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1 Identidade Cultural e Consumo: Uma Reflexão Histórica sobre Hábitos de Consumo de Moda da Sociedade Recifense Autoria: Eduardo Jorge Carvalho Maciel, Ana Paula Celso de Miranda Resumo Pernambuco, como não poderia fugir as regras históricas, trás na sua trajetória períodos perpetuados até os dias atuais. Seja por fatos político, econômicos ou religiosos, nenhum destes deixará tanto suas marcas quanto o período áureo da Cana-de-Açúcar. Vivido entre os sécs. XVI e XVII, onde a economia pernambucana viveu seu apogeu, este período trouxe não só divisas para Pernambuco, mas sim, um legado cultural muito mais rico que todas as sacas deste “ouro branco” i . O objetivo deste trabalho é traçar uma narrativa histórica, focada no denominado período açucareiro pernambucano e seus reflexos na contemporaneidade, que venham a contribuir com a compreensão do consumo de moda da sociedade recifense. Como fonte e referencial de pesquisa foi utilizada a análise iconográfica, através de estudos fotográficos, do período em questão, do acervo da Fundação Joaquim Nabuco e Fundação Gilberto Freyre, e fotografias atuais de ritos de passagens ou outras cerimônias ocorridas na cidade do Recife, de periódicos e sites sociais locais. Introdução Hoje, em contraponto a Estados vizinhos, Pernambuco vive características de consumo distintas e contraditórias, se analisada quanto ao clima e economia destes Estados. Outro ponto de relevância nesta analise, é a de Recife possuir característica cosmopolita e de vanguarda e, ao mesmo tempo, perpetuar costumes ancestrais e não contemporâneos. Diante deste cenário historicamente rico, principalmente por sua carga hereditária perpetuada, este estudo busca contribuir academicamente despertando questões ligadas ao consumo – preferências e gostos – e sua formação histórica e econômica. O objetivo deste trabalho é ampliar o campo de compreensão do consumo da sociedade recifense, sob o aspecto histórico-cultural relacionado ao período áureo da economia da cana- de-açúcar e o seu reflexo nos tempos atuais. Problema de Pesquisa Diante do ambiente apresentado acima, temos como problema de pesquisa a seguinte questão: “Existirá uma relação entre o gosto e preferências do consumo de moda, pela sociedade recifense contemporânea, com o período áureo da civilização açucareira?” Consumo Simbólico da Tradição Percebendo que consumir em nossos dias, na sua grande maioria, está associado a satisfazer necessidade de ser e pertencer, temos em produtos e serviços valores que vão além do funcional. Esses valores, segundo análise de Garcia e Miranda (2007), fazem parte de um ambiente simbólico onde todos estão inseridos, e para interagir com o mesmo, fazemos uso de seus valores materializados em objetos. Mas toda essa verdade vivida nos dias atuais, tem uma evolução que cabe ser destacada neste estudo. Analisando Lipovetsky (2005) percebesse que a divisão de classes constitui a maior das rupturas da história da economia social. A princípio associada ao divino, posteriormente ligada a realeza faraônica, a distinção social vai caminhando até chegar a níveis comumente percebidos e multiplicados por todos nós nos dias

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Identidade Cultural e Consumo: Uma Reflexão Histórica sobre Hábitos de Consumo de Moda da Sociedade Recifense

Autoria: Eduardo Jorge Carvalho Maciel, Ana Paula Celso de Miranda

Resumo

Pernambuco, como não poderia fugir as regras históricas, trás na sua trajetória períodos perpetuados até os dias atuais. Seja por fatos político, econômicos ou religiosos, nenhum destes deixará tanto suas marcas quanto o período áureo da Cana-de-Açúcar. Vivido entre os sécs. XVI e XVII, onde a economia pernambucana viveu seu apogeu, este período trouxe não só divisas para Pernambuco, mas sim, um legado cultural muito mais rico que todas as sacas deste “ouro branco” i. O objetivo deste trabalho é traçar uma narrativa histórica, focada no denominado período açucareiro pernambucano e seus reflexos na contemporaneidade, que venham a contribuir com a compreensão do consumo de moda da sociedade recifense. Como fonte e referencial de pesquisa foi utilizada a análise iconográfica, através de estudos fotográficos, do período em questão, do acervo da Fundação Joaquim Nabuco e Fundação Gilberto Freyre, e fotografias atuais de ritos de passagens ou outras cerimônias ocorridas na cidade do Recife, de periódicos e sites sociais locais.

Introdução

Hoje, em contraponto a Estados vizinhos, Pernambuco vive características de consumo distintas e contraditórias, se analisada quanto ao clima e economia destes Estados. Outro ponto de relevância nesta analise, é a de Recife possuir característica cosmopolita e de vanguarda e, ao mesmo tempo, perpetuar costumes ancestrais e não contemporâneos. Diante deste cenário historicamente rico, principalmente por sua carga hereditária perpetuada, este estudo busca contribuir academicamente despertando questões ligadas ao consumo – preferências e gostos – e sua formação histórica e econômica. O objetivo deste trabalho é ampliar o campo de compreensão do consumo da sociedade recifense, sob o aspecto histórico-cultural relacionado ao período áureo da economia da cana-de-açúcar e o seu reflexo nos tempos atuais. Problema de Pesquisa Diante do ambiente apresentado acima, temos como problema de pesquisa a seguinte questão: “Existirá uma relação entre o gosto e preferências do consumo de moda, pela sociedade recifense contemporânea, com o período áureo da civilização açucareira?” Consumo Simbólico da Tradição Percebendo que consumir em nossos dias, na sua grande maioria, está associado a satisfazer necessidade de ser e pertencer, temos em produtos e serviços valores que vão além do funcional. Esses valores, segundo análise de Garcia e Miranda (2007), fazem parte de um ambiente simbólico onde todos estão inseridos, e para interagir com o mesmo, fazemos uso de seus valores materializados em objetos. Mas toda essa verdade vivida nos dias atuais, tem uma evolução que cabe ser destacada neste estudo. Analisando Lipovetsky (2005) percebesse que a divisão de classes constitui a maior das rupturas da história da economia social. A princípio associada ao divino, posteriormente ligada a realeza faraônica, a distinção social vai caminhando até chegar a níveis comumente percebidos e multiplicados por todos nós nos dias

