Austin J L Quando Dizer e Fazer LivroCompleto

Embed Size (px)

Citation preview

  • 8/13/2019 Austin J L Quando Dizer e Fazer LivroCompleto

    1/69

    J L USTIN

    QUANDO DIZERE FAZERPALAVRAS E AO

    Traduo e apresentao edio brasileira:Pro f DANILO MARCONDES DE SOUZA FILHO

    A936q Austin John LangshawQuando dizer fazer / John Langshaw Austin; Tr ad de DaniloMarcondes de Souza Filho . / Porto Alegre: Artes Mdicas: 1990136p

    CDU:800 1fndices para o catlogo sistemtico:Filosofia da linguagem 800 1Ficha catalogrfica elaborada pela Bibl Carla P de M Pires CRB 10/753

    r IC S PORTO ALEGRE/1990

  • 8/13/2019 Austin J L Quando Dizer e Fazer LivroCompleto

    2/69

    J L AUSTIN

    QUANDO DIZERE FAZERPALAVRAS E AO

    Traduo e aprese ntao edio brasileira:Pro f DANILO MAR CONDES DE SOUZA FILHO

    A936q Austin John LangshawQuando dizer fazer / John Langshaw Austin; Trad. de DaniloMarcondes de Souza Filho / Porto Alegre: Artes Mdicas: 1990136p

    CDU:800 1rndices para o cat logo sistemtico:ilosofia da linguagem 800 1Ficha catalogrfica elaborada pela Bibl Carla P de M. Pires CRB 10/753

    In IC S PORTO ALEGRE/1990

  • 8/13/2019 Austin J L Quando Dizer e Fazer LivroCompleto

    3/69

    Publicado originalmente em ingls sob o trtuloHOW TO DO THINGS WITH WORDS

    Copyright 1962 1975 by the President andFellows of Harvard College.

    CapaMrio Rhnelt

    Superviso editorial

    rEXiOua 13 de maio. 468 - 101. 0504)222 .6223 - caxias do sul rs

    Reservados todos os direitos de publicao EDITORA ARTES MDICAS SUL LTDA.Av. Jernimo de Ornelas 670 - Fones: 30.3444 e 30.237890040 - Porto Alegre RS, BrasilLOJA-CENTRORua General Vitorino 277 - Fone: 25.814390020 - Porto Alegre - RS Brasil

    IMPRESSO NO BRASILPRINTED IN BRAZIL

    mrio

    Apresentao . . . . . . 7Pref cio . . . . . 18Conferncias

    I Perfonnativos e Constatativos . 2 1Co ndies para Perfonnativos Felizes . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29

    III Infelicidades: Desacertos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38IV Infelicidades: Maus usos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47V Clitrios Possveis de Perfonnativos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . SVI Performativos Explcitos . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66

    VII Verbos Perfonnativos Explcitos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77VIII Atos Locucionrios, Ilocucionrios e Perlocucionrios . . . . . . 8

    IX Distino entre Atos Ilocucionrios e Perlocucion os . . . . . 95X Ao dizer .. versus Por dizer .. . . . . . . . . . . . . . . . 10

    XI Declaraes, Pe rformativos e Fora Ilocucionria I I1XII Classes de Fora Ilocu cion ria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 121

    Apndice . . . 133

  • 8/13/2019 Austin J L Quando Dizer e Fazer LivroCompleto

    4/69

    presentaoA FILOSOFIA DA LINGUAGEM DE J. L. AUSTIN

    Danilo Marcondes de Souza Filho

    Esta apresentao no pretende ser uma sntese do pensamento fJlos6fi-co de Austin em geral, ou mesmo das idias desenvolvidas na presente obraem particular, j que seria impossvel superar, em rigor e conciso, a apre-sentao do pr6prio autor. Meu objetivo , antes, situar a teoria dos atos defala dentro da chamada virad a lingstica , caracterstica de grande parteda atividade fJlosfica de nosso sculo, bem como traar o percurso destateoria, desde sua gnese - em sua motivao fJlosfica inicial, explicitandoos elementos fundamentais do mtodo proposto e empregado por Aus-tin at as teses por ele defendidas na presente obra.

    O projeto fJlosfico da teoria dos atos de fala, tal como foi inicialmenteproposto por Austin, insere-se na tradio britnica da fJlosofia analtica,inaugurada por G. E. Moore, B. Russell e L. Wittgenstein nas primeiras d-cadas de nosso sculo. Nesse momento, a fJlosofia analtica surge como umadupla reao s correntes de pensamento fJlosfico ento dominantes na Gr-Bretanha ao fmal do sculo passado: o idealismo absoluto de F. H. Bradleye T. H. Green e o empirismo influenciado sobretudo por J. S. Mi l. Bradleye Green, dentre outros, sustentavam no s a identificao da realidade coma totalidade, mas tambm a necessidade de a conscincia reconhecer-se comoparte do Absoluto. o empirismo psicologista e subjetivista reduzia a reali-dade experincia psicolgica do sujeito emprico. A fJlosofia analtica, emseus primrdios, com Moore e Russell, vai partir de uma concepo realistamantendo que a principal tarefa da fIlosofia realizar um processo de clariQuando dizer fazer 7

  • 8/13/2019 Austin J L Quando Dizer e Fazer LivroCompleto

    5/69

    ficao ou elucidao dos elementos centrais de nossa experincia. Esto Iu-cidao se d no atravs de um mtodo especulativo ou introspectivo, masmediante a anlise da fonna lgica das sentenas em que nosso conheci-mento, crenas e opinies sobre o real se expressam e nossa experincia searticula.A questo central da investigao filosfica passa a ser ento: comopode uma sentena ter significado? A problemtica da conscincia d, assim,lugar problemtica da linguagem, e o conceito de representao, pontocentral da tradio anterior, substitudo pelo conceito de significado.Podemos, portanto, considerar que dentro da corrente analtica, queento se inaugura, a tarefa filosfica se desdobra nas duas seguintes ativida-des: por um lado, analisar a sentena, buscando estabelecer sua fonna lgicae seus elementos constitutivos; por outro, reinvestigar os problemas filosfi-cos tradicionais em teoria do conhecimento, teoria da percepo, tica, etc. ,atravs da anlise lingstica dos conceitos centrais destas reas e do uso dosmesmos na linguagem ordinria. Tal anlise visa obter um esclarecimento dosentido destes conceitos, estabelecendo novas distines, explicitando arti-cu laes at ento no reconhecidas, elucidando obscuridades, etc. Ambas'as prticas encontram-se em Russell e Moore, os iniciadores da filosofiaanaltica na tradio britnica.A primeira tarefa a que acima nos referimos d origem ao que se podechamar, em um sentido estrito, de filosofia da linguagem: uma teoria filos- - \fica sobre a natureza e estrutura da linguagem, examinando noes comotenno e proposio, sentido e referncia, nomes prprios e predicativos, ver-dade, etc., que viro a ser os conceitos-chave desta teoria da linguagem.

    A segunda tarefa da filosofia ser desenvolvida pela corrente conheci-da por vezes como filosofia da linguagem ordinria, filosofia lingstica ou,ainda, Escola de Oxford. Austin pode ser considerado um dos principais re-presentantes desta tendncia. Muitos de seus mais importantes trabalhos co-mo leafor Excuses Other Minds Three Ways of Spi ling nk e Senseand Sensibilia se caracterizam por suas discusses, de grande sutileza e pe-netrao, de certos problemas centrais da tradio ftlosfica, como responsa-bilidade e ao, percepo e conhecimento, etc. Todas estas discusses sodesenvolvidas atravs do mtodo que acima denominamos anlise filosficada linguagem ordinria, que Austin julgava ser capaz de clarificar e desmis-tificar estes problemas tradicionais, situando-os em um plano menos abstrato,genrico e fonnal e, por conseguinte, tomando possvel uma anlise e com-

    K J. l.. AI stin

    prcensi\o destes pr.oblemas sem recurso u I lcssupustos IIlcluJCSlcOS lrudiclonais que, inevitavelmente, gerariam n.ov.os probJemos e n.ovas discusscs.Para ilustrar o mtodo de anlise austinno bastaria aqui reconstruirmosua elucidao de um problema dos mais importantes da tica, a questo daresponsabilidade que decorre de uma ao. Esta anlise encontra-se no qutalvez seu trabalho mais elaborado no gnero, leafor Excuses. Pe lo pro-cedimento que Austin estabelece, em lugar de partir de noes abstratasoriundas de uma teoria tica ou de conceitos muito amplos como responsabi-lidade, ao, vontade, etc., toma como ponto de partida a anlise de advr-bios como voluntariamente , deliberadamente acidentalmente , i-nadvertidamente e outros congneres, exatamente por serem, enquanto ad-vrbios, palavras que qualificam ou determinam o tenno ao . E a razode assim proceder radica-se no fato de as condies de possibilidade de em-prego destes tennos revelarem as circunstncias que permitem ao falante us-los para justificar, desculpar ou eximir-se da responsabilidade de seu ato.Neste tipo de anlise encontramos o genne de uma de suas concepesmais originais, desenvolvida no presente livro, segundo a qual. minha pala-vra meu penhor , o que faz com que se considere o ato de fala, a interaocomunicativa propriamente dita, como tendo um carter contratual ou decompromisso entre partes.Nesta sua anlise, Austin recorre a uma srie de exemplos tirados nos da prtica cotidiana do uso lingstico, como tambm de processos crimi-nais em que algum foi ou no responsabilizado por uma ao, e ainda de si-tuaes imaginrias e fictcias. O mtodo de Austin revela, pelo recurso aexemplos, seu interesse pelas regras de uso da linguagem, pelo que se podeou no dizer, enfim pela gramtica . A finalidade da anlise no , estclaro, emprica. O recurso a exemplos, reais ou imaginrios, apenas umafonna de tomar a reflexo mais concreta, mais precisa, mais prxima de nos-sa experincia de falantes, apoiando-se no carter intersubjetivo da lingua-gem e assim fazendo com que suas concluses tenham a ver mais direta-mente com nosso universo de discurso e nossa prtica cotidiana.Assim, todo problema filosfico fica sistematicamente restrito a umcampo semntico bem delimitado, no contexto do qual o uso de certas ex-presses deve ser examinado, levando-se em conta quando, como, por que epor quem determinadas expresses podem ser usadas e outras no. Em ftm -

    o deste procedimento elaboram-se distines ou aprox imaes e estabele-cem-se as caractersticas bsicas de possibilidade de seu uso, que fornecemos elementos para a determinao do significado e conseqentemente para oesclarecimento ou elucidao dos tennos. Este esclarecimento, contudo,

    Quando dizer fazer 9

  • 8/13/2019 Austin J L Quando Dizer e Fazer LivroCompleto

    6/69

    sempre deve ser considerado provisrio. No h solues definitivas em filo-sofia, uma vez que as mesmas questes sempre podem ser retomadas e ree-xarru nadas sob novos ngulos, seja pelo estabelecimento de novas relaes,seja pela considerao de outros aspectos do uso at ento no examinados.

    Neste mtodo de anlise, a necessidade de se levar em conta o contextode uso das expresses e os elementos constitutivos deste contexto indica cla-ramente que a linguagem no deve ser considerada em abstrato, em sua es-trutura formal apenas, mas sempre em relao a uma situao em que fazsentido o uso de tal expresso. Desta forma superam-se as barreiras entrelinguagem e mundo, entre o sistema de signos sintaticamente ordenados e arealidade externa a ser representada. Segundo Austin ,

    quando examinamos o que se deve dizer e quando se deve faz-lo, quepalavras devemos usar em determinadas situaes, no estamos exami-nando simplesmente palavras (ou seus significados ou seja l o queisto for) mas sobretudo a realidade sobre a qual falamos ao usar estaspalavras - usamos uma conscincia mais aguada das palavras paraaguar nossa percepo ( .. ) dos fenmenos.

