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7/25/2019 Aumento Da Tarifa de Ônibus_ Tarifa Não é Dinheiro, é Tempo _ Opinião _ EL PAÍS Brasil
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MAIS INFORMAÇÕES
Polícia e MPL cedem, e
protestos em São Paulo
têm violência pontual
A volta ao mundo dosabusos policiais contra
as manifestações
Tarifa não é dinheiro, é tempo
É por recusar a brutalização da vida que manifestantes se tornam uma ameaça perigosa e são violentamente reprimidos
18 JAN 2016 - 12:54 BRST
Tempo não é dinheiro. E tarifa é tempo, não dinheiro. São sobre tempo,
portanto, e não sobre dinheiro, os protestos contra o aumento das passagens do
transporte público em 2016, como foram os de 2013. Se não for resgatada a potência
do que está em jogo nas ruas de São Paulo e de outras cidades do Brasil, tudo serepetirá como farsa. E a Polícia Militar brutalizará os corpos já brutalizados pela tarifa
e, principalmente, pela vida monetarizada. A vida reduzida à lógica do capital.
Há duas linhas principais na narrativa dos protestos por parte da
imprensa. Uma destaca o fato de que o aumento da tarifa de
ônibus, trens e metrô de São Paulo, de 3,50 reais para 3,80 reais,
foi menor do que a inflação. A outra aponta o “confronto”
da Polícia Militar com os manifestantes para impedir a
depredação e o “vandalismo” do patrimônio. Essas duas
abordagens, intimamente ligadas, aparecem como naturais, como
ELIANE BRUM
7/25/2019 Aumento Da Tarifa de Ônibus_ Tarifa Não é Dinheiro, é Tempo _ Opinião _ EL PAÍS Brasil
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para encobrir que os protestos são políticos, sim, mas políticos no sentido profundo da
política, que diz respeito a como as pessoas querem estar com as outras no espaço
público. E de como querem viver o que de mais importante têm ou tudo o que de fato
têm numa vida: tempo.
Os protestos contra o aumento da tarifa recusam amonetarização da vida e devolvem a gestão do tempo aoterritório da política
Vale lembrar da frase de lembrança sempre urgente do professor Antonio Candido, um
dos intelectuais brasileiros mais importantes do século 20: “O capitalismo é o senhor
do tempo. Mas tempo não é dinheiro. Dizer que tempo é dinheiro é uma brutalidade.
Tempo é o tecido de nossas vidas”. Quando se vai às ruas protestar contra 20
centavos, como em 2013, ou contra 30 centavos, como agora, em 2016, não é “só”
sobre 20 ou 30 centavos. Ainda que seja também, o protesto é principalmente sobre
algo que, ainda que o capitalismo bote preço, escapa do capitalismo. Não existe uma
“natureza” inerente ao tempo que diga que ele tem preço. Existe política e cultura,existe criação humana.
É de política que se trata quando se protesta contra a apropriação do tempo. A lógica
dos protestos é a de que tudo pode se mover, porque cultura e porque criação
humana. É também a lógica do possível, não do já cimentado. Assim, a lógica dos
protestos não se sujeita a dogmas. Ela se sujeita ao sujeito. E o sujeito, quando
sujeitado, objeto se torna. É essa a conversão feita pela lógica da monetarização e
pela lógica da brutalização dos corpos pela PM: reduzir o sujeito a objeto para que
nada se mova. Para impedir que isso se repita como farsa, é necessário reafirmar a
gestão do tempo como uma experiência da política.
Pesquisas que relacionam quantidade de tempo de trabalho e valor monetário da
tarifa, como a realizada pelos economistas Samy Dana e Leonardo Lima, da FundaçãoGetúlio Vargas, são importantes. Em São Paulo, uma pessoa precisava trabalhar, em
2015, cerca de 13,30 minutos para pagar a passagem. Já em capitais que costumam
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ser admiradas e elogiadas como o melhor do capitalismo, onde os serviços de
transporte público apresentam qualidade reconhecidamente melhor, as tarifas são
mais baixas e até muito mais baixas: Londres (11,30 minutos), Madri (6,20 minutos),
Nova York (5,80 minutos) e Paris (4,50 minutos).
A exposição da discrepância dos valores monetários, provando que é possível ter uma
tarifa bem menor mesmo em países capitalistas, é fundamental para começar a
desconstruir as contas e revelar o material que nelas está embutido, para muito além
da reposição da inflação. É essencial para fazer as perguntas mais complicadas,
aquelas necessárias para a compreensão de por que no Brasil há uma tarifa tão cara
para um serviço tão péssimo. Mas talvez o mais importante desse tipo de pesquisa
seja chamar a atenção para o elemento principal, o tempo.
Vale a pena destacar o fato de que uma parcela das pessoas trabalha mais de 13
minutos em São Paulo para pagar uma única passagem de ônibus ou trem para
alcançar o local de trabalho. Para a ida e a volta é quase meia-hora de vida. E muitos
pegam mais do que um ônibus e um trem para a ida e para a volta, engolindo mais
vida. E isso sem contar o tempo médio que cada um leva neste percurso, às vezes
horas. De vida. Também vale a pena lembrar que, para o lazer, falta.