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atuais. Essa segregação tem como grande veículo de identificação a moda e todos os seus códigos. Partindo do conceito que toda cultura se fundamenta no consumo, Lipovetsky (op.cit) descreve em seus textos, que esse hábito já é percebido em períodos como o paleolítico. Neste tempo e espaço, culturas primitivas já apresentam formas requintadas, levando as devidas proporções, de consumo.

Não há dúvida de que os pequenos grupos de caçadores/coletores do paleolítico tenham tido um nível de vida medíocre. Tanto nas suas habitações como suas vestimentas são rústicas, e seus utensílios, pouco numerosos. Mas, se não fabricam bens de grande valor, isso não os impede, por ocasião das festas, de enfeitar-se e de admirar a beleza de seus ornamentos. Além disso – e sobretudo –, de viver em uma espécie de abundância material, de comer bastante nas festas, de gozar de tempo livre e de uma alimentação suficientemente obtida sem grandes esforços. Exibindo uma atitude de despreocupação deliberada com o amanhã, eles festejam o consomem de uma só vez tudo o que tem em mãos, em lugar de constituir estoques alimentares (Lipovetsky, 2005, p. 21)

Este consumo, segundo McCracken, (2003, p. 36) sofrerá uma evolução histórica até vir a se tornar no séc. XVII, no que hoje se conhece como sociedade de consumo. Até este período, o consumo se dava através do que foi chamado consumo de pátina, onde o valor estará associado à história que este objeto carrega e a família a quem ele pertence. Isso fará com que o usuário deste bem, seja imediatamente percebido em uma determinada classe social, legitimando seus símbolos de status e evitando possíveis fraudes. Outro ponto de destaque deste tipo de consumo está na capacidade de decodificação destes símbolos; pois seu reconhecimento, que tem a obrigatoriedade de vir de longas datas, é facilmente percebido por quem já faz parte deste meio há mais tempo. Será quase impossível a sua decodificação por um novo rico. Isso apresenta neste universo de status, um valor ainda maior que é o da hereditariedade. Quando uma família, por questões financeiras, se vê obrigada a vender um desses objetos, o seu valor ficar reduzido ao seu equivalente material e não simbólico. Esta família passa pela perda mais importante dos seus bens, pois sua história de valores/símbolos irá junto com ele. Para que fique ainda mais claro este processo de consumo de pátina, McCraken (op.cit., p. 53) descreve que “a pátina de um objeto permiti-lhe funcionar como uma mídia”. Onde sua compreensão só acontecerá quando o observado está engajado no universo observado, e assim entende os valores de status. Cultura de Consumo Com a grande transformação do ocidente, em meados do séc. XVIII, que não está fundada apenas na revolução industrial como destaca McCracken (2003), uma nova forma de perceber valores e, conseqüentemente, de consumir será vivida. Este fato, em muito trará transformações que serão fonte de análise de vários pensadores, mas todos com a mesma conclusão: “[...] tal revolução do consumo representa não somente uma mudança nos gostos, preferências e hábitos de compra, como uma alteração fundamental da cultura no mundo da primeira modernidade e da modernidade”. McCracken (p. 21) Diante desta nova realidade, o consumo de pátina entra em um declínio que não terá retorno. Toda essa transformação do consumo terá início no séc. VXII, quando novas oportunidades de compra passam a fazer parte da vida das pessoas. Essa nova forma de consumir, tem seu

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início no período elisabetano, onde por questões estratégicas, sua governante desperta novas formas de reconhecimento dos seus súditos para com o seu governo. O “novo” passa a ter valor neste universo.

“Os bens haviam subitamente se convertido em provas no jogo de status e estavam sendo consumidos com entusiasmo” (McCracken, 2003. p. 31).

Outro ponto importante, também destacado pelo autor é o início do consumo individual. Não mais existirá a compra para a família, o que originava o consumo de pátina. Pouco a pouco, a moda antes observada apenas na realeza, migra para a nobreza, e para a pequena nobreza, que conseqüentemente migrará até as classes mais baixas. Agora existe a liberdade de vestir-se com signos dos superiores. Essa liberdade, em alguns momentos, não será tão bem vista pela nobreza. Não existirá mais o claro pertencimento social vivido no consumo de pátina, pois o novo estará ao alcance de todos que tenham dinheiro para possuí-lo. Um comerciante, agora tem a possibilidade e direito de usar o que um nobre usa, e esse uso passa a ser uma “falsa” mensagem de pertencimento da classe que ele almeja ser. Analisando um artigo de Veblen, McCracken (2003) chega a seguinte conclusão: “ seu argumento controvertido é simplesmente o de que os observadores lêem no custo de um artigo do vestuário o poder de compra do indivíduo que o veste. Esta é uma formulação pré-simbólica” (p. 24). É importante frisar que esta conclusão, ainda será em muito elaborada por pensadores do séc. XX, onde outras questões farão parte desta análise.