    Philosophical Papers p. 182

    Podemos afirmar, ento, que quando analisamos a linguagem nossa finalida-de no apenas analisar a linguagem enquanto tal, mas investigar o contextosocial e cultural no qual usada, as prticas sociais, os paradigmas e valo-res, a racional idade , enfim, desta comunidade, elementos estes dos quais alinguagem indissocivel. A linguagem uma prtica social concreta e co-mo tal deve ser analisada. No h mais uma separao radical entre lingua-gem e mundo , porque o que consideramos a realidade constitudoexatamente pela linguagem que adquirimos e empregamos.

    Duas so as conseqncias bsicas desta nova viso proposta por Aus-tino Surge um novo paradigma terico que considera a linguagem como ao,como forma de atuao sobre o real, e portanto de constituio do real, e nomeramente de representao ou correspondncia com a realidade. Em decor-rncia, d-se a passagem para um segundo plano do conceito de verdade,conceito central da semntica clssica, j que corresponde precisamente garantia de adequao entre linguagem e realidade, em seu aspecto tanto l-gico como epistemolgico. A verdade substituda agora pelo conceito deeficcia do ato, de sua feli cidade , de suas condies de sucesso, e tambmpela dimenso moral do compromisso assumido na interao comunicativa,sempre enfatizado por Austin.

    J. L. Austin

    ponto central da concepo de Austin c principal contribulufllosofia da oguagem parece-me ser a idia de que a linguagem deve sertratada essencialmente como uma forma de o e no de represent o darealidade. O significado de uma sentena no pode ser estabelecido aravda anlise de seus elementos constituintes, da contribuio do sentidoda referncia das partes ao todo da sentena, como quer a tradio insp iradaem Frege, Russell e Moore, mas, ao contrrio, so as condies de uso dasentena que determinam seu significado. Na verdade, o conceito me smo dsignificado se dissolve, dando lugar a uma concepo de linguagem co moum complexo que envolve elementos do contexto, convenes de uso e intenes dos falantes. As condies de realizao do ato de fala apresentadaspor Austin na I Conferncia da presente obra explicitam exatamente estas ca-ractersticas: a investigao fJ.losfica da linguagem deve realizar-se com ba-se no em uma teoria do significado mas em uma teoria da ao.

    Como se v, as primeiras contribuies de Austin fJ.losofia se encon-tram na linha da assim chamada fJ.losofia da linguagem ordinria, cuja pro-posta muito mais metodolgica do que doutrinria ou sistemtica. Trata-s ,como foi dito, de realizar uma reflexo sobre os problemas tradicionais dafJ.losofia mediante uma anlise conceitual, similar, sob certo ponto de vista,ao mtodo socrtico, s que interpretando o conceito como expresso lin-gstica e no como entidade mental ou objeto lgico, e procurando eluci-d-la - isto , estabelecer sua defrnio ou significado - a partir das con-dies de uso desta expresso. No se encontra, entretanto, nestes primeirostrabalhos, uma preocupao em fundamentar teoricamente estas anlisesconceituais , nem em elabor-las mais sistematicamente, j que prprio aomtodo o carter provisrio e relativo da elucidao obtida

    Este tipo de anlise, contudo, levou Austin a refletir sobre a prprianatureza da linguagem, objeto da anlise fJ losfica . Partimos ento de umapreocupao com O significado de determinados termos e expresses l ngsticas e passamos a investigar como a linguagem tem significado. Tantodo ponto de vista da anlise da linguagem ordinria, quanto do ponto devista de uma teoria sobre a linguagem, a viso de Austin sempre orientadapela considerao da linguagem a partir de seu uso, ou seja, da linguagemcomo forma de ao. Uma das principais conseqncias desta nova concep-o de linguagem consiste no fato de a anlise da sentena dar lugar anlj-se do ato de fala, do uso da linguagem em um determinado contexto, comuma determinada finalidade e de acordo com certas normas e convenes. Oque se analisa agora no mais a estrutura da sentena com seus elementosconstitutivos, isto , o nome e o predicado, ou o sentido e a referncia, mas

    Quando dizer fazer0 11

  • 8/13/2019 Austin J L Quando Dizer e Fazer LivroCompleto

    7/69

    as condies sob as quais o uso de detenninadas expresses ling(sticas pro-duzem certos efeitos e conseqncias em uma dada situao.J em 1946, em sua conferncia Outras Mentes, Austin criticava o queconsiderava a falcia descritiva , cometida por certos fIlsofos. Sentenasdo tipo Eu sei que .. , devido sua forma declarativa, parecem ser descri-es de fatos. O fIlsofo, em sua anlise, ento levado a buscar os fatos esituaes que tomam tais sentenas verdadeiras. Passa a trat-las, assim, co-mo descries de um ato mental do falante, que seria a cognio, pertencen-do mesma categoria da crena e da certeza, porm superior a estas. Austinv nisso a causa da confuso e do equvoco que caracterizariam a fal ciadescritiva . Prope, ao contrrio, que se considere a expresso Eu seique .. do mesmo modo que Eu prometo .. . Seriam expres ses usadas nopara descrever ou relatar algo, mas parafazer algo, para realizar um ato. Porisso ele as chama de expresses peiformativas, aquelas que, ao serem usadasem detenninadas sentenas, constituem proferimentos performativos . Osproferimentos performativos, exatamente por serem atos realizados, no es-to sujeitos verdade ou falsidade, mas a condies de felicidade , queexplicam seu sucesso ou insucesso. Portanto, a anlise destas sentenas nopode ser feita adequadamente atravs da Semntica Clssica, que se baseiana determinao das condies de verdade da sentena, mas, sim, atravs deum novo tipo de anlise que Austin comea a desenvolver ento e que cul-minar na teoria dos atos de fala.Os primeiros trabalhos que comeam a tematizar mais teoricamente aquesto da natureza da linguagem e do significado so How to Talk 1953-4 , Peiformative Utterances (1956) e a conferncia apresentada no Colquiode Royaumont em 1958, Peiformatif-Constatif.Austin apresenta a as linhas gerais desta teoria que j vinha desenvol-vendo, segundo ele prprio, desde o incio da dcada de 40 e que ser fmal-mente elaborada em uma srie de cursos intitulados Words and Deeds, ministrados na Universidade de Oxford no incio da dcada de 50 e posterior-mente em universidades americanas, e que constituem a substncia de Howto do things with words (cf. o Prefc io a esta obra). Trata-se precisamentede uma teoria sobre a natureza da linguagem enquanto uma forma de realizaratos: os atos de fala. Aqui no s se formula uma srie de conceitos tericoscomo peiformativo, fora ilocucionria, etc., como tambm se procura esta-belecer e classificar os diferentes tipos de atos de fala, buscando sua siste-matizao e assim propondo uma nova concepo de linguagem, seja quantoa sua estrutura, seja quanto a seu funcionamento.Esta preocupao com uma redefmio de linguagem e com a maneirade consider-Ia decorre explicitamente da idia de que a elucidao ftlosfi-

    .J. L. Austin

    ca de certos termos e expresses depende de um lIludclo te6rico de lingulIgem que fornea os critrios para realizar esta anlise e a elucidao preten-dida. No se trata, portanto, de uma ruptura com a proposta anterior de elucidao mediante a anlise lingstica, agora substituda por um interessemeramente terico sobre a linguagem. Pelo contrrio, trata-se da bu sca duma forma mais eficaz e rigorosa de se realizar esta anlise e esta elucida-o, que agora passa a se fundamentar em uma teoria sobre a linguagem.Conseqentemente, o objeto ltimo continua sendo a aplicao destes con-ceitos tericos sobre a linguagem elucidao das questes surgidas nocampo concreto da experincia e da atividade humanas, como afirma expli-citamente a concluso de Quando dizer fazer. Palavras e ao.

    Como de costume, no me sobrou o tempo suficiente para mostrar qualo interesse de tudo isto que acabo de dizer. Darei, porm, um exemplo.De h muito, os fIlsofos tm demonstrado interesse pela palavrabom e, recentemente, se interessaram pelo modo como a usamos epelos fms para que a empregamos. J se sugeriu, por exemplo, que ausemos para expressar aprovao, para recomendar ou ainda para qua-lificar. Mas nunca chegaremos a uma idia clara sobre a palavra bome sobre para que a usamos at que tenhamos, de forma satisfatria, le-vantado a relao completa dos atos ilocucionrios dos quais recomen-dar, qualificar, etc. seriam espcimes isolados; at que saibamos quan-tos destes atos existem e de que forma se inter-relacionam. Isto seriaum exemplo de aplicao possvel de uma teoria geral do tipo que aca-bamos de considerar; sem dvida haveria muitas outras. Intencional-mente deixei de fora da teoria geral problemas ftlosficos - algunsdos quais to complexos que chegam a merecer sua celebridade. Istono significa que no tenha conscincia da existncia desses proble-mas. claro que tudo isto um tanto cansativo e rido para se ouvir eassimilar; mas no tanto quanto o foi conceber e redigir a teoria. Masseu verdadeiro interesse comea quando passamos a aplic-la ftloso-fia. Austin, 1975, pp. 163-4

    Quando dizer fazer. Palavras e ao , portanto, uma obra inovadorae que abre novas perspectivas em ftlosofia da linguagem para novas inves ti-gaes pelo estabelecimento de elementos tericos que desenvolvidos mui-tas vezes criticamente, por autores como P. F. Strawson, H. P. Grice e, prin-cipalmente, J. R. Searle, deram origem teoria dos atos de fala. Suas impli-Quando dizer fazer2 13

  • 8/13/2019 Austin J L Quando Dizer e Fazer LivroCompleto

    8/69

    caoes, repercussO e interesse percorrem, como anteviu Austin, todos osdomnios da fllosofia, bem como de reas afins, como a lingstica, a psico-logia, a antropologia, etc.

    O texto de Austin apresenta ao tradutor duas dificuldades bsicas, ra-ramente encontradas ao mesmo tempo em um mesmo texto. Em primeiro lu-gar, trata-se de um texto em linguagem coloquial, idiomtico e fluente, exa-tamente na medida em que derivado de conferncias proferidas por Austinna Universidade de Harvard. Fica assim bvio seu propsito de servir mais exposio oral do que leitura. Por outro lado, por se tratar de uma obraoriginal e polmica, o texto contm um conjunto de termos tcnicos, con-ceitos tericos e mesmo neologismos, cunhados pelo autor, de importnc iafundamental para os objetivos a que se prope, mas de difcil adaptao paranosso idioma. No desejo com estas ressalvas eximir-me da responsabilidadepelas eventuais falhas que todo tradutor inevitavelmente comete, mas apenasindicar as dificuldades inerentes ao texto, para que o leitor as tenha emmente durante sua leitura. Finalmente, procurei sempre, na medida do poss-vel, conservar os traos caractersticos do estilo coloquial de Austin, adap-tando para o portugus, quando isto se impunha, seus exemplos e as expres-ses idiomticas utilizadas. Quanto aos termos tcnicos introduzidos porAustin e aos conceitos tericos de que lana mo, procurei torn-los maisclaros ao leitor que se inicia atravs de notas explicativas, para fazer comque o texto seja mais acessvel.

    Por fim, no poderia deixar de agradecer ao Prof. Paulo Alcoforado, daUFRJ , as inmeras sugestes feitas a este trabalho de traduo, alm domuito que me ensinou sobre a difcil arte de traduzir.

    BffiLIOGRAFIA DE J. L AUSTINPhilosophical Papers, organizado por G. J. Warnock e J. O Urmson, Ox-

    ford, Claredon Press, 3 ed. ampliada em 1979.ontm os seguintes trabalhos:Agathon and Eudainwnia in the Ethics of Aristotle" . Escrito na dcada de

    30, tambm publicado em J. M. E. Moravcsik Corg .) Aristotle, Londres,Macmillan, 1968, pp. 261-296.

    .. Are there A Priori Concepts?", inicialmente publicado em Proceedings qfthe Aristotelian Society, XII, 1939, pp. 83-105.

