AUTONOMIA E INDEPENDÊNCIA DAS AGÊNCIAS · PDF file1 AUTONOMIA E INDEPENDÊNCIA DAS AGÊNCIAS REGULADORAS Professor Mestre Vicente Bagnoli Professor da Faculdade de Direito -

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    AUTONOMIA E INDEPENDNCIA DAS AGNCIAS

    REGULADORAS

    Professor Mestre Vicente Bagnoli

    Professor da Faculdade de Direito - UPM

    Os acontecimentos recentes envolvendo a Agncia Nacional de

    Aviao Civil trazem discusso a autonomia e independncia das

    Agncias Reguladoras. Mais que isso, debate-se a regulao

    econmica no Pas.

    Acompanhando a tendncia poltico-econmica mundial da

    dcada de 1980 de desestatizaes, privatizaes, concesses,

    parcerias e uma regulao desburocratizada, a Constituio Federal

    de 1988 dispe que a ordem econmica est fundada na valorizao

    do trabalho humano e na livre iniciativa, a fim de assegurar a

    existncia digna, conforme os ditames da justia social e em respeito

    ao princpio da livre concorrncia.

    Adota-se com a Carta Magna um novo modelo para o Estado

    brasileiro, no qual a explorao direta de atividade econmica deve

    ser feita pelo agente privado, cabendo ao Estado exercer as funes

    de fiscalizao e incentivo, enquanto agente normativo e regulador

    da atividade econmica. Nesse contexto desponta a elaborao

    terica e legislativa das agncias reguladoras, caracterizadas pela

    dinamicidade (desburocratizadas), autonomia (normativa e

    financeira), independncia (em relao Administrao direta e com

    suas decises revistas apenas pelo Poder Judicirio), tecnicidade

    (dirigentes especializados no setor regulado), consenso para dirimir

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    conflitos (decises colegiadas), ou seja, relevante instrumento de

    adequao de uma nova ordem jurdico-econmica.

    Tal processo tem incio no governo Collor, tendo prosseguido

    de forma mais tnue no governo Itamar, at se destacar no governo

    FHC, com a criao das agncias reguladoras nos setores de

    telecomunicaes (ANATEL), petrleo e bio-combustveis (ANP),

    sade suplementar (ANS), vigilncia sanitria (ANVISA), cinema

    (ANCINE), guas (ANA), transportes terrestres e aquavirios (ANTT e

    ANTAQ) e energia eltrica (ANEEL).

    Entretanto, no incio do primeiro mandato do presidente Lula,

    seu governo declarou a inteno de esvaziar as agncias

    reguladoras, devolvendo as competncias de regulao e fiscalizao

    aos respectivos Ministrios. Tais declaraes soaram mal junto ao

    mercado e diante da crtica especializada, uma vez que a concepo

    das agncias reguladoras tratar questes tcnicas por meio da

    tcnica, e no pelo vis poltico.

    Contudo, de maneira indireta, o governo Lula praticamente

    esvazia e limita a atuao das agncias reguladoras. Primeiramente,

    com a falta do repasse de dotaes oramentrias dos respectivos

    Ministrios s agncias, o que compromete sobremaneira a atuao

    das agncias, especialmente quanto fiscalizao do mercado e dos

    agentes regulados. Depois, com a ausncia de nomeao de

    dirigentes para as agncias, que deveriam ocupar o lugar daqueles

    que tinham o mandato encerrado. Diversas agncias ficaram sem o

    quorum mnimo para decidir questes importantes para o

    desenvolvimento do Pas e para o bem-estar econmico dos

    consumidores. Quando novos dirigentes eram indicados, muitas

    vezes ao invs da tcnica prevaleciam aspectos polticos, e assim

    eram aprovados e legitimados pelo Senado Federal e nomeados pelo

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    Presidente da Repblica.

    Por fim, o maior revs s agncias reguladoras, ocorre com o

    despacho do Presidente da Repblica em 2006 ao aprovar o Parecer

    da Advocacia-Geral da Unio, que analisando a divergncia entre o

    Ministrio dos Transportes e a Agncia Nacional de Transportes

    Aquavirios (ANTAQ) reconhece o recurso hierrquico imprprio,

    algo que interfere decisivamente na autonomia e na independncia

    das agncias reguladoras. Permite-se com tal recurso a reviso

    ministerial de decises tomadas pelas agncias, sob a alegao de

    que a aferio da autonomia das agncias e de suas condutas alm

    de diretamente vinculadas s suas finalidades institucionais se

    mede principalmente pela adequada compatibilizao com as

    polticas pblicas adotadas pelo Presidente da Repblica e os

    Ministrios que o auxiliam. Com isso, decises tcnicas podem ser

    tratadas de forma poltica, trazendo insegurana jurdica aos

    administrados e inibindo investimentos para o desenvolvimento

    scio-econmico do Pas.

    Ressalta-se que a autonomia das agncias reguladoras em

    relao ao Poder Legislativo bastante reduzida. O legislador pode

    interferir na agncia alterando seu regime jurdico e at extingui-la.

    Pode ainda fiscaliz-la e suspender seus atos normativos no

    condizentes com a Lei, tudo em conformidade com o Estado

    Democrtico de Direito, j que a prpria Constituio Federal no

    assegura a independncia absoluta das agncias. Outrossim, as

    agncias tm sua autonomia e independncia balizadas por

    standards jurdicos, quais sejam, a Lei instituidora da Agncia e,

    sobretudo, a Constituio Federal. Qualquer desrespeito a esses

    valores assegurados em Lei, o Poder Judicirio est apto a intervir

    na deciso da Agncia.

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    Quanto ao carter tcnico da atuao das agncias

    reguladoras, uma vez que regulam mercados especficos, a indicao

    dos dirigentes das agncias pelo Poder Executivo, a aprovao pelo

    Senado Federal e a nomeao pelo Presidente da Repblica deve,

    portanto, observar a conhecimento tcnico que esses dirigentes

    possuem do setor em que atuaro. Os dirigentes somente perdero o

    mandato em caso de renncia, de condenao judicial transitada em

    julgado ou de processo administrativo disciplinar, salvo outra

    previso contida na lei de criao da agncia. O mandato garante a

    autonomia e independncia do dirigente contra presses polticas.

    Todavia, diante do que vem ocorrendo, restringiu-se

    demasiadamente a autonomia e a independncia das agncias

    reguladoras no Brasil, comprometendo a regulao econmica; algo

    prejudicial livre concorrncia, ao bem-estar econmico do

    consumidor e ao desenvolvimento do Pas. nesta realidade de

    enfraquecimento das agncias reguladoras que a Agncia Nacional

    de Aviao Civil (ANAC) foi criada em 2005 para substituir o

    Departamento de Aviao Civil (DAC) e regular e fiscalizar as

    atividades de aviao civil e de infra-estrutura aeronutica e

    aeroporturia.