“Quando os indivíduos de baixa posição começam a tomar emprestado dos de alta posição seus marcadores de status, estes últimos são forçados a transferirem-se para outros marcadores. Estes “efeitos trickle-down”, identificado pela primeira vez por Simmel, operou por todo o período da primeira modernidade. Agora sem a pátina para proteger determinados marcadores de status, este padrão de difusão assumiu uma nova proporção e uma nova velocidade. Agora, virtualmente qualquer marcador de status podia ser imitado por grupos subordinados ricos. Como resultado, os grupos superiores eram forçados a adotar outras inovações em todas as categorias de produtos. Não havia trégua. Mal o grupo dos superiores criava uma inovação, esta era, também, apropriada pelos grupos subordinados, e um outro movimento era então novamente necessário. As classes aristocráticas haviam se tornado prisioneiras de um ciclo de caça e perseguição.” (McCRACKEN, 2005).

Surge aqui o ciclo de consumo de moda de maior influência: trickle-down, onde o desejo de ser e pertencer é o motivador do consumo. De certo, como descrevem pensadores como Baudrillard (1968) e Belk (1982), esse consumo perpassa diretamente por questões ligadas ao simbólico desses objetos de desejo, o seu significado vai além de seu caráter utilitário e de seu valor comercial (este também é percebido no consumo de pátina). Essa relação está diretamente associada a sua capacidade de comunicar relações com a cultura em que está inserido. Necessidades e Valores de Consumo Em Sheth, Mittal e Newman (2001), percebemos uma visão geral dessa motivação. Seus estudos definem a essa motivação em três etapas: necessidade, emoção e psicografia.

“ Qualquer que seja a direção da motivação, ela se manifesta em três facetas:

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necessidades, emoções e psicografia. As necessidades referem-se a distância entre o estado desejado e o atual, prestando-se mais prontamente à consciência e à análise cognitiva. As emoções são mais autônomas e geram mais experiências pessoal. A psicografia combina comportamento orientados tanto pelas necessidades quanto pelas emoções.” (Sheth, Mittal e Newman. 2001, p. 237).

Os conceitos de necessidades e desejo, segundo os autores, estarão sempre muito próximos do conceito de motivação. Onde por definição a necessidade é um sentimento de privação do estado desejado. Para entender melhor essas necessidades, visto que enumerá-las seria impossível devido a variantes infinitas de cada ser humano, Temos na construção da hierarquia de Maslow (2001) onde ele define que as necessidades de nível mais alto ficam dormentes até que as de nível mais baixo sejam satisfeitas. Maslow, segundo análise de Sheth, Mittal e Newman (2001), não faz distinção entre necessidades e desejos, mas, hoje me dia, a maioria dos estudiosos o fazem. De acordo com essa distinção, apenas as duas primeiras classificações da hierarquia de Maslow seriam “necessidades”, ao passo que as três seguintes seriam classificadas como desejo. Esclarecendo a diferença entre necessidade e desejo, Solomon (2002) apresenta um exemplo bastante prático desta sutil diferença:

“A maneira específica como uma necessidade é satisfeita depende da história única do indivíduo, suas experiências de aprendizagem e ambiente cultural. A forma peculiar de consumo usada para satisfazer sua necessidade é chamada de desejo. Por exemplo: dois colegas de uma aula podem sentir seus estômagos roncarem durante a aula no horário do almoço. Se nenhum deles comeu nada desde a noite anterior, a força de suas respectivas necessidades (fome) seria a mesma. Porem, os modos como cada pessoa procede para satisfazer essa necessidade podem ser muito diferentes. A primeira pessoa pode ser vegetariana, fantasiando engolir um grande punhado de frutas secas. enquanto a outra pode adorar carne , ficando entusiasmada com a perspectiva de comer um cheeseburger gorduroso com banta frita” SOLOMON (2002, p. 97).

Outro ponto de análise importante neste quesito diz respeito a valores. Estes, ainda sobre a análise de Sheth, Mittal e Newman (2001) estão divididos basicamente em universais e pessoais. A busca de produtos orientados pelo desejo, são uma constante no universo do consumo. Isso se dá principalmente por seus valores emocionais e/ou sociaisii; ao mesmo tempo que buscaremos produtos orientados pela necessidade, onde sua performance será nosso parâmetro decisório. Consumo de Moda Focando no objeto desse estudo, que é o consumo de moda, percebemos, outras variantes serão decisórias na escolha de um produto. Tendo a moda como um veículo de comunicação, existe no trabalho de Garcia e Miranda (2007), uma análise que facilitará o entendimento. Segundo as autoras, “Como mídia secundária, a moda é um instrumento poderoso de inserção humana no contexto cultural. Tornado-se também ela, um sujeito ativo que detém o poder para agir de diferentes formas e processos comunicacionais” (Garcia e Miranda, op.cit.,p. 103). Sua análise apresenta