    "The Meaning of a Word , trabalho apresentado em 1940 ao Moral SciencesClub de Cambridge e a Jowett Society de Oxford.

    14 _ _________________________________ J.L.Austin

    "Other Minds", inicialmente publicado em I'rcx'('cdif/gs of the AristotelicuSociety, sup. voI. XX, 1946, pp. 148-187. 'rraduzido para o portuguspor Marcelo Guimares Da Silva Lima e publicado no vol. LU da col.Os pensadores, S. Paulo, Abril, 1975, I ed.

    "Truth" , publicado inicialmente em Proceedings of the Aristotelian Society,sup. vol. XXIV, 1950, pp. 111-128.

    "Unfair to Facts , trabalho apresentado em 1954 na Philosophical Societyde Oxford.

    How to Talk - Some Simple Ways" , inicialmente publicado em Procee-dings of the Aristotelian Society, LIII, 1953-4, pp. 227-246."Performative Uterrances" , trabalho apresentado em 1956 em programa ra-diofnico da BBC.

    A Plea for Exc uses" , publicado inicialmente em Proceedings of the Aris-totelian Society, LVII, 1956-7, pp. 1-30.

    "Ifs and Cans , publicado inicialmente em Proceedings of the British Aca-demy, XLII, 1956, pp. 109-132.

    "Pretending", publicado inicialmente em Proceedings of the Aristotelian So-ciety, sup. vol. XXXII, 1958, pp. 261-278.

    1hree Ways of Spilling lnk" , conferncia em 1958 na American Society ofPolitical and Legal Philosophy. Tambm publicado em The Philosophi-cal Review, 75, 1966, pp. 427-440.The Line and the Cave in Plato's Republic , reconstrudo a partir de notaspor J. O. Urmson, includo na 3 ed.Sense and Sensibilia, ed. por G. J. Warnock, Oxford, Clarendon Press,1962. How to o Things with Word5 ed. por J. o Urmson, Oxford, ClarendonPress, 1962. 2 ed. preparada por J. O. Urmson e M. S. Sbis, Oxford,Clarendon Press, 1975.The Foundations of Arithmetic, Oxford, Blackwell, 1953. Traduo parao ingls da obra de G. Frege: Die Grundlagen der Arithmetik, 1884.

    Critical Notice on J. Lukasiewicz's Aristotle's Syllogistic: From the Stand-point of Modem Formal Logic " , Mind, 61, 1952, pp. 395-404.

    "Report on Analysis Problem n2 1: What so rt of i f ' is the if ' of "I can iI choose ?, Analysis, 12, 1952, pp. 125-1 26."Report on Analysis Problem n2 12: "AlI Swams are white or b1ack". Does

    this Refer to Swans on Ca nals on Mars?" , Analysis, 18, 1958, pp97-99.

    Performatif-Constatif', trabalho apresentado em 1958 no Colquio de Ro-yaumont. Publicado em a Philosophie Analytique, Paris, Cahiers deRoyaumont, Minuit, 1963, pp. 271-304.

    Quando dizer fazer 15

  • 8/13/2019 Austin J L Quando Dizer e Fazer LivroCompleto

    9/69

    BlBUOGRAFIA SOBRE AUSTlN E A TEORIA OOS ATOS DE FALA*BERLlN, L et alo Essays onJ. L. Austin, Oxford, Clarendon Press, 1973.FANN, K. T. (org.) Symposiwn on J. L Austin, Londres, Routledge K.Paul, 1969.FELMAN , S. Le Scandale du Corps Parlant: Don Juan avec Austin ou La

    Sduction en deux Langues, Paris, Seuil, 1980.FURBERG, M. Saying and Meaning: A Main Theme inJ. L. Austin s Philo-sophy, 2 ed. Oxford, Blackwell, 1971.

    GRAHAM, K. J . L Austin: A Critique of Ordinary Language Philosophy,Hassocks, Sussex, The Harvester Press, 1977.HOLDCROFT, D. Words and Deeds: Problems in the Theory of SpeechActs, Oxford Univ. Press, 1978.LANIGAN, R. L. Speech Act Phenomenology, Haia, Martinus Nijhoff,1977.MARCONDES DE SOUZA P-, D. Language and Action: A ReassessmentofSpeech Ac t Theory, Amsterdam, J. Benjamins, 1984.RCANATI, F. Les Enoncs Peiformatifs, Paris, Minuit, 1981.RORTY, R (org.) The Linguistic Tum Univ. of Chicago Press, 1967, prin-cipalmente os artigos de J. O. Urmson, J. L. Austin , pp. 232-238; S.Hampshire, J. L. Austin , pp. 239-247; J. O. Urmson e G. J. Warnock,J. L. Austin , pp. 248-249; e S. Cavell, Austin at Criticism pp. 250-260.SEARLE, J. R Speech Acts, Cambridge Univ. Press, 1969.

    NOTA BIOGRFICAJohn Langshaw Austin nasceu em 1911 em Lancaster, Inglaterra, e fa-leceu em 1960. Era casado e teve dois casais de fIlhos. Estudou Letras Cls-sicas no BalHol College da Universidade de Oxford, onde sofreu a influncia

    do filsofo H. A. Prichard. Tomou-se fellow do AlI Souls College da Uni-

    .. Trata-se apenas de uma relao de algumas das principais obras sobre Austin e a Teoria dos Atosde Fala. A bibliografia nesta rea imensa, sobretudo no que diz respeito a artigos em peridicos es-pecializadoo; remetemos o leitor hs referncias bibliogrficas encontradas nas proprias obras r elacio-nadas acima.J L. Austin

    versidadc de Oxford, em 1933, e em 1935 do Magdulcn College. A pw-tir dl'1952 ocupou a ctedra White de Filosofia Moral nessa universidade. Ourante a Segunda Guerra Mundial fez parte do Servio de Wonnacs doExrcito Br itnico, chegando ao posto de tenente-coronel e recebendo vriascondecoraes. Em 1955 apresentou as Conferncias William James na Uni-versidade de Harvard, nos Estados Unidos, que deram origem prescntobra, e entre 1958 e 1959 apresentou uma srie de conferncias na Universi-dade da Califrnia, em Berkeley, posteriormente publicadas como Sense a dSensibilia.

    Austin exerceu grande influncia em Oxford em seu tempo, sendo fa-mosos os seminrios infonnais que realizava na universidade com alguns deseus colegas, quando utilizavam o mtodo de anlise lingstica na discussode problemas fIlosficos. Este grupo inclua, dentre outros, P. F Strawson,H. P. Grice, S. Hampshire, J. O. Urmson, G. J. Warnock, dando origem chamada Escola de OJford, embora a rigor no se possa dizer que consti-tussem uma esco la filosfica.

    Quando dizer fazer6 17

  • 8/13/2019 Austin J L Quando Dizer e Fazer LivroCompleto

    10/69

    Prefcio a e 2a ed s inglesas

    Prefcio 1 edio inglesaAs conferncias que formam este livro foram apresentadas por Austinna Universidade de Harvard, em 1955, como parte da srie de ConfernciasWilliam James . Em uma breve nota, Austin diz que as idias que servem de

    pano de fundo a estas conferncias se originaram em 1939. Vali-me delasno artigo 'Outras Mentes' publicado nos Proceedings o the Aristotelian 50ciety Supplementary volume XX (1946), pp. 173 e segs., e pouco depois fizemergir um pouco mais deste iceberg diante de diversas associaes filosfi-cas .. . Durante LlS anos de 1952 a 1954, os cursos de Austin em Oxfordversaram sobre o tema Palavras e Aes , utilizando-se ele de notas reela-boradas a cada ano e que cobrem aproximadamente o mesmo campo que asConferncias William J ames . Para tais conferncias, Austin preparou no-vas notas, embora incorporando aqui e ali partes das anteriores. Elas consti-tuem, portanto, as notas mais recentes de Austin sobre esses temas, emboratenha continuado a dar cursos em Oxford sobre Palavras e Aes com ba-se nas mesmas notas, fazendo apenas algumas pequenas correes e acrsci-mos.

    No presente volume reproduzimos as ltimas notas de Austin, com ummnimo de alteraes e to fielmente quanto possvel. Se Austin, ele prprio,as houvesse publicado, sem dvida lhes teria dado uma forma mais apropria-da. Certamente teria reduzido as recapitulaes com que inicia a Confe-rncia e que se repetem nas demais. igualmente certo que em sua apresen-tao oral Austin desenvolvia o texto encontrado em suas no tas. Porm a

    J. L. Austin

    mruorla dos leitores preferir contar com um verso heI do que se sabe quAustin escreveu, do que com uma verso do que ele suposttuncnte teria es-crito caso tivesse preparado suas notas para publicao. ou ainda do quepensamos que teria dito durante as conferncias. Pequenas imperfeies dafonna e do estilo, bem como inconsistncias do vocabulrio devem ser des-culpadas e so o preo que devemos pagar por t-las publicadas.Mas as conferncias aqui publicadas no reproduzem exatame nte asnotas escritas por Austin. A razo a seguinte. Se bem que em sua maiorparte, principalmente no comeo das conferncias, as notas sejam bastantecompletas e redigidas em pargrafos inteiros, com pequenas omisses de ar-tigos e outras partculas gramaticais; freqentemente, ao [mal das confern-cias, tornam-se cada vez mais fragmentadas, sendo que os acrscimos mar-

    gem so abreviados. Nessas partes as notas foram in terpretadas e comp le-mentadas recorrendo-se s notas de 1952-1954, acima mencionadas. Pode-mos ainda compar-las com apontamentos tomados na Inglaterra e nos Esta-dos Unidos por aqueles que assistiam exposio oral, levando ainda emconta a conferncia na BBC, entitulada Proferimentos Performativos , euma gravao da conferncia Performativos apresentada em Gotemburgo,em outubro de 1959. No apndice inclullos indicaes mais completas des-sas fontes auxiliares. Pode ter ocorrido que neste processo de interpretaotenha aparecido no texto uma frase que Austin talvez no aprovasse; porm, pouco provvel que em qualquer parte o pensamento de Austin, em suaslinhas bsicas, tenha sido distorcido.Agradeo a todos que me ajudaram atravs do acesso a seus aponta-mentos e aos que me cederan1 a gravao. Meu especial agradecimento a G.J. Warnock, que examinou todo o texto cuidadosamente e evitou que eu co-metesse inmeros erros. Graas a essa colaborao o leitor dispe de umtexto bem mais aperfeioado.

    1 O Urmson

    Prefcio edio inglesaA Ora. Marina Sbis examinou todas as notas preparadas por Au stinpara estas conferncias, comparando-as com o texto impresso da 1 edio eassinalando os pontos que lhe pareceram merecer reviso. Os editores exa-minaram, ento, conjuntamente as notas de Austin relativas a todos estespontos, aps o que decidiram corrigir e aperfeioar o texto j impresso emdiversas passagens. Consideram que o novo texto mais claro, mais com-

    Quando dizer fazer8 19

  • 8/13/2019 Austin J L Quando Dizer e Fazer LivroCompleto

    11/69

    pleto e, ao mesmo tempo, mais fiel ao que se encontra nas notas de Austin ,incluram no apndice uma transcrio literal de um certo nmero de acrs-cimos feitos por Austin margem ou nas entrelinhas de suas notas, cujoentido no foi considerado suficientemente claro para que sua incorporao

    ao texto pudesse auxiliar a leitura ou interessar o leitor.Marina SbisJ. O. Urmson

    o J L Ausrin

    J onferncia

    erformativos e constatativos

    o que tenho a dizer no difcil, nem polmico, O nico mrito quegostaria de reivindicar para esta exposio o fato de ser verdadeira pelomenos em parte. O fenmeno a ser discutido bastante difundido e bvio, eno pode ter passado despercebido pelo menos em al gumas instncias. En-tretanto, ainda no encontrei quem a ele tivesse se dedicado e specificamente.