Me refiro a pessoas – e não a “trabalhadores” – para não reduzir a larga dimensão de
uma existência a trabalho ou à monetarização dos corpos. Assim, esse tipo de
pesquisa serve para lembrar não que tempo é dinheiro, mas justamente a negação
dessa monstruosidade: tempo não é dinheiro. É isso que os manifestantes contra a
tarifa lembram a todos ao ocupar as ruas. Mas sua voz é encoberta pelos dogmaslaicos. Que, como todo dogma, recusam qualquer dúvida.
PM vandaliza pessoas para proteger patrimônio, perfura carnehumana para proteger vidro, cimento e ferro
Quando a voz é encoberta, a política e a possibilidade de mudança são caladas. Pela
força, como se vê. O papel reservado à PM é justamente o de manter uma ordem
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ordenada por aqueles que detêm o poder de dizer qual é a ordem que vale. De
sujeitos da sua ação política, do seu verbo, os manifestantes são reduzidos nas ruas a
objetos da ação de um outro, que conjuga o verbo silenciar usando o estrondo das
bombas. E assim impede o debate sobre o transporte como um direito social,
recentemente incluído na Constituição, mas ainda não expresso na prática cotidiana.
Aqueles que defendem a tarifa zero, como o Movimento Passe Livre (MPL), principal
articulador dos protestos de 2013 e de 2016, acreditam que não é o usuário que deve
pagar individualmente pelo serviço, mas o conjunto da sociedade, para que todos
tenham acesso ao direito de ir e vir. Como acontece, costuma lembrar o engenheiro
Lúcio Gregori, secretário de Transportes na gestão de Luiza Erundina, na coleta de
lixo, na educação e na saúde, entre outros exemplos, com melhores ou pioresresultados. Acontece porque a sociedade entende que é importante garantir o acesso
a todos. Há várias propostas circulando de como isso poderia ser implementado, mas
esse debate é obscurecido e seus interlocutores reprimidos.
A tarifa zero é controversa? É. Como tudo o que pertence à esfera da política. Talvez
menos controversa do que a ideia de um serviço essencial estar submetido à
rentabilidade dos empresários do ramo. Mas, qual é a ameaça tão grande à ordem e
aos dogmas, que não é possível sequer levantar um cartaz pela tarifa zero sem levar
bomba de gás ou um cassetete na cabeça ou no lombo? Essa é a pergunta óbvia que
qualquer um deveria fazer antes de sair defendendo a repressão aos manifestantes ou
dizendo que a tarifa zero é irreal. Numa democracia não há nada que não possa – ou
mesmo deva – ser debatido pela sociedade. Numa democracia o único imperativo
acima de qualquer discussão é este: a obrigação legal e ética de dialogar sobre tudo.Neste caso, dialogar antes de impor um aumento de 30 centavos.
Dialogar não é uma escolha para governantes eleitos, como o governador de São
Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), e o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT).
Ambos perdem sua legitimidade se não dialogam com os múltiplos atores da
sociedade dentro do sistema que os elegeu. É a obviedade seguidamente esquecida
de que o poder não lhes pertence, foi apenas a eles delegado pelo voto. Que Alckmin
e Haddad, que representam PSDB e PT, estejam juntos nessa empreitada do aumento
da tarifa sem o necessário diálogo com a sociedade sobre como se mover em São
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Paulo é mais uma prova da corrosão da política partidária, com a crescente perda de
sua capacidade de representação. O fato de que Haddad, um prefeito que tem ousado
na mobilidade urbana, enfrentando a rejeição de setores das classes média e alta
paulistanas, esteja ao lado de Alckmin, um governador conservador que costuma
reclamar que os movimentos são políticos, como se pudessem ser qualquer outra
coisa, estejam alinhados no aumento da tarifa, embora não na violência da PM, revelao quanto esse tema é espinhoso. Mais um motivo para ser debatido – e não o
contrário.
A tarifa é cara porque corpos humanos são baratos
É necessário prestar atenção às palavras usadas para narrar os protestos.
“Confronto”, por exemplo, pressupõe forças semelhantes, e pressupõe que essas
forças semelhantes ocupam um mesmo lugar simbólico. Quando usado em discursos,
títulos e textos da imprensa para descrever os protestos e a ação da PM, esse termo
pode estar a serviço do apagamento de uma dimensão fundamental dessa relação: os
manifestantes são cidadãos exercendo seu direito de protesto e as forças desegurança do Estado deveriam estar protegendo esse direito. Apaga-se assim o fato
de que é de normalidade democrática que deveria se tratar – e não de um lado e de
outro lado, como se fosse uma guerra e se tratasse de inimigos.
Nas vezes em que isso é questionado, ouve-se frases como a do governador Geraldo
Alckmin (PSDB), esquecendo-se subitamente de que elogiou a PM que espancou
adolescentes nas manifestações contra a “reorganização escolar ”: “Manifestação
legítima e pacífica é positivo, é nosso dever acompanhar e dar segurança. Outra coisa
é vandalismo seletivo”. Para justificar que a polícia que comanda violou a lei ao jogar
bombas e disparar balas de borracha contra manifestantes, é usual sacar da manga
do terno uma outra expressão: a “manifestação pacífica”.