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determinados aspectos motivadores deste consumo. São eles: Moda como instrumento de comunicação – neste grupo de análise a moda passa a ser a embalagem pela qual o indivíduo necessita ser percebido em sua sociedade. Onde até não querer comunicar, já está sendo uma forma de negar interesses ou padrões por esta sociedade expostos. É importante ressaltar que esta comunicação é uma via de mão dupla, que ao mesmo tempo que analisamos somos analisados e interpretados. Moda como instrumento de integração – neste aspecto o motivador da adoção de determinada mensagem/moda se dará pela necessidade de pertencimento e aceitação. O indivíduo necessita ser reconhecido e aceito pelo grupo que almeja fazer parte. É importante destacar que aqui o indivíduo se vestirá para ou outro, desencadeando o fenômeno da imitação. Moda como instrumento de individualidade – este grupo, está mais para a necessidade de ser a exceção. Os indivíduos que fazem parte deste grupo, vão sempre ser percebidos como adotares, os primeiros usuários. Mesmo diante desta postura de individualismo, existe uma identificação deste grupo com o resto da sua sociedade. Eles, querendo ou não, farão parte de um sub-grupo facilmente identificado. Moda como instrumento de auto-estima – neste grupo, os indivíduos verão na moda a solução para satisfazer sua auto-estima. Moda como instrumento de transformação – fundado na carência social, a moda passa a ser percebida como preenhedora de vazios desta sociedade contemporânea, onde atos de consumo vem a saciar as necessidades de transformação. A roupa passa a ser um fator “mágico”, onde o seu uso, hipoteticamente, passa a ser transferido para seu usuário.

Sob esta ótica, Garcia e Miranda (2007) há uma intersubjetividade sobre a percepção do consumo de moda como forma de comunicação.

“A crença é essa: as posses de alguém fazem parte do que esse alguém é. [...] as posses influenciam a maneira como as pessoas se vêem (questão individual) e também como se vêem umas às outras (questões sociais). No nível social, as necessidades de consumo de moda repousam principalmente na questão da integração: possuir produtos para interagir com determinados grupos e simultaneamente para se distanciar de outros.” (GARCIA e MIRANDA 2007, p. 108)

Ainda sob sua análise, é importante destacar: “ [...] Ao consideramos a moda como expressão de valores individuais e sociais predominantes durante um período de tempo determinado, ela pode ser entendida como extensão visível e tangível da identidade e dos sentimentos pessoais.” (GARCIA e MIRANDA 2007, p. 118).

Consumo de moda e referências históricas Diante destas análises, traremos agora nosso foco de estudo para um tempo e espaço específico da história do Brasil. Mais precisamente, este foco de análise será os valores e de consumo e seus códigos construídos na sociedade açucareira recifense. Esses significados são notados na obra de Gilberto Freyre.

“Em sociedades chamadas burguesas, o modo das mulheres casadas se apresentarem em público, constitui um dos meios dos seus maridos se afirmarem prósperos ou socialmente bem situados. Sendo assim, é preciso que os vestidos de esposas ou de filhas variem de menos a mais exuberantemente e

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caros, e adornados como expressão, quer da constância de status alto dos maridos e pais, quer como expressão de aumento de prosperidade ou de ascensão sócio econômico ou políticas ou na ocupação de cargos ilustres de maridos ou pais” (FREYRE 1986, p.31).

Esse seria um ponto alto na observação do consumo simbólico de uma época da sociedade açucareira recifense. Em séculos passados, mais precisamente entre os séculos XVI e XVII, está localizado o apogeu da economia da sociedade recifense onde o luxo era tão exacerbado que chegava a transpor as condições mais luxuosas da própria corte portuguesa, como no uso de garfos nas refeições, coisa rara nesta época e indicador de comportamento de alto luxo não só pela posse como pela sofisticação que residia no uso deste instrumento. Já era notada presença de produtos importados fruto da passagem constante de navios vindos da China, Índia, Peru e das Canárias; onde os senhores de engenho adquiriam seus chapéus, bengalas e adornos para suas residências. Não só do material se constituía esta importação, também era notado no comportamento refinado e nos tratos de mando desta sociedade fidalga. (Freyre, 2002) O status de Senhor de Engenho, segundo o relato do jesuíta João Antônio Andreoni não era mero indicador de dono de terra mas constituía em símbolo que ainda hoje é usado para designar “aquele que é ouvido, obedecido e respeitado” (PINHO, 1970).

“ Em 1857, anúncio no Diário de Pernambuco, jornal em circulação até os dias de hoje, tornava evidente o que vinha sendo, há anos, a europeização do trajo e do calçado no Brasil, através não só da importação de artigos europeus com a de chegadas, ao nosso país de, além de artistas, artesãos. No referido anúncio, informa-se terem acabado de chegar de Paris um Sr. Blanchin, “ ótimo official de sapateiro, e a Madama Blanchin, perita engomadeira de roupa fina”... ofereciam seus préstimos “por chegarem com todos os aparelhos necessários para as suas artes. Evidente requintes novos para o Brasil, sendo de presumir dos sapatos que já fossem de aparência discreta” (FREYRE, 1997, p. 119-120)

Estes homens e mulheres da sociedade açucareira usavam a moda para posicionar seu status. Segundo Quintas (2007), a cor escura predominou entre as silhuetas patriarcais, fiéis adeptas do estilo europeu. Modas que correspondiam a climas temperados e frios, longe da tropicalidade do nosso país. O estilo de vestir feminino explorou excessivamente requintes de complementos: rendas, babados, bicos. A indumentária acompanhou a escala social. Muitas jóias, muitos enfeites, muita arrogância. O poder da cana residia nas roupas extravagantes, adornos não menos extravagantes. A mulher seguiu à risca o que a França a orientou e o homem pautou sua indumentária sob o signo da Inglaterra. (Freyre, 2002).