    Por mais tempo que o necessrio, os fIlsofos acreditaram que o papelde uma declarao* era to-somente o de descrever um estado de coisas,ou declarar um fato, o que deveria fazer de modo verdadeiro ou falso. Osgramticos, na realidade, indicaram com freqncia que nem todas as sen-tenas so (usadas para fazer) declaraesl h tradicionalmente, alm dasdeclaraes (dos gramticos), perguntas e exclamaes, e sentenas que ex-pressam ordens, desejos ou concesses. Os filsofos sem dvida no preten- Traduzimos statement por declarao sentence oor sentena , e utterance por pro ferimento .1\ sentena entendida aqui como uma uni dade lingfstica, possuindo uma estrutura gramatical edOlllda de significado, tomada em abstrato. A declarao seria ento o uso da sentena para afirmarou uegar algo , podendo ser fa lsa ou verdadeira. O proferimento a emisso concreta e particular del ll a se ntena, em um momento determinado, por um falante determinado. Ass im, a se ntena da ln-uo portuguesa, A cosa vermelha pode ser usada para afirmar uma caracterfstica (ser vermelha)de um objeto (a rosa), o que pode ser verdadeiro ou fa lso, quando proferida por al gum em um con-texto determinado. Estas di stines so objeto de inmeras controvrsias em F ilosofia da Lingua- m, havendo extensa literatura a respeito. As definies que adotamos correspondem ao empregoIlOpo r Austi n. N. o T.)

    1 Nilo correto realmente Jizer que uma sentena seja uma declarao; na realidade ela usada paraflUOr uma declarao, e u declarao em si uma construo 16gic, l tirada da feitura das declara-os.Qunndo dizer 6 fOJ cr 21

  • 8/13/2019 Austin J L Quando Dizer e Fazer LivroCompleto

    12/69

    deram negar tais coisas, apesar de seu uso um tanto vago de sentena co-mo equivalente declarao . Tampouco se duvida que tanto os filsofosquanto os gramticos sempre perceberam no ser fcil distinguir at umapergunta, ou ordem, etc. de uma declarao, utilizando-se os poucos e inci-pientes critrios gramaticais disponveis como a ordem das palavras, modosverbais, etc.; mas, talvez, no tenha sido dada, com freqncia, a atenodevida s dificuldades que esse fato obviamente apresenta. Pennanece a d-vida sobre como decidir qual a pergunta, qual a ordem, qual a declara-o. Quais so os limites e as defmies de cada uma?Recentemente, porm, muitas das sentenas que antigamente teriam si-do aceitas indiscutivelmente como declara es , tanto por fIlsofos quantopor gramticos, foram examinadas com um novo rigor. Este exame surgiu, aomenos em filosofia, de fonna um tanto indireta. De incio apareceu, nemsempre fonnulada sem deplorvel dogmatismo, a concepo segundo a qualtoda declarao (factual) deveria ser verific vel , o que levou concepode que muitas declara es so apenas o que se poderia chamar de pseudo-declaraes. Em um primeiro momento e de fonna mais bvia, mostrou-seque muitas declara es , como Kant* primeiro sustentou de maneira siste-mtica, eram estritamente sem sentido, apesar de sua fonna claramente gra-matical; e a contnua descoberta de novos tipos de sentenas sem sentido re-sultou, a grosso modo, em um bem, por mais assistemtica que fosse suaclassificao e misteriosa sua explicao. Contudo, at mesmo ns, os filso-fos, estabelecemos certos limites para a quantidade de sentenas sem sentidoque estamos dispostos a admitir. Com isto, passou-se a perguntar, em um se-gundo estgio, se muitas das aparentes pseudodeclaraes seriam realmentedeclaraes Passou-se geralmente a considerar que muitos proferimentosque parecem declaraes no tm, ou tm apenas em parte, o propsito deregistrar ou transmitir infonnao direta acerca dos fatos. Por exemplo, asproposies ticas talvez tenham propsito, no todo ou em parte, de mani-festar emoo ou prescrever comportamento, ou influenci-lo de modo espe-ciaL Aqui tambm Kant deve ser considerado como um dos pioneiros. Ns,muitas vezes, tambm usamos proferimentos cujas fonnas ultrapassam pelomenos os limites da gramtica tradicional. J se reconhece que muitas pala-vras que causam notria perplexidade quando inseridas em declaraes apa-rentemente descritivas no se destinam a indicar algum aspecto adicionalparticularmente extraordinrio da realidade relatada, mas so usadas para in- Truto-se de uma referncia distino feita por Kant, na Critica da razo pura, entre os ju fzos daque representllm conhecimento, e os jufzos da metaffsica especulativa, que seriam meraspfotcn8c 1 n conh ecimento sem do fato virem a se constituir legilimamente em cincia. N. do T.

    J (Jo Austln

    dicar (e no para relatar) as circunstncias em que a declarao foi feita, asrestries s quais est sujeita ou a maneira como deve ser)recebida, ou coi-sas desse teor. Deixar de levar em conta tais possibilidades, como era co-mum antigamente, denomina-se falcia desc ritiva , embora talvez este noseja o nome adequado, j que o termo des critiva por si mesmo especfi-co. Nem todas as declaraes verdadeiras ou falsas so descries, razopela qual prefIro usar a palavra constatativ a . Seguindo esta linha de pen-samento, tem-se demonstrado atualmente de maneira minuciosa, ou pelo me-nos tem-se procurado parecer provve l que muitas perplexidades filosflCastradicionais surgiram de um erro - o erro de aceitar como declaraes fac-tuais diretas proferimentos que ou so sem sentido (de maneiras interessantesembora no gramaticais) ou ento foram feitos com propsito bem diferentes.O que quer que pensemos sobre todas essas concepes e sugestes, oupor mais que julguemos deplorvel a confuso inicial em que mergulharam adoutrina e o mtodo ftlosfico, no cabe dvida de que esto produzindouma revoluo em ftlosofia. Se algum quiser consider-la a maior e maissaudvel das revolues da histria da ftlosofia, no ser, se pensarmos bemnisso, um exagero. No de surpreender que o incio tenha sido fragment-rio, com parti pris e com motivos extrnsecos, j que isso comum s revo-lues.

    DELIMITAO PRELIMINAR DO PERFORMATIV02o tipo de pro ferimento que vamos aqui considerar no consiste obvia-mente em um caso de falta de sentido, embora o seu uso inadequado possagerar, como veremos, variedades muito especiais de falt a de sentido rwn-

    sense). Trata-se sobretudo de um tipo de nosso segundo grupo - as expres-ses que se disfaram. Esse tipo, porm, no se disfara sempre necessaria-mente como declarao factual, descritiva ou constatativa. Mas o que podeparecer estranho que isto ocorre exatamente quando assume a sua formamais explcita. Creio que os gramticos ainda no perceberam tal disfarcee os filsofos s muito incidentalmente3. Ser portanto, estudaresse tipo de declarao, inicialmente sob esta fonna enganosa, para explici-lar suas caractersticas, contrastando-as com as declaraes factuais que elasim.itam.2 Tudo quanto for dito nestas sees provis6rio e sujeito ref ormulao luz das sees posterio-res. de esperar-se que os jur istas, mais que ningum, se apercebessem do verdadeiro estado de coi- Talvez al guns agoro j se apercebom. Contudo, tendem a sucumbir sua pr6pria fico temerosaque uma dcclarufto de direito 6 umo dec lnrollo de fato.

    23

  • 8/13/2019 Austin J L Quando Dizer e Fazer LivroCompleto

    13/69

    Como primeiros exemplos vamos tomar alguns proferimentos que nopodem ser enquadrados em nenhuma das categorias gramaticais reconheci-das, exceto a de declarao" ; tampouco constituem casos de falta de senti-do, nem encerram aqueles indcios verbais de perigo que os filsofos j de-tectaram ou pensam haver detectado (palavras curiosas como "bom" e "to-do", auxiliares suspeitos como " deve" (ought) ou "pode" (can) , e constru-es dbias como as hipotticas) . Todos tero, como natural, verbos usuaisna primeira pessoa do singular do presente do indicativo da voz ativa4 . Po-dem-se encontrar proferimentos que satisfaam estas condies e

    A. que nada "descrevam" nem re latem", nem constatem, e nem sejam"verdadeiros ou falsos";B cujo proferimento da sentena , no todo ou em parte, a realizaode uma ao, que no seria normalmente descrita consistindo em

    dizer algo.Isto est longe de ser to paradoxal quanto possa parecer ou quanto eu

    possa ter feito parecer. Na realidade, os exemplos que daremos a seguir se-ro decepcionantes.Exemplos:(a) "Aceito (scilicet), esta mulher como minha legtima esposa" - domodo que proferido no decurso de uma cerimnia de casamentos.b) "Batizo este navio com o nome de Rainha Elizabeth - quandoproferido ao quebrar-se a garrafa contra o casco do navio.

    (c) "Lego a meu irmo este relgio" - tal como ocorre em um testa-mento.d) "Aposto cem cruzados como vai chover amanh."Estes exemplos deixam claro que proferir uma dessas sentenas (nascircun stncias apropriadas, evidentemente) no descrever o ato que estariapraticando ao dizer o que disse6 , nem declarar qu e o estou praticando: faz-lo. dos pro ferimentos citados verdadeiro ou falso; considero

    4 Isto deliberado, todos so performativos "explfcitos", e do tipo prepotente , que mais adiantechamaremos exercitivo . (Cf. Xli Conferncia, N. do T.)5 Austin percebeu que a expresso Aceito" (I do) no usada na cerimni a de casamento tarde de

    u is pura corrigir es te erro. Deixamos o er ro permanecer no texto por consider-lo filosoficamen teIrrelevante. (Nota de J. O. Urmson, editor).O MuJto monos qualque r coisa que eu j tenha feito ou venha a fazer.

    4 Austil/

    isto to bvio que sequer pretendo justificar. De fa to, no necessrio justi-ficar, assim como no necessrio justificar que " Poxa " no nem verda-deiro nem falso. Pode ser que estes proferirnentos "sirvam para infonnar ,mas isso mui to diferente. Batizar um navio dizer nas circunstnciasapropriadas) as palavras "Batizo, etc.". Quando digo, diante do juiz ou noaltar, etc., Aceito" , no estou relatando um casamento, estou me casando.Que nome daramos a uma sentena ou a um proferimento deste tipo??

    Proponho denomin-la sentena perfonnativa ou proferimento performativo,ou, de forma abreviada, "um performativo . O tenno "perfonnativo serusado em uma variedade de formas e construes cognatas, assim como sed com o term o imperativo .8 Evidentemente que este nome derivado doverbo ingls to perform, verbo correlato do substantivo "ao" , e indica C ueao se emitir o proferimento est - se realizando uma ao, no sendo,qentemente, considerado um mero equivalente a dizer algo. /Muitos outros termos podem ser sugeridos, cada um cobrindo uma ououtra classe mais ou men os ampl a de performativos. Por exemplo, mu itosperformativos so "contratuais" ( Aposto ), ou declaratrios" ("Declaroguerra"). Mas nenhum termo de uso corrente que eu conhea suficiente pa-ra cobrir todos os casos. O termo tcnico que mais se aproxima do que ne-cessitamos seria talvez operativo" , na acepo em que usado pelos advo-gados ingleses ao se referirem quelas clusulas de um instrumento legal queservem para efetuar a transao (isto , a transmisso de propriedade, ou oque quer que seja) que constitui sua principal fmalidade, ao passo que oresto do documento simplesmente "relata" as circunstncias em que se deveefetuar a transao.9 Mas "operativo" tem outros significados, e hoje atmesmo usado para significar quase a mesma coisa que "eficaz " . Prefe ri as-sim um neologismo ao qual no atribuiremos to prontamente algum signifi-cado preconcebido, embora sua etimologia no seja irrelevante*.