Essa expressão contém pelo menos dois pontos sobre os quais vale a pena refletir. Oprimeiro é que, mesmo que uma pequena parte dos manifestantes deprede o
patrimônio, isso não autoriza a PM a abusar da força. É para fazer melhor que isso
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que ela deveria ser treinada, já que não se trata de uma gangue de rua, mas das
forças de segurança do Estado. Que parte da sociedade tolere e seguidamente
aplauda que a PM atue como uma gangue de rua, truculenta e despreparada, é
preocupante.
O outro ponto, e este é mais insidioso, é o de insinuar que conflito é algo negativo. O
espaço público, como tão bem disse o arquiteto Guilherme Wisnik, é um lugar de
conflitos: “O grande atributo da esfera pública é mediar o conflito, porque a sociedade,
em si, é conflituosa. A ideia de um espaço sem conflitos é ideológica, uma pacificação
irreal. Quando um espaço público não tem conflito é porque ele não está cumprindo
sua função”.
Quando os manifestantes vão às ruas levantando a bandeira da tarifa zero estão em
conflito com a visão de setores dos governos e da sociedade que defendem ideias
opostas. Tentar apagar os conflitos, sem enfrentá-los com debate e com escuta, como
historicamente o Brasil fez em temas como o racismo, leva a uma “pacificação” que
todos sabemos falsa. É o “confronto” – e não o conflito – que pressupõe inimigos a
serem esmagados, espancados com golpes de cassetete e intoxicados com gás.
A grande subversão é andar – mover-se
É preciso prestar mesmo muita atenção às palavras antes de reproduzi-las ou de
assumir um discurso que pode ser o mesmo do opressor. Quando os manifestantes“param” ruas de São Paulo, eles não estão parando. Ao contrário. Eles estão andando
nas ruas de São Paulo. Movendo-se. Quando “interrompem” o tráfego, eles não estão
interrompendo. Os carros param para que as pessoas andem. Movam-se. É
exatamente para que não se movam que a PM “encurrala” e “cerca”, “reprime” com
bombas de gás, balas de borracha e cassetete. É exatamente para que não andem
que a PM “detém” ou “prende” ou “imobiliza” manifestantes que depois são soltos
porque não há nem nunca houve justificativa legal para detê-los ou prendê-los ouimobilizá-los. A grande subversão, afinal, é andar. Mover-se. É preciso impedir que
andem para que nada se mova “na ordem natural das coisas”.
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LEIA OUTRASCOLUNAS DE ELIANEBRUM
1500, o ano que não
terminou
Em defesa da
desesperança
É política sim, Geraldo
A lama
Para que serve a PM com seu aparato de guerra? Para controlar os corpos com
golpes de cassetete, balas de borracha e bombas de gás e manter o mover-se como
valor meramente monetário. Para impedir que as pessoas perguntem por que não
podem andar. A PM está lá para proteger o “patrimônio”. Mas não o patrimônio
humano, este é barato na lógica da monetarização: mais de 13 minutos de vida para
pagar uma passagem de ônibus. Os corpos dos que querem andar podem ser espancados, intoxicados, violados porque a vida humana, pelo menos a da maioria,
tem valor baixo. O que não pode é “depredar” o patrimônio de fato caro, o material.
A PM vandaliza pessoas para proteger patrimônio. Mas o discurso é perversamente
invertido para que os “vândalos” sejam os que quebram cimento, vidro e ferro e não os
que perfuram carne humana. Se seguidas vezes a PM vandaliza manifestantes antesde qualquer depredação do patrimônio, é possível pensar que isso acontece tanto
porque a PM está a serviço de produzir “vândalos” e “confronto”, para encobrir a
reinvindicação das ruas no noticiário, quanto pelo fato de que o patrimônio que ela de
fato está protegendo 24 horas por dia é o do status quo, e este está ameaçado desde
que o primeiro manifestante bota o pé na rua.
Vandalizar pessoas em nome da defesa do patrimônio é a ordem
para manter a ordem de que gente vale pouco. A tarifa é cara
justamente porque a carne humana é barata.
A insubordinação dos que andam, a que a PM é instada a
reprimir, é a de dizer que seu tempo tem valor – e este valor não é
meramente monetário. É essa a rebelião que precisa ser esmagada antes que avance pelas ruas. O movimento a ser
interrompido pela força, antes que interrompa o trânsito dos
privilégios, é aquele que lembra que tempo não é dinheiro, mas o
tecido da vida. É aquele que reivindica o tempo “para os afetos, para amar a mulher
que escolhi, para ser amado por ela, para conviver com meus amigos, para ler
Machado de Assis”.
Passaremos.
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Eliane Brum é escritora, repórter e documentarista. Autora dos livros de não ficção Coluna Prestes - o
Avesso da Lenda, A Vida Que Ninguém vê, O Olho da Rua, A Menina Quebrada, Meus
Desacontecimentos, e do romance Uma Duas.
Site: desacontecimentos.com Email:[email protected] Twitter: @brumelianebrum