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Direito da Família e das Sucessões I TURMA 1 E 2 Aulas Práticas Professora Rute Pedro 4º ANO - DIREITO 1º SEMESTRE 2015/2016 Reitera-se o fato de este se tratar de um guia de aulas e não de uma sebenta e com tal pode conter erros e imprecisões. Como tal, a sua leitura não dispensa portanto a consulta dos manuais recomendados e indicados na bibliografia.

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Direito da Família e das Sucessões I

TURMA 1 E 2

Aulas Práticas

Professora Rute Pedro

4º ANO - DIREITO

1º SEMESTRE

2015/2016

Comissão de Curso do 4º ano de Direito e Criminologia

Aula nº 1 de 2015/09/15

Sumário: As aulas terão início no dia 29 de setembro, de acordo com plano acordado com a Senhora Professora Doutora Helena Mota, para assegurar um mínimo de

Reitera-se o fato de este se tratar de um guia de aulas e não de uma sebenta e com tal pode conter erros e imprecisões. Como tal, a sua leitura não dispensa portanto a consulta dos manuais recomendados e indicados na bibliografia.

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conhecimentos teóricos que possibilitem um tratamento adequado em sede de aulas práticas.

Aula nº 2 de 2015/09/22

Sumário: As aulas terão início no dia 29 de setembro, de acordo com plano acordado com a Senhora Professora Doutora Helena Mota, para assegurar um mínimo de conhecimentos teóricos que possibilitem um tratamento adequado em sede de aulas práticas.

Aula nº 3 de 2015/09/29

Sumário: Apresentação. Breves observações sobre o conteúdo programático da unidade curricular e sobre metodologia a empregar nas aulas práticas. As Relações Jurídico-familiares. Parentesco. Noção. Espécies. Contagem de graus. Efeitos. Afinidade. Noção. Contagem de graus. Efeitos. Resolução de hipóteses práticas.

Direito da Família e das Sucessões:

- Direito Matrimonial (estudo do regime aplicável ao casamento);- Direito da Filiação (estudo do regime aplicável às relações de

parentesco entre pais e filhos: estabelecimento da filiação; efeitos da filiação);- Direito das Sucessões.

Esta aula baseou-se na apresentação PowerPoint disponibilizada pela Professora Rute Pedro.

Nesta primeira aula vamos falar de duas formas de relações jurídico-familiares: a afinidade e o parentesco. O artigo 1576º do Código Civil (CC) tem como epígrafe “Fontes das relações jurídicas familiares”, porém, tal epígrafe, é alvo de crítica uma vez que as fontes enumeradas são as próprias relações jurídico-familiares e não as suas fontes.

Parentesco – assenta no vínculo biológico; consanguinidade; existe sempre um progenitor em comum.

Afinidade – combinação do casamento com o vínculo biológico.Adopção – o vínculo adoptivo depende da modalidade da adopção, sendo que a

adopção plena afecta terceiros (artigo 1986º/1CC). Depende sempre de uma decisão judicial, sendo uma ação constitutiva.

Discute-se se, acerca do artigo 36º/1 CRP (“Todos têm o direito de constituir família e de contrair casamento em condições de plena igualdade.“), a expressão “constituir família” corresponde apenas às relações jurídicas familiares elencadas no artigo 1576ºCC. Trata-se de saber se a enumeração do referido preceito do CC é taxativa ou não. Uma parte da doutrina portuguesa, distingue, nas relações do artigo

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1576ºCC, “família” de “parafamília”. No entanto, a Professora Rute Pedro considera esta divisão meramente formal. O Professor Guilherme de Oliveira e o Professor Pereira Coelho consideram que, quando o artigo 36º/1CRP refere o direito de “constituir família”, está a considerar somente a constituição do vínculo biológico da filiação. A proteção da união de facto encontra assento constitucional no artigo 26º/1CRP.

A palavra “casamento” pode referir-se, por um lado, a casamento enquanto negócio jurídico bilateral (contrato), previsto no artigo 1577ºCC, que é uma norma original, pois a maioria dos ordenamentos jurídicos não define casamento. Enquanto contrato, o casamento gera tanto obrigações, como deveres (previstos no artigo 1672ºCC). No entanto, por outro lado, também pode referir-se a casamento enquanto estado, ou seja, enquanto relação jurídica complexa que nasce da celebração do negócio jurídico, que tem efeitos, que pode ser extinta (por nulidade ou anulabilidade, tendo nesse caso efeitos retroativos, surgindo a figura do casamento putativo devido à complexidade que trazem os efeitos retroativos da invalidade no casamento; por vício contemporâneo ao ato, sendo que nesses casos os cônjuges adquirem o estado civil que tinham anteriormente; ou por dissolução, como é no caso da morte [viúvos], divórcio [divorciados] ou dispensa, só no casamento católico [dispensados]), ou que pode ser modificada, continuando casados, mas com modificações só na parte matrimonial ou na parte matrimonial e pessoal.

PARENTESCO (1578ºCC): relação baseada na consanguinidade.

Espécies de parentesco: - Linha Reta (noção- 1580º/1, 1ªparte; procedem uns dos outros):

filhos, avós, pais- ascendente: paifilho- descendente: filhopai

D é parente de A na linha reta descendente.

- Linha Colateral (noção- 1580º/1, 2ª parte; não procedem uns dos outros, mas têm um progenitor comum; existe igualmente o vínculo biológico): irmãos, primos, tios

C e D são parentes na linha colateral porque procedem de um progenitor comum (A).

Exemplo: António, viúvo, falece deixando sobrevivos seus pais (Bernardo e Cláudia) e seus filhos (Diana e Eduardo). Quem é chamado à sucessão de António?

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D

C

B

A

ED

CB

A

CB

António

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Aplica-se o artigo 2133º/1-a) CC (por força da remissão do artigo 2157ºCC) e o artigo 2134ºCC. Assim, quem sucede António são os seus descendentes (D e E) pois B e C são parentes de A na linha reta ascendente enquanto D e E são parentes de A na linha reta descendente, sendo que o artigo 2133º/1 CC dá preferência, na ordem de sucessão, aos descendentes.