    7 As sentenas fo rmam uma classe de proferimentos" , classe esta que deve ser definida, em mi-nha opinio, gramaticalmente, embora duvide que j haja uma definio sati sfatria. Os proferi-mentos perfo rmativos se contrastam primordialmente com os proferimentos constatativos. Emitirum proferimento constatativo (isto , proferi -lo com uma referncia histrica) fazer uma declara-o. Emitir um proferimento performativo , por exemplo, fazer uma aposta. Vide mais adian te emilocues'8 Anteriormente usei performatrio . Mas deve-se proferir per formativo por ser mais curto,menos fe io, mas fcil de usar e mais tradicional em sua formao.9 Devo esta observao ao Professor H L A. Hart.*C onsideramos o termo performati vo preferfvel ao seu equivalente mais prximo em portugusque seria " reltlizati vo , correspondente idia de ao. Como o ternlO j se ac ha consagrado na lite-r ltum especiali zada e como se trata de termo tcnico e neologismo cunhado por Austin, optamos pormonter O origina l, adapumdo-o para o portugus. N. do T.)

    ando dizer 6 fltzer _ 25

  • 8/13/2019 Austin J L Quando Dizer e Fazer LivroCompleto

    14/69

    -

    PODE O DIZER REALIZAR O ATO?Cabe perguntar, ento, se podemos fazer afmnaes como:"Casar-se dizer umas tantas palavras", ou"Apostar simplesmente dizer algo"?Tal doutrina poderia, a princpio, parecer estranha e at mesmo imper-tinente, mas com as precaues necessrias pode deixar de causar estranhe-za. Uma primeira objeo pondervel ou importante seria a seguinte: possvel realizar-se um ato do tipo a que acima nos referimos sem proferir

    uma nica palavra, seja escrita, seja oral, mediante outros meios? Por exem-plo, em algumas culturas, um casamento pode ser efetuado por coabitao,ou posso apostar valendo-me de uma mquina automtica colocando umamoeda em sua ranhura. Assim, deveramos transformar as proposies acimae afIrmar que dizer determinadas palavras casar-se", ou "casar-se, em al-guns casos, simplesmente dizer algumas palavras", ou "apenas dizer de-terminada coisa apostar".Mas a verdade ira razo por que tais observaes parecem perigosas seencontra provavelmente em um outro fato bvio, ao qual teremos que nos re-ferir mais tarde com maiores detalhes. Trata-se do seguinte: geralmente oproferimento de certas palavras uma das ocorrncias, seno a principalocorrncia, na realizao de um ato (seja de apostar ou qualquer outro), cujarealizao tambm o alvo do proferirnento, mas este est longe de ser, ain-da que excepcionalmente o seja, a nica coisa necessria para a realizaodo ato. Genericamente falando, sempre necessrio que as circunstnciasem que as palavras forem proferidas sejam, de algum modo, apropriadas;freqentemente necessrio que o prprio falante, ou outras pessoas, tam-bm realize determinadas aes de certo tipo, quer sejam aes "fsicas" ou" mentais", ou mesmo o proferimento de algumas palavras adicionais. Assim,para eu batizar um navio essencial que eu seja a pessoa escolhida para fa-z-Ia; no casamento (cristo) essencial para me casar que eu no seja casa-do com algum que ainda vive, que so e de quem no me divorciei, e as-sim por diante; para que uma aposta se concretize, geralmente necessrioque a oferta tenha sido aceita pelo interlocutor (que deve fazer algo, comodizer Feito ) e uma doao no se realiza caso diga "Dou-lhe isto" , masno faa a entrega do objeto.

    J. L. Austin

    At aqui, tudo bem. Uma ao pode ser realizada sem a utilizao doproferimento performativo, mas as circunstncias, incluindo outras aes.sempre tm que ser apropriadas. Mas podemos, ao fazer uma objeo, ter emmente algo totalmente diferente e desta vez bastante equivocado, espec ial-mente quando pensamos em alguns dos performativos mais solenes, tais co-mo rometo .. " . Por certo que estas palavras tm de ser ditas " com serie-dade" e de modo a serem levadas a srio". Embora um tanto vago, isto bem verdade de modo geral , e tambm um importante lugar comum em to-da discusso que envolva um proferimento. No devo estar, digamos, pilhe-riando ou escrevendo um poema. Mas temos a tendncia a pensar que a se-riedade das palavras advm de seu proferimento como (um mero) sinal ex-terno e visvel, seja por convenincia ou outro motivo, seja para [ms de in-formao, de um ato interior e espiritual. Disto falta pouco para que acredi-temos ou que admitamos sem o perceber que, para muitos propsitos, o pro-ferimento exteriorizado a descrio verdadeira ou falsa da ocorrncia deum ato interno. A expresso clssica desta idia encontra-se no Hiplit(1.612)* , onde Hiplito diz,

    , I ,< \\I\. Jl crFV V L Ojisto , "minha lngua jurou, mas meu corao (ou mente, ou um outro atornos bastidores)l no o faz" . Assim, "Prometo .. " me constrange - registra

    meu vnvulo a "grilhes espiri tuais" . gratifIcante observar, no mesmo exemplo, como o excesso de profun-didade, ou melhor, de solenidade, abre o caminho da imoralidade, poisaquele que diz "prometer no apenas uma questo de proferir palavras

    um ato interior e espiritual ", tender a parecer um slido moralista frente auma gerao de tericos superficiais. Vemo-lo como ele se v, examinandoas profundezas invisveis do espao tico, com toda a distino de um espe-cialista do sui generis. No entanto, ele propicia a Hiplito uma sada, ao b-gamo uma desculpa para seu "Aceito" e ao vigarista uma defesa para seu" Aposto". A exatido e a moralidade esto, ambas, do lado da simples aflf-mativa de que nossa palavra nosso penhor.Se excluirmos atos interiores fictcios como esse, podemos supor qu etodas as demais coisas que certamente so exigidas para completar normal-* l i pieo. tragdia greg c lssicu de autoria de Eurfpedes. N. {lo T J10 Mio quero com isso elimin ar toda a "equipe dos - os iluminudorcs, o cengrafo ,mesmo co ntinufsm; minha objeo uperuls contro cert os " ntores substitu tos o ficiosos .

    2QU lmlo dlLcr < rOI.CI

  • 8/13/2019 Austin J L Quando Dizer e Fazer LivroCompleto

    15/69

    menle um proreri anento < lo tipo "Prometo que .... ou "Aceito (esta mu-lher ..) so de fato descritas pelo proferimento e, por conseguinte, com suapresena fazem-no verdadeiro ou, com sua ausncia, fazem-no falso? To-mando a segunda alternativa em primeiro lugar, passamos a considerar o querealmente dizemos do proferimento em questo quando alguns de seus co m-ponentes elementares est ausente Nunca dizemos que o proferimento erafalso, mas sim o proferimento - ou melhor, o atol , isto , a promessa - fo iv, ou fe ita de m-f, ou no fo i levada a cabo, ou coisa semelhante. No ca-so particular das promessas, e tambm de mu itos outros perfonnativos, apropriado que a pessoa que profere a promessa tenha uma detenninada in-teno, a saber, a inteno de cumprir com a palavra. Talvez entre todos oscomponentes este parea o mais adequado para fazer o "Prometo descreverou registrar. No verdade que quando tal inteno est au sente ns falamosde uma falsa" promessa? E no entanto falar assim no dizer que o profe-rimento "Prometo que ... " seja falso, no sentido de que, embora a pessoaafmne que promete, no o faz, ou que ao descrever o que est fazendo duma descrio distorcida. Pois a pessoa realmente promete: a promessa aquino sequer v, embora feita de m-f. O proferimento talvez seja deso-rientador, provavelmente fraudulento e sem dvida incorreto, mas no umamentira nem um engano. No mximo poderamos dizer que o proferimentosugere ou insinua uma falsidade ou um engano (j que h a inteno de fazeralgo); mas isso um problema muito diferente. Alm do mais, no dizemosque uma aposta falsa ou que um batismo falso. E o fato de dizennos queuma promessa falsa no nos compromete mais seriamente do que falar deum passo em falso. "Fa lso" no necessariamente usado apenas para dec1a-rdes.

    11 Evitamos di stinguir entre um e outro precisamente porque a distino no se encontra aqui emquoslllo.

    l J L Allstin

    Confernciaondies para performativos

    felizes

    Como devem estar lembrados, amos considerar alguns (apenas al-guns, fe lizmente) casos e sentidos em que dizer algo fazer algo; ou em quepor dizermos, ou ao dizennos algo estamos fazendo algo. Este tpico umdesenvolvimento, entre outros, de uma tendncia recente de questionar umantigo pressuposto filosfico: a idia de que dizer algo, pelo menos nos ca-sos dignos de considerao, isto , em todos os casos considerados, sempredeclarar algo. Esta uma idia inconsciente e, sem dvida, errnea, mas, aoque parece, perfeitamente natural em Filosofia. Temos de aprender a correrantes de sabennos andar. Se nunca cometssemos erros, como poderamoscorrigi-los?Comecei por chamar a ateno, mediante exemplos, para alguns profe-rimentos simples do tipo conhecido como perfonnatrios ou performativos.Estes proferimentos tm a aparncia - ou pelo menos a fonna gramatical -de declaraes ; observados mais de perto, porm, resultam ser proferi-men tos que no podem ser " verdadeiros" ou "fa lsos". No entanto, ser ver-dadeiro" ou "falso" tradicionalmente a marca caracterstica de uma decla-rao. Um de nossos exemplos era o proferimento Aceito" (esta mulhercomo minha legtima esposa .. ), quando proferido no decurso de uma ceri-mnia de casamento. Aqui devemos assinalar que ao dizer esta pal avra esta-mos fazendo algo, a saber, estamo s nos casando e no relatando algo, a sa-ber, o fato de nos estarmos casando. E o ato de casar, como, digamos, o atode apostar, por exemplo, deve ser de preferncia descrito (ainda qu e de mo-Quando dizer 6 fazer 2

  • 8/13/2019 Austin J L Quando Dizer e Fazer LivroCompleto

    16/69

    do inexato) como w ato de zer certas palavras e no como a realizaode um ato distinto, interior e espiritual, de que tais palavras so meros sinaisexternos e audveis. Que isso seja assim, dificilmente pode ser provado noentanto me atrevo a afIrmar que se trata de um fato.

    Segundo estou informado, no direito processual norte-americano o re-lato do que se disse vale como prova, caso o que tenha sido dito seja umproferimento do tipo que chamamos de performativo, porque este conside-rado um relato com fora legal, no pelo que foi dito, o que resultaria em umtestemunho de segunda mo - no admissvel como prova - mas por ter sidoalgo realizado, uma ao. Isto coincide perfeitamente com nossa intuioinicial a respeito dos pro erimentos performativos.

    At aqui sentimos apenas ruir, sob nossos ps, a slida base de um pre-conceito. Mas como devemos agir daqui em diante como filsofos? Uma coi-sa poderamos fazer, naturalmente. Poderamos comear tudo de novo, ouento caminhar lentamente atravs de etapas lgicas. Mas tudo isso levaria .tempo. Primeiro, vamos concen trar nossa ateno em um detalhe j mencio-nado de passagem - a questo das circunstncias adequadas . Apostar no, como j assinalei, simplesmente profer ir as palavras Aposto... etc. .Com efeito, algum poderia dizer tais palavras e mesmo assim poderamosdiscordar de que tivesse de fato conseguido apostar. Para comprovar o queacabo de dizer basta, digamos, propor a nossa aposta aps o trmino da cor-rida de cavalos. Alm do proferimento das palavras chamadas performativas,muitas outras coisas em geral tm que ocorrer de modo adequado para po-dermos dizer que realizamos, com xito, a nossa ao. Quais so essas coisasesperamos descobrir pela observao e classificao dos tipos de casos emque algo sai errado e nos quais o ato - isto , casar, apostar, fazer um lega-do, batizar, etc. - redunda, pelo menos em parte, em fracassar. Em tais casosno devemos dizer de modo geral que o proferimento seja falso, mas malo-grado. Por 'esta razo chamamos a doutrina das coisas que podem ser ou re-sultar malogradas por ocasio de tal proferimento, de doutrina das infelici-dades.