“ Nessa civilização regional predominantemente rural – e açucareira – já se fazia notar uma complementação urbana, com Olinda e o Recife – o Recife como porto de mar, importantíssimo para a exportação do açúcar e para a importação de valores europeus e africanos [...]. Se podem esses surtos de desenvolvimento sociocultural brasileiro ser denominados civilizações é que não lhes faltaram características urbanas de convivência. Mas essas características, sobre base e sobre espaços principalmente rurais. De onde poderem ser considerados exemplos de ajustamentos toscamente urbanos. Ou antecipações de toscos ajustamentos urbanos (FREYRE, 1982. p. 12)

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Ainda como parte integrante desta civilização, existirá a forte influência do colonizador português. Esse por sua vez, carrega características que o diferenciam do resto do continente europeu neste período, tornando o mais cosmopolita de todos os tempos. Aliado a isso, sua grande facilidade de adaptação e transformação, o faz “o desbravador de caminhos, um plástico em sua maleabilidade cultural”, afirma Quintas (2007). Essas características, somadas aos trópicos e ao tempero mouro presente neste ambiente, constroem todo um apurado estético, que chega a ser percebido até por marginais como é o caso da estética do cangaço. Uma moda de valores claramente representados em símbolos do trajo, traz mais uma característica única ao nosso caso de estudo que é a incoerência da casa grande x ocasiões sociais. Tanto no traje feminino como no masculino, existia um desleixo excessivo nas roupas usadas em casa. A mulher, onde focamos nosso caso de estudo por conta de um número maior de elementos que ajudam nossa análise, no ambiente familiar apresentam-se com roupas largas, chinelos sem meia e com cabelos descuidados. Um desleixo oriundo as horas de ócio vivido por esta sociedade. Importante salientar, que esta “vida fácil”, vivida por nosso objeto de estudo, também é um signo de luxo. O mandar fazer é sem dúvida uma referência de poder. Quando tratamos do homem deste período, nota-se uma que não difere das mulheres. Este também está entregue ao ócio, e em muitos casos, suas atividades físicas se resumem a cavalgadas pelo pasto. Sua preferência será sempre a contemplação, entregue aos cafunés – hábito genuinamente masculino, com um toque de lasciva – de esposas e mucamas. Quando jovem, este homem terá hábitos delicados, que em dados momentos da juventude não difere muito seu corpo das linhas femininas. Pés delicados, pele clara e corpo franzino. De certo que esta aparência só perpetuara até o matrimônio, onde ambos os sexos sofrerão alterações no peso e no cuidado com o corpo (FREYRE 1997). Apesar de todo o requinte e modernidade desta civilização, com acesso a produtos finos e raros vindo de toda parte do mundo, esta é uma épocas onde a saúde não tão evoluída. Doenças comuns do nosso dia-a-dia e de fácil solução, serão causadoras de perdas principalmente de filhos pequenos. Anjos sobem aos seus, sem sequer terem tido a oportunidade do aconchego do colo de suas mães, declara Freyre. Este excesso de mortes, inserido numa religiosidade católica, traz a esta sociedade a permanência da cor preta e roxa. Preta no luto fechado, quando de parentes próximos; ou roxa, quando abrandada pela juventude do seu usuário. Eis aqui mais um fato curioso desta civilização. Com a permanência do luto em todas as famílias, e conseqüentemente a necessidade de comunicar posses através da vestimenta, surgindo assim o luto de luxo. Surge neste período, artesãos e costureiras, especializadas na produção de trajes pretos ricos em detalhes e em materiais. Mas uma vez, a mulher mídia da mensagem de riqueza e prosperidade do seu marido, encontra uma forma de ressaltar suas características econômicas (QUINTAS, 2007). Com o declínio da cana de açúcar, a cidade do Recife ainda carregará o posto de uma das mais importantes cidades do país.

“Até meados dos anos 50, o Recife era incontestavelmente a principal cidade do Nordeste, por muitas décadas a terceira capital do país, como também o pólo cultural mais atuante, depois de São Paulo e Rio de Janeiro (TELES, 2000. p. 15).

Ainda sob a ótica de Teles (2000), a decadência em muito se dá pela falta de lideranças políticas, tanto locais como nacionais. Mesmo assim, será sempre notado seu apogeu, ainda oriundo do período açucareiro, nas fachadas dos prédios e casarios do Bairro do Recife (bairro que dá origem a cidade). São fachadas suntuosas, de um requinte de adornos que deixa claro o senso estético apurado e o gosto pelo refinado.