Espécies de parentesco:

- Parentesco unilateral: a relação de consanguinidade existente só pela linha materna ou paterna. Importância: tomando como exemplo o artigo 1952º/3 CC, na escolha dos vogais para o Conselho de Família (uma das formas de tutela que serve para substituir o exercício dos poderes parentais) é preciso ter em atenção a linha paterna e a linha materna; tem ainda importância na escolha do produtor que deve fiscalizar a ação do tutor (outra das formas de tutela), sendo que, segundo o artigo 1955º/2 CC, o produtor deve ser da linha de parentesco diversa da do tutor.

- Parentesco duplo ou bilateral: quando os parentes têm as duas linhas (materna e paterna) em comum.

Nota: existem irmãos:- Germanos (parentesco bilateral): mesmo pai e mesma mãe;- Consanguíneos (parentesco unilateral): mesmo pai;- Uterinos (parentesco unilateral): mesma mãe.

Exemplo: Carlos morre, solteiro e sem filhos, deixando apenas como parentes sobrevivos os seus irmãos: Guilherme, Daniela e Manuel. Sabendo que Carlos deixa uma herança no valor de 120.000€, quid iuris?

C e D são irmãos germanos.C e D e G são irmãos consanguíneos.C e D e M são irmãos uterinos.

A resposta a este exemplo encontra-se no artigo 2146ºCC que estabelece para os casos em que existem tanto irmãos germanos como irmãos unilaterais (consanguíneos e ou uterinos) qual a parte sucessória (quinhão sucessório) de cada irmão.

Neste caso é fácil resolver:

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G M

FE

DC

BárbaraAntónio

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- D, enquanto irmã germana de C, tem direito a receber o dobro da parte de cada um dos irmãos unilaterais. Assim D recebe 60.000€.

- G, enquanto irmão consanguíneo de C, tem direito a receber metade da parte que o irmão germano recebe. Assim G recebe 30.000€.

- M, enquanto irmão consanguíneo de C, tem direito a receber metade da parte que o irmão germano recebe. Assim M recebe 30.000€.

Porém, nem sempre é assim tão fácil, pois existem situações mais complexas. Para esses casos, existem as seguintes fórmulas:

Quinhão Hereditário que cabe aos irmãos unilaterais =

valor da herança(número de irmãos bilaterais ×2 )+ número de irmãos unilaterais

No exemplo:

120.000€(1×2 ) + 2

=120.000 €4

=30.000 €

Quinhão Hereditário que cabe aos irmãos bilaterais =

valor da herança(número de irmãos bilaterais ×2 )+ número de irmãos unilaterais

× 2

No exemplo:

120.000€(1×2 ) + 2

× 2=120.000 €4

× 2=30.000 € ×2=60.000 €

Contagem de graus:

O modo como se efetua a contagem de graus encontra-se previsto no artigo 1581ºCC. Tanto na contagem de graus na linha reta (artigo 1581º/1CC), como na linha colateral (artigo 1581º/2CC) há que ter em atenção que o progenitor comum nunca se conta.

Y e E são parentes na linha reta. O progenitor (Y) nunca se conta. Assim conta-se E (1), C (2) e A (3). Conclui-se que Y e E são parentes no 3º grau da linha reta. São bisavô e bisneto.

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HG

F

C

E

D

BA

Y

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A Y : Filho e pai. Parentes no 1º grau da linha reta.Y D : Avô e neto. Parentes no 2º grau da linha reta.A B : Irmãos. Parentes no 2º grau da linha colateral. (Nota: não existem parentes no 1º grau da linha colateral porque na linha colateral há sempre um progenitor em comum que nunca conta.)

B C : Tio e sobrinho. Parentes no 3º grau da linha colateral.B E : Tio-avô e sobrinho-neto. Parentes no 4º grau da linha colateral.E F : Primos direitos. Parentes no 4º grau da linha colateral. (neste caso o progenitor comum é o A, que não conta)E H : Primos. Parentes no 5º grau da linha colateral.G H : Primos. Parentes no 6º grau da linha colateral.

Limite dos efeitos do Parentesco:

Por vezes, a produção dos efeitos do parentesco é reduzida, ficando aquém do estabelecido no artigo 1582ºCC. Existem assim exceções que reduzem o âmbito da eficácia do parentesco, nomeadamente a do artigo 2133º/1-d) CC que indica que, para efeitos sucessórios, só conta até ao 4º grau da linha colateral.

Outras vezes, a produção dos efeitos do parentesco é alargada para além do disposto no artigo 1582ºCC. Existem assim exceções que alargam o âmbito da eficácia, nomeadamente a situação de, em regra, os descendentes do irmão podem ser chamados à sucessão qualquer que seja o grau do parentesco, cabendo no artigo 2133º/1-c) CC. O artigo 2042º CC estabelece assim o direito de representação sucessória na sucessão legal quanto a descendentes do irmão do de cuiús (aquele que morreu; o autor da sucessão; a quem respeita a herança).

Efeitos do Parentesco: (tal como está no ppt da Professora Rute Pedro)

- Efeitos sucessórios (artigo 2133º/1 e artigo 2157º CC);- Transmissão da posição contratual do arrendatário: artigo 1106º/3 CC;- Obrigação de alimentos (artigo 2009º/1 -b), -c), -d) e -e) CC);- Designação do Tutor (artigo 1931º/1 CC) e escolha dos vogais do Conselho de

Família (artigo 1952º/1 CC);- Impedimentos Matrimoniais (artigo 1602º -a) e -c) e artigo 1604º-c) CC);- Impedimento à averiguação oficiosa da maternidade e da paternidade: artigo

1809º -a) e artigo 1866º-a) CC;- (…)

Filiação - relação de parentesco no primeiro grau da linha reta. Produtora de uma ampla eficácia jurídica. Regulada com pormenor no que respeita:

- ao modo de estabelecimento;- aos efeitos.