    Tentemos enunciar esquematicamente, sem reivindicar para tal esquemaqualquer carter defmitivo, pelo menos algumas das coisas necessrias parao funcionamento, feliz ou sem tropeos, de um pro ferimento performativoaltamente desenvolvido e explcito, o nico, alis, que nos preocupa aqui. Aseguir daremos exemplos de infelicidades e de suas conseqncias. Receio, ees pero, naturalmente, que estas condies necessrias paream bvias.

    30 _J L Austin

    A I xistir um procedimento conv lciollullllcnl l l l lapresen te um deterrmnudo efeito convencional c qu incluo oprorerimento de certas palavras, por certas pessoas, e mceltascircun stncias; c alm disso, qu

    (A.2) as pessoas e circunstncias particulares, em cada caso, devemse r adequadas ao procedimento espec ffico invocado.

    (8. 1) O procedimento tem de ser executado, por todos os participan-tes, de modo correto e

    (8 .2) completo.(1 . 1) Nos casos em que, como ocorre com freqncia, o procedimentovisa s pessoas com seus pensamentos e sentimentos, ou vi sa li

    instaurao de uma conduta correspondente por parte de algun sdos participantes, ento aquele que participa do procedimento, co invoca deve de fato ter tais pensamentos ou sentimentos, e osparticipantes devem ter a inteno de se conduzirem de man e iraadequada , e, alm disso,

    r 2) devem realmente conduzir-se dessa maneira subseqentemente.Ora, se transgredi rmos uma dessas seis regras, nosso proferimento per-

    formativo ser, de uma forma ou de outra, malogrado. Mas claro que h di-ferenas considerveis entre as diversas maneiras de ser malogrado - ma -neiras que, esperamos, estejam assinaladas pelas letras e nmeros seleciona-dos para cada item.

    A primeira grande distino reside na opinio entre o conjunto dasquatro regras A e B e as duas regras r . Da o uso de letras latinas em oposi-o letra grega. Se violamos uma das regras de tipo A ou B - isto , seproferimos a frmula incorretamente, ou se as pessoas no esto em posiode realizar o ato seja porque, por exemplo, j so casadas, seja porque fo i ocomissrio e no o capito do navio quem realizou o casamento, ento o atoem questo (o casamento) no se realiza com xito, no se efetua, no seconcretiza. Nos dois casos, ao contrrio, o ato concretizado, embora reali-z-lo em tais circunstncias, digamos, quando, por exemplo, somos insince-ros, seja um desrespeito ao procedimento. Isto se passa quando digo pro-meto sem ter a inteno de cumprir o prometido, prometi mas ... Precisamosde nomes para nos referirmos a esta distino geral, por isso chamaremos de-sacertos os atos ma logrados do tipo A. I-B 2, em que no se consegue levar acabo o ato para cuja realizao, ou em cuja realizao, indispensvel a1 Scrd exp licado depois por que o fato de se ter estes pensamentos, sentimentos e intenOes MO csUllnclufdo dentre as OUlrJS c ircuns \ncias jd consideradas em (A).

    QUW1do dizer fazer 31

  • 8/13/2019 Austin J L Quando Dizer e Fazer LivroCompleto

    17/69

    fonna verbal correspondente. Por outro lado, chamaremos de abusos aquelesatos malogrados (de tipo r ) em que a ao concretizada (obviamente nose devem enfatizar as con otaes usuais destes termos).Quando o proferimento fo r um desacerto, o procedimento invocado esvaziado de sua au toridade e assim nosso ato (casar, etc.) nulo ou semefeito. Em tais casos dizemos que nosso ato foi to-somente intencionado ou,ainda, que foi uma mera tentativa; ou usamos expresses como: foi um afo rma de un io em oposio a casamos . Por outro lado, nos casos de tipor dize mos que o ato malograd o fo i professado ou vazio , em vez de di-zer que foi pretendido ou nulo . Dizemos que no foi levado a cabo ouque no foi consumado, em vez de cham-lo de nulo ou sem efe ito. Masapresso-me a acrescentar que tais distines no so rgidas e fixas e, maisparticu larmente, que termos como pretendido e professado no resisti-ro a um exame mais rigoroso. Duas palavras finais acerca dos atos nul os ousem efeito. O fa to de um ato ser nul o ou sem efeito no quer significar quenada tenh a sido feito; pelo contrrio, muitas coisas podem ter sido feitas.Atravs deles podem os ter cometido um ato de bigamia, sem termos realiza-do o ato pretendido, a saber, casar. Isto porque, a des peito do nome, o bga-mo no se casa duas vezes. (Em resumo , a lgebra do casamento boolea-na*.) Alm disso, sem efeito, aqui, no significa o mesmo que sem conse-q ncias, resultados ou efeitos .A seguir devemos tentar esclarecer, no que diz respeito aos desacertos,a distino geral entre os tipos A e B. Nos dois casos classificados co mo Aex iste uma m invocao de um procedimento, sej a porque no h, de modogeral, um procedime nto, seja porque o procedime nto em questo no con se-gue efetivar-se de maneira satisfatria. Da as infelicidades do tipo A pode-rem ser chamadas de ms invocaes . Dentre elas podemos arrazoada-men te batizar o segundo tipo (isto , A. 2) - em que existe um procedimento,ma s que no foi aplicado como se pretendia - de m aplicao . Infeliz-men te, porm, no consegui encontrar um bom nome para o primeiro tipoisto , A.I ). Em contraste com A, o procedimento nos casos B correto evlido, mas a execuo do ri tual, po r ter sido prejudicada, gera conseqn-

    cias mais ou menos desas trosas. Assim, os casos B, em oposio aos casosA, se ro chamados ms execu es , em oposio a mas invocaes . Oato pretendido fica prejudicado por uma falha ou tropeo na conduo da ce-rimnia. A classe B.I a ds lhas e a classe B.2 a dos tropeos.

    ' Isto , apenas dois valores: verdadeiro ou falso. Re ferncia ao sistema algbrico fo rmulado emmeados do sc. XI X pelo 16gico e matemtio ing ls Geor ge Boole. N. do T.)

    J. L. Austin

    Assim, temos o seg uinteIn rcll vld,ldcs

    1\13 IIDesacertos I\husos

    Atos pretendidos mas nulos A tos pro fessados mas vazios/ \ I \1\ ti r.1 r )

    Ms Ms eXeL lleJ)CS Insinceridades ,ato rejeitado ato prejudicadoI \ / \A.l A.2 B.I H,2

    I Ms falhas Tropeosaplicaes

    No me surpreende que haja dvidas acerca de A.l e r .2, mas vamosadiar sua considerao para mais tarde .Antes de entrar em detalhes, desejo fazer algumas observaes gerais

    sobre as infelicidades. Podemos indagar:(1) A que variedade de ato se aplica a noo de infelicidade?(2) At que ponto est completa a classificao das infelicidades aci -ma?(3) Os vrios tipos de infelicidade se excluem mutuamente?Analisemos estas indagaes seguindo a ordem acima.

    2 Austin dc vcz em quando usa out ros nomes para as diferentes infelicidades . Por serem de in teresseaJlluns so registrados aq ui . A. I no-atuao, A.2 m atuao; B. fracassos, B.I ms execues, O.no-execues, r . desrespeitos, r .1 iss imulaes, r .2 no realizaes, deslealdades, infraOes,indisciplinas, rupturas, N. de ./0 Unnsoll).' Austin joga com o prefixo ingls lI1is indicativo de erro, falha ou falta. ao formular a mo.lorlodestes conceitos. Assim temos: lI1is.fire (desacerto), misillvocatioll (m invocao), miSe,ICCltlolI m6execuo) e mi.sllpplicatiorl m aplicao). Entretanto, como o pr6prio Austin IlSsi nalu, estes termosMO devem ser tomados em seu sentido literal, mas de acordo com n de fi nifio dada no tex to. N. d7'.).

    Quando dizer 6 fazer _2

  • 8/13/2019 Austin J L Quando Dizer e Fazer LivroCompleto

    18/69

    (l) Qual o alcance da infelicidade?Em primeiro lugar, embora isto possa nos ter estimulado (ou deixado

    de estimular) em relao a certos atos que so, no todo ou em parte, atos deproferir palavras , parece evidente que a infelicidade um mal herdado portodos os atos cujo carter geral ser ritual ou cerimonial, ou seja, por todosos atos convencionais. No se trata de que todos os rituais ou todos os pro-ferimentos performativos sejam passveis de todas as formas de infelicidade.Isto bvio, quanto mais no seja pelo simples fato de que muitos atos con-vencionais, tais como apostas e legados de propriedade, podem ser realiza-dos por meios no-verbais. Os mesmos tipos de regras tm de ser observadosem todos estes procedimentos convencionais, basta omitir a referncia espe-cial ao pro ferimento verbal em nosso caso A. Isto pelo menos bvio.

    Mas importa tambm chamar a ateno para os inmeros atos quedizem respeito ao jurista, seja por serem performativos ou por inclurem pro-ferimentos de performativos, seja por serem ou inclurem a realizao de al-gum procedimento convencional. Neste contexto pode-se ver que, de ummodo ou de outro, os autores de jurisprudncia constantemente demonstra-ram perceber os diversos tipos de infelicidade, e por vezes at mesmo as pe-culiaridades do proferimento performativo. Apenas a obsesso generalizadade que os pro ferimentos legais e os proferimentos usados em, digamos, atoslegais , tenham que ser de algum modo declaraes verdadeiras ou falsasimpediram os juristas de perceber esta questo com mais clareza do que ns.Por isto no ousaria afirmar que nenhum jurista o tenha feito. Para ns,contudo, de importncia mais primordial perceber que, pela mesma razo,um grande nmero de atos que se incluem no campo da tica no so, em l-tima anlise, como os filsofos se apressam em afmnar, meros movimentosf1sicos: . Muitssimos deles tm o carter geral, no todo ou em parte, de atosconvencionais ou rituais e assim esto, entre outras coisas, expostos infeli-cidade.

    Por ltimo, podemos perguntar - e aqui sou forado a pr minhas car-tas na mesa - se a noo de infelicidade se aplica a pro ferimentos que sejamdeclaraes. At aqui mostramos a infelicidade como um trao caractersticoi\uslin critica aqui uma tradio positivista e cientificista que reduz a ao humana a suas caracte-rlsticas de movimento f(sico apenas, podendo assim ser explicada atravs de leis causais no sentidonatural. Chama a ateno para a necessidade de levar em conta os aspectos intencionais e convencio-nuis na interpretao da ao humana. Contemporaneamente, na tradio analtica, a Filosofia da

    i\ llo tem retomado estas discusses que servem de pano de fundo para o conceito de ao envolvidona Teoria dos Atos de Fala. Vejam-se, p.ex., dentre outros: A.1. Goldman (1970) A Theory ofHumanActioll. Ncw Jersey; Prentice-Hall, D. Davidson (1980) Essays on Actions and Events, Oxford Univ.Press; A. White (org.) (1968) The Phi/osophy of Action, Oxford Univ. Press. (N. do T.).

    J L Austin

    do proferimcnto performativo que foi deOnldo /lO assim podemos dizer)basicamente em oposio declarao j tida como supostamente con lvcida. A esta altura, importa, porm, salientar que uma das coisas que os tllsofos fazem ultimamente examinar com ateno certo tipo de sen-tenas declarativas que, embora no exatamente fal sas nem contradit6rias,parecem, contudo, absurdas - por exemplo, afmnae s que se referem t algoque no existe, como: O atual rei da Frana careca .* Poderamos ser le-vados a aproximar isto da inteno de doar algo que no possumos. No huma pressuposio de existncia em ambos os casos? No se trata de umadeclarao que se refere a algo que no existe, e que no propriamente fal-sa, mas nula? E quanto mais consideramos uma declarao, no como umasentena ou proposio, mas como um ato de fala (a partir do qual os demaisso construes lgicas), tanto mais estamos considerando a coisa toda comoum ato. Ou, ainda, h semelhanas bvias entre uma mentira e uma promessafalsa. Teremos que voltar a este assunto mais tarde 3.