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Hoje, a economia do estado de Pernambuco já não é unicamente da cana de açúcar; apesar de ainda ser um dos setores de importantes economicamente e culturalmente. Pernambuco ainda carrega consigo o título de um dos melhores ambientes logísticos do país. Sua economia baseada no comércio e nos serviços possui outros setores, que vão da agricultura irrigada a pólos de alta tecnologia da informação. Como herança cultural da grande miscigenação de informações vividas há tempos atrás, faz de Pernambuco um caldeirão de ritmos, artes plásticas e manifestações culturais. Método de pesquisa Este estudo percebe na iconografia uma grande ferramenta para fundamentar sua proposta de trabalho. Foi utilizando como método a análise semiótica de imagens paradas de Gemma Penn (PENN 2002 apud. BAUER e GASKELL) onde o analista trabalha com um conjunto de instrumentais conceptuais, para uma abordagem sistemática dos sistemas de signos, a fim de descobrir como eles produzem sentido. Tendo como objetivo apresentar uma possível relação entre gostos e costumes da sociedade recifense, com fundamento histórico no período da cana-de-açúcar, este trabalho buscou como objeto de análise, fotografias de época em contraponto a fotografias atuais de ambientes sociais na cidade de Recife. Considerando que a relação entre o mundo real e o sujeito não pode (ou não precisa) ser traduzido em números, o estudo também buscou na análise denotativa não exaurir informações num inventário tradicional, criando critérios pré-estabelecidos de observação para identificação dessas semelhanças. Critérios de análise Quanto às imagens de época Para garantir uma fidelidade do material analisado, este trabalho focou sua fonte de pesquisa na Fundação Joaquim Nabuco e Fundação Gilberto Freyre. Estas possuem em seu setor de iconografia, um acervo significativo de imagens do período desejado (séc. XVI e XVII). Dentre o vasto número de possibilidades, foram escolhidas imagens que prezassem pela clareza dos seus elementos de composição, e também pela quantidade de informações que poderiam ser geradas por esses elementos. Para que o trabalho fosse mais abrangente em sua análise, foi escolhido imagens de tipos masculinos, femininos, adolescentes e infantil, tentando com isso despertar as possibilidades de relação, passado e presente, através de suas referências. Quanto às imagens contemporâneas Como fonte de análise do tempo presente, este estudo buscou imagens de eventos socais recifenses nos anos de 2006 e 2007; tendo como fonte de pesquisa fotos de eventos sociais, foi utilizado sites de jornais recifenses (coluna social do Diário de Pernambuco e Jornal do Commercio) e sites sociais (Bob Flash). Usando do mesmo fundamento do para escolha das imagens de época, foram escolhidas imagens que contribuíssem com elementos que facilitassem a análise desejada. Quadro de critérios pré-estabelecidos Fundamentado nos texto de Quintas (2007) e Freyre (1987), onde são descritos com detalhes trajes do 1º período em estudo, descrevemos abaixo, características e pontos encontrados nos acervos pesquisados e seus critérios de análises. Critério de análise 01 – Modelagem.

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Nos séc. XVI e XVII, com já foi descrito anteriormente, a moda tinha na cópia de padrões europeus suas regras. A modelagem feminina mantinha-se ajustada ao corpo no tronco. Suas mangas eram fartas e volumosas nos ombros, ajustadas ao punho. Os decotes praticamente ausentes nas idades mais avançadas, era discreto quando jovem, mostrando um pouco do colo, que poderia ser coberto por véus ou chalés. As saias mantinham o rigoroso padrão europeu. Sempre longas e fartas, guardavam a “decência” das suas usuárias.

Critério de análise 02 – Cor. A cor predominante nos trajes femininos será: Para vestidos de passeio – Cinza rato; toupeira; castanho não muito escuro; resedá; musgo; bege carregado; tijolo; violeta. Para vestidos de visita e cerimônias – Campangne heliotrópio, cinzento pérola; bege claro; groselha; azul Sèrvres; verde esmeralda, mordoré; rubi escuro; e violeta de parma. Para vestidos de baile e teatro – Rosa deste o tom mais suave até o ao mais carregado; azul celeste; verde aguar; branco; amarelo canário; marfim; creme; rubi; gris; gema de ovo; palha; e pêssego. É importante lembrar que o uso da cor, está diretamente relacionado com a condição da mulher em análise. Esse terá uma gradação mais suave se for usado por mulheres mais jovens e solteiras. Os tons mais fechados e escuros, serão destinados as senhoras.

Critério de análise 03 – Materiais. Nesta análise, estaremos atentos a tecidos pesados e nobres, assim como o veludo e o brocado. Destacaremos também o uso de pedrarias e bordados requintados, porem discretos na sua forma visual. Outro pondo que caberá a nossa análise são os aviamentos, tais como: bicos, rendas, fitas, pregas e nervuras, comuns neste período.

Critério de análise 04 – Composição. O uso exagerado de acessórios, símbolos de valor como correntes de ouro, brincos, pulseiras e até o pince-nez – acessório fundamental na composição do traje no final do séc. XVI, tanto para homens quanto para mulheres; serão aqui analisados. Outro ponto deste critério será a superposição e número de peças usadas em um traje.

Critério de análise 05 – Gestual. Como nosso objeto de análise é a imagem estática, o que por um lado também nos ajuda por sua dramaticidade, trabalharemos o gestual dos personagens nelas fotografados. Neste período, é notada a hierarquia na composição familiar, onde o patriarca ocupava o local de destaque no grupo. Mas a mulher, também tem sua construção de personagem nesta cenografia. É clara a postura de submissão e ao mesmo tempo de nobreza, de pertencimento a valores e herança cultural.