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HG

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AFINIDADE (1584ºCC): na noção do artigo 1584º CC devia-se acrescentar “e vice-versa” pois é uma relação recíproca. É reta ou colateral, consoante o parentesco que lhe subjaz, sendo que a contagem de graus também é feita com base nesse mesmo parentesco.

F passa a ser afim de D, sendo que é uma relação colateral pois E e D são irmãos (parentes no 2º grau da linha colateral). Logo F e D, cunhados, são afins no 2º grau da linha colateral.

A é afim de D no 1º grau da linha reta. A é sogro/sogra de D e D é genro/nora de A.

- A afinidade não gera afinidade.Exemplo: Os concunhados não são afins.

A e D são concunhados, mas não são afins.

- A afinidade, radicando no casamento, só nasce a partir da celebração do mesmo.Exemplo: O parente pré-falecido de um cônjuge não é afim do outro cônjuge.

- A afinidade não se cria após a dissolução do casamento.Exemplo: O filho que alguém venha a ter com terceiro depois da dissolução do seu casamento não é afim do seu ex-cônjuge.

- A afinidade não cessa com a dissolução do casamento por morte. (Cfr. regime anterior à Lei 61/2008 de 31 de Outubro.)Exemplo: Após a morte de um dos cônjuges, o cônjuge sobrevivo continua a ser afim dos parentes do falecido deque já era afim.

Efeitos da Afinidade:

- Obrigação de alimentos (artigo 2009º/1-f) CC);- Transmissão da posição contratual do arrendatário (artigo 1106º/3 CC);- Designação do Tutor (artigo 1931º/1 CC) e escolha dos vogais do Conselho de

Família (artigo 1952º/1 CC);- Impedimento matrimonial: artigo 1602º-d) CC;

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F E D

CB

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DCE

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A DCB

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- Impedimento à averiguação oficiosa da maternidade e da paternidade: artigo 1809º-a) e artigo 1866º-a) CC (Exemplo: o estado abstém-se de descobrir a paternidade caso seja um filho de um genro e uma sogra; porém o próprio filho pode investigar, uma vez que é uma questão particular).

Hipótese Prática nº1

a)A resposta encontra-se no artigo 2133ºCC, que

estabelece a ordem em que são chamados os herdeiros. Rui não tem parentes que se enquadrem nas alíneas a), b) e c) do nº1 do artigo 2133º CC. Quanto à alínea d), o primo Daniel também não se encaixa pois é parente de Rui no 5º grau da linha colateral. Como Daniel não é descendente de nenhum irmão de Rui, também não pode suceder. Assim, só se pode aplicar a alínea e) do referido artigo e a herança de Rui vai para o Estado.

b) A resposta encontra-se no artigo 2009ºCC, sendo

que é preciso qualificar as relações de parentesco que aqui temos presentes, que são todas em linha reta: David e Eduarda são parentes de Antónia no 1º grau da linha reta ascendente; Beatriz é parente de Antónia no 1º grau da linha reta descendente; Carlos é parente de Antónia no 2º grau da linha reta descendente.

Analisando o artigo 2009º/1CC, vemos que Antónia não tem parentes que se encaixem na alínea a), mas tem parentes que integram a alínea b) (Beatriz e Carlos) e a alínea c) (David e Eduarda). O artigo 2009º/2CC estabelece uma preferência de classes, ao remeter para a ordem da sucessão legítima, presente nos artigos 2134º e ss CC. Tal significa que, só passamos para a alínea c) caso não existam descendentes ou estes não tenham possibilidade de prestar alimentos (artigo 2009º/3CC). No entanto, no caso em apreço, temos dois descendentes e, como o artigo 2009º/2CC nos remete para a ordem da sucessão legítima, temos que recorrer ao artigo 2135ºCC que estabelece um princípio de preferência entre classes e conseguimos concluir que, em princípio, quem tem que prestar alimentos é o parente de grau mais próximo, logo prioritariamente é a filha Beatriz. Se Beatriz não tiver possibilidade passa a Carlos e se este também não tiver possibilidade, a obrigação passa a ser de David e Eduarda. Caso Antónia tivesse dois filhos, existia uma obrigação conjunta dois (e não solidária pois só há obrigação solidária se a lei prever ou for convencionado).

c)

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1. Primeiramente, é necessário verificar se a paternidade jurídica está estabelecida. As duas formas que a lei prevê para o reconhecimento da paternidade fora do casamento são a via judicial e a perfilhação (reconhecimento voluntário).

Neste caso sabemos que Xavier perfilhou Maria Eduarda, logo a paternidade jurídica encontra-se estabelecida. Maria Eduarda e Carlos são irmãos consanguíneos, parentes no 2º grau da linha colateral. A questão que se coloca é saber se eles podem ou não casar, sendo que a resposta encontra-se no artigo 1602ºCC, cuja redação foi alterada recentemente pela Lei 137/2015, de 07/09. Carlos e Maria Eduarda não podem casar pois o parentesco no 2º grau da linha colateral gera, nos termos do artigo 1602º-c) CC, um impedimento (determinação legal que proíbe) dirimente (a sua violação gera a anulabilidade do casamento nos termos do artigo 1631º-a) CC) relativo (a Maria Eduarda e o Carlos podem casar, só estão impedidos de casar um com o outro; contrapõe-se aos impedimentos absolutos do 1601ºCC que se verificavam, se, por exemplo, a Maria Eduarda ou o Carlos tivessem menos de 16 anos). A legitimidade para arguir a anulabilidade está prevista no artigo 1639ºCC e o prazo no artigo 1643º/1CC.

Aula nº 4 de 2015/10/06

Sumário: Conclusão do sumário da aula anterior. Resolução de hipóteses práticas sobre o regime jurídico aplicável à união de facto, considerando em particular os elementos constitutivos e impeditivos da sua eficácia jurídica e os efeitos relativos à casa de morada de família.