    (2) Nossa segunda perg unta foi: a t que ponto completa esta classifi-cao?

    (I) A primeira coisa a ter presente a seguinte: se ao proferir nossosperformativos estamos de modo efetivo e em sentido inequvoco reali zandoaes , ento estes performativos enquanto aes estaro sujeitos s me smasdeficincias que afetam as aes em geral. Mas tais deficincias so dis tintas- ou distinguveis - do que chamamos de infelicidade. Quero com is to dizerque as aes em geral, no todas, so passveis, por exemplo, de serem exe-cutadas com dificuldade, ou por acidente, ou devido a este ou quele tipo deengano, ou, mesmo, sem inteno. Em muitos desses casos no cabe dizersimplesmente que tal ato foi realizado ou, mesmo, que algum o praticou.No estou aqui no mbito da doutrina geral, pois em muitos destes casos po-demos mesmo dizer que o ato foi nulo (ou tom ado nulo pela coao ou aindapor influncia indevida) e assim por diante. Ora, suponho que uma doutrinaeral de nvel superior possa incluir em um nico corpo doutrinrio tanto O

    de exemplo famoso, anaJisado por Bertrand Russell em seu artigo On Denotillg (1905), lpropsito da questo da aparente falta de sentido de sentenas que, como esta, no possuem umO re-rorencia atual. Estn discusso retomada posteriormente por P. F. Strawson, em seu artigo, tamb6moldssleo, On Refening (1950), que um comentrio e uma crftiea ao de Russell. Ambos os artigosnconlmm-se troduzidos para o portugutls e publicados pela ed. Abril, S. Paulo, no coleo Os(lcnsudores , nos volumes relativos nos respectivos autores. (N. do T.).

    /lIfro pp 47 e S8_ 35unn o izer razer4

  • 8/13/2019 Austin J L Quando Dizer e Fazer LivroCompleto

    19/69

    que chamamos infelicidade quanto estes aspectos infel izes da realizaode aes - isto , atos que contm um proferimento perfonnativo. Mas pornuo incluir em nossa anlise esse tipo de infelicidades, importa lembrar quetais elementos podem imiscuir-se em quaisquer dos casos que estamos discu-tindo, o que, alis, com freqncia acontece. Elementos deste tipo poderiamser normalmente rotulados de circunstncias atenuantes ou ainda de fato-res redutores ou anulatrios da responsabilidade do agente , e assim pordiante.

    (lI) Em segundo lugar, os performativos enquanto proferimentos her-dam tambm outros tipos de males que infectam todo e qualquer proferi-mento. Estes, porm, embora possam ser enquadrados emuma regra mais ge-ral, foram, no momento, deliberadamente excludos. O que quero dizer oseguinte: um proferimento performativo ser , digamos, sempre vazio ou nulode uma maneira peculiar se dito por um ator no palco, ou se introduzido emum poema, ou falado em um solilqUIO, etc. De modo similar, isto vale paratodo e qualquer pro ferimento , pois trata-se de uma mudanade rumo em cir-cunstncias especiais. Compreensivelmente a linguagem, em tais circunstn-cias, no lavada ou usada a srio, mas de forma parasitria em relao aseu uso normal, forma esta que se inclui na doutrina do estiolamento da lin-guagem*. Tudo isso fica excludo de nossas consideraes. Nossos proferi-mentos performativos, felizes ou no, devem ser entendidos como ocorrendoem circunstncias ordinrias.(III) Pelo menos por ora, o objetivo de excluir esta espcie de conside-rao que me levou a no apresentar um tipo de infelicidade - j querealmente pode ser assim chamado - que se deriva do mal-entendido . Ob-viamente necessrio que para haver prometido eu tenha normalmente que:

    (A ) ter sido ouvido por algum, talvez a pessoa a quem prometi;(B) ter sido entendido por esta pessoa como tendo prometido.Se uma outra destas condies no for satisfeita, aparecero dvidasquanto ao fato de eu ter realmente prometido, e pode-se considerar que o ato

    foi meramente um intento, ou que foi nulo. Precaues especiais so tomadasem Direito para evitar essas e outras infelicidades, por exemplo, na apresen-tao de ordens ou nodificaes legais. Esta importante considerao terque ser tratada em particular mais tarde em outro contexto.*0 termo estiolame nto significa literalmente perda de cor e vitalidade, de nhamento enfraque-cimento, e aplicado por Austin para caracterizar o enf raqueci mento que um ato de fa la sofre aoser utilizado em um contexto no- literal, de faz-de-conta , com o teatro, a fico, etc. N. do T.).

    36 _ _ J. L. Austin

    (3) Os cosos de infelicidado acima {ulolados cxlucmsc mutuamente', Aresposta 6bvia.(a) No, no sentido em que podemos nos enganar de duas maneiras amesmo temp, ao prometer insinceramente a um asno dar-lhe uma cenoura.(b) No, sobretudo no sentido em que as formas de errar se sobrlpem e se confundem e a deciso entre elas acaba por ser arb itrria .Suponhamos, por exemplo , que haja um navio nas docas de um estalei-

    ro. Aproximo-me e, quebrando a garrafa presa proa, proclamo: Batizo'8te navio com o nome de Senhor Stalin e para completar solto as amar-ras. A dificuldade, porm, est no fato de no ter sido eu a pessoa escolhidapara batiz-lo (quer o nome Senhor Stalin fosse ou no o escolhido; talvede certa forma seria at pior se o fosse). Todos concordamos que:

    (1) o navio no foi batizado por este at04;(2) foi um terrvel vexame.Pode-se dizer que fingir ter batizado o navio, que meu ato foi nu-lo ou sem efei to , por no ser eu a pessoa indicada ou no ter a capaci-

    dade 'de realiz- lo. Por outro lado, poder-se-ia tambm dizer queem casosonde sequer h pretenso capacidade ou direito a ela tampouco existemprocedimentos convencionais aceitos. Tratam-se de farsas, como casar-secom um macaco. Poderamos dizer tambm que parte do procedimento apessoa vir a ser designada para praticar o ato. Quando o santo batizou ospingins, poderamos nos perguntar se seu ato foi nulo por que o procedi-mento de batismo no se aplica a pingins, ou por que no h procedimentoaceito de batizar qualquer ser que no seja humano? Estas questes, em meuntender, no tm importncia terica, embora seja de interesse investig-las

    e, na prtica, conveniente estar familiarizado, como os juristas, com a ter-minologia apta a lidar com elas.

    4 OOlizru umacriana seria ainda mais di fl cil. Podemos ter o nome errado e o sacerdote errado, isto 6,ohlll6m capacitado a batizar bebs, mas no escol hid o para batizar aquele beb em particular.

    uando di zer fozer 37

  • 8/13/2019 Austin J L Quando Dizer e Fazer LivroCompleto

    20/69

    3Conferncia

    Infelicidades desacertos

    Na primeira conferncia caracterizamos, de modo preliminar,o proferi-mento performativo como aquela expresso lingstica que no consiste, ouno consiste, apenas, em dizer algo, mas em fazer algo, no sendo um relato ,verdadeiro ou falso, sobre alguma coisa. Na segunda, chamamos a atenopara o fato de que, embora no seja sempre verdadeiro ou falso, o proferi-mento est sempre sujeito crtica, podendo ser infeliz, e assim sendo apre-sentamos uma lista de seis desses tipos de infelicidades. Dentre estas, quatroeram de tal ordem que tomavam o pro ferimento um desacerto, e o ato inten-cionado nulo e vo, e, como tal, sem surtir qualquer efeito, enquanto que asdemais, ao contrrio, faziam do ato pretendido um mero abuso de procedi-mento. Assim, armamo-nos, ao que parece , com dois novos e brilhantes con-ceitos com os quais podemos romper o bero da Realidade, ou, qui, daConfuso. Duas novas chaves em nossas mos e, ao mesmo tempo, dois no-vos patins em nossos ps. Em filosofia, estarmos previamente armados deve-ria significar estarmos prevenidos. Depois, estendi-me um pouco mais nadiscusso de algumas questes gerais acerca do conceito de infelicidade eem seu lugar propus um novo mapa para a rea. Sustentei (1) que a noo deinfelicidade aplicava-se a todos os atos cerimoniais e no apenas aos atosverbais, e que estes so mais freqentes do que se cr; admiti (ll) que a listano era completa, e que existem outras dimenses do que se pode razoavel-mente chamar de infelicidades que afetam de modo geral a realizao deatos cerimoniais e de proferimentos em geral, dimenses que so certamente

    J L. Austin

    (llJ) quc di rcrcntc:i IIllclicluadt :1l p ll combUlI Ise ou sobrepor-sc, tornando-se uma questo mai s ou menos opcional a 11111-neira de classificar um dctenninado exempl o particular.

    A seguir, ca be tomar alguns exemplos de infel icidades ou de infruocsde nossas seis regras. Primeiro, quero lembrar-lhes a regra A.I, aftmltlntlque deve haver um procedimento convencional aceito que ten ha um detcrl linado efeito convencional, tal procedimento inc luindo o proferimento detas palavras por certas pessoas em certas circ un stncias, e a regra A.2, com-plementar da primeira, estabelecend o que as pessoas e as circun stncias es-pecficas tm de ser, em um determinado caso, adequadas para a invocacodo procedimento especfico referido.

    A.l Deve existir um procedimento convencionalmente aceito que pduz um efeito convencional, tal procedimento devendo incluir o profcri-mento de determinadas palavras, por detenninadas pessoas e em detennina-das circunstncias.

    A segunda parte do enunciado acima destina-se simplesmente a restrin-gir a regra a casos que envolvem proferimentos, no sendo, em prindp.o,importante.

    Nossa formulao desta regra contm as palavras existir e acei to ,mas poderamos com razo perguntar no s se exi stir pode ter algumse ntido que no seja o de ser aceito , como tambm se estar (em geral)em uso no deveria ser prefervel a essas duas palavras. Se assim for, nomai s deveramos dizer (I) existir, (lI) ser aceito . Por fora de tal objeexaminemos esta questo no que diz respeito palavra aceito .

    Se algum emite um pro ferimento performativo, e se o pro ferimentoclassificado como um desacerto pelo fato de o procedimento invocado nter sido aceito trata-se presumivelmente no do falante , mas de uma pessoaque no o aceita (pelo menos na medida em que o falante fala a srio). O quepoderamos tomar como exemplo? Consideremos Peo divrc io , dito pum marido sua esposa, ambos cristos e no muulmanos, em um paIScristo. Neste caso poderia ser dito no obstante ter pedido o divrcio, 1no conseguiu divorciar-se dela; admitimos neste pas apenas um outro pro-cedimento verbal ou no-verbal , ou, at mesmo , no admitimos nes te pasnenhum procedimento para efetivar um divrcio, o casamento indissol-vel . Isto pode chegar ao ponto de se rejeitar todo um c6digo de procedi-mento - por exemplo o cdigo de honra que inclui o duelo. Assim . um d(

  • 8/13/2019 Austin J L Quando Dizer e Fazer LivroCompleto

    21/69

    mo que equivalente a eu o desafio , e ns poderamos simplesmente ig-nor-lo. Esta situao geral explorada na infeliz est6ria de Dom Quixote.