Análises de resultados Abaixo, o trabalho apresenta similaridades percebidas durante esta análise. São elas: Forma – constantemente é percebido volumes e comprimento referência do primeiro período analisado. Tanto no feminino quanto no masculino, e recorrente a modelagem muito próxima dos padrões do séc. XVII. Mesmo quando modernizada, percebemos suas referências adaptadas ao nosso tempo. Cor – neste critério, fica ainda mais clara nossa percepção. Principalmente se analisada pelo aspecto tradicional do uso das cores em ocasiões sociais. Foi recorrente o uso de cores escuras, mesmo em ocasiões mais descontraídas ou em horários onde essa cor não é recomendada por consultores de etiqueta. Mas sua associação as suas referências de valor,

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talvez seja um dos motivadores desse uso. Materiais – apesar da cidade do Recife está situada na região nordeste do Brasil, área reconhecidamente tropical com temperaturas elevadas, o uso de tecidos nobres e pesados, tais como tafetá, chantum e até o mesmo o veludo, serão percebidos nestes trajes. Outro detalhe relevante é o uso de aviamentos de adorno, como pedrarias e redás, nas peças analisadas. Mais uma vez, o horário e o uso desses adornos/aviamentos não estão dentro dos padrões convencionais. Composição – neste critério a superposição é o ponto de destaque nesta análise. Mais uma vez vemos uma incoerência do clima da cidade do Recife e a real necessidade de agasalhar-se. Outro destaque é o excesso de acessórios, presente nas imagens analisadas. É importante ressaltar a renovação desses acessórios, onde não são exatamente os mesmos do primeiro período analisado, mas renovações materializadas para os nossos dias. Gestual – devido ao acesso de novas tecnologias, esse quesito é o mais sutil de ser trabalhado. No primeiro período em análise, o acesso a fotografia era privilégio de poucos, e esse registro era praticamente um evento familiar ou social, onde todo um cuidado era tomado para não perder a oportunidade de gravar as informações desejadas. Nos dias atuais, com a facilidade do registro em equipamentos digitais de fácil acesso por vários níveis sociais, não trás mais esse cuidado e elaboração fotográfica. Mesmo assim, este critério é importante para nossa análise visto registrar a postura assumida e representação, em alguns casos, do personagem desejado. Nas fotos do séc. XVI e XVII, vemos uma clara construção de valores, seja no posicionamento altivo do personagem da figura 01, ou na postura submissa de alguns personagens da figura 02. Quando feita a análise para os dias atuais, apesar desse registro não possuir mais os cuidados como já foi dito acima, ainda percebesse semelhanças na postura e gestos característicos dos personagens analisados. Figura 1 - Imagem de época – Séc. XVI a XVII

Critérios

01 – Forma – comprimentos e volumes trabalhados dentro das regras européias. Casaca com comprimento mais longo, e gola com recorte acentuado. Ligeiro volume nas mangas.

01 – Figura de senhor pernambucano trajado sob regras da época.

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02 – Cor – predominância da cor escura,neste caso a cor preta. 03 – Materiais – gola em veludo e corpo da casaca em tecido espesso, possivelmente lã. 04 – Composição – percebe-se a superposição da casaca sob uma camisa de colarinho marcado. Além disso, destaca-se o volume da gravata e o suo da cartola. Em sua mão esquerda, o uso de jóias, possivelmente um anel de graduação ou de referência familiar. 05 – Gestual – a figura apresenta uma postura viril, com o olhar altivo e superior. Sua postura ereta indica força, posse e autoridade.

Figura 2 - Imagem de época – Séc. XVI a XVII

Critérios

01 – Forma – tanto no vestuário feminino como no masculino, temos uma cópia de formas européias. Nos homens, predomina a modelagem inglesa, mais próxima do corpo e com valorização para golas e pequenos volumes nos ombros. Já para as mulheres, é clara a influência francesa, com volumes superiores (mangas e colo) e inferiores (saias rodadas e amplas), marcados por cinturas ajustadas ao corpo. As crianças, são uma reprodução das roupas dos adultos, com alguns exageros nos volumes das golas e amplitude das mangas. 02 – Cor – predominância da cor escura para todos os gêneros e idades. 03 – Materiais – Nós homens o uso de tecidos pesados, mesmo quando usados em superposições (coletes e camisaria). São tecidos opacos, sem brilho e de forte valor agregado na sua matéria-prima. Para as mulheres, tecidos facilitadores de volumes (tafetás e brocados). Notasse o forte uso de babados valorizando o colo, bem como o uso de rendas Para as crianças, repetem-se os mesmos tecidos, mas surgem a variação entre o claro e esculo. 04 – Composição – os looks apresentam várias referências de poder. São elas: Masculino: traje dentro de padrões europeus da época; uso de chapéus e acessórios como broches (insígnias ou referências de família) uso de relógios de ouro, jóias de prestígio na época.

02 – Família patriarcal pernambucana

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Feminino: traje dentro dos padrões europeus, com requinte francês notado nos volumes e modelagem dos vestidos. Esmero na forma de construir o penteado. Uso de jóias e acessórios como o leque. Infantil: mais uma vez, vemos o modelo europeu como referência. Tanto nos meninos como nas meninas vemos o uso de meias longas e rendas. 05 – Gestual – a cena apresenta uma clássica hierarquia patriarcal. Onde os homens, na sua maioria, estão de pé em posição se superioridade. Nota-se o olhar imparcial e superior, notadamente o personagem central da foto, que possivelmente, dentro dos padrões da época, tratava-se da pessoa mais importante a ser fotografada.. As mulheres, possuem a postura de submissão aos maridos/pais, mas está presente a nobreza na forma de sentar-se e no olhar de superioridade. As crianças, fazem parte desta escala hierárquica, em sua posição rente ao chão.

