançabilidade das referidas infrações
penais(...), seria ilógico que, vedada pelo art. 5º
XLIII, da Constituição, a liberdade provisória mediante
fiança nos crimes hediondos, fosse ela admissível nos
casos legais de liberdade provisória sem fiança"
(Ministro Sepúlveda Pertente);
"Sendo o crime inafiançável, ele não comportaria mesmo
a liberdade provisória. E a Lei nº 8.072, art. 2º,
inciso II, ao falar que não cabem a "fiança e liberdade
provisória", de certa forma foi até um pouco
redundante, não haveria nem necessidade da ressalva"
(Ministro Carlos Ayres Britto);
"Essa circunstância (a inafiançabilidade contida no
art. 5º, XLIII, da CF) (...) afasta a liberdade
provisória (...), porque se nem mesmo com fiança é
possível, o que se dirá sem a fiança" (Ministro Marco
Aurélio).
III - Esse entendimento foi recentemente confirmado
pela c. Suprema Corte (HC 89068/RN, 1ª Turma, Rel.
Ministro Carlos Ayres Britto, DJ de 23/02/2007; HC
89183/MS, 1ª Turma, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence,
DJ de 25/08/2006 e HC 86118/DF, 1ª Turma, Rel. Ministro
Cezar Peluso, DJ de 14/10/2005) e, também, por esta
Corte (HC 67145/GO, 5ª Turma, Relª Ministra Laurita
Vaz, DJ de 02/04/2007; HC 69566/SP, 5ª Turma, de minha
relatoria, DJ de 09/04/2007 e HC 55984/SC, 6ª Turma,
Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, DJ de 09/04/2007).
IV - Os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e
34 a 37 da nova lei de tóxicos (regra específica) "são
inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça,
indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a
conversão de suas penas em restritivas de direitos"
(art. 44 da Lei nº 11.343/06).
Writ denegado.