    Fica evidente que o caso comparativamente simples se nunca admi-tinnos um procedimento desse tipo; isto , um procedimento para se reali-.ar tal tipo de coisa, ou um procedimento especfico para se realizar algo emparticular. Mas igualmente possvel so os casos em que aceitamos, depen-dendo das circunstncias e das pessoas, o procedimento, mas no o aceita-ramos em outras circunstncias, ou com outras pessoas. Podemos aqui fre-qentemente hesitar (como no exemplo dado acima) se uma infelicidade de-veria ser enquadrada na classe A.I ou na classe A.2 (ou mesmo na B.I ou8.2). Por exemplo, em uma reunio social, ao escolher um parceiro para umjogo, digo Escolho Jorge , e Jorge retruca, No vou jogar . Pode-se per-guntar, Jorge foi efetivamente escolhido? Sem dvida a situao infeliz.Podemos dizer que Jorge no foi escolhido seja por inexistir a convenosegundo a qual se pode escolher uma pessoa que no vai jogar, seja porquena presente circunstncia Jorge um objeto inadequado para o procedimentode escolha. Uma outra situao crtica seria a seguinte: em uma ilha desertaalgum pode dizer-me V apanhar lenha e eu respondo, No recebo or-dens suas , ou, ainda, Voc no tem o direito de me dar ordens , ou Noaceito ordens suas quando voc est tentando 'afirmar sua autoridade' (queposso aceitar ou no) em uma ilha d eser ta . O caso contrrio se daria se vo-c fosse o capito do navio, tendo ento autoridade.

    Por outro lado, poderamos dizer, considerando um caso do tipo A.2(m aplicao): o procedimento - isto , o proferimento de determinadas pa-lavras, etc. - era correto e foi aceito, embora estivessem erradas as circuns-tncias de invocao e as pessoas que o invocaram. Eu escol ho , no exem-plo acima, s6 funciona se o objeto do verbo for um jogador , e uma ordemS funciona se o sujeito do verbo for uma autoridade .

    Poderamos ainda dizer, levando o caso para a regra B.2 e talvez de-vssemos reduzir a esta o exemplo anterior): o procedimento no foi com-pletamente executado por ser necessrio que o objeto do verbo eu ordenoque estabelea, mediante um procedimento prvio, tcito ou explcito, quea pessoa que vai dar a ordem tenha autoridade; por exemplo, dizendo: Pro-meto fazer o que voc me ordenar . Esta , naturalmente, uma das incertezasgenricas, subjacentes ao debate, em teoria poltica, sobre se existe ou no, ese deveria ou no existir um contrato social.Em princpio, pouco importa, ao que parece, como decidimos esses ca-sos particulares, embora possamos preferir, aceitando fatos ou introduzindodefinies, uma soluo a outra. Importa, porm, esclarecer:

    ./. L Al stin

    (I) A respeito de B.2 , por mais que dctcnnillllt;OCH 11procedimento, sempre ser possvel que algum o rejeite //lI totaLidode

    (2) Para um procedimento ser aceito pressupe-se aJgo mais do que )fato de ser considerado efetiva e genericamente usado, at mesmo pelas pes-soas envolvidas; devendo pennanecer em princfpio aberta a possibilidade dqualquer pessoa vir a rejeitar qualquer procedimento, ou cdigo de procedi-mento - mesmo aquele que fora por ela anteriormente aceito - como aconte-ce, por exemplo, com o cdigo de honra. Quem o fizer estar, naturalmente,sujeito a sanes. Algum poderia se recusar a jogar com ela, ou dizer queno se trata de uma pessoa honrada. Mas, acima de tudo, no podemos redu-zir as consideraes acima a meras circunstncias factuais, pois estaramossujeitos velha objeo de termos derivado um dever de um ser pois-ser aceito no uma circunstncia, em sentido estrito. No caso de muitosprocedimentos, por exemplo, tomar parte em jogos, por mais adequadas quesejam as circunstncias eu posso ainda no estar jogando. Alm do mais, de-veramos considerar que, em ltima anlise, duvidoso que ser aceitopossa ser reduzido a usualmente empregado . Esta porm uma questomais complexa.Em segundo lugar, cabe perguntar o que se quer dizer com a sugestode que um procedimento pode sequer existir, o que diferente da questo dese um procedimento aceito e por que o grupo aceito ou no l

    (I) H o caso de procedimentos que no mais existem , no sentido deterem sido outrora aceitos, j no mais o so em geral ou mesmo por algum,como no caso do duelo.11) H tambm o caso de procedimentos recentemente inaugurados.Por vezes estes podem dar certo - tal como no caso do rugby com o jo-gador que primeiro pegou a bola com as mos e saiu correndo. Dar certo essencial, a despeito da terminologia suspeita. Consideremos um caso plau-svel: dizer voc foi covarde pode ser uma reprimenda ou um insulto, eposso tornar explcito meu ato dizendo eu o repreen do , mas no posso fa-zer o mesmo em relao ao insulto dizendo eu o insulto ; as razes dissono nos importa aqui2.

    1 Se objetamos a que se diga que h dvida sobre se o procedimento existe , como bem podemosobjetar, pois a palavra nos d arrepios que esto na moda e que so em geral indubitavelmente leg fti -1I10S, poderfamos dizer tjue a dvida sobretudo quanto natureza, ou ou compreenso doprocedimento que existe c e aceito.2 Muitos desses procedime ntos e f6rmulas plausfveis seriam desvantajosos se reconhecidos. Porexemplo, talvez no devssemos permitir a f6rmula Prometo que vou aoit-lo . Mas foi-me ditoqu e no auge da 6poca dos duelos entre estuda ntes da Alemanha era costume que os memhros de umclube marchassem diante dos membros de um outro clube rival, todos em fila, di zendo depois cn daQuando di'.er fuer0 41

  • 8/13/2019 Austin J L Quando Dizer e Fazer LivroCompleto

    22/69

    o que realmente importa que uma variedade de no-atua 03pode ocorrer se algum realmente diz eu o insulto' . Pois embora insultarseja um procedimento convencional, e primordialmente verbal, de tal modoque de certa fonna no podemos deixar de entender o procedimento que al-gum tenciona invocar quando diz eu o insult o , contudo somos obrigadosa no-atuar com ele, no apenas porque a conven o no aceita, masporque sentimos vagamente a presena de um impedimento, cuja naturezapode no ser muito clara, contra a aceitao do procedimento em ge ral.Muito mais comuns so, entretanto, os casos que no se tem certezasobre o alcance do procedimento, isto , sobre que casos o procedimento co-bre ou que variedades poderia vir a cobrir. inerente natureza de qualquerprocedimento que os limites de sua aplicabilidade, e de sua definio preci-sa , permaneam vagos. Sempre ocorreram casos marginais ou difceis emque nada pode servir na histria prvia de um procedimento convencional,para se decidir conclusivamente se este procedimento est ou no sendo cor-retamente aplicado em um caso determinado. Posso batizar um co, se o ad-mitimos como racional? Ou isto seria um caso de no-atuao? Em Direito,inmeras so as decises difceis como esta, em que mais ou menos arbitr-rio decidir se (A.I) a conveno no existe ou (A.2) se as circunstncias noso adequadas para a aplicao de uma conveno que sem dvida existe.Assim, acabamos por seguir, de uma maneira ou de outra, o precedenteque estabelecemos. Os juristas preferem geralmente a segunda alternativa,que implica em aplicar a lei e no em cri-la.H ainda um outro tipo de caso, capaz de ser classificado de muitasmaneiras, e que merece uma meno especial.Todos os proferimentos performativos at agora abordados foram ins-tncias altamente desenvolvidas do tipo que mais tarde chamaremos de per-formativos expltcitos, em oposio aos performativos meramente implfcitos.Em outros termos, todos eles incluem ou tm incio com palavras altamentesignificativas e inambguas como aposto , prometo , do , palavrascorretamente usadas para designar o ato que, ao fazer tal proferimento, estourealizando. Por exemplo, apostar, prometer, doar, etc. Mas to bvioquanto importante que possamos ocasionalmente usa r o proferimento Vpara fazer praticamente o mesmo que fazemos com o proferimento Orde-no-lhe que v . E diramos sem hesitar ao descrever subseqentemente o queum a seu Oponente escolhido, medida que passava e de maneira muito polida, Beleidigung . o queEu o insulto .3 No-atuao foi durante algum tempo a denominao dada por Austin categoria A.I de infeli-cidades. Ele veio a rejeit-la mais tarde, porm a esta altura o termo ainda aparece em suas anotaes.(NotadeJ.O. Urmson)

    J L Austin

    guem fez, que em ambos 14 casos ele () I )IJcnuu que Isso Ide, entretanto, ser de fato incerto, o, no que concenlO ao simples proferi-mento, sempre pennanece incerto quando usamos uma frmula tocita quanto o mero imperativo v , se o falante est dando uma ordem (oupretendendo dar uma ordem) ou se est simplesmente aconselhando, incenti-vando, ou qualquer coisa do tipo. Assim, H um touro no campo , pode serou no uma advertncia de perigo, pois posso estar simplesmente descreven-do uma cena. Do mesmo modo, Estarei l pode ser ou no uma promessa.Em todos estes casos temos performativos primitivos em contraste com per-formativos explcitos; mas pode no haver absolutamente nada nas circuns-tncias dadas que nos possibilite decidir se o proferimento ou no perfor-mativo . De qualquer forma, em dada situao sempre possvel consider-louma coisa ou outra. Mesmo que fosse uma frmula perforrnativa, o procedi-mento em questo pode no ter sido invocado de forma suficientemente ex-plcita. Talvez eu no o tenha tornado como uma ordem ou me sentisse obri-gado a tom-lo como uma ordem. A pessoa a quem disse Estare i l notomou meu proferimento como uma promessa, isto , nas circunstncias es-pecficas no aceitou o procedimento, com o argumento de que o ritual foiexecutado de maneira incompleta por mimPoderamos assimilar isso a um desempenho defeituoso ou incompleto(B.I ou B.2) se no fosse na realidade completo, embora no sem ambigi-dade. (No Direito, claro, este performativo no explcito seria normalmenteclassificado como B.I ou B.2. regra que a falta de explicao - por exem-plo um legado feito de modo inexplcito - resulta em realizao incorreta ouincompleta; na vida cotidiana porm, no h semelhante rigidez.) Podera-mos tambm assimilar isso a um mal-entendido (que ainda no estamos con-siderando), mas de tipo especial, dizendo respeito fora do proferimento, eno a seu significado. No se trata aqui de que a audincia o tenha enten-dido, mas de que no tinha que entender - por exemplo no tinha que to-m-lo como uma ordem.Poderamos at mesmo assimilar isso a A.2, sob a alegao de que oprocedimento no foi projetado para ser usado a menos que r esu lte claro co-mo esteja sendo usado, pois, caso contrrio, seria absolutamente vo.ramos afmnar que s deve ser usado em circunstncias que tornem total-mente claro e sem ambigidade em que acepo est sendo usado. Mas istoseria recomendar a perfeio.

    A.2 As pessoas e circunstncias particulares em um caso detenninadotm de ser adequadas invocao do procedimento especfico invocadoQuando dizer fazer2 43

  • 8/13/2019 Austin J L Quando Dizer e Fazer LivroCompleto

    23/69

    Passemos agora violaes de A.2, ao tipo de infelicidade que cha-mamos de ms aplicaes. Os exemplos aqui so inmeros. Eu o nomeio ,etito quando a pessoa j foi nomeada, ou quando foi nomeada outra pessoa,ou quando eu no tenho o poder de nome-Ia, ou quando o nomeado umcavalo. Sim , quando se tem um grau de parentesco com a noiva que impe-de o casamento, ou diante de um capito de navio que no est no mar. Eulhe dou ... , quando o objeto no meu, ou quando uma parte de meu cor-po e dele no pode ser separado. Temos vrios termos especiais para usar emdiferentes tipos de casos: ultra vires , incapacidade , objeto ou pessoainadequado ou inapropriado , sem direito e assim por diante.A linha divisria entre pessoas inadequadas e circunstncias inade-quadas no necessariamente rgida e inflexvel. De fato, o termo cir-cunstncias pode ser tomado em tal extenso que acabe por abranger anatureza de todas as pessoas participantes. Mas devemos distinguir os casosem que a inadequao de pessoas, objetos, nomes, etc. uma questo deincapacidade , dos casos mais simples em que o objeto ou o agente