Figura 3 – Imagem contemporânea – 2006 a 2007

03 – Casamento ocorrido no período da tarde – Cidade do Recife

Critérios

Masculino 01 – Forma – modelagem, comprimento e desenho dentro das regras da casaca inglesa. Destacamos o desenho da gola e o volume da gravata. 02 – Cor – cor clara, mas apropriada ao horário do evento. O dourado presente na cor da gravata e no detalhes do primeiro colete. 03 – Materiais – tecidos apropriados ao clima [gabardine, algodão e cetim] 04 – Composição – o look apresenta uma superposição de peças. É importante destacar o uso de 02 coletes [1º colete em gabardine e o 2º colete em cetim]. Apesar de um desenho mais contemporâneo da lapela, a camisa e laço da gravata estão dentro de padrões do séc. XVII. 05 – Gestual – mesmo diante de uma foto casual, percebesse o tem de seriedade e altivez. Este ressaltado pelo função do objeto de análise e o evento que participa.

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Feminino 01 – Forma – modelagem e volumes contemporâneos. 02 – Cor – cor clara, dentro dos padrões tradicionais da função do objeto de análise. 03 – Materiais – tecidos nobres [tafetá, cetim e tule de seda]. Destacamos o uso de pedrarias e bordados sofisticados no vestido e véu. 04 – Composição – o look apresenta uma contemporaneidade no seu conjunto, mas cabe destacar o uso de pedrarias e ricos detalhes em bordados da composição, além de jóias de grande proporção [brincos e tiara] 05 – Gestual – neste caso, por se tratar de uma foto casual, o objeto de análise apresenta uma postura descontraída e prazerosa em participação do evento.

Figura 4 – Imagem contemporânea – 2006 a 2007

Critérios Masculino [adulto e infantil] 01 – Forma – modelagem e design contemporâneos. 02 – Cor – cor escura, tanto para o adulto quanto para a criança. Destacamdo o contraste na cor da gravata. 03 – Materiais – tecidos apropriados ao clima [gabardine, algodão e cetim] 04 – Composição – os looks apresenta contemporaneidade na sua composição. Destacamos o contratas no usos gravatas com cores vibrantes, não muito como para o público masculino. 05 – Gestual – neste caso, por se tratar de uma foto casual, o objeto de análise apresenta uma postura descontraída e prazerosa em participação do evento. Feminino [adulto e adolescente] 01 – Forma – modelagem e design com referências retrô. Uso de corpetes modelando busto.

04 – Família recifense em baile de debutantes – Cidade do Recife

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02 – Cor – cores mais escuras para o traje do adulto e mais claras para o caso do infantil. Contrate [verde musgo e preto] nas cores trabalhadas no look do adulto. 03 – Materiais – tecidos nobres [tafetá, brocados e chatum]. Destacamos o uso de bordados [look adulto] e a aplicação de fitas de veludo sobre o chatum [look adolescente] 04 – Composição – os looks apresentas contemporaneidade mas com forte referências no retrô [anos 50]. É importante destacar o uso de jóias de grande proporção, bem como o valorização de papeis reforçado pelas cores adotadas nos objeto de análise. 05 – Gestual – neste caso, por se tratar de uma foto casual, o objeto de análise apresenta uma postura descontraída e prazerosa em participação do evento.

Considerações finais Quando valores culturais são facilmente percebidos no consumo de moda contemporâneo, o estudo dessa perpetuação trás uma análise bastante rica e fundamentada em fatos e períodos de impacto na cultura ou sociedade analisada. Estes valores terão sua história construída, principalmente, em um auto-reconhecimento dos que fazem parte deste grupo fundamentada em valores sociais. É o que este estudo denomina de empoderamentoiii. Tendo a sociedade recifense como foco de análise, percebe-se no empoderamento um reflexo de um período de glória, que construiu nos seus habitantes um sentimento de ser e reconhecer-se em um nivelamento superior a outras regiões e estados brasileiros da época. O acesso a novas tecnologias, a troca de experiências e matérias com outras culturas, associadas ao sentimento de posse do “ouro branco” como riqueza aparentemente inesgotável, constrói na história de Pernambuco valores perpetuados através dos tempos. Esse sentimento de pertencimento pernambucano, também será percebido pelo seu irredentismos, registrado em batalhas e explosões de inimigos que viriam a ferir essa tradição e sentimento de posse. Nessa trajetória histórica, existiram alguns momentos de baixa neste sentimento de pernambucanidade, mas nunca foi percebido no consumo de moda deste grupo a perda de referências do período áureo da cana-de-açúcar, transcrita no requinte e riqueza de seus trajes em aparições sociais. Hoje, percebem-se no consumo de moda da sociedade recifense, inúmeras referências deste período. Seja nos volumes, cores e matérias empregados nos trajes, tanto masculino quanto feminino, este estudo encontra, ma maioria das vezes, elementos de conexão com o tempo passado. É curioso perceber, que mesmo com a decadência deste setor na economia pernambucana, e com o ranço histórico dos senhores de engenho associado a autoritarismo e privilégios sociais, que membros que nunca fizeram parte desta classe mais elevada, reconheçam nestes signos elementos de valor e de adoção de moda. Diante deste universo analisado, percebe-se nesta sociedade, indicativos que leva a crer que a tradição, fundamentada em processos históricos, pode vir a ser um fator decisório no consumo de moda. Historicamente, dentro de uma classificação pessoal debruçada na experiência também como membro desta sociedade, classifico este fenômeno como Civilização do Açúcar. Onde a sociedade açucareira, vivida em toda sua glória nos séc. XVI e XVII, perpetuasse em gostos, modos e conseqüentemente consumo de moda da cidade do Recife.

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