Hipótese Prática nº1

c) 2. Os efeitos da adoção plena estão previstos no artigo 1986ºCC, porém, este artigo sofreu uma alteração com a Lei 143/2015, de 08/09, passando a aplicar-se a todos os tipos de adoção. O nascimento ocorreu em 1992, logo aplicava-se a lei na sua redação anterior, mas neste caso não interessa, porque a adoção foi plena, logo os efeitos seriam os mesmos. Se a Maria Eduarda tivesse sido adotada por Eça e por Helga, adquiria a situação jurídica de filha deles e integrava-se com os seus descendentes na família de Eça e Helga, cortando laços com a sua família biológica. Porém, a remissão que a parte final do artigo 1986º/1CC faz para os artigos 1602º CC a 1604º CC, leva a que, apesar dos efeitos já enunciados da adoção, o impedimento dirimente continue a aplicar-se neste caso, motivado por razões sociais e biológicas. Com esta solução legal, o legislador procurou evitar a endogamia, pois Maria Eduarda é irmã biológica de Carlos. Para os restantes efeitos, Maria Eduarda continua somente a ter laços familiares com Eça e Helga, sendo que, por exemplo, se Eça morresse, eram Maria Eduarda e Helga chamadas à sucessão, nos termos do artigo 2133º CC. Caso o casamento entre

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Carlos e Maria Eduarda venha a ser celebrado é anulável nos termos dos artigos 1639º CC e 1643º/1 CC.

3. Os primos direitos são filhos de duas pessoas que são irmãs, sendo assim parentes em 4º grau da linha colateral.

Analisando os artigos 1602º CC e 1604º CC verificamos que não existem impedimentos nem dirimentes nem impedientes nesta situação, o que significa que, caso fossem primos direitos, Maria Eduarda e Carlos podiam casar nos termos dos artigos 1602º-a) + -c) CC e 1604º-c) CC.

d) 1. Verificando os artigos 1602º CC e 1604º CC

vemos que a única situação em que se podia enquadrar o caso em apreço era no artigo 1602º-d) CC, na sua nova redação, ou seja, há impedimento dirimente relativo quando há afinidade na linha reta.

Porém, no caso em apreço, não há impedimento pois não existe entre Antónia e David qualquer espécie de afinidade, nem na linha reta, nem na linha colateral. Este é o típico exemplo de concunhados, sendo que os concunhados não são afins pois quando Antónia se casou com Bruno torna-se afim dos parentes de Bruno, mas não se torna afim dos afins deste (David era afim de Bruno), pois a afinidade não gera afinidade. Assim, Antónia e David podem-se casar.

No caso de Bruno e Carlota terem falecido, a resposta seria a mesma, pois Antónia e David continuam a ser concunhados, não existindo qualquer relação jurídica familiar entre eles, não chegando a nascer afinidade e por isso não se verifica qualquer impedimento ao seu casamento. Neste caso, é indiferente a causa de dissolução do casamento.

2. Esta é uma nova situação fática, ou seja, supõe-se que os casamentos não se tinham dissolvido.

O juiz é Bruno: Bruno e David são afins no 2º grau da linha colateral (pois a espécie e o grau da afinidade são os mesmos do parentesco que subjaz essa afinidade), sendo que, nestes casos, o artigo 115º/1-b) CPC diz que é causa de impedimento a afinidade no 2º grau da linha colateral e por isso há um impedimento na atuação do juiz.

A juíza é Antónia: Antónia e David são concunhados, logo não são afins. Nos termos do artigo 115º/1 CPC vemos que não há causa de impedimento nestes casos e o juiz poderia exercer funções. Porém, há fundamento de suspeição nos termos do artigo 120º/1-a) CPC, que se refere à existência de relações de afinidade “entre o juiz ou o seu cônjuge e alguma das partes”, sendo o que se verifica neste caso (há relação de afinidade entre o cônjuge da juíza (Bruno) e uma das partes do processo (David)).

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e) 1. A questão que aqui se coloca é saber se Catarina e Daniel se podem casar (supondo que o prazo internupcial, ou seja o prazo entre casamentos sucessivos estabelecido no artigo 1605º CC foi respeitado).

Verificamos que eles não são parentes, no entanto existe afinidade no 1º grau da linha reta pois Catarina quando se casou com Bernardo, tornou-se afim dos parentes deste, nomeadamente do seu filho Daniel. É necessário agora saber se Catarina e Daniel continuam hoje a ser afins. Apesar do casamento entre Catarina e Bernardo se ter dissolvido, quando a causa da dissolução do casamento é a morte, a afinidade não se extingue. Por essa razão, hoje Catarina e Daniel continuam a ser afins no 1º grau da linha reta e por isso verifica-se um impedimento dirimente relativo (artigo 1602º-d) CC), logo Catarina e Daniel não se podem casar. Deste modo, o casamento se vier a ser celebrado, é anulável termos do artigo 1631º-a) CC, sendo que a legitimidade para tal é aferida nos termos do artigo 1639ºCC e o prazo é o do artigo 1643º/1 CC.

2. Supondo que o prazo internupcial do artigo 1605º

CC foi respeitado, é necessário saber se Catarina e Daniel podem-se casar nos dias de hoje.

O que se alterou neste caso foi a causa de extinção do casamento, o que altera a resposta, pois o divórcio opera a extinção da afinidade nos termos do artigo 1585º CC a contrario sensu (até 2008 a afinidade nunca cessava). Assim, hoje podem casar porque já não existe afinidade, logo não há qualquer impedimento.

