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Aumento Da Tarifa de Ônibus_ Tarifa Não é Dinheiro, é Tempo _ Opinião _ EL PAÍS Brasil

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MAIS INFORMAÇÕES

Polícia e MPL cedem, e

 protestos em São Paulo

têm violência pontual

A volta ao mundo dosabusos policiais contra

as manifestações

Tarifa não é dinheiro, é tempo

É por recusar a brutalização da vida que manifestantes se tornam uma ameaça perigosa e são violentamente reprimidos

18 JAN 2016 - 12:54 BRST

Tempo não é dinheiro. E tarifa é tempo, não dinheiro. São sobre tempo,

portanto, e não sobre dinheiro, os protestos contra o aumento das passagens do

transporte público em 2016, como foram os de 2013. Se não for resgatada a potência

do que está em jogo nas ruas de São Paulo e de outras cidades do Brasil, tudo serepetirá como farsa. E a Polícia Militar brutalizará os corpos já brutalizados pela tarifa

e, principalmente, pela vida monetarizada. A vida reduzida à lógica do capital.

Há duas linhas principais na narrativa dos protestos por parte da

imprensa. Uma destaca o fato de que o aumento da tarifa de

ônibus, trens e metrô de São Paulo, de 3,50 reais para 3,80 reais,

foi menor do que a inflação. A outra aponta o “confronto”

da Polícia Militar  com os manifestantes para impedir a

depredação e o “vandalismo” do patrimônio. Essas duas

abordagens, intimamente ligadas, aparecem como naturais, como

ELIANE BRUM

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para encobrir que os protestos são políticos, sim, mas políticos no sentido profundo da

política, que diz respeito a como as pessoas querem estar com as outras no espaço

público. E de como querem viver o que de mais importante têm ou tudo o que de fato

têm numa vida: tempo.

Os protestos contra o aumento da tarifa recusam amonetarização da vida e devolvem a gestão do tempo aoterritório da política

Vale lembrar da frase de lembrança sempre urgente do professor Antonio Candido, um

dos intelectuais brasileiros mais importantes do século 20: “O capitalismo é o senhor 

do tempo. Mas tempo não é dinheiro. Dizer que tempo é dinheiro é uma brutalidade.

Tempo é o tecido de nossas vidas”. Quando se vai às ruas protestar contra 20

centavos, como em 2013, ou contra 30 centavos, como agora, em 2016, não é “só”

sobre 20 ou 30 centavos. Ainda que seja também, o protesto é principalmente sobre

algo que, ainda que o capitalismo bote preço, escapa do capitalismo. Não existe uma

“natureza” inerente ao tempo que diga que ele tem preço. Existe política e cultura,existe criação humana.

É de política que se trata quando se protesta contra a apropriação do tempo. A lógica

dos protestos é a de que tudo pode se mover, porque cultura e porque criação

humana. É também a lógica do possível, não do já cimentado. Assim, a lógica dos

protestos não se sujeita a dogmas. Ela se sujeita ao sujeito. E o sujeito, quando

sujeitado, objeto se torna. É essa a conversão feita pela lógica da monetarização e

pela lógica da brutalização dos corpos pela PM: reduzir o sujeito a objeto para que

nada se mova. Para impedir que isso se repita como farsa, é necessário reafirmar a

gestão do tempo como uma experiência da política.

Pesquisas que relacionam quantidade de tempo de trabalho e valor monetário da

tarifa, como a realizada pelos economistas Samy Dana e Leonardo Lima, da FundaçãoGetúlio Vargas, são importantes. Em São Paulo, uma pessoa precisava trabalhar, em

2015, cerca de 13,30 minutos para pagar a passagem. Já em capitais que costumam

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ser admiradas e elogiadas como o melhor do capitalismo, onde os serviços de

transporte público apresentam qualidade reconhecidamente melhor, as tarifas são

mais baixas e até muito mais baixas: Londres (11,30 minutos), Madri (6,20 minutos),

Nova York (5,80 minutos) e Paris (4,50 minutos).

 A exposição da discrepância dos valores monetários, provando que é possível ter uma

tarifa bem menor mesmo em países capitalistas, é fundamental para começar a

desconstruir as contas e revelar o material que nelas está embutido, para muito além

da reposição da inflação. É essencial para fazer as perguntas mais complicadas,

aquelas necessárias para a compreensão de por que no Brasil há uma tarifa tão cara

para um serviço tão péssimo. Mas talvez o mais importante desse tipo de pesquisa

seja chamar a atenção para o elemento principal, o tempo.

Vale a pena destacar o fato de que uma parcela das pessoas trabalha mais de 13

minutos em São Paulo para pagar uma única passagem de ônibus ou trem para

alcançar o local de trabalho. Para a ida e a volta é quase meia-hora de vida. E muitos

pegam mais do que um ônibus e um trem para a ida e para a volta, engolindo mais

vida. E isso sem contar o tempo médio que cada um leva neste percurso, às vezes

horas. De vida. Também vale a pena lembrar que, para o lazer, falta.