3. Catarina e Isabel são afins no 1º grau da linha reta,

no entanto, Catarina e Fernando não são afins porque só se tornam afins dos parentes do cônjuge e não dos afins do cônjuge. Assim, Catarina e Fernando podem-se casar pois a afinidade não gera afinidade porque Catarina quando se casou com Bernardo só se tornou afim dos seus parentes (Daniel e Isabel), e vice-versa.

f) É necessário saber se existe alguma relação

jurídico familiar entre Carolina e Daniel, sendo que o problema está em saber se a afinidade chegou a nascer. A afinidade pressupõe que exista parentesco e casamento, sendo que, para nascer, tem que o casamento já ter sido celebrado e ainda não dissolvido, pois a afinidade não nasce antes da celebração do casamento nem depois da sua dissolução.

Assim, a afinidade entre Daniela e Carolina não chega a nascer porque quando Daniela nasce o casamento entre Guilherme e Carolina já tinha sido dissolvido.

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Hipótese Prática nº2

I. Diana pretende saber se hoje, Outubro de 20115, a Lei 7/2001, de 11 de maio (atualizada pela Lei 23/2010, de 30 de Agosto) - LUF, que adota medidas de proteção das uniões de fato, confere proteção à sua relação com Alberto. Assim, em primeiro lugar é necessário averiguar se essa relação se reveste das características da união de facto:

- leito (componente sexual)- mesa (partilha de encargos)- habitação (residência no mesmo teto)O preenchimento cumulativo destas características (se faltar algum destes 3

elementos não temos união de facto) leva a que se possa dizer que estamos perante uma união de facto, pois desta forma, estão a viver em condições análogas à dos cônjuges (artigo 1º/2 LUF). Pode-se dizer, à partida, que a união de facto entre Diana e Alberto inicia-se em Agosto de 2013 pois só aí é que se verifica a reunião conjunta destas características na relação. Porém, além destes 3 elementos, é necessário ainda uma duração mínima de 2 anos (artigo 1º/2 LUF). No caso em apreço, atualmente, em Outubro de 2015 esses dois anos já se tinham passado. Porém, para que a união de facto seja eficaz, é necessário ainda que não se verifique nenhum dos impedimentos previstos no artigo 2º LUF. Neste caso verifica-se o impedimento do artigo 2º-c) LUF pois Alberto ainda é casado com Bernardete. É importante fazer notar que o casamento não era impedimento à eficácia da União de Facto, desde que a separação de pessoas e bens tivesse sido decretado, o que não se verificou. Este é um regime que merece críticas, segundo a Professora Rute Pedro, pois admite a existência de uma união de facto adulterina que produza efeitos (sendo que, por outro lado, o legislador prevê deveres de fidelidade entre os cônjuges). Apesar de, em 2007, Alberto e Bernardete passarem a estar separados de facto, não basta a separação de facto para que haja separação de pessoas e bens, pois o decretamento de pessoas e bens depende da intervenção de uma autoridade pública (conservatório ou tribunal). Concluindo, a União de Facto entre Alberto e Diana não é eficaz, logo não beneficiam da proteção prevista na LUF.

II. a) A partir dos finais de outubro de 2013 deixa de se verificar o impedimento do artigo 2º-c) LUF, apesar de Alberto continuar casado com Bernardete. Estão assim preenchidos os 3 requisitos para a existência de uma união de facto, sendo que o problema é o prazo de 2 anos do artigo 1º/2 LUF. A questão que aqui se coloca é a de saber se a união de facto se começa a contar a partir de Agosto de 2013 (e nesse caso em Setembro de 2015, Alberto e Diana já viviam numa União de Facto eficaz), ou se só se começa a contar a partir do decretamento da separação de pessoas e bens, ou seja, a partir de finais de Outubro de 2013 (e aí ainda não tinham passado os 2 anos e por isso a

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União de Facto ainda não era eficaz). Ou seja, a nível teórico a questão que se coloca é a de saber se começa-se a contar o período da união de facto a partir do momento em que estão reunidos os 3 requisitos, mesmo existindo impedimento, ou não, pelo contrário, só se começa a contar a partir do momento em que deixa de se verificar o impedimento, ou seja, aquando do decretamento da separação de pessoas e bens.

A Professora Rute Pedro concorda que se comece a contar desde o início (sendo que a jurisprudência tende para esse sentido, havendo, no entanto, jurisprudência em sentido oposto), sendo que são 3 os argumentos para tal:

1º. A razão de ser da exigência do prazo de 2 anos é a estabilidade. Ora, a estabilidade da relação não aumenta nem diminui com a separação de pessoas e bens, logo este requisito serve somente para a eficácia da relação. A Professora Rute Pedro não concorda com a simples exigência de dois anos, desde que separado de pessoas e bens, para ela, seria necessária a exigência do divórcio.

2º. O artigo 2º LUF (no qual se encontra a exigência de decretamento da separação de pessoas e bens) enumera simplesmente factos impeditivos, o que significa que uma vez desaparecido o impedimento, estando as outras condições preenchidas, a União de Facto é logo eficaz.

3º. Argumento histórico, relacionado com a anterior redação do artigo 2º-a) LUF. Antes da alteração legislativa de 2010, era impedimento à eficácia da União de Facto, a idade inferior a 16 anos. Assim, a partir dos 16 anos, desde que durasse há pelo menos 2 anos, a união de facto poderia ser eficaz a partir dos 16 anos, contando-se o período dos dois anos a partir dos 14 anos. Essa era, no entanto, uma dúvida que se colocava, a de saber se o período anterior aos 16 anos se contava, ou se só se contava a partir dos 16 anos. A mesma dúvida também se colocava quanto à alínea c). Porém, em 2010, com o objetivo de melhor esclarecer essas dúvidas, o legislador procedeu a uma alteração da letra da norma, porém, só alterou a alínea a), para que não se contasse o período anterior aos 16 anos. No entanto, mesmo sabendo que a dúvida também se colocava quanto à alínea c), o legislador não alterou nada nessa disposição, o que faz concluir que se começa a contar a partir do período anterior, antes do decretamento da separação de pessoas e bens. Existem também posições jurisprudenciais contrárias, embora muitíssimo

escassas.Tomando, no entanto, a posição maioritária, podemos dizer que a União de

Facto é eficaz a partir de Agosto de 2013.O cerne da questão coloca-se, no entanto, na proteção da casa de morada de

família, que é uma casa arrendada. A proteção dada depende da causa da cessação da União de Facto, sendo que, como neste caso foi a morte, aplica-se o artigo 5º LUF, nomeadamente o seu nº10 (pois os nºs 1 a 9 do artigo 10º LUF aplicam-se se a casa for da propriedade do falecido) e também o artigo 1106º CC. Da conjugação destas duas disposições normativas podemos concluir que a posição do arrendatário pode transmitir-se por morte deste a uma das pessoas previstas no artigo 1106º/1 CC que estabelece uma hierarquia: em primeiro lugar, teria direito a cônjuge, Bernardete (artigo 1106º/1-a) LUF), desde que, nos termos do artigo 1106º/1-a) e /2 vivesse no locado, o que não se

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verificava; seguidamente, teria direito o seu filho, porém, teria que viver no locado há mais de um ano (artigo 1106º/1-c) LUF), o que também não se verificava, pois é dito que ele tinha acabado de chegar dos EUA de uma estadia de dois anos; por último, nos termos do artigo 1106º/1-b) e /2 LUF, verificamos que é a unida de facto, Diana que beneficia da proteção da casa de morada de família, através da transmissão da posição do arrendatário. Posto isto, o artigo 1106º/1-b) LUF, coloca ainda outra questão, que é a de saber se este 1 ano que é exigido:

A) São 2 anos da União de Facto (artigo 1º/2 LUF) + 1 ano a viver (artigo 1106º/1-b) CC) = 3 anos? ou

B) É 1 ano que se conta dentro dos dois anos? ouC) O requisito temporal dos 2 anos, para esta situação, sofre uma

exceção, porque se basta com um ano?Sobre esta problemática não há muita jurisprudência, no entanto parece que, no

entendimento da Professora Rute Pedro, desde logo a primeira opção (2+1) está fora de questão. A Dra. Olinda Garcia (na anotação que faz ao artigo 1106º CC no âmbito do regime do arrendamento urbano) diz que o legislador se basta com a duração de um ano da relação locatícia. Apesar disso, também se admite que possam ser exigidos 2 anos. Existem outros pontos do regime das uniões de facto que o legislador exige mais que dois anos, como é o caso da adoção (4 anos) e da reprodução medicamente assistida, sendo que nesses casos não se coloca esta questão.

Aula nº 5 de 2015/10/13

Sumário: Continuação da resolução de hipóteses práticas sobre o regime jurídico aplicável à união de facto, considerando em particular a hipótese de cessação da mesma por morte de um dos unidos de facto. A proteção da casa de morada de Família. A titularidade de direito do unido de facto sobrevivo ao ressarcimento de danos em caso de morte do outro unido de facto causada por um ato gerador de responsabilidade de terceiro.

Hipótese Prática nº2II.

b) b1) A questão que se coloca é a de saber se a Diana tem que sair ou não

do apartamento e porquê. Diana e Alberto viviam em união de facto pois na sua vivência em comum partilhavam leito, mesa e habitação há pelo menos dois anos, sem qualquer impedimento. É assim uma união de facto eficaz. É necessário agora perceber qual a proteção jurídica dada à união de facto. Nas uniões de facto dá-se apenas uma proteção pontual, somente momentos em que a ajuda é necessária, ou seja nos momentos de crise, que se traduzem na extinção da relação. Neste caso vivenciou-se uma situação de crise que levou à extinção da união de facto: a morte de Alberto. É também importante para a questão o facto da fração autónoma em que viviam Diana e Alberto pertencer a Alberto, pois assim estão reunidos os pressupostos para a aplicação do regime dos artigos

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5º/1 a /9 da Lei nº7/2001 de 11 de Maio, alterada pela Lei nº 23/2010 de 30 de Agosto (Medidas de Proteção das Uniões de Facto): morte e propriedade do falecido. Vamos então analisar este regime. Neste caso teríamos de primeiramente saber se Cláudio poderia vender o apartamento sem avisar Diana. O artigo 5º/9 do referido diploma fala-nos do direito de preferência que assiste ao membro sobrevivo em caso de alienação do imóvel. Neste caso, o imóvel foi alienado, pois foi vendido a Xavier. Esta norma traz-nos algumas dificuldades de interpretação pois a alienação é uma formulação muito ampla, sendo que se tem que interpretar casuisticamente. Parece que nesta norma, quando se fala de alienação, pretende significar a compra e venda e a dação em cumprimento, não se incluindo a doação, o que se justifica pela natureza do próprio ato de doação. Diana era então titular de um direito de preferência, sendo que Cláudio violou esse direito pois tinha que comunicar a Diana que havia um interessado para a venda. Chama-se a essa comunicação, notificação para preferência, que, tal como foi estudado em Direito das Obrigações, tem que incluir diversos elementos, discutindo-se se tem que incluir a identidade do terceiro que pretende comprar. É preciso também ter em atenção que só temos uma notificação para preferência se já houver um terceiro interessado, caso contrário, temos só uma mera proposta. Este caso consubstancia uma situação típica em que é importante notificar a identidade do terceiro (neste caso, Cláudio tinha que previamente comunicar a Diana a vontade de vender a fração autónoma a Xavier), uma vez que o direito real de habitação de Diana sobre a casa (artigo 5º/1 da Lei sobre Medidas de proteção das uniões de facto) perdura, mesmo que a casa seja alienada a Xavier. Ou seja, mesmo que o preferente (Diana) não prefira a casa (ou seja, depois de notificada para preferência, não a queira ou não possa comprar), é importante conhecer a identidade do terceiro que a quer alienar, pois o preferente é titular de um direito real de habitação que vai onerar o direito real que o terceiro adquiriu sobre a fração autónoma. Estando este ponto esclarecido, tem que se discutir quais as consequências do facto de Cláudio não ter notificado Diana. A venda a terceiro é válida e eficaz, mesmo tendo sido preterido o direito de preferência, porém, como se trata de um direito legal de preferência, Diana pode lançar mão da ação de preferência (artigo 1410ºCC), caso queira adquirir o imóvel, operando-se nessa caso uma sub-rogação legal em que Diana vai ocupar a posição jurídica do adquirente. Além da proposição da ação de preferência, Diana pode também ser titular de um direito de indemnização pelos possíveis prejuízos sofridos. Porém, Diana pode não ter interesse ou possibilidade de adquirir o apartamento, mas querer ficar no mesmo. Perante essa situação, tem que se atentar ao que é dito no artigo 5º/1 LUF que nos diz que o membro sobrevivo é titular de um direito real de habitação e de um direito de uso do recheio, podendo permanecer na casa durante 5 anos. Estes 5 anos correspondem a uma duração mínima, pois o nº2 do aludido artigo vem admitir que o membro sobrevivo possa permanecer na casa de morada de família numa duração superior, no caso da União de Facto ter tido uma duração superior a 5 anos, sendo que o período de permanência nesse caso pode ser igual ao da duração da