Me refiro a pessoas – e não a “trabalhadores” – para não reduzir a larga dimensão de

uma existência a trabalho ou à monetarização dos corpos. Assim, esse tipo de

pesquisa serve para lembrar não que tempo é dinheiro, mas justamente a negação

dessa monstruosidade: tempo não é dinheiro. É isso que os manifestantes contra a

tarifa lembram a todos ao ocupar as ruas. Mas sua voz é encoberta pelos dogmaslaicos. Que, como todo dogma, recusam qualquer dúvida.

PM vandaliza pessoas para proteger patrimônio, perfura carnehumana para proteger vidro, cimento e ferro

Quando a voz é encoberta, a política e a possibilidade de mudança são caladas. Pela

força, como se vê. O papel reservado à PM é justamente o de manter uma ordem

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ordenada por aqueles que detêm o poder de dizer qual é a ordem que vale. De

sujeitos da sua ação política, do seu verbo, os manifestantes são reduzidos nas ruas a

objetos da ação de um outro, que conjuga o verbo silenciar usando o estrondo das

bombas. E assim impede o debate sobre o transporte como um direito social,

recentemente incluído na Constituição, mas ainda não expresso na prática cotidiana.

 Aqueles que defendem a tarifa zero, como o Movimento Passe Livre (MPL), principal

articulador dos protestos de 2013 e de 2016, acreditam que não é o usuário que deve

pagar individualmente pelo serviço, mas o conjunto da sociedade, para que todos

tenham acesso ao direito de ir e vir. Como acontece, costuma lembrar o engenheiro

Lúcio Gregori, secretário de Transportes na gestão de Luiza Erundina, na coleta de

lixo, na educação e na saúde, entre outros exemplos, com melhores ou pioresresultados. Acontece porque a sociedade entende que é importante garantir o acesso

a todos. Há várias propostas circulando de como isso poderia ser implementado, mas

esse debate é obscurecido e seus interlocutores reprimidos.

 A tarifa zero é controversa? É. Como tudo o que pertence à esfera da política. Talvez

menos controversa do que a ideia de um serviço essencial estar submetido à

rentabilidade dos empresários do ramo. Mas, qual é a ameaça tão grande à ordem e

aos dogmas, que não é possível sequer levantar um cartaz pela tarifa zero sem levar 

bomba de gás ou um cassetete na cabeça ou no lombo? Essa é a pergunta óbvia que

qualquer um deveria fazer antes de sair defendendo a repressão aos manifestantes ou

dizendo que a tarifa zero é irreal. Numa democracia não há nada que não possa – ou

mesmo deva – ser debatido pela sociedade. Numa democracia o único imperativo

acima de qualquer discussão é este: a obrigação legal e ética de dialogar sobre tudo.Neste caso, dialogar antes de impor um aumento de 30 centavos.

Dialogar não é uma escolha para governantes eleitos, como o governador de São

Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), e o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT).

 Ambos perdem sua legitimidade se não dialogam com os múltiplos atores da

sociedade dentro do sistema que os elegeu. É a obviedade seguidamente esquecida

de que o poder não lhes pertence, foi apenas a eles delegado pelo voto. Que Alckmin

e Haddad, que representam PSDB e PT, estejam juntos nessa empreitada do aumento

da tarifa sem o necessário diálogo com a sociedade sobre como se mover em São

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Paulo é mais uma prova da corrosão da política partidária, com a crescente perda de

sua capacidade de representação. O fato de que Haddad, um prefeito que tem ousado

na mobilidade urbana, enfrentando a rejeição de setores das classes média e alta

paulistanas, esteja ao lado de Alckmin, um governador conservador que costuma

reclamar que os movimentos são políticos, como se pudessem ser qualquer outra

coisa, estejam alinhados no aumento da tarifa, embora não na violência da PM, revelao quanto esse tema é espinhoso. Mais um motivo para ser debatido – e não o

contrário.

A tarifa é cara porque corpos humanos são baratos

É necessário prestar atenção às palavras usadas para narrar os protestos.

“Confronto”, por exemplo, pressupõe forças semelhantes, e pressupõe que essas

forças semelhantes ocupam um mesmo lugar simbólico. Quando usado em discursos,

títulos e textos da imprensa para descrever os protestos e a ação da PM, esse termo

pode estar a serviço do apagamento de uma dimensão fundamental dessa relação: os

manifestantes são cidadãos exercendo seu direito de protesto e as forças desegurança do Estado deveriam estar protegendo esse direito. Apaga-se assim o fato

de que é de normalidade democrática que deveria se tratar – e não de um lado e de

outro lado, como se fosse uma guerra e se tratasse de inimigos.

Nas vezes em que isso é questionado, ouve-se frases como a do governador Geraldo

 Alckmin (PSDB), esquecendo-se subitamente de que elogiou a PM que espancou

adolescentes nas manifestações contra a “reorganização escolar ”: “Manifestação

legítima e pacífica é positivo, é nosso dever acompanhar e dar segurança. Outra coisa

é vandalismo seletivo”. Para justificar que a polícia que comanda violou a lei ao jogar 

bombas e disparar balas de borracha contra manifestantes, é usual sacar da manga

do terno uma outra expressão: a “manifestação pacífica”.