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referida União de Facto. Porém, neste caso, tal não se aplica. Enquanto o artigo 5º/1 e /2 aludem a regras que funcionam automaticamente, o nº4 do referido artigo 5º prevê uma exceção a essas duas regras que se aplica had hoc pelo tribunal. Neste caso também parece não haver razão para aplicar este preceito.

Xavier e Diana são titulares de direitos reais sobre a mesma coisa, sendo que Diana é titular de um direito real menor em que se verifica a característica da sequela (o direito acompanha o bem sobre o qual que incide, onde quer que o bem se encontre). Assim, apesar do bem se transferir para a esfera jurídica de Cláudio para a de Xavier, quando este último adquirir o bem, adquire-o onerado. Em conclusão, Diana não tem que abandonar o imóvel, pois pode apor o direito real de habitação que tem.

b2) Diana pode permanecer no imóvel durante o prazo de cinco anos estabelecido pelo artigo 5º/1 da lei sobre Medidas de Proteção das Uniões de Facto. Findo esse prazo o artigo 5º/7 LUF estabelece o direito potestativo à celebração do contrato de arrendamento, na medida em que, a menos que estejam preenchidos os requisitos do artigo 1102ºCC, o titular do imóvel encontra-se em estado de sujeição e tem que celebrar o contrato de arrendamento. Assim, Diana tem o direito a permanecer no imóvel no período entre o espaço temporal em que é titular do direito real de habitação e o momento em que tem o direito potestativo de celebrar contrato de arrendamento. Durante esse tempo, parte da doutrina diz que está sem título, porém, pode permanecer no imóvel.

Esta solução vem confirmada pela letra do artigo 5º/9 que refere que existe o direito de preferência do sobrevivo enquanto ele habitar o imóvel “a qualquer título” (ou seja, quer enquanto titular do direito real de habitação, quer enquanto for arrendatária em virtude de ser titular do direito potestativo de celebração do contrato de arrendamento).

No caso do imóvel ser vendido no período em que Diana é arrendatária do mesmo, esta mantém a sua posição, nos termos do artigo 1057º CC pois, apesar do imóvel ter sido alienado, o terceiro ao adquiri-lo vai ocupar a posição jurídica de senhorio, o que significa que a venda não vai afetar a posição jurídica do arrendatário. Existem autores que vêm defender que este direito do arrendatário é um direito real, porém a generalidade da doutrina não concorda, entendendo que se trata de um direito pessoal de gozo.

c) Em primeiro lugar vamos esclarecer qual o tipo de responsabilidade civil que se poderá aplicar. Parece que se aplicará o regime da responsabilidade civil extracontratual (artigo 483º/1CC), caso o lesado venha a provar que os 5 pressupostos aí indicados estão preenchidos, pois a factualidade exposta permite-nos concluir logo que, apesar de se tratar de um acidente causado no âmbito da circulação de veículos terrestres, não se aplica a responsabilidade pelo risco do artigo 503º/1CC.

Ultrapassado este ponto, a questão fulcral é a de saber se a situação do companheiro sobrevivo é análoga á do cônjuge sobrevivo. Até 2010, a lei dava resposta

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negativa a esta questão, apesar de já na altura existir jurisprudência que dizia que a situação era análoga pois entendiam que o sofrimento de perder alguém tão próximo era o mesmo. É então a partir de 2010 que o legislador vem dizer que o companheiro sobrevivo nestes casos também tem direito a ser compensado, conforme previsto no artigo 496º/3 CC. Estamos a falar de danos não patrimoniais (ligados ao sofrimento), sendo que a análise conjugada dos artigos 496º/2 e /3 CC com o 496º/4 CC, parece indicar-nos que estamos perante três espécies de danos:

- Dano sofrido pelo falecido entre o momento do acidente e a morte: é um dano que é encabeçado pelo falecido; integra-se na esfera jurídica do falecido; dano próprio do falecido.

- Danos sofridos pelas pessoas do 496º/2+/3 CC: dano próprio dessas pessoas.

- Dano perda da vida: é aqui que se levanta o problema, na medida em que se discute a questão de quem é ressarcido por esse dano: as pessoas próximas ou o falecido, transmitindo-se depois pela sucessão? Quem morre deixa de ser suscetível de encabeçar a esfera jurídica, deixa de ter personalidade e capacidade jurídica, no entanto, o momento em que ele morre é o momento onde, simultaneamente, nasce o direito a ser ressarcido e termina a personalidade jurídica da pessoa. Há assim divergências doutrinais neste ponto:

- Parte da doutrina diz que é um dano que pertence às pessoas elencadas no artigo 496º/2+/3 CC, sendo que como principal argumento têm a letra da lei do artigo 496º/4CC quando se refere a “não só(…)como”, ao aludir que essas pessoas recebem por direito próprio compensação tanto pelos danos sofridos por elas próprias, como pelo dano da perda da vida.