Essa expressão contém pelo menos dois pontos sobre os quais vale a pena refletir. Oprimeiro é que, mesmo que uma pequena parte dos manifestantes deprede o

patrimônio, isso não autoriza a PM a abusar da força. É para fazer melhor que isso

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que ela deveria ser treinada, já que não se trata de uma gangue de rua, mas das

forças de segurança do Estado. Que parte da sociedade tolere e seguidamente

aplauda que a PM atue como uma gangue de rua, truculenta e despreparada, é

preocupante.

O outro ponto, e este é mais insidioso, é o de insinuar que conflito é algo negativo. O

espaço público, como tão bem disse o arquiteto Guilherme Wisnik, é um lugar de

conflitos: “O grande atributo da esfera pública é mediar o conflito, porque a sociedade,

em si, é conflituosa. A ideia de um espaço sem conflitos é ideológica, uma pacificação

irreal. Quando um espaço público não tem conflito é porque ele não está cumprindo

sua função”.

Quando os manifestantes vão às ruas levantando a bandeira da tarifa zero estão em

conflito com a visão de setores dos governos e da sociedade que defendem ideias

opostas. Tentar apagar os conflitos, sem enfrentá-los com debate e com escuta, como

historicamente o Brasil fez em temas como o racismo, leva a uma “pacificação” que

todos sabemos falsa. É o “confronto” – e não o conflito – que pressupõe inimigos a

serem esmagados, espancados com golpes de cassetete e intoxicados com gás.

A grande subversão é andar – mover-se

É preciso prestar mesmo muita atenção às palavras antes de reproduzi-las ou de

assumir um discurso que pode ser o mesmo do opressor. Quando os manifestantes“param” ruas de São Paulo, eles não estão parando. Ao contrário. Eles estão andando

nas ruas de São Paulo. Movendo-se. Quando “interrompem” o tráfego, eles não estão

interrompendo. Os carros param para que as pessoas andem. Movam-se. É

exatamente para que não se movam que a PM “encurrala” e “cerca”, “reprime” com

bombas de gás, balas de borracha e cassetete. É exatamente para que não andem

que a PM “detém” ou “prende” ou “imobiliza” manifestantes que depois são soltos

porque não há nem nunca houve justificativa legal para detê-los ou prendê-los ouimobilizá-los. A grande subversão, afinal, é andar. Mover-se. É preciso impedir que

andem para que nada se mova “na ordem natural das coisas”.

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LEIA OUTRASCOLUNAS DE ELIANEBRUM

1500, o ano que não

terminou

Em defesa da

desesperança

É política sim, Geraldo

A lama

Para que serve a PM com seu aparato de guerra? Para controlar os corpos com

golpes de cassetete, balas de borracha e bombas de gás e manter o mover-se como

valor meramente monetário. Para impedir que as pessoas perguntem por que não

podem andar. A PM está lá para proteger o “patrimônio”. Mas não o patrimônio

humano, este é barato na lógica da monetarização: mais de 13 minutos de vida para

pagar uma passagem de ônibus. Os corpos dos que querem andar podem ser espancados, intoxicados, violados porque a vida humana, pelo menos a da maioria,

tem valor baixo. O que não pode é “depredar” o patrimônio de fato caro, o material.

 A PM vandaliza pessoas para proteger patrimônio. Mas o discurso é perversamente

invertido para que os “vândalos” sejam os que quebram cimento, vidro e ferro e não os

que perfuram carne humana. Se seguidas vezes a PM vandaliza manifestantes antesde qualquer depredação do patrimônio, é possível pensar que isso acontece tanto

porque a PM está a serviço de produzir “vândalos” e “confronto”, para encobrir a

reinvindicação das ruas no noticiário, quanto pelo fato de que o patrimônio que ela de

fato está protegendo 24 horas por dia é o do status quo, e este está ameaçado desde

que o primeiro manifestante bota o pé na rua.

Vandalizar pessoas em nome da defesa do patrimônio é a ordem

para manter a ordem de que gente vale pouco. A tarifa é cara

 justamente porque a carne humana é barata.

 A insubordinação dos que andam, a que a PM é instada a

reprimir, é a de dizer que seu tempo tem valor – e este valor não é

meramente monetário. É essa a rebelião que precisa ser esmagada antes que avance pelas ruas. O movimento a ser 

interrompido pela força, antes que interrompa o trânsito dos

privilégios, é aquele que lembra que tempo não é dinheiro, mas o

tecido da vida. É aquele que reivindica o tempo “para os afetos, para amar a mulher 

que escolhi, para ser amado por ela, para conviver com meus amigos, para ler 

Machado de Assis”.

Passaremos.

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Eliane Brum é escritora, repórter e documentarista. Autora dos livros de não ficção Coluna Prestes - o

 Avesso da Lenda, A Vida Que Ninguém vê, O Olho da Rua, A Menina Quebrada, Meus

Desacontecimentos, e do romance Uma Duas.

Site: desacontecimentos.com Email:[email protected] Twitter: @brumelianebrum