- Outra parte da doutrina diz que o direito a ser ressarcido nasce na esfera jurídica da pessoa no momento do acidente, mas só adquire esse direito quando se verifica a morte, tendo depois de se transmitir. Neste ponto, verifica-se também a existência de doutrina diversa:

- Uma parte dos autores diz que a transmissão dá-se segundo as regras do direito sucessório (artigos 2031º e ss CC).

- Outra parte dos autores diz que se transmite às pessoas elencadas no artigo 496º/2 e /3CC.Atendendo à lei, parece que é mais correto aplicar o último

entendimento (sucessão às pessoas do 496º/2 e /3CC). Durante muito tempo, esta questão não se aplicava pois o artigo 496º/3CC não existia e as pessoas e a ordem elencadas no artigo 496º/2CC coincidiam exatamente com o estabelecido nos artigos 2031º e ss CC. Atualmente com a introdução do artigo 496º/3CC, que vem referir-se às uniões de facto, existe essa diferença, pois no regime do 2031º e ss CC não há referência às uniões de facto. A Professora Rute Pedro concorda com a transmissão da compensação às pessoas enumeradas nos artigos 496º/2 e /3 CC.

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Em suma, qualquer que seja o entendimento seguido, o companheiro sobrevivo (neste caso Diana) tem direito a ser compensado pelo sofrimento próprio e depois, mediante a posição adotada, pela perda da vida do falecido.

Estivemos até agora a falar dos danos não patrimoniais, sendo que agora vamos falar dos danos patrimoniais, analisando o regime do artigo 495º/3CC que estabelece que têm direito a receber indemnização aqueles que podiam exigir alimentos ao falecido ou aqueles que o lesado prestava o cumprimento de uma obrigação natural. No nosso caso, parece que Alberto devia a Diana o cumprimento de uma obrigação natural, não lhe devendo alimentos, conclusão que se retira da análise do artigo 1672ºCC que só se refere aos cônjuges, sendo possível aferir que não havendo dever de assistência na constância da união de facto, não há dever de prestação de alimentos. Podemos ainda levantar a questão do artigo 2020ºCC para justificar que Alberto devia alimentos a Diana, porém o nº1 do referido artigo fala-nos de “herança” ou seja, esse direito nasce somente quando Alberto morre e é exigido à herança, sendo que o artigo 495º/3CC fala-nos que têm direito a indemnização os que podem exigir alimentos ao lesado (Alberto), não havendo qualquer referência à herança. Assim, podemos concluir que Diana não podia exigir a Alberto alimentos, sendo que da factualidade que se retira de uma vivência em união de facto, só podemos determinar que havia uma obrigação natural entre Alberto e Diana. A obrigação natural opõe-se à obrigação civil, não sendo judicialmente exigível, porém, caso se verifique um cumprimento voluntário pelo devedor capaz da obrigação natural, não há possibilidade de repetição do indevido. Quando Alberto morre, a obrigação natural converte-se em obrigação civil, porque passa a ser exigida judicialmente ao lesante (Xavier), uma vez que este, pelo seu comportamento ilícito e culposo, atacou o substrato do crédito à pessoa do devedor, o que em princípio não traria consequências, porém, excecionalmente nestes casos, o legislador vem prever a eficácia externa das obrigações. Xavier vai assim ter que responder pelo dano do não cumprimento da obrigação de alimentos. A justificação de tal encontra-se, para a maioria da doutrina, no 483ºCC, que entende que a expressão “direito de outrem” se refere a direitos absolutos, sendo que em princípio, não é possível que terceiros respondam pelo ataque, porém há exceções. Isto é um problema da eficácia externa das obrigações, estudado em Direito das Obrigações.

Concluindo: Diana pode pedir indemnização por danos não patrimoniais pelo facto do Alberto já não contribuir para os encargos da vida familiar, incluindo as suas obrigações naturais. É assim uma manifestação da eficácia externa das obrigações.

d) d1) Como estamos perante uma união de facto, existem duas formas de

estabelecimento da paternidade:- Reconhecimento voluntário (perfilhação – artigos 1849º e ss

CC). Pode essa perfilhação ser feita antes do nascimento, uma vez que a perfilhação é válida e eficaz a partir do momento da concepção;

- Reconhecimento judicial (artigos 1869º e ss CC).

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Como estamos perante uma união de facto, em princípio não funciona a presunção da paternidade. O Professor Doutor Guilherme de Oliveira tece críticas a esta solução.

d2) Caso Diana e Alberto fossem casados a resposta não seria a mesma pois nesse caso aplicava-se a presunção da paternidade do artigo 1826ºCC.

d3) Para poderem recorrer a técnicas de reprodução medicamente assistida, a união de facto tem que ter duração superior de 2 anos (e por isso é que na alínea diz que vivem desde agosto de 2011). O artigo 20º da Lei 32/2006 prevê a aplicação da presunção da paternidade aos unidos de facto (há pelo menos dois anos) que recorram a técnicas de reprodução medicamente assistida.

e) O problema está em saber a quem é que Diana pode exigir alimentos. Coloca-se a questão de saber se tem que pedir primeiro à mãe e só no caso de a mãe não os prestar é que pode pedir à herança do seu companheiro falecido. A resposta atualmente é negativa. Antes de 2010, o artigo 2020ºCC estabelecia que esta obrigação de alimentos da união de facto era subsidiária, ou seja, só se podia exigir alimentos à herança do companheiro falecido se as pessoas elencadas no artigo 2009ºCC não pudessem prestar alimentos. Porém, com a alteração do artigo 2020ºCC, o direito de exigir alimentos exerce-se contra o património do unido de facto, deixando esta solução de ser subsidiária. As alterações legislativas de 2010 operaram assim uma maior proteção ao unido de facto sobrevivo que se verifica também, por exemplo, na situação de o unido de facto sobrevivo poder pedir prestação social ao Estado, mesmo que não careça de alimentos ou, carecendo, a herança do falecido pudesse prestá